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D iante da gravidade da situaçãodo dengue no mundo e da
existência de vacina para a febreamarela, cujo vírus é da mesma fa-mília, freqüentemente surge a per-gunta: por que ainda não se con-seguiu uma vacina contra o dengue?
Em primeiro lugar, deve-se con-siderar que existem quatro tipos devírus capazes de produzir a doençae não há uma imunidade cruzadaentre eles. Ou seja, é necessário pre-parar uma vacina tetravalente, umproduto que seja ajustado para
produzir imunidade contra cadaum dos quatro tipos.
As informações que faltam nes-sa área provavelmente virão dos es-forços de pesquisa em epidemiolo-gia molecular, isto é, do conheci-mento da estrutura genômica dasamostras de vírus circulantes. Osquatro tipos de vírus dengue (Den-1,Den-2, Den-3 e Den-4, dos quais sóo último ainda não foi encontradono Brasil) se distribuem nos cha-mados genótipos. Ao longo dos a-nos, vão ocorrendo modificações no
genoma do vírus, as quais podemou não gerar modificações em suasproteínas. Quando geram, tem-seum novo genótipo. Há substanciaisdiferenças entre os genótipos co-nhecidos no que se refere à viru-lência (capacidade patogênica) pa-ra os hospedeiros.
Assim, por exemplo, circulamnas Américas dois genótipos do ti-po 2. Um deles é denominado Por-to Rico, restrito a poucos países etem menor virulência, ao passo quea amostra Jamaica, responsável
O Q U E F A L T A S A B E R O D E N G U E
As incógnitas do dengueP O R Q U E A I N D A N Ã O S E C O N S E G U I U U M A V A C I N A
C O N T R A A D O E N Ç A Q U E , S Ó N O B R A S I L , J Á F E Z
M A I S D E 3 M I L H Õ E S D E V Í T I M A S ?
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pela primeira epidemia de denguehemorrágico em Cuba, em 1981, es-palhou-se por todo o continente.
A amostra de tipo 3 circulantenas Américas é de origem asiática.Foi reintroduzida na Nicarágua em1994 e está presente em grandenúmero de países das Américas,causando evoluções clínicas demaior gravidade. Por isso, é essen-cial que amostras de dengue sejamcontinuamente estudadas visandoidentificar o impacto do vírus sobrea população e o entendimento dosfatores que determinam a maiorvirulência.
Além das incógnitas sobre o ví-rus, não existe nenhum animal quereproduza os sintomas clínicos se-melhantes à doença humana. Falta,assim, um animal de experimen-tação para o teste das vacinas, ao
contrário do que ocorre com a fe-bre amarela. Isso exige que os
produtos candidatos à va-cina sejam testados emvoluntários humanos, com
uma série de implicações denatureza operacional e ética.
Outra dificuldade é queuma segunda infecção por
dengue, com um tipodiferente da primeira
infecção, tende a sermais grave. Com o uso de umavacina, que incluiria amostras demenor virulência, não se pode pre-ver se os anticorpos por ela geradospermanecerão por longo tempo e seeles serão capazes de proteger apessoa vacinada adequadamente.Ou se, eventualmente, serão res-ponsáveis pelo agravamento de in-fecções que ocorram anos depoisda imunização, quando os anticor-pos estiverem em níveis muitobaixos.
Apesar das dificuldades, váriosprodutos candidatos à vacina vêmsendo desenvolvidos, tanto pormétodos tradicionais, pela passa-gem sucessiva dos vírus em célulasde cultura, o que induz a uma di-minuição gradativa da virulência,como por técnicas de biologia mo-lecular, como a expressão de frag-mentos dos vírus em diversos ve-tores. Mas, de fato, não há previsãode quando uma vacina para o den-gue será disponível para uso emampla escala.
A ciência tem aberto outras fren-tes de batalha contra a doença, queno Brasil se instalou no início dadécada de 80 e, desde então, a-tingiu mais de 3 milhões de pes-soas. Um campo de estudo de cres-cente importância é a análise daresposta imunológica do hospedei-ro, considerando que a infecção esua evolução mais ou menos fa-vorável dependem também da for-mação de fatores do sistema imu-
nológico, os quais são responsáveispela perda de plasma dos vasospara o meio interno. O quadro clí-nico pode evoluir em poucas horaspara o dengue hemorrágico e a sín-drome do choque por dengue, casoo paciente não seja medicado atempo. Na resposta imunológica dohospedeiro, podem se esconder in-formações úteis tanto para o de-senvolvimento da vacina como ode novos medicamentos para trataros doentes.
Falta também conhecer mais agenética e a biologia do mosquitovetor, o Aedes aegypti. Atualmenteé reconhecida, entre as múltiplasraças e sub-raças do mosquito, umagrande variação na capacidade detransmitir o vírus do dengue, mes-mo em nosso país. Esses estudospodem servir de base para o desen-volvimento de novos métodos decontrole, como inseticidas biológi-cos e melhores metodologias detrabalho no campo.
Em função da presença do mos-quito transmissor em todo o ter-ritório nacional e da gravidade queassume a infecção do dengue, in-vestimentos de agências de fomen-to de pesquisas sobre a doença de-vem ser prioridade. Assinale-se queo dengue surge freqüentemente deforma epidêmica, e os sistemas desaúde enfrentam dificuldades paraatender à grande demanda de ser-viços que essas epidemias repre-sentam.
Por isso, a doença vem mo-bilizando o trabalho de cientistasde todo o mundo. O Programa deDoenças Tropicais da OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS) recente-mente a incluiu entre as doençaspara as quais irá canalizar recursose esforços.
Hermann SchatzmayrVirologista do Instituto Oswaldo Cruz
N E X O Fevereiro de 2003
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