o comportamento social nas salas de cinema de sÃo luÍs
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O COMPORTAMENTO SOCIAL NAS SALAS DE CINEMA
DE SÃO LUÍS (1897 A 1930)
Paulo da Trindade Nerys Silva1
Cássia Giovana Nascimento dos Santos2
David Machado Ferreira3
Ilana Maira Carneiro Chagas4
RESUMO
Analisar os comportamentos sociais nos cinemas de elite na cidade de São Luís entre
os anos de 1897 e 1930 é o objetivo deste trabalho. A partir da crença na
singularidade e superioridade cultural atribuída à dupla mitologia da Fundação
Francesa e da Atenas Brasileira, a sociedade de São Luís desenvolveu uma relação
com o cinema que perpassou a condição de entretenimento, visto que as primeiras
salas de exibição da capital pretendiam ser espaços de legitimação social. Nos
registros deixados nos jornais Pacotilha, Diário do Maranhão, O Federalista, O Jornal
e o Diário Oficial do Estado do Maranhão: notas, notícias, e principalmente anúncios
públicos, identificamos inúmeros relatos de comportamentos pouco civilizados na
camada mais abastada da população que dizia ter fina educação e modos
semelhantes aos europeus. O exame do comportamento da elite nos cinemas teve por
base os estudos de Norbert Elias. Os jornais da época informam que a vinda de
grandes companhias teatrais e a exibição de filmes, mais do que idealizar os
romances apresentados nesses eventos, a sociedade idealizava todo seu modo de
vida, seus hábitos e seu cotidiano entendido como moderno.
Palavras-chave: Lazer, Cinema, Comportamento Social.
1. INTRODUÇÃO
O cinema ou a sétima arte se constitui, desde a sua criação até os dias
de hoje, como uma importante expressão artística da humanidade. Em terras
ludovicenses, os jornais apontam o ano de 1897, mais precisamente o mês de
dezembro, como o marco da chegada do primeiro aparelho que avultava fotos
1 Professor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Maranhão. Coordenador da
pesquisa “Memória e história das salas de cinema como equipamentos de lazer na cidade de São Luís (MA)”. Orientador do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC –UFMA. 2 Aluna do Curso de Educação Física da Universidade Federal do Maranhão. Bolsista do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC –UFMA. 3 Aluno do Curso de Educação Física da Universidade Federal do Maranhão. Bolsista do Programa de
Iniciação Científica – PIBIC –UFMA. 4 Professora de Educação Física. Coordenadora da pesquisa - A “Belle Époque” em São Luís: um
pequeno pedaço da memória e história dos cinemas (1897 a 1930).
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animadas, denominado de “Pantoscópio Automático”. Este aparelho
apresentava ao público cenas reais, personagens, costumes, decorações,
assim como óperas, bailes e “féeries”. As vistas animadas apresentadas
constituíam-se de imagens de várias localidades do globo terrestre, e em
especial, algumas de Paris - França. Com este novo equipamento de lazer, as
famílias passaram a ter uma nova opção de entretenimento.
Tomando o cinema como equipamento específico de lazer, abordaremos
neste texto os comportamentos sociais nas salas de cinema da cidade de São
Luís entre os anos de 1897 e 1930. A escolha da temática e a periodização
dizem respeito à ideia de um modo de civilizar a cidade através de um
processo de europeização, o que previa além das intervenções urbanísticas a
repressão às práticas como rodas de batuques, capoeiragens, candomblé e
outras manifestações comuns do cotidiano das pessoas mais pobres. Era
inaceitável a exposição e enaltecimento do comportamento duvidoso desses
indivíduos pelo distanciamento de suas práticas com o que a elite idealizava
para a cidade.
A repressão aos tipos como o boêmio, o malandro, o bicheiro,
os maltrapilhos, a mulher suspeita – devido mais à pobreza que
à vadiagem – foi posta na ordem do dia, porque esses tipos
eram categorias que davam forma à imagem do atraso, da
ignorância e da miséria, expondo no próprio corpo as
deficiências e as faltas do país. As autoridades não permitiam o
trânsito livre desses indivíduos, que agora mais do que nunca,
divorciados da idealização da cidade e da sua afluente
sociedade, precisavam ser controlados. A forma de conduta
desejada pelas elites seria aquela pontuada pelo
aburguesamento dos modos e do gosto, traduzida pela
ostentação da riqueza, pelos modos teatralizados, por roupas
elegantes e leves, circunscrita no espaço urbano com
numerosas alamedas, praças e jardins (FERREIRA, 2006, p.
67).
Todo esse ideário entrava em choque com a realidade de São Luís
especificamente, com suas ruas sujas, sem calçamento, esburacadas etc. e,
apesar do imponente casario eminentemente português, a capital ludovicense
não sofreu transformações urbanísticas como as que aconteceram em
Fortaleza, Recife, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro.
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Passando por uma série de mudanças sociais, as salas de cinema
vieram afirmar na capital do Maranhão, a crença da chegada da modernidade.
Deste modo, a população mais abastada buscava não só uma forma de
entretenimento, mas também a legitimação social. Aliado a este fato, temos a
credulidade na fundação de São Luís por parte dos franceses, e o título pelo
qual uma pequena elite letrada se autoproclamava de “atenienses”, o que
demonstra uma forte característica de afirmação de requintes e valores nobres
advindos dos europeus.
Para tentar amenizar a situação as autoridades municipais tomavam
medidas para cercear a ação dos mais pobres através dos Códigos de
Posturas Municipais que, versavam sobre diversos assuntos entre os quais o
aformoseamento da cidade. No entanto, essas posturas eram frequentemente
descumpridas pelos homens e mulheres que viviam em São Luís, fato que
pode ser verificado pelas frequentes denúncias feitas pelos editores dos jornais
da cidade.
2. PLATEIA E O “PESSOAL DA TORRINHA”
Durante o ciclo ambulante do cinema em São Luís os empresários eram
solícitos com a plateia na repetição de vistas embora a nota chame a atenção
para um certo desconforto dos presentes diante do comportamento do “pessoal
da torrinha”5, conforme demonstra esta nota sobre uma sessão do Bioscópio
Inglês (PACOTILHA, 25.07.1902):
Espectaculo – Muito concorrido o de hontem, estando a caza
cheia, e continuando o publico a receber, com o maior agrado e
repetidos applausos, a exhibição de vistas, que lhe offerece o
5 As torrinhas, varandas, 4ª ordem e paraíso eram os lugares mais altos do teatro, os de pior visão e, por
conseguinte, a preços populares, onde ficava o público menos abonado financeiramente e considerado incômodo pela elite, que ficava nas cadeiras. No entanto, na elite também ocorriam “excessos” por parte dos abonados frequentadores. As novas práticas de exibição cinematográfica, nos anos de 1920, exigiam por parte do público novas condutas e comportamentos durante as projeções, como não fumar, não falar alto, não cuspir no chão e, no caso das mulheres, não usar chapéus.
4
Sr. J. Filippi, no seu aperfeiçoado <<Bioscope>>, cumprindo
rogorosamente o programma.
A continuada exigencia de bis a quase todas as vistas, partindo
principalmente de 4ª ordem e torrinhas, faz com que o
espectaculo seja muito maior, por isso que obriga a um novo
trabalho para satisfazer. De algumas das vistas é de todo
impossivel, como diz o sr. J. Filippe, fazer a repetição [...]
A Pacotilha ao registrar as sessões que deu o Bioscópio Inglês no
Teatro São Luís nos dias 26 e 27 de fevereiro de 1902, comenta a diferença
entre o comportamento do “ser ateniense”, associado à plateia de bom gosto
artístico e comportamento social irrepreensível e o ‘pessoal da torrinha”.
[...] A platéa deu-lhe uma salva de palmas e pediu bis,
deixando o sr. J. Filipppi de corresponder ao desejo da platéa
pela insuffuciencia da luz com que contava.
As assuadas foram em numero resumidissimo. Bem se notou
que a nobre platéa maranhense, tão conhecida pelo bom gosto
artístico, voltou ao que era.
Apenas das torrinhas e varandas, de vez em vez,
extemporânea, uma voz roufenha e desconhecida, pedia um
bis ou dava um bravo, o que absolutamente não alterou o
esplendor da festa se sabbado.
Cuspir no chão ou gritar dentro da sala de exibição cinematográfica são
práticas comportamentais não condizentes com as regras a serem cumpridas
neste novo espaço elitizado que era a sala de cinema. Ao que tudo indica, para
o público das salas de exibição, aquele espaço frequentado por senhoras e
famílias, no caso da elite, não poderia ser palco de tais atitudes inconvenientes,
uma vez que o cinema, não era mais um lazer barato voltado para ‘’iletrados,’’
como em seus primórdios. O público do cinema, na década de 1920, era, por
exemplo, a elite comercial, que o adotava como mais um espaço de lazer
elitizado. Por isso, visando conter os excessos a Pacotilha publica:
É conveniente, no entanto, que o pessoal paradisiaco se
recolha á sua insignificancia e não exija repetições
incommodas. Bisem, mas quando haja razão para isso e não
sem proposito. Não sejam paus! (PACOTILHA, 02.05.1904)
5
Já no fim do ciclo ambulante, comentando uma apresentação do
Cinematógrafo Norte-Amerocano, o Diário do Maranhão adverte o público e
recorre à polícia:
Theatro S. Luiz – Correram animadíssimas as funcções do
Cinematographo Norte Americano, sabbado e hontem.
A assistencia sabbado foi á cunha, agradando muito as vistas e
fitas apresentadas, acontecendo que por occasião da exhibição
de O sonho de um frade queimasse a fita, interrompendo assim
a bôa ordem e applausos que vinham recebendo as
apresentadas.
Não podemos concordar, por vezes temos dito com o
procedimento irregular de alguns espectadores, mui
especialmente os das torrinhas, que de maneira inconveniente
portam-se naquella casa de diversão, com sucessivas
pateadas e assuadas, próprias de circo; e não é só isso, o
susto que causam ás familias taes demonstrações, fazem com
que fiquem assim privadas da assistencia aos espectaculos.
Á policia cumpre severamente providenciar. (DIÁRIO DO
MARANHÃO, 21.09.1908)
Piorski (2011) chama a atenção que entre os anos de 1919 e 1923 o
número de notas reclamando do comportamento do público nos cinemas de
elite aumentou significativamente. A maior parte delas reproduz cartas dos
próprios habitués inconformados com o comportamento de certos “moços
bonitos” durantes as sessões, conforme podemos constatar no jornal Pacotilha
de 19/05/1922:
Reclamam por nosso intermédio contra o hábito detestável de
certos espectadores que, sem motivo plausível, perturbam a
tranquilidade da platéa com assobios e gritos. Ainda ontem,
quando se passava a bela fita <<A soberana do mundo>>,
alguns moços engraçados prorompiam frequentemente em
assuadas ensurdecedoras denunciadoras da sua má
educação. Isto não fica bem para quem se diz civilizado.
De acordo com a autora, são assobios, gritos, vaias, garotos fumando ou
jogando coisas no palco6, lixo espalhado pela sala e com uma frequência
assustadora até brigas com pontapés e muros lançados contra quem
aparecesse pela frente. O jornal Diário de São Luís, de 25/03/1924 relata ainda
6 Vale lembrar que o Éden e o Olímpia eram teatros-cinema, possuindo atrações no palco e na
tela.
6
que no dia anterior espectadores indignados com a exibição de 5 atos de um
filme, quando foram anunciados 7, brigam em protesto na porta do Odeon “à
ponta-pés e box”.
O Cine Olímpia através do Diário de São Luís anunciou que em 11 de
abril de 1923 já conhecia o nome daqueles que em seu cinema estavam
fazendo baderna e ameaçou chamá-los pelo nome durante as sessões se o
seu comportamento não melhorasse. Um senhor chegou mesmo a ser preso
para que fosse obrigado a pagar uma cadeira que quebrou.7
Pelo menos uma sessão e duas apresentações da orquestra foram
interrompidas no Éden por conta do mau comportamento dos moços da elite.8
O mobiliário era um dos principais alvos houvesse ou não brigas. Neste caso
apesar de parafusadas ao chão as cadeiras eram arrancadas e arremessadas
ou discretamente cortavam-lhe as palhinhas.9 As reclamações eram dirigidas à
polícia à polícia cobrando mais eficiência. Para conter vários cavalheiros que
assobiavam nas sessões do Éden no dia 15 de junho de 1920, recorreram à
divulgação do artigo 33 do Regulamento dos Teatros e Divertimentos Públicos.
Mas ao que tudo indica tal decreto não era cumprido na prática, pois também
em outras salas havia a cobrança da atuação policial visando coibir “excessos”
por parte de alguns frequentadores.
Silva (2007, p. 82) relata que nos cinemas de Fortaleza o
comportamento era semelhante.
[...] O modo com que se portam certos <<moços bonitos>> no
nosso principal cinema elegante – o Moderno – tem sido motivo
para mais de um dos nossos sueltos.
Ouvimos, há dias, mais uma dessas assuadas, absurdas,
ineptas e estúpidas, desses almofadinhas.
Ao nosso lado, um forasteiro ficou admirado ao saber de quem
se tratava.
Proximo, o sr. Secretário de Polícia assistia á scena.
No Moderno não há policiamento. Os <<meninos>> são ricos e
potentados. E quem soffre é a cidade, que diz civilizada.
7 DIARIO DE SÃO LUIZ, 25/06/1923
8 A PACOTILHA, 18/06/1921; O JORNAL, 23/06/1920 e DIARIO DE SÃO LUIZ, 25/05/1921.
9 O JORNAL, 06 de junho de 1921 e DIARIO DE SÃO LUIZ, 13/10/1921.
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Pelo visto, esses moços não eram alvos da ação policial por
pertencerem à elite que estava atrelada ao poder e queria ver as ruas da
cidade limpas e sem a presença dos pobres, estes sim, os alvos da atuação
policial.
Norbert Elias (1994) ao analisar os tipos de comportamento
considerados típicos do homem civilizado ocidental, traça os hábitos Europeus,
analisa o desenvolvimento dos diferentes conceitos de cultura e civilização na
Alemanha, Inglaterra e na França. Posteriormente explora a civilidade como
transformação dos costumes que se estende das pessoas à mesa, no
momento das refeições, na forma de comer, em relação às funções corporais,
tais como espirrar ou tossir, escarrar, arrotar ou expelir gazes, até o
comportamento no quarto de dormir ou no controle da agressividade. Para esta
análise, Norbert Elias baseia-se principalmente em livros de boas maneiras,
além de pinturas, literaturas e documentos históricos. Para o autor o conceito
de civilização é também usado como sinal de distinção entre as classes altas e
as baixas, admitindo-se como civilizado aquele que fazia parte da primeira.
Pelo menos assim deveria ser. Ser civilizado significava obedecer regras de
comportamento condicionadas àqueles que se distinguissem economicamente
e socialmente da população em geral.
O processo que começa na Europa com as cortes, no Brasil se
intensifica com a urbanização. Os modernismos da sociedade ludovicense do
início do século XX estão inseridos na adoção e estimulo da civilidade e
basearam-se em especial na França, então símbolo civilizador. No caso
maranhense os rapazes pareciam não se importar com a falta de respeito
revelada as outras pessoas, tampouco demonstravam sensações de embaraço
ou culpa, apesar de que o jornal O Diário de São Luís não tenha revelado nas
suas edições a necessidade de por à prova a promessa dos donos do Olímpia.
Para os “letrados”, os avanços arquitetônicos e econômicos pelos quais
a cidade passava a condicionava a um lugar de destaque junto as demais
capitais brasileiras e ao mundo “civilizado”. A exportação do algodão
maranhense para o mercado europeu favoreceu sobremaneira o crescimento
da economia local na passagem do século XIX para o XX. A afluência de
8
capital favoreceu as modificações feitas na paisagem urbana: o
embelezamento da capital, por sua vez, configurou-se por meio da
reformulação das principais praças, da arborização e da iluminação das vias
centrais, da construção de um vasto passeio público e de outras edificações.
Com efeito, essa remodelação foi fundamental para a determinação de novos
modos de convívio urbano que correspondessem às imagens de civilidade e
assepsia produzidas pela nova paisagem citadina.
As salas de exibição cinematográfica representaram um apogeu de
modernização e de distinção de classe. Os equipamentos urbanos,
principalmente os públicos e os de uso coletivo, muitas vezes foram projetados
com o propósito de atender a uma necessidade e à construção de um cenário
urbano. No caso de São Luís, as salas de cinema pareciam servir como
cenário urbano que representava a cidade civilizada que se distanciava do
rural.
As cidades brasileiras esforçavam-se fundamentalmente para serem
comparadas com as principais capitais da Europa, exigindo dos segmentos
sociais mais abastados um estilo de vida digno de imenso prestígio. Então, não
bastava apenas que São Luís obtivesse belos prédios erguidos e prósperas
fábricas a funcionar ou mesmo ruas milimetricamente calçadas. Seria
importante também refinar hábitos, costumes, seguir o bem estabelecido
padrão burguês.
A partir de meados do século XIX, por conta das plantações de algodão
e do arroz São Luís se transformaria num espaço capaz de coadunar tais
características com um profundo gosto pelo moderno e por toda a
materialidade e simbolismo que o envolviam e que eram experienciados na
Europa como de um novo tempo, ou melhor, daquilo que era tido como o
‘melhor dos tempos’: a Belle Époque.
Partindo da importância da cidade na formação do novo cidadão foi
elaborada uma série de serviços agora cada vez mais úteis à população
elitizada com o intuito de inserir São Luís neste padrão, e isto se desenvolveu a
partir das instituições e serviços prestados à população. A cidade contava com
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uma Biblioteca Pública, com a Academia Maranhense de Letras (1908), várias
livrarias, gráficas, o Teatro São Luís, vários jornais, bancos, hotéis, drogarias,
joalherias, lojas de luxo, cabeleireiros, companhias prestadoras de serviços
urbanos, algumas fábricas de sabão, pilar arroz, azeite etc. e um Liceu para o
ensino público secundário dos meninos.
As más condutas foram tão frequentes que Piorski (2011) em seus
apontamentos registrou uma briga no Teatro Cinema Éden, que acabara de ser
inaugurado e se tornou o estopim de tudo o que vinha acontecendo até então.
Apesar de “bem frequentado” cinco dias após sua inauguração
dois rapazes da elite se envolveram numa briga com o porteiro
do cinema. Seguindo ordens para não permitir a entrada ou
tráfego após o inicio das sessões, o porteiro impediu o retorno
de dois engenheiros que haviam deixado a sala de exibição
para comprar remédio na farmácia, embora tenham sido
alertados sobre a proibição de retorno... Os envolvidos foram
os engenheiros Teivelino Guapindaio e Luis Rodolfo e o
porteiro Djalma Francisco de Oliveira. O caso teve interferência
da polícia, o que pela descrição da imprensa era algo rotineiro,
e no depoimento dos habitués esteve presente o secretário de
justiça, o juiz municipal da 1ª vara, o promotor, outros
delegados de polícia e vários curiosos. (PIORSKI, 2011, pg. 56
e 57)
Segundo Ribeiro (1998) em seus registros, a chefatura de polícia
costumava receber ocorrências somente das classes menos favorecidas que
deveria garantir em todas as movimentações conservar a melhor ordem e
respeito possível, o que era cumprido pelo requerente. Entretanto acerca dessa
atitude, podemos inferir que as normas de postura, ora criados para as classes
mais pobres com a finalidade de domesticá-los, estava sendo usada para
conter os ânimos daqueles que se alteravam por se acharem pessoas da alta
sociedade e que por esse motivo não iriam sofrer qualquer tipo de repreensão.
Os jornais da época como A Pacotilha e O Jornal divulgaram que era bastante
frequente a presença e interferência das autoridades policiais nas sessões dos
cinemas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ir às salas de cinema representou para a sociedade ludovicense um
verdadeiro ritual, onde ideais de modernidade e civilidade eram alcançados e
também desconstruídos, à medida que o comportamento dos jovens não
condizia com o que por meio das letras procuravam ostentar.
É interessante notar como, separadas por uns poucos metros, estão a
tradição (representada pelo Teatro São Luiz, pela conhecida Companhia Dias
Braga e suas operetas, por toda a pompa de vestimentas e etiqueta pública
que se configurava assistir a um espetáculo teatral) e a modernidade
(simbolizada por um aparelho cinematográfico, exibido numa sala escura sem
luxo, com espetáculo curtíssimo se comparado ao de teatro e a preço muito
menor que as entradas para ver a Dias Braga). Essa dualidade entre tradição e
modernidade vai ser o mote de muitas das apresentações dos primeiros
aparelhos cinematográficos mundo afora – o cinema representado como uma
coisa menor visto mesmo como “teatro dos pobres”, voltado à apreciação das
massas em feiras, vaudevilles, circos ou salas comuns.
A projeção em sala de cinema exigia condutas por parte dos
frequentadores que não eram solicitadas quando a exibição era em circos,
feiras, enfim, ao ar livre, como outrora, quando a exibição era ambulante. A
sala de exibição cinematográfica com uma luxuosa e requintada arquitetura era
algo novo no cotidiano destas pessoas. Eram espaços de diferenciação social
da elite, que adotava o cinema como mais um espaço de lazer elitizado. Elite
que frequentemente assumia o comportamento dos frequentadores da
“torrinha”.
Ao estudar o comportamento social nas salas de cinema e as situações
urbanas nas quais estão inseridas, este texto mostra que a construção da
cidade dá-se em função de necessidades de diferentes parcelas dessa
sociedade que a habita, sociedade essa que se modifica e cujas classes
buscam diferenciar-se através de diversos cenários urbanos, alguns dos quais
o cinema faz parte. A construção da cidade dá-se também através de uma
imagem de sociedade que se quer construir e que não necessariamente já está
construída. Os equipamentos urbanos, principalmente os públicos e os de uso
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coletivo, muitas vezes são projetados com o propósito não apenas de atender
uma necessidade, mas para a construção de um cenário urbano. No caso de
São Luís, as salas de cinema ora pareciam servir como cenário urbano que
representasse a cidade civilizada, a cidade do progresso, distanciando-se do
rural, principalmente nas primeiras duas décadas do século XX; ora pareciam
representar a cidade cujo modo de viver não mais buscava diferenciar-se da
imagem do campo, mas sim da imagem de uma cidade provinciana, na
construção de um modo de vida cosmopolita.
SOCIAL BEHAVIOR IN CINEMA HALLS OF SAN LUIS (1897 1930)
ABSTRACT
Analyze the social behaviors in theaters elite in the city of St. Louis between the years
1897 and 1930 is the objective of this work. From the belief in the uniqueness and
superiority attributed to the double cultural mythology of the French Foundation and the
Brazilian Athens, the Society of St. Louis has developed a relationship with the cinema
that pervaded the condition of entertainment since the first movie theaters in the capital
meant to be spaces of social legitimation. In the records left in the newspapers
Pacotilha, Journal of Maranhão, The Federalist, and The Journal Gazette of the State
of Maranhão: notes, news, and especially public announcements, we identified
numerous reports of uncivilized behavior in the layer of wealthy people who claimed to
have thin education and ways similar to Europeans. The examination of elite behavior
in theaters was based on the studies of Norbert Elias. The newspapers report that the
arrival of large companies and theatrical exhibition of films, rather than idealizing the
novels presented in these events, the society envisioned his whole way of life, their
habits and their daily life understood as modern.
Keywords: Entertainment, Movies, Social Behavior.
REFERÊNCIAS
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BIOSCOPE INGLEZ, PACOTILHA (JORNAL DA TARDE), São Luís, 27 jul 1902
12
BIOSCOPE INGLEZ, PACOTILHA (JORNAL DA TARDE), São Luís, n. 159, p.1, 5 jul 1902
DIARIO DE SÃO LUIZ, 13/10/1921
DIÁRIO DO MARANHÃO, 25.07.1902
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RIBEIRO, Emanuela Sousa. Requerimentos de licenças para festas na secretaria de polícia de São Luís (1873 - 1933), 1998. Relatório Semestral: Bolsista de Iniciação Científica da Pesquisa “Religião e Cultura Popular - Estudo da Cultura Popular de Festas no Maranhão e em Terreiros de Tambor de Mina”. (Graduação em História) - Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 1998.
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