o circuito da cultura: um estudo aplicado à fan page do...
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O Circuito da Cultura: Um Estudo Aplicado à Fan Page do Festival Rock In Rio1
Michele dos Santos PEREIRA2
Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, RS
Resumo
O Festival Rock In Rio é o maior evento musical realizado na América Latina,
assim como o Facebook, ambos surgem como fenômenos, o primeiro na forma de
organização de eventos e o segundo de rede social. Este trabalho pretende apresentar um
resultado parcial da pesquisa qualitativa realizada como trabalho de conclusão de curso
do ano de 2013, onde foi utilizado a aplicação do circuito da cultura desenvolvido por
Paul du Gay et al., neste caso utilizado na página do festival Rock In Rio na rede social
Facebook, com objetivo de apurar qual a identidade os fãs da página reconhecem como
autêntica representação do Festival.
Palavras-chave: Cultura; Festival; Facebook; circuito; identidade.
Introdução
O Rock In Rio (RIR) é considerado um dos maiores eventos de música do
planeta realizado em espaço de ambiente aberto, obtendo a façanha as fronteiras do
território nacional realizando edições na Europa, porém sem nunca perder a identidade
de ser um produto cultural brasileiro, com as suas raízes na cidade do Rio de Janeiro.
Este artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa qualitativa desenvolvida
como trabalho monográfico de conclusão de curso do ano de 2013, onde foi utilizado a
aplicação do circuito da cultura desenvolvido por Paul du Gay et al. à página do festival
Rock In Rio na rede social Facebook, com objetivo de apurar qual a identidade os fãs da
página reconhecem como autêntica representação do Festival.
1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos em Cultura e Identidade do V SIPECOM - Seminário
Internacional de Pesquisa em Comunicação
² Bacharel em Relações Públicas pela UFSM-RS, integrante do Grupo de Estudos Culturais e Audiovisualidades da
UFSM, e-mail: [email protected]
2
Inicialmente é apresentada uma retomada histórica dos grandes festivais
musicais, neste trabalho foi dada uma maior importância ao festival de Woodstock,
realizado nos Estados Unidos da América, e ao festival Rock In Rio – realizado na
cidade do Rio de Janeiro.
Para a análise, aplicamos o circuito da cultura, proposto por Paul du Gay et al. ,
que permite a possibilidade de pensarmos, através das postagens dos álbuns da Fan
Page, qual a identidade (ou quais as identidades) que os fãs do Festival reconhecem
como representação do Rock In Rio.
Por fim, serão apresentados alguns dos resultados de como os comentários
relacionados ao perfil da Fan Page do Rock In Rio interferiram no âmbito da regulação
das atrações do Festival, e encaminhamos os comentários conclusivos deste trabalho.
Princípios históricos dos grandes festivais musicais
O Woodstock Music & Art Fair3 foi um dos festivais musicais pioneiros no
mundo na forma de organização e realização, sendo referência até os dias de hoje como
modelo de festival realizado em ambiente aberto para os demais festivais ao redor do
planeta. Podemos compreendê-lo como um megaevento que segue as seguintes
definições:
[...] Geralmente é de curta duração, com consequências de longa duração para
as cidades que o sediam. Está associado à criação de infraestrutura e
comodidade para o evento, frequentemente tendo débitos a longo prazo e
sempre requerendo uso programado com bastante antecedência. Um
megaevento, se bem sucedido, projeta nova ou (talvez renovada) e persistente
imagem positiva da cidade-hóspede por meio da mídia nacional e
internacional, particularmente por cobertura da televisão. É frequente haver
consequências a longo prazo em termos de turismo, recolocação industrial e
entrada de investimentos. Como resultado, os governantes e organizadores de
eventos tipicamente clamam que megaeventos ajudam a nomear necessidades
econômicas e culturais e direitos dos habitantes locais, embora não vendo de
fato se cidadãos foram consultados sobre participarem da sua realização. Esta
atividade é considerada uma produção social. (MATIAS, 2010, p. 112)
A origem do nome Woodstock faz menção a uma cidade localizada no estado de
Nova York, onde deveria ser realizado a primeira edição do festival ocorrida no ano de
3 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/FestivaldeWoodstock - Acesso em 03 de abril de 2012.
3
1969. No entanto, a organização do festival não havia conseguido a liberação do local
pelo principal motivo de que uma parte dos habitantes da localidade não aceitou bem a
ideia de ter centenas de pessoas circulando por dentro da cidade de Woodstock, sendo a
maioria delas pertencente ao movimento contracultural hippie. Apesar disso, a cidade
escolhida foi Bethel, localizada aos arredores de Woodstock, na fazenda de Max
Yasgur, a primeira edição do festival teve a duração de três dias, 15, 16 e 17 de agosto
de 1969. Trinta grandes nomes da música estiveram presentes nesta primeira edição do
Woodstock, os mais lembrados até hoje são a cantora Janis Joplin, o guitarrista Jimmy
Hendrix, Carlos Santana, Joe Coker entre outros.
Na divulgação do cartaz estava a frase: “An Aquarian Exposition in White Lake,
NY: 3 Days of Peace & Music”, realizando uma clara referência do atual contexto
político pelo qual os EUA estava vivenciando neste ano de 1969, onde o país entrara em
guerra com o Vietnã e o clamor público pelo fim desta guerra passa a tomar conta na
voz dos jovens, um posicionamento do governo norte-americano era exigida através de
protestos que envolviam a música e o movimento Hippie (TIBER, 2009, p.258)
O festival de Woodstock surge a partir de um contexto contracultural formado
pelo movimento hippie, em meio a protestos contra a ocupação dos Estados Unidos da
América no território do Vietnã. Woodstock mudou as estruturas e as formas de
organização de festivais ao longo do planeta, influenciou e abriu portas para que outros
eventos semelhantes surgissem como o Festival de Lollapalooza4 realizado nos EUA e
outros locais da América Latina.
Uma retomada da história do festival Rock In Rio
Em um período de transição política da Ditadura Militar às Eleições Diretas
vivenciado no Brasil no ano de 1984, surge o uma possibilidade de aproveitar o atual
momento para divulgar o Brasil ao resto do mundo através de um festival de música.
Assim deu-se o início da criação do Rock In Rio, idealizado pelo publicitário Roberto
4 Criado no ano de 1991 tem como características a multipluralidade de estilos musicais, o Lollapalooza ocorre na
América do Norte e também em alguns países da América do Sul. Disponível em: http://www.lollapalooza.com/
4
Medina, porém o país ainda não estava preparado para realizar um festival de
proporções gigantescas como a do RIR, um evento deste perfil nunca havia sido
realizado antes no país. Outros empecilhos impediam a realização do Festival, como a
economia do país, o preço dos ingressos vendidos deveria ser dez vezes mais barato do
que os espetáculos realizados nos Estados Unidos da América, além do mais o Brasil
não possuía uma mão-de-obra especializada para a realização, nem mesmo
infraestrutura para dar início.
O principal desafio para a realização da primeira edição do Rock In Rio era que
o Brasil não pertencia a rota das grandes turnês de shows e espetáculos internacionais.
Durante o ano de 1980, Roberto Medina e sua produção realizaram a façanha de
conseguir com que a turnê de Frank Sinatra chegasse ao Brasil, algo que era inédito até
então, visto que a desconfiança dos artistas internacionais em terras brasileiras era um
obstáculo real, devido a más experiências vivenciadas anteriormente por alguns destes
artistas, como a banda Kiss, ocorrido no ano de 1982, que além de não receber o
pagamento dos cachês conforme o combinado ainda teve seus instrumentos roubados
durante a turnê no país.
Em busca da realização do Rock In Rio, Roberto Medina e a equipe da agência
Brancaleone seguem para os EUA em busca de atrações que aceitassem participar da
primeira edição do Festival no Brasil. Embora a equipe enfrentasse a desconfiança de
muitos dos produtores de eventos internacionais quanto à imagem do país, o nome de
Lee Solders5 foi fundamental para que a primeira edição do festival ocorresse. Mas, ao
retornar ao país outro obstáculo a ser vencido era o político, pois,
A briga6 entre a família Medina e Leonel Brizola era antiga. A Artplan
detinha a conta de publicidade da candidatura de Moreira Franco nas eleições
para o governo fluminense, em 1982, contra Brizola. Estourou o escândalo do
“Proconsult”, que consistia em transferir votos nulos ou em branco para a
contabilização de Moreira. Na certa, Brizola pensava que a Artplan poderia
estar ligada ao ardil. (CARNEIRO, 2011, p.39-40)
5 Lee Solters na época era publish do cantor norte-americano Frank Sinatra, que acabou sendo um mediador através
da confiança que seu trabalho já tinha com a imprensa internacional.
6 A Artplan, agência de Roberto Medina, detinha a conta de publicidade do candidato Moreira Franco durante as
eleições do governo do Rio de Janeiro, em 1982, o outro candidato ao governo nessa época era Leonel Brizola.
5
Como principais atrações da primeira edição do Rock In Rio, além da lama no
local da “Cidade do Rock”, no Rio de Janeiro, na área onde estava o público, foram as
bandas: Iron Maiden, Whitesnake, Scorpions, Ozzy Osbourne, Yes, AC/DC, James
Taylor, Ivan Lins, Gilberto Gil, George Benson, Paralamas do Sucesso e Queen. Com o
sucesso desta primeira edição o Brasil foi colocado na rota dos grandes festivais
musicais do mundo. E com isso outras edições foram realizadas no país nos anos de
1991, 2001 e 2011.
A contribuição dos Estudos Culturais
Os estudos culturais tiveram a sua origem na Inglaterra, no final dos anos 50,
uma das principais preocupações iniciais destes estudos era a de compreensão e
desenvolvimento do entendimento de “cultura”, o que se tornou possível através de um
contexto histórico, marcado principalmente pelo surgimento de um movimento teórico-
político, que buscava a realizar estudos sobre o popular e o social. Três principais
autores desse movimento novo que estava surgindo eram: Richard Hoggart, Raymond
Willians e Edward Thompson.
As três principais obras foram: “The uses of literacy”, publicado em 1957, de
Richard Hoggart, “Culture na Society”, 1958 de Raymond Williams e “The making of
the working-glass”, 1963, do historiador E.P. Thompson. A “cultura” segundo a
definição de Thompson é como uma espécie de rede formada por práticas e relações
onde é constituída a vida cotidiana do qual o indivíduo e seu papel está em primeiro
plano;
[...] no período pós-68, os Estudos Culturais transformaram-se numa força
motriz da cultura intelectual, de esquerda. Assim, enquanto movimento
intelectual tiveram um impacto teórico e político que foi além dos muros
acadêmicos. (ESCOSTEGUY, 2010, p.142)
Richard Hoggart teve uma importância para os Estudos Culturais onde se pode
afirmar que:
[...] a pesquisa realizada por Hoggart, através da metodologia qualitativa, na
medida em que seu foco de atenção recai sobre materiais culturais, antes
desprezados, da cultura popular e das mass media. Esse trabalho inaugura a
6
perspectiva que argumenta que no âmbito popular não existe apenas
submissão, mas, também, resistência, o que, mais tarde, será recuperado
pelos estudos de audiência dos meios massivos. (ESCOSTEGUY, 2010, p.
139)
A obra Culture and Society, de Raymond Williams teve uma contribuição para
os Estudos Culturais a partir de uma apresentação de um olhar diferenciado que incluía
o envolvimento da história literária. Nesta obra, a cultura é apresentada como um
agregador que pode ser utilizado na análise literária e na investigação social.
[...] Seu livro The long revolution (1962) avança na demonstração da
intensidade do debate contemporâneo sobre o impacto cultural dos meios
massivos, mostrando um certo pessimismo em relação à cultura popular e aos
próprios meios de comunicação de massa. (ESCOSTEGUY, 2010, p. 140)
Outro autor fundamental para o desenvolvimento dos Estudos Culturais
britânicos foi Stuart Hall, sua principal contribuição se deu a partir da utilização dos
estudos etnográficos, da utilização das análises dos meios massivos e a pesquisa de
investigação das práticas nas categorias das “subculturas”. Hall aposta sobre a
importância de Williams para os Estudos Culturais.
“[...] Ele mudou toda a base da discussão: de uma definição lítero-moral para
uma definição antropológica da cultura. Mas definia a última agora como o
“processo inteiro” por meio do qual os significados e definições são
socialmente construídos e historicamente transformados, com a literatura e a
arte como sendo apenas um tipo de comunicação social – especialmente
privilegiado.
(HALL e TURNER, 1990, p. 55, apud ESCOSTEGUY, 2010, p. 140)
Hall como pesquisador é um dos idealizadores do chamado “Circuito da
Cultura”, junto a Paul du Gay, neste trabalho é utilizado na abordagem metodológica
deste circuito. Stuart Hall tem um lugar de destaque maior por conta dos textos e
pesquisas que realizam uma abrangência sobre as questões de identidade e
representação.
A cultura, seus usos e definições
7
A palavra “cultura” passou por diversas fases de utilização e complexas
definições de significações. “Em seu início, o sentido mais geral da palavra Cultura era
o de cultivo ou cuidado, incluindo, como em Cícero, cultura animi, embora com
significados medievais subsidiários de honra e adoração (cf., em inglês, cultura como
„adoração‟ em Caxton, 1483)” (WILLIAMS, 2007, p. 117).
Cultura e suas significações passam a ser incorporadas ao longo dos anos,
muitos destes sentidos ainda permanecem remanescentes, sendo, parte destes referentes
a significação geral e mais comum do mundo das artes e dos processos de
desenvolvimento da sociedade. Algo que podemos observar em Williams (2007),
Cultura é uma das duas ou três palavras mais complicadas da língua inglesa.
Isso ocorre em parte por causa de seu intricado desenvolvimento histórico em
diversas línguas européias, mas principalmente porque passou a ser usada
para referir-se a conceitos importantes em diversas disciplinas intelectuais
distintas e em diversos sistemas de pensamentos distintos e incompatíveis.
(WILLIAMS, 2007, p.117)
A partir desta perspectiva, a cultura foi definida como cultivo da mente, devido
ao fato de que, assim, possa ser realizada uma distinção de diversos significados,
passando por um estado mental desenvolvido, adquirindo um sentido de atribuição do
significado relacionado à pessoa culta ou até mesmo uma pessoa de cultura, passando
pelo denominado processo de desenvolvimento como os interesses culturais e os meios
desses processos definidos, como as artes e a realização do trabalho intelectual do
homem como é apontado “[...] cultura era um substantivo que se referia a um processo:
o cuidado com algo, basicamente com as colheitas ou com os animais.” (WILLIAMS,
2007, p.117-118). A cultura para Williams é definida no sentido de algo pertencente à
sociedade e não pode ser retirada dela, fazendo parte da identidade do indivíduo.
Usamos a palavra cultura nesses dois sentidos, para designar um modo de
vida – os significados comuns – e para designar as artes e o aprendizado - os
processos especiais de descoberta e esforço. Alguns escritores reservam esta
palavra para um ou outro desses sentidos: eu insisto nos dois e na relevância
de sua conjunção. (...) A cultura é de todos, em toda sociedade e em todos os
modos de pensar. (WILLIAMS apud CEVASCO, 1958, p.4)
Logo após a definição de palavra cultura como conhecemos atualmente, foi
possível realizar a aplicabilidade de sua significação nos estudos das ciências sociais
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sem que houvesse uma distorção em seu sentido. Com isso, foi possível que houvesse
uma criação de novas linhas de estudo voltados para a área cultural e social.
Os Estudos Culturais constituem uma disciplina que permite realizar a
transposição entre os limites das mais diversas disciplinas, possibilitando a amplitude
sobre as pesquisas. Em relação ao lugar da cultura na sociedade, outro autor da linha
latino-americana dos Estudos Culturais é Jesús Martín-Barbero (2006), que afirma:
O lugar da cultura na sociedade muda quando a mediação tecnológica da
comunicação deixa de ser meramente instrumental para expressar-se,
condensar-se e converter-se em estrutural: a tecnologia remete, hoje, não a
alguns aparelhos, mas, sim, a novos modos de recepção e de linguagem, a
novas sensibilidades e estritas (MARTÍN-BARBERO, 2006, p.54)
Manuel Castells (2003), afirma que a definição do sentido de cultura no contexto
dos usos da internet possui uma forma de articulação moldada pelo sentido de diversos
públicos que acabam compartilhando diversas formas de identidade, comportamentos e
representações, sendo que,
A cultura da internet é a cultura dos criadores da Internet. Por cultura entendo
um conjunto de valores e crenças que formam o comportamento; padrões
repetitivos de comportamento geram costumes que são repetidos por
instituições, bem como por organizações sociais informais. Cultura é
diferente de ideologia, psicologia ou representações individuais. Embora
explícita, a cultura é uma construção coletiva que transcende preferências
individuais, ao mesmo tempo em que influencia as práticas das pessoas no
seu âmbito, neste caso os produtores/usuários da internet. (CASTELLS,
2003, p. 34)
A cultura, sob a ótica desenvolvida no ambiente virtual surge uma nova
configuração a respeito da definição de cultura é desenvolvida abrangendo alguns
conceitos mais amplos para o meio da pesquisa social. A nova forma de comunicação
introduzida pelo uso do computador na vida social permitiu que houvesse a
possibilidade, a partir do espaço virtual da criação de novas formas e aplicações da
cultura realizadas através de ferramentas de pesquisa para o desenvolvimento deste
campo.
Além de proposições teóricas sobre a cultura e a sociedade, os Estudos Culturais
propõem ferramentas analíticas de pesquisa social. Uma delas é o denominado Circuito
da Cultura.
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Circuito da cultura como ferramenta analítica na Fan Page do Rock In Rio
Proposto por Paul du Gay et al na obra: “Doing cultural studies: The history of
the Sony Walkman”, o circuito da cultura nesta obra foi utilizado como um circuito
analítico de pesquisa para entender a relação entre o consumo e a identidade dos
consumidores do Walkman Sony, identificando cinco instancias culturais
(representação, identidade, produção, consumo e regulação) que permitem a realização
de uma análise de cada um desses níveis, sem predeterminar como essas relações são
constituídas.
Como mostra a Figura 1, o circuito da cultura permite ao pesquisador determinar
onde começa e onde termina o circuito, sendo assim, não há uma predeterminação de
como se deve iniciá-lo, porém todos os processos de circulação são dependentes de cada
um.
Figura 1: Circuito da Cultura de Paul du Gay
A utilização do circuito da cultura como uma ferramenta analítica de pesquisa
tem o seu início a partir do processo de construção de uma mensagem estabelecida, na
qual os meios da estrutura são os fornecedores das mensagens e, ao mesmo tempo
ocupam o lugar de produtores e receptores (HALL, 2003). Para Johnson, outra
10
importância fundamental da utilização do circuito da cultura na pesquisa ocorre devido
ao fato de que:
[...] além de configurar-se como um guia para orientar a abordagem dos
objetos-problemas nos estudos culturais, indica as limitações das posições -
isolacionistas vigentes. [...] Para Johnson (1999:19), os objetos da cultura não
podem ser apreendidos por uma única disciplina, mas também não se trata
“de agregar novos elementos às abordagens existentes (um pouco de
Sociologia aqui, um tanto de Linguística acolá), mas de retomar os elementos
das diferentes abordagens em suas relações mútuas”. Este, por sua vez, é seu
entendimento de uma prática interdisciplinar. (ESCOSTEGUY, 1997, p. 119-
120)
A Fan Page do Festival Rock In Rio foi criada no início de agosto de 2010, a
Figura 2 mostra o layout do nosso objeto de estudo dessa pesquisa, onde são visíveis
os elementos como o nome do Festival, abaixo do nome há o número de pessoas que
já curtiram a página, a foto do perfil identificada com a logomarca do RIR, há
ênfase para a imagem de capa que possui um destaque na definição do perfil, do
lado direito do layout, abaixo da imagem de capa há a opção de “curtir” a página,
também há links para as redes sociais oficiais do Festival.
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Figura 2: Perfil da Fan Page do Rock In Rio no Facebook
A identidade do Festival Rock In Rio pode ser relacionada aos momentos em
que os sujeitos utilizam a Fan Page do Festival, reconhecendo-a como a representação
do Rock In Rio. No caso do Festival, a identidade encontra-se primeiramente na
imagem do perfil e da capa, que realiza mudanças conforme ocorre as confirmações das
atrações do RIR. Por identidade, Stuart Hall (2011), define como algo que está se
fragmentando, que não possui um sentido único, ou seja, o Festival apresenta dentro de
sua estrutura identitária uma variedade de elementos, às vezes, contradizendo as
expectativas de alguns usuários da rede em relação às suas principalmente atrações.
O resultado do mix cultural, ou sincretismo, atravessando velhas fronteiras,
pode não ser a obliteração do velho pelo novo, mas a criação de algumas
alternativas híbridas, sintetizando elementos de ambas, mas não redutíveis a
nenhuma delas – como ocorre crescentemente nas sociedades multiculturais,
culturalmente diversificadas, criadas pelas grandes migrações decorrentes de
guerras, misérias e das dificuldades econômicas do final do séc. XX. (HALL,
1997, p. 3)
A representação do Festival encontra-se relacionada às associações de sentido
realizadas sobre determinadas postagens da Fan Page do Festival Rock In Rio. Sobre
essa representação significa que a “representação de papeis e a construção de identidade
como base da interação on-line representam uma proporção minúscula da sociabilidade
baseada na Internet, e esse tipo de prática parece estar fortemente concentrado entre
adolescentes” (CASTELLS, 2003, p. 99). Ainda sobre a representação no circuito da
cultura, é importante notar que esta somente pode ser ajustada em relação à forma de
significação simbólica. Conforme Hall:
A representação só pode ser adequadamente analisada em relação às
verdadeiras formas concretas assumidas pelo significado, no exercício
concreto de significação, “leitura” e interpretação; e tal requer análise dos
verdadeiros sinais, símbolos, figuras, imagens, narrativas, palavras e sons –
as formas materiais – onde circula o significado simbólico. (HALL, 1997, 99)
O processo de produção de conteúdo da Fan Page possui uma característica de
ser estrategicamente voltado para a produção do consumo do Festival, principalmente
para a venda dos ingressos. Aqui os usuários são, a partir desta produção de conteúdo,
ao mesmo tempo consumidores e produtores dos assuntos da página.
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Os comentários mais enfáticos na Fan Page ocorrem a partir dos assuntos com
relação às atrações do Festival, muitos desses comentários geraram repercussões e
causaram alterações no modelo de organização das atrações do RIR de 2013. Como
aparece na Figura 3, sobre o álbum da Fan Page denominado “Set List”, neste caso o da
banda Gloria, que realizou apresentação no Palco Mundo na Noite do Metal do RIR em
2011. Outras bandas também iriam realizar apresentação nesta noite como Motörhead,
Slipknot e Metallica. Porém, os comentários nesta imagem são direcionados para a
organização do Festival, sobre o fato de que a banda Sepultura não estar presente no
palco principal do Rock In Rio e sim a banda Gloria.
Figura 3: Set List da Banda Gloria, na Noite do Metal do Festival, realizada no dia 4 de
outubro de 2011.
A forma de consumo do conteúdo cultural do circuito da cultura aplicado à Fan
Page do Rock In Rio ocorre durante a troca de informações entre usuários e produtores,
sendo que o início passa ser a partir do ato de usos dos materiais produzidos pela página
pelos usuários assim que entram em contato com os conteúdos e as opiniões expressas
nela.
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As práticas de produção e consumo de conteúdo dos usuários acabam
oportunizando um amplo recorte de análise. Nessa abordagem, o papel das
audiências pode ser enfatizado e relativizado em seus aspectos positivos e
negativos, a partir de uma intrínseca relação com os estudos culturais, como
propõe Sterne7 (1999), sob a noção antevista pro Raymond Williams (1974),
de que as tecnologias são sempre produzidas por um processo histórico e em
um sistema social, como uma “articulação ou aparato” (FRAGOSO, 2012,
p.43)
O processo de regulação do circuito da cultura é o lugar onde os sentidos
circulam, onde eles são organizados e regulam as práticas sociais, através de normas,
regras e convenções pelas quais a vida social sofre interferência sobre o seu
ordenamento. Quanto a sua utilização na Fan Page ela ocorre na forma de regulação das
normas de conteúdos impostos pelo Facebook. Em relação ao posicionamento da
regulação da cultura:
Quanto mais importante – mais “central” – se torna a cultura, tanto mais
significativas são as forças que a governam, moldam e regulam. Seja o que
for que tenha a capacidade de influenciar a configuração geral da cultura, de
controlar ou determinar o modo como funcionam as instituições culturais ou
regular as práticas culturais, isso exerce um tipo de poder explícito sobre a
vida cultural.” (Hall, 1997, p.15)
As interações que passam a ocorrer nas redes sociais da internet facilitam a
aplicabilidade de pesquisas que envolvam principalmente uma inserção do circuito da
cultura como uma forma de mostrar como se dá a circulação da produção, identidade,
consumo, regulação e representação neste ambiente. A afirmação da identidade a partir
das postagens do Facebook ocorre por meio dos sentimentos de pertencimento a um
grupo denominado de roqueiros, cuja identidade remete ao estilo rock n‟ roll, negando a
presença de diferentes estilos que passam a ser inseridos no line up8 do festival. Mas
assim como a identidade nacional brasileira, o festival é composto por um
multiculturalismo que não pode ser negado nem excluído.
A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as
operações de incluir e de excluir. Como vimos, dizer “o que somos” significa
também se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e sobre
quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído. Afirmar a
7 STERNE, J.Thinking the internet: Cultural Studies versus the Millennium. p. 257-283. In: JONES, Steve (ed).
Doing Internet Research. Critical Issues and Methods for Examining the Net. London: Sage, 1999. 8 Line Up: nome dado às atrações principais de festivais de música.
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identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que
fica dentro e o que fica fora. A identidade está sempre ligada a uma forte
separação entre “nós” e “eles”. Essa demarcação de fronteiras, essa separação
e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de
poder. [...] Os pronomes “nós” e “eles” não são simples categorias
gramaticais, mas evidentes indicadores de posição-de-sujeito fortemente
marcadas por relações de poder. (SILVA, 2009, p.82)
O marco regulatório da Fan Page neste espaço é o de ser um elo articulatório
existente entre os usuários da página e a produção a ser consumida pelo público que age
como um consumidor-produtor de conteúdo.A regulação por parte dos usuários está
ligada ao consumo destes conteúdos publicados através das fotos, embora não haja a
regulação por parte do regulador da página, os fãs são livres para exporem as suas
opiniões sobre o conteúdo publicado na Fan Page.
Considerações finais
Através dos Estudos Culturais, da definição de cultura e a utilização do Circuito
da Cultura de Paul du Gay e o emprego da ideia de identidade de Hall, foi possível
desenvolver o próprio circuito da cultura do Festival. Nele, a representação, além de
outros lugares, está atrelada ao nome do Festival, à imagem do nome presente na foto
do perfil da Fan Page. A produção de conteúdos é realizada pelo mediador da página
através das postagens de conteúdos na linha do tempo e também pelos usuários da Fan
Page, que agem de duas formas como consumidores e produtores de conteúdo. A
regulação ocorre por meio das normas dos Princípios do Facebook que regulamentam as
formas e normas de comportamento na rede social.
A identidade, principal questão deste estudo, pode ser observada, neste caso
parcialmente, através dos comentários postados na Fan Page, os usuários criticam muito
o fato de que o festival utiliza de uma multiculturalidade de estilos musicais, ocorre uma
liberdade para o público expressar a sua opinião sobre determinadas atrações do festival
dentro da página do festival, o que mercadologicamente é positivo para a organização
do Rock In Rio, onde a partir dessa atitude ganha a credibilidade do usuário da Fan
Page do festival.
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