o anarquismo no sul a experiÊncia da colÔnia cecÍlia

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O ANARQUISMO NO SUL: A EXPERIÊNCIA DA COLÔNIA CECÍLIA Desembarcados no Rio de Janeiro, em março de 1890, um pouco mais de cem imigrantes italianos, dirigiram-se para o desabitado interior paranaense em busca de suas terras, concedidas pelo Impé rio brasileiro, localizadas nas escarpas da Serra Geral. O que diferenciou esta leva de colonos europeus dentre centenas de outras, foi o caráter anarquista adotado por estes italianos que, enfrentando enormes dificuldades experimentaram, mesmo por poucos anos, uma vida social sem classes, com igualdade para todos. Tudo começou na Itália, por intermédio do então imperador D. Pedro II. Fato estranho, mas verdadeiro. Em 1887, atacado por febre palustre intensa, decidiu viajar para a Europa com o intuito de respirar outros ares, e se recuperar. Embarcou no vapor Messagerie Francesa La Gironde no dia 30 de junho, com destino à Lisboa. Claro que a situação política no momento em questão não era nada tranqüila, o que me leva a acreditar que fatores políticos também o influenciaram na saída do país. Tendo passado por Portugal, Inglaterra, França e Bélgica, D. Pedro II chegou na Itália, mais precisamente em Milão, no dia 29 de abril de 1888. É nesta cidade que entra em cena o músico e teórico do anarquismo Giovanni Rossi. O músico italiano, interessado em conhecer o monarca brasileiro, marca através de Carlos Gomes, seu amigo, um encontro entre ambos que, novamente por motivos de doença, não pode ser realizado. No entanto, D. Pedro II leu Il Commune in Riva al Mare, livro de autoria de Giovanni Rossi, que narra uma experiência anarquista fictícia em algum país sul-americano. Interessado por esta teoria, o monarca convidou Rossi a realizar seu intento no Brasil. Entrementes, o anarquista reuniu cerca de 150 pessoas interessadas na aventura, entre eles artesãos, camponeses e intelectuais. Quando aqui chegaram, o império já tinha ido à bancarrota. Porém, os republicanos permitiram o estabelecimento dos colonos, que se realizou no sul do Paraná, em território hoje ocupado pelo município de Palmeira. No início, não foi nada fácil. De construir as casas à cultivar a terra, todos ajudavam. O principal desafio era tirar da terra tudo que necessitavam. Mas como isto poderia acontecer se a colheita demoraria em torno de três meses? A solução foi comprar os produtos necessários na cidade enquanto não pudessem provê-lo. Logo, com seus próprios recursos, abandonariam esta prática capitalista. A colônia recém estabelecida recebeu o nome de Cecília, em homenagem a um romance escrito por Rossi. Todos os rumos do núcleo, eram definidos em assembléia, onde todos tinham poder de voto. Por exemplo: houve um certo alarido quando Rossi propôs a construção de um barracão coletivo, onde todos morariam sob o mesmo teto e sem repartições. O problema foi resolvido da seguinte maneira: seriam construídas casas individuais e barracões coletivos.

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Jaisson Teixeira Lino- O ANARQUISMO NO SUL A EXPERIÊNCIA DA COLÔNIA CECÍLIA

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Page 1: O ANARQUISMO NO SUL A EXPERIÊNCIA DA COLÔNIA CECÍLIA

O ANARQUISMO NO SUL: A EXPERIÊNCIA DA COLÔNIA CECÍLIA Desembarcados no Rio de Janeiro, em março de 1890, um pouco mais de cem imigrantes italianos, dirigiram-se para o desabitado interior paranaense em busca de suas terras, concedidas pelo Império brasileiro, localizadas nas escarpas da Serra Geral. O que diferenciou esta leva de colonos europeus dentre centenas de outras, foi o caráter anarquista adotado por estes italianos que, enfrentando enormes dificuldades experimentaram, mesmo por poucos anos, uma vida social sem classes, com igualdade para todos. Tudo começou na Itália, por intermédio do então imperador D. Pedro II. Fato estranho, mas verdadeiro. Em 1887, atacado por febre palustre intensa, decidiu viajar para a Europa com o intuito de respirar outros ares, e se recuperar. Embarcou no vapor Messagerie Francesa La Gironde no dia 30 de junho, com destino à Lisboa. Claro que a situação política no momento em questão não era nada tranqüila, o que me leva a acreditar que fatores políticos também o influenciaram na saída do país. Tendo passado por Portugal, Inglaterra, França e Bélgica, D. Pedro II chegou na Itália, mais precisamente em Milão, no dia 29 de abril de 1888. É nesta cidade que entra em cena o músico e teórico do anarquismo Giovanni Rossi. O músico italiano, interessado em conhecer o monarca brasileiro, marca através de Carlos Gomes, seu amigo, um encontro entre ambos que, novamente por motivos de doença, não pode ser realizado. No entanto, D. Pedro II leu Il Commune in Riva al Mare, livro de autoria de Giovanni Rossi, que narra uma experiência anarquista fictícia em algum país sul-americano. Interessado por esta teoria, o monarca convidou Rossi a realizar seu intento no Brasil. Entrementes, o anarquista reuniu cerca de 150 pessoas interessadas na aventura, entre eles artesãos, camponeses e intelectuais. Quando aqui chegaram, o império já tinha ido à bancarrota. Porém, os republicanos permitiram o estabelecimento dos colonos, que se realizou no sul do Paraná, em território hoje ocupado pelo município de Palmeira. No início, não foi nada fácil. De construir as casas à cultivar a terra, todos ajudavam. O principal desafio era tirar da terra tudo que necessitavam. Mas como isto poderia acontecer se a colheita demoraria em torno de três meses? A solução foi comprar os produtos necessários na cidade enquanto não pudessem provê-lo. Logo, com seus próprios recursos, abandonariam esta prática capitalista. A colônia recém estabelecida recebeu o nome de Cecília, em homenagem a um romance escrito por Rossi. Todos os rumos do núcleo, eram definidos em assembléia, onde todos tinham poder de voto. Por exemplo: houve um certo alarido quando Rossi propôs a construção de um barracão coletivo, onde todos morariam sob o mesmo teto e sem repartições. O problema foi resolvido da seguinte maneira: seriam construídas casas individuais e barracões coletivos.

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Cada um moraria no local que melhor lhe aprouvesse. As reuniões também serviam para doutrinações anarquistas, onde se destacavam em calorosos debates as figuras de Rossi, Damiani, Faccini, Riva e Cappelaro. Já no primeiro ano de assentamento, os colonos anarquistas tiveram problemas com suas terras. É que o governo do Estado do Paraná, outorgou uma lei na qual todas as terras das colônias que foram ocupadas sem pagamento algum, seriam cobradas imediatamente, o que levou muitas outras colônias da região serem abandonadas. Como o núcleo Cecília tinha sido concedido apenas pela palavra do último imperador, os moradores tiveram problemas com o governo. Outrossim, decidiram que só pagariam a dívida se a colheita rendesse algum capital, caso contrário, nada feito. Em 01 de janeiro de 1891, chegou no núcleo Cecília, um segundo grupo de imigrantes italianos, sendo logo acolhidos e adaptados ao modo de vida libertária. A idéia de uma sociedade igualitária ia se transformando. A conseqüência lógica do ideal anarquista se refletia na pregação ao amor livre, nas assembléias, nos barracões coletivos, na divisão igual de alimentos, nas multifunções que todos exerciam, na inexistência de cercas para a delimitação da área, no acolhimento de visitantes e no respeito à opinião alheia. Entretanto, mazelas ainda existiam, pois dependiam ainda da compra e da venda de produtos na cidade e a hierarquia social muitas vezes parecia existir, sobretudo quando alguém se sobrepunha como líder ou chefe. Contudo, na colheita do milho - principal fonte econômica - de 1893, um fato ocasionou o principio do fim da colônia. É que neste ano, a produção do milho foi espantosamente grande, o que daria para pagar a dívida colonial das terras. Surge em nossa história então José Gariga, que foi acolhido pela colônia a algum tempo atrás. Este personagem, transportou durante três dias, toda a safra de milho que já estava vendida, para a cidade, sumindo com o dinheiro obtido. Além disso, o vírus do crupe que ceifou muitas vidas e muitas pessoas abandonando a colônia para tentar a sorte em outros lugares, somados, puseram fim à tentativa anarquista no sul do Brasil. Em 1897, Cecília já não existia mais na prática, contando com apenas alguns moradores que não tinham para onde ir. A história muitas vezes, nos lega a versão dos de cima. Mas, comprometidos com os verdadeiros agentes transformadores, devemos buscar nos subterrâneos, exemplos pouco conhecidos, como na experiência da Colônia Cecília, parâmetros para a construção do verdadeiro socialismo. Jaisson Teixeira Lino (*) * Acadêmico do Curso de História da UNESC (Universidade do Extremo Sul Catarinense) de Criciúma/SC