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O ESTADO Fortaleza, Ceará, Brasil Quinta-feira, 31 de março de 2016 7 Inovações que prometem simplificar e dar celeridade à Justiça Os desafios da mediação como etapa processual obrigatória no trâmite NOVO CPC RESOLUÇÃO DE CONFLITOS A pós anos de estudos e discussões, o Novo Código de Processo Civil (NCPC), final- mente, entrou em vigor no último 18 de março. Com ele, diversas inovações que pretendem agilizar o sistema processual brasileiro. As mu- danças contemplam ações que envolvem o direito de família, o direito do consumidor, ho- norários advocatícios, defesa do réu, penhora, entre outros. Na avaliação do professor de processo civil, Jair Coiti- nho, há pontos que alteram a vida dos advogados e outros que impactam a sociedade. As mudanças não atingem apenas ações perante a Justiça Comum, mas na do Trabalho e na Eleitoral. “As pessoas demoram de cinco a dez anos para ver seus litígios resolvi- dos. A ideia do Novo CPC é empoderar as partes e trazer estes elementos, não só de boa-fé, mas de cooperação, mediação de conflitos, e de diminuir o tempo dos pro- cessos”, observa Jair. Segundo o professor, ape- sar dos avanços, a eficácia e efetividade das diretrizes do Novo CPC só serão notadas com a conscientização de três pontos básicos, conforme cita: “Primeiro, o incentivo aos mecanismos de solução consensual de conflitos ao lado de um mecanismo que é a jurisdição; em segundo, a necessidade de nós termos, dentro do processo, uma aplicação de um modelo co- operativo. A cooperação de juízes, partes e advogados, de forma que, se não for obtido o acordo, se chegue a um resultado útil e efetivo, de maneira correta. Exige-se que os juízes discutam com os advogados os rumos de demandas que as partes não escondam as provas, que as pessoas tenham consciência de que cooperar para a Jus- tiça é o melhor para obter a solução correta; e terceiro, é preciso que sejam respeitadas as decisões e a uniformidade e previsibilidade das deci- sões judiciais anteriores, que sejam respeitadas, o que cha- mamos de jurisprudência”. Considerações “Temos experiências de outros países, como na ques- tão de mediação obrigatória, que fazem com que índices fantásticos sejam alcançados, sem que as pessoas precisem passar por todo o processo. São índices bastante inte- ressantes. Há quem diga que passar por todas as etapas dos recursos acaba sendo uma ação extraordinária, excepcional. É um avanço que nós temos, mas depende de conscientização”, verifica o professor, afirmando que o NCPC foi democraticamente discutido e está de acordo com as diretrizes das mais avançadas teorias processuais do mundo. Jair Coitinho analisa que o aparato judiciário, hoje, depende de um material hu- mano que esteja também com essa nova cultura. É preciso investir, afirma. “Sabemos que o Poder Judiciário está assoberbado de processos e tem a falta de recursos pes- soais, materiais e financeiros. É preciso um engajamento da advocacia, do Ministério Público, da Defensoria Pú- blica e de outros órgãos, com a ampliação de mecanismos que permitam desafogar o Judiciário”, considera. Algumas mudanças Dentre as principais mu- danças no sistema processu- al, pode-se destacar a ques- tão da mediação obrigatória, cujas partes devem passar primeiro por uma audiência de conciliação para resolu- ção do conflito. Na pensão alimentícia, que ficou mais rigorosa. Agora, se o paga- mento não for efetuado, sem justificativa, o juiz decretará prisão em prazo de um a três meses, em regime fechado ao devedor. Os honorários advocatí- cios passaram a ser devidos durante fase de recursos. Eles serão majorados a medida que forem sendo julgados os recursos. A contagem dos prazos será feita em dias úteis, e ficará suspensa por um mês, nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janei- ro, inclusive. Os prazos para recursos foram unificados em 15 dias, salvo os embargos de declaração, cujo prazo será de cinco dias. A mediação passou a compor, automatica- mente, a etapa proces- sual. Antes de chegar ao judiciário, os mediadores devem conduzir um diálogo entre as partes, em conjunto ou separadamente, a fim de se alcançar uma solução. O método é um dos pontos que mais se destaca no Novo Códi- go de Processo Civil (NCPC), e a proposta é que seja uma via alternativa à morosidade do Judiciário para resolução de conflitos. Agora em vigor, os desafios são de disseminar a cultura da mediação na sociedade e conquistar estrutura, sobre- tudo, física para efetividade e sucesso. A previsão é de que o método seja estimulado por advogados, juízes, defensores públicos e membros do Mi- nistério Público. De acordo com o especialista em direito de processo civil, Marco Lo- rencini, a audiência inicial se realizará mesmo que uma das partes não tenha interesse. “Em outras palavras: se pelo menos uma das partes apre- sentar interesse na sua realiza- ção, ela deverá ser designada. Isso significa que, depois de ajuizada uma ação, o juiz, ao verificar que ela preenche os requisitos mínimos formais, convidará o réu para essa au- diência. Para tanto, é preciso que o direito discutido na ação seja disponível, isto é, que as partes possam abrir mão ou transigir”, explica. A exceção só ocorrerá quan- do o réu e o autor da ação ma- nifestarem o desinteresse. “Há certa incompreensão por parte de algumas pessoas quando ouvem a expressão “media- ção como etapa processual obrigatória”. A conciliação e a mediação jamais poderão ser obrigatórias. Não é possível obrigar ninguém a se conciliar ou fechar um acordo”, ressalta o advogado. Segundo Marco, o que o Novo CPC impõe é a realização da audiência, que é quando as partes poderão conhecer melhor sobre a me- diação e decidir se submetem a ela. “A audiência acontecerá, mas a mediação propriamente dita, não”, destaca. Desafios Além da mudança cultural, para incorporar esse processo, o especialista prevê outros desafios. Para Marco, consi- derando que a organização da mediação ficou a cargo dos tribunais, há uns mais prepa- rados que outros, portanto, a estrutura física é um desafio, mas maior ainda ele destaca a existência de recursos e capa- citação de mediadores. “Um ponto não definido em todos os estados é a re- muneração dos mediadores. O Novo CPC 2015 deixa isso a cargo dos tribunais. Há muitos tribunais, para não dizer a maioria, que não en- frentaram a questão. Apos- tam apenas em mediadores que exercem a função como trabalho voluntário. Ou seja, como função honorífica e sem remuneração”, afirma. No entanto, o advogado defende que a questão da remunera- ção deve ser enfrentada sem rodeios, pois mesmo que seja previsto o trabalho voluntário, a remuneração também é, as- sim como a possibilidade de concurso público. Conforme Marco Loren- cini cita, o Relatório Justiça em Números, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, de 2015, aponta que quase 29 milhões de processos foram ajuizados em todo o Brasil em 2014, sendo que cerca de 70% deles, 20 milhões, tramitam nas Justiças Estaduais. “A Justiça Estadual trata tanto de processos criminais, execu- ções fiscais (municipais e es- taduais), assim como questões cíveis. Dessas causas cíveis, al- gumas envolvem direitos que podem ser objeto de media- ção, outras dizem respeito a direitos indisponíveis em que a mediação não seria aplicável. Daí, pode-se concluir que estamos falando de alguns mi- lhões de processos e, portanto, alguns milhões de mediações que deverão ocorrer em todo o Brasil, caso pelo menos uma das partes mostrar interesse na sua realização” ressalta. Tempo O especialista também ex- plica sobre o tempo em que ocorre a mediação. Segundo ele, se mede por número de encontros ou sessões. Mas acredita que, em poucas ses- sões, um mediador pode ob- servar se deve continuar ou encerrar a mediação. “Não há decisão imposta por um ter- ceiro como o juiz ou o árbitro. São as próprias partes que, com o restabelecimento do di- álogo, decidem se querem por fim ao conflito ou não. Esses métodos já mostraram sua efi- ciência nas causas envolvendo o direito de família. É hora que ele seja largamente utilizado nos conflitos comerciais e cíveis em geral”, conclui. Na avaliação do coordena- dor da Comissão de Mediação do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Co- mércio Brasil-Canadá (CAM/ CCBC), Adolfo Braga, é muito difícil falar em tomada de de- cisão errada quando se escolhe a mediação como forma de re- solução. “Como trabalhamos com isso há muito tempo, o que a gente vê é que, ao lon- go do processo, acontecem mudanças nas pessoas, em função de pensarem melhor e tomam soluções conforme o que acham mais adequados a eles. Normalmente, são deci- sões mais equilibradas e com satisfação”, observa. Jair Coitinho destaca três pontos importantes para efetividade do Novo Código de Processo Civil Marcos Lorencini afirma que é preciso estimular a cultura de media- ção na sociedade e conquistar estrutura física e de pessoal FOTO BETH DREHER FOTO DIVULGAÇÃO

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Page 1: NOVO CPC Inovações que prometem simplificar e dar celeridade … · A ideia do Novo CPC é empoderar as partes e trazer estes elementos, ... aplicação de um modelo co-operativo

O ESTADO Fortaleza, Ceará, Brasil Quinta-feira, 31 de março de 2016 7

Inovações que prometem simplificar e dar celeridade à Justiça

Os desafios da mediação como etapa processual obrigatória no trâmite

NOVO CPC

RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Após anos de estudos e discussões, o Novo Código de Processo Civil (NCPC), final-

mente, entrou em vigor no último 18 de março. Com ele, diversas inovações que pretendem agilizar o sistema processual brasileiro. As mu-danças contemplam ações que envolvem o direito de família, o direito do consumidor, ho-norários advocatícios, defesa do réu, penhora, entre outros.

Na avaliação do professor de processo civil, Jair Coiti-nho, há pontos que alteram a vida dos advogados e outros que impactam a sociedade. As mudanças não atingem apenas ações perante a Justiça Comum, mas na do Trabalho e na Eleitoral. “As pessoas demoram de cinco a dez anos para ver seus litígios resolvi-dos. A ideia do Novo CPC é empoderar as partes e trazer estes elementos, não só de boa-fé, mas de cooperação, mediação de conflitos, e de diminuir o tempo dos pro-cessos”, observa Jair.

Segundo o professor, ape-sar dos avanços, a eficácia e efetividade das diretrizes do Novo CPC só serão notadas com a conscientização de três pontos básicos, conforme cita: “Primeiro, o incentivo aos mecanismos de solução consensual de conf litos ao lado de um mecanismo que é a jurisdição; em segundo, a necessidade de nós termos, dentro do processo, uma aplicação de um modelo co-operativo. A cooperação de juízes, partes e advogados, de forma que, se não for

obtido o acordo, se chegue a um resultado útil e efetivo, de maneira correta. Exige-se que os juízes discutam com os advogados os rumos de demandas que as partes não escondam as provas, que as pessoas tenham consciência de que cooperar para a Jus-tiça é o melhor para obter a

solução correta; e terceiro, é preciso que sejam respeitadas as decisões e a uniformidade e previsibilidade das deci-sões judiciais anteriores, que sejam respeitadas, o que cha-mamos de jurisprudência”.

Considerações“Temos experiências de

outros países, como na ques-tão de mediação obrigatória, que fazem com que índices fantásticos sejam alcançados, sem que as pessoas precisem passar por todo o processo. São índices bastante inte-ressantes. Há quem diga que passar por todas as etapas dos recursos acaba sendo

uma ação extraordinária, excepcional. É um avanço que nós temos, mas depende de conscientização”, verifica o professor, afirmando que o NCPC foi democraticamente discutido e está de acordo com as diretrizes das mais avançadas teorias processuais do mundo.

Jair Coitinho analisa que o aparato judiciário, hoje, depende de um material hu-mano que esteja também com essa nova cultura. É preciso investir, afirma. “Sabemos que o Poder Judiciário está assoberbado de processos e tem a falta de recursos pes-soais, materiais e financeiros. É preciso um engajamento da advocacia, do Ministério Público, da Defensoria Pú-blica e de outros órgãos, com a ampliação de mecanismos que permitam desafogar o Judiciário”, considera.

Algumas mudançasDentre as principais mu-

danças no sistema processu-al, pode-se destacar a ques-tão da mediação obrigatória, cujas partes devem passar primeiro por uma audiência de conciliação para resolu-ção do conf lito. Na pensão alimentícia, que ficou mais rigorosa. Agora, se o paga-mento não for efetuado, sem justificativa, o juiz decretará prisão em prazo de um a três meses, em regime fechado ao devedor.

Os honorários advocatí-cios passaram a ser devidos durante fase de recursos. Eles serão majorados a medida que forem sendo julgados os recursos. A contagem dos prazos será feita em dias úteis, e ficará suspensa por um mês, nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janei-ro, inclusive. Os prazos para recursos foram unificados em 15 dias, salvo os embargos de declaração, cujo prazo será de cinco dias.

A mediação passou a compor, automatica-mente, a etapa proces-sual. Antes de chegar

ao judiciário, os mediadores devem conduzir um diálogo entre as partes, em conjunto ou separadamente, a fim de se alcançar uma solução. O método é um dos pontos que mais se destaca no Novo Códi-go de Processo Civil (NCPC), e a proposta é que seja uma via alternativa à morosidade do Judiciário para resolução de conflitos.

Agora em vigor, os desafios são de disseminar a cultura da mediação na sociedade e conquistar estrutura, sobre-tudo, física para efetividade e sucesso. A previsão é de que o método seja estimulado por advogados, juízes, defensores públicos e membros do Mi-nistério Público. De acordo com o especialista em direito de processo civil, Marco Lo-rencini, a audiência inicial se realizará mesmo que uma das partes não tenha interesse. “Em outras palavras: se pelo menos uma das partes apre-sentar interesse na sua realiza-ção, ela deverá ser designada. Isso significa que, depois de ajuizada uma ação, o juiz, ao verificar que ela preenche os requisitos mínimos formais, convidará o réu para essa au-diência. Para tanto, é preciso que o direito discutido na ação seja disponível, isto é, que as

partes possam abrir mão ou transigir”, explica.

A exceção só ocorrerá quan-do o réu e o autor da ação ma-nifestarem o desinteresse. “Há certa incompreensão por parte de algumas pessoas quando ouvem a expressão “media-ção como etapa processual obrigatória”. A conciliação e a mediação jamais poderão ser obrigatórias. Não é possível obrigar ninguém a se conciliar ou fechar um acordo”, ressalta o advogado. Segundo Marco, o que o Novo CPC impõe é a realização da audiência, que é quando as partes poderão conhecer melhor sobre a me-diação e decidir se submetem a ela. “A audiência acontecerá, mas a mediação propriamente dita, não”, destaca.

DesafiosAlém da mudança cultural,

para incorporar esse processo, o especialista prevê outros desafios. Para Marco, consi-derando que a organização da mediação ficou a cargo dos tribunais, há uns mais prepa-rados que outros, portanto, a estrutura física é um desafio, mas maior ainda ele destaca a existência de recursos e capa-citação de mediadores.

“Um ponto não definido em todos os estados é a re-muneração dos mediadores. O Novo CPC 2015 deixa isso a cargo dos tribunais. Há muitos tribunais, para não

dizer a maioria, que não en-frentaram a questão. Apos-tam apenas em mediadores que exercem a função como trabalho voluntário. Ou seja, como função honorífica e sem remuneração”, afirma. No entanto, o advogado defende que a questão da remunera-ção deve ser enfrentada sem rodeios, pois mesmo que seja previsto o trabalho voluntário, a remuneração também é, as-sim como a possibilidade de concurso público.

Conforme Marco Loren-cini cita, o Relatório Justiça em Números, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, de 2015, aponta que quase 29 milhões de processos foram ajuizados em todo o Brasil em 2014, sendo que cerca de 70% deles, 20 milhões, tramitam nas Justiças Estaduais. “A Justiça Estadual trata tanto de processos criminais, execu-ções fiscais (municipais e es-taduais), assim como questões cíveis. Dessas causas cíveis, al-gumas envolvem direitos que podem ser objeto de media-ção, outras dizem respeito a direitos indisponíveis em que a mediação não seria aplicável. Daí, pode-se concluir que estamos falando de alguns mi-lhões de processos e, portanto, alguns milhões de mediações que deverão ocorrer em todo o Brasil, caso pelo menos uma das partes mostrar interesse na sua realização” ressalta.

TempoO especialista também ex-

plica sobre o tempo em que ocorre a mediação. Segundo ele, se mede por número de encontros ou sessões. Mas acredita que, em poucas ses-sões, um mediador pode ob-servar se deve continuar ou encerrar a mediação. “Não há decisão imposta por um ter-ceiro como o juiz ou o árbitro. São as próprias partes que, com o restabelecimento do di-álogo, decidem se querem por fim ao conflito ou não. Esses métodos já mostraram sua efi-ciência nas causas envolvendo o direito de família. É hora que ele seja largamente utilizado nos conf litos comerciais e cíveis em geral”, conclui.

Na avaliação do coordena-dor da Comissão de Mediação do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Co-mércio Brasil-Canadá (CAM/CCBC), Adolfo Braga, é muito difícil falar em tomada de de-cisão errada quando se escolhe a mediação como forma de re-solução. “Como trabalhamos com isso há muito tempo, o que a gente vê é que, ao lon-go do processo, acontecem mudanças nas pessoas, em função de pensarem melhor e tomam soluções conforme o que acham mais adequados a eles. Normalmente, são deci-sões mais equilibradas e com satisfação”, observa.

Jair Coitinho destaca três pontos importantes para efetividade do Novo Código de Processo Civil

Marcos Lorencini afirma que é preciso estimular a cultura de media-ção na sociedade e conquistar estrutura física e de pessoal

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