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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________

O NOVO CDIGO FLORESTAL E A ATUAO DO MINISTRIO PBLICO FEDERALBraslia, 09 de setembro de 2011

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________

1. APRESENTAO

O presente estudo sobre a Emenda Substitutiva Global de Plenrio n. 186 e a Emenda de Plenrio n. 164 ao Projeto de Lei 1876/99, aprovado na Cmara dos Deputados em Maio de 2011, elaborada pelo Grupo de Trabalho sobre reas de Preservao Permanente da 4a Cmara de Coordenao e Reviso do Ministrio Pblico Federal, objetiva contribuir para o debate acerca do aperfeioamento da legislao ambiental no Brasil, tendo como norte a proteo ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado para as presentes e futuras geraes, direito difuso constitucional, e de outros direitos fundamentais constitucionais, como o direito ao trabalho, direito moradia, o direito de propriedade, a livre iniciativa, a segurana jurdica, por meio de regras de conduta que, sem perder seu carter transformador, enquanto

consistem em enunciados de como deve ser a realidade, interagem com a realidade transformada de forma que possam expressar solues justas e efetivas para proteo dos interesses individuais e coletivos envolvidos.

O trabalho ora apresentado contou com a participao dos dos Procuradores da Repblica lvaro Lotufo Manzano (PR-TO), Lauro

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ Coelho Junior(PRM So Gonalo), Raquel Resende Silvestre (PRM Uberaba), Thiago Lacerda Nobre (PRM Jales) e Rodrigo da Costa Lines (PRM Volta Redonda) membros do Grupo de Trabalho, alm dos Procuradores da

Repblica Bruno Arajo Soares Valente (PR-PA), Marcel Brugnera Mesquita (PRM Santarm), Marco Antnio Delfino de Almeida (PRM Dourados), dos Analistas Periciais em Engenharia Florestal do MPF, Denise Christina de Rezende Nicolaidis e Marcos Cipriano Cardoso Garcia, e do Analista Pericial em Biologia Clauber Pacheco, que forneceram importantes dados e ideias por meio da participao nas discusses e pareceres tcnicos elaborados.

Foi fundamental tambm a colaborao de Rodrigo Bacellar Mello, Gerente do Servio Florestal do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro -SEREF/DIBAP e de Alceo Magnanini, Assessor da Diretoria de Biodiversidade e reas Protegidas do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro -DIBAP e um dos membros da Comisso que elaborou o anteprojeto do Cdigo Florestal vigente, indignado e triste com a pssima qualidade e com os fins perversos do projeto proposto para substitu-lo.

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ 2. INTRODUO

A discusso sobre um novo Cdigo Florestal tem girado em torno do Projeto de Lei 1876/99, cuja verso aprovada pela Cmara dos Deputados em 24.05.11 e enviada ao Senado Federal deu origem ao PL 30/20111. uma oportunidade mpar de aprimorar a legislao ambiental, por meio de uma discusso aprofundada de todos os setores da Sociedade Brasileira. Na Cmara dos Deputados, a questo foi pautada pela retrica dos chaves contra o que seriam distores e excessos do Cdigo Florestal vigente.

O que se prope no uma Lei de proteo ao meio ambiente, mas sim uma Lei de perpetuao e instituio de danos ambientais. Nada se prev avanos no campo dos instrumentos econmicos, mbito no qual se poderia buscar tornar mais justa a repartio de nus e benefcios da proteo ambiental, por meio, por exemplo, na criao de mecanismos para institucionalizao e implementao do pagamento por servios ambientais, premiando aqueles que preservam o meio ambiente. O vis marcado em todo o texto o oposto: punir os que preservaram e premiar os que destruram.

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ O relatrio iniciado com a assertiva de que A Comisso Especial criada para analisar os 11 projetos que tratam de modificaes do Cdigo Florestal Brasileiro fruto dessas circunstncias impostas pela vida, quando a lei afasta-se da realidade e no consegue dar conta de disciplin-la.

Lamentavelmente, a anlise do projeto apresentado no revela qualquer esforo de real aprimoramento do Cdigo Florestal com o fim de torn-lo mais justo, efetivo, claro. Ao revs, so criadas inmeras excees, preceitos enigmticos e conceitos equivocados, como o de rea rural consolidada, descaracterizando por completo a proteo legal que, de acordo com o mandamento constitucional insculpido no art. 225, pargrafo terceiro da Constituio da Repblica, deveria ser dada a determinadas reas

ambientalmente relevantes. O que se v portanto no a busca de tornar a Lei compatvel com a realidade. Seria compreensvel buscar o equilbrio, conjugando Justia e exequibilidade e fazendo com que a efetividade da Lei seja um horizonte desejvel e factvel, no aniquilar a Lei para aproxim-la da realidade do ser pura e simplesmente, ignorando a funo transformadora e conformadora das normas jurdicas.

H utilizao de uma srie de argumentos falaciosos e recursos retricos, de ntido apelo populista. Seria natural que, em uma5

MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ discusso aprofundada de aprimoramento da legislao, o arcabouo normativo vigente fosse considerado e, sobre o que se considera inadequado, se propusesse a alterao e justificadas as vantagens do novo. No isso que ocorre.

O primeiro recurso retrico elogiar o Cdigo Florestal em sua redao original, para, logo em seguida, dizer que o problema foram as absurdas alteraes posteriores por meio de Medida Provisria e os atos normativos infralegais:O Cdigo Florestal uma boa lei de 1965, preparada por um grupo de trabalho de elevada capacidade jurdica e intelectual, destacando-se entre seus autores a figura ilustre e patritica do saudoso desembargador Osny Duarte Pereira. Examinando-se o Cdigo de 1965, percebe-se que os problemas no devem ser buscados nos seus princpios, mas sim nas absurdas alteraes que sofreu em anos recentes, que o tornaram uma caricatura de si prprio, um arremedo de seu esprito original. Bem ou mal, o Cdigo Florestal votado em 1965, em pleno governo militar, foi submetido ao crivo de juristas de esprito pblico e aprovao do Congresso Nacional. paradoxal que em plena democracia ele tenha sido completamente alterado por decretos, portarias, resolues, instrues normativas e at por uma medida provisria que virou lei sem nunca ter sido votada. verdade ainda que o prprio Estado foi o primeiro a negar a aplicao da lei, a desrespeit-la, fomentando o seu descumprimento. As alteraes tornaram de tal forma a legislao impraticvel que o presidente da Repblica adiou por decretos o ltimo deles com validade de dezembro de 2009 at junho de 2011 a entrada em vigor de alguns de seus dispositivos. A legislao pe na ilegalidade mais de 90% do universo de 5,2 milhes de propriedades rurais no Pas. Atividades inteiras viram-se, do dia para a noite,

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________margem da lei, submetidas s presses e sanes dos rgos ambientais e do Ministrio Pblico. Homens do campo, cumpridores da lei, que nunca haviam frequentado os tribunais ou as delegacias de polcia, viram-se, de repente, arrastados em processos, acusaes e delitos que no sabiam ter praticado. Houve casos de suicdio, de abandono das propriedades por aqueles que no suportaram a situao em que foram colhidos.

Ora, quais foram as absurdas alteraes? Em que medida so inadequadas, injustas ou desnecessrias? Se h dificuldade em cumprir os padres ambientais estabelecidos pelo Cdigo Florestal, como alis acontece com inmeras normas cujo processo de efetivao extremamente difcil, mas nem por isso devem ser extintas, por que no buscar alternativas de regularizao que no impliquem na perpetuao do descumprimento do Cdigo Florestal? Se o problema a aplicao de sanes sem que tem havido tempo hbil para a regularizao das propriedades rurais, porque no buscar instrumentos e prazos para essa regularizao?

Cabe destacar ainda algumas das falcias invocadas no relatrio:

1) Percorrendo o labirinto legal de milhares de normas entre leis, portarias, instrues normativas, decretos, resolues do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e legislaes estaduais, a autoridade ambiental ou policial pode interpretar como crime

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ ambiental a simples extrao de uma minhoca na margem de um riacho, a tradio indgena e camponesa de fermentar a raiz da mandioca usando livremente o curso d'gua, a extrao do barro para rebocar as paredes das casas de taipa dos moradores da roa, a extrao do pipiri para a confeco das tradicionais esteiras do Nordeste ou as atividades seculares das populaes ribeirinhas por toda a Amaznia.

As atividades tradicionais de baixo impacto, por bvio, no esto proibidas pelo Cdigo Florestal em vigor, mesmo porque a Constituio da Repblica, em seu art. 215, pargrafo 1, dispe que O Estado proteger as manifestaes das culturas populares, indgenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatrio nacional., no se justificando os exemplos invocados para alterar o Cdigo vigente.

2) No Rio de Janeiro, cogitou-se da retirada de centenrias jaqueiras situadas em florestas pblicas a pretexto de serem rvores exticas, no nativas da Mata Atlntica, o que verdade. Rigorosamente, a jaqueira originria da sia, mas por aqui aportou no sculo XVII e foi usada no reflorestamento do macio da Tijuca por ordem de D. Pedro II. o caso de se requerer ao Ministrio da Justia a naturalizao da espcie, algo que qualquer cidado pode alcanar com meros cinco anos de residncia fixa no Pas.

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ Em um tema de tamanha importncia, prope-se a naturalizao de uma rvore, sem qualquer justificativa cientfica e sem considerar os impactos ambientais da permanncia destas rvores em uma unidade de conservao de proteo integral, o Parque Nacional Floresta da Tijuca. Felizmente, no h nenhuma proposta neste sentido no projeto apresentado.

3) O soldado amarelo, personagem de Vidas Secas de Graciliano Ramos, trancafiou o matuto Fabiano para tomar-lhe os trocados da feira e exercitar seu mesquinho poder em nome do Estado. Hoje poderia prender Fabiano por ter jantado o papagaio para saciar a fome sem a devida autorizao do rgo ambiental. Baleia, a cadelinha de estimao sacrificada por Fabiano por suspeita de raiva, morreu sonhando com pres gordos, enormes, que dividia com sua famlia humana nas provaes da seca. Baleia morreu sonhando com um crime inafianvel.

Matar animais da fauna silvestre ou retir-los de seu habitat natural constitui crime por fora da norma contida no art. 29 da Lei 9605/98, no tendo qualquer relao com as alteraes discutidas para o Cdigo Florestal, salvo quanto ao objetivo comum de proteo da biodiversidade. As circunstncias do crime, assim como eventuais excludentes de culpabilidade,

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ como a inexigibilidade de conduta diversa, devem ser analisados em cada caso concreto para justa aplicao da Lei Penal.

A misria e a fome so problemas crnicos e que no se superam de uma hora para a outra, sendo certo, no entanto, que as normas do Cdigo Florestal no tem qualquer responsabilidade por estas mazelas. 4) Esto na ilegalidade os milhares de assentados da reforma agrria, quatro mil deles em um nico municpio, Confresa, no Mato Grosso; e 1.920 em outro municpio, Querncia, no mesmo Estado. Em Rondnia, a caminho do municpio de Machadinho do Oeste, o presidente da Federao dos Trabalhadores da Agricultura, Lzaro Dobre, encontrou 20 lotes de assentados venda, pelo motivo de no poderem cumprir a legislao ambiental.

Os percalos das polticas pblicas de Reforma Agrria no tem qualquer relao de causalidade com as normas do Cdigo Florestal. Tampouco as alteraes propostas representam soluo para o problema.

Os Projetos de Assentamento implementados pelo INCRA apresentam diversas deficincias que acarretam o no atingimento das finalidades previstas para este tipo de poltica pblica, como a fixao dos

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ trabalhadores rurais no campo, a gerao de renda, a produo de alimentos. Podem ser elencadas como causas a falta de infraestrutura de escoamento, ausncia de assistncia tcnica para produo, o inadequado planejamento para a melhor utilizao da terra, falta de apoio e fiscalizao do INCRA nas etapas posteriores implantao.

Muitos Projetos de Assentamento foram implantados de forma irregular, sem o devido licenciamento ambiental. Por essa razo, foi firmado Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta de Ajustamento de Conduta em 2003 entre o INCRA e o MINISTRIO PBLICO FEDERAL, para regularizao destes Projetos de Assentamento. O Sucateamento do INCRA tem feito com que muitos destes processos estejam pendentes.

evidente que estes problemas no foram criados pelo Cdigo Florestal. So problemas estruturais da Administrao Pblica Federal, sobretudo do INCRA e do Ministrio do Desenvolvimento Agrrioque no est preparada para atender s demandas por polticas pblicas de Reforma Agrria a contento, considerando a grande dvida que o Brasil ainda tem atualmente com os trabalhadores rurais, na distribuio mais justa das terras brasileiras e na gerao de renda no campo.

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ A noticiada venda de lotes ilegal e no se deve impossibilidade de cumprir a legislao ambiental, mas aos srios problemas enfrentados pelo Pas na implementao de polticas pblicas de Reforma Agrria.

5) Passou para a ilegalidade a criao de boi nas plancies pantaneiras. No bioma mais preservado do Pas, o boi criado em capim nativo, mtodo totalmente sustentvel, mas que se tornou ilegal a partir da legislao que considera todo o Pantanal rea de Preservao Permanente (APP).

As ONGs Ecoa-Ecologia e Ao, Conservao Internacional (CI)-Brasil, Fundao AVINA, Instituto SOS Pantanal e WWF-Brasil, em consrcio, realizaram estudo1 que mostra o bioma bem preservado, mas vulnervel, principalmente em razo dos impactos ocorridos na parte alta da Bacia do Alto Paraguai (BAP). Com base nas mudanas de cobertura vegetal e uso do solo ocorridas no perodo de 2002 a 2008, os resultados revelam que, enquanto a plancie inundvel mantm 86,6% da sua cobertura vegetal natural,Monitoramento das alteraes da cobertura vegetal e uso do Solo na Bacia do Alto Paraguai Poro Brasileira Perodo de Anlise: 2002 a 2008 Iniciativa: CI Conservao Internacional, ECOA - Ecologia e Ao, Fundacin AVINA, Instituto SOS Pantanal, WWF- Brasil. Braslia, 2009. Inteiro teor disponvel em http://assets.wwfbr.panda.org/downloads/mapacoberturabaciaaltoparaguai_estudocompleto.p df1

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ no planalto, apenas 43,5% da rea possui vegetao nativa.

O diagnstico, denominado Monitoramento das Alteraes da Cobertura Vegetal e Uso do Solo na Bacia Alto Paraguai, tambm registrou um percentual maior de desmatamento no planalto. De 2002 a 2008, o lado brasileiro da BAP, onde est o Pantanal, teve uma perda de 4% de sua vegetao natural, contra 2,4% da plancie. O estudo contou com o apoio tcnico das instituies parceiras, da Embrapa Pantanal, da SOS Mata Atlntica e da ArcPlan, empresa executora. As bases iniciais foram os dados do Projeto de Conservao e Utilizao Sustentvel da Diversidade Biolgica Brasileira (Probio), do Ministrio do Meio Ambiente (MMA). O trabalho envolveu a anlise de mapas existentes e de novas imagens de satlite, alm de visitas de campo e entrevistas com especialistas da rea.

H, portanto, dados tcnico-cientficos que demonstram que a preservao do Pantanal uma questo complexa e que precisa considerar, por exemplo as diferentes caractersticas das terras altas e da plancie pantaneira, no bastando liberar a explorao ecologicamente

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ sustentvel sem qualquer controle, sem prever parmetros claros e com embasamento cientfico.

6) Fora da lei, esto tambm 75% dos produtores de arroz, por cultivarem em vrzeas, prtica adotada h milnios na China, na ndia e no Vietn, para no falar de produtores europeus e norte-americanos que usam suas vrzeas h sculos para a agricultura.

A rizicultura e atividade de extrema importncia, mas a soluo ambientalmente adequada para regulamentar este tipo de cultura no a retirada da proteo legal das reas de vrzea como prope o projeto.

A Resoluo CONAMA 425/2010 j admite, em carter excepcional, a agricultura de vazante de carter tradicional, sem a utilizao de agrotxicos. No h fundamento cientfico e ambientalmente seguro para estender a permisso da agricultura de vazante tradicional familiar para todo e qualquer empreendimento agropecurio, principalmente considerando que significativos impactos decorrem da utilizao de agrotxicos2.Confira a esse respeito a Circular Tcnica 67 da Embrapa : Agrotxicos no Cultivo do Arroz no Brasil: anlise do consumo e medidas para reduzir o impacto ambiental negativo. Barrigossi, Jos Alexandre Freitas,Engenheiro Agrnomo, Ph.D. em Entomologia, Embrapa Arroz e Feijo, [email protected]. Lanna, Anna Cristina, Qumica, Doutora em Fisiologia Vegetal, Embrapa Arroz e Feijo, [email protected]. Ferreira, Evane, Engenheiro Agrnomo, Doutor em2

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________

Qualquer proposta para adequar a regulamentao da preservao ou utilizao das reas de vrzea deve ser fundamentada em dados cientficos e no em pura e simples extino da proteo legal.

7) Em desacordo com a norma legal, est tambm boa parte da banana produzida no Vale do Ribeira, em So Paulo, e que abastece 20 milhes de consumidores a pouco mais de 100 quilmetros do centro de produo. Como amplamente noticiado3, no dia 05 de agosto de 2011, enchentes ocorridas no Vale do Ribeira deram uma amostra das nefastas consequncias da ocupao de reas de preservao permanente na regio. A produo de bananas corresponde a 90% da agricultura do municpio. Em toda a regio do Vale do Ribeira, atingida pela enchente, as perdas com a produo de banana podem chegar a 120 milhes de reais, segundo a associao dos produtores. Um prejuzo sem precedentes para a economia da regio mais pobre do Estado de So Paulo. No Vale do Ribeira, a renda per capita de R$185,46. Enquanto que na capital paulista, por exemplo, cada pessoa vive em mdia com R$442,67. Segundo a Defesa Civil municipal, 3200 famlias foramEntomologia, Embrapa Arroz e Feijo, [email protected]. Disponvel http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/Repositorio/circ_67_000fyufbxtc02wx5ok076raloqwxcbwj.pdf.3

em

O vdeo disponvel em http://noticias.uol.com.br/ultnot/multi/2011/08/06/04028C183868C4C91326.jhtm bastante ilustrativo. 15

MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ afetadas em Sete Barras. Em todo o Vale do Ribeira, foram mais de 19 mil atingidos pela cheia do rio. 8) A situao igual para milhares de agricultores que cultivam caf, ma e uva em encostas e topos de morros em Minas Gerais, Esprito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A idia de que recuperar as APPs tornaria invivel a agricultura tambm no corresponde realidade. Estudo realizado pelo WWF Brasil nos principais municpios produtores de ma, caf,e uva mostraram que menos de 5% da produo atual est localizada em APPs.

9) A maior ameaa ao grande produtor a elevao de custos de produo imposta pela legislao ambiental e florestal na realizao de obras, contratao de escritrios de advocacia e renncia de reas destinadas produo. Ao fim e ao cabo, a legislao ambiental funciona como uma verdadeira sobrecarga tributria, elevando o custo final do produto, j oprimido pelo peso da infraestrutura precria e das barreiras no tarifrias cobradas pelos importadores.

Deve haver polticas agrcolas, por meio de programas de crdito, de implementao de tecnologias para aumento da produtividade e

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ reduo de impactos ambientais, a exemplo do Programa de Agricultura de Baixo Carbono, da melhoria da infraestrutura de transportes etc.

No se pode pretender diminuir os custos de produo criando-se riscos de prejuzos futuros e passivos ambientais incomensurveis, que redundaro, em ltima anlise, em depredao de recursos naturais e servios ecossistmicos vitais para a sobrevivncia da prpria atividade agropecuria, como o solo, guas, polinizadores, controle de pragas.

10) O presente relatrio pretende demonstrar que as escolhas morais e ideolgicas no debate contemporneo sobre a natureza e o meio ambiente revelam, na verdade, os interesses concretos das naes ricas e desenvolvidas e de suas classes dominantes na apropriao dos bens naturais j escassos em seus domnios, mas ainda abundantes entre as naes subdesenvolvidas ou em processo de desenvolvimento. Da mesma maneira, a polmica confronta a agricultura subsidiada dos ricos vis--vis a agricultura cada vez mais competitiva de pases como o Brasil

A explorao racional e adequada dos recursos naturais disponveis deve ser regulamentada com base em dados cientficos e no em teorias conspiratrias sem qualquer fundamentao, que buscam legitimar

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ situaes que representam benefcios de poucos em detrimento dos interesses de todo o pas.

11) O protecionismo ambiental e o interesse comercial esto inscritos em cada captulo das rodadas de negociao da OMC e das aes das ONGs que fixaram como ponto de tenso de suas iniciativas a chamada rea da fronteira agrcola e mineral do Pas. Enquanto o Ministrio Pblico e os rgos ambientais pressionam os pequenos, mdios e grandes produtores do Sul e do Sudeste, na Amaznia Legal, na faixa de transio entre o Cerrado e o bioma Amaznico, que as ONGs e suas campanhas milionrias procuram interditar a infraestrutura rodovias, ferrovias, hidrovias, portos destinada ao crescimento da agricultura, pecuria e minerao.

A explorao racional e adequada dos recursos naturais disponveis deve ser regulamentada com base em dados cientficos e no em teorias conspiratrias sem qualquer fundamentao, que buscam legitimar situaes que representam benefcios de poucos em detrimento dos interesses de todo o pas.

12) Ningum questiona o fato de que o clima na Terra est em permanente mudana. O consenso, entretanto, para nisso. As mudanas climticas podem ser mais ou menos severas do que sugerem as estimativas atuais, assim como a ocorrncia de eventos18

MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ climticos extremos. Em nenhum momento da histria humana a ao do homem sobre a natureza foi mais intensa do que nos dias atuais. No h consenso, porm, sobre at que ponto as mudanas climticas recentes decorrem da ao humana ou de processos cujos ciclos podem ser medidos em centenas, milhares ou milhes anos. Da mesma forma, as tecnologias necessrias para neutralizar os efeitos da atividade humana sobre o equilbrio do meio ambiente, que muitos julgam estar ao alcance da mo, podem no s estar mais distantes do que se imagina, como serem pouco efetivas, a depender das reais causas das mudanas. Diante do elevado grau de incerteza da maioria das hipteses, adotar planos de contingncia para todos os cenrios imaginveis, mesmo os mais catastrficos e improvveis, baseados na hiptese de que o planeta se encontra beira do colapso em decorrncia da ao humana e de que existem solues de baixo custo, podem implicar em custos sociais e econmicos desproporcionais aos possveis e mesmo improvveis ganhos, principalmente se consideramos a tendncia de que a conta pesar mais sobre os pobres. Os padres ambientais mnimos previstos na Lei 4771/65 no consubstanciam planos de contingncia para todos os cenrios imaginveis, mesmo os mais catastrficos e improvveis. Ao revs, so normas elaboradas com base no conhecimento cientfico vigente e perfeitamente proporcionais, em consonncia com os princpios da precauo e da preveno que devem guiar as decises de polticas pblicas em matria ambiental.19

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Acerca da suposta incerteza cientfica do aquecimento global e de suas causas , vale conferir o seguinte trecho de estudo do IPEA,:

Apesar das incertezas, tanto em relao s RCEs quanto capacidade de absoro de crditos florestais no mercado voluntrio, a tendncia que haja uma valorizao acentuada do carbono seqestrado e estocado em florestas em um futuro prximo. O custo social do carbono, o valor presente lquido do prejuzo marginal causado pela emisso de uma tonelada de CO2, considerado, para fins pragmticos, entre US$ 25 e US$ 50. H consenso de que os pases devem se empenhar para que a temperatura global no supere os 2o C acima da temperatura mdia pr-industrial. O cenrio de aumento de 3o C mostra que os efeitos sero mais drsticos estresse hdrico, perda de biodiversidade, desaparecimento de corais, perda de produtividade agrcola, acidificao dos oceanos, secas, enchentes, furaces e aumento do nvel do mar. Para se manter um cenrio de 2o C, ser necessrio limitar as concentraes de CO2 na atmosfera , no mximo, 450 PPM. Isso exige um esforo de reduo de emisses que no pode prescindir dos estoques florestais e do reflorestamento. A sada a ser encontrada nas negociaes internacionais dever ser um misto de soluo de mercado com recursos a serem disponibilizados para polticas pblicas de reduo de emisses por desmatamento e degradao de vegetao nativa e de seqestro pela sua recomposio, sendo que o valor (negociado ou aplicado a fundo perdido), por tonelada de CO2 absorvido (ou a emisso evitada), dever superar a estimativa aqui apresentada.4

A conta que pesar sobre toda a sociedade, afetando certamente os mais pobres, como vem ocorrendo atualmente, decorrente de

Comunicado IPEA 96 de 08.06.2011.CDIGO FLORESTAL: IMPLICAES DO PL 1876/99 NAS REAS DE RESERVA LEGAL, p. 194

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ ausncia ou descumprimento de polticas ambientais de preveno e no da implementao destas.

imprescindvel que a discusso de um novo Cdigo Florestal seja efetivamente permeada por dados tcnicos e pelo conhecimento cientfico j produzido, desviando-se do pseudo-dilema entre preservao ambiental e desenvolvimento socioeconmico em que tem se sustentado o discurso em defesa do Projeto de Lei do Deputado Aldo Rebelo.

No se trata de optar entre o radicalismo de ambientalistas ou a flexibilizao para tornar o Cdigo Florestal mais realista, seja porque a Lei 4.771/65 se fundamenta no conhecimento cientfico disponvel poca, no trazendo qualquer exigncia que no seja estritamente necessria para proteo do meio ambiente, porque o aumento dos percentuais de Reserva Legal ocorreu para frear o descontrolado desmatamento da Amaznia, quanto pelo fato de que, na prtica, o Projeto de Lei 30/2011, atualmente em tramitao no Senado Federal, implica o completo esvaziamento da proteo legal do meio ambiente que dever constitucionalmente imposto ao Estado Brasileiro, em seus diferentes poderes e esferas de governo.

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ 3. A IMPORTNCIA DO CONHECIMENTO CIENTFICO NA

FORMULAO DA POLTICA AMBIENTAL BRASILEIRA

A proteo garantida pelo Cdigo Florestal para as reas de preservao permanente, de reserva legal e para os biomas brasileiros como um todo, no um capricho do Legislador ou do Constituinte, como bem demonstra o consistente, aprofundado e claro estudo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia intitulado O Cdigo Ambiental e a CinciaContribuies para o dilogo:

O Brasil um dos pases com maior diversidade biolgica no mundo, pois abriga pelo menos 20% das espcies do planeta, com altas taxas de endemismo para diferentes grupos taxonmicos. Isso implica amplas oportunidades, em particular econmicas (desenvolvimento de novos frmacos, bioterpicos, tecnologias biomimticas, alimentos, turismo ecolgico etc.), mas tambm numa maior responsabilidade. A legislao ambiental brasileira tem avanado cada vez mais, refletindo a importncia do patrimnio natural nico do pas. Retrocessos tero graves e irreversveis consequncias ambientais, sociais e econmicas. Por reconhecer a importncia da conservao e do uso sustentvel desse inestimvel patrimnio natural, o Brasil se tornou signatrio de importantes compromissos internacionais como a Conveno da Diversidade Biolgica (CDB) e a Conveno de reas midas (RAMSAR). Alm disso, assumiu tambm o compromisso no mbito da Conveno das Naes Unidas sobre Mudanas Climticas de reduzir 38% de suas emisses de gases de efeito estufa at 2020. Esses compromissos exigem no s a implementao de sua atual legislao ambiental, como tambm o resgate do grande passivo ambiental do setor agropecurio brasileiro. H consenso entre os pesquisadores de que a garantia de manuteno das reas de Preservao Permanente (APP) ao longo das margens de rio e corpos dgua,

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________de topos de morros e de encostas com declividade superior a 30 graus, bem como a conservao das reas de Reserva Legal (RL) nos diferentes biomas so de fundamental importncia para a conservao da biodiversidade brasileira. Entre os impactos negativos da reduo de APPs e de RL esto a extino de espcies de muitos grupos de plantas e animais (vertebrados e invertebrados); o aumento de emisso de CO2; a reduo de servios ecossistmicos, tais como o controle de pragas, a polinizao de plantas cultivadas ou selvagens e a proteo de recursos hdricos; a propagao de doenas (hantavrus e outras transmitidas por animais silvestres, como no caso do carrapato associado capivara); intensificao de outras perturbaes (incndios, caa, extrativismo predatrio, impacto de ces e gatos domsticos e ferais, efeitos de agroqumicos); o assoreamento de rios, reservatrios e portos, com claras implicaes no abastecimento de gua, energia e escoamento de produo em todo o pas.5

O referido estudo foi elaborado por grupo de trabalho constitudo por doze Doutores e Ps-Doutores de notria especializao, abaixo nominados, que ressaltam que o documento por eles produzido fruto de extenso trabalho de reviso e pesquisa prospectiva desenvolvido pelos membros do GT, que procuraram, luz da cincia e tecnologias disponveis, colaborar para um vigoroso dilogo sobre o Cdigo Florestal.Antonio Donato Nobre (INPA/INPE) Engenheiro Agrnomo (ESALQ USP), Mestre em Ecologia Tropical (INPA UA), PhD em Cincias da Terra (UNH USA); Carlos Alfredo Joly (UNICAMP BIOTA) Graduao em Cincias Biolgicas (USP), Mestre em Biologia Vegetal (UNICAMP), PhD em Ecofisiologia Vegetal

5

SILVA, J.A.A.; NOBRE, A.D.; MANZATTO, C.V.; JOLY, C.A.; RODRIGUES, R.R.;SKORUPA, L.A.; NOBRE, C.A.; AHRENS, S.; MAY, P.H.; S, T.D.A. ; CUNHA, M.C.;RECH FILHO, E.L., O Cdigo Florestal e a Cincia- Contribuies para o dilogo. So Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia: SBPC; Academia Brasileira de Cincias, ABC, 2011, pgina 43.

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________pelo Botany Department - University of Saint Andrews, Esccia/GB, Post-Doctor (Universitt Bern, Sua); Carlos Afonso Nobre (INPE MCT) Engenheiro Eltrico (ITA), PhD em Meteorologia (MIT- -USA), Post-Doctor (University of Maryland - USA); Celso Vainer Manzatto (EMBRAPA Meio Ambiente) Engenheiro Agrnomo (UFRJ), Mestre em Cincia do Solo (UFRJ), Doutorado em Produo Vegetal (Universidade Estadual do Norte Fluminense); Elibio Leopoldo Rech Filho (EMBRAPA Recursos Genticos e Biotecnologia) Engenheiro Agrnomo (UnB), Mestre (MSc.) em Fitopatologia (UnB), PhD. em Life Sciences (University of Nottingham, Inglaterra), Post-Doctor em manipulao de cromossomos artificiais de levedura (YACs) (University of Nottingham/Oxford, Inglaterra); Jos Antnio Aleixo da Silva (UFRPE SBPC) Engenheiro Agrnomo (UFRPE), Mestre em Cincias Florestais (UFV-MG), PhD e Post-Doctor em Biometria e Manejo Florestal (University of Georgia- -USA) Coordenador do GT; Ladislau Arajo Skorupa (EMBRAPA - Meio Ambiente) Engenheiro Florestal (UnB), Doutor em Cincias Biolgicas (Botnica) (USP); Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha (University of Chicago) Graduao em Matemtica Pura, Facult Des Sciences, Frana, Doutorado em Cincias Sociais (UNICAMP), Post-Doctor (Cambridge University, cole des Hautes tudes en Sciences Sociales, Collge de France), Livre Docente (USP) Peter Herman May (UFRRJ e sociedade ECOECO) Graduado em Ecologia Humana pela #e Evergreen State College, Mestre em Planejamento Urbano e Regional e PhD em Economia dos Recursos Naturais, Cornell University; Ricardo Ribeiro Rodrigues (ESALQ/USP) Graduao em Cincias Biolgicas (UNICAMP), Mestre em Biologia Vegetal (UNICAMP), Doutor em Biologia Vegetal (UNICAMP); Srgio Ahrens (EMBRAPA Florestas) Engenheiro Florestal (UFPR), Graduado em Direito (PUC-PR), Especializao em Management of Forests and Wood Industries pela Swedish University of Agricultural Sciences, Mestre em Recursos Florestais (Oklahoma State UniversityUSA), Doutor em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paran; Tatiana Deane de Abreu S (EMBRAPA Diretoria executiva) Graduada em Agronomia (Escola de Agronomia da Amaznia), Mestre em Soil Science and Biometeorology (Utah State University), Doutorado em Biologia Vegetal (Eco! siologia Vegetal) (UNICAMP).

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Cabe indagar: quais foram os estudos cientficos que embasaram o PL 1876/99? Quem foram os Cientistas e Juristas que elaboraram o PL 1876/99? Em seu relatrio, o Deputado Aldo Rebelo menciona o professor Gerd Sparovek, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, embora reconhea que este defende a atual legislao.

Cita

tambm

Sebastio

Valverde,

professor

do

Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Viosa, e Jos Sidnei Gonalves, pesquisador do Instituto de Economia Agrcola (IEA) do Estado de So Paulo. No esclarece se avalizaram o texto aprovado na Cmara dos Deputados, se participaram da elaborao do projeto e nem quais os fundamentos cientficos para esse eventual aval. Deve ser citado tambm o estudo do Instituto de Pesquisa Econmica AplicadaIPEA denominadoCDIGO FLORESTAL:

IMPLICAES DO PL 1876/99 NAS REAS DE RESERVA LEGAL6, que chegou s seguintes concluses sobre os benefcios da preservao de vegetao nativa e os impactos negativos das alteraes propostas no PL 1876/99, como a perda de 47 milhes de hectares de reserva legal:6

Comunicados do IPEA n. 96. Disponvel em www.ipea.gov.br. 25

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Os resultados obtidos neste estudo indicam que a alterao proposta no PL 1876/99 para as reas de RL impactaro significativamente sobre a rea com vegetao natural existente nos biomas brasileiros e sobre os compromissos assumidos pelo Brasil para reduo de emisses de carbono. Isso indica que alternativas devem ser buscadas para viabilizar a efetiva aplicao das leis ambientais, visando conciliar o desenvolvimento econmico e a conservao ambiental no Brasil.(p.20) Neste cenrio, considerou-se a hiptese de que a mudana da lei poder influenciar desmatamentos futuros da vegetao natural nas reas isentas de ter reserva legal, levando a uma perda total da vegetao dessas reas que deixaro de ser averbadas e ter assim proteo legal. A perda total de rea de reserva legal, relativa aos imveis de at quatro mdulos fiscais, estimada neste cenrio, ser de aproximadamente 47 milhes de hectares (Tabela 4). A maior parte dessa rea ocorrer tambm na Amaznia com 24,6 milhes de h (53%) (Figura 4), embora a porcentagem que essa rea a ser perdida representa em relao rea atual de reserva legal tenha sido maior em outros biomas, como Caatinga (48%), Mata Atlntica (45,6%), Pampa (31,44%) e Cerrado (18,55 %), os quais perdero uma parte significativa de suas atuais reas de reserva legal (Figura 5). Se tambm for considerada a iseno de passivo para as grandes e mdias propriedades, a rea total de RL perdida seria de 79 milhes de hectares (31% da rea de reserva legal atual). O impacto positivo de se manter uma vegetao nativa pode ser observado pelo ponto de vista local, onde o proprietrio de uma rea rural beneficia-se, por exemplo, da existncia de polinizadores para sua produo, de uma barreira contra processos erosivos do solo, ou da retirada manejada de alguns recursos da prpria mata ou de outra fisionomia vegetal que componha a vegetao considerada. No entanto, ampliando-se a abrangncia da rea estudada, percebe-se que a proteo contra processos erosivos do solo implica a reduo do assoreamento de cursos dgua, o que melhora a disponibilidade de recursos pesqueiros e a navegabilidade dos rios e aumenta a vida til dos reservatrios de hidreltricas. A manuteno da biodiversidade eleva a probabilidade de sucesso na bioprospeco de recursos genticos com valor econmico, como remdios e cosmticos, e ajuda na manuteno do ciclo hidrolgico macrorregional. 26

MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________Por ltimo, a preservao da vegetao mantm um dos principais estoques de carbono, evitando que CO2 e outros gases de efeito estufa sejam lanados na atmosfera no processo de desmatamento e decomposio da biomassa, do carbono e do nitrognio do solo. Esse estoque de carbono, assim como outras caractersticas tpicas das vegetaes nativas, como seu albedo e sua evapotranspirao ajudam na manuteno do clima do planeta, contrapondo-se ao chamado aquecimento global. (p. 16) Com base nos resultados encontrados nesta pesquisa, estimou-se que a quantidade de carbono que pode deixar de ser retida, caso os passivos de reserva legal hoje existentes nos imveis de at quatro mdulos fiscais sejam anistiados, de 3,2 bilhes de tC para o cenrio 1, ou 11,6 bilhes de tCO2 potencialmente seqestrveis (tabela 5), considerando a biomassa vegetal acima do solo. ( p. 14) A recomposio das RLs que se encontram hoje em desacordo com o atual Cdigo Florestal (Lei 4.771/65), ainda vigente, pode contribuir com um total de 11,6 Gt de CO2, o que equivale a aproximadamente 17 anos do compromisso brasileiro de reduo do desmatamento apensado ao Acordo de Copenhague em seu Apndice II. O Brasil se compromete, nesse documento, a reduzir emisses provenientes do desmatamento (na Amaznia e no Cerrado, conforme a proposta brasileira) em 668 milhes de toneladas de CO2 anuais, o que seria facilitado se a recomposio ocorresse, tanto pelo sequestro do carbono, como pela sua manuteno em rea particular, com os devidos incentivos e controles, fugindo da chamada "tragdia dos comuns" que ocorre em reas devolutas. ( p. 20)

Ser razovel supor que todos os pesquisadores que participaram do Grupo de Trabalho da SBPC e elaboraram o estudo do IPEA participam de uma conspirao contra o Brasil e contra os agricultores brasileiros e, com base em mera suposio, simplesmente jogar no lixo o consistente conhecimento produzido por respeitados profissionais??

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ 4. A VIOLAO DE COMPROMISSOS ASSUMIDOS PELO BRASIL PERANTE A COMUNIDADE INTERNACIONAL MEDIANTE

RETROCESSOS NA PROTEO LEGAL DOS BIOMAS BRASILEIROS

A

reduo

da

proteo

de

reas

de

preservao

permanente, de reserva legal e de vegetao nativa no enquadrada como APP ou RL, decorrente das normas previstas no PL 1876/99 contraria uma srie de compromissos assumidos pelo Brasil perante a Comunidade Internacional.

O Brasil signatrio da Conveno sobre Zonas midas de Importncia Internacional, Conveno de Ramsar, promulgada pelo Decreto 1905/96, pelo qual assumiu o compromisso de promover a conservao de zonas midas e de aves aquticas estabelecendo reservas naturais nas zonas midas, quer estas estejam ou no inscritas na Lista, e providenciar a sua proteo apropriada. . A excluso da proteo de mangues, de vrzeas, de reas de preservao permanente, assim como a permisso de explorao do Pantanal sem critrios ambientalmente seguros afronta diretamente tais compromissos.

O Brasil tambm signatrio da Conveno sobre Diversidade Biolgica, assinada por ocasio da RIO 92 e promulgada por meio do Decreto 2519/98, por meio da qual assumiu, dentre outros compromissos, o28

MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ de desenvolver estratgias, planos ou programas para a conservao e utilizao sustentvel da diversidade biolgica (art.6) A perda de biodiversidade gerada pelas alteraes propostas manifesta e incompatvel com a referida Conveno.

Da mesma forma, o Brasil parte da Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre a Mudana do Clima, no mbito da qual foram realizadas mais de quinze conferncias, a ltima delas em Cancn, Mxico, em Novembro de 2010. No acordo de Copenhague, o Brasil assumiu o compromisso de reduzir entre 36,1% (trinta e seis inteiros e um dcimo por cento) e 38,9% (trinta e oito inteiros e nove dcimos por cento) suas emisses projetadas at 2020., como previsto no art. 12 da Lei 12.187/09, que instituiu a Poltica Nacional de Mudana do Clima.

Por fim, deve-se mencionar a Conveno Internacional de Combate Desertificao, promulgada por meio do Decreto n 2741/98. A dispensa de recuperao de 3,8 milhes de hectares na Caatinga claramente contraria aos objetivos da indigitada Conveno e aplicao, nas zonas

afetadas, de estratgias integradas de longo prazo baseadas simultaneamente, no aumento de produtividade da terra e na reabilitao, conservao e gesto sustentada

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ dos recursos em terra e hdricos, tendo em vista melhorar as condies de vida, particularmente ao nvel das comunidades locais. ( art. 2, 2)

5. A INCONSTITUCIONALIDADE DA DISPENSA DA RECUPERAO DE DANOS AMBIENTAIS: VIOLAO DO PRINCPIO DA ISONOMIA (ART. 5 DA CF), DO DEVER GERAL DE PROTEO DO MEIO AMBIENTE (ART. 225, 1, 3 E 4), DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE (ART. 186 DA CF)

O Art. 3, III do texto aprovado institui o inapreensvel conceito de rea rural consolidada como rea de imvel rural com ocupao antrpica pr-existente a 22 de julho de 2008, com edificaes, benfeitorias ou atividades agrossilvopastoris, admitida, neste ltimo caso, a adoo do regime de pousio.Art. 3. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: () III rea rural consolidada: rea de imvel rural com ocupao antrpica pr-existente a 22 de julho de 2008, com edificaes, benfeitorias ou atividades agrossilvopastoris, admitida, neste ltimo caso, a adoo de regime de pousio; () VIII pousio: prtica de interrupo temporria de atividades agrcolas, pecurias ou silviculturais, para possibilitar a recuperao de uso do solo;

(...)

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ A definio de rea rural consolidada, no corpo do referido projeto, utilizada posteriormente em diversos artigos, objetivando, em sntese, isentar os causadores de danos ambientais da obrigao de reparar o dano, sem exigir qualquer circunstncia razovel para a dispensa desta reparao.

Destaque-se que 22 de julho de 2008 a data do Decreto n. 6.514, que dispe sobre as infraes e sanes administrativas ao meio ambiente, estabelecendo o processo administrativo federal para apurao destas infraes, e dando outras providncias., no podendo ser eleito como critrio de discrmen, por no traduzir elemento capaz de justificar tratamento diferenciado, em clara violao do princpio da isonomia, previsto no art. 5, caput da Constituio da Repblica.

Pretender isentar os causadores de danos ambientais da obrigao de reparar o dano sem que seja exigida a demonstrao de qualquer circunstncia que signifique impedimento para a reparao do dano, alm de permitir a utilizao da Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira fora de condies que assegurem a preservao do meio ambiente, caracteriza patente violao do art. 225, pargrafos 1, 3 e 4 e do art. 186 da Constituio da Repblica:31

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Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes. 1 - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Pblico: I - preservar e restaurar os processos ecolgicos essenciais e prover o manejo ecolgico das espcies e ecossistemas; (Regulamento) II - preservar a diversidade e a integridade do patrimnio gentico do Pas e fiscalizar as entidades dedicadas pesquisa e manipulao de material gentico; (Regulamento) III - definir, em todas as unidades da Federao, espaos territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alterao e a supresso permitidas somente atravs de lei, vedada qualquer utilizao que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteo; (Regulamento) IV - exigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente, estudo prvio de impacto ambiental, a que se dar publicidade; (Regulamento) V - controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (Regulamento) VI - promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a conscientizao pblica para a preservao do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino de espcies ou submetam os animais a crueldade. (Regulamento) 2 - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com soluo tcnica exigida pelo rgo pblico competente, na forma da lei. 3. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitaro os infratores, pessoas fsicas ou jurdicas, a sanes penais e administrativas, independentemente da obrigao de reparar os danos causados. 4 - A Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira so patrimnio nacional, e sua utilizao far-se-, na forma da lei, dentro de condies que assegurem a preservao do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. () 32

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Art. 186. A funo social cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critrios e graus de exigncia estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao do meio ambiente; III - observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho; IV - explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores.

Vale dizer: a anistia que se quer dar s reas rurais consolidadas, sem exigir, ao menos, a recuperao das reas degradadas, se mostra lesiva ao meio ambiente, violando os deveres de proteo estatal previstos no pargrafo primeiro, a exigncia constitucional de reparao dos danos causados, bem como o comando de que o patrimnio nacional representado pela Floresta Amaznica brasileira, pela Mata Atlntica, pela Serra do Mar, pelo Pantanal Mato-Grossense e pela Zona Costeira sejam feitos na forma da Lei e dentro de condies que assegurem a preservao do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais, e de que a propriedade rural cumpra sua funo social por meio de aproveitamento racional e adequado e utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao do meio ambiente.

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ A rea rural consolidada definida apenas com base na referencia temporal de julho de 2008 abre a possibilidade de regularizar toda e qualquer ocupao nas diferentes tipologias de APP, sem maior considerao sobre os impactos decorrentes da manuteno destas atividades. Adicionalmente inclui a previso do regime de pousio como uma regra geral, para qualquer imvel rural. O pousio remete ao abandono da rea de cultivo por um certo perodo, visando a recomposio do solo, e uma prtica associada a agricultura de subsistncia de umas poucas comunidades tradicionais, no se justificando sua adoo como regra geral para a agricultura atual. Sua adoo como regra geral, no entanto, cria uma enorme dificuldade para o monitoramento e controle do desmatamento, j que sempre que uma rea que est sendo desmatada for detectada, o argumento de que essa uma rea que estava em pousio ser utilizada. Isso se agrava na medida em que o conceito de pousio, apresentado no inciso VIII, no faz qualquer remessa temporal objetiva. Diferentemente das reas urbanas consolidadas, em que a recuperao integral das reas de preservao permanente ocupadas significariam custos sociais e econmicos desproporcionais, a justificar a regularizao de determinadas ocupaes, por meio de Planos de

Regularizao Fundiria Sustentvel e dos respectivos estudos tcnicos, nas

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ reas rurais a recuperao das reas de preservao permanente de enorme importncia e pode ser obtida sem impor um nus excessivo aos proprietrios rurais.

Em muitos casos, como reas de pastos, bastaria cercar a rea e impedir o acesso do gado, para que a regenerao natural acontea, de sorte que se revela um descalabro pretender perpetuar danos ambientais em reas ambientalmente sensveis sob o manto de reas rurais consolidadas, assim como viola o princpio da isonomia, ao privilegiar aqueles que descumpriram a legislao ambiental e punir aqueles que a observaram.

Mais uma vez, situaes irregulares no passaro apenas impunes, mas sero beneficiadas, pois as reas irregularmente utilizadas podero ser convertidas em reas de uso regular, bastando um simples cadastro, conforme ser melhor detalhado abaixo. Assim, percebe-se que imprescindvel a adequao de todos os dispositivos que fazem meno ao conceito de rea rural consolidada. Caso isso no ocorra, ainda no Senado Federal, ser certamente objeto de veto presidencial. E ainda que seja aprovado e promulgado, ser objeto de ao

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ direta de inconstitucionalidade e de questionamentos de inconstitucionalidade incidenter tantum em aes civis pblicas. A liberdade de conformao do Legislador nas matrias que dependem da interpositio legislatoris para sua concretizao deve ser

exercida com responsabilidade e no ilimitada, devendo observar no apenas o processo legislativo, mas tambm as normas constitucionais das quais tambm colhe seu poder legiferante. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal j se posicionou reiteradas vezes:Ao direta de inconstitucionalidade. Art. 182, 3, da Constituio do Estado de Santa Catarina. Estudo de impacto ambiental. Contrariedade ao art. , 1, IV, da Carta da Repblica. A norma impugnada, ao dispensar a elaborao de estudo prvio de impacto ambiental no caso de reas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais, cria exceo incompatvel com o disposto no mencionado inciso IV do 1 do art. da CF. (ADI 1.086, Rel. Min. Ilmar Galvo, julgamento em 7-6-2001, Plenrio, DJ de 10-8-2001.

"O direito integridade do meio ambiente tpico direito de terceira gerao constitui prerrogativa jurdica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmao dos direitos humanos, a expresso significativa de um poder atribudo, no ao indivduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, prpria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira gerao (direitos civis e polticos) que compreendem as liberdades clssicas, negativas ou formais realam o princpio da liberdade e os direitos de segunda gerao (direitos econmicos, sociais e culturais) que se

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas acentuam o princpio da igualdade, os direitos de terceira gerao, que materializam poderes de titularidade coletiva atribudos genericamente a todas as formaes sociais, consagram o princpio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expanso e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade." (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-1995, Plenrio, DJ de17-11-1995.) No mesmo sentido: RE 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-1995, Primeira Turma, DJ de 22-9-1995 "O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em arguio de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada pelo Presidente da Repblica, e declarou inconstitucionais, com efeitos ex tunc, as interpretaes, includas as judicialmente acolhidas, que permitiram ou permitem a importao de pneus usados de qualquer espcie, a insertos os remoldados. Ficaram ressalvados os provimentos judiciais transitados em julgado, com teor j executado e objeto completamente exaurido (...)." (ADPF 101, Rel. Min. Crmen Lcia, julgamento em 24-6-2009, Plenrio, Informativo 552). "A relatora, ao iniciar o exame de mrito, salientou que, na espcie em causa, se poria, de um lado, a proteo aos preceitos fundamentais relativos ao direito sade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cujo descumprimento estaria a ocorrer por decises judiciais conflitantes; e, de outro, o desenvolvimento econmico sustentvel, no qual se abrigaria, na compreenso de alguns, a importao de pneus usados para o seu aproveitamento como matria-prima, utilizada por vrias empresas que gerariam empregos diretos e indiretos. (...) Na sequncia, a Min. Crmen Lcia deixou consignado histrico sobre a utilizao do pneu e estudos sobre os procedimentos de sua reciclagem, que demonstraram as graves consequncias geradas por estes na sade das populaes e nas condies ambientais, em absoluto desatendimento s diretrizes constitucionais que se voltam exatamente ao contrrio, ou seja, ao direito sade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Asseverou que, se h mais benefcios financeiros no aproveitamento de resduos na produo do asfalto borracha ou na indstria cimenteira, haveria de se ter em conta que o preo industrial a menor no poderia se converter em preo social a maior, a ser pago com a sade das pessoas e com a contaminao do meio ambiente. Fez ampla considerao sobre o direito ao meio ambiente salientando a observncia do princpio da precauo pelas medidas impostas nas normas brasileiras apontadas como descumpridas pelas decises ora

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________impugnadas , e o direito sade. (...) A relatora, tendo em conta o que exposto e, dentre outros, a dificuldade na decomposio dos elementos que compem o pneu e de seu armazenamento, os problemas que advm com sua incinerao, o alto ndice de propagao de doenas, como a dengue, decorrente do acmulo de pneus descartados ou armazenados a cu aberto, o aumento do passivo ambiental principalmente em face do fato de que os pneus usados importados tm taxa de aproveitamento para fins de recauchutagem de apenas 40%, constituindo o resto matria inservvel, ou seja, lixo ambiental , considerou demonstrado o risco da segurana interna, compreendida no somente nas agresses ao meio ambiente que podem ocorrer, mas tambm sade pblica, e invivel, por conseguinte, a importao de pneus usados. (...) Concluiu que, apesar da complexidade dos interesses e dos direitos envolvidos, a ponderao dos princpios constitucionais revelaria que as decises que autorizaram a importao de pneus usados ou remoldados teriam afrontado os preceitos constitucionais da sade e do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, especificamente, os princpios que se expressam nos arts. 170, I e VI, e seu pargrafo nico, 196 e , todos da CF." (ADPF 101, Rel. Min. Crmen Lcia, julgamento em 11-3-2009, Plenrio, Informativo 538.) "Lei 7.380/1998, do Estado do Rio Grande do Norte. Atividades esportivas com aves das raas combatentes. Rinhas ou Brigas de galo. Regulamentao. Inadmissibilidade. Meio ambiente. Animais. Submisso a tratamento cruel. Ofensa ao art. , 1, VII, da CF. Ao julgada procedente. Precedentes. inconstitucional a lei estadual que autorize e regulamente, sob ttulo de prticas ou atividades esportivas com aves de raas ditas combatentes, as chamadas rinhas ou brigas de galo." (ADI 3.776, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 14-6-2007, Plenrio, DJ de 29-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 1.856, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-5-2011, Plenrio, Informativo 628. "A obrigao de o Estado garantir a todos o pleno exerccio de direitos culturais, incentivando a valorizao e a difuso das manifestaes, no prescinde da observncia da norma do inciso VII do art. da CF, no que veda prtica que acabe por submeter os animais crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado farra do boi." (RE 153.531, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurlio, julgamento em 3-6-1997, Segunda Turma, DJ de 13-3-1998.) Vide: ADI 1.856, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-5-2011, Plenrio, Informativo 628.

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________"A Lei 2.895, de 20-3-1998, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realizao de competies entre galos combatentes, autoriza e disciplina a submisso desses animais a tratamento cruel, o que a CF no permite: CF, art. , 1, VII." (ADI 1.856-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 3-91998, Plenrio, DJ de 22-9-2000.) No mesmo sentido: ADI 2.514, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-6-2005, Plenrio, DJ de 9-12-2005.

A Constituio de 1988 consagrou o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana, assim como a proteo ambiental como uma uma das tarefas ou objetivos fundamentais do Estado Socioambiental de Direito Brasileiro, como bem ensina Ingo Wolfgang Sarlet:Assim, alm de constitucionalizar a proteo ambiental no ordenamento jurdico brasileiro (art. 225), inserido no Ttulo da Ordem Social, a nossa atual Lei Fundamental conta com diversos outros dispositivos em matria de proteo ambiental, relacionando a tutela ecolgica com inmeros outros temas constitucionais de alta relevncia. A CF88 (art. 225, caput, e art. 5, 2) atribuiu ao direito ao ambiente o status de direito fundamental do indivduo e da coletividade, bem como consagrou a proteo ambiental como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado Socioambiental - de Direito brasileiro. H, portanto, o reconhecimento, pela ordem constitucional, da dupla funcionalidade da proteo ambiental no ordenamento jurdico brasileiro, que assume tanto a forma de um objetivo e tarefa do Estado quanto de um direito (e dever) fundamental do indivduo e da coletividade, implicando todo um complexo de direitos e deveres fundamentais de cunho ecolgico. A partir das consideraes, resulta caracterizada a obrigao constitucional do Estado de adotar medidas legislativas e administrativas atinentes tutela ecolgica, capazes de assegurar o desfrute adequado do direito fundamental em questo.

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ Soma-se a isso a garantia da proibio do retrocesso em matria ambiental, que implica uma obrigao negativa do Estado, no sentido de se abster de condutas que acarretem a supresso de normas e condutas anteriormente adotadas para a concretizao de direitos fundamentais previstos na Constituio da Repblica, como demonstram os excertos de decises infracolacionados Fensterseifer: e as lies de Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago

A existncia no direito constitucional brasileiro, pelo menos, da modalidade mais branda de "proibio de retrocesso social" - que veda a ab-rogao da legislao ordinria destinada a concretizar determinado direito social constitucional - torna o art. 28 da Lei 9.711/98 parcialmente invlido, na parte em que pretende exterminar para o futuro da converso de tempo especial em normal.( TRF - PRIMEIRA REGIO Classe: AMS - APELAO EM MANDADO DE SEGURANA 200238000165552 Processo: 200238000165552 UF: MG rgo Julgador: SEGUNDA TURMA Data da deciso: 3/11/2004 DJ DATA: 28/7/2005 PAGINA: 54, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN) Em razo do princpio da proibio do retrocesso, somente lcito ao legislador regulamentar o art. 195, 7o, da Constituio Federal, para estabelecer condies que venham a conferir uma maior efetividade imunidade em questo, e no para esvaziar seu contedo normativo. ( TRIBUNAL - SEGUNDA REGIO Classe: AC - APELAO CIVEL 325550 Processo: 200151010250969 UF: RJ rgo Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da deciso: 15/12/2003 Documento: TRF200115429, Rel. JUIZ RICARDO REGUEIRA, DJU DATA:01/03/2004 PGINA: 117)

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________Em linhas gerais, possvel afirmar que a humanidade caminha na perspectiva de ampliao da salvaguarda da dignidade da pessoa humana, conformando a idia de um patrimnio poltico-jurdico consolidado ao longo do seu percurso histrico-civilizatrio, para aqum do qual no se deve retroceder. Em termos gerais, essa a idia consubstanciada na assim designada garantia (princpio) constitucional da proibio de retrocesso. A proibio de retrocesso socioambiental, da mesma forma como ocorre com a proibio de retrocesso social, est, por sua vez, relacionada ao princpio da segurana jurdica e dos seus respectivos desdobramentos (princpio da proteo da confiana e as garantias constitucionais do direito adquirido, do ato jurdico perfeito e da coisa julgada), bem como guarda conexo com os limites matrias reforma constitucional, considerando que tais institutos tambm objetivam a tutela de direitos e bens de matriz constitucional em face de atos e/ou medidas de carter retroativo ou que venham, de algum modo, afetar situaes e posies jurdicas. (...) A partir de tais consideraes, conforme entendimento por ns sustentado, o mais adequado, do ponto de vista da Teoria dos Direitos Fundamentais e mesmo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o tratamento integrado e interdependente dos direitos sociais e dos direitos ecolgicos, a partir da sigla DESCA (para alm da clssica denominao de DESC), ou seja, como direitos econmicos, sociais, culturais e ambientais, de modo a contemplar a evoluo histrica dos direitos fundamentais e humanos, incorporando a tutela do ambiente em tal ncleo privilegiado de proteo da pessoa. Nesse sentido, o Protocolo de San Salvador Adicional Conveno Americana sobre Direitos Humanos em Matria de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (1988) incorpora a compreenso acerca dos DESCA, apontando, no bojo do seu texto, que toda pessoa tem direito a viver em um meio ambiente sadio e a contar com os servios pblicos bsicos (art. 11.1), bem como que os Estados-Partes promovero a proteo e melhoramento do meio ambiente (11.2). E, muito antes ainda do Protocolo de San Salvador, tambm o prprio Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (1966) j sinalizava a sua receptividade e abertura tutela ecolgica ainda bastante incipiente no plano normativo internacional, considerando que a Declarao de Estocolmo das Naes Unidas sobre Meio Ambiente Humano data de 1972 -, de modo que alguns dispositivos do seu texto j destacam a relao da proteo do ambiente com os direitos sociais, na medida em que dispe sobre o direito de toda pessoa a um nvel de vida adequado e de uma melhoria contnua das condies de vida (art. 11.1), bem como acerca do

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________direito de toda pessoa a desfrutar do mais elevado nvel de sade fsica e mental relacionado melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente (art. 12.1 e 12.2.b). Portanto, a clusula de progressividade atribuda aos direitos sociais deve abarcar, necessariamente, tambm as medidas normativas voltadas tutela ecolgica, de modo a instituir uma progressiva melhoria da qualidade ambiental e, conseqentemente, da qualidade de vida em geral.41 De tal sorte, possvel sustentar a ampliao da incidncia do instituto da proibio de retrocesso para alm dos direitos sociais, de modo a contemplar os direitos fundamentais em geral42, mais uma razo para levar a srio a crtica assacada por NOVAIS, no sentido de que a metdica mais correta consiste em aplicar ao universo dos direitos fundamentais (incluindo, portanto, o direito ao ambiente) a teoria geral que dispe sobre os limites e restries dos direitos fundamentais, em vez de tratar os direitos sociais como se no fossem fundamentais ou mesmo constitussem um grupo distinto a merecer uma tutela diferenciada43, discusso que aqui no ser explorada, mas que no pode ser pura e simplesmente menosprezada. Assim, considerando que a proibio de retrocesso em matria de proteo e promoo dos DESCA guarda relao com a previso expressa de um dever de progressiva realizao contido em clusulas vinculativas de direito internacional, poder-se- afirmar que pelo menos tanto quanto proteger o pouco que h em termos de direitos sociais e ecolgicos efetivos, h que priorizar o dever de progressiva implantao de tais direitos e de construo de uma cidadania inclusiva, at mesmo em termos de uma cidadania ecolgica. Com efeito, progresso, aqui compreendido na perspectiva de um dever de desenvolvimento sustentvel, necessariamente conciliando os eixos econmico, social e ambiental44, segue sendo possivelmente o maior desafio no apenas, mas especialmente para Estados Constitucionais tidos como perifricos ou em fase de desenvolvimento. Assim, o princpio da proibio de retrocesso ambiental (ou socioambiental)45 seria concebido no sentido de que a tutela normativa ambiental tanto sob a perspectiva constitucional quanto infraconstitucional - deve operar de modo progressivo no mbito das relaes socioambientais, a fim de ampliar a qualidade de vida existente hoje e atender a padres cada vez mais rigorosos de tutela da dignidade da pessoa humana, no admitindo o retrocesso, em termos normativos, a um nvel de proteo inferior quele verificado hoje. Para uma compreenso adequada do conceito de proibio de retrocesso ambiental, importante destacar que h um dficit em termos de proteo ambiental existente hoje, na medida em que, como visvel na questo do aquecimento global, impem-se medidas no sentido de recuar em termos de

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________prticas poluidoras por exemplo, reduzir as emisses dos gases geradores do efeito estufa -, no sendo suficiente apenas impedir que tais prticas sejam ampliadas. Em sintonia com tal entendimento, com o intuito de fazer com que as prticas poluidoras recuem atravs da reduo dos impactos da ao humana sobre o ambiente - e a qualidade ambiental melhore de forma progressiva, a Lei da Poltica Nacional sobre Mudana do Clima PNMC (Lei 12.187, de 29 de dezembro de 2009)46, que, alm de enunciar, no caput do art. 3, como diretrizes para a questo climtica, a consagrao dos princpios da precauo, da preveno, da participao cidad e do desenvolvimento sustentvel alm do princpio das responsabilidades comuns, porm diferenciadas, aplicado no mbito internacional -, estabelece, no mesmo artigo citado, inciso I, que todos tm o dever de atuar, em benefcio das presentes e futuras geraes, para a reduo dos impactos decorrentes das interferncias antrpicas sobre o sistema climtico. Assim, no caso especialmente da legislao ambiental que busca dar operatividade ao dever constitucional de proteo do ambiente, h que assegurar a sua blindagem contra retrocessos que a tornem menos rigorosa ou flexvel, admitindo prticas poluidoras hoje proibidas, assim como buscar sempre um nvel mais rigoroso de proteo, considerando especialmente o dficit legado pelo nosso passado e um ajuste de contas com o futuro, no sentido de manter um equilbrio ambiental tambm para as futuras geraes. O que no se admite, at por um critrio de justia entre geraes humanas, que sobre as geraes futuras recaia integralmente o nus do descaso ecolgico perpetrado pelas das geraes presentes e passadas. Quanto a esse ponto, verifica-se que a noo da limitao dos recursos naturais tambm contribui para a elucidao da questo, uma vez que boa parte dos recursos naturais no renovvel, e, portanto, tem a sua utilizao limitada e sujeita ao esgotamento. Assim, torna-se imperativo o uso racional, equilibrado e equnime dos recursos naturais, no intuito de no agravar de forma negativa a qualidade de vida e o equilbrio dos ecossistemas, comprometendo a vida das futuras geraes. Investir na proibio de retrocesso e correlata proibio de proteo insuficiente em matria de tutela do meio ambiente, constitui, portanto, tarefa urgente para o jurista e os assim designados operadores do Direito, para alm dos demais atores envolvidos. A doutrina, diante de tal preocupao, tem caminhado no sentido de consagrar o princpio da proibio de retrocesso ambiental, que, na verdade, veda o retrocesso jurdico em termos de garantia e proteo das condies ambientais existentes hoje, para aqum das quais no devemos retroceder. Nesse sentido, MOLINARO assevera

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________que o princpio em questo afirma uma proposio emprica de que, atravs de uma eleio valiosa de nossa existncia e de uma avaliao intergeracional, no permitido que se retroceda a condies ambientais prvias quelas que se desfrutam na atualidade. CANOTILHO, por sua vez, destaca que a consagrao constitucional do ambiente como tarefa ou fim do Estado determina a proibio de retrocesso ecolgico, determinando que a gua, os solos, a fauna, a flora, no podem ver aumentado o grau de esgotamento, surgindo os limites do esgotamento como limite jurdico-constitucional da liberdade de conformao dos poderes pblicos. Ainda, na esteira do pensamento de TEIXEIRA, o princpio da proibio de retrocesso ecolgico encontra assento constitucional e visa inviabilizar toda e qualquer medida regressiva em desfavor do ambiente, impondo limites atuao dos poderes pblicos, bem como autorizando a interveno do Poder Pblico para impedir o retrocesso, quer por medidas de polcia administrativa quer por meio de decises judiciais. Nesse contexto, conclui que o direito fundamental ao ambiente s modificvel in mellius e no in pejus, uma vez que expresso da sadia qualidade de vida e da dignidade da pessoa humana.7

6. ART. 3: DEFINIES 6.1 INCISOS III E VIII: REA RURAL CONSOLIDADA E POUSIO

Como j exposto no item 5, pretender isentar os causadores de danos ambientais da obrigao de reparar o dano sem que seja exigida a demonstrao de qualquer circunstncia que signifique impedimento para a reparao do dano, alm de permitir a utilizao da Floresta AmaznicaNOTAS SOBRE OS DEVERES DE PROTEO DO ESTADO E A GARANTIA DA PROIBIO DE RETROCESSO EM MATRIA (SOCIO)AMBIENTAL7

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira fora de condies que assegurem a preservao do meio ambiente, caracteriza patente violao do art. 225, pargrafos 1, 3 e 4 e do art. 186 da Constituio da Repblica e do princpio da isonomia. Admite inclusive o pousio, definido do inciso VIII, sem prever qualquer prazo, o que acabar abrangendo reas abandonadas. 6.2 INCISO IV: LEITO REGULAR A definio de leito regular prevista no art. 3, IV do texto aprovado no clara no sentido de que o leito maior, ou seja, o leito do rio em sua cheia sazonal, at porque o termo mudou para leito regular mas a definio a mesma utilizada na verso anterior para leito menor.

Ainda

que

seja

aprovado

com

esta

redao

a

interpretao deve ser de que se trata do leito maior, pois diz que por onde correm as guas do rio durante todo o ano e no durante a maior parte do ano ou do perodo de seca, o que torna incompatvel a excluso da proteo da vrzea. O art. 4, pargrafo 3 do texto aprovado exclui a vrzea fora das reas de preservao permanente de curso d'gua. Assim, permite a

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ ocupao do prprio leito dos rios, porquanto as vrzeas nada mais so que o prprio leito por onde corre o rio no perodo de cheia.

Para para no deixar margem para discusses, deve ser alterado para leito maior e excluda a previso do pargrafo 3 do art.4 do texto aprovado. Cabe frisar que o art. 2, I da Resoluo CONAMA 303/02 define nvel mais alto, expresso empregada pela Lei 4.771/65, como nvel alcanado por ocasio da cheia sazonal do curso d`gua perene ou intermitente, sendo este o conceito correto tanto sob o aspecto tcnico-cientfico, quanto jurdico, pois o conceito que efetivamente assegura a preservao de reas ambientalmente relevantes e frgeis. A respeito da importncia da preservao das vrzeas, o SBPC assim se posicionou:

As vrzeas so reas altamente relevantes em termos ecolgicos e por isso a importncia de serem includas no conceito das APPs. Ao contrrio do investimento necessrio para conservao dessas reas, o custo para recuperao da sua funcionalidade usualmente pago pela sociedade com um todo extremamente elevado (GUTRICH e HITZHUSEN, 2004). Esses mesmos autores calcularam que o custo de restaurao da funcionalidade ecolgica de vrzeas

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________antropizadas de US$ 5.000 por hectare em processos que podem levar mais de 20 anos. Um custo muito superior ao da recuperao de matas ciliares. Alm de abrigarem uma fauna e "ora particulares, incluindo espcies endmicas que vivem exclusivamente nesses ambientes , as vrzeas prestam diversos servios ecossistmicos de grande relevncia para o homem (JUNK et al., 2010; TUNDISI e TUNDISI, 2010). (p. 45) Como signatrio da Conveno de RAMSAR (ratificada pelo governo federal no Decreto 1.905/1996), o Brasil se comprometeu com o desenvolvimento de uma poltica especial de proteo das zonas midas. A retirada da condio de APP das vrzeas contraria diretamente esse compromisso assumido nacional e internacionalmente, reiterado na Declarao de Cuiab em 2008 (INTECOL WETLAND WORKING GROUP, 2008). A legislao ambiental deveria incentivar a recuperao destas reas ao invs de reduzir sua proteo e torn-las mais frgeis e vulnerveis. ( p. 46)

O art. 6, III pretende que as vrzeas s sejam protegidas se assim forem declaradas por ato do Poder Executivo, o que poder acarretar graves danos a esses ecossistemas at que sobrevenha este ato ou decises judiciais a respeito, caracterizando violao do dever geral de proteo ambiental previsto no art. 225 da Constituio da Repblica e da exigncia constitucional de que a propriedade atenda sua funo social, como exposto no item 5.

6.3 INCISOS VI E VII: NASCENTES E OLHOS D'GUA

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ O art. 2, c da Lei 4.771/65 estabelece que so reas de preservao permanente a vegetao situada nas nascentes, ainda que

intermitentes e nos chamados "olhos d'gua", qualquer que seja a sua situao topogrfica, num raio mnimo de 50 (cinquenta) metros de largura. No PL 1876/99, h diferenciao entre nascentes e olhos d'gua. O objetivo parece ter sido o de permitir a interveno em olhos d'gua, tanto com fundamento em utilidade pblica, interesse social quanto em baixo impacto, pois o art. 8, pargrafo 5 s limita a interveno em caso de utilidade pblica s nascentes, no incluindo os olhos d'gua. Pela definio do inciso VII, s nascente se for um afloramento perene e que d incio a um curso d'gua, o que tecnicamente incorreto, pois existem tanto nascentes que do origem a rios intermitentes quanto perenes que no do origem a curso d'gua. Neste sentido a manifestao dos Analistas Periciais da 4 CCR no Parecer Tcnico n. 138/2011:O Projeto de Lei desconsidera que h casos em que nascentes, mesmo perenes, em virtude de condies topogrficas especficas, no permitem o direcionamento da gua surgida para a formao de um curso d'gua, dando origem a regies midas, alagadas, encharcadas, com significativo valor ecossistmico e fragilidade e vulnerabilidade ambiental, demandando, igualmente, proteo legal. A redao proposta no PL, retira a proteo legal dessas reas de nascentes, uma vez que no do incio a um curso d'gua. Outro caso relevante diz respeito s nascentes de rios intermitentes que, embora deem incio a um curso d'gua, deixariam de ser consideradas nascentes por

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________no flurem em determinada poca do ano e, com isso, receberiam menor proteo com a adoo da distino proposta no Projeto de Lei. No se deve esquecer que eventual alterao na cobertura vegetal ou mudana do uso das vizinhanas de nascentes, decorrente dessa menor proteo legal, pode implicar a afetao dessa e possivelmente o seu desaparecimento.

Outro equvoco vincular os conceitos de nascente e olho d'gua ao afloramento do lenol fretico, pois podem tambm ter origem em acumulaes de gua verticais, por barreiras no relevo. Portanto, h violao do dever geral de proteo ambiental previsto no art. 225 da Constituio da Repblica e da exigncia constitucional de que a propriedade atenda sua funo social, como exposto no item 5.

6.4 INCISO XIII: VEREDAS A definio proposta no PL 1876/99 equivocada, conforme abordado no Parecer Tcnico 138/2011 da 4 CCR, por descrever o tipo de vegetao ao invs de caracterizar o espao protegido, deixando de abranger reas que devem ser protegidas de acordo com critrios tcnicocientficos:Ao invs de caracterizar o espao protegido, o Projeto de Lei n 1.876-C/99, aprovado na Cmara dos Deputados, descreve a fitofisionomia, o que, para efeito da descrio de reas de Preservao Permanente, no o mais 49

MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________adequado. O conceito adotado parece ter sido adaptado de Ribeiro e Walter (1998)8, no entanto, esses autores fazem distino entre a fitofisionomia vereda e a fitofisionomia Palmeiral, o qual inclui o subtipo Buritizal. Essa distino, embora pertinente em termos de fitofisionomia, no o em termos de definio de espaos protegidos, at mesmo por no ser a definio desses espaos o objetivo dos autores. (...) Ora, a proteo a ser conferida aos buritizais e a esses espaos brejosos deve ser idntica proteo das veredas, uma vez que devem ser protegidos em toda a sua extenso, e no apenas a vegetao situada em faixas marginais, dada a fragilidade e importncia ecolgica desses ecossistemas como um todo. O conceito da Resoluo Conama, descrevendo o espao, e inclusive vinculando ocorrncia de nascentes e cabeceiras de cursos d'gua, mais apropriado9. A definio de vereda adotada no presente Projeto de Lei reduzir a proteo atualmente vigente. Vale lembrar que as veredas tm relevncia ecolgica, inclusive, pelo papel que desempenham na manuteno e perenidade dos recursos hdricos.

Portanto, com respeito definio de vereda prevista no art. 3, XIII do texto aprovado, deve ser proposta a adoo da definio do art. 2, III da Resoluo CONAMA 303/02, bem como includa previso expressa de proteo ex lege, como atualmente previsto no art. 3, IV desta mesma resoluo.

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RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M; T. Fitofisionomias do bioma Cerrado. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P. De; RIBEIRO, J.F. Cerrado: ecologia e flora. Embrapa Cerrados. - Braslia. Embrapa Informao Tecnolgica, 2008. p. 151-212. 9 Vereda - espao brejoso ou encharcado, que contm nascentes ou cabeceiras de cursos d`gua, onde h ocorrncia de solos hidromrficos, caracterizado predominantemente por renques de buritis do brejo (Mauritia flexuosa) e outras formas de vegetao tpica. 50

MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________III - vereda: espao brejoso ou encharcado, que contm nascentes ou cabeceiras de cursos d`gua, onde h ocorrncia de solos hidromrficos, caracterizado predominantemente por renques de buritis do brejo (Mauritia flexuosa) e outras formas de vegetao tpica;

O art. 6, II pretende que as veredas s sejam protegidas se assim forem declaradas por ato do Poder Executivo, o que poder acarretar graves danos a esses ecossistemas at que sobrevenha este ato ou decises judiciais a respeito, caracterizando h violao do dever geral de proteo ambiental previsto no art. 225 da Constituio da Repblica e da exigncia constitucional de que a propriedade atenda sua funo social, como exposto no item 5.

7. ART. 4: AS REAS DE PRESERVAO PERMANENTE

7.1 INCISO I: MARGENS DE RIOS DEFINIDAS A PARTIR DO LEITO MENOR O inciso I do art. 4 do PL 1876/99 precisa ser alterado para prever que o incio da rea de preservao o final do leito maior do rio,

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ dizer, o limite at onde o rio alcana no perodo de cheia sazonal, conforme explicado no item 6.2. 7.2. INCISO I, ALNEA A, PARTE FINAL: REMISSO AO ART.35 E DISPENSA INCONSTITUCIONAL DE RECUPERAO DE DANOS AMBIENTAIS O inciso I, a do PL 1876/99 prev que para os rios com at 10 (dez) metros de largura, a APP deve ter largura mnima de 30 (trinta) metros. No entanto, na parte final, consta uma das infindveis excees, por meio da expresso observado o disposto no art. 35Art. 35. No caso de reas rurais consolidadas localizadas em reas de Preservao Permanente nas margens de cursos dgua de at 10 (dez) metros de largura, ser admitida a manuteno das atividades agrossilvopastoris desenvolvidas, desde que: I - as faixas marginais sejam recompostas em, no mnimo, 15 (quinze) metros, contados da calha do leito regular; e II - sejam observados critrios tcnicos de conservao do solo e gua.

A dispensa de recomposio das APPs prevista no art. 35 inconstitucional, pelas razes j expostas no item 5. 7.3 INCISO II: ENTORNO DE LAGOS E LAGOAS NATURAIS

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________

No h justificativa de previso de proteo reduzida em reas urbanas, salvo para preservar determinadas situaes consolidadas em que a recuperao integral das reas de preservao permanente seja invivel, em que os benefcios ambientais obtidos sejam manifestamente

desproporcionais aos impactos sociais e econmicos das remoes que seriam necessrias para a recuperao integral. O inciso II do art. 4 do PL 1876/99 prev que a largura mnima da rea de preservao permanente no entorno de lagos e lagoas naturais ser de 30 (trinta) metros em zonas urbanas, sem prever expressamente que se trate de zonas urbanas consolidadas, o que pode dar margem a interpretaes de que podem ser estabelecidos novos assentamentos em zonas urbanas com observncia de uma faixa de APP reduzida. Assim, deve ser alterado todo o texto para prever onde consta apenas rea urbana que passe a constar rea urbana consolidada, e que abrange apenas assentamentos urbanos j estabelecidos, no se aplicando para novas reas urbanas. Ainda que no seja alterado, deve ser interpretado como rea urbana consolidada, no pode ser estendido para rea de expanso

urbana ou novas reas urbanas. Caso contrrio, restar caracterizada h

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ violao do dever geral de proteo ambiental previsto no art. 225 da Constituio da Repblica, do princpio da isonomia e da exigncia constitucional de que a propriedade atenda sua funo social, como exposto no item 5. 7.4 INCISO III E ART. 5: ENTORNO DE RESERVATRIOS ARTIFICIAIS

A questo atualmente est disciplinada, em suma, pelo Cdigo Florestal vigente e pelas Resolues 302/2002, 303/2002 e 369/2006, ambas do CONAMA. O projeto de lei proposto trar, sem dvidas, diversas alteraes ao ordenamento jurdico posto. Sentimos, nesta linha, que a maior parte das alteraes apontam para a degradao do meio ambiente.

Dentre as principais alteraes no que tange aos reservatrios artificiais, as regras sero:

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MINISTRIO PBLICO FEDERAL 4 CMARA DE COORDENAO E REVISO GT REAS DE PRESERVAO PERMANENTE _______________________________________________________________ a) No haver APP para os reservatrios que no decorram de barramento ou represamento de cursos d'gua (art. 4, pargrafo 1 do texto aprovado); b) Para os reservatrios artificiais de at 20 hectares em reas rurais, no utilizados para gerao de energia ou abastecimento pblico, ser definido no licenciamento e ser de no mnimo 15 metros (art. 4, pargrafo 2 do texto aprovado); c) Para os reservatrios artificiais de mais de 20 hectares, no utilizados para gerao de energia ou abastecimento pblico, a APP ser definido no licenciamento e ser de no mnimo 15 metros (art. 4, III do texto aprovado), embora no haja previso expressa; e d) para os reservatrios artificiais para gerao de energia ou abastecimento pblico, a APP ser definida no licenciamento, sendo de 30 a 100 metros em rea rural