notas semanais

33
www.nead.unama.br 1 Universidade da Amazônia Notas Semanais Notas Semanais de Machado de Assis de Machado de Assis NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Av. Alcindo Cacela, 287 – Umarizal CEP: 66060-902 Belém – Pará Fones: (91) 210-3196 / 210-3181 www.nead.unama.br E-mail: [email protected]

Upload: tamara-harris

Post on 16-Nov-2015

27 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Machado de Assis

TRANSCRIPT

  • www.nead.unama.br

    1

    Universidade da Amaznia

    Notas SemanaisNotas Semanais

    de Machado de Assisde Machado de Assis

    NEAD NCLEO DE EDUCAO A DISTNCIAAv. Alcindo Cacela, 287 Umarizal

    CEP: 66060-902Belm Par

    Fones: (91) 210-3196 / 210-3181www.nead.unama.br

    E-mail: [email protected]

  • www.nead.unama.br

    2

    Notas Semanaisde Machado de Assis

    1878[13]

    [2 junho]

    H heranas onerosas. eleazar substituiu SIC, cuja pena, alis, lhe noderam, e conseguintemente no lhe deram os lavores de estilo, a graa tica, eaquele pico e sabor, que so a alma da crnica. A crnica no se contenta da boavontade; no se contenta sequer do talento; -lhe precisa uma aptido especial erara, que ningum melhor possui, nem em maior grau, do que o meu eminenteantecessor. Onerosa e perigosa a herana; mas eu cedo necessidade daocasio.

    Resta que me torne digno, no direi do aplauso, mas da tolerncia dosleitores.

    CAPTULO II

    Um pouco dessa tolerncia, bem podiam t-la as comisses sanitrias, cujalocomoo me tem feito pensar nas trs famosas passadas de Netuno. Vejamos umclaro exemplo de intolerncia e de outra coisa.

    Descobriu uma de tais comisses que certa casa da rua tal, nmero tantos,vende gua de Vidago e de Vichy, sem que as ditas guas venham efetivamentedos pontos designados nos anncios e nos rtulos. As guas so fabricadas cmesmo. A comisso entendeu obrigar a casa a dar um rtulo s garrafas, indicandoo que as guas eram; e, no sendo obedecida, multou-a.

    H duas coisas no ato da comisso: ingenuidade e injustia.Com efeito, dizer a um cavalheiro que escreva nas suas guas de Vidago

    estas no so de Vidago, so do Beco dos Aflitos exigir mais do que pode dar anatureza humana. Suponho que a populao do Rio de Janeiro morre por lebre, eque eu, no tendo lebre para lhe dar, lano mo do gato, qual o meu empenho?Um somente: dar-lhe gato por lebre. Ora, obrigar-me a pr na vianda o prprio nomeda vianda; ou, quando menos, a escrever-lhe em cima esta pergunta: onde est ogato? supor-me uma simplicidade que exclui a beleza original do meu plano; fechar-me a porta. Restar-me-ia, em tal caso, o nico recurso de comparar a somadas multas com a soma dos ganhos, e se esta fosse superior, adotar o alvitre defazer pagar as multas pelo pblico. O que seria fina flor da habilidade industrial.

    Ias pior do que a ingenuidade, a injustia da comisso, e maior do que ainjustia a sua inadvertncia.

    A comisso multou a casa, Porque supe a existncia de fontes minerais emVidago e em Vichy, quando sabido que uma e outra das guas assim chamadasso puras combinaes artificiais. Vo publicar-se as receitas. Acresce que as guasde que se trata nem so vendidas ao pblico. H, na verdade, muitas pessoas queas vo buscar; mas as garrafas voltam intactas, noite, e tornam a sair no diaseguinte, para entrar outra vez; um jogo, um puro recreio, uma inocente diverso,

  • www.nead.unama.br

    3

    denominada o jogo das guas, mais complicado que o jogo da bisca, e menosarriscado que o jogo da fortuna. A vizinhana, ao ver entrar e sair muita gente, estpersuadida de que h grande venda do produto, o que diverte infinitamente osparceiros, todos eles scios do Clube dos Misantropos Reunidos.

    CAPTULO III

    Quanto a receitas, no sero aquelas as nicas impressas. O Cruzeiroanunciou que um dos nossos mais hbeis confeiteiros medita coligir todas as suas,em volume de mais de trezentas pginas, que dar luz, oferecendo-o s senhorasbrasileiras.

    fora de dvida, que a literatura confeitolgica sentia necessidade de maisum livro em que fossem compendiadas as novssimas frmulas inventadas peloengenho humano para o fim de adoar as amarguras deste vale de lgrimas. Tembarreiras a filosofia; a cincia poltica acha um limite na testa do capanga. No estno mesmo caso a arte do arroz-doce, e acresce-lhe a vantagem de dispensardemonstraes e definies. No se demonstra uma cocada, come-se. Com-la defini-la.

    No meio dos graves problemas sociais cuja soluo buscam os espritosinvestigadores do nosso sculo, a publicao de um manual de confeitaria, s podeparecer vulgar a espritos vulgares; na realidade, um fenmeno eminentementesignificativo. Digamos todo o nosso pensamento: uma restaurao, arestaurao do nosso princpio social. O princpio social do Rio de Janeiro, como sesabe, o doce de coco e a compota de marmelos. No foi outra tambm a origemda nossa indstria domstica. No sculo passado e no anterior, as damas, uma vezpor ano, danavam o minuete, ou viam ver correr argolinhas; mas todos os diasfaziam renda e todas as semanas faziam doce- de modo que o bilro e o tacho, maisainda do que os falces pedreiros de Estcio de S, lanaram os alicerces dasociedade carioca.

    Ora qual nossa situao h dez ou quinze anos? H dez ou quinze anos,penetrou nos nossos hbitos um corpo estranho, o bife cru. Esse anglicismo stolervel a uns sujeitos, como os rapazes de Oxford, que alternam os estudos comregatas, e travam do remo com as mesmas mos que folheiam Hesodo, esseanglicismo, alm de no quadrar ao estmago fluminense, repugna aos nossoscostumes e origens. No obstante, o bife cru entrou nos hbitos da terra; bife cru forever, tal a divisa da recente gerao.

    Embalde alguns fiis cidados vo ao Casteles, s quatro horas da tarde,absorver duas ou trs mes-bentas, excelente processo para abrir a vontade dejantar. Embalde um partido ecltico se lana ao uso do pastel de carne com acar,conciliando assim, num s bocado, o jantar e a sobremesa. Embalde as confeitariascontinuam a comemorar a morte de Jesus, na quinta-feira santa, armando-se dasmais vermelhas sanefas, encarapitando os mais belos cartuchos de bom-bons, queem algum tempo se chamaram confeitos, recebendo enfim um povo vido demisturar balas de chocolate com as lgrimas de Sio. Eram, e so esforosgenerosos; mas a corruo dos tempos no permite faz-los gerar alguma coisa til.A grande maioria acode s urgncias do estmago com o sanduche, no menosperegrino que o bife cru, e no menos srdido; ou com o croquete, estrangeirize domesmo quilate; e a decadncia e a morte do doce parecem inevitveis.

  • www.nead.unama.br

    4

    Nesta grave situao, anuncia-se o novo manual de confeitaria. Direi desde jque o merecimento do autor inferior ao que se pensa. Sem dvida, h algummrito nesse cavalheiro, que vem desbancar certo sbio do sculo anterior. Dizia osbio que se tivesse a mo cheia de verdades, nunca mais a abriria; o confeiteirotem as mos cheias de receitas, e abre-as, espalma-as, sacode-as aos quatroventos do cu, como dizendo ao fregueses: Habilitai-vos a fazer por vossas mosa compota de ara, em vez de a vir comprar minha confeitaria. Vendo-vos estelivro, para vos no vender mais coisa nenhuma; ou, se me permitis uma metfora aosabor do moderno gongorismo, abro-vos as portas dos meus tachos.Concorrentemente, auxilio o desenvolvimento das liberdades pblicas, porquanto,alguns vos diro que tendes o direito do jejum e o direito da indigesto: apenasuma verdade abstrata. Eu congrego ambos os direitos sob a forma do bom-bocado: uma verdade concreta. Abstende-vos ou abarrotai-vos; est ao alcance da vossamo.

    No vai alm o mrito do autor do novo manual. Sua iniciativa tem um ladoinconsciente, que o constitui simplesmente fenmeno. H certa ordem de fatos navida dos povos, cujo princpio gerador est antes na lei histrica do que nadeliberao do indivduo. Aparentemente, largo o abismo, entre um ConfeiteiroPorttil e a ltima batalha de Pompeu, mas estudai em suas origens os doisprodutos, e vereis que, se Csar desloca a base do poder poltico, pe por obra umaevoluo da sociedade romana, e se o nosso confeiteiro publica as suastrezentas pginas de receitas, obedece necessidade de restaurar o princpio socialdo manu. Naquele caso, a queda da repblica; neste, a proscrio do bifesangrento. Diferente meio; ao diversa; lei idntica, anlogo fenmeno; resultadoigual.

    Trata-se pois de nada menos que voltar ao regmen da sobremesa. Quando oMarechal Lpez, nas ltimas convulses de seu estril despotismo, soltava estafrase clebre: il faut finir pour commencer, indicava s nossas confeitarias, ainda quede modo obscuro, a verdadeira teoria gastronmica. Com efeito, importa muito que asobremesa tenha o primeiro lugar; acrescendo que comear uma coisa pelo fim,pode no ser o melhor modo de a acabar bem, mas com certeza, o melhor modode a acabar depressa. Vejam, por exemplo, as conseqncias que pode ter esteprincpio da sobremesa antes da 50pa aplicado organizao dos Estados. A BandaOriental do Uruguai, apenas se sentou mesa das naes, ingeriu no estmago umcartucho de pralinas constitucionais, abarrotou-se, e nem por isso teve indigesto,ao contrrio, digeriu todas as pralinas em poucos anos; digeriu mais uns quinhentosquilos de governos la minute; mais uns dez ou dez pires de congressos em calda;viveu, enfim, numa completa marmelada poltica. verdade que o estmago lheadoeceu, e que a puseram no regmen de uns caldos substanciais Latorre, paracombater a dispepsia republicana; mas tambm verdade que, se no acabou bem,acabou depressa.

    CAPTULO IV

    No acabou menos depressa o pao municipal de Macacu, que alis acaboumais radicalmente; ardeu. Sobre as causas do desastre perde-se a imaginao emconjeturas, sendo a mais verossmil de todas a da combusto espontnea. Se nofoi isso, foi talvez o mau costume que tm todos os paos municipais de dormirem

  • www.nead.unama.br

    5

    com luz e lerem at alta madrugada. O de Macacu parece que at fumava na cama.Imprudncia que se no combina com a madureza prpria de um pao municipal.

    Seja como for, h de ser muito difcil achar agora os papis do municpio, efica truncada a histria de Macacu. Tambm a histria to loureira, to disposta adizer o sim e o no, que o melhor que pode acontecer a uma cidade, a uma vila, auma povoao qualquer, no a ter absolutamente, e para isso a maior fortunaseria aplicar o niilismo aos documentos. Entreguemos os sbios vindouros aosimples recurso da conjetura; aplicao higinica, algo fantstica, e sobretudopacfica.

    No sei se o pao municipal estaria seguro em alguma companhia. Pode serque no. Eu inclino-me a crer que devamos segurar tudo, at as casacas, sobretudoas carteiras e algumas vezes o juzo. Um pao municipal entra no nmero dasprimeiras: a casaca do municpio. Se a de Macacu j estava sebenta, no era issorazo para que o municpio fique agora em mangas de camisa; mais fresco, masmuito menos grave.

    CAPTULO V

    Sucessos em terra, sucessos no mar. Voa um prdio; inaugura-se a linha denavegao entre este porto e o de New York. No fim de uma coisa que acaba, houtra que comea, e a morte paga com a vida: eterna idia e velha verdade. Quemonta? Ao cabo, s h verdades velhas, caiadas de novo.

    O vapor grande demais para estas colunas mnimas; h muita coisa quedizer dele, mas no este o lugar idneo. Tinha que ver se eu entrasse a dar preguia dos leitores um caldo suculento de reflexes, observaes e concluses,acerca da boa amizade entre este pas e os Estados Unidos! Que o digam vozesprprias e cabais. Mais depressa lhes faiaria do fongrafo, se o houvera escutado. Ofongrafo... creiam que agora que trato de suster o vo, porque estou a ver o fimda lauda, e o fongrafo era capaz de levar-me at o fim da edio. Vir dia em que ofaa com descanso.

    Que os Estados Unidos comeam de galantear-nos, coisa fora de dvida;correspondamos ao galanteio; flor por flor, olhadela por olhadela, aperto poraperto. Conjuguemos os nossos interesses, e um pouco tambm os nossossentimentos; para este h um elo, a liberdade; para aqueles, h outro, que otrabalho; e o que so o trabalho e a liberdade seno as duas grandes necessidadesdo homem? Com um e outro se conquistam a cincia, a prosperidade e a venturapblica. Esta nova linha de navegao afigura-se-me que no uma simples linhade barcos. J conhecemos melhor os Estados Unidos j eles comeam a conhecer-nos melhor. Conheamo-nos de todo, e o proveito ser comum.

    CAPTULO VI

    E agora um trao negro. Registrou a semana um fato triste e consolador aomesmo tempo. Morreu um homem, que era inteligente, ilustrado e laborioso; masque era tambm um homem bom. Os qualificativos esto j to gastos que dizerhomem bom, parece que no dizer nada. Mas quantos merecem rigorosamenteesta qualificao to simples e to curta? O grande assombra, o glorioso ilumina, ointrpido arrebata; o bom no produz nenhum desses efeitos. Contudo, h uma

  • www.nead.unama.br

    6

    grandeza, h uma glria, h uma intrepidez em ser simplesmente bom, sem aparato,nem interesse, nem clculo; e sobretudo sem arrependimento.

    Era-o o Dr. Dias da Cruz; e se a sua morte foi um caso triste, o seu saimentofoi um caso consolador, porque essa virtude sem mcula pde subir ao cu semdesgosto. levou as lgrimas dos olhos que enxugara.

    [14][16 junho]

    CAPTULO I

    Estrugiram os ltimos foguetes de Santo Antnio; no tarda chegar a vez deS. Joo e de S. Pedro. O ltimo destes santos, com ser festivo, no o tanto comoos dois primeiros, nem, sobretudo, como o segundo. Deve-o talvez sua qualidadeespecial de discpulo, e primaz dos discpulos. No o era o Batista, alis precursor eadmoestador, e menos ainda o bem-aventurado de Pdua.

    Indague quem quiser o motivo histrico deste foguetear os trs santos, usoque herdamos dos nossos maiores; a realidade que, no obstante o ceticismo dotempo, muita e muita dezena de anos h de correr, primeiro que o povo perca osseus antigos amores. Nestas noites abenoadas que as crendices ss abremtodas as velas. As consultas, as sortes, os ovos guardados em gua, e outrassublimes ridicularias, ria-se delas quem quiser; eu vejo-as com respeito, comsimpatia e se alguma coisa me molestam por eu no as saber j praticar. Os anosque passam tiram f o que h nela pueril, para s lhe deixar o que h srio; e tristedaquele a quem nem isso fica: esse perde o melhor das recordaes.

    CAPTULO II

    Venhamos boa prosa, que o meu domnio. Vimos o lado potico dosfoguetes; vejamos o lado legal.

    Os dias passam, e os meses, e os anos, e as situaes polticas, e asgeraes e os sentimentos, e as idias. Cada olimpada traz nas mos uma novaandaina do tempo. O tempo, que a tradio mitolgica nos pinta com alvas barbas, pelo contrrio um eterno rapago, rosado, gamenho, pueril; s parece velho quelesque j o esto; em si mesmo traz a perptua e verstil juventude.

    Duas coisas, entretanto, perduram no meio da instabilidade universal: 1. aconstncia da polcia que todos os anos declara editalmente ser proibido queimarfogos, por ocasio das festas de S. Joo e seus comensais; 2 a disposio do povoem desobedecer s ordens da polcia. A proibio no simples vontade do chefe; uma postura municipal de 1856. Anualmente aparece o mesmo edital, escrito com osmesmos termos; o chefe rubrica essa chapa inofensiva, que impressa, lida edesrespeitada. Da tenacidade com que a polcia probe, e da teimosia com que opovo infringe a proibio, fica um resduo comum: o trecho impresso e os fogosqueimados.

    Se eu tivesse a honra de falar do alto de uma tribuna, no perdia esta ocasiode expor longa e prudhommescamente o princpio da soberania da nao, cujosdelegados so os poderes pblicos, diria que, se a nao transmitiu o direito de

  • www.nead.unama.br

    7

    legislar, de judiciar, de administrar, no muito que reservasse para si o de atacaruma carta de bichas; diria que, sendo a nao a fonte constitucional da vida politica,excede o limite mximo do atrevimento empecer-lhe o uso mais inofensivo domundo, o uso do busca-p. Levantando a discusso altura da grande retrica, diriaque o pior busca-p no o que verdadeiramente busca o p, mas o que busca aliberdade, a propriedade, o sossego, todos esses ps morais (se assim me pudesseexprimir), que nem sempre sem caminhar tranqilos na estrada social; diria, enfim,que as girndolas criminosas no so as que ardem em honra de um santo , mas asque se queimam para glorificao dos grandes crimes.

    Que tal? Infelizmente no disponho de tribuna, sou apenas um pobre-diabo,condenado ao lado prtico das coisas; de mais a mais mope, cabeudo e prosaico.Da vem que, enquanto um homem de outro porte v no busca-p uma simplesbeleza constitucional, eu vejo nele um argumento mais em favor da minha tese, asaber, que o leitor nasceu com a bossa da ilegalidade. Note que no me refiro aossobrinhos do leitor, nem a seus compadres, nem a seus amigos; mas to-somenteao prprio leitor. Todos os demais cidados ficam isentos da mcula se a h.

    Que um urbano, excedendo o limite legal das suas atribuies, se lembre depr em contacto a sua espada com as costas do leitor, fora de dvida que o ditoleitor bradar contra esse abuso do poder; far gemer os prelos; mostrar a leimaltratada na sua pessoa. No menos certo que, assinado o protesto, ir com amesma mo acender uma pistola de lgrimas; e se outro urbano vier mostrar-lhepolidamente o edital do chefe, o referido leitor aconselhar-lhe- que o v ler famlia, que o empregue em cartuchos, que lhe no estafe a pacincia. Tal a nossaconcepo da legalidade; um guarda-chuva escasso, que no dando para cobrir atodas as pessoas, apenas pode cobrir as nossas; noutros termos, um pau de doisbicos.

    Agora, o que o leitor no compreende que esse urbano excessivo no usodas suas atribuies, esse subalterno que transgride as barreiras da lei, simplesmente um produto do prprio leitor; no compreende que o agregado nadamais representa do que as somas das unidades, com suas tendncias, virtudes elacunas. O leitor (perdoe a sua ausncia) um estimvel cavalheiro, patriota,resoluto, manso, mas persuadido de que as coisas pblicas andam mal, ao passoque as coisas particulares andam bem; sem advertir que, a ser exata a primeiraparte, a segunda forosamente no o ; e, a s-lo a segunda, no o a primeira.Um pouco mais de ateno daria ao leitor um pouco mais de eqidade.

    Mas tempo de deixar as cartas de bichas.

    CAPTULO III

    Uns devotos riem, enquanto outros devotos choram.A providncia, em seus inescrutveis desgnios, tinha assentado dar a esta

    cidade um benefcio grande; e nenhum lhe pareceu maior nem melhor do que certogozo superfino, espiritual e grave, que patenteasse a brandura dos nossos costumese a graa das nossas maneiras: deu-nos os touros.

    Talvez poucas pessoas se lembrem que h bons vinte e cinco anos ou mais,creio que mais, houve uma tentativa de tauromaquia nesta cidade. A tentativa duroupouco. Uma civilizao imberbe no tolera melhoramentos de certo porte. Cada frutotem a sua sazo. O circo desapareceu, mas a semente ficou, e germinou, e brotou e

  • www.nead.unama.br

    8

    cresceu, e fez-se a magnfica rvore, a cuja sombra se pode hoje estirar a nossafilosofia.

    Na verdade, os prazeres intelectuais ho de sempre dominar nesta gerao.Atualmente, sabido que o teatro, copioso, elevado, profundo, puro Sfocles, temenriquecido quarenta e tantas empresas, ao passo que s quebram as que recorrems mgicas. Ningum ainda esqueceu os ferimentos, as rusgas, os apertes quehouve por ocasio da primeira rcita do Jesuta, cuja concorrncia de espectadoresfoi tamanha, que o empresrio do teatro comprou, um ano depois, o palcioFriburgo.

    Faltavam-nos os touros. Os touros vieram, e com eles toda a fraseologia, anova, a elegante, a longa fraseologia tauromquica; enfim, veio o bandarilheiroPontes. No tive a honra de ver este cavalheiro, que os doutores da instituioproclamam artista de alta escala; mas ele pertence ao nmero das coisas, em queeu creio sem ver, digo mais, das coisas, em que eu tanto mais creio, quando menosavisto. Porque de saber que, em relao a essa nobre diverso do esprito, eu sounada menos que um patarata; nunca vi corridas de touros provavelmente, no asverei jamais. No que me falte incentivo. Em primeiro lugar, possuo um amigo,esprito delicado, que as adora e freqenta; depois, sempre me h de lembrar SantoAgostinho. Conta o grande bispo que o seu amigo Alpio, seduzido a voltar aoanfiteatro, ali foi de olhos fechados, resoluto a no os abrir; mas o clamor das turbase a curiosidade os abriram de novo e de uma vez, to certo que esses espetculosde sangue alguma coisa tm que fascinam e arrastam o homem. Pode ser quealgum dia tambm eu v atirar lenos e charutos aos ps de algum bandarilheiroclebre; pode ser...

    Por hora, no estou entre os inconsolveis admiradores do Pontes que l sevai, mar em fora. Perdo, do artista Pontes. Sejamos do nosso sculo e da nossalngua. No tempo em que uma v teoria regulava as coisas do esprito, estes nomesde artista e de arte tinham restrito emprego: exprimiam certa aplicao de certasfaculdades. Mas as lnguas e os costumes modificam-se com as instituies. Numregmen menos exclusivo, essencialmente democrtico, a arte teve de vulgarizar-se: a subdiviso da moeda de Licurgo. Cada um possui com que beber um trago. Davem que farpear um touro ou esculpir o Moiss o mesmo fato intelectual: s diferea matria e o instrumento. Intrinsecamente, a mesma coisa. Tempo vir em queum artista nos sirva a sopa de legumes, e outro artista nos leve, em tlburi, fbricado gs.

    CAPTULO IV

    Nesse tempo no viver, decerto, um pobre velho que veio ontem lanar-se ameus ps. Mandei-o levantar, consolei-o, dei-lhes alguma coisa um nquel eofereci-lhe o meu valimento, se dele necessitasse.

    Agradeo os bons desejos, disse ele; mas todos os esforos sero inteis.Minha desgraa no tem remdio. Um brbaro ministro reduziu-me a este estado,sem ateno aos meus servios, sem reparar que sou pai de famlia e votantecircunspecto; e se o fez sem escrpulo, porque o fez sem nenhuma veleidade deemendar a mo. Arrancou-me o po, o arrimo, o peclio de meus netos, enfim,matou-me. Saiba que sou o arsenal de marinha. O ministro tirou-me as bandeiras,sob pretexto de que eu exigia um preo excessivamente elevado, como se a

  • www.nead.unama.br

    9

    bandeira da nao, esse estandarte glorioso que os nossos bravos fincaram emHumait, pudesse decentemente custar 7$804, ainda sendo de dois panos! Era caroo meu preo, possvel; mas o pundonor nacional, no vale alguma coisa opundonor nacional? O ministro no atendeu a essa grave razo, no atendeu aodecoro pblico. Tirou-me as bandeiras. No tente nada, em meu favor, que perde otempo; deixe-me entregue minha desgraa. Esta nao no tem ideal, meusenhor; no tem coisa nenhuma. O pendo auriverde, o nobre pendo, custa menosdo que um chapu-de-sol, menos do que uma dzia de lenos de tabaco; sete mil etanto: o oprbrio dos oprbrios.

    No menor oprbrio para a cincia foi a priso de Miroli e Locatelli. Descansea leitora; no se trata de nenhum tenor nem soprano, subtrado s futuras delciasda fashion. No se trata de dois canrios; trata-se de dois melros.

    No melro quem quer. O primeiro daqueles merece dois dedos deadmirao. Sucessivamente mdico, domador de feras, volantim, mestre de dana,e ultimamente adivinho, no se pode dizer que seja homem vulgar; um fura-vidas,que se atira strugh for life com unhas e dentes, sobretudo com unhas. De unhasdadas com a dama Locatelli, fundou uma Delfos na Rua do Esprito Santo, e entroua predizer as coisas futuras, a descobrir as coisas perdidas, e a farejar as coisasvedadas. O processo era o sonambulismo ou o espiritismo. Os crdulos, que j notempo da Escritura eram a maioria do gnero humano, acudiram s lies de toilustre par, at que a polcia o convidou a ir meditar nos destinos de Galileu e outrasvtimas da autoridade pblica.

    Pior que tudo que, se a polcia os castiga neste mundo, o demo os castigarno outro; e aqui chamo eu a ateno do leitor para a estrita realidade da poesia. Ofamoso casal ficou neste mundo de cara banda, como h de ficar no outro,segundo a verso dantesca; l aos adivinhos como Miroli, torcem o nariz para trs, eos olhos choram-lhes pelas costas:

    ........... che'l pianto degli occhiLe natiche bagnava per lo ferro.

    CAPTULO VI

    Anuncia-se um congresso agrcola, um congresso oficial, presidido peloMinistro da Agricultura, reunio que no tratar de coronis, nem de eleies, masde lavoura, de mquinas e de braos. A crnica menciona o fato com prazer; eatreve-se a manifestar o desejo de que seja imitado em anlogas circunstncias. Aadministrao no perde nunca, antes ganha, quando entra em contacto com asforas vivas da nao, ouvir diretamente uma classe o melhor caminho paraconhecer as necessidades dela e prov-la de modo til.

    S poderia haver um receio que os interessados no acudissem todos aoconvite. Mas alm de ser gratuito supor que o doente se esquive a narrar o mal,podemos contar com o elemento paulista, que h de ser talvez o mais numeroso.No menos importante a lavoura fluminense, nem a das outras provnciasconvocadas; mas os homens que as dirigem so mais sedentrios; falta-lhes umpouco de atividade bandeirante. Agora, porm, corre-lhes o dever de sedesmentirem a si prprios.

  • www.nead.unama.br

    10

    Venhamos poltica prtica, til, progressiva; metamos na alcofa os trechos deretrica, as frases-feitas, todos os fardes da grande gala eleitoral. No digo que osqueimemos, demo-lhes somente algum descanso. Encaremos os problemas que noscercam e pedem soluo. Liberais e conservadores de Campinas, de Araruama, deJuiz de Fora, batei-vos nas eleies de agosto com ardor, com tenacidade; mas poralguns dias, ao menos, lembrai-vos que sois lavradores, isto , colaboradores deuma natureza forte, imparcial e cptica.

    [15][7 julho]

    CAPTULO I

    Hoje dia de festa c em casa, recebo Luculo minha mesa. Como o jantardo costume rstico e parco, sem os requintes do gosto nem a abundncia da gula,entendi que, por melhor agasalhar o hspede, devia imitar o avaro de uma velhafarsa portuguesa: mandar deitar ao caldeiro "mais uns cinco ris de espinafres".Noutros termos, enfunar um pouco o estilo. No foi preciso; Luculo traz consigo osfaises, os tordos, os figos, os licores, e as finas toalhas, e os vasos murrinos, o luxotodo, em suma, de um homem de gosto e de dinheiro.

    o caso que tenho diante de mim o relatrio do diretor das escolas normaisde uma das nossas provncias, cujo nome, alis, no digo, por no ofender amodstia daquele cavalheiro. No havia nada que saborear num relatrio, se o deque trato fosse parecido com os outros, seus anteriores e contemporneos. Masno; o distinto funcionrio entendeu, e entendeu muito bem, que lhe cumpriatemperar o estilo oficial com algumas especiarias literrias. Na verdade, o estilooficial ou administrativo pesado e seco, e o tipo geral dos relatrios poderamosfigur-lo bem em um sujeito pautado, gravata de sete voltas, casaco at os ps,bota inglesa, sobraando um guarda-chuva de famlia. No foi esse o modelo dodiretor das escolas normais. Escritor ameno, imaginoso, erudito, deu um pouco maisde vida ao tipo clssico, atou-lhe ao pescoo um leno azul, trocou-lhe o casacoem fraque, substituiu-lhe o guarda-chuva por uma bengala de Petrpolis. Ao peitops-lhe uma rosa fresca. Talvez no agrade tanto aos ps-de-boi da administrao:no faltar quem lhe ache um ar pelintra, nos ademanes de petit crev. natural, eat necessrio. Nenhuma reforma se fez til e definitiva sem padecer primeiro asresistncias da tradio, a coligao da rotina, da preguia e da incapacidade. obatismo das boas idias; ao mesmo tempo o seu purgatrio.

    Isto dito, intercalarei nesta crnica de hoje algumas boas amostras dodocumento de que trato, impresso com outros submetidos ao presidente, e para emtudo conservar o estilo figurado das primeiras linhas, e porque o folhetim requer umar brinco e galhofeiro, ainda tratando de coisas srias, darei a cada uma de taisamostras o nome de um prato fino e especial, - um extra, como dizem as listas dosrestaurants.

    Sirvamos o primeiro prato.

  • www.nead.unama.br

    11

    LNGUAS DE ROUXINOL

    Vassalo das normas legais e regulamentares, tenho a honra de vir, tirandoforas da minha fraqueza, cumprir esse meu embargoso dever, depondo nasamestradas mos de V. Ex.a, pelo ilustre veculo, que me prescrito (a laureadadiretoria de instruo pblica), o fruto desenvolvido das emendas do meu secretrio,esse tributo obediencial, que compete a V. Ex.a ... assim, pois, com a pacincia comque a misericrdia si acompanhar a justia, em sua marcha salutar , espero V.Ex.a,para compreender-me, me siga pelos andurriais por onde, perdido de monte emmonte, serei forado a peregrinar.

    CAPTULO II

    No h patinao, no h corridas de cavalos, no h nada que nestes diaspossa dominar o sucesso mximo, o sujeito que em Caravelas, na Bahia, deu luzuma criana. Quando eu era pequeno, ouvia dizer que o galo, chegando velhice,punha ovos, como as galinhas; no o averigei mais tarde, mas j agora devo crerque o conto no era da carocha, seno pura e real verdade.

    O sujeito de Caravelas um quadragenrio, que tinha cor de ictercia, epadecia h muito uma forte opresso no peito. Ultimamente, di-lo o mdico, sentiuuma dor agudssima na regio precordial, movimentos desordenados do corao,dispnia, forte edemacia em todo o lado esquerdo. Entrou em uso de remdios, atque, com geral surpresa, trouxe a este vale de lgrimas uma criana, que no eraexatamente uma criana, porque eram as tbias, as omoplatas, as costelas, osfmures, trechos soltos da infeliz criatura, que no chegou a viver.

    A mitologia deu-nos um Baco meio gerado na coxa de Jpiter; e da cabeadeste fez nascer Minerva armada. Eram fbulas naquele tempo; hoje devemos t-laspor simples realidade, e, quando menos, um prenncio do nosso patrcio. Assim ocreio e proclamo. E porque no suponho que o caso de Caravelas deve ser o nico,acontece-me que no posso ver agora nenhum amigo, opresso e plido, sem suporque me vai cair nos braos, a bradar com um grito angustioso: "Eleazar, sou me!".Esta palavra retine-me aos ouvidos, e gela-me a alma... imaginem o que ser dens, se tivermos de dar luz os nossos livros e os nossos pequenos; gerar herdeirose conspiraes;conceber um plano de campanha e Bonaparte.

    Imaginem...

    COXINHAS DE ROLA

    Digitus Dei. As feridas abertas em minha alma precisavam do doce lenitivodesse blsamo metafsico, superior em propriedades aglutinadoras aos maisafamados de Fioravanti.

    CAPTULO III

    Dize-me se patinas, dir-te-ei quem s. Tal ser dentro de pouco tempo o mote dasuprema elegncia. As corridas de cavalos correriam o risco de ficar por baixo, e atperecer de todo, se no fora a poule, tempero acomodado ao homem em geral, e ao

  • www.nead.unama.br

    12

    fluminense em particular. Digo fluminense, porque essa variedade do gnerohumano educada especialmente entre a loteria e as sortes de S. Joo: e a pouled as comoes de ambas as coisas, com o acrscimo de fazer com que um homemponha toda a alma nas unhas do cavalo. No nas unhas do cavalo que havemosde p-la quando formos ao Skating-rink, mas nas prprias unhas, ou melhor dito, nospatins que as substituem. No Prado Fluminense a gente faz correr o seu dinheironas ancas do quadrpede, e por mais que se identifique com este, o amor-prprio spode receber alguns arranhes, mais ou menos leves. Na patinao, a queda orapelo ridculo, e cada sorriso equivale a uma surriada. Sem contar que no se arriscasomente o amor-prprio, mas tambm o plo, que no menos prprio, nem menosdigno do nosso amor.

    E da, no sei por que no se h de introduzir a poule na patinao. umtravozinho de pimenta. Aposta-se no vestido azul e no chapu de escumilha, e perdeo ltimo que chegar ou o primeiro que cair. Ser mais um campo de rivalidade entreos vestidos e os chapus... os chapus de escumilha, entenda-se.

    Quanto Emlia Rosa... Interrompamo-nos; chega outro pratinho.

    PEITO DE PERDIZ MILANESA

    No passarei adiante, sem lembrar a V . Ex.a . a que a nova organizao dadaao curso pelo ltimo dos regulamentos, tendo feito passar disciplinas do 2o para o 1o

    ano, e vice-versa, obrigou os normalistas que iam concluir seu tirocnio afreqentarem em comum com os que o comeavam, as aulas dessas disciplinastransplantadas, fazendo destarte o que em linguagem coreogrfica se chama laissercroiser.

    CAPTULO IV

    Emlia Rosa uma senhora, vinda da Europa, com a nota secreta de quetrazia um contrabando de notas falsas. Rien n'est sacr pour un sapeur; nem asmalas do belo sexo, nem as algibeiras, nem as ligas. A polcia, com a denncia emmo, tratou de examinar o caso. Desconfiar com mulheres! O Tolentino contou ocaso de uma que dissimulou um colcho no toucador. Onde entra um colcho,podem entrar vinte, trinta, cinqenta contos. A polcia esmiuou o negcio comopde e lhe cumpria, esteve a ponto de fazer cantar a passageira, a ver se lheencontrava as notas falsas na garganta. Afinal, a denncia das notas era toverdadeira como a notcia das cabeas a prmio, em Macabas, onde parece queapenas h um mote a prmio, e nada mais: o mote eleitoral.

    Trata-se, no de notas falsas, mas de salames verdadeiros, ou quaisqueroutros comestveis, que a passageira trazia efetivamente por contrabando. Adiferena entre um paio e um bilhete do banco enorme, posto que s vezes osbilhetes do banco andem nas algibeiras dos "paios", donde passam para o toucadordas senhoritas. Valha-nos isso; podemos dormir confiados na honestidade dasnossas carteiras.

    Isto de notas falsas, libras falsas, e letras falsas, creio que tudo vai entroncar-se numa palavra de Guizot: Enriquecei! palavra sinistra, se no acompanhada dealguma coisa que a tempere. Enriquecer bom; mas h de ser a passo de boi,

  • www.nead.unama.br

    13

    quando muito a passo de carroa d'gua. No esse o desejo das impacincias,que nos do libras de metal amarelo; o passo que as seduz o dos cavalos doPrado,- o da Mobilise, que se esfalfa para chegar a raia. Vejam o Secret, seu astutocompetidor. Esse deixa-se ficar; no se fatiga, toa, imagem do ambicioso de boatmpera, que sabe esperar. Talvez por isso o desligaram da Mobilise, nas corridasde hoje. Esta radical no quer emparelhar com aquele oportunista.

    Sinto um cheiro delicioso...

    FAISO ASSADO

    Declaro a V. Ex.a algum tanto aflato de amor-prprio, que nenhum fato agrazperturbou durante o ano letivo a disciplina e boa ordem dos dois estabelecimentos ameu cargo. Diretor, professores, alunos e porteiros, todos souberam respeitar-semutuamente. V. Ex.a no ignora que o respeito a base da amizade.

    Como Ccero, sou um dos mais ardentes apologistas da lei natural, daeqidade; como ele, entendo que a lei a equidade; a razo suprema gravada emnossa natureza, inscrita em todos os coraes, imutvel, eterna, cuja voz nos traanossos deveres, de que o Senado no nos pode desligar, e cujo imprio se estendea todos os povos; lei que s Deus concebera, discutira e publicara.

    Partindo deste cantinho das minhas crenas, proponho a V. Ex.a que faasubmeter o Sr. professor do 1.o ano a exame de uma junta mdica...Se achares trs mil-ris, leva-os polcia; se achares trs contos, leva-os a umbanco. Esta mxima, que eu dou de graa ao leitor, no a do cavalheiro, que nestasemana restituiu fielmente dois contos e setecentos mil-ris Caixa da Amortizao;fato comezinho e sem valor, se vivssemos antes do dilvio, mas digno de notadesde que o dilvio j l vai. No menos digno de nota o caso do homem que,depois de subtrair uma salva de prata , foi restitu-lo ao ourives , seu dono. Direi atque este fica mais perto do cu do que o primeiro, se certo que h l mais alegriapor um arrependimento do que por um imaculado.

    Faam de conta que este ltimo rasgo de virtude so uns culos de cor azulpara melhor encararmos a tragdia dos Viriatos. Ho de ter lido que essesmalfeitores entrincheiraram-se em uma vila cearense, aonde o governo foi obrigadoa mandar uma fora de 240 praas de linha, que a investiram escala vista; muitofogo, mortos, feridos; priso de alguns, fuga dos restantes. H revolues na Bolviaque no apresentam maior nmero de gente em campo; digo de gente, sem mereferir aos generais. Pobre Cear! Alm da seca os ladres de estrada.

    Est-me a cair da pena um rosrio de reflexes acerca da generalidade e dacoronelite, dois fenmenos de uma terrvel castelhana; mas iria longe...

    Prefiro servir-lhes uns pastelinhos.

    PASTELINHOS

    A hipocrisia no tem um leito de flores no regao da minha alma.Sempre as finanas da provncia!... eterno claro das almas timoratas!As finanas e sempre as finanas, esse hipogrifo que...

    ... preferir ver lacradas as portas das escolas primrias a ver sentados nasespinhosas cadeiras do magistrio indivduos cujos coraes no foramcuidadosamente arroteados, antes de lhes acenderem almenaras em suas cabeas

  • www.nead.unama.br

    14

    ...o mestre, esse grande Davi da lira psquica da infncia...

    CAPTULO VI

    Parece que o Primo Baslio, transportado ao teatro, no correspondeu ao quelegitimamente se esperava do sucesso do livro e do talento do Sr. Dr. Cardoso deMeneses. Era visto: em primeiro lugar, porque em geral as obras, geradasoriginalmente sob uma forma, dificilmente toleram outra; depois, porque asqualidades do livro do Sr. Ea de Queirs e do talento deste, alis fortes, so asmais avessas ao teatro. O robusto Balzac, com quem se h comparado o Sr. Ea deQueirs, fez m figura no teatro, onde apenas se salvar o Mercadet; ningum queconhea mediocremente a histria literria do nosso tempo, ignora o monumentaldesastre de Quinola.

    Se o mau xito cnico do Primo Basilio nada prova contra o livro e o autor dodrama, positivo tambm que nada prova contra a escola realista e seus sectrios.No h motivo para tristezas nem desapontamentos; a obra original fica isenta doefeito teatral; e os realistas podem continuar na doce convico de que a ltimapalavra da esttica suprimi-la. Outra convico, igualmente doce, que todo omovimento literrio do mundo est contido nos nossos livros; da resulta a fortepersuaso em que se acham de que o realismo triunfa no universo inteiro; e quetoda a gente jura por Zola e Baudelaire. Este ltimo nome um dos feitios da novae nossa igreja; e, entretanto, sem desconhecer o belo talento do poeta, ningum emFrana o colocou ao p dos grandes poetas; e toda a gente continua a deliciar-senas estrofes de Musset, e a preferir L'Espoir en Dieu a Charogne. Caprichos degente velha.

    COMPOTA DE MARMELOS

    Era assim preciso; os recursos do regulamento isolavam, no atraam. Maistarde, entendo-me particularmente com os deputados, deram-me eles duaspequenas maanetas para embutir nas portas das escolas; o 8.o do art. 1.o daresoluo n.o 1.079, e o 8.o do referido artigo.

    ... a instituio que, devidamente reparada da terrvel exausto da vida quetem sofrido desde o seu primeiro instante, pode se dizer sem medo de errar, opalcio da grandeza moral e da opulncia material da pequena provncia que, emface do velho Atlntico, embriagada de perfumes, circundada de luzes, ergue paraDeus, donde h de vir sua prosperidade, os olhos prenhes de esperana.

    CAPTULO VII

    Rene-se amanh o congresso agrcola; e folgo de crer que dar resultadosteis e prticos. Conhecida a nossa ndole caseira, a tal ou qual inrcia de esprito,que menos um fenmeno da raa, que da idade social, a afluncia dos lavradoresparece exceder expectao. A obra ser completa, se todos puserem ombros empresa comurn.

    BRINDE FINAL

  • www.nead.unama.br

    15

    Aqui tenho a honra de concluir, fazendo votos para que, afeioando as idiasque, no edulcoradas para perderem o ressbio da origem, a ficam mal expostas,digne-se tirar-lhes os cidos...

    CAPTULO VIII

    Mas eu seria injusto, se no fechasse estas linhas notando um ato benemritodo digno diretor, que o confessa no relatrio, tem auxiliado com dinheiro seu amatrcula de estudantes. V-se que um entusiasta da pedagogia; e, se lherecusarem o estilo, no lhe do de recusar a dedicao. H muitos estilos pararelatar; h s um para merecer.

    [16][21 julho]

    CAPTULO I

    Um recente livro estrangeiro, relativo ao nosso Brasil, d-me ensejo para dizeraos leitores que, se eu datei do Rio de Janeiro a minha ltima crnica, se fao omesmo a esta e s futuras, porque esse o nome histrico, oficial, pblico edomstico da boa cidade que me viu nascer, e me ver morrer, se Deus me der vidae sade. O viajante estrangeiro, referindo-se ao erro que deu lugar ao nome destacidade, admira-se de que haja sido conservado to religiosamente, sendo tosimples emend-lo. Que diria ele, se pudesse compreender a carncia de eufonia deum nome to spero, to surdo, to comprido? Infelizmente,- e nesta parte engana-se o viajante,- o costume secular e a sano do mundo consagraram de tal modoeste nome, que seria bem rduo troc-lo por outro, e bem audaz quem o propusesseseriamente.

    Pela minha parte, folgaria muito se pudesse datar estas crnicas deGuanabara, por exemplo, nome simples, eufnico, e de algum modo histrico,espcie de vnculo entre os primeiros povoadores da regio e seus atuais herdeiros.Guanabara tem, certo, o pecado de cheirar a poesia, de ter sido estafado nosoctosslabos que o Romantismo expectorou entre 1844 e l853; mas um banho deboa prosa limpava-o desse bolor, enrijava-lhe os msculos, punha-o capaz deresistir a cinco sculos de uso quotidiano. O ponto era acostumar-se a gente a l-locom solenidade, num ttulo cientifico ou num edital de arrematao; porque ocostume, leitor amigo, metade da natureza. S o uso do ouvido nos faz suportveisou indiferentes a baba-de-moa e o coco-de-catarro.

    CAPTULO II

    Ou Guanabara ou Rio de Janeiro, a cidade est ainda hoje debaixo de umagrande impresso de espanto, por motivo de um caso extraordinrio, la chose la plusextraordinaire et la plus commune, la plus grande et la plus petite, para usar alinguagem da mulher que mais se carteou, desde que h mulheres e cartas.

  • www.nead.unama.br

    16

    Com efeito, o ano da Libria deu uma canivetada no contrato, deixando-seraptar, como qualquer sabina. Ou inclinao pessoal, ou capricho, ou simplesrebelio das potncias da alma, qualquer que fosse o motivo secreto da ao, o fato que o homnculo mostrou de modo afirmativo que um filho da Libria deve amar,antes de tudo, a liberdade. Questo de cor local. Entendeu o ano, Sir NathanBurraw, que o fato de no ter braos no lhe tira a qualidade de homem, a qualreside simplesmente nas barbas, que o dito ano espera vir a ter em tempo idneo,e sabe l, se barbas azuis, como as do marido de sete mulheres. Por enquanto, nomuda de mulheres, mas de contratantes, e, preo por preo, inclina-se aos minas,que so seus malungos. Podemos dizer que alma de Bruto no corpo de Calib.

    Agora, como se operou o rapto, o que at hoje ningum sabe. Dizem unsque ele foi arrebatado como uma simples ilha de Chipre, mediante um tratadosecreto; e h quem queira ver no ato dos pretos minas uma imitao do velhoDisraeli. exagerao; o mais que eu poderia admitir seria um pequeno reflexo.Outros dizem que no houve tratado, mas escada de seda, como num rapto depera-cmica. Qualquer que fosse o modo, a verdade que com o empresrio doano, deu-se o inverso do que usualmente acontece. H homens que deixam oofcio; aqui foi o ofcio que deixou o homem. Vejam que triste exemplo deu a Pati!Todas as galinhas dos ovos de ouro querem agora pr os ovos para si. No fundodeste incidente h uma questo social.

    CAPTULO III

    Mal convalescia o esprito pblico do abalo que lhe causou a notcia do rapto,surdiu o caso das coletorias de Minas, apostadas em roer algumas aparas dooramento, caso triste, por qualquer lado que o encaremos, e sobre o qual pertencea palavra autoridade pblica.

    Concorrentemente, quatro coletores da provncia do Rio de Janeiro deixaramas casas por motivo de lacuna nos cofres. Enfim, um empregado de uma casa destacorte, indo levar ao Tesouro certa quantia 20 contos desapareceu com eles.

    Quanto a esta notcia, incompleta. O negociante, estando ontem a almoar,recebeu vinte cartes de visita, eram os 20 contos que voltavam por seu p. Um doscontos referia-lhe ento que o caixeiro, ao chegar rua, os convidara a entrar notesouro, ao que se opuseram 5 contos, e logo depois os restantes. No querendoacompanhar o empregado, apesar dos mais incrveis esforos, este os deixousozinhos, no meio de uma rua, que supem ser a Ladeira do Escorrega, stio nefastoaos contos. Ento um deles props que voltassem para casa; teve a proposta 15contos a favor e 5 contra, os mesmos 5, que primeiro se tinham oposto entrada noTesouro, os quais declararam que eram livres, em face dos princpios da revoluode 89.

    O comerciante ouviu comovido esta narrao dos acontecimentos, apertou asmos de todos os contos e protestou sua adeso aos princpios de 89;acrescentando que, se haviam procedido mal, recusando entrar no Tesouro, tinhamexpiado a culpa, regressando voluntariamente ao casal paterno, donde alis deviamseguir amanh para o primeiro destino.

    Nunca! bradou um dos contos.

  • www.nead.unama.br

    17

    E sacando uma pistola, suicidou-se. Foi sepultado ontem mesmo. Umregimento de quatrocentos mil-ris a cavalo prestou as ltimas honras ao infelizsuicida.

    CAPTULO IV

    Saibam, agora, que a Cmara resolveu autorizar o tesoureiro a comprar umaarca forte para recolher nela as suas rendas. Cspite! Esta notcia derruba todas asminhas idias acerca das rendas do municpio. A primeira convico poltica incutidaem meu esprito foi que o municpio no tinha recursos, e que por esse motivoandava descalado, ou devia o calado; convico que me acompanhou at hoje. Afrase - escassez das rendas municipais h muito tempo que nenhum tipgrafo acompe; est j estereotipada e pronta, para entrar no perodo competente, quandoalgum articula as suas idias acerca dos negcios locais. Imaginei sempre quetodas as rendas da Cmara podiam caber na minha carteira, que uma carteirinhade moa. Vai seno quando, a Cmara ordena que se lhe compre uma arca, erecomenda que seja forte, deita fora as suas muletas de mendiga, erige o corpo,como um Sisto V, e, como um primo Baslio tilinta as chaves da burra nas algibeiras.Digenes batiza-se Creso; a cigarra virou formiga.

    E notem que a riqueza da Cmara tende a crescer, vista da proposta de umcomerciante, que oferece ministrar todo o papel, apenas, tintas e mais artigosnecessrios s eleies (excludas as cabeadas), 30% menos do preo por que taisartigos tm sido fornecidos at hoje. At hoje, quer dizer desde que h eleies, oque no sei se abrange tambm os pelouros do antigo regmen. Se a Cmara lheaceita a proposta, esse homem acaba estendendo a mo caridade pblica. Trintapor cento menos, impossvel que lhe no d um prejuzo certo de outros quinze;salvo se os antecessores ganhavam demais.

    CAPTULO V

    Parece que se trata de organizar uma sociedade tauromquica. Nada direi atal respeito; os leitores conhecem as minhas idias acerca da tauromarquia; idias,digo mal; conhecem os meus sentimentos. Acho que um dos mais belosespetculos que se podem oferecer contemplao do homem; e que umasociedade j enfarada de tantas obras de arte, de um teatro superior, quase nico,de tantas obras-primas do engenho humano, uma sociedade assim, precisa de umforte abalo muscular, precisa de repousar os olhos num espetculo higinico,deleitoso e instrutivo. Nem vejo motivo para que adotado o cavalo no PradoFluminense, no se adote o boi em qualquer outro stio. O boi no to pico nemto elegante como o cavalo, mas tem outras qualidades prprias. Nem se trata domerecimento intrnseco dos dois quadrpedes; trata-se da graa relativa dos doisdivertimentos; e, a tal respeito, fora dizer que de um lado, o cavalo pleiteia com ocavalo, ao passo que de outro, o boi luta com o homem, a fora com a destreza, ainteligncia com o instinto. Juntem a estes mritos a vantagem de enriquecer ovocabulrio com uma chusma de expresses pitorescas, tais como a pega de cara, apega de cernelha e outras, includas no novo mtodo, e ver-se- que a luta dostouros no somenos corrida de cavalos.

  • www.nead.unama.br

    18

    Para quem nada queria dizer, a fica um perodo assaz longo e no menosentusistico. Caiu da pena, e j agora no o risco, porque tenho pressa de chegarao meu propsito, que fazer uma barretada aos jesutas. J daqui estou a verfranzidas as sobrancelhas liberais do leitor, no mais liberais do que as minhas, queo so, e de bom cabelo; mas enfim, pode-se ser liberal e justo. Uma coisa implica aoutra.

    Que os espanhis so doidos por touros ningum h que o ignore, e ainda hpouco tivemos notcia da magnfica tourada de Madri, por ocasio do consrcio damalograda esposa do rei. O touro nivela todas as classes da Espanha; nos dias detourada, s h uma entidade superior a todos os espanhis, o capinha ou comomelhor nome haja, sujeito que, em chegando celebridade, fica sendo o beijinho detodas as duquesas de Castela, ombreia com todos os Olivares e Osunas, e emcertos dias rene em si todas as foras vivas da razo. Nem lhe sero adversos oscnegos e monsenhores; os quais, no sei se ainda hoje, mas no sculo XVII, eramgrandemente assduos naquelas tremendas festas, no obstante uma bula papal deexcomunho.

    Neste ponto que eu tiro o meu barrete aos jesutas. Um velho escritoringls, Lord Charendon, que historiou a revoluo de Cromwell, conta que asarquibancadas do clero e da Inquisio estavam sempre cheias de espectadores,sem contar os frades, que l iam com seus hbitos. S no iam os jesutas, osquais (conta o lord) marcavam sempre para aqueles dias algum solene exerccio,que os obrigava a estar incorporados, that obriges their whole body to betogether. No se pode pintar mais vivamente a seduo das touradas e a habilidadeda Ordem. Esta sabia qual era a influncia do meio social e a atrao do exemplo, evencia-as a seu modo, sem imposio. Digam-me se no caso de lhe tirar o meubarrete.

    Tir-lo e copi-lo. Nos dias de tourada, se o meu olho piscar de curiosidade,se o meu p palpitar de impacincia, reno-os a todos eles, olhos, ps e braos, emum exerccio qualquer, quando mais no seja, em examinar as causas de umsingular fenmeno: o das desarmonias da Sociedade Filarmnica, que, depois dedar o seu concerto no Conservatrio, vem dar na imprensa um charivari.

    CAPTULO VI

    O sonambulismo tem sido aplicado cura de molstias, e ultimamente busca das coisas perdidas e predio do futuro, o que alis a nossa polciacontestou de um modo formal e urbano. Faltava aplic-lo poltica dos Estados; oque acaba de fazer o governo argentino. O governo argentino mandou, pordescuido, o oramento ao Senado, devendo mand-lo Cmara; o Senado, nomenos sonmbulo que o governo, ps o oramento em discusso. A Cmaraestranhou esses dois cochilos; mas no podendo ser excluda da virtudesonamblica, muito provvel que adormea tambm, e vote a lei, com os olhosfechados. Resta que os contribuintes, ainda mais sonmbulos do que os doispoderes, paguem a si mesmos os impostos; o que permitir ao governo remeterento o oramento ao congresso literrio; e, caso este recuse, biblioteca deAlexandria.

    Generalizado o sistema, ningum pode prever onde chegaro as naes maispoliciadas do globo. Veremos os embaixadores fumarem as credenciais eapresentarem um charuto aos governos, darem satisfao a si mesmos dos insultos

  • www.nead.unama.br

    19

    que houverem praticado, comerem com a mo e darem o garfo a apertar aos seusconvivas. Nas Cmaras, os deputados deixaro o recinto quando se discutirem osprojetos, e entraro unicamente para vot-los: coisa que s se pode explicar noestado de sonambulismo. Tais e quejandas sero as conseqncias do sistema, seele passar de Buenos Aires ao resto do mundo: o que Deus no permita, ao menosnestes sculos mais prximos.

    CAPTULO VII

    No de pequena gravidade a notcia, chegada esta semana, de que na ilhade Itaparica duas parcialidades se acham em armas e em guerra, tendo j havidomortos feridos. Disse-se a princpio que a causa do litgio era a posse das influnciaslocais, como se influir em Itaparica fosse coisa to superfina, que levasse umhomem a perder as orelhas, as costelas, e, quando menos, a vida. Ainda se ovencedor pudesse ficar dono nico da ilha, como Robinson, compreendo a fria doshabitantes, no porque fosse mais nobre possuir algumas jeiras de terras sem gente,mas porque seria menos rduo. Antes Robinson que Sancho, que ao cabo de dezdias de governador, voltou desencantado a pr a albarda no seu ruo. Nada; no hde ser isso; o motivo deve corresponder ao perigo e ao esforo; deve ser talvez otrono de Marrocos, vago esta semana, ou coisa assim.

    E da pode ser que o motivo do litgio seja este recente problema: Quemquebrou o brao da menina Luzia? o qual parece destinado a quebrar por sua veztodas as cabeas pensantes. O congresso de Berlim destrinou mais depressa aquesto turca, do que ns veremos resolver este caso, essencialmente nebuloso;salvo se aceitarem a minha soluo, que combina todas as verses opostas: foi otamanco e s o tamanco que quebrou o brao. Porquanto, s um tamanco podia tera crueldade de bater numa criana, ao sair de um hospital. Nem seria acertadoesperar caridade dos tamancos: no esse o seu forte; outros diro que no o seufraco.

    [17][4 agosto]

    CAPTULO I

    Hoje, sim; posso pr as manguinhas de fora. Sendo positivo que nenhumcidado correto almoa agora como nos demais dias, conto no ser lido com orepouso do costume. Na verdade, mal se pode crer que o leitor tenha tempo detomar o seu banho frio, beber s pressas dois goles de caf, enfiar a sobrecasaca,meditar a sua chapa de eleitores, e encaminhar-se s reunies. Pode ser que leiaantes, s carreiras, o jornal que lhe for mais simptico; mas, uma vez feita essaorao mental, nenhuma obrigao mais o retm fora da arena, onde os partidosvo pleitear amanh a palma do triunfo.

    Que monta uma pgina de crnica, no meio das preocupaes de momento?Que valor poderia ter um minuete no meio de uma batalha, ou uma estrofe deFlorian entre dois cantos da Ilada? Evidentemente nenhum. Consolemo-nos; istomesmo a vida de uma cidade, ora ttrica, ora frvola, hoje lgubre, amanh jovial,quando no todas as coisas juntas. Sobretudo, aproveitemos a ocasio, que

  • www.nead.unama.br

    20

    nica; deixemos hoje as unturas do estilo; demos a engomar os punhos literrios;falemos fresca, de palet branco e chinelas de tapete.

    Que ele h de levar umas frias para ns outros, beneditinos da histriamnima e cavouqueiros da expresso oportuna. Vivemos seis dias a espreitar ossucessos da rua, a ouvir e palpar o sentimento da cidade, para os denunciar,aplaudir ou patear, conforme o nosso humor ou a nossa opinio, e quando nossentarmos a escrever estas folhas volantes, no o fazemos sem a certeza (ou aesperana!) de que h muitos olhos em cima de ns. Cumpre ter idias, em primeirolugar; em segundo lugar exp-las com acerto; vesti-las, orden-las, a apresent-las expectao pblica. A observao h de ser exata, afaccia pertinente e leve; unstons mais carrancudos, de longe em longe; uma mistura de Geronte e de Scapin, umguisado de moral domstica e solturas da Rua do Ouvidor...

    CAPTULO II

    ... Uma coisa semelhante situao recente de Campos. Campos reuniuduas coisas raras e no incompatveis; deu-se ao tumulto e goiabada. Ao passoque ns gastamos a semana a recear alguma coisa para amanh. Campos iniciou aagitao no domingo ltimo, e f-lo de um modo franco, largo e agreste. Camposdisse consigo que a reputao da goiabada inferior a uma nobre ambio poltica,e que a gratido do estmago, posto seja ruidosa, por extremo efmera; dura oespao de um quilo, menos do que as estafadas rosas de Malherbe. Camposentendeu que lutar com a goiabada de Jacobina e a compota da Europa no satisfaza vida inteira de uma cidade, e que era tempo de lanar o cacete de Breno nabalana dos seus destinos.

    Isto disse Campos; diz-lo e atirar-se ao pleito eleitoral foi obra de ummomento. Ento comeou uma troca de finezas extremamente louvvel, capangasausteros comearam a distribuir entre si os mais slidos golpes de cacete; e assimcomo Sganarello se fez mdico a pau cada um deles buscou doutorar os outros namesma academia. Antes do exemplo, poder-se-ia crer que as mos habituadas aremexer o acar nos tachos no chegariam a praticar uma ao to demonstrativa;erro manifesto, porque nenhuma lei divina ou humana impede cuidar, com igualmrito, da gulodice e dos direitos do homem.

    A interferncia da atriz Helena Balsemo, segundo o telegrama, que tornouum pouco enigmtica a agitao eleitoral de Campos. A atriz Helena, se tinhaopinies polticas, eram singularmente cambiantes, mudveis e indecisas, visto quenunca as exps (creio eu) de um modo formal. No mesmo caso estava o atorRodrigues, que, se alguma vez representou Richelieu ou Bolingbroke, nunca ficoucom a pele do personagem, ao ponto de entranhar em si mesmo as opinies decada um deles. Quanto ao ator Roland, que, com os outros dois, deu lugar suspenso do espetculo, o nico vestgio poltico que lhe podamos atribuir era onome, nada mais. No obstante esses antecedentes, o telegrama deu-o a todos trscomo rgos e pacientes de opinies contrrias. Verdade que acrescentou seremcimes as causas da agitao dos trs; mas ningum ignora que os telegramas sodados ao eufemismo, antinomia, simulao; divergncia o que ele quis dizer.

    Felizmente, o temporal foi dissipado, mediante uma brisa de conciliao. Ospartidos chegaram a acordo. Cada um deles resolveu dar certo nmero de eleitores;e duvido que as urnas no correspondam fielmente a estas intenes pacficas. De

  • www.nead.unama.br

    21

    maneira que a atriz Balsemo foi a nica que perdeu no jogo. Qu'allait-elle faire danscette galre?

    C pela corte estivemos toda a semana em simples preparativos.Reunies, sim, e de todos os partidos, inclusive o republicano, reunies

    noturnas, sucessivas e at simultneas. Naturalmente as de uns eram vigiadas poroutros, tal qual como nos exrcitos, que se espiam mutuamente. H ardor eresoluo; e, se nem todos os costumes eleitorais me agradam, antes esse ardor doque apatia.

    H nimos generosos que presumem sermos chegados a um tempo em quea poltica obra cientfica e nada mais, eliminando assim as paixes e os interesses,como quem exclui dois pees do tabuleiro do xadrez. Belo sonho e deliciosaquimera. Que haja uma cincia poltica, sim; que os fenmenos sociais sejamsujeitos a regras certas e complexas, justo. Mas essa parte h de ser sempre aocupao de um grupo exclusivo, superior ou alheio aos interesses e s paixes.Estes foram, so e ho de ser os elementos da luta quotidiana, porque so osfatores da existncia das sociedades. O contrrio, seria supor a possibilidade deconvert-las em academias ou gabinetes de estudo, suprimir a parte sensvel dohomem, coisa que, se tem de acontecer, no o ser antes de dez sculos.

    Vejo que o leitor comea a cabecear. Este perodo engravatado tem-lhe aresde mestre-escola.

    Naturalmente, prefere saber alguma coisa das chapas eleitorais. Dir-lhe-eisomente que os operrios de Niteri apresentam uma, declarando no cabealho,que indispensvel derrubar os casacos. Havendo, entre os candidatos dessa lista,dois tenentes, dois capites e um major da guarda nacional, devo concluir que, emgeral, ou os majores e capites no trajam casaca, ou que os escolhidos eliminaramesse vestido. nico modo de explicar o programa dos autores e a presena dosmajores. Quanto ao programa em si, parece um pouco fantstico, e nada menosque naturalssimo: o sentimento das aparncias. A casaca, por ser casaca, no fazmal nem bem, a culpa ou a virtude dos corpos, e menos dos corpos que dasalmas. Tempo houve em que se fez consistir o civismo em uma designao comum:cidado; ao que acudiu um poeta com muita pertinncia e tato:

    Appellons-nous messieurs et soyons citoyens.

    CAPTULO III

    Houve e h muita agitao nos assinantes da srie mpar do Teatro Lrico,que esto profundamente ressentidos, mas de um ressentimento que nada tem coma poltica, e tem tudo com o calendrio e a aritmtica.

    Com efeito, o empresrio Ferrari, ou o diabo por ele, teve notcia de queJosu mandara parar o sol, e quis enriquecer o nosso tempo com outro milagreanlogo: decretou que a rcita 6a antecedesse a rcita 5a a despeito do Laemmert,do Besout, do Observatrio Astronmico e da Cmara Eclesistica. Isto feito deu aosassinantes da rcita 6a a primazia dos Huguenotes e a estria da Mariani e outras, edeclarou que os assinantes da rcita 5a teriam os sobejos dos seus colegas.

    Era muito, era levar a audcia a um limite desconhecido de todos os strapasdo Oriente; era manifestar que nenhuma considerao lhe merece este povo, o maismeigo de todos os povos. A razo, insinuada por ele, de que os assinantes da sriepar tambm so filhos de Deus e podem gozar uma ou outra estria, revela da partedo Ferrari tendncias enigmticas. Acresce que uma razo ridcula; o Ferrari no

  • www.nead.unama.br

    22

    pode ignorar que o nmero o nmero da perfeio. Mas se esta considerao nobastasse, poderamos recordar que a srie mpar est toda assinada, ao passo quea srie par apenas conta algumas raras assinaturas; prova evidente de que h nasrie par um princpio mrbido, uma feio sepulcral, que arreda da a maior parteda gente. Conseqentemente, se o maior grupo o mpar, ao outro grupo, que omenor, s poder caber, quando muito, o tero eleitoral.

    Talvez o Ferrari imagine que, sendo igual o preo, iguais devem ser asvantagens; mas esse erro do empresrio origina-se na persuaso de que ele fez umcontrato igual e perfeito com todos os assinantes. No fez. A igualdade nica a dopreo; no mais, quem lhes sustenta a empresa so os assinantes da primeira srie, o maior nmero. Nem o preo serviu nunca de bitola distribuio das vantagens.No antigo regmen, o terceiro estado pagava o imposto e no comandava osregimentos. Ora, esse sistema, se foi momentaneamente excludo da constituiodos Estados, no o foi nem o pode ser das organizaes lricas; at a graaespecial delas.

    Ao passo que a srie mpar, justamente magoada, protesta contra aescamoteao das estrias, a srie par exulta de contentamento. Compreende-se;h felicidades que excedem o limite das esperanas quotidianas; tal a dosassinantes que ouvem a primeira representao de uma pera, em vez de ouvir asegunda; que assistem na quinta-feira a um espetculo, que s lhes dariam doisdias depois. Meu Deus! os assinantes pares bem sabem que a pera a mesma, eos mesmos os cantores; mas que diferena entre a quinta-feira e o sbado! esobretudo, que homenagem nessa transposio de nmeros! Imaginem qual seria oprazer dos perus, se os preferissem aos paves? Pois a mesma coisa; com osimples acrscimo de que a empresa no faz acepo de aves, uma vez que lhedeixem as penas.

    Se me permitem um conselho, direi que conveniente a cada uma das partesceder alguma coisa. A empresa deve atender um pouco mais a maioria, e a maioriadeve fechar os olhos a uma ou outra facilidade da empresa. Ao cabo, o nico meiode ter uma companhia por ano. O Ferrari no decerto o Messias da arte lrica,alguns querem at que seja o diabo, como j se disse nestas colunas; e confessoque, por certos indcios, comeo a suspeitar que efetivamente o verdadeiro Ferrarificou no mosteiro dos capuchos, onde continua a pregar aqueles sermes sobre odemo e suas pescarias. Mas permitam-me os tubares que lhes diga: agora no temremdio; fechem os olhos a alguma coisa menos aprazvel, ou desistam de ouvircantar, ao menos uma vez por ano. O melhor de tudo seria inventar um Ferrari deengono alheio e superior aos interesses da caixa. Mas, por enquanto, no hremdio seno aceitar este, que de carne e osso como ns.

    Quanto s novas estrias, parece que a mais estrondosa foi a plstica daFiorio. Ao passo que a Mariani deixou a voz na mala (dizem-no os entendidos), aFiorio trouxe-a nas formas: o seu nico algodo. Acrescentam os entendidos que aVnus de Mdicis, se cantasse, cantaria do mesmo modo que essa gentil contralto.Creio, porque ainda a no vi. E acho que no caso de lstima. A empresa obrigou-se a dar-nos os produtos de uma arte, se acrescenta a esses os produtos daescultura, tem ido alm da sua obrigao: benemrita.

  • www.nead.unama.br

    23

    CAPTULO IV

    Nada direi das corridas de domingo, para no cair na repetio. A vidafluminense compe-se agora de peras, corridas, patinao e pleito eleitoral; umperptuo bailado dos espritos. Felizes as provncias, onde h sempre um macrbionotvel, uma correria de ndios, um produto vegetal, qualquer coisa que matize auniformidade da vida; quando menos, um retirante que gerou quarenta e dois filhos,como aquele de Jaguar.

    Dizer que as corridas estiveram chibantes, e que a poule foi concorridssima, repetir o comentrio feito a todos esses espetculos; perder o tempo e osleitores. Desta vez houve s dois episdios novos: o gatuno, que arrebatou umprmio de seiscentos mil-ris, sem ser a unhas de cavalo; e o cavalo, que ganhouum prmio de quinhentos, correndo sozinho. vaincre sans pril, on triomphe sansgloire, dizia o poeta, o caso do cavalo e no o do gatuno.

    A patinao, que eu disse acima ser parte componente da nossa vida atual,comea a adicionar alguns hors-d'oevre, como a ondina, moa que respira debaixod'gua. No gosto de ver esta ondina enrodilhada com a patinao; cheira-me aossaraus danantes do Clube Politcnico, - duas coisas bem pouco conciliveis. Bemsei que um tempero a ondina; e, a dar crdito ao retrato que anda a exposto naRua do Ouvidor, um tempero de algum sabor, mas, enfim, um tempero. Voltemoss comidas simples.

    [18][11 agosto]

    CAPTULO I

    Sups-se por muito tempo que o Cames inventava a ilha dos Amores.Aqueles costumes, aquela corrida de ninfas e soldados, principalmente a doLeonardo, com a dama que lhe coube em sorte, e os famintos beijos na floresta, e omimoso choro que soava, tudo aquilo fazia crer que se tratava de uma puraimaginao do poeta. Descobriu-se agora que a ilha dos Amores nada menos quea ilha de Paquet.

    Entendamo-nos; no digo que em Paquet haja Leonardos, nem que ali v tera caravela de nenhum Gama. H um falar e dois entenderes. O que digo que, noponto de vista eleitoral, a nossa ilha vale a de Cames. C na cidade houve um ououtro desaguisado, duas ou trs cabeas quadradas, vrias contestaes, enfim ascompetncias do costume; no muitas, nem tais como faziam recear os espritosmedrosos. A profecia dos timoratos tambm falhou em relao ao interior, ondehouve alguns conflitos, certo, mas em raros pontos. O pior, e o mais recente, foi ode Iraj. Paquet, entretanto, coroou-se de mirtos; fez-se a mais luminosa dasaurolas.

    Muito antes de comearem os trabalhos eleitorais, j os votantes de todos oscredos polticos estavam na matriz. A manh era linda; o mar espreguiava-sesonolento, e o cu, um cu grego ou toscano, azulava-se a si e conscinciaparoquial. A brisa que soprava parecia a respirao da prpria Vnus. Dissera-seque no era Paquet, mas Chipre ou Quio ou Tnedos, alguma daquelas ilhas que anatureza emergiu para eterna saudade da imaginao. Com um pouco de fantasia,

  • www.nead.unama.br

    24

    poder-se-ia supor que a barca da carreira da corte era um navio do porto de Pireu, eque o cabo da guarda era o prprio Temstocles.

    Reunidos os votantes no adro da igreja, entretiveram-se num fadinho neutro.Umbigos liberais tocavam os umbigos conservadores, ao som da viola republicana:era a fraternidade poltica e coreogrfica. Fatigados da dana, e no tendo chegadoa hora legal, um dos votantes sacou do bolso os Incas de Marmontel; idiaengenhosa, mas no nica, porque outro votante tirou a Marlia de Dirceu; ao que seseguiu uma longa troca de cortesias e finezas, querendo o primeiro que se lesse olivro do segundo, e o segundo que se lesse o do primeiro. Um mesrio combinou osdois opostos desejos, propondo que em vez de um e outro livro, averiguassemamigavelmente um grave ponto histrico, a saber, se o eclipse de 1821 foi anteriorou posterior a Henrique IV.

    Aceita a idia, ocuparam-se os votantes em agradvel palestra, que duroumeia hora, ficando afinal unanimemente resolvido que, sendo Henrique IV anteriorao eclipse de 1821, este, quando muito, podia ser seu contemporneo. Um dosvotantes declarou que concedia a ltima hiptese, unicamente para o fim de se noquebrar a harmonia em que ali se achavam, mas que em conscincia no podiaadmitir a contemporaneidade dos dois fenmenos. Todos os outros lhe agradeceramessa delicada ateno.

    Aproximando-se a hora eleitoral, foi servido um lauto almoo, composto deiguarias, que no eram peixe nem carne: ervas, frutas, ovos, leite, confeitos e po.Brindaram-se a todas as harmonias, desde a harmonia das esferas at a doscoraes; leram-se madrigais; glosou-se o mote: Hei de amar-te at morrer.Seguiram-se as chamadas do costume, ao som de lindas peas executadas pelabanda da sociedade particular Flor Paquetaense. Cada votante, por uma delicadacompetncia de generosidade, votava nos candidatos do partido adverso. Estacompetncia repetiu-se na apurao; os escrutinadores, por efeito da mais honestaperfdia, liam nas listas dos candidatos do seu credo os nomes dos do credo oposto,donde resultou estabelecer-se a anterior proporo dos sufrgios. Acabada aapurao, todos os eleitos protestaram contra o resultado, declarando que, emconscincia, os eleitos eram os outros. No consentindo os outros, props ummesrio anular o trabalho e votarem de novo em candidatos que no residissem naparquia. O que se fez prontamente com o resultado seguinte:

    Barba-Roxa ........................................................................................ 47 votosJoo Sem Terra .................................................................................. 47 "Nostradamus ....................................................................................... 45 "Gregrio de Matos .............................................................................. 45 "Pausnias ........................................................................................... 44 Maragogipe ......................................................................................... 44 "Rui Blas.................................................................................................41 "

    Logo que este resultado foi conhecido, houve em toda a assemblia os maisestrondosos aplausos, a que se seguiu um amplexo universal e nico. Retiraram-setodos para suas casas, debaixo do mesmo cu, - toscano ou grego, - e ao som dosmesmos suspiros do mar, tranqilo como um sepulcro. Paquet dormiu o sono dasconscincias virgens.

    Ri-se o leitor? Espanta-se talvez desta narrao, que lhe parece fantstica?No sei, entretanto, se poder explicar de outro modo o fato de ter o subdelegado dePaquet, promovido a retirada da fora que para l fora. Quando a autoridade

  • www.nead.unama.br

    25

    pblica, no interesse da ordem, buscava auxiliar as mesas eleitorais, armando-ascom os meios de dominar qualquer tumulto, sempre possvel no estado de exaltaoem que se achavam os nimos, Paquet declarou dispensar a fora que lhemandaram, certa de fazer uma eleio pacfica. Este procedimento faz crer quePaquet o seio de Abrao, a morada da concrdia pblica, o primeiro centro deuma forte educao poltica.

    C na cidade, na freguesia da Glria, no correram as coisas inteiramenteassim; deu-se um distrbio, talvez dois; a mesma coisa aconteceu no EngenhoVelho e em S. Jos. Quanto primeira dessas parquias, houve duas mesas, umainterior e outra exterior, uma congregada, outra dispersa e errante: pequena imagemda Igreja, ao tempo em que existiam duas crias, a de Roma e a de Avinho. Qualdas duas mesas fosse a de Avinho, era o que nenhum estrangeiro estudiosopoderia saber ao certo, pois a opinio variava de homem a homem. Quanto ao casode Iraj, esse ataque de cem homens armados e entrincheirados contra doze praasque voltavam de cumprir o seu dever, foi simplesmente uma crueldade semexplicao.

    Vem a propsito dar um conselho aos futuros legisladores. Provavelmente,teremos uma reforma eleitoral, em breves dias, reduzindo a um grau o sistema degrau duplo: sistema mais complicado que necessrio. Penso que a ocasio deretirar as eleies das matrizes, pois que inteiramente falhou o pensamento de astornar pacficas pela s influncia do lugar. J o finado Senador Dantas, que sabiadar s vezes ao pensamento uma forma caracterstica, dizia em pleno Senado:"Senhores, convm que as coisas da igreja no saiam rua, e que as coisas da ruano entrem na igreja". Referia-se s procisses e s eleies.

    Que as procisses saiam rua no h inconvenincia palpvel; mas que oscomcios sejam convocados para a igreja, eis o que arriscado, e em todo o casoocioso. Na igreja reza-se, prega-se, medita-se, conversa a alma com o seu Criador;as paixes devem ficar porta, com todo o seu cortejo de causas e fins, e osinteresses tambm, por mais legtimos que sejam.

    CAPTULO II

    Desta vez parece que o Partido Republicano fez uma entrada mais solene nopleito eleitoral; lutou sozinho em alguns pontos; em outros, lutou com alianas;resultando-lhe dessa poltica algumas vitrias parciais.

    O Partido Republicano, no obstante as convices dos seus correligionrios,nasceu principalmente de um equvoco e de uma metfora: a metfora do poderpessoal; e a este respeito contarei um aplogo... persa.

    Havia em Teer um rapaz, grande gamenho e maior vadio, a quem o paidisse uma noite que era preciso escolher um ofcio qualquer, uma indstria, algumacoisa em que aplicasse as foras que despendia, arruando e matando inutilmente ashoras. O moo achou que o pai falava com acerto, cogitou parte da noite e dormiu.De manh foi ter com o pai e pediu-lhe licena para correr toda a Prsia, a fim de veras diferentes profisses, compar-las e escolher a que lhe parecesse mais prpria elucrativa. O pai abenoou-o; o rapaz foi correr terra.

    Ao cabo de um ano, regressou casa do pai. Tinha admirado vriasindstrias e profisses; entre outras, vira fazer chitas, as famosas chitas da Prsia, e plantar limas, as no menos famosas limas da Prsia; e destas duasocupaes, achou melhor a segunda.

  • www.nead.unama.br

    26

    Lavrar a terra, disse ele, a profisso mais nobre e mais livre; a quemelhor pe as foras do homem paralelas s da natureza.

    Dito isto, comprou umas jeiras de terra, comprou umas sementes de limas esemeou-as, depois de invocar o auxlio do sol e da chuva e de todas as forasnaturais. Antes de muitos dias, comearam a grelar as sementes; os grelos fizeram-se robustos. O jovem lavrador ia todas as manhs contemplar a sua obra; mandavaregar as plantas; sonhava com elas; vivia delas e para elas. Quando as limeirasderem flor, dizia ele consigo, convidarei todos os parentes a um banquete; e aprimeira lima que amadurecer ser mandada de presente ao x.

    Infelizmente os arbustos no se desenvolviam com a presteza costumada;alguns secaram; outros no secaram, mas tambm no cresceram. Estupefao dojovem lavrador, que no podia compreender a causa do fenmeno. Ordenou que lhepusessem dobrada poro d'gua; e vendo que a gua simples no produzia efeito,mandou enfeiti-la por um mago, com as mais obscuras palavras dos livros santos.

    Nada lhe valeu; as plantas no passaram do que eram; no vinha a flor,nncia do fruto. O jovem lavrador mortificava-se; gastava as noites e os dias a verum meio de robustecer as limeiras, esforo sincero, mas intil. Entretanto, elelembrava-se de ter visto boas limeiras em outras provncias; e muitas vezescomprava excelentes limas no mercado de Teer. Por que razo no alcanaria ele,e com presteza, a mesma coisa?

    Um dia, no se pde ter o jovem lavrador; quis, enfim, conhecer a causa domal. Ora, a causa podia ser que fosse a falta de alguns sais no adubo, ares poucolavados, certa disposio do terreno, pouca prtica de plantador. O moo, porm,no cogitou em nenhuma dessas causas imediatas; atribuiu o acanhamento dasplantas... ao sol; porque o sol, dizia ele, era ardente e requeimava as plantas. A ele,pois, cabia a culpa original; era ele o culpado visvel, o sol.

    Entrando-lhe esta convico no nimo, no se deteve o rapaz; arrancou todasas plantas, vendeu a terra, meteu o dinheiro no bolso, e voltou a passear as ruas deTeer; ficou sem ofcio.

    Concluso: se soubssemos um pouco mais de qumica social...

    CAPTULO III

    Ao que parece, negreja um grande temporal no horizonte lrico. Sobre acabea da empresa, aglomeram-se pesadas nuvens, no tarda roncar a Tijuca e apateada. Esta semana trouxe novos vendavais, cujo desencadeamento ser terrvel,se o no conjurar algum deus benvolo.

    Pobre Ferrari! Bem pouco durou a tua realeza. H dois anos entraste aquicomo uma espcie de Messias da f nova. Tinhas inventado a Sanz, os maioresolhos que jamais vi, e que a faziam semelhante a Juno, a Juno dos olhos de boi,como diz Homero, ou olhitoura, como traduz o Filinto. Tinhas inventado a Visiack,uma artista, a Rubini, uma graa, e o Gayarre, um rouxinol. Acrescia que chegavasdepois de um longo e impaciente jejum de msica, porque o governo retirara, hmuito, a subveno ao teatro lrico; e neste assunto estvamos reduzidos aintermitncias do Lelmi, a uma ou outra Parodi adventcia. Vieste; abrimos-te osnossos coraes, cobrimos-te de flores, anagramas e assinaturas. Estas, a princpio,foram pagas vista; e depois, antes da vista. Ento comeou a tua decadncia;

  • www.nead.unama.br

    27

    prometeste mundos e fundos, ficaste com os fundos, sem nos dar os mundos;perdeste a nossa estima, ests a pique de perder a nossa misericrdia.

    A largueza pblica, entretanto, foi condigna do nosso nome. Ningumregateou os preos, que ao parecer de quase todos eram mais que razoveis.Trazer bons cantores, boas peras, bons coros e bons cenrios, traz-los a esterecanto da Amrica, revelar-nos a Ada, no era tarefa que se pagasse com pouco;era justo. Demais, sabe toda a gente que, abaixo do doce de coco, o que ofluminense mais adora a boa msica. Haver, e no raros, que jamais possamsuportar uma cena do Cid ou um dilogo do Hamlet, que os achem supinamenteamoladores, tanto como os antigos dramalhes do Teatro de S. Pedro; mas nenhumh que se no babe ao ouvir um dueto. E isto vem desde a infncia; nas escolasaprende-se a ler a carta de nomes cantando; e ningum ignora que a primeiramanifestao do menino carioca o assobio.

    Ora, o Ferrari deve ter aproveitado esta nossa disposio, em vez de fiar-sena benevolncia pblica, que limitada como uma companhia inglesa. Que lhepedamos ns? Simplesmente o que nos deu h dois anos, quando lhe no pedimosnada. Ningum exigia a Patti nem o Nicolini, o que seria caro, nem somenteum dos dois, o que seria ainda mais caro, cruel. Mas entre a Repetto e a Patti nohaver um termo mdio? Dizem que o Ferrari no est menos desgostoso do quens; murmura-se que foi embaraado. Acresce que os cantores no esto emexcessiva harmonia com ele; e j ameaam lavar os cales na rua; ameaa, a queo Ferrari retorquiu, desafiando-os. Vamos ter uma pega de cernelha.

    CAPTULO IV

    Pega de cara o que se est dando com a questo da praa do mercado,que renasce, complicada de umas unturas polticas.

    No Skating houve esta semana grande pega de p, uma brilhante corrida, quecongregou, no recinto do estabelecimento, a fina flor da nossa sociedade;concorrncia de quatro mil pessoas, pelo menos. O grande prmio coube ao jovemfilho de um estadista. Noto que, por ora, o belo sexo avaro das suas graas napatinao. Salvo algumas meninas de cinco a onze anos, creio que nenhuma dama,ou rara, desceu arena. Pois era o meio de lhe comunicar um pouco mais deelegncia e correo.

    CAPTULO V

    Da semana s me restaria falar da cabea original, que se mostra na Rua doOuvidor, a tanto por entrada. Venda-mo a idia de que o empresrio quer apenascaoar conosco, fazendo crer que uma cabea original objeto to curioso, entrens, que se pode mostrar por dinheiro. No, especulador! no possuirs o meuestilo.

    [19][1 setembro]

  • www.nead.unama.br

    28

    CAPTULO I

    O fato culminante da semana foi talvez a proposta feita, anteontem, naCmara Municipal, pelo Sr. Conselheiro Saldanha Marinho. Props o digno vereadora nomeao de uma comisso para examinar os atos em que a mesma Cmara temsido despida de atribuies suas, e indicar medidas tendentes a restaurar as coisas,bem como um plano de reforma para aquela instituio, restituindo-se-lhe a fora e oprestgio que perdeu. A proposta foi aprovada; e, posto me parea que o seuresultado no pode corresponder ao pensamento que a formulou, acho que tanto aCmara, como o eminente cidado, procederam com inteno reta e animados desentimentos liberais.

    No me obriguem os leitores a pr os colarinhos do estilo grave, dizendo osgraves motivos do meu parecer. Entende-se que daquelas colunas para baixo spodemos curar de mincias, e este caso municipal dos de mxima ponderao.Verdade que, assim como a vida entremeada de reflexes e pilhrias, tambm ofolhetim pode, uma vez ou outra, sacudir a sua tosse parlamentar e deitar ao mundouma ou duas observaes de calibre sessenta. V que seja: imitemos a vida, pordois minutos.

    Qualquer que seja a aquiescncia dos poderes executivo e legislativo, achoque a proposta no ter o desejado efeito, e isto por um motivo estranho aos intuitosda Cmara e do Governo. Que seria til e conveniente desenvolver o elementomunicipal, ningum h que o conteste; mas os bons desejos de alguns ou de muitosno chegaro jamais a criar ou aviventar uma instituio, se esta no corresponderexatamente s condies morais e mentais da sociedade. Pode a instituiosubsistir com as suas formas externas; mas a alma, essa no h criador que lhainfunda.

    No h muito quem brade contra a centralizao poltica e administrativa? uma flor de retrica de todo o discurso de estria; um velho bardo; uma perptuachapa. Raros vem que a centralizao no se operou ao sabor de algunsiniciadores, mas porque era um efeito inevitvel de causas preexistentes. Supe-seque ela matou a vida local, quando a falta de vida local foi um dos produtores dacentralizao. Os homens no passaram de simples instrumentos das coisas. oque acontece com o poder municipal; esvaiu-se-lhe a vida, no por ato de um podercioso, mas por fora de uma lei inelutvel, em virtude da qual a vida frouxa,mrbida ou intensa, segundo as condies do organismo e o meio em que ele sedesenvolve. o que acontece com o direito de voto; a reforma que reduzir a eleioa um grau ser um melhoramento no processo e por isso desejvel; mas dar todasas vantagens polticas e morais que dela esperamos? H uma srie de fatores, quea lei no substitui, e esses so o estado mental da nao, os seus costumes, a suainfncia constitucional...

    L me ia eu resvalando neste declive das ponderaes graves, que s aespaos, e ao de leve, podem ser lcitas mais desambiciosa das crnicas destemundo. Encerremos o perodo, leitor; e passemos a assunto menos crespo, umassunto de comestveis.

  • www.nead.unama.br

    29

    CAPTULO II

    Porquanto, a dita Cmara Municipal, perguntando-lhe o procurador se podiamandar fornecer jantar ao Tribunal do Jri, quando as sesses se prolongassem attarde, respondeu que no, visto que tal despesa no se acha autorizada em lei.

    Teve razo a Cmara, e teve-a duas vezes; a primeira, porque a lei o veda, ea obedincia lei a necessidade mxima; a segunda, porque o jantar , de certomodo, um agente de corruo. No me venham com sentenas latinas: primo vivere,deinde judicare. No me venham com consideraes de ordem fisiolgica, nem comrifes populares, nem com outras razes da mesma farinha, muito prprias paraembair ignorantes ou colher descuidados, mas sem nenhum valor ou alcance paraquem olhar as coisas de certa altura. A questo puramente moral; e a presena dorosbife no lhe diminui nem lhe troca a natureza. No me venham tambm com ojantar na poltica; porque, em certos casos, no h incompatibilidade entre o voto e oprato de lentilhas; e, politicamente falando, o paio uma necessidade pblica. Ocaso dos jurados outra coisa.

    A primeira e inevitvel conseqncia do jantar aos jurados seria acondenao de todos os rus, no porque o quilo implique severidade, mas porqueinduz gratido. Como se sabe, absolvidos os rus, paga a municipalidade ascustas; no crvel que um tribunal de homens briosos e generosos condene a moque lhe prepara o jantar. Convm contar com o pudor dos estmagos. Acresce que adigesto varivel em seus efeitos. Umas vezes inclina ao cochilo, e no se podecalcular que inmeros erros judicirios sairo de um tribunal que dorme a sesta;outras vezes, o organismo precisa de locomoo, e as sentenas cairo da pena,como frutas verdes que um rapaz derruba. No cito o caso dos que fazem o quiloentre a espadilha e o basto, e ficariam impacientes por sair; caso verdadeiramenteassustador, visto que a maior das nossas foras sociais o voltarete.

    Cotejem agora as inconvenincias do jantar com as vantagens do jejum. Ojejum, um estado de graa espiritual, uma das formas adotadas para macerar acarne e seus maus instintos. A satisfao da carne torce a condio humana,igualando-a das bestas; ao passo que a privao amortece a condio bestial eapura a outra; fortifica, portanto, o ser inteligvel, aclara as idias, afina e eleva aconcepo da justia. A sopa tem suas vantagens; o assado no , em si mesmo,uma abominao; pode-se almoar e querer bem; no h incompatibilidade absolutaentre a virtude e a couve-flor. A justia, porm, requer alguma coisa menos precria,mais certa; no se pode fiar de hipteses, de casualidades, de temperamentos.

    O que me admira, neste caso, no a deciso da Cmara, que aplaudo,desde que fundada em lei, e o respeito da lei a primeira expresso da liberdade.O que me admira que s agora reclame o jri um bocado de po. Pois nunca pediuo jri uma verbazinha para os seus pastis? S agora h estmagos naqueletribunal? S agora h processos longos e juzes famintos? Tanto pior; se esperamtantos anos, podem esperar alguns mais.

    CAPTULO III

    Dizem os alemes que duas metades de cavalo no fazem um cavalo. Pormaioria de razo se pode dizer que metade de um cavalo e metade de um camelono fazem nem um cavalo nem um camelo. Isto, que parecer axiomtico aosleitores, nada menos que um absurdo aos olhos dos partidos de uma das

  • www.nead.unama.br

    30

    parquias do Norte, a parquia de S. Vicente; um absurdo, um paradoxo, umamonstruosidade.

    Com efeito, os dois partidos daquela freguesia dividiram-se e trocaram asmetades; feito o que, organizaram duas mesas, duas atas, duas eleies. Sendo porenquanto mui sumria a notcia, ignoro o modo pelo qual as duas metades dos doisprogramas foram coladas s metades alheias, e mais ignoro se fizerem sentido osperodos truncados. H de ter sido muito difcil: talvez se reproduza o caso das duasnotcias que apareceram ligadas, h anos, numa folha de New York. Tratava-se daprdica de um sacerdote e da investida de um boi.

    O Rev. Simpson falou piedosamente dos deveres do cristo e das boasprticas a que est sujeito o pai de famlia; o auditrio ouvia comovido as palavrasdo Rev. Simpson, o qual, investindo de repente contra todos, varreu a rua, derruboumulheres e crianas, lanou enfim o terror em todo o bairro, at ser fortementeagarrado e reconduzido ao matadouro.

    Verdade que uma errata pode restituir o genuno sentido dos doisprogramas, e estes aparecero, reintegrados, na edio prxima. Se h uma artepara restaurar a primitiva escritura do palimpsesto, h outra para recompordevidamente os programas: questo de cola. O ponto mais obscuro deste negcio a atitude moral dos dois novos partidos, a linguagem recproca, as mtuasrecriminaes. Cada um deles v no adversrio metade de si prprio. O nariz deAquiles campeia na cara de Heitor. Bruto o prprio filho de Csar. Em vo buscoadivinhar por que modo esses dois partidos singulares cruzaram armas no grandepleito; no encontro explicaes satisfatrias. Nenhum deles podia acusar o outro dese haver ligado a adversrios, porque esse mal ou essa virtude estava em ambos,no podia um duvidar da boa-f, da lealdade, da lisura do outro, porque o outro eraele mesmo, os seus homens, os seus meios, os seus fins. Nunca vi mais claramentereproduzida a situao de Ximena, quando o amante lhe mata o pai; o partido quevencesse podia clamar como a namorada de Cid:

    La moiti de mon me a mis l'autre au tombeau.

    CAPTULO IV

    Ao que parece, no pega muito o espetculo do soco ingls, a box,exerccio inventado pela Sociedade Protetora dos Farmacuticos; o que realmenteme admira, porque a box uma forma de luta romana inaugurada pelo professorBattaglia,- tendo, alm disso, a circunstncia de ser nova entre ns, e a virtude dedar extrao arnica, "a grande arnica" como dizia o finado Freitas. Pois no que o soco seja um espetculo desdenhado, quando no-lo do casualmente a nasruas; acrescendo que, em tais casos, irregular e sem mtodo, ao passo que noestabelecimento da Rua do Costa est sujeito a certas frmulas e regras de altafilosofia. Ao cabo a mesma luta romana. Uma leva ao cho; outra leva aos narizes, toda a diferena. Substancialmente, so duas ocupaes recreativas e morais.

    Que se perca a box! C nos fica o professor Battaglia, que padeceu, nestasemana, a sua segunda derrota, a dar crdito ao adversrio, e ao pblico, oumais uma vitria, a dar-lhe crdito, a ele. O certo que protestou e veio imprensa desafiar o adversrio para outra batalha decisiva, mediante condiesmagnnimas. O adversrio afirmou o seu triunfo, mas recusou o repto. Acho que fezbem; se certo que o professor caiu por engano, podia acontecer a mesma coisa aoseu vencedor, que perderia assim, de um lance, o prestgio e os quinhentos mil-ris.

  • www.nead.unama.br

    31

    No obstante as derrotas, os reptos do professor Battaglia continuam a levarmilhares de espectadores ao estabelecimento da Rua do Costa. Milhares: a somados concorrentes nos grandes dias de patinao. No esqueam que a Rua doCosta excntrica, sobretudo para um povo, como somos, dado pachorra e aocansao. Verdade que a faculdade de conservar o chapu na cabea e o charutona boca torna mais fcil e mais cmodo o acesso, e mais persuasivo o espetculo.

    Digo que continuaram os reptos, e devo incluir entre e