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1 Nós, as crianças dos pijamas às riscas Desenho de Mariana Teixeira Turma 2 A Secundário da Escola Secundária de Vizela

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Trabalho realizado pela turma 2º A Secundário, da Escola Secundária de Vizela, no âmbito do projecto Efacil Ler, após leitura do livro O rapaz do pijama às riscas, de John Boyne

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Nós, as crianças dos pijamas às riscas

Desenho de Mariana Teixeira

Turma 2 A Secundário da Escola Secundária de Vizela

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2

Alunos da Turma EFA 2A Secundário

António José Gomes

António Miguel Bento

Aurora Fernanda Ferreira

Cristina Felix Alves

Domingos Roberto Faria

Fernando Martins

Isabel Ribeiro

José Manuel Pedrosa

Mariana Teixeira

Rosa Teixeira

Hugo Silva

Joaquim Inácio Pedrosa

Rui Peixoto

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1. O casamento à nascença. António Gomes 4-5

2. Gravidez na Adolescência. Isabel Ribeiro 5-6

3. Bolinha de Algodão. Cipriano Alves 6

4. Diário de um recente menino de rua. Francisco Rainha 7-11

5. Notícia. Descoberta Horrível. Mariana Teixeira 11

6. O desabafo. Rosa Teixeira 12-13

7. Pedofilia. António Gomes 13-14

8. Segregação Racial. José Manuel Pedrosa 14-15

9. Tráfico de Droga Infantil. Fernando Martins 15-16

10. Orfandade. Hugo Silva 16-17

11. Abandono. Roberto Faria 17-18

12. Maus tratos físicos e psicológicos. Fernanda Ferreira 18-19

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1. O casamento à nascença. António Bento

O casamento é uma tradição,

Quer na etnia cigana,

Quer na indiana,

E tem uma enorme valorização.

Logo que nascem,

Já são comprometidas,

Para que um dia casem,

Com as pessoas prometidas.

Nestas etnias,

São os pais que negociam o valor da noiva,

Pois tendem a escolher o marido

Passando assim a ser comprometido.

Os pais escolhem os cônjuges em função,

Das condições económicas,

Pois é uma mais-valia,

Para estas etnias.

O casamento é um costume que é demasiado valorizado por várias etnias. São exemplo disso a etnia Cigana e a Indiana

que, para a preservação da sua cultura e dos seus valores, procuram incentivar o casamento entre os membros de sua etnia, por vezes

desde o momento em que a criança nasce. Por exemplo, na etnia cigana logo em pequenas, ou quando nascem, as meninas são

prometidas em casamento, pois o casamento significa a continuidade da raça e a tradição, uma vez que tradicionalmente os ciganos

não podem casar com pessoas de outra raça. Caso isso aconteça a pessoa é banida do grupo, apesar de, hoje em dia, já ser aceite o

casamento entre um homem cigano e uma mulher de outra raça, desde que esta se converta aos seus costumes e tradições. Para estas

uniões de conveniência, os pais tendem a escolher o cônjuge dentro do próprio grupo ou subgrupo, tendo em conta interesses

económicos.

No caso da etnia cigana, as festas dos esponsais costumam durar três dias. Há um ritual de pré-casamento. Os pais

“negoceiam” o valor da noiva que chega, depois de muita negociação, a um valor (dote) simbólico. No dia do casamento, os noivos

comem um pedaço de pão e sal, que dizem manter o casamento íntegro através dos tempos. Num tacho são postos os presentes e as

moedas. Os noivos atiram uma taça ao chão, supondo que o amor só vai acabar quando os cacos da taça se juntarem. A noiva e o

noivo simulam um rapto e abandonam os convidados. No dia seguinte é feito o exame do sinal de virgindade, através do lençol

manchado; se se confirmar que a noiva era virgem, explodem as festas, a camisa do pai da noiva é rasgada e o pai da noiva

carregado pela casa ou pelo acampamento. A noiva viverá com os sogros e a eles servirá obedientemente até ter o primeiro filho quando, então, terá a sua tenda. O

adultério e bigamia não são tolerados e as mulheres ciganas são extremamente fiéis e dedicadas aos respectivos maridos.

Os casamentos na Índia obedecem às várias tradições, variando de acordo com a casta, a região, a cultura e os costumes

das mais diversas etnias que constituem a Índia. Embora encontremos hoje excepções, muitos dos casamentos entre hindus são

arranjados pelas famílias dos noivos, a fim de reforçar os laços familiares, sendo estes muito importantes na Índia.

Os pais procuram companheiros especiais para os seus filhos, tendo em conta a mesma religião ou casta das famílias. A

aliança é consumada e os pais consultam os mais velhos da família e os astrólogos indianos, comparam horóscopos, castas, contexto

familiar e social. Quando o casamento é consumado, as duas famílias entram numa relação mais profunda, de modo a que, se

surgirem problemas na vida do novo casal, ambas as famílias trabalhem juntas para os levar a resolver todos esses problemas.

Um casamento hindu mais parece uma maratona para os noivos e para a sua família. Este casamento pode durar vários

dias (de três a sete dias).

As mãos da noiva, assim como as das suas amigas, recebem lindos desenhos de henna antes do casamento. As irmãs do noivo

costumam roubar-lhe os sapatos, para que o irmão lhes dê, em troca, presentes em ouro.

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No dia do casamento, o noivo chega à casa da noiva escolhida, acompanhado por uma procissão de convidados. Muitas

das vezes, o noivo vem montado num cavalo branco, com os seguintes acessórios: o turbante e a espada.

Durante a festa, e para testar a coragem e o vigor do noivo, um parente da noiva desafia-o para uma luta. Assim poderá

ver se o (já suado) noivo está apto a defender a honra da sua noiva.

O sacerdote profere as bençãos de Brahma para o casal e invoca os seus antepassados, pedindo-lhes que abençoem

aquela união.

A noiva oferece como presente ao seu futuro marido Iogurte e mel como sinal da sua pureza e doçura. Ambos trocam um

colar, colocado durante a cerimónia no pescoço um do outro. No final, o pai entrega a noiva ao marido e estes trocam os anéis.

Relativamente ao ambiente, este é purificado com óleos e essências, enquanto os pombinhos fazem juras de amor eterno. (Nessa

parte somos todos iguais!)

2. Gravidez na Adolescência. Isabel Ribeiro

Vizela, 20 de Abril de 2010 Querido primo Luís

Ontem sonhei contigo… Foi verdadeiramente estranho, porque eras realmente a última pessoa em quem eu pensaria, mas

no decorrer do dia, pensei que talvez isso fosse um presságio. Decidi então abrir o meu coração que neste momento pesa-me muito.

A razão da minha carta é, em primeiro lugar, ter notícias tuas, claro, mas acima de tudo contar-te os meus dias de

angústia. Não quero parecer egoísta, mas acredito que estejas bem.

Imagina que sonhei que passeávamos juntos, nas margens do Mondego. Estávamos tão felizes! Tu falavas e eu bebia as

tuas palavras, sorrindo… Eu vestia a capa preta e não me conseguia equilibrar nos saltos altos!

Os sonhos são certamente desejos recalcados ou talvez premunições, quem sabe.

Lembraste da nossa conversa sobre a minha maior ambição?

Ainda acreditas que eu sou capaz?

No próximo ano lectivo, tenho de decidir a área de estudo para o 10º ano, escolherei, sem dúvida, humanidades para

poder entrar em Direito.

Sabes, acho que o meu desejo nunca passará de um sonho inalcançável, comparável a um punhado de areia que pensava

seguro na minha mão e que agora vejo os grãos a fugir entre os dedos.

Nunca poderei passear de capa preta junto ao Mondego… a minha vida mudou. Sim, mudou e não posso voltar atrás.

Como tu sabes, agora tenho um namorado. Namoramos há cerca de um ano. Conheci-o numa discoteca quando saí pela

primeira vez com as minhas amigas. Elas são todas um pouco mais velhas do que eu e, por isso, gozavam-me por eu não sair à noite,

por não ter namorado e ainda ser virgem.

Falei com os meus pais para me deixarem sair com elas à noite. A princípio foram irredutíveis, o que me deixou furiosa

e com vontade de me vingar. Um dia, combinei com elas e saí às escondidas dos meus pais…

Esta foi a primeira vez em que lhes desobedeci, embora no início estivesse muito nervosa por sair de casa, a noite correu

muito bem. Conheci muitos rapazes e raparigas, todos muito simpáticos. Mas houve um que realmente me despertou a atenção…

chamado Mateus!

Penso que foi amor à primeira vista!

Depois de algum tempo consegui convencer os meus pais a darem-me um pouco mais de liberdade.

Estes encontros regulares com Mateus deram em namoro. Um namoro lindo e puro sem segundas intenções, pelo menos

da minha parte. Agora, as minhas amigas, essas, estavam sempre a perguntar se já tínhamos tido relações sexuais. A minha resposta

era sempre a mesma, não. O gozo continuava. Diziam que não entendiam como é que eu resistia a um homem tão bonito. Eu

adorava-o, porque ele era tão compreensível, tão meigo. Começámos a sair sozinhos, passeávamos no parque natural, íamos até à

praia… a intimidade foi crescendo, até que um dia aconteceu. Hoje não sei se o fiz pela chacota que levava ou por vontade própria.

Pouco tempo depois comecei a sentir-me um pouco estranha. Falei com o Mateus que era um homem mais experiente

acerca desta sensação diferente que envolvia o meu corpo. Foi aí que o medo surgiu. Eu não tomava a pílula, apenas usávamos

preservativo. Houve um dia em que ele se esqueceu de comprar, mas a paixão era tão arrebatadora que não usámos nada. Foi só

dessa vez.

A verdade é que pensamos sempre que só acontece aos outros. O meu mundo ruiu, senti-me perdida, apesar de ter o

apoio do Mateus, olhava à minha volta e só via grávidas. Não conseguia imaginar-me com uma criança nos braços.

Mil perguntas invadiam os meus pensamentos. E agora…? Eu, com quinze anos, grávida…? Meu Deus…! Como vou

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olhar para os meus pais e contar-lhes?

Eu e o Mateus conversámos…pensámos em várias soluções, mas aquela que nos pareceu mais conveniente foi, sem

dúvida, o aborto. Um dia, combinámos contar aos meus pais.

Que dia…

Os meus pais nem queriam acreditar… falei-lhes em abortar e disse que já tinha consulta marcada. Sabes, apesar da

legalização do aborto, penso que nem todas as mulheres o conseguem fazer. Se calhar havia mais abortos antes da legalização, sabes

porquê? Mandam-nos para os psicólogos que são peritos em mudar as nossas ideias. Eles fazem tantas perguntas que a dada altura

não temos a certeza de nada, só temos dúvidas e hesitações, fiquei ainda mais confusa… aborto… não aborto … e agora?

Foi uma decisão muito difícil… Os meus pensamentos voltam-se agora para uma preocupação até então desconhecida.

Teria de decidir o meu futuro pensando sempre em partilhá-lo, não só com a pessoa amada, como também com o rebento.

Depois de uma conversa entre adultos, como dizem os meus pais, Mateus, que tem vinte anos, assumiu toda a

responsabilidade, alegando ser o único culpado.

Foi decidido que a criança não tem culpa da distracção dos pais e que tem direito à vida.

Hoje, estou com trinta e sete semanas. Sei que é uma menina. O meu amor por ela vai crescendo de dia para dia. Tenho a

certeza que esta foi a decisão correcta.

Por isso primo… o meu sonho de ser advogada irá, por agora, ficar em segundo plano. Agora a minha vida é outra e vai

mudar ainda mais quando tiver a Lurdes nos meus braços.

A Luz dos meus olhos…!

Despeço-me com um grande beijo

3. Bolinha de algodão. Cristina Alves

Maria, Maria como tantas outras.

Maria tem sete anos, é uma menina pequena, franzina e encolhida no seu vestido florido tão puído de cor desvanecida.

No seu rosto escuro sobressaem os seus olhos grandes vidrados, seus cabelos pretos são lisos de pouco volume, tão curtos que mais

parece um rapaz.

Na terra fria, no pico do Inverno, anda descalça como se se sentisse confortável, seu andar parece baloiçar para que o

passo pareça desembaraçado.

O mundo está às suas costas. À sua frente não vê mais que uma imensidão de campos cobertos de varas contorcidas

segurando bolinhas de algodão que, parecendo inofensivas, se manifestam dolorosas para as suas pequenas e frágeis mãos que já

nem sentem os cortes profundos.

A comida é o seu maior desejo, para a ter precisa de trabalhar, trabalhar, trabalhar até que os braços pesem mais que o

seu próprio corpo. Depois de caída, é levada para um grande barracão e passado algum tempo levam-lhe um prato de sopa para que,

no dia seguinte, se possa levantar para continuar a trabalhar, trabalhar, trabalhar até que volte a desmaiar.

Tudo isto poderia ser uma história antiga! Sim, poderia mas não é.

Um dia Maria na soa solidão levanta o olhar e pergunta-se;

- Que sentido faz nascer?

Será que é para viver? Sim, viver, eu não sei!

O que é o amor? Ouço falar mas não sei o que é.

O que é ser feliz? Eu não sei! Quando crescer talvez vá saber, será que isso é bom? Não sei.

Sei o que é trabalhar; sei o que é o castigo, sei o que é ter fome, o que é ter sede, o que é ter frio e também sei o que é ter

medo. Não sei bem se isto é viver! Se é, não devia ter nascido… mas também não quero morrer.

É só isto que eu sei.

Ai! Maria, Maria… como dói o teu não sei!

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4. Diário de um Recente Menino de Rua. Francisco Rainha

Guimarães, 6 de Dezembro 2001

Encontrei este caderno em cima de um banco com um lápis no meio das folhas, como não vi ninguém por perto, achei

que podia ser meu. Andei com ele várias horas sem saber muito bem o que fazer com ele. Cansado, sentei-me nas escadas de um

prédio, passou uma menina que devia ter mais ou menos a minha idade. Olhou para mim com um ar triste e disse-me “Estás

perdido!”. Não respondi, ela foi embora. Aquela frase ficou-me na cabeça durante muito tempo, não sei ao certo quanto, sei que uma

tristeza invadiu o meu coração e quando dei por mim estava a escrever neste caderno.

Decidi então transformar este bloco de papel num diário e contar o que aconteceu. Vai ser o meu companheiro.

Guimarães, 7 de Dezembro 2001

Olá diário,

Acabei de ficar sem os meus pais e o meu irmãozinho, e também sem casa, amigos, e sem poder frequentar a escola. Não

percebo bem porquê, mas fiquei sem tudo isso num só dia. Nem quero acreditar que estou a viver na rua, instalado num banco de

um jardim. Só tenho 10 anos, quem é que me vai dar de comer?... estou sozinho na rua e ao relento. A noite está escura e muito fria,

devem estar graus negativos e não aguento com o frio, já para não falar do medo que estou a sentir.

Ainda procuro explicações para o que me aconteceu. Porquê a mim, o que é que eu fiz, meu Deus? Deve ter sido uma

grande asneira. E agora estou de castigo.

Doem-me os dedos, vou tentar dormir neste banco duro e frio e estes barulhos esquisitos. Amanhã volto a falar contigo.

Guimarães, 8 de Dezembro 2001

Olá amigo,

Vou tratar-te por amigo, afinal não tenho mais ninguém.

Não consegui dormir. Um cão não parava de ladrar, não se calou um só minuto.

Se calhar ele também estava com medo do escuro ou então cheio de frio ou então cheio de fome como eu, tenho a barriga a dar

horas...

E hoje o que me irá acontecer? Tenho de comer. Será que vou ter de bater às portas para pedir comida? Ai! que vergonha,

não vou ser capaz de o fazer... Vão perguntar-me porque é que estou a pedir... Vão pensar que eu sou um ladrão... Vão enxotar-me

como se fosse um cão vadio. Não sei o que fazer; Estou mesmo perdido; Ai! A minha barriga.

Volto a falar contigo mais tarde.

Guimarães, 8 de Dezembro 2001

Meu amigo,

Sabes? Nem vais acreditar. Assim que começava a pedir alguma coisa para comer, as pessoas viravam a cara como se eu

tivesse alguma doença ou então faziam de conta que nem ouviam. Eu sou uma criança, não sou nenhum mendigo, não achas!

Bem, mas nem tudo correu mal. Vi uma senhora que vinha ao longe e como ela tinha uma cara simpática, tentei a minha

sorte e não é que ela me leva para um café e me deixa pedir tudo o que eu queria! Nunca pensei que um pão com fiambre e um sumo

me pudesse saber tão bem. Estava tão bom! Mesmo bom! Nem imaginas! Foi tão querida aquela senhora, nem tive tempo para lhe

agradecer. Estava esfomeado!

Mas agora penso, o que vou fazer? Não tenho para onde ir. Sinto-me só. Até tenho vontade de chorar. Nunca me senti

assim.

Até logo.

Guimarães, 8 de Dezembro 2001

Olá amigo,

Andei pelas ruas a passear, ou melhor, a tentar arranjar mais alguma coisa para comer. As pessoas são mesmo mal-

educadas. Não consegui nada, eu nem sequer quero dinheiro, quero comida e pensar que algumas vezes me recusei a comer a sopa

da minha mãe! Só de pensar até fico...

Ainda bem que te tenho, sempre posso desabafar contigo. Sabes, estive a pensar e decidi dar-te um nome. E que tal,

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Pedro! Era o meu melhor amigo, sabes. Andávamos sempre juntos... que saudades... O que é que ele estará a fazer agora, com

certeza está na escola. Pois é, a escola... nunca pensei que pudesse ter saudades da escola... Eu quero os meus pais, eu quero o meu

irmão.

Guimarães, 9 de Dezembro 2001

Olá Pedro,

Hoje descobri uma coisa muito estranha.

Sabes, existem mais meninos como eu a viver na rua, acreditas? Estavam no meu banco, isto é, no banco onde dormi

ontem. Eles disseram-me que são meninos de rua, como pode ser possível? Não posso acreditar que existem mais crianças sem

casas e sem família como eu. Deitei-me no chão mas ainda é mais frio do que o banco. Eles também me perguntaram se eu queria ir

lavar carros com eles, ou se preferia ir para os semáforos distrair os condutores para podermos receber dinheiro para comer. Entre

outras coisas, eles fumam e bebem vinho, acreditas? Sabes como arranjam comida se não tiverem dinheiro? Ou roubam ou vão

buscar ao lixo. Que nojo!

Será que eles não andam na escola? Como passam eles os dias? Será que também eles não têm família? Está visto que eles andam

todos juntos. Nem te vou contar as histórias que eles me contaram. Fiquei com muito medo...

Vou dormir... até amanhã.

Guimarães, 10 de Dezembro 2001

Olá Pedro,

Hoje não me sinto muito bem. Até pensei nem escrever, mas acho que preciso de te contar... Não sei explicar... enfim...

Resolvi ir com os meninos para os semáforos, olhava para ver como eles faziam, mas não consegui nada. Sabes o que

comi? Um pão que estava no lixo. Olhei muito tempo para ele, não sabia se havia de pegar ou não. Comecei a sentir uma dor na

barriga, estava com tanta fome. Fechei os olhos e comi um pedaço. Como não aconteceu nada, comi o resto. Só depois é que abri os

olhos. Fui a correr até à fonte do jardim e bebi tanta água que pensei que ia rebentar. Nunca pensei que um dia eu pudesse tirar uma

coisa do lixo e comer. Estou mesmo desesperado... Eu já nem me reconheço. Faz-me lembrar um texto que eu li na escola sobre os

mendigos. Na altura eu acho que até me ri, mas agora sei o que é viver na rua. É horrível, não queiras saber...

Vou tentar descansar um bocado... Até amanhã, amigo.

Guimarães, 11 de Dezembro 2001

Pedro,

Escrevo-te sempre escondido, porque se eles soubessem que tinha um diário, iam começar a chamar-me maricas.

“Escrever num diário é coisa de meninas”. Eu acho que eles se fazem de fortes, mas sabe Deus...

Ontem, já estava quase a adormecer quando eles se juntaram a mim e dormimos todos juntos, cobertos com um cobertor

velho e roto. Estava um frio de rachar. E assim todos juntos até parecíamos uma família. Foi a primeira noite em que não tive medo.

Hoje andei o dia todo com os meninos de rua. Será que eu também sou menino de rua? Não pode ser! Eu não sou igual a

eles. Eu não roubo. Não sou mal-educado. Nem sequer digo palavrões. A minha mãe dizia-me sempre “não se diz palavras feias” e

eu obedecia. E eles dizem tantas, eu acho que eles não sabem falar.

Guimarães, 20 de Dezembro 2001

Pedro,

Sabes, é estranho chamar-te Pedro, mas ao mesmo tempo parece que estou acompanhado.

Desculpa não ter dito nada este tempo todo, mas andei com os outros meninos a aprender a desenrascar-me. Convenci-

me que se estivesse com eles não me sentiria tão perdido e tão desesperado. Fiz coisas inacreditáveis. Tenho vergonha de contar. Ai,

se os meus pais soubessem! Levava uma tareia de meia-noite! Eu nunca quis ser assim e não quero ser assim. Eu não gosto disto...

Ninguém me ajuda... As minhas roupas estão todas sujas… Já não tomo banho há... sei lá, não faço ideia... Perdi a noção do tempo...

Só temos de nos preocupar com a comida e a dormida, mais nada... Estou tão infeliz...

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Guimarães, 27 de Novembro 2002

Oh, meu amigo!

Já não sabia onde te procurar mais e tu aqui escondido.

Depois de tanto tempo nem imaginas o que se passou comigo. Já passou quase 1 ano e tantas coisas aconteceram. Hoje é

o dia do meu aniversário e foste a única e melhor prenda que recebi.

Ainda não consigo aceitar que sou menino de rua... Já roubei para poder comer...estou tão sujo, mas tão sujo que pareço

um limpa-chaminés. Passaram-se tantas outras coisas... Já fui agredido várias vezes e obrigado a roubar e a pedir para mendigos

adultos. Até fugi deles e fui parar a um orfanato, mas não consegui ficar lá muito tempo, pois era posto de parte e também me

batiam. Voltei para a rua, para a beira dos meus antigos amigos.

Estou tão contente por te ter de novo e ao mesmo tempo muito triste porque não posso contar-te tudo, porque tu também

ficarias muito triste e desiludido. Esta vida é má. Eu preferia ter morrido com os meus pais e o meu irmão. Mas porque é que estou

vivo? Não quero esta vida...

Até amanhã.

Guimarães, 3 de Agosto 2003

Olá Pedro,

Deves ter sentido a minha falta e eu a tua, mas a dor era tão grande que sempre que pegava em ti, eu chorava, eu chorava,

eu chorava

Não imaginas o que me aconteceu. Fui violado na rua. Foi horrível e sinto-me sujo! Como pôde acontecer-me isto? Só

quero desaparecer! Já pensei em matar-me mas sou demasiado cobarde para pôr fim à minha vida. Sou tão jovem... eu quero outra

vida... eu não escolhi esta... isto é realmente mau...

Todos fogem de mim quando me aproximo. Parece que toda a gente tem medo de mim, mas eu apenas quero comer. Tenho tanta

fome...

Até amanhã meu amigo.

Guimarães, 24 de Dezembro 2003

Olá grande amigo!

Passaram alguns meses, eu pensava muitas vezes em ti, mas eu tenho tanta vontade de desaparecer, até já pensei ir para

outra cidade, mas não tenho coragem, a minha família está aqui... não vou abandoná-los, não seria justo. Eu sei, hoje estou muito

abatido, já deste conta, mas também sabes porquê? Hoje é véspera de Natal e, mais uma vez, vou passá-lo sozinho. Já é o terceiro

que passo assim, na rua, com fome, com frio, com medo e muita tristeza... pois é, o Natal devia ser um dia de alegria, mas para mim

não é.

Porque é que perdi os meus pais? Devia ter morrido com eles. A minha vida não tem significado, com tanto sofrimento

para uma criança só. Não é justo o que me aconteceu. Com os meus pais, os meus Natais eram tão felizes!

Estou sozinho, não há ninguém na rua, apenas eu e os outros meninos. Eles nem ligam ao Natal, dizem que é um dia

como os outros. E se calhar é...

Feliz Natal, amigo.

Guimarães, 26 de Junho 2004

Olá Pedro,

Não te tenho escrito porque estive no hospital. Fui atropelado quando estava nos semáforos a fazer brincadeiras para

receber algum graveto para comer. Estava cheio de fome! No hospital trataram-me bem, mas senti que algo estava errado. Senti que

todos tinham medo de mim, menos uma senhora que lá estava e que foi muito minha amiga. Sem a conhecer, contei-lhe a minha

vida, mas ela parece que não acreditou que me tinha acontecido assim tanto mal. Também me disse que me dava comida se eu

quisesse. Eu disse que sim, mas o marido da amável senhora proibiu-a de o fazer. Estava com medo que eu lhe fizesse alguma coisa

de mal. Não compreendo, eu não sou mau, apenas vivo num sítio diferente do dele.

Sabes que não era capaz de lhe fazer mal, apenas queria poder comer todos os dias.

Guimarães, 2 de Novembro 2004

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Olá amigo,

Desculpa se não tenho falado contigo, mas não tinha forças para isso. Passo dias e dias sem comer, quando encontro

alguma coisa, é só no lixo e parece que encontrei um tesouro e às vezes nem no lixo há comida. De vez em quando há uma senhora

que me dá uma moedita, sabes, acho que as senhoras são mais simpáticas que os homens, fazem-me lembrar a minha mãe. Ai! Se

ela me visse agora... Sabes, acho que estou a ficar doente. Dói-me muitas vezes a barriga, não tenho forças, estou tão magro, pareço

um esqueleto. Quem me vai ajudar-me se eu ficar muito doente? Vão-me deixar morrer aqui no meio da rua. Ninguém faz nada...

estou farto desta porcaria. Ai! Dói-me a cabeça e o peito...

Até breve.

Guimarães, 25 de Maio 2005

Pedro,

Estou mesmo doente, mal consigo respirar, tenho uma tosse de cão, é horrível... nem sabes... e não tenho quem cuide de

mim. Será que não existe quem olhe pelos meninos de rua doentes? Bati à porta de uma farmácia mas a gaja mandou-me embora e

nem abriu a porta para saber o que eu queria. Devia ter medo. Ai! senti-me ainda pior...

Porto, 26 de Janeiro 2006

Olá,

Pois é, já não estou a escrever de Guimarães, tive de bazar... Estou a viver nas ruas do Porto e arranjei novos amigos, mas

eles roubam tudo o que podem e batem nas pessoas. Nem fazes ideia, é um bando de malucos, mas eu tenho de fazer igual, senão

também apanho, não seria a primeira vez, mesmo assim sinto-me mais seguro. Hoje enfrentei um bófia para eles pensarem que sou

como eles, mas ele bateu-me e com razão, pois faltei-lhe ao respeito. Passo a vida a meter-me em confusões atrás de confusões.

Quando vou conseguir fugir disto tudo? Onde me ando a meter, amigo? Tenho de tentar fugir e esquecer que tudo isto existe. Não

posso continuar a roubar e a fazer mal às outras pessoas. Quem me ajuda?!...

Porto, 8 de Agosto 2006

Pedro,

Agora é que são elas, estou preso num reformatório. Isto aqui ainda é pior que a rua, mil vezes passar fome do que aturar

estes malucos. Eles dizem que aqui podem tratar de mim, mas eles só dão ordens, isso é que era bom. Se não sair daqui vou morrer,

tenho de tentar fugir. Achas que vou conseguir? Tem bófias por todos os lados. Vou tentar amanhã durante o intervalo no pátio.

Lisboa, 29 de Novembro 2006

Amigo,

Consegui fugir do reformatório e desta vez estou nas ruas de Lisboa.

Olha, hoje faz 5 anos que os meus pais e o meu irmãozinho morreram. Tenho tantas saudades deles... Pensei que iriam

cuidar de mim estivessem onde estivessem, mas não, eles esqueceram-se de mim aqui nesta vida de inferno. Que saudades da minha

vida antiga, da minha casa, dos amigos da escola, de tudo. Porque é que ninguém me acolhe e cuida de mim como um menino

normal? Eu não sou marginal, não quero ser. Estou farto de viver assim! Esta não pode ser a minha vida.

Lisboa, 7 de Dezembro 2006

Pedro amigo,

Bateram-me tanto, mas tanto, que estou todo roto. Não sei porque o fizeram... não devem ter mais nada para fazer, ou

então foi porque estive a fazer brincadeiras no semáforo para receber algum graveto e aquele sítio é deles. Será que foi por essa

razão? Acho que vou regressar a Guimarães, pelo menos lá tenho os meus antigos companheiros.

Até breve.

Guimarães, 23 de Fevereiro 2007

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Amigo,

Regressei a Guimarães de comboio. Fugia sempre que o cobrador passava, pois não tinha graveto nenhum, mas consegui

cá chegar. Agora vou procurar os meus amigos. E esta tosse que não me larga... Dói-me tanto o peito... Já não tenho forças...

Guimarães, 4 de Abril 2007

Pedro,

Não os encontrei. Que vou eu fazer? A minha vida já não tem sentido. Perdi os meus pais e o meu irmão num incêndio lá

em casa, perdi tudo o que tinha. A minha vida continua sem significado. Já nem consigo levantar-me... passo os dias deitado neste

banco onde dormi pela primeira vez, acho até que me reconheceu... Sinto que a minha mãe está perto de mim, é uma coisa estranha...

mas ao mesmo tempo tão bom... até posso sentir os seus braços à volta de mim...

Até um dia, és o meu único amigo.

5. Notícia. Descoberta Horrível. Mariana Teixeira

No passado dia 4 de Abril de 2007 foi encontrado morto um menino num banco de jardim, no centro de Guimarães.

Passava pouco das dez horas da noite quando um casal, que passeava o seu cão, avistou o menino, que não reagiu às

lambidelas do animal. Decidiram aproximar-se e, sacudindo-o, telefonaram de imediato para a emergência médica. Na presença do

delegado de saúde o corpo foi levado para o hospital. A autópsia revelou que o menino tinha sido vítima de envenenamento. Após

investigação judicial, tudo leva a crer que o Francisco (este é o seu nome) se tenha suicidado ao fim de cinco anos de sofrimento,

sem apoio nem carinho de ninguém, após a morte dos pais e do irmão.

Uma história trágica contada na primeira pessoa, já que esta criança relatou num diário tudo sobre a sua vida, desde o dia

em que foi viver para a rua. O diário, a quem intitulou de “Pedro”, tornou-se o seu melhor amigo e confidente. Uma história

surpreendente e, contudo, lamentável!

Mariana Teixeira, Notícias de Guimarães, 5 de Abril de 2007

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6. O desabafo

15 de Agosto de 2009

Começo hoje por escrever ou desabafar nestas folhas de papel a minha história de vida virada ao contrário. Isto começou tudo

quando eu tinha seis anos, a minha mãe era prostituta e levava homens lá para casa. Uma noite, o homem que estava com ela abusou

de mim e ela não fez nada. Esse homem continuou a abusar de mim até aos meus 14 anos. Decidi sair de casa e da cidade que me

viu nascer, Faro. Meti-me numa grande aventura, pois tinha já um corpo de adulta e pedi boleia até Coimbra.

29 de Agosto 2009

Olá. Voltei hoje a pensar em contar-te mais um bocadinho da minha história. Quando cheguei a Coimbra não tinha dinheiro para

comer nem tão pouco um sítio para dormir, mas tinha uma boa conversa, isso permitiu-me sempre arranjar um pouco de comida nos

cafés, mas no meio disto tudo o corpo é que paga e, por vezes, tinha que me deitar com homens para conseguir algum dinheiro. Um

dia estava sentada num café quando um homem que estava ao meu lado virou-se para mim e disse: é contigo que eu vou casar um

dia. Eu tinha 17 anos e na verdade concretizou-se o seu desejo. Mas ele estava metido na droga e o dinheiro que ele ganhava não

chegava e eu não tinha emprego e foi nessa altura que ele me pôs a trabalhar na rua.

10 de Setembro 2009

Há alguns dias que ando a pensar em contar-te mais algumas coisas desta minha vida

ao contrário. Estive quase um ano a trabalhar na rua, contrariada e cansada de estar

com a pessoa que eu achava que ia olhar por mim já que ninguém o tinha feito até ali.

Nessa altura, tinha uma vida muito triste e como todos me diziam que eu era muito

bonita, resolvi já com os meus 18 anos ter esta vida quase normal, agarrando a

oportunidade de ser acompanhante de empresários ou de pessoas que vinham a

negócios ao nosso país, para fazer companhia nos inventos ou nos negócios.

20 de Setembro 2009

Demorei uns dias a escrever-te, mas pensei que ao ter esta vida de hotéis de luxo ia ter

uma vida diferente, mas no fundo vai tudo dar ao mesmo, só não estava na rua com

frio e muitas vezes cheia de fome. É claro que ganhava muito dinheiro e nessa altura

pensei como é que estaria a minha mãe, não é que me trouxesse grandes recordações,

mas era por causa dela que estava nesta vida ao contrário. Como esta ideia não me

saía da cabeça resolve mandar uma pessoa saber como ela estava. Quando essa pessoa

me trouxe notícias, a minha mãe estava muito doente e vivia na miséria. Foi então que

resolvi internar a minha mãe numa instituição pagando os custos. A minha mãe

morreu 5 meses depois.

26 de Setembro 2009

Os anos foram passando e a minha tristeza foi aumentando, mas não sabia como deixar esta vida de hotéis, de gravatas e de

conversa fiada. Estava eu com os meus 25 anos quando fiquei grávida e pensei ficar com ele, pois já tinha feito dois abortos. Ainda

trabalhei até aos 5 meses de gravidez e retirei-me por uns tempos, tinha dinheiro para me sustentar por uns tempos e encontrar um

sítio para o meu filho quando nascesse, pois queria que ele tivesse uma vida normal como todas as crianças, mas tinha muito medo

que o meu filho descobrisse qual era o meu trabalho. Fiquei mais ao menos 14 meses sem trabalhar nesta vida, mas o dinheiro começou a fazer-se pouco e tive que voltar. Foi muito

difícil deixar o meu filho no colégio, pois ele fazia parte de mim, o pai era uma pessoa importante, disse que me dava uma pensão,

mas não podia exigir que ele desse o nome ao meu filho, deu a pensão por 5 anos, dava para pagar o colégio e o dinheiro que

ganhava ia juntando para um dia ter algum pé-de-meia. Meu filho, Gonçalo, não me fazia muitas perguntas sobre o meu trabalho,

pois as suas educadoras diziam que eu tinha que o ter lá, pois o meu trabalho era complicado e eu não podia estar sempre com ele.

Estava eu com 30 anos, comecei a pensar que esta vida ao contrário, não era vida para o resto dos meus dias, mas tinha muito medo

de não conseguir arranjar emprego ou de não ter coragem de contar ao meu filho que vida eu tinha tido antes. O mais complicado

era a onde pedir ajuda, pois era uma prostituta e, muitas vezes, nós não conseguimos arranjar emprego quando contamos a vida

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levávamos antes. Um dia estava à espera de um cliente e ouvi uma senhora a falar com o recepcionista do hotel se podia deixar lá

uns cartões se alguma mulher precisasse de ajuda. Nesse momento, pensei, é agora que eu vou conseguir sair desta vida. Não

podemos pensar muito, devemos é agir fui buscar um cartão e guardei-o.

12 de Outubro2009

Andei algum tempo a pensar no cartão, um dia enchi-me de coragem e liguei para a instituição. A senhora que me atendeu foi muito

simpática e marcou-me um dia para falar com a directora. Ainda pensei em não ir porque achava que seria como todas as outras

vezes, mas ao mesmo tempo algo me dizia que ia ser diferente. Fui à entrevista. Essa instituição ajudava mulheres que levavam uma

vida ao contrário, como eu. Quando lá cheguei estava com muito medo, pois não sabia como ia ser recebida se como uma pessoa

dita normal ou com uma prostituta. Chegou a hora de contar tudo o que me tinha acontecido e que precisava de ajuda para sair da

prostituição e arranjar emprego, pois tinha um filho e precisava de continuar a cuidar dele.

16 de Outubro 2009

Ela olhou para mim e com muita serenidade disse-me que iria alegrar a minha vida, ninguém escolhe ser prostituta, nem na rua, nem

hotéis de luxo. Ninguém é prostituta por opção, mas muitas vezes pensamos que ninguém nos quer ajudar ou mesmo como vamos

ser recebidas. Fiquei na instituição para ser acompanhada dois anos, agora já consigo rir, chorar, até mesmo cantarolar.

26 de Outubro 2009

Agora com 32 anos, arranjei emprego, mas ainda não tenho a minha própria casa ainda vivo

na instituição, o meu filho continua no colégio. Acho que ainda não estou preparada para ter

a minha própria casa. Conheci uma pessoa que quer fazer uma vida comigo e com o meu

filho, mas ainda tenho medo de dar esse passo em frente.

5 de Novembro 2009

Vou finalizar esta vida ao contrário. Já passou mais um ano e sinto-me mais segura de mim,

vou casar com a pessoa que conheci. Já consegui a arranjar uma casa para nós e o meu filho

vem viver connosco. Sinto que realizei um sonho há muito tempo estava adiado. Continuo a

ir à instituição ter apoio psicológico. Sinto respeito que nunca tinha sentido por mim e pelos

outros. Por vezes é difícil relembrar a vida ao contrário, as minhas feridas continuam

abertas e profundas, mas já consigo viver com elas. Encontrei a esperança de viver e amar,

espero que perdure…

7. Pedofilia. António Gomes Decidi abordar o tema da pedofilia no meu trabalho, porque sempre que vejo na televisão ou leio nos jornais notícias

sobre este assunto, fico muito triste e chocado. Além disso, a minha dor é ainda maior quando se trata de casos com bebes.

É para mim e, com certeza para toda a gente, difícil acreditar que haja no mundo pessoas tão monstruosas, capazes de

fazer tamanha maldade. Depois de ler vários poemas, escolhi Chaga sem Cura da poetisa Maria de Lourdes dos Anjos Ferreira

Ribeiro. Este foi o que mais gostei e aquele que demonstra melhor o sofrimento de uma mãe, após a descoberta desta crueldade.

Características de um pedófilo

O pedófilo é um indivíduo aparentemente normal, inserido na sociedade. Costuma ser uma pessoa acima de qualquer

suspeita, aos olhos da sociedade, o que facilita a sua actuação.

Um pedófilo é um psicopata, com caráter compulsivo e obsessivo. Trata-se geralmente de adultos do sexo masculino que

apresentam uma atracção sexual por crianças e adolescentes; vivem angustiados e preocupados com as suas fantasias sexuais

relacionadas com crianças. Alguns pedófilos sentem atracção só por crianças, muitas vezes de um grupo de idades específico,

enquanto outros se sentem atraídos tanto por crianças como por adultos.

Geralmente o pedófilo não pratica actos de violência física contra a criança. Age de forma sedutora, conquistando a sua

confiança. Mas depois, nos abusos sexuais, pode-se tornar violento e até matar as suas vítimas. A pedofilia é desumana e causa

terror. Deixa as mentes confusas e fracas.

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Combate das autoridades mundiais

Cada vez há mais fiscalização a todos os níveis. Contudo, ainda há muito a fazer.

Em 2002 a polícia Norte-americana e Europeia prendeu vinte pessoas, dez nos EUA e dez na Europa, que se dedicavam à troca de

material pornográfico infantil.

O caso tornou-se mais relevante para a compreensão dessa prática criminosa por envolver os pais das crianças e por

possuir uma variante, até então desconhecida pelos países ditos desenvolvidos, que era a participação activa dos próprios pais na

exploração infantil. Em vez de proteger os seus filhos, estes pais exploravam-nos da pior maneira possível.

Em Fevereiro de 2007, uma rede internacional criminosa envolvendo pedófilos de 77 países foi desmantelada pelas

polícias dos EUA e de doze nações Europeias, travando-se assim a divulgação de imagens de pornografia infantil pela rede mundial

de computadores. Foram identificados 2361 suspeitos e este caso teve repercussões em diversas nações. Na Costa Rica, por exemplo,

um dos países envolvidos, apelou-se a uma mudança da legislação, a fim de punir criminalmente também aqueles que apenas têm a

posse de material pornográfico. A 18 de Junho de 2007 a agência britânica de protecção à infância no ambiente cibernético (CEOP),

conseguiu desbaratar uma rede internacional de pedófilos, colocando na prisão, em 35 países, cerca de 700 criminosos.

Os perigos da Internet

Os pais têm de estar cada vez mais atentos porque as crianças são levadas, pelo aparente anonimato, a relacionar-se com

indivíduos mal intencionados. Estas redes sabem muito bem como actuar e a internet transformou-se no recurso privilegiado

internacional para a sua actuação, expandindo-se facilmente através do Messenger, facebook , hi5, etc. Dados da Interpol informam

que os crimes relacionados com a pedofilia tiveram um crescimento anual de 10%.

Turismo sexual

Em Salvador, no Brasil, no dia 18 de Outubro de 2002, foram presos em flagrante dois estrangeiros pedófilos: um

advogado Norte-americano, já condenado na Holanda, e um Francês.

Na Tailândia, em Março de 2007, dois Britânicos, um Norte-americano e um Finlandês foram presos e acusados de

crimes relacionados com a pedofilia. Com idades entre os 54 e os 76 anos, estavam na região de Pattaya, a leste do país. Esta região

é tida como parte integrante da rota do turismo sexual da Ásia.

Opinião pessoal

O sexo deve ser natural, são e seguro, com respeito mútuo e com dignidade. Devia ser um dos melhores prazeres e

encantos da vida, proporcionando felicidade. Um sinal de paixão, demonstração de carinho, afecto e amizade. O reflexo do amor

sincero.

8. Segregação Racial. José Manuel Pedrosa Segregação racial consiste em separar diferentes raças umas das outras nas mesmas instituições, lugares e

responsabilidades, como restaurantes, transportes, instituições educacionais e religiosas, etc.

É um acto de violência cultural empregado de forma consciente, baseado em teorias pseudo-científicas, como a superioridade de

uma raça, género ou nacionalidade sobre outros. A discriminação racial formalizada ou institucionalizada, com base na raça e/ou

etnia trabalha também com a identificação do "inferior" com o mal. A segregação racial, ao assumir a superioridade de uma raça

sobre outra, estabelece hierarquias, na qual é "natural", por exemplo, que uma pessoa de uma dada raça trabalhe como servente para

um membro de outra raça.

O racismo contra os negros foi ao longo dos anos a forma de segregação racial mais usual em diversas sociedades.

Exemplos disso são os EUA e África do Sul, ficando para a História a luta de dois homens pela abolição da segregação racial,

Martin Luther King, Jr nos EUA e Nelson Mandela na África do Sul. A maior tentativa de segregação racial e que mais impacto

provocou no mundo inteiro, foi sem dúvida a tentativa de implementação da ideologia nacional-socialista (nazismo) por parte da

Alemanha, tendo como figura principal Adolf Hitler. Ele era extremamente nacionalista. Opunha-se aos judeus, num anti-

semitismo cujas origens são difíceis de explicar. Via nos judeus um factor de corrupção do povo alemão. Cristo e Marx, dois judeus,

pregavam a igualdade entre os homens e a resignação, ideias que Hitler considerava nocivas ao povo alemão. Daí, surgiu sua

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doutrina racista, segundo a qual os homens eram desiguais por natureza. A raça superior era a dos arianos (germânicos), altos e

alourados. Na Alemanha, eles existiam em estado puro, sendo, pois, a raça sob a humilhação do Tratado de Versalhes. O povo

alemão deveria agrupar-se em um único estado: A Grande Alemanha, que reuniria todas as populações germânicas. O nacional-

socialismo soube manipular os instintos agressivos do ser humano e canalizou o ódio dos alemães particularmente contra os judeus,

pois existia uma tradição anti-semita entre os povos nórdicos. Deste modo, os judeus serviram como bode expiatório para todos os

males alemães. A partir de 1934, o anti-semitismo tornou-se uma prática do governo, além de nacional. Os judeus foram proibidos

de trabalhar em repartições públicas, lojas e fábricas foram expropriadas pelo governo. Além disso, eram obrigados a usar

braçadeiras com a estrela de Davi, para poderem ser facilmente discriminados. A radicalização do anti-semitismo oficial forçou

mais da metade da população judaico-alemã a deixar o país, à procura de exílio. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, restavam

apenas 250 mil judeus na Alemanha, menos de 0,5% da população total. Com a Guerra, tanto estes quanto os judeus dos países

ocupados por Hitler foram enviados para os campos de extermínio, o que resultou no holocausto - o massacre de seis milhões de

pessoas.

Segregação Racial nos dias de hoje

Hoje em dia embora embora a segregação racial seja proibida nos EUA, toda a estrutura social em vários estados,

principalmente no Sul, continua a funcionar de forma velada contra as condições de vida dos negros, como demonstram

ultimamente algumas notícias.

Os conflitos raciais na cidade de Jena, no Luisiana (EUA) em Agosto de 2006, quando três brancos colocaram duas

cordas para enforcamento amarradas na árvore de uma escola após negros terem "desrespeitado" uma linha imaginária que separava

os negros dos brancos. Poucos dias antes, estudantes negros sentaram-se no que seria o sector dos brancos, em protesto contra a

segregação racial, exactamente como faziam os estudantes negros da década de 50, durante a Lei de Segregação Racial. Os três

estudantes brancos foram acusados de terem amarrado as cordas na árvore e o director da escola recomendou a expulsão de todos

eles. No entanto, o superintendente escolar, que é branco, não acatou a decisão, provocando a ira da população negra.

Enquanto brancos racistas foram dados como inocentes de qualquer tipo de provocação, os estudantes negros acusados

de espancamento foram todos condenados até 22 anos de prisão por um júri formado somente por brancos. Estudantes negros foram

condenados e presos, enquanto os brancos, responsáveis por agressões muito mais graves, continuam impunes.

A cidade de Jena com três mil habitantes, 85% são brancos e 12% são negros, segundo os últimos Censos. A mobilização

em torno do caso que ficou conhecido como Jena-6 (nome da cidade e número dos condenados) já é considerada a maior realizada

pelos negros norte-americanos desde a luta pelos direitos civis entre as décadas e 50 e 60. Embora a lei de segregação racial seja

proibida nacionalmente desde 1963, muitos estados sulistas continuam na prática renegando a população negra. Em certos lugares a

situação é praticamente idêntica à época da segregação ou das leis Jim Crow, que proibiam os negros de terem acesso aos mesmos

lugares públicos que os brancos.

Há também inúmeros casos de espancamento contra negros. Um deles, um branco chegou a sacar uma pistola e ameaçar

de morte um negro, mas até hoje nenhum branco foi punido. Já os seis estudantes negros correm o risco de serem condenados a 100

anos de prisão, um eufemismo para não falar em prisão perpétua. "Não há nenhuma dúvida: os brancos e os negros são tratados de

formas diferentes aqui", afirmou Melvin Worthington, o único negro que faz parte do conselho administrativo da escola de Jena.

Esta declaração pode ser comprovada de acordo com os dados da associação Urban League. Pesquisas mostraram que os negros,

apesar de ser minoria nos EUA (apenas 11%), têm uma maior probabilidade de serem detidos e presos: 24,4% dos negros detidos

em 2005 terminaram na prisão, enquanto somente 8,3% dos brancos foram presos. Além disso, a sentença contra um negro é 15%

mais longa que a de um branco.

9. Tráfico de Droga Infantil. Fernando Martins

Já não é nenhuma exclusividade das grandes metrópoles a utilização de “mão-de-obra” infantil em funções que geralmente

deveriam ser desempenhadas por adultos. A novidade desta vez está no tipo de trabalho para que estas crianças estão sendo usadas,

o tráfico de drogas. É assustadora a forma como meninos de todas as idades lidam com a miserável situação que os rodeia, de

pobreza e abandono, onde acabam também por deixar de lado a escola e passam os dias a dormir, pois durante a noite o trabalho é

um mal necessário.

Como começa? As crianças e adolescentes entram como forma de adquirir prestígio, vivenciar fortes emoções, e obter lucro

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fácil que proporciona o consumo de bens que não poderiam comprar de outra forma.

Começam por praticar actos de violência para se mostrarem, pois sentem a necessidade de serem incluídos numa comunidade e

de serem reconhecidos como cidadãos.

A exclusão social é o extremo do processo de “marginalização” das pessoas. Por conseguinte, reconhece-se que a pobreza é um

fenómeno que gera exclusão social e influencia o processo de marginalização e consequentemente denegação da cidadania do

indivíduo.

Os interesses! O interesse pela mão-de-obra infanto-juvenil no narcotráfico dá-se, devido às vantagens do custo reduzido das

crianças. A utilização de crianças também possui algumas vantagens no que diz respeito a questão do alcance da Lei, caso um

menor seja apanhado tendo droga em sua posse, a sua punição será apenas de carácter educativo. Essas crianças e adolescentes,

acabam assim por ser as vítimas do tráfico de drogas, uma vez que são pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, além de

serem protegidas constitucionalmente pelos princípios do melhor interesse e da protecção integral.

Consequências Na maior parte dos casos e para tornar mais fácil a manipulação dos “pequenos soldados”, os criminosos

transformam as crianças em consumidores compulsivos e assim, criam uma dependência para que esta seja utilizada como troca de

pagamento. Ou seja, a criança precisa da droga e não tem como comprá-la, então, passa a prestar um serviço para os vendedores de

droga.

Trabalham com a morte prematura, têm consciência da vida sem propósito e são roubados de tudo a que uma criança tem direito,

segundo nos diz o Estatuto da Criança e do Adolescente: ao amor, à felicidade, a uma vida saudável!

Reflexão A meu ver esta é uma questão muito complexa, é uma situação de extrema crueldade para com as crianças que na

maioria dos casos entram para esta rede do tráfico de droga porque conviveram desde sempre com criminosos onde acabam por ser

assediados pelos traficantes.

Por outro lado sei perfeitamente que não é necessário um grande esforço mental para se chegar a uma trágica conclusão: Só existe a

droga porque existe o consumidor. É a lógica elementar e perversa deste comércio abominável e destruidor de vidas, de

comunidades e da paz social.

A pesquisa de informação para este trabalho fez-me perceber melhor esta realidade, este é um problema de nível Internacional,

um pouco por todo Mundo podemos ver crianças serem exploradas para praticar este hediondo crime. Nos Estados Unidos da

América, na Itália, mas sem sombra de dúvida que o Brasil é infelizmente um dos países mais noticiados, em parte devido à pobreza

e a exclusão social das pessoas que vivem nas favelas.

Aqui destaco um documentário que assisti elaborado pelo rapper brasileiro MV Bill, “Falcão Meninos do Tráfico”, onde

podemos ver toda a rotina das crianças que trabalham para o tráfico e fazem dele o seu sustento e das suas famílias.

10. Orfandade. Hugo Silva

Hoje o tempo não passa. Estou esfomeado e com vontade de chegar a casa para abraçar a minha mãe e correr com o meu

cãozinho Milu, rua abaixo e rua acima como sempre faço!

Finalmente está a tocar para sair. Gosto bastante da escola mas esta disciplina dá-me sono. Gosto muito mais de construir

a minha própria história do que meter nariz na dos outros. Adoro as ruas da minha cidade, o cheiro, as pessoas, as cores, o

movimento, tudo isto sempre brindado com um sol quente e brilhante que nos transmite alegria e que nos impulsiona para

ultrapassar as barreiras do dia-a-dia!

Estou em casa, já abracei a minha mãe. Estou sentado na cozinha enquanto a minha mãe prepara o meu lanche preferido,

salada de frutas. Ainda não vi o Milu, a minha mãe diz q ele anda muito agitado e não pára de ladrar, deve estar com saudades

minhas, o animal não é ninguém sem mim! Se o Milu não aparecer também não o vou procurar, deve andar a passear com os outros

vira – lata. Vou jogar futebol com o Patrice e o pessoal da rua dele. Tenho uma bola nova, encontrei-a dentro de um pequeno bote

perto do cais, agora é minha!

Vou tirar o uniforme da escola e vestir outra roupa para poder jogar futebol sem ter a preocupação de a sujar ou estragar.

Só tenho este uniforme.

São 16:30, está escuro, estou preso e com dores. Não vejo a minha mãe nem ninguém. Acho que vou morrer, não sinto as

pernas e apenas consigo mexer o braço esquerdo, tenho os olhos cheios de sangue que me escorre pela cabeça, alguém me ajuda e

me diz o que aconteceu!

Já passou muito tempo. Sinto-me fraco. Continuo a achar que vou morrer ou então que já morri. Ouço gritos e passos,

mas tudo muito longínquo, não percebo se é pela minha fraqueza ou pela distância dos acontecimentos. Alguns momentos depois, e

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quando já tinha desistido de lutar contra o peso dos escombros, fechei os olhos e esperei pacientemente pela minha hora. Ouço

chamar o meu nome e dizer para ter alguma força porque, já me tinham avistado. Após vários homens se acotovelarem em esforços

para me tirar daquele inferno de betão, telhas e tijolos, senti uma mão que me agarra e me puxa dos escombros. Estava escuro, eu

estava fraco, mas eu não conhecia aquele sítio onde agora me encontrava. Esta não era a minha rua nem a minha casa mas, aqueles

eram os meus vizinhos! Tudo estava destruído, o cheiro era horrível, as pessoas choravam e corriam sem saber bem para onde se

dirigir. Tudo aquilo que eu conhecia e que amava simplesmente tinha caído por terra e agora estava sozinho no mundo.

Chamo-me Maurice e sou uma das vítimas do terramoto do Haiti. Sou órfão desde esse dia e ainda vivo na escuridão do

momento em que fui resgatado.

11. Abandono. Roberto Faria O abandono de crianças sempre existiu…

Desde sempre existiu o abandono de crianças. De tempos a tempos nos chegam as notícias de bebés largados em ruas, em becos,

às portas de casas habitadas, nos rios ou nas suas margens e até no lixo. Os recém-nascidos abandonados nas ruas correm o risco de

ser devorados por cães ou outros animais. O abandono de bebés, muitas vezes, e ainda nos dias de hoje, ocorre para preservar a

honra de jovens raparigas de família e a falta de recursos para criar mais um filho. Quando as crianças nascem com alguma

deficiência também são muitas vezes abandonadas.

Rejeição, doença ou morte e pobreza da mãe ou da família são alguns dos factores determinantes no abandono das crianças. O

bebé é um ser indefeso e incapaz de sobreviver pelos seus próprios recursos, sendo necessária a presença de um adulto ou de alguém

responsável. Além da higiene e dos cuidados com a alimentação, uma criança necessita também de ser amada para estar

psicologicamente saudável.

Bebés e crianças abandonadas…

O desconforto e o sofrimento atrasam a sua adaptação ao meio. As relações superficiais vividas pelas crianças vão contribuir

para que estas cresçam como pessoas que não têm calor no contacto com os semelhantes.

Para os bebés abandonados, o nascimento representa um corte radical em relação a tudo o que eles conhecem, a voz da mãe, os

ruídos do seu corpo, a voz do pai, o ambiente familiar, enfim, tudo aquilo que permite a um recém-nascido situar-se nos primeiros

momentos da sua vida. Por isso, a intervenção psicológica é muito necessária para esses bebés que são entregues aos cuidados

institucionais, ou sabe-se lá a quem. Devem ser feitos esforços para a manutenção da maternidade, para proteger o desenvolvimento

do bebé, e tentar minimizar os efeitos negativos da falta de uma figura materna, pois isso atrapalharia o seu desenvolvimento e

saúde mental.

Os bebés e crianças abandonados entregues aos cuidados institucionais contam apenas com o suporte social. Como as agências

que cuidam dessas crianças são poucas, é quase impossível serem acompanhadas emocional e fisicamente. Por outro lado, a

burocracia impede uma maior celeridade no processo de adopção. A adopção deveria ser uma solução para muitas crianças

abandonadas, de modo a que se sentissem amadas, acolhidas, e que não sofressem com a rejeição ou com a falta de amor.

Infelizmente, a cada dia que passa, confrontamo-nos com escândalos de abusos sexuais, espancamentos, torturas e até mesmo morte

de crianças entregues aos cuidados de famílas adoptivas. Isso leva-nos a colocar a questão: poderão estas crianças ainda ter alguma

esperança?

Eu gostava de ter pai e mãe

Eu queria ter uma família

Que me acolhesse à noite

E guiasse de dia

Que fosse a minha luz

Eu gostava de ter um lar

E lá dentro alguém para abraçar

Só queria sentir menos dor

Só queria que me dessem amor

Eu não sei o que aconteceu

Foi destino

Que alguém me deu

Pra continuar a sofrer assim

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Prefiro morrer…

Eu Gostava que olhassem pra mim

E vissem dentro do meu olhar

Todo o sofrimento

Que sinto por dentro

E me… abraçar…

Eu não sei o que aconteceu

Foi destino

Que alguém me deu

Pra continuar a sofrer assim

Prefiro morrer…

Tenho fome e frio

Aqui ando eu perdido

Às voltas e voltas

Sem ter para onde ir

Sem poder falar

E sempre a chorar

Assim ando eu…

Eu…..

Eu não sei o que aconteceu

Foi destino

Que alguém me deu

Pra continuar a sofrer assim

Prefiro morrer…

Eu não sei o que aconteceu

Foi destino

Que alguém me deu

Pra continuar a sofrer assim

Prefiro morrer…

Prefiro morrer…

Letra de Roberto Faria (adaptado)

12. Maus tratos físicos e psicológicos. Fernanda Ferreira

Quase todos os dias nos deparamos com relatos de crianças e adolescentes vítimas de maus tratos. Estamos perante uma

realidade dolorosa, um tipo de vivência sistemática, responsável por altas taxas de mortalidade e, ou, por causarem traumas

irreversíveis para o resto da vida.

O relatório da UNICEF relativo a 2004 é claro: Portugal é o pior dos países industrializados, já que lidera na morte por

maus tratos a crianças. É ainda o País da União Europeia em que a percepção dos jovens sobre a protecção dos direitos das crianças

é mais negativa. A maioria dos jovens portugueses (59 por cento) considera que os direitos das crianças não estão devidamente

protegidos no País.

No ano de 2004, Portugal ocupou o primeiro lugar dos países industrializados com mais casos de maus-tratos infantis que

culminaram com a morte da criança. De acordo com dados da UNICEF, em cada 100.000 crianças com 15 anos, 3,7 são vítimas de

maus-tratos ou negligência que acabam por levar a casos extremos como a morte.

A comunicação social tem vindo a divulgar alguns casos trágicos que ocorrem no nosso país, assim como o de Fátima L.

que foi espancada e violada pelo pai, quando tinha apenas um mês e meio de vida. Vanessa foi queimada com ferro, mergulhada em

banhos alternados de água a ferver e gelada e esteve mais de 24 horas sem ser alimentada. Este crime foi cometido pelo pai e avó.

Angelina, uma criança ucraniana com dois anos, foi abusada e espancada pelo irmão do namorado da mãe. Yuri foi agredido pela

ama e o marido, porque o casal não suportava o choro da criança. Mónica de 12 anos foi morta pelo namorado da mãe. Ana Sofia

morreu por falta de alimento e água.

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Segundo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), em cada dois dias uma criança portuguesa é vítima de

maus-tratos. As razões dadas pelo relatório são o abuso de álcool e drogas, stress e dificuldades financeiras. 80% Dos casos são

perpetrados pelos pais, sendo 41% pelos homens e 39% pelas mulheres.

Lembra ainda que os maus tratos dentro da família, são aqueles que mais consequências têm no menor, dado que se

verifica uma quebra profunda de confiança e uma perda de segurança em casa, o que constitui uma ameaça profunda ao seu

desenvolvimento. A médio e longo prazo as consequências podem tornar-se imprevisíveis, com atitudes que se traduzem em

autênticas atrocidades para os que com eles convivem. Daí que lugares que aparentemente deveriam ser espaços de convívio e

aprendizagem se transformem em autênticos cenários de violência velada, contínua e sistemática. É o caso do Bulliyng:

“Quem nunca presenciou alguém humilhando, constrangendo, ridicularizando outra pessoa em público? O que para muitos é

brincadeira ingénua que seduz a turma fazendo brotar gargalhadas, para a vítima do bulliyng é um terrível pesadelo, que não

raramente a faz isolar-se, sentindo-se a pior das criaturas”.

No seio da família: Por vezes não nos damos conta de como as coisas mais banais podem ter influência na educação de uma criança,

pensamos fazer o mais correcto e temos a ideia que é o melhor para eles.

No livro de Daniel Sampaio, “ Ninguém morre sozinho” temos o relato de uma jovem que tenta o suicídio aos 19 anos.

Os pais têm a ideia que a filha é feliz, mas de facto isso não é verdade porque Leonor viveu quase sempre com medo de

demonstrar a sua verdadeira personalidade.

Em conversa com o terapeuta ela diz:

Leonor – Eu só mostro um bocado superficial da minha personalidade e o problema é esse. Estou a representar

constantemente para que gostem de mim. Faço isto com toda a gente. As pessoas têm ideia de mim como boazinha e calma, mas

tenho um mau génio desgraçado.

Leonor – Não tenho dos meus pais o que gostava, só tenho amor na forma bruta e não é isso que eu queria. Queria

alguém por quem pudesme se guiar. O meu pai é um fraco e eu precisava de um exemplo; ainda ontem falei com o meu primo e

senti isso. Só gosto da minha mãe como mãe: se fosse da minha idade e minha colega não a suportava. Tenho medo de vir a ser

como ela, não gosto dela como mulher. Acho-a superficial e muito preconceituosa, vendo as coisas distorcidas, por exemplo em

relação ao amor e ao casamento. Acho a relação dos meus pais vulgar, banal e não gostava de vir a ter uma relação assim. Há

muito tempo que perdi a admiração pela minha mãe e chego mesmo a espantar-me, a repulsa que às vezes sinto por ela, não

suporto que me toque.

Conclusão: Infelizmente, segundo os dados da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), a maioria destes maus tratos são

dados pelos pais, aqueles que tem o dever de proteger estes seres tão indefesos.

São diversas as formas de violência a que crianças e adolescentes estão sujeitas. Algumas dessas violências são tão

comuns que nos passa despercebido e não vemos que não é correcta esta forma de agir. Temos por exemplo os típicos castigos

quando um pai ou uma mãe agride uma criança, quando esta se comportou mal ou faz algo que aos olhos desse adulto estava errado.

Não é raro presenciarmos uma criança ser agredida porque partiu um adorno em casa, ou porque na sua inocência diz um palavrão,

palavrão este que ouviu alguém prenunciar.

Quantas vezes se reflectirmos um pouco, nós adultos que acabamos de punir, castigar severamente, no minuto seguinte

estamos a repetir o mesmo erro. Mas como somos adultos, tudo podemos e a nós nada nos acontece. O que para os pais é uma forma

de educar, para a criança é humilhação e medo.

Os abusos psicológicos são tão graves ou ainda mais que os físicos, pois estes não estão visíveis aos olhos de todos e na

maioria das vezes são tão silenciosos que levam ao suicídio. Quando isto acontece acordamos, e aí sim, pensamos e perguntamo-nos,

onde é que erramos? O que aconteceu, que não nos deixou perceber que isto poderia acontecer?

Nós adultos temos o dever de criar, educar, proteger, dar amor, ter respeito pelas crianças, afinal elas não pediram para

nascer e serão o nosso futuro. Se reflectirmos, podemos chegar á conclusão que na maioria das vezes o futuro depende do passado e

que violência gera violência.