norbert elias a exclusÃo social

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    CONTRIBUIES DE NORBERT ELIAS E LEV SEMIONOVICH

    VIGOTSKI PARA PENSAR A EXCLUSO SOCIAL

    Anna Maria Lunardi Padilha (UNIMEP-SP)Professora titular [email protected] Flvia Silveira Barbosa (USP SP)

    Doutoranda em Educao [email protected]

    Resumo

    Neste texto pontuamos as contribuies de Lev Vigotski e Norbert Elias para o debate sobre a

    excluso/incluso social. Adota-se como ponto de partida a noo de excluso sob o senso

    comum: o que excluso? Quem so os excludos, para a maioria das pessoas? A seguir, situa-

    se a problemtica no contexto scio-poltico-econmico atual, do Brasil e do mundo, na tentativa

    de compreender qual o sentido de se falar em incluso e/ ou excluso numa sociedade

    capitalista, neoliberal, globalizada. Busca-se, ento, o concurso dos autores acima citados, por

    acreditar-se que, apesar das diferenas fundamentais em suas matrizes epistemolgicas, podem

    iluminar certos aspectos essenciais acerca da questo tratada. Entre as principais contribuies

    que trazem esses autores, destaca-se a compreenso do indivduo como ser que se constitui nas

    inter-relaes sociais; e da excluso como um problema que, estando alm das individualidades,

    no pode solucionar-se apenas atravs da elaborao alguns poucos documentos oficiais;

    requer, por outro lado, profundas transformaes na sociedade.

    Palavras-chave: Excluso Social; Lev Vigotski; Norbert Elias

    Introduo

    Neste texto, procuramos mostrar as contribuies de Norbert Elias e LevSemionovich Vigotski a partir de suas matrizes epistemolgicas temtica da excluso

    social. Consideramos pertinente buscar compreender, de incio, o que, no senso comum, seentende por excluso e quem so os excludos. Ordinariamente, a maioria das pessoas podese posicionar com relao a esse tema: excluso deixar de fora, deixar margem; eexcludos so, portanto, aqueles que, de alguma forma ou por algum motivo no estoincludos em um ou mais dos processos da vida social. Esses processos podem ser denatureza econmica (excluso no mundo do trabalho, p.ex.), poltica (excluso no mbitodas decises que afetam a vida individual ou grupal, p. ex.), cultural (excluso da e naescola, p.ex.) etc. Podemos tambm nomear alguns desses grupos excludos: negros,ndios, pobres, analfabetos, semi-alfabetizados, homossexuais, sem-terra e outros.Gostaramos de apontar, ainda, alguns aspectos importantes do momento histrico em quevivemos e no qual polmicas discusses sobre a excluso tm caminhado em distintas vias

    tericas e metodolgicas.

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    O que se tem, hoje, veiculado sobre incluso/ excluso social, est marcado por umlugar cultural-simblico: vive-se a excluso e fala-se de incluso em um mundo guiado

    pela racionalidade capitalista, em uma configurao denominada de globalizao eneoliberalismo.

    No h naes independentes, nem sistemas religiosos, nem escolas, nemindivduos autnomos... O mundo sem fronteiras no ficou mais justo nem asriquezas ficaram mais bem distribudas. A globalizao uma realidade ideal para o projeto neoliberal. A pobreza chegou a nveis insuportveis,incontveis... o desemprego deixou de ser fantasma para tornar-se uma doenaincurvel, um mal incontrolvel deixou de ser ameaa e se encarnou tornou-se carne, pele, parte da vida, condio de morte, motivadora da violncia e dodesespero. No h como amenizar, no h como dizer palavras mais brandas,mesmo acreditando que a esperana abre brechas, que a doena traz foras paravenc-la, que a solidariedade vai sendo constituda das mais diferentes formas,nos mais diferentes matizes... (PADILHA, 2004, p. 107-108).

    Segundo Dupas (2000), a percepo de que a excluso social est se agravando

    com a dinmica capitalista comeou a se configurar quando os ndices de desemprego emarginalidade cresceram significativamente na Frana e na Alemanha (p.09). Osconceitos de excluso e de incluso social no se configuram, porm, da mesma forma emtodos os tempos e lugares so de naturezas diferentes, mesmo que as origens possamestar no processo de globalizao da economia. Diferentes tambm so as conseqnciasda excluso e as formas de combat-la ou de ultrapass-la. No caso do Brasil, continuaDupas, a dramtica urbanizao, que vem acontecendo desde a segunda metade do sculoXX, gerou pobreza inclusive nas cidades mdias e pequenas, deteriorando, precarizando aqualidade do trabalho e os esquemas de proteo social. O Estado contemporneo no sesente mais responsvel pelo pleno emprego. [...]. Sem a proteo do Estado, o homemvolta a sentir com toda fora sua dimenso de desamparo (p.223).

    O Brasil e ns brasileiros ficamos de 1964 at 1985 sob um regime militar eantidemocrtico. A (re)construo da democracia vem, desde ento, ora engatinhando, oraensaiando alguns passos, mas com muitas dificuldades. Se conseguimos voltar a ter odireito de voto e de organizao, falta-nos muito para sermos uma nao democrtica falta a participao popular que vai alm do depsito dos votos na urna; participao quevai alm do acesso s informaes pelos meios de comunicao. deste lugar quequeremos abordar o tema da excluso ou incluso social, excluso ou incluso escolar.

    Quando so lembradas as resolues governamentais, tanto em documentos oficiaisquanto em propagandas na mdia, parece que o Estado est gerindo, coordenando,assumindo, liderando, resolvendo, amparando, fiscalizando, promovendo... mas no est!Frigotto (2000) evidencia que:

    buscar entender adequadamente os dilemas e impasses do campo educativo,hoje , inicialmente, dispor-se a entender que a crise da educao somente possvel de ser compreendida no escopo mais amplo da crise do capitalismoreal [...], no plano internacional e com especificidades no nosso pas. Trata-sede uma crise que est marcada por uma especificidade que se explicita nosplanos econmico-social, ideolgico, tico-poltico e educacional, cuja anlisefica mutilada pela crise terica (p.79 grifos do autor).

    O foco das anlises, apenas indicadas neste texto, mostra a contradio entre odiscurso da incluso social que fomos apropriando dos documentos oficiais e do que a

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    mdia tem veiculado e o que nos impe o estudo mais aprofundado sobre os determinanteshistricos e sociais da vida dos povos e de seus grupos sociais.

    Enquanto acreditarmos ingenuamente que basta alguns indivduos, grupos oucomunidades que se colocam como possuidores de poder e deciso - assumirem odiscurso de que a escola para todos, que os deficientes so legalmente respeitados emsuas peculiares necessidades, que as diferentes etnias e opes de vida tm os mesmosdireitos e que, para tanto, o Estado tem proposto resolues e promulgado leis que osgarantam, no vamos caminhar muito em direo a uma efetiva conquista do que vemsendo chamado de sistema democrtico ou sociedade inclusiva.

    Apesar de conseguirmos identificar facilmente certos aspectos ligados problemtica da excluso em suas variadas faces e nuances, preciso ir alm dasaparncias e tentar compreender seus determinantes fundamentais. essa a nossa metaaqui. Ainda que no tenhamos a pretenso de esgotar plenamente o assunto, ao menostentaremos contribuir para os debates nesse campo.

    Contribuies de Lev Vigotski e Norbert Elias reflexo terica

    Embora no seja uma tarefa fcil colocar lado a lado Lev Vigotski e Norbert Elias,ser o seu concurso que chamaremos em suporte a nossas reflexes, por entendermos queambos fornecem importantes contribuies para a compreenso da sociedade em geral e,em particular, para a compreenso da posio dos indivduos na sociedade e nas relaesde poder. Conquanto o objetivo aqui seja tratar da questo da excluso, parece-nosinevitvel trazer algumas informaes sobre as matrizes epistemolgicas desses dois

    autores.Norbert Elias e Lev Vigotski viveram em tempos diferentes, apesar de terem seus

    nascimentos to prximos: Vigotski nasceu 1896 e morreu em 1934, enquanto Elias nasceuem 1897 e morreu em 1990. Este ltimo viveu muito mais e teve experincias maisrecentes, mais contemporneas s nossas. No entanto, um e outro deixaram estudos econhecimentos que no podem ser desprezados por quem busca conhecer a sociedade do

    ponto de vista scio-antropolgico; por quem quer compreender o homem em suasrelaes concretas de vida social, no tempo e no espao, portanto, na histria dahumanidade.

    Para Vigotski, judeu russo, cuja obra marcada profundamente pela matriz

    marxista, era preciso construir uma psicologia concreta do homem, ou seja, entender odesenvolvimento humano mergulhado na histria, no processo histrico. As funes

    psquicas so consideradas por ele de natureza social e cultural e o desenvolvimento dosindivduos caminha da socializao para a individualizao de funes sociais. Perguntava-se ele: como o coletivo cria as funes psicolgicas propriamente humanas ou culturais? A

    personalidade, segundo Vigotski, o conjunto de relaes sociais entre as pessoas comomembros de um grupo social definido e cria-se no coletivo (VIGOTSKI, 2000, p. 21-44).

    Em seu texto O significado histrico da crise da Psicologia: uma investigaopsicolgica, escrito em 1927, afirma que deseja aprender, na globalidade do mtodo deMarx, como que se constri a cincia, como se deve enfocar a anlise da psiqu humana.

    Deixa claro que no acreditava na possibilidade de construir uma psicologia concreta em

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    uma sociedade capitalista: na futura sociedade, a psicologia ser em realidade a cincia dohomem novo. Sem ela, a perspectiva do marxismo e da histria da cincia seriaincompleta (VIGOTSKI, 1991, p.406). Uma das marcas de Vigotski o mtodo por eleadotado em seus estudos sobre o humano o materialismo histrico-dialtico.

    Elias, tambm judeu, nascido na Polnia, que na poca fazia parte do territriogermnico, para a realizao de sua tese sobre a vida na sociedade de corte francesa dossculos XVII e XVIII, foi orientado por Alfred Weber, irmo de Max Weber. Seria

    possvel dizer que Elias elaborou seus trabalhos em uma ampla perspectiva sociolgicasem deixar de admitir as influncias que recebeu de muitos autores, entre eles: SigmundFreud, Alfred Weber, Karl Mannheim. Vivendo 93 anos, Elias escreveu obras quecaminham pela Sociologia, Psicologia, Histria, cio, Desportos, ou seja, por viasinterdisciplinares, adotando o mtodo de anlise histrica na elaborao de sua teoria, emuma perspectiva de longa durao.

    Trabalha as noes de indivduo e de sociedade como processos interdependentes:

    a rede de interdependncias entre os seres humanos o que os liga. Elas formam o nexodo que aqui chamado configurao, ou seja, uma estrutura de pessoas mutuamenteorientadas e dependentes (ELIAS, 1994a, p.249). E mais adiante acrescenta que oconceito de configurao mais apropriado e frutfero para esclarecer o que ele chama desociedade, exemplificando de forma um tanto potica: as mesmas configuraes podemcertamente ser danadas por diferentes pessoas, mas, sem uma pluralidade de indivduosreciprocamente orientados e dependentes, no h dana (p.250).

    Excluso como foco

    Voltemos agora para a nossa questo especfica, objeto de reflexo neste texto: aexcluso. Que contribuies trazem, se que trazem, esses autores para o estudo e acompreenso da problemtica da excluso e dos excludos?

    preciso admitir, primeiramente, as diferenas fundamentais que caracterizam o pensamento desses dois autores; por exemplo, as diferenas entre as fontes primriassubjacentes s suas reflexes e elaboraes e a natureza de suas abordagens nacompreenso do ser humano em Elias, uma abordagem sociolgica figuracional e emVigotski, uma abordagem histrico-cultural da psiqu conforme se pode observar pelas

    breves anotaes que fizemos acima.

    Tambm preciso lembrar que Elias, apesar de no negar as contribuies de KarlMarx para a compreenso dos conflitos de grupos, aceitando que um grande passo nodesenvolvimento da teoria sociolgica foi dado com a constatao de Marx de que osconflitos no surgem da m vontade ou da fraqueza de carter de um lado ou do outro, masde particularidades estruturais da sociedade em questo (ELIAS, 2000, p.199-200), poroutro lado, no aceita que todos os conflitos sejam de classe e que as diferenas no jogo do

    poder possam ser explicadas a partir do poder econmico. Essa , em nossa opinio umadiferena considervel entre o pensamento de Elias e Vigotski, uma vez que este no faziaum uso espordico dos pressupostos marxistas; pelo contrrio, foi a obra de sua vida aconstruo de uma psicologia marxista, a qual ele considerava que seria a verdadeira

    psicologia. No obstante, ambos podem sim contribuir para as anlises sobre a questo daexcluso. Seno, vejamos.

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    Em seu livro Os estabelecidos e os Outsiders, Norbert Elias (2000), usando umapequena unidade social como foco da investigao, explora as mincias do que chama asociodinmica da estigmatizao, adotando um olhar microscpico para construir ummodelo explicativo de uma figurao universal. Considerada uma pesquisa etnogrfica,

    descreve uma comunidade da periferia urbana, na Inglaterra Winston Parva (nomefictcio) , onde passam a conviver dois grupos distintos: o que j ali vivia h muito tempoe o que chega posteriormente e estigmatizado como sendo composto por pessoas demenos valor. Segundo o autor, a possibilidade de um grupo afixar em outro um rtulo deinferioridade humana e faz-lo prevalecer era funo de uma figurao especfica que osdois grupos formavam entre si (p. 23 grifos nossos). essa justamente a caractersticadistintiva das anlises de Norbert Elias, no tocante ao problema da excluso: as relaesinterdependentes estabelecidas entre os indivduos dos diferentes grupos (ou sociedades)definem diferentes configuraes (quadros) sociais. Tais relaes so entendidas comorelaes de poder, no s no sentido de deteno dos meios de produo (ou podereconmico), mas sobretudo como diferenas no grau de organizao dos seres humanos

    implicados (p. 21). Em Winston Parva,era graas a seu maior potencial de coeso, assim como ativao deste pelocontrole social, que os antigos residentes conseguiam reservar para as pessoasde seu tipo os cargos importantes das organizaes locais, como o conselho, aescola ou o clube, e deles excluir firmemente os moradores da outra rea, aosquais como grupo, faltava coeso. Assim, a excluso e a estigmatizao dosoutsiders pelo grupo estabelecido eram armas poderosas para que este ltimopreservasse sua identidade e afirmasse sua superioridade, mantendo os outrosfirmemente em seu lugar (p. 22).

    Segundo o autor, no havia diferenas outras entre os membros dos distintos grupos

    raa, credo, nacionalidade ou classe social etc que pudessem justificar a segregao a queeram submetidas as pessoas do grupo considerado inferior. Apenas os distinguia o tempode residncia junto quela comunidade e, conseqentemente, em parte como decorrnciadessa associao anterior, o nvel de organizao coletiva, de coeso e identificao, maiorentre os integrantes do grupo mais antigo. Quanto ao impacto de processos estigmatizantesna constituio da personalidade dos outsiders, afirma Elias, mais adiante,

    afixar o rtulo de valor humano inferior a outro grupo uma das armasusadas pelos grupossuperiores nas disputas de poder, como meio de manter suasuperioridade social. Nessa situao, o estigma social imposto pelo grupo mais poderoso costuma penetrar na auto-imagem deste ltimo e, com isso,enfraquec-lo e desarm-lo (p.24).

    O sentimento de ser inferior vai sendo apropriado pelos membros do grupoexcludo, pela mediao de palavras ou termos que so simbolicamente depreciativos. No

    jogo do poder, a opresso se d no mundo inteiro. Vale assinalar, por exemplo, os pobres,os negros, os deficientes, os homossexuais, os detentos, os portadores do vrus HIV... queso considerados como tendo menor valor e so, em vrias sociedades, desprezados e aeles so imputadas culpas.

    Norbert Elias considera que a estigmatizao social no pode ser entendida comoposio individual de desapreo e nem ser tratada como simplesmente preconceito socialbuscado na personalidade de indivduos. Em nossa opinio, essa a maior contribuiodesse autor, no que tange ao objeto de reflexo aqui tratado: colocar o problema da

    excluso para alm dos preconceitos individuais concepo que muitas vezes veiculada

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    nos meios de comunicao e mesmo em documentos e discursos oficiais (quer dizer, deacordo com os termos de Elias, pelos grupos estabelecidos). Segundo o autor, a chave do

    problema [...] s pode ser encontrada ao se considerar a figurao formada pelos dois (oumais) grupos implicados ou, em outras palavras, a natureza de sua interdependncia (p.

    23 grifos nossos).Em sntese, Elias, no livro ao qual vimos nos referindo, localiza o problema da

    excluso no mbito mais amplo das relaes inter grupais e no no mbito das relaesinter individuais. Esse um ponto fundamental a ser considerado quanto se quer atingir oentendimento dessa questo em sua essncia.

    Passemos agora s possveis contribuies de Lev Vigotski ao nosso assunto. Esseautor no escreveu um livro dedicado excluso, mas deixa marcada sua posio a esserespeito em sua perspectiva histrico-cultural do desenvolvimento humano, cuja matrizmarxista determina sua luta poltica contra os problemas da sociedade sovitica, no seutempo, aps a Revoluo de 1917.

    Vigotski props-se a reformular a psicologia de sua poca a partir dos fundamentosmarxistas e a desenvolver caminhos para superar as dificuldades que enfrentava a UnioSovitica ps-revoluo: alta taxa de analfabetismo; orfandade; diferenas culturais entrenaes com distintos graus de desenvolvimento em seus modos de produo; carnciaabsoluta de servios para atender aos cegos, surdos, deficientes mentais e fsicos(BLANCK, 1984). Cremos ser possvel afirmar que, coerente com os pressupostos domarxismo, Vigotski considerava que o acesso de todos aos bens materiais e culturais dahumanidade s poderia acontecer em uma nova organizao da sociedade: prevista,

    planejada, almejada sob um outro ponto de vista o da sociedade socialista. Ou seja, que asuperao da excluso viria, no pela via da incluso das pessoas excludas no modelo

    capitalista, mas pela via das transformaes sociais mais profundas.No possvel compreender a possibilidade desse nosso raciocnio sem recorrer a

    uma anlise do conceito de excluso na obra de Marx, trabalho que encontramosminuciosamente realizado no livro Marx e a excluso, de Avelino da Rosa Oliveira(2004). De acordo com esse autor, embora o termo excluso conste j nas primeiras obrasde Marx, como conceito est mais finamente elaborado nos seus ltimos escritos,sobretudo nO Capital. Diz Oliveira:

    a leitura sistemtica e aprofundada da teoria de Karl Marx tem a capacidade dedesocultar os determinantes da excluso, demonstrando que a excluso estincluda na lgica do capital, ou ainda, dizendo de outra maneira, que o crculoentre excluso e incluso subordinada condio de possibilidade dos

    processos de produo e reproduo do capital(p. 23-24 itlicos do autor).

    O esforo para entender melhor essa passagem revelar-se- fundamental no sentido de iralm das aparncias que o fenmeno da excluso toma na sociedade atual e no sensocomum. Segundo Oliveira:

    no mundo das experincias cotidianas, no fluxo dirio da percepo sincrtica eimediata da realidade social, as formas fenomnicas que se reproduzem emnossas mentes, enquanto realizamos determinadas prxis histricas, nocorrespondem, portanto, ao que as coisas, em seu fundo oculto, so de verdade(p. 150).

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    E, mais adiante,

    a maioria dos discursos sobre a excluso social captura exatamente o que noest acontecendo. [...] por vezes, a excluso social usada para designar formasmais atualizadas de explorao, em outras ocasies, refere-se subordinao

    poltica; h momentos em que significa segregao, enclausuramento,separao, proteo providencial; noutros tem a ver com estigmatizao. Dequalquer modo, trata-se ainda de espoliaes, esbulhos, represses,sofreamentos, restries, limitaes, constrangimentos... S mesmo pelareflexo sistemtica, por um acesso filosfico mediatizado, que no linguajarmarxiano identificado como cincia, possvel superar essa aparncia visvelinvertida (p. 150-151 itlico do autor).

    Empreendamos, ento, a tarefa. O que significa afirmar que a excluso estincluda na lgica do capital? De acordo com as reflexes elaboradas por Oliveira a partirde sua imerso no universo da obra de Marx, ao longo da histria, o trabalhador foisofrendo um processo gradativo de expropriao dos meios de produo, tornando-se cadavez mais excludo das novas formaes sociais que se iam constituindo. Na seqnciadesse processo, aparece a possibilidade de incluso desse homem no mercado de trabalho,s que em condies muito desfavorveis. Sua incluso acontece, em aparncia, como umhomem livre que vende, por vontade prpria, a sua fora de trabalho em troca de salrio;em essncia, no entanto, esse fenmeno revela-se como a condio necessria aodesenvolvimento do capital.

    O raciocnio exposto acima foi elaborado por Oliveira, ao tentar compreender oprocesso da gnese da mercadoria. Por isso, afirma ele:

    a penetrao no processo gentico da mercadoria tomada enquanto formaelementar imediatamente aparente das sociedades capitalistas e ponto de partida

    do processo analtico [de Marx, em O Capital] revela que o homem sujeitoprodutor da mercadoria excludo de sua rede lgica, enquanto ser complexo,de mltiplas determinaes, e reincludo como ser unilateralmente determinado,depois de j haver sido irremediavelmente reduzido condio de simplesquantum econmico (p. 126 itlicos do autor).

    Vemos, desse modo, porque Oliveira diz que excluso e incluso subordinada soas duas faces da mesma medalha, ou melhor, da mesma moeda (p. 97 itlicos do autor).Podemos ver, tambm, o fenmeno da excluso revelado em sua essncia, desmistificado,desvelado da aparncia que, no senso comum, era entendida como essencial. E ainda,

    podemos entender porque afirmamos anteriormente que, a julgar pelos pressupostosmarxistas que embasam as reflexes de Vigotski, para esse autor, a superao da exclusono se dar pela incluso dos excludos no modelo social capitalista pois, como nosmostrou Oliveira, isso j ocorre, de acordo com a lgica da reproduo do capital mas

    pela superao dessa sociedade - atravs de profundas transformaes.

    ltimas palavras

    Antes de finalizar, gostaramos de fazer uma ltima colocao, mais a ttulo deexplicao: se vimos, durante toda a nossa exposio, falando de excluso, sem nosreferirmos excluso escolar propriamente dita, porque acreditamos que esta ltima faz

    parte de uma totalidade complexa a sociedade capitalista, e deve ser analisada como

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    parte constituinte/ integrante dessa totalidade. A excluso escolar no est desvinculadanem mesmo tem origens diversas das outras tantas formas de excluso e, portanto, suasuperao encontra-se atrelada necessidade de profundas transformaes sociais. Foi porisso que comeamos tentando compreender o conceito de excluso, primeiro no senso

    comum e depois com a ajuda de pensadores consagrados de diferentes campos doconhecimento.

    Tanto Elias quanto Vigotski deslocam do individual para o social a questo daexcluso/ incluso. Tanto para um como para o outro, trata-se de compreender aorganizao dos indivduos em sociedade trata-se da interdependncia entre grupossociais com impacto sobre a personalidade, sobre o valor que cada indivduo atribui a si e aseu grupo. No caso dos deficientes, por exemplo, Vigotski lembra que a fora determinanteda sua excluso dos bens culturais produzidos pela humanidade est, justamente, nasconseqncias sociais da deficincia e no nela mesma. Parafraseando Marx, o autor dizem Fundamentos de Defectologia: nossa existncia social determina nossa conscincia

    (VYGOTSKI, 1997, p. 179). E mais, propositivo quando afirma que a educao dequalquer pessoa, deficiente ou no precisa ter metas e objetivos iguais o que chamamosde viso prospectiva da perspectiva histrico-cultural do desenvolvimento humano. O quevale para todos os que esto apartados pela violncia da excluso.

    Neste texto, tentamos incorporar dialeticamente as contribuies de Lev Vigotskie Norbert Elias s reflexes sobre o problema da excluso/incluso. Dos estudos querealizamos, at o presente momento, destacamos como uma das mais significativascontribuies desses autores a idia de que o fundamental nessa questo entend-la comoresultado das relaes sociais embora esta expresso adquira conotaes distintas emVigotski e Elias, sobreleva o sentido de que so mais amplas do que apenas relaes inter-individuais, envolvendo os aspectos econmico, poltico, tico etc da vida social e que,

    portanto, as respostas, devemos busc-las na transformao dessas relaes.

    CONTRIBUTIONS OF LEV VIGOTSKI AND NORBERT ELIAS FOR THEDISCUSSION OF SOCIAL INCLUSION

    Abstract

    In this paper we point to the contributions of Lev Vigotski and Norbert Elias for the debate about

    social inclusion/exclusion. As a starting point, we consider the commonsense notion of exclusion:What is exclusion? Who are the so called excluded? Then, we place the discussion in the presenteconomic, social and political context, in Brazil and in the world, in an attempt to understand theissue of inclusion and/or exclusion in a capitalist, neo-liberal and globalized society. Next, weallude to the two authors, with the belief that, despite differences between their epistemologicalassumptions, they can illuminate certain aspects of this issue. Among the main contributions thatthey bring, we emphasize the understanding of the individual as a being constituted in socialinterrelationships, and the approach to exclusion as a problem that is located beyond theindividualities; thus it cannot be solved through the elaboration of a few official policies, on thecontrary, it demands deep transformations of society.

    Key words: Social exclusion; Lev Vigotski; Norbert Elias

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