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Ribeirão Preto, 2019
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© 2019 Todos os direitos desta edição são reservados à Sociedade Brasileira de Genética. Comissão Editorial Sociedade Brasileira de Genética Editor Tiago Campos Pereira Universidade de São Paulo Comissão Editorial Carlos Frederico Martins Menck Universidade de São Paulo Louis Bernard Klaczko Universidade Estadual de Campinas Marcio de Castro Silva-Filho Universidade de São Paulo Maria Cátira Bortolini Universidade Federal do Rio Grande do Sul Marcelo dos Santos Guerra Filho Universidade Federal de Pernambuco Pedro Manoel Galetti Junior Universidade Federal de São Carlos
A livre-docência no Brasil: contribuições historiográficas para a Genética/ Tiago Campos Pereira, Danyel Fernandes Contiliani (organizadores). – Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética, 2019. 30 p. ISBN 978-85-89265-32-4 1. Livre-docência. 2. Carreira docente. 3. Títulação acadêmica. I. Pereira, Tiago Campos; Contiliani, Danyel Fernandes, orgs.
Rua Cap. Adelmio Norberto da Silva, 736 14025-670 - Ribeirão Preto - SP 16 3621-8540 | 16 3621-3552
A livre-docência no Brasil
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Danyel Fernandes Contiliani é graduado (bacharelado) em Ciências Biológicas pela Unesp de
Jaboticabal e mestrando pelo PPG em Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP.
Tiago Campos Pereira é docente de Genética da USP em Ribeirão Preto. Biólogo pela Unicamp,
com mestrado e doutorado em Genética e Biologia Molecular pela mesma instituição. Realizou
seu pós-doutorado em Biotecnologia pela Universidade de Cambridge (Inglaterra). É editor-chefe
de livros da Sociedade Brasileira de Genética.
A arte da capa contém um elemento gráfico (universidade) produzido por Nicolas Vicent, da Noun
Project.
Marcelo Pereira
Professor Doutor do Depto de Biologia (Setor de Educação), FFCLRP-USP.
Olavo Pires de Camargo
Professor titular do Departamento de Ortopedia Traumatologia, FM-USP.
A livre-docência no Brasil
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SUMÁRIO
Capítulo 1. Graus e títulos. O que é a livre-docência?
1.1 Introdução 01
1.2 Graus e títulos 01
1.3 A posição da LD dentro da estrutura acadêmica 02
1.4 A LD no Brasil e no mundo 07
Capítulo 2. A história da universidade
2.1 Introdução 08
2.2 Contexto mundial 08
2.3 Contexto nacional 09
Capítulo 3. A história da livre-docência no Brasil
3.1 Introdução 11
3.2 A ‘proto livre-docência’ (até 1911) 11
3.3 A formalização da LD (1911-1961) 11
3.4 A crise da LD (1961-presente) 13
3.5 A consolidação da LD na tríade paulista (1969-presente) 13
Capítulo 4. A livre-docência na atualidade no Brasil
4.1 Introdução 15
4.2 A LD em outras universidades brasileiras no presente 15
4.3 A LD em números, na atualidade 16
Capítulo 5. O concurso de livre-docência
5.1 Introdução 21
5.2 O processo de avaliação 21
Capítulo 6. A livre-docência em Genética no Brasil
6.1 Introdução 25
6.2 A primeira tese de LD em Genética 25
6.3 Teses de LD: exemplos de mulheres na Genética 26
6.4 O perfil do LD em Genética 27
Capítulo 7. Reflexões sobre livre-docência
7.1 Os papéis do doutorado e da LD na formação docente 28
7.2 Políticas públicas e iniciativas privadas 28
7.3 Contemplando a excelência 29
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Ao contrário do senso comum, a livre-docência (LD) é o maior título acadêmico não
honorífico da universidade brasileira, não o doutorado. Ao realizar uma busca pessoal para
entender melhor sobre a definição, a história em nosso país e encontrar dados quantitativos
recentes sobre a LD1, constatei que a literatura sobre esse tema é quase inexistente. Diligências
nos portais SCIELO, Web of Science, Respositórios e Sistemas de Bibliotecas2 da USP, UNICAMP,
UNESP e UNIFESP por ‘livre-docência’, ‘livre-docente’ e ‘habilitation’ não geraram resultados
satisfatórios para esses propósitos específicos. Por outro lado, fontes não formais, tal como a
Wikipédia, cujos artigos sobre LD e ‘Habilitação’ são muito sintéticos e cujas precisões podem ser
questionadas, limitam-se quase exclusivamente a associar a LD à lei nº. 5.802 de 1972,
inadvertidamente sugerindo ao leitor ser esse o marco histórico zero.
Não obstante, a lei de 1972 me conduziu a duas outras fontes oficiais de informações. A
primeira é o sítio da Câmara dos Deputados3, que possui o registro de todas as diversas leis
federais, inclusive aquelas que regulamentam a LD. A segunda é composta pelo Diário Oficial da
União (DOU) e os Diários Oficiais dos Estados, que documentam os editais para concursos
públicos, tais como aqueles para a LD. Apesar de as pesquisas nesses bancos terem sido muito
prolíficas, elas geraram um conjunto vasto de dados não articulados.
Fortuitamente, buscas na rede mundial de computadores me levaram a duas notáveis
revisões, elaboradas por Newton Lins Buarque Sucupira, e que vieram a responder parte desses
meus anseios: “A livre-docência: sua natureza e sua posição no ensino superior brasileiro”4 e “O
movimento do ensino livre e as origens da livre-docência”.5 Esses dois artigos são revisões
extensas e integradoras de toda a história conceitual e legislativa referente à LD no Brasil. Assim,
veremos nos capítulos adiante, que os eventos e concepções que se desdobrariam na LD como a
conhecemos hoje em nosso país, na verdade, podem ser remetidas a 19 de abril de 1879.
Entretanto, dados quantitativos sobre LD no Brasil, assim como parte da história desse instituto no
campo da Genética, nunca foram compilados antes.
Nesse sentido, elaboramos essa obra para auxiliá-lo a entender esse belíssimo instituto
acadêmico que é a LD, assim como proporcionar informações a (futuros) candidatos à LD a
respeito de seu papel para a academia, o funcionamento dos concursos para obtenção desse
título, assim como o status atual em nosso país. Esforçamo-nos no sentido de sermos os mais
1 Livre(s)-docência(s) ou livre(s)-docente(s), de acordo com o contexto. 2 Esses portais disponibilizam diversas, porém não todas, teses de livre-docência defendidas nas respectivas
instituições. Contudo, eles não apresentam informações conceituais sobre a LD. Biblioteca Digital da USP;
Teses e Dissertações. Site:
http://www.teses.usp.br/index.php?option=com_jumi&fileid=13&Itemid=78&lang=pt-br.
De acordo com o site da Biblioteca Digital da Unicamp (http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/), as teses e
dissertações estão disponíveis somente no Repositório Institucional da Unicamp,
http://repositorio.unicamp.br/ . Acessado em 17.01.2019.
Repositório Institucional UNESP, acessado em 18.01.19. https://repositorio.unesp.br/. Repositório Institucional
UNIFESP, acessado em 18.01.19. http://repositorio.unifesp.br/ 3 http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao 4 Forum, Rio de Janeiro, 1(3): 3-42, Jul./Set. 1977. 5 Forum Educ. Rio de Janeiro, 9(4): 3-31 Out./Dez. 1985.
A livre-docência no Brasil
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precisos técnica, legal e historicamente, contudo ressalvamos que eventuais discordâncias ou
contradições podem ocorrer devido a divergências entre regimentos de diferentes universidades,
entre autores distintos, ou entre relatos historiográficos institucionais. Desejo uma ótima leitura.
Tiago Campos Pereira
Dedico essa obra aos meus pais, amigos e mentores.
Danyel Fernandes Contiliani
Dedico essa obra à minha esposa, Aloane Fabri Pereira, meus pais, amigos, mestres e alunos.
Tiago Campos Pereira
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Capítulo 1.
1.1 Introdução
Essencialmente, a livre-docência (LD) é um título acadêmico que atesta a qualidade das
atividades de ensino no nível superior e de pesquisa de seu portador.6 A LD corresponde também
a uma progressão acadêmica mais ampla, na qual não apenas a pesquisa é avaliada (mas também
no doutorado), como também o ensino, e que é necessária para a posterior ascenção a professor
titular. Nesse sentido, a LD relaciona-se a uma etapa preparatória do profissional para assumir
novos cargos e funções administrativas de grande responsabilidade na estrutura universitária, tais
como aquelas exercidas pelos docentes titulares (e.g., presidência de órgãos, diretoria, pró-
reitoria, reitoria, etc.).
Mas o que exatamente é um grau ou título acadêmico? Onde, precisamente, se localiza a
LD dentro do imenso sistema de educação? Trata-se de um conceito brasileiro ou ele é um
instituto de ocorrência plurinacional? Abordaremos esses tópicos a seguir e nos outros capítulos
dissecaremos mais profundamente a história, o conceito, o impacto e relevância da LD na
estrutura do ensino.
1.2 Graus e títulos
O sistema educacional brasileiro é composto por três graus de escolaridade, ou ciclos
principais de educação, a saber: (i) o fundamental, (ii) o médio e (iii) o superior, anteriormente
denominados 1.º, 2.º e 3.º graus, respecitvamente. Por sua vez, o ensino superior oferece cursos
em três categorias: (i) graduação (bacharelado, licenciatura e tecnologia), (ii) extensão (difusão,
atualização e aperfeiçoamento7) e (iii) pós-graduação lato sensu (especialização e residência
médica) ou stricto sensu (mestrado e doutorado) (Tabela 1).
Devido às suas naturezas (carga horária, objetivos e densidades), os cursos de graduação
e de pós-graduação stricto sensu concedem aos seus concluintes diplomas descrevendo seus
graus acadêmicos (i.e., título de bacharel, licenciado, tecnolólogo, mestre ou doutor), ao passo
que os de extensão e de pós-graduação lato sensu emitem certificados, sem grau acadêmico
atrelado (i.e., certificado de participação de curso de difusão, atualização, aperfeiçoamento ou
especialização). A única exceção refere-se à residência médica, para a qual os certificados
declaram um grau acadêmico (especialista8).
A Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional9 menciona, mas não define, os termos
6 “Livre-docência”. Olavo Pires de Camargo, Luiz Eugenio Garcez Leme. Diagn Tratamento. 2011;16(2):82-3. 7 Também pode ser oferecido como curso de pós-graudação, de acordo com a lei Nº 9.394, DE 20 DE
DEZEMBRO DE 1996. 8 De acordo com a lei 6932 de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6932.htm. Vide também site do
MEC: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12263&Itemid=507.
Ainda de acordo com o MEC, aos concluintes de cursos de especialização são emitidos certificados, não
diplomas http://portal.mec.gov.br/pos-graduacao/pos-lato-sensu. 9 LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996.
A livre-docência no Brasil
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grau (acadêmico) e título (acadêmico). De acordo com a enciclopédia Britânica10, graus
acadêmicos são títulos (acadêmicos) conferidos por uma universidade para indicar a conclusão de
um determinado curso de nível superior, conceitos esses que remontam a universidades europeias
do século XIII. Portanto, graus (acadêmicos) são títulos de realização acadêmica e não devem ser
confundidos com graus de escolaridade.
Semelhantemente, deve-se distintiguir os títulos acadêmicos convencionais (que
correspondem aos graus), de títulos (acadêmicos) honoríficos (e.g. ‘Professor Emérito’), de títulos
(acadêmicos) de reconhecimento (e.g., o ‘Notório Saber’ e ‘Doutor honoris causa’), de títulos
(acadêmicos) de habilitação11 (e.g., a livre-docência). Note, portanto, que os títulos acadêmicos
honoríficos, de reconhecimento e de habilitação não estão atrelados a graus12, pois são conferidos
na ausência da conclusão de algum curso de nível superior.
1.3 A posição da LD dentro da estrutura acadêmica
Note, por conseguinte, que não há disciplinas, cursos, programas, exames ou escolas para
se obter a LD. Ao contrário dos outros seis títulos acadêmicos (i.e., bacharel, licenciado, tecnólogo,
especialista, mestre e doutor), o de LD não é obtido via sistema convencional de ensino-
aprendizado, nem por se concluir uma série de disciplinas em um curso. Ele é obtido pela
demonstração, perante uma banca, das qualidades de ensino e de pesquisa do candidato.
Portanto, se retirarmos os muros conceituais oficiais da estrutura educacional brasileira,
podemos interpretar o ensino e a carreira acadêmica, desde a pré-escola, como um processo em
que um aluno se torna um professor. Note que da primeira série do Fundamental até a conclusão
da graduação, o estudante adquire importantes graus de autonomia. Já na pós-graduação
(residência médica, mestrado e doutorado), o discente apresenta um grau de liberdade
interessante durante o ensino. Isto é, além das disciplinas que pelas quais ele precisa passar, ele
também precisa executar procedimentos e/ou pesquisas profundas, para evidenciar seu
amadurecimento profissional/intelectual.
Na continuidade desse processo, para obter a LD, o candidato (professor doutor) precisará
ser plenamente ativo. Ou seja, não mais ele terá que ser aprovado em um conjunto de disciplinas,
porém, terá que demonstrar ser capaz de ministrá-las com qualidade. Agora ele não mais
aprenderá a fazer pesquisa, mas sim, deverá evidenciar à banca que ele é capaz de contribuir
consistentemente para os avanços em sua área de conhecimento, de maneira original e
independente.
De acordo com Olavo Pires de Camargo e Luiz Eugenio Garcez Leme (2011)13 “a formação
de um livre-docente inicia-se logo após o doutorado, onde gradativamente ocorre seu
amadurecimento científico e intelectual e este passa a publicar de um modo constante e orientar
10 Encyclopædia Britannica, Verbete: Degree. Vide: https://www.britannica.com/topic/degree-education. 11 De acordo com o Parecer n.º 269/67, emitido pelo extinto Conselho Federal de Educação, a LD se trata de um
título acadêmico que confere habilitação magisterial. 12 Contudo, essa interpretação não é universal. 13 “Livre-docência”. Olavo Pires de Camargo, Luiz Eugenio Garcez Leme. Diagn Tratamento. 2011;16(2):82-3.
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novos doutores, sendo reconhecido por pesquisadores dentro de sua linha de pesquisa comprovado
por constantes convites para conferências e palestras no Brasil e no exterior.”
4
4
Instituição Educação14 Ensino Nível Tipo Período Requisitos Grau
acadêmico
Equivalente no
exterior
Documento
Conferido
Centro de
Educação
Infantil15
Básica Lúdico Infantil -
Até 3 anos
(De 0 aos 3
anos de idade)
Presença - -
Declaração
ou
comprovante
Pré-escola Básica Pré-escolar Infantil -
2 anos
(De 4 aos 5
anos de idade)
Presença - -
Declaração
ou
comprovante
Escolas e
Colégios Básica Fundamental Primário -
9 séries
(De 6 aos 15
anos)
Presença e aprovação
em todas as disciplinas - - Certificado
Escolas,
Colégios,
Liceus e
Ateneus
Básica Médio Secundário
Convencional,
Técnico ou
Profissionalizante
3 séries
(De 16 aos 18
anos)
Presença e aprovação
em todas as disciplinas - - Certificado
IES16 Superior Superior Graduação
(Terciário)
Tecnológica,
licenciatura ou
bacharelado
2 a 6 anos Presença e aprovação
em todas as disciplinas
Tecnólogo,
licenciado ou
bacharel
(Tecg., Lic.
ou Bel)
Bachelor of
technology,
licentiate or
bachelor
Diploma
IES Superior Superior Extensão Difusão 4 horas Presença - - Declaração
IES Superior Superior Extensão Atualização 30 horas Presença - - Certificado
IES Superior Superior
Extensão
ou Pós-
graduação17
Aperfeiçoamento 180 horas Presença e aprovação
em todas as disciplinas - - Certificado
IES Superior Superior Pós-
Graduação
Especialização
(Latu sensu) 360 horas
Conclusão da carga
horária - - Certificado
IES Superior Superior Pós-
Graduação
Residência
Médica
(Latu sensu)
2.800 a 3.200
horas18
Conclusão da carga
horária
Especialista
(Médico)
(Esp.)
Specialist
(Spec.) Certificado
IES Superior Superior Pós- Mestrado 2 - 3 anos Defesa de dissertação Mestre Master Diploma
14 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. Art. 21. 15 Anteriormente denominado Creche. 16 Instituição de Ensino Superior (Faculdades, Centros Universitários, Universidades). Há cursos de atualização, aprimoramento, aperfeiçoamento. Mestrado Profissional e
Acadêmico. 17 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. Art. 44. Inciso III 18 http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/CNRM0579.pdf
A livre-docência no Brasil
5
Graduação Acadêmico ou
Profissional
(Strictu Senso)
de mestrado (Me.) (M.Sc.)
IES Superior Superior Pós-
Graduação
Doutorado
Acadêmico ou
Profissional
(Strictu Senso)
3 - 5 anos Defesa de tese
de doutorado
Doutor
(Dr.)
Philosophiae
doctor (Ph.D) Diploma
IES Não se
aplica Superior - Pós-doutorado
Variável
(meses a anos)
Conclusão do projeto
de pesquisa proposto - -
Declaração
ou
certificado
IES Não se
aplica - -
(Qualificação de
pesquisa e/ou
ensino)
Indeterminado
Demonstrar
contribuição para o
avanço da ciência e/ou
da aprendizagem19
Não existe
equivalente
no Brasil
Doctor of
Science (D.Sc.) Diploma
IES Não se
aplica - -
(Qualificação de
pesquisa e ensino
superior)
Indeterminado Defesa de tese de
livre-docência
Livre-
docente
(LD)
Habilitation Diploma
19 Geralmente, essa demonstração deve ser feita por meio de publicações científicas; contudo, se o caráter da concessão for honorífico (tal como um Honoris Causa), essa
exigência é retirada. Doctor of Science é um título do tipo Higher Doctorate. Outro exemplos de higher doctorates são: DD (Doctor of Divinity), LLD (Doctor of Law),
LittD (Doctor of Letters), MedScD (Doctor of Medical Science) e MusD (Doctor of Music). Informações obtidas em: https://www.cambridgestudents.cam.ac.uk/your-
course/examinations/graduate-exam-information/higher-degrees/higher-doctorates e https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/administration-and-support-
services/registry/academic-governance/public/regulations/2009-10/academic-regs/DSc.pdf.
A livre-docência no Brasil
6
TÍTULOS DE RECONHECIMENTO OU HONORÍFICOS
Instituição Educação20 Ensino Grau de
escolaridade Nível Tipo Período Requisitos
Grau
acadêmico
Equivalente no
exterior
Documento
Conferido
IES Não se
aplica - - - (Reconhecimento) Indeterminado
Apresentar notório
conhecimento
Notório
saber21 NI22 Certificado23
IES Não se
aplica - - - (Reconhecimento) Indeterminado
Apresentar notório
conhecimento24
Doutor
Honoris
Causa
(Dr. h.c.)
Doctor Honoris
Causa Diploma
IES Não se
aplica - - - (Honorífico) Indeterminado
Ter promovido um
grande impacto na
universidade
Professor
Emérito
Emeritus
Professor Diploma
20 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. Art. 21. 21 Esse título é concedido com base no parágrafo único do art. 66, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. No caso da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) o
título de Notório Saber ‘poderá ser concedido a profissionais, docentes e pesquisadores que tenham experiência e desempenho que os coloquem entre as lideranças do país
em suas respectivas áreas de conhecimento [...]’. Regulamento para outorga do título de "Notório Saber" da UNIFEI, §1, Art. 2°.
https://www.unifei.edu.br/files/REGULAMENTO%20PARA%20OUTORGA%20DO%20T%C3%8DTULO%20DE%20NOT%C3%93RIO%20SABER.pdf Acessado
em 18.01.19. 22 Não identificado. 23 Regulamento para outorga do título de "Notório Saber" da UNIFEI, §5, Art. 7°. 24 Não necessariamente esse conhecimento deve ser comprovado por meio de publicações científicas. O portador do título possui praticamente todas as prerrogativas de um
doutor que obteve o título por defesa de tese em programa de pós-graduação.
7
7
1.4 A LD no Brasil e no mundo
A relevência acadêmica da LD pode ser constatada pela existência de títulos equivalentes,
semelhantes ou conceitualmente próximos em diversos outros países, tais como: a Habilitation à
diriger des recherches (França25), Privatdozent26 (Alemanha27, Áustria28 e Suíça29), Agregação
(Portugal30), Docent (Finlândia31, Suécia32, Eslováquia33, Bulgária34, República Checa35), Abilitazione
scientifica nazionale (Itália36), Dr. Med. (Dinamarca37), Abilitare (Romênia38), Dr. Habil. (Hungria39,
Polônia40). Possivelmente outros países também tenham títulos semelhantes41: Letônia (Dr. Habil.),
Eslovênia (υφηγεσία - habilitação), Grécia (υφηγητής - palestrante), Egito (Ālimiyya/Al-Azhar),
Moldávia, Quirguistão, Cazaquistão, Uzbequistão, Ucrânia, Bielorrússia e Rússia (Doktor nauk).
Como veremos adiante, no Brasil, a LD nasce oficialmente em 1911, passando por
momentos de valorização, enfraquecimento generalizado, mas também de reconsolidação em
algumas instituições. Assim, ela se mantém viva em importantes universidades brasileiras, sendo
objeto de busca incessante pela qualidade na docência.
25
https://www.pantheonsorbonne.fr/fileadmin/Service_recherche/inscription_these/arrt%C3%A9_351HDR23n
ovembre1988.pdf 26 De acordo com o professor Peter Schulz, a ausência de vínculo estável com a universidade revela que o
privatdozent não corresponderia ao LD, mas sim ao “professor colaborador voluntário”. Peter Schulz. "Essa
estranha carreira chamada docência universitária" em 'Ciência Assim Assado', 24/04/2018. 27 https://mwfk.brandenburg.de/media/lbm1.a.1491.de/BBgHG%20fw.pdf 28 https://www.ris.bka.gv.at/GeltendeFassung.wxe?Abfrage=Bundesnormen&Gesetzesnummer=20002128 29 https://www.unine.ch/releve/en/home/au-dela-doctorat/lhabilitation.html 30 https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/agregacao/15650 31 https://www.finlex.fi/fi/laki/alkup/2009/20090558 32 https://www.chalmers.se/en/about-chalmers/policies-and-rules/Pages/Guidelines-for-Qualifications-as-
Oavl%C3%B6nad-docent.aspx 33
https://repozytorium.uwb.edu.pl/jspui/bitstream/11320/6692/1/ACR_10_E_Ruskowski_Habilitation_in_Slov
akia.pdf 34 http://www.lex.bg/bg/laws/ldoc/2135680028 35 https://www.cuni.cz/UKEN-75.html 36 http://www.miur.gov.it/abilitazione-scientifica-nazionale 37 https://lovdata.no/dokument/SF/forskrift/2006-02-09-129 38 https://www.unitbv.ro/cercetare/doctorat-si-postdoctorat/abilitare/procedura-de-abilitare.html 39
https://www.eui.eu/ProgrammesAndFellowships/AcademicCareersObservatory/AcademicCareersbyCountry/
Hungary 40 http://prawo.sejm.gov.pl/isap.nsf/DocDetails.xsp?id=WDU20180001668 41 De acordo com o https://en.wikipedia.org/wiki/Habilitation (acessado em 18.01.19), porém esses dados não
foram revalidados como os outros.
A livre-docência no Brasil
8
Capítulo 2.
2.1 Introdução
A livre-docência (LD) é um instituto universitário, portanto, sua história está naturalmente
entrelaçada ao florescimento da academia. Neste capítulo veremos as origens históricas da
universidade no mundo e, a partir desse marco, o brotamento de um de seus ramos - a LD.
2.2 Contexto mundial
A Universidade (do Latin, universitas – um todo) é uma instituição de ensino superior
constituída por escolas de artes liberais e de ciências, possuindo autoridade para conferir títulos
em vários campos de estudo42.
Não há consenso sobre qual teria sido a primeira universidade do mundo, devido a
divergências de interpretação sobre suas missões originais e campos de atuação. Para alguns
acadêmicos, o imenso monastério budista de Nalanda (Índia, Ásia), cujas origens datam do século
V teria sido a primeira universidade, que encerrou suas atividades no século XIII43. Para outros, a
centro islâmico de Ez-Zitouna (Tunísia, África), cujas raízes remontam ao ano 737 (1283 anos em
2020), possivelmente seria a mais antiga de tais instituições, permanecendo até hoje em atividade.
Entretanto, muitos estudiosos argumentam que a Universidade é uma entidade que
emergiu na europa medieval cristã, cujos princípios, organização e estrutura não possuem
precedentes nos mundos budista ou islâmico. De acordo com esse entendimento, uma famosa
escola de medicina44 na região de Salermo (Itália), com origens no século IX poderia ter sido a
primeira universidade do mundo ocidental. Entretanto, a Universidade de Bolonha (Itália), fundada
em 1088, geralmente é reconhecida como a primeira instituição com as características modernas -
a primeira universidade. As famosas universidades de Oxford e de Cambridge (Inglaterra) teriam
sido fundadas em 1096 e 1209, respectivamente.
Em um exame cronológico científico-acadêmico mais amplo, uma das primeiras
sociedades eruditas, a ‘Académie des Jeux floraux45’ (França) emerge em 1353, a revolução
científica se inicia em 1543, com a publicação da obra ‘Sobre a revolução dos corpos celestes’, de
Nicolaus Copernicus46. De acordo com biólogo e historiador Ewald Horn, a LD emerge nesse
período, tendo “sua origem nos praeceptores privati das universidades alemãs protestantes, no
século XVI. Tais praeceptores ensinavam preferencialmente gramática latina e retórica aos
estudantes mais jovens com o objetivo de prepará-los para seguir as lições e as disputas da
responsabilidade dos professores ordinarie legentes.” (N. Sucupira 1977, p. 5).
42 Fonte: Enciclopédia Britânica. 43 https://www.britannica.com/topic/Nalanda 44 https://www.britannica.com/topic/university 45 http://www.jeuxfloraux.fr/ (acessado em 22/03/2019). Essa associação literária também era conhecida como:
Consistori dels Sept Trobadors, Sobregaya Companhia dels Set (VII) Trobadors de Tolosa, Consistori del Gay
Saber ou Acadèmia dels Jòcs Florals. Notorialmente, a Royal Society (Inglaterra), surgiria apenas em 1660. 46 Este é um dos possíveis marcos do início da Revolução Científica.
A livre-docência no Brasil
9
Por fim, os primeiros periódicos científicos afloraram em 1665 (‘Le Iovrnal des Sçavans’, em
5 de janeiro na França e ‘Philosophical Transactions’, em 6 de março na Inglaterra). Considerando
esse panorama histórico, e a velocidade com que o conhecimento atual progride, é
impressionante constatar que a civilização necessitou de quase seis séculos (578 anos) para
avançar de sua primeira universidade (Bolonha) até seu primeiro periódico científico.
2.3 Contexto nacional
No Brasil, o ensino superior poderia ser divido em três períodos gerais. O primeiro, (1553 -
1791) foi caracterizado pela educação superior proporcionada por algumas escolas, seminários e
colégios jesuítas, que essencialmente ofereciam ensino humanístico. Um exemplo de entidade
desse período é o ‘Colégio dos Jesuítas da Bahia’ (c. 1553), com os cursos de teologia e filosofia47.
Adicionalmente, cursos de engenharia eram ministrados no Brasil pelo menos a partir em 164848,
em formato de ‘Aulas’ isoladas. Entretanto, muitos autores não reconhecem essa fase, devido a
inexistência de escolas de nível superior oficiais no país.
O segundo período (1792 - 1908) foi marcado pela criação das primeiras escolas militares
de ensino superior e faculdades49, em resposta à lacuna educacional resultante da expulsão dos
jesuítas do país (1759), à necessidade de desenvolvimento local, e facilitada pela vinda da família
real portuguesa para o Brasil (1808). Nessa fase foram estabelecidas: a Real Academia de
Artilharia, Fortificação e Desenho (1792)50, a Escola Naval (1808), a Faculdade de Cirurgia da Bahia
- Salvador (1808), a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1808), a Faculdade de Direito de
Olinda (1827), a Faculdade de Direito de São Paulo (1827), a Faculdade de Farmácia de Ouro Preto
(1839), a Escola de Minas - Ouro Preto (1876), a Faculdade Nacional de Direito - Rio de Janeiro
(1891), a Faculdade de Direito - Belo Horizonte (1892) e a Escola Politécnica - São Paulo (1893).
Essas escolas e faculdades eram entidades isoladas, não integradas em unidades que
congregassem as diversas áreas do conhecimento; ainda não eram universidades.
O terceiro momento (1909 – presente) tem sido caracterizado pela criação e proliferação
de universidades. Muitas dentre as primeiras dessas instituições derivaram da articulação-
expansão das primeiras faculdades. Por exemplo, a Faculdade de Direito de BH deu origem à
UFMG; a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, ao IME e à UFRJ. A interligação da
Escola Politécnica de São Paulo, com a Faculdade de Direito de São Paulo e outras, à USP.
Contudo, diversas outras universidades foram construídas a partir do zero, como a UnB (Brasília) e,
47 ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS
RELIGIOSIDADES.
ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. IN: Revista
Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan/2011. ISSN 1983-2859.
Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html 48 Sara Rios Bambirra Santos e Maria Aparecida da Silva. O CEFET-MG e a História do Ensino de Engenharia
Brasil, apud. TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX. 2. ed.
Rio de Janeiro: Clavero, 1994. 49 ORIGENS DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA. Quim. Nova, Vol. 30, No. 7, 1780-1790, 2007 50 Real Arquivo Militar. Cabral, D. 2011 (http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-periodo-colonial/222-real-
arquivo-militar, acessado em 18/11/2018), apud. TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da engenharia no
Brasil: séculos XVI a XIX. 2. ed. Rio de Janeiro: Clavero, 1994.
A livre-docência no Brasil
10
mais recentemente, outras existem como entidades virtuais (UNIVESP).
Assim como no cenário mundial, a discordância sobre qual é a primeira universidade
brasileira também existe. Possivelmente, a instituição reconhecida como prima é a UFAM51
(Amazonas), estabelecida em 1909, mas que passou por um breve período de interrupção.
Alternativamente, teria sido a UFPR (Paraná), fundada em 1912 e em atividade contínua desde sua
criação.
No contexto brasileiro, de acordo com o artigo 52 da Lei de Diretrizes e Bases (lei
9394/96), “as universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais
de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se
caracterizam por:
I - produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e
problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional;
II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou
doutorado;
II - um terço do corpo docente em regime de tempo integral.”
51 De acordo com documento depositado no MEC,
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2007/pces105_07.pdf, acessado em 16/11/18.
A livre-docência no Brasil
11
Capítulo 3.
3.1 Introdução
Curiosamente, versões lato sensu da livre-docência (ou ‘proto livre-docência’) já existiam
no Brasil pelo menos a partir de 19 de abril de 1879, portanto, bem antes desse instituto ser
oficialmente estabelecido (1911). Com isso, ressalto que a assincronia ocorrida entre as ‘primeiras
atividades de ensino superior’ no Brasil (c. 1553) e a correspondente ‘formalização’ (1908) também
é observada para a LD. Veremos a seguir, a história do instituto da LD no Brasil, desde seus
primórdios, seu estabelecimento legal, seu acomentimento até o seu robustescimento no trio
estadual paulista.
3.2 A ‘proto livre-docência’ (até 1911)
Após a expulsão dos Jesuítas (1759), o Estado era o único que poderia oferecer ensino
superior, mediante as faculdades que foram criadas naquela fase, este era o ensino oficial52.
Contudo, o decreto 7.247 de 1879, também conhecido como Lei de Ensino Livre concedia: (i) a
liberdade de ensino do professor, independente de orientações impostas à cátedra, (ii) autorização
à iniciativa privada para a fundação de faculdades e (iii) autorização a pessoas externas ao quadro
docente regular para ministrar cursos livres nas faculdades oficiais. Em relação a esse terceiro item,
nas palavras do próprio ministro Carlos Leôncio da Silva Carvalho (1847-1912):
Será de vantagem que, a par dos professores oficiais, possa o governo permitir
que professores particulares, à semelhança dos Privatdozenten (‘docentes
Privados’ ou ‘docentes livres53’), na Alemanha, abram cursos para o ensino das
matérias que formam o programa dos institutos do Estado nos próprios edifícios
em que estes funcionam (Newton Sucupira, 1977; p. 16).
A partir de 1901, com o Código de Ensino de Epitácio Pessoa (decreto n.º 3.890, de 1.º de
janeiro), passou-se a exigir que tais professores de cursos livres, oferecidos em estabelecimentos
oficiais, fossem profissionais diplomados por instituições de ensino (Newton Sucupira, 197; p. 17).
3.3 A formalização da LD (1911-1961)
Contudo, foi apenas em 1911, com a Reforma Rivadávia Corrêa (decreto n.º. 8.659 de 5 de
abril), que o instituto alemão da livre-docência foi oficialmente enxertado no ensino superior
brasileiro. Todavia, o estabelecimento da LD no Brasil foi desprovido das características e
requisitos próprios desse instituto, como observado na Alemanha, que asseguravam sua
52 A DESOFICIALIZAÇÃO DO ENSINO NO BRASIL: A REFORMA RIVADÁVIA. CARLOS ROBERTO
JAMIL CURY. Educ. Soc., Campinas, vol. 30, n. 108, p. 717-738, out. 2009. 53 Muito provavelmente a expressão “livre-docência” deriva de “cursos livres” e “ensino livre”.
A livre-docência no Brasil
12
valorização acadêmica e elevado nível intelectual. Isto é, a reforma Rivadávia Corrêa não exigia o
título de doutor para a habilitação à LD. Os candidatos deveriam apresentar um trabalho original
(escrito) que seria avaliado por uma banca de três docentes, cujo relatório seria homologado pela
congregação (Newton Sucupira, 1977; p. 18).
Nesse contexto, o LD poderia ministrar cursos livres e eventualmente substituir o professor
ordinário em sua ausência, mas suas atividades não eram custeadas pelo governo. Sua fonte de
renda derivava essencialmente das taxas cobradas referentes aos cursos livres, que eram pagos.
Em determinadas situações previstas em lei, o LD poderia se nomeado para vaga de professor
ordinário mediante concurso de títulos e obras (Newton Sucupira, 1977; p. 18-19).
A Reforma Carlos Maximiliano (Decreto n.º. 11.530 de 18 de março de 1915) tornou o
processo para habilitação à LD ainda mais rígido, prescrevendo uma prova idêntica àquela para
professor substituto, afim de avaliar a capacidade didática e a competência científica do
candidato. Adicionalmente, a reforma determinava que os LD seriam nomeados pelo diretor do
instituto por seis anos, prorrogáveis, de acordo com a congregação (Newton Sucupira, 1977; p.
23).
Notavelmente, a exigência de defesa de tese pelo candidato à LD surge apenas em 1925,
por meio da Lei de Ensino de João Luis Alves (decreto n.º. 16.782-A, de 13 de janeiro daquele ano),
além de uma prova oral e uma prova didática, quando a natureza da disciplina exigisse.
Doravante, o prazo de nomeação do LD era de 10 anos, que poderia ser renovado pela
congregação, considerando-se três aspectos: o valor dos cursos professados, a dedicação ao
ensino e a publicação de trabalhos de verdadeira relevância (Newton Sucupira, 1977; p. 24-25).
Por sua vez, a Reforma de Francisco Campos, que envolvia o decreto n.º. 19.851, chamado
o Estatudo das Universidades Brasileiras, de 11 de abril de 1931, equiparou o concurso de
habilitação à LD ao concurso de professor catedrático, no que se refere às provas. Assim, a
reforma conferia um maior status intelectual ao LD, que a partir de então era nomeado por um
período de tempo indeterminado. Entretanto, o habilitado passaria por avaliações quinquenais
pela congregação, que poderia mantê-lo ou excluí-lo do quadro da universidade. Nesse sentido, a
reforma concedia um significado especial à LD, contemplando-a como uma reserva didática de
grande valor. Newton Sucupira apresenta a LD como um “notável coeficiente que se destina a ser
no progressivo aperfeiçoamento de nosso aparelhamento de ensino”. Segundo Francisco Luís da
Silva Campos, a reforma mobilizou a LD, “colocando-a em forma de serviço, ampliando-lhe a ação
nos estabelecimentos de ensino, equiparando-a, quando em função, à cátedra, até então a única
rodeada de prerrogativas e vantagens" (Newton Sucupira, 1977; p. 26).
De acordo com Sucupira, nos primeiros 50 anos de sua existência no Brasil (1911 e 1961), a
LD foi importante para formar e qualificar o quadro docente em uma época na qual o
doutoramento era raro e sem expressão. Contudo, no Brasil, ela ainda era desprovida da base
filosófica natural de sua contraparte alemã, i.e., um profissional “culto e erudito, assinalado por sua
dedicação desinteressada à pesquisa científica e às atividades docentes” (Newton Sucupira, 1977;
p.28).
A livre-docência no Brasil
13
3.4 A crise da LD (1961-presente)
A Lei de Diretrizes e Bases (lei no n.º. 4.024, de 21 de dezembro de 1961) criou os sistemas
de ensino federal e estaduais, conferindo-lhes autonomia, mas não mencionou em seu texto a LD.
Em seguida, o Estatuto do Magistério Superior (lei n.º. 4.881-A, de 6 de dezembro de 1965), que se
aplica à administração federal, atribuía certas prerrogativas à LD, contudo, sem regulamentar sua
habilitação. Esses eventos trouxeram à superfície uma questão-chave: a obrigatoriedade da LD nos
sistemas estaduais e, paralelamente, sua relevância na estrutura acadêmica brasileira (Newton
Sucupira, 1977; pag.30-31).
Uma resposta a essa matéria veio por meio do parecer n.º 269/67 emitido pelo extinto
Conselho Federal de Educação, esclarecendo que: (i) a LD permanecia obrigatória na sistemática
do ensino superior, de acordo com a lei 4.881-A, (ii) a LD se tratava de um título acadêmico que
confere habilitação magisterial, não se configurando como um cargo ou uma função e (iii) que a
omissão da lei 4.881-A sugeria que caberia às instituições de ensino superior regulamentar o
acesso à LD, ao contrário da legislação anterior, que exigia um concurso nos moldes do concurso
para professor catedrático (Newton Sucupira, 1977; pag.31).
Tornando o cenário ainda mais complexo, a Reforma Universitária de 1968, por meio da lei
n.º. 465/69, revogou a maioria dos artigos da lei n.º 4.881-A, muitos dos quais se referiam à LD,
quase a extinguindo. A única menção foi em seu artigo 4º, por meio do qual prescrevia como
requisito para a inscrição em prova de habilitação à LD, o título de mestre ou doutor.
Posteriormente, a lei n.º. 5.802 de 11 de setembro de 1972 alterou esse dispositivo, exigindo o
título de doutor54 (Newton Sucupira, 1977; pag.33). Apenas em 1975, com o decreto n.º. 76.119,
estabeleceram-se as normas para a realização de provas de habilitação à LD, como aplicadas até
os dias atuais.
A consequência desses eventos, a partir da década de 1960, foi o questionamento a
respeito da relevância e o papel da LD na estrutura acadêmica. Para muitos, os Programas de
Pós-Graduação oficiais, que a partir de 1965 começavam a formar mestres e doutores no Brasil de
maneira regular, forneciam os recursos humanos qualificados para o exercício do magistério
superior. Para essas pessoas, a LD seria supérflua (Newton Sucupira, 1977; pag.33-34).
Provavelmente, foi neste contexto que a LD perdeu seu sentido nas universidades públicas
federais. Ao longo dos anos, essas instituições reduziram drasticamente o número de concursos
para obtenção do título de LD. A partir de então, a progressão na carreira, de professor adjunto
(cujo pre-requisito é o título de doutor) para professor associado, tornava-se um processo
baseado em avaliação do desenvolvimento do docente ao longo dos anos.
3.5 A consolidação da LD na tríade paulista (1969-presente)
Contudo, para muitos outros, o doutoramento e a livre-docência são entidades bem
distintas, não excludentes. Nesse entendimeto, o doutorado tem tido como principal foco a
capacitação para realização de pesquisa original e independente, ao passo que a LD contempla
54 Requisito esse indispensável a partir de 11 de setembro de 1976.
A livre-docência no Brasil
14
adicionalmente a qualificação no ensino superior. Daí o motivo pelo qual a lei de 1972 estabelecer
o doutorado como pré-requisito em concursos de habilitação à LD.
Para Newton Sucupira (1977; p. 38), a LD é “uma etapa fundamental na preparação do
professorado”. Ela “representaria uma espécie de complementação do doutorado, amadurecendo e
ampliando a formação recebida naquele nível. Por outro lado, ainda é possível utilizar-se a livre-
docência como reserva didática para as áreas profissionais”.
Assim, em contraposição ao entendimento das instituições federais de ensino superior, a
Universidade de São Paulo, em seu estatudo de 1969, integrou a LD na carreira docente,
conferindo-lhe o prestígio apropriado. De acordo com o professor Heládio Antunha, "com a
extinção da cátedra, a livre-docência passa a ser o título acadêmico mais elevado da hierarquia
universitária da USP, porta aberta para a ascensão às funções mais elevadas e ao cargo de
professor titular. A livre-docência passa então a ter como requisito básico o doutoramento" (Newton
Sucupira, 1977; p. 38).
Nesse sentido, no trio paulista USP-UNICAMP-UNESP, a LD é uma etapa essencial para a
evolução acadêmica até a titularidade (Tabela 2). Adicionalmente, há ganhos, como a ascenção à
categoria de professor associado, com elevação salarial de 19,2% (USP55, MS3.1 vs MS5.1),
aumento da representatividade nos órgãos colegiados. Por fim, certas funções administrativas
(e.g., chefia de depto, diretoria e reitoria) são executadas preferencialmente por titulares,
associados e, apenas em última instância e de maneira excepcional, por doutores. Os concursos
são abertos regularmente, independente da solicitação de candidatos, pois sempre há procura.
Essa visão bem distinta do papel e função da LD faz com que a concepção e essência desse
instituto esteja mais viva nas estaduais de SP.
Tabela 2. Atividades realizadas (ativas) nas diferentes fases da carreira docente nas estaduais paulistas. Os
quadros indicados em laranja referem-se às ações (critérios) que serão avaliadas nos concursos de ingresso
naquele cargo/categoria.
55 DEPARTAMENTO DE RECURSOS HUMANOS, USP. Tabela de Vencimentos – Docentes (2018).
http://www.usp.br/drh/wp-content/uploads/Tabela-Vencimentos-Docentes-05-2018.pdf
A livre-docência no Brasil
15
Capítulo 4.
4.1 Introdução
É frequente associar a LD ao trio paulista, como se no Brasil esse instituto existisse
exclusivamente nessas universidades. Contudo, conforme descobriremos a seguir, várias outras
universidades brasileiras, públicas e privadas, incorporaram a LD em seus regimentos internos.
Mas quantos são os LD no Brasil? Qual é o tempo médio de titulação entre o doutorado e a LD?
Qual é o perfil desses docentes? Esses e diversos outros pontos serão abordados nesse capítulo.
4.2 A LD em outras universidades brasileiras no presente
Além da tríade USP-UNICAMP-UNESP, outras universidades mantiveram, ou reacenderam
mais recentemente, o concurso de habilitação à LD. Entre elas, uma frequentemente mecionada é
a UNIFESP. Contudo, diversas outras instituições podem ser elencadas, tais como UFRJ56*, UFT*,
UNIRIO57, UFBA58 (federais); UNEMAT*, FAMERP59, UECE60 (estaduais); FMABC61 (municipal); PUC-
SP62, o Centro Universitário Lusíada (UNILUS63), a Universidade de Araraquara* (UNIARA), a
MACKENZIE* e a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo64 (essas últimas,
privadas). Não foram encontrados LD que obtiveram seus títulos em instituições Miliares de ensino
superior (e.g., ITA, AMAN, IME, etc)65. Inquestionavelmente, é muito provável que outras
universidades brasileiras ofereçam concursos de habilitação à LD, mas infelizmente não foram
capturadas nesta busca66.
Contudo, em muitas das universidades aqui identificadas, a LD se trata somente de um
título acadêmico, como o mestrado ou doutorado. Isto é, um prestígio mais elevado, sem
necessariamente ter implicações na progressão da carreira docente, na representatividade em
órgãos, nem ganhos salariais. Por esses motivos, na visão de muitos, o tempo e dedicação
56 Entendemos que todas as universidades aqui marcadas com asterisco (*) possuem a LD em seu regulamento
interno, pois foram identicados currículos Lattes nos quais o autor indica ter obtido a LD nessas instituições.
Vide dados referentes à pesquisa feita nessa plataforma com 50 LD, mencionado adiante no texto. 57 RESOLUÇÃO Nº 2394, DE 10 DE OUTUBRO DE 2002. 58 Resolução 01/2016.
https://www.ufba.br/sites/portal.ufba.br/files/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20n%C2%BA%2001.2016%20-
%20CONSEPE0001.pdf 59 Norma regulamentar da FAMERP sobre LD:
http://secretariageral.famerp.br/sel_aviso.asp?idaviso=152&secavs=Normas&descavs=Regulamento-
Portarias 60 Universidade Estadual do Ceará. RESOLUÇÃO Nº 788/2011 - CONSU, 21 de fevereiro de 2011. 61 Faculdade de Medicina do ABC. http://www.fmabc.br/pos-graduacao/2013-10-08-14-31-49 62 Exemplo recente de edital: https://www.pucsp.br/sites/default/files/edital-02-2018.pdf 63 Regimento Geral da UNILUS, Título III, Capítulo I. Do corpo docente.
http://www.lusiada.br/unilus/regimento/RegimentoUNILUS.pdf 64 REGIMENTO INTERNO. Resolução Colegiado Superior Nº 18/2017, de 28/11/2017.Página 23. 65 Busca Avançada feita na plataforma Lattes em 02/03/19 com os seguintes parâmetros: qualquer dos termos:
'militar exército aeronáutica marinha' + por todas as palavras: "livre-docência". Foram identificados 69 CVs,
dos quais nenhum apresentada o título de LD obtido em um IES militar. 66 Pesquisa exaustiva feita vai Google em 29.11.2018, com a expressão: Concurso “livre-docência”.
A livre-docência no Brasil
16
exigidos para a preparação para tais concursos, além do estresse e desgastes típicos desses
processos, atuam como desestimulantes. Em algumas IES privadas, os concursos são abertos
apenas mediante solicitação do interessado, resultando em editais esporádicos. Nas instituições
públicas, os editais eram regularmente abertos, mas o número decrescente de candidatos resultou
na diminuição do número de concursos; em última análise, enfraquecendo o instituto da LD ao
longo dos anos. Por exemplo, nenhum edital dessa natureza foi publicado em 2018 no Diário
Oficial da União (DOU67; Seção 03), órgão da Imprensa Nacional responsável pela publicação de
editais das IES, evidenciando o desinteresse por essa titulação nas federais.
Em restropecto, é intrigante observar que apesar de a LD ser um elemento obrigatório do
quadro docente apenas das universidades federais, de acordo com o Parecer no. 269/67 do
extinto Conselho Federal de Ensino, foram as universidades estaduais de São Paulo que
mantiveram acesa a chama desse instituto. Nessas instituições, a LD tem exercido um importante
papel na qualificação professoral.
4.3 A LD em números, na atualidade
Não se sabe o número exato de professores LD no país. De acordo com o Censo do
Ensino Superior de 201768, realizado pelo INEP, o Brasil contabilizava 380.673 docentes do ensino
superior, dos quais: 10 (0,0026%) não eram graduados, 4.362 (1,1%) graduados, 70.475 (18,5%)
especialistas, 148.427 (39%) mestres e 157.399 (41,3%) doutores. Infelizmente, essa análise não
quantificou os LD.
Apesar de contarmos com um grande número de outros bancos de dados (Plataforma
SUCUPIRA69, GEOCAPES70, Plataforma Lattes, Estatísticas do CNPq71, Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações72), nenhuma delas aborda os LD ou suas teses73. Notavelmente, a SUCUPIRA
solicita a inserção da maior qualificação do docente do programa de pós-graduação, oferecendo
como opções74: Graduação, Mestrado, Doutorado e ‘Notório Saber’75, mas não a LD. Apenas o
Lattes (CNPq) permite a inserção do título de LD. Até dezembro de 2018, essa plataforma
67 Busca feita no sítio: http://portal.imprensanacional.gov.br/web/guest/inicio 68 Censo da Educação Superior 2017 - http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-
superior. 2017 - Sinopse Estatística da Educação Superior (Atualizado em 20/09/2018). Censo da Educação
Superior 2017 (INEP), Tabela 2.4 (acessado em 22.03.19). 69 Plataforma sobre dados dos Programas de Pós-Graduação do país. 70 https://geocapes.capes.gov.br/geocapes/ Acessado em 17.01.19. 71 http://memoria.cnpq.br/web/portal-lattes/dados-e-estatisticas Acessado em 17.01.19. 72 Sítio na internet: http://bdtd.ibict.br/vufind/. 73 Algumas teses de LD podem ser encontradas nas Bibliotecas Digitais de algumas IES. 74 Manual de preenchimento da Plataforma Sucupira. COLETA DE DADOS - Conceitos e orientações. Versão
2.0. Atualização: 23/12/2016. Página 66. 75 Que apesar de constar como opção, nenhum docente possui esta qualificação no relatório SUCUPIRA 2017.
br-capes-colsucup-docente-2017-2018-08-10. Contudo, uma busca feita entre os dias 01 e 02/03/19, a
plataforma Lattes indicou 166 currículos contendo a expressão “Notório Saber” (NS). Uma análise dos 50
primeiros CVs revelou que apenas 8 ‘apresentavam NS como sua titulação maior e eram professores ativos
em IES’. Desses 8, um apresentava ‘Graduação NS’ como sua maior titulação; um apresentava
‘Especialização NS’ como sua maior titulação; 6 apresentavam ‘Doutorado NS’ como sua maior titulação. Se
essa razão (6 NS/50 CVs Lattes analisados) se mantiver entre os 166 CVs Lattes analisados, teremos
aproximadamente 20 professores cujos suas titulações máximas são NS em grau de doutorado.
A livre-docência no Brasil
17
registrava 424 pesquisadores cujos currículos incluem a expressão “Livre-Docência”. Contudo, é
desalentador constatar que muitos formulários foram preenchidos de maneira equivocada76,
dificultando imensamente uma análise direta dos dados. Adicionalmente, apesar da plataforma
apresentar filtros, que poderiam ser úteis para caracterizar esses LD quanto a distribuição regional,
tais funcionalidades geram resultados com falhas.
Em especial, o dado disponível no Lattes se revela subestimado quando comparado com
os números oficiais do trio paulista (Tabela 3), levantados aqui. De acordo com esses dados, em
junção a uma estimativa a respeito da UNIFESP e demais universidades, teríamos hoje
aproximadamente 6.000 professores LD no Brasil, ou 1,6 do corpo docente (Fig. 1).
Tabela 3. Estimativa de professores com livre-docência no Brasil.
USP77
(2018)
UNICAMP78
(2017)
UNESP79
(2017)
UNIFESP80
(2018)
Universidades
com
concursos81
Demais
universidades82
TOTAL
GERAL
Graduados a 3 2 20 1
Mestres b 24 10 88 4883
Doutores c 2.401 1.036 2.138
1.540
[361 LD84 (?)
22,7% (?)]
Livres-
docentes
Associados d 2126
(37,9%)
442
(23,3%)
841
(24,8%) 260 (?) 222 (?) 6.000 (?)
Titulares e 1042
(18,6%)
404
(21,3%)
302
(8,9%)
TOTAL 5.596 1.894 3.389 1.589
Legenda. a: Professor Contratado I ou Auxiliar de Ensino (MS-1). b: Professor Contratado II ou Assistente
(MS-2). c: Professor Doutor (MS-3). d: Professor Associado (MS-5). e: Professor titular (MS-6).
76 Por exemplo, ao se analisar as dez primeiras entradas, percebe-se que: quatro não possuem o doutorado; uma
contém a expressão “livre-docência” não em ‘titulação’, mas em como um estudo conduzido; dois equivalem
seus doutorados a LD; outro afirma ter cinco títulos de LD; apenas dois aparentam ter LD stricto senso. 77 Portal Transparência da USP: https://uspdigital.usp.br/portaltransparencia/informacaoServidorFuncao 78 ANUÁRIO 2018 da UNICAMP, página 212. 79 ANUÁRIO 2018 da UNESP, página 286. 80 https://www.unifesp.br/reitoria/indicadores/recursos-humanos/81-recursos-humanos/101-2018-recursos-
humanos. 81 UFRJ, UNIRIO, UFT, UFBA, FAMERP, UECE, UNEMAT, FMABC, PUC-SP, Centro Universitário
Lusíada, a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Universidade de Araraquara
(UNIARA) e MACKENZIE. Considerou-se uma média de 20 LD para cada uma dessas universidades. 82 Universidades brasileiras que ofereçam concursos de LD mas que não foram aqui identificadas, ou que
contenham docentes que prestaram concursos de LD em estaduais paulistas. 83 Inclui professores com especialização ou mestrado. 84 Não foram encontrados dados específicos a LD correspondentes à UNIFESP. De acordo com o censo de
servidores de 2015, dadosabertos.unifesp.br/dataset/censo-do-servidor-da-universidade-federal-de-sao-paulo-
ano-base2015 (acessado em 18.01.19), dentre os 300 docentes que participaram dessa avaliação, 226 eram
Associados ou Titulares, contudo não se sabe se todos eles são LD. Por outro lado, o repositório de teses da
UNIFESP (http://repositorio.unifesp.br/) possui 235 teses de LD depositadas entre 1985 (35 anos atrás,
portanto, ainda docentes na ativa) e 2009; (não há teses de LD após esta data). Uma vez que 126 teses de LD
foram depositas entre 2000 e 2009, considerando o mesmo ritmo de defesas dessa década, poder-se-ia
estimar que o número total de teses de LD entre 1985 e 2019 fosse de 361. Por fim, diferentemente, uma
análise aleatória de currículos Lattes de 20 docentes dessa IES indica que apenas 1 é LD (5%). Nota-se
portanto, que em relação à UNIFESP, temos apenas uma estimativa.
A livre-docência no Brasil
18
Figura 1. Titulação máxima do corpo docente do ensino superior no Brasil. Dados do Censo do Ensino
Superior de 2017 (INEP - Tabela 2.4). A porcentagem de Notório Saber (NS) em grau de doutor é uma
estimativa (vide nota 76), subtratída do número de doutores, pois frequentemente portadores de NS classificam-
se como doutores na plataforma Lattes. De acordo com essa mesma plataforma, não há no Brasil ‘Doctors of
Science’ (D.Sc.), que é um título distinto do ‘Doutor’ (Ph.D.) (vide Tabela 1). A porcentagem de LD é uma
estimativa, subtraída do número de doutores.
De acordo com o Anuário 2018 da UNICAMP, entre seus 1.894 docentes em 2017, 748
(39,49%) eram mulheres. Dentre os 846 docentes MS-5/MS-6 (i.e., LD), 29,78% eram mulheres,
sugerindo haver um desequilíbrio no corpo docente geral (10,51 pontos abaixo do ideal - 50%),
que se intensifica na LD (20,22 pontos abaixo do ideal). Dentre os 24 institutos e faculdades
daquela instituição, em apenas cinco há um número igual (Faculdade de Ciências Farmacêuticas)
ou maior de LD mulheres do que LD homens (FEA, FENF, FEQ e IEL).85 É importante também
ressaltar que, entre 2008 e 2017, o contigente de LD na UNICAMP tem caído em termos
absolutos86 (de 922 para 846) assim como em termos porcentuais (de 53,4% para 44,6%), ao
passo que o corpo docente geral da instituição subiu de 1727 para 1894 (aumento de 9,6% ou 167
professores).
Na UNESP, entre 2008 e 2017, o corpo de LD (MS-5/MS-6) subiu em termos absolutos (de
1028 para 1142; acréscimo de 11%) e proporcionais (de 30% a 33,7%), ao passo que o corpo
docente total da universidade subiu de 3425 para 3389. Não há informações sobre sexo.
Por sua vez, em 198087, a USP apresentava 351 docentes em MS-5 (7,6%) e 362 (7,8%) em
MS-6 (total de 4615 professores). Quase quarenta anos depois, em 201888, esses números eram de
2.126 MS-5 (37,9%) e 1.042 MS-6 (18,6%) (total de 5.596 docentes). Nota-se, portanto, um
espetacular aumento em termos absolutos e percentuais no número de portadores de LD (i.e.,
85 ANUÁRIO DA UNICAMP 2018, Tabela 11.7. FCF: Faculdade de Ciências Farmacêuticas; FEA: Faculdade
de Engenharia de Alimentos; FENF: Faculdade de Enfermagem; IEL: Instituto de Estudos da Linguagem;
FEQ: Faculdade de Engenharia Química. 86 ANUÁRIO DA UNICAMP 2018, Tabela 11.8. 87 Anuário Estatístico da USP 1987, p. 19. Vide:
https://uspdigital.usp.br/anuario/br/acervo/AnuarioUSP_1987.pdf 88 Portal Transparência da USP: https://uspdigital.usp.br/portaltransparencia/informacaoServidorFuncao
A livre-docência no Brasil
19
MS-5/MS-6): de 713 (15,4%) para 3168 (56,5%). Apenas em 2017, 217 concursos de livre-docência
foram realizados na USP89.
Em nossas análises na plataforma Lattes90, 50% dos LD têm especialização, 80% tem
mestrado, 100% tem doutorado e 60% tem pós-doutorado (n=50). O tempo médio para a
titulação (LD) é de 10,7 anos após o doutorado (Fig. 2), correspondendo a uma idade média de
44 anos (especulada, considerando entrada na graduação com 18 anos). Quarenta e oito
porcento deles possui uma formação atípica, por conter ao menos um dos seguintes elementos:
(i) mais de um título em um mesmo grau (e.g., duas graduações) ou (ii) doutorado direto. Isso
sugere que os LD buscam um conhecimento mais extensivo desde as etapas primordiais de suas
carreiras e/ou que têm um rápido amadurecimento acadêmico.
Curiosamente, nota-se uma tendência no aumento de tempo para obtenção da LD entre
os decênios: 1960 - 4 anos; 2010 - 16,4 anos (Fig. 3). Isso poderia ser explicado por alguns fatores.
O primeiro se refere ao fato de que até 1976, docentes sem doutorado poderiam prestar concurso
para LD. Assim, alguns professores obtiam a LD antes mesmo de completar o doutoramento,
reduzindo o tempo médio entre as duas titulações. Um possível segundo elemento é o aumento
significativo de doutores formados ao longo das décadas, que gradativamente acirra os concursos
de ingresso na carreira docente e, consequentemente, protela a inscrição no concurso de LD.
Figura 2. Tempo para obtenção da primeira titulação, em determinado nível, entre os portadores do título
de LD em diversas áreas (N=50). Legenda: G - graduação; E - especialização; M - mestrado; D - doutorado;
PD - pós-doutorado (incluído aqui mesmo não sendo considerado um título). Valores apresentados em termos de
médias e desvios-padrões.
89 "Conselho Universitário aprova novos critérios para editais de livre-docência". Jornal da USP, 11/09/2018. 90 Análise de 50 CVs Lattes aleatórios de portadores de LD, realizada entre novembro e dezembro de 2018.
Desses 50 docentes, 32% deles estão atualmente na UNESP 32%; 30% na USP; 18% na UNICAMP; 10% na
UNIFESP; UNIARA, MACKENZIE, UFRJ, UFT e UNEMAT (2% cada); não informado 2%.
A livre-docência no Brasil
20
Figura 3. Comparação, entre diferentes decênios, do tempo para obtenção do primeiro título de determinado
grau, entre os portadores do título de LD em diversas áreas. Legenda: G - graduação; E - especialização; M -
mestrado; D - doutorado; PD - pós-doutorado. Número de LD obtidos no decênio de 1960 - 1; 1970 - 3; 1980 -
14; 1990 - 13; 2000 - 14; 2010 - 5. N = 50, coletados no Lattes. Antes da lei nº. 5.802 de 11 de setembro de
1972, cuja efetividade iniciou apenas em 1976, era possível obter a LD antes do doutorado, explicando assim o
valor negativo (calculado pelo ano de LD substraído do ano da obtenção do doutorado). Os decênios foram
considerados no seguinte formato: 1960 = 1960-1969.
21
21
Capítulo 5.
5.1 Introdução
De acordo com Olavo Pires de Camargo e Luiz Eugênio Garcez Leme (2011)91: “os
concursos de livre-docência combinam elementos da Habilitation alemã e da antiga Agrégation
francesa. Como no modelo alemão, exige-se do candidato a submissão de uma segunda tese
(monográfica ou cumulativa), examinada oralmente por um painel de especialistas, e é realizado
um julgamento adicional em separado do currículo do candidato, incluindo publicações externas
com arbitragem e atividades docentes. Por outro lado, seguindo o modelo francês, o concurso inclui
ainda uma prova didática, que consiste em uma aula ministrada perante a banca examinadora
acerca de um tema sorteado com 24 horas de antecedência, e uma prova escrita de erudição, em
que o candidato deve dissertar sobre um tema sorteado na hora pela banca.”
De acordo com o decreto 76.119/75, Art. 1°, §1°:
“No julgamento do "curriculum vitae" serão apreciados, em particular, a qualidade e
continuidade da produção intelectual do candidato e seu desempenho docente; no julgamento da
tese ou dissertação será especialmente considerada sua importância para conhecimento do assunto
tratado.”
Entende-se, assim, que o candidato à LD deve apresentar qualidade em suas atividades de
ensino (“desempenho docente”) no nível superior e de pesquisa (“produção intelectual”). Note,
portanto, que as atividades extensionistas e administrativas não são o foco da avaliação em um
concurso LD. Não obstante, como veremos adiante, elas são consideradas nos concursos sim,
quando se contempla o conjunto da obra do candidato.
Uma vez que os procedimentos de concursos de LD podem variar entre as instituições,
analisaremos nesse capítulo o processo como conduzido na Universidade de São Paulo.
5.2 O processo: inscrição e avaliação
No início de cada ano, todas as unidades da USP (escolas, faculdades, institutos, etc) são
obrigadas, pelo regimento geral da universidade, a abrir editais para concursos de LD para todos
os seus departamentos92. O período de inscrição é de pelo menos 30 dias corridos, quando o
candidato deve submeter: (i) memorial circunstanciado e comprovação dos trabalhos publicados,
das atividades realizadas pertinentes ao concurso, em formato digital, (ii) título de doutor, (iii) tese
original ou texto que sistematize criticamente sua obra, em formato digital, (iv) demais elementos
comprobatórios do memorial que não puderem ser digitalizados (e.g., como maquetes, obras de
91 “Livre-docência”. Olavo Pires de Camargo, Luiz Eugenio Garcez Leme. Diagn Tratamento. 2011;16(2):82-3. 92 RESOLUÇÃO Nº 3745, DE 19 DE OUTUBRO DE 1990 - [CONSOLIDADA]. Seção IV - Da Livre-
Docência
A livre-docência no Brasil
22
arte).
Qualquer portador de título de doutor, pertencente ao quadro de docentes da
universidade ou externo pode se inscrever. Em seguida, as inscrições são julgadas pela
congregação da unidade, que pode deferir ou não; havendo inscrições deferidas, o concurso
ocorre dentro de 120 dias. A comissão para o concurso é constituída de cinco professores LD,
propostos pelo conselho do departamento do candidato, e validados pela congregação da
unidade do candidato. A presidência da banca julgadora é do professor de categoria mais
elevada, em exercício na unidade.
É importante ressaltar que a banca não pode ter entre seus membros um docente que
não seja LD, mesmo que ele seja professor titular de alguma universidade federal. Essa situação
peculiar deriva do fato de diversas universidades federais possuírem planos de carreira em que o
docente pode ascender a professor titular sem prestar concurso para LD93. Algo semelhante
ocorre em instituições particulares, em que um profissional pode assumir o cargo de professor
titular mesmo sem o doutorado. O que se enfatiza aqui é que o cargo de professor titular não
torna elegível, automaticamente, seu portador a membro de uma banca de doutorado ou LD.
O concurso é constituído de pelo menos quatro provas, que ocorrem dentro de três a
cinco dias: (i) exame escrito; (ii) defesa de tese, (iii) julgamento do memorial com prova pública de
arguição e (iv) avaliação didática. Adicionalmente, outra quinta prova poderá ser exigida, a critério
da unidade.
No início do concurso, a banca apresenta aos candidatos uma lista de dez pontos (temas),
com base no programa descrito no edital. Vinte e quatro horas depois, há o sorteio de um ponto
para a prova escrita, a qual versa sobre assunto de ordem geral e doutrinária, tendo a duração de
cinco horas: 60 minutos para revisão, sendo permitido fazer anotações e quatro horas para a
elaboração do texto. Apesar de semelhante, em formato, ao exame escrito do concurso de
ingresso na carreira docente, esta avaliação difere em densidade. Isto porque, agora, o candidato
ministra aulas sobre aquele tema já a um condiderável tempo. Portanto, essa etapa se destina a
avaliar se há um amplo e profundo domínio sobre o assundo, expresso textualmente, por: (i) uma
contextualização histórica panorâmica, (ii) a descrição e a análise das implicações dos diversos
experimentos/pensamentos centrais que moldaram e conduziram aquele campo do
conhecimento, (iii) uma ampla compreensão do estado da arte e (iv) as pespectivas e possíveis
desdobramentos da área. Naturalmente, outros aspectos podem ser observados, de acordo com
a área de ensino/pesquisa do candidato.
Durante a defesa pública da tese ou do texto que sistematize criticamente sua obra, a
banca analisa o valor intrínseco do trabalho, o domínio do assunto abordado, bem como a
contribuição original do candidato para a área de conhecimento. Cada membro da banca tem até
60 minutos para arguir o candidato, totalizando cinco horas, no máximo. Essa etapa inexiste no
concurso de ingresso na carreira docente; o mais próximo a ela seria a defesa de projeto de
pesquisa, que algumas instituições solicitam.
Por texto que sistematize criticamente a obra do candidato pode-se entender um
manuscrito que compile e concatene os diversos trabalhos publicados após o doutorado. Assim,
93 Isto é, um professor titular sem o título de livre-docente.
A livre-docência no Brasil
23
este documento seria o conjunto da obra, tendo não apenas uma, mas uma reunião sequencial
de hipóteses que, após o uso do método científico, permitiram chegar a um grupo mais extenso
de conclusões. Agora interconectado, todo este corpo de informações passaria por uma reanálise
crítica e expandida, conduzida pelo candidato. Portanto, o texto refletiria uma linha de pesquisa,
uma linha de pensamento traçada pelo pesquisador, e sua reflexão pessoal sobre como seus
dados têm contribuído para aquela área de investigação, no Brasil e no mundo. Enquanto a tese
de doutorado seria comparada a um passo (uma hipótese → um artigo), esta obra se
assemelharia a diversos passos consecutivos, uma caminhada.
Por sua vez, a tese original de LD seria algo distinto daquilo que já foi publicado pelo
candidato94. Isto é, em vez de compilar, integrar e discutir sobre os trabalhos já divulgados, a tese
seria um texto totalmente inédito, apresentado no formato convencional (introdução, hipóteses,
objetivos, materiais e métodos, resultados, etc.) no qual o candidato apresentaria uma proposta
inovadora (e.g., uma nova análise ou visão), seus argumentos e dados, discussão profunda e as
conclusões. Assim, este texto seria exposto ao escrutínio de pares e defendido pela primeira vez
de fato, já que ele não fora revisado (e/ou aprovado) por pares anteriormente, como os artigos já
publicados. Não obstante, há outras possíveis interpretações sobre tese original/texto sistemático
e crítico, como um modelo misto, isto é, a integração de alguns trabalhos publicados somada a
concepções originais a serem defendidas.
No julgamento do memorial, o mérito do candidato é apreciado com base no conjunto de
suas atividades que poderão compreender: (i) produção científica, literária, filosófica ou artística,
(ii) atividade didática, (iii) atividades de formação e orientação de discípulos, (iv) atividades
relacionadas à prestação de serviços à comunidade, (v) atividades profissionais, (vi) diplomas e
outras dignidades universitárias. Tipicamente, a banca considera as realizações ocorridas após a
obtenção do título de doutor, executando assim um recorte temporal específico referente às
atividades que o qualificam como um LD.
De acordo com o dicionário Michaelis, memorial é relativo a memória, a lembrança; escrito
em que se relatam e registram fatos memoráveis; já circunstanciado é enunciado com todas as
circunstâncias; pormenorizado. Assim, o memorial circunstanciado geralmente possui dois
elementos: (i) o resumo da carreira e (ii) a enumeração detalhada de todas as atividades e
produções, tendo como ponto de partida a defesa de tese de doutorado. O primeiro se refere a
uma síntese, em que se descrevem as principais decisões e marcos, desde a juventude, que
balizaram sua carreira profissional. No segundo, realiza-se um recorte temporal pertinente ao
concurso, indicando o corpo de fatos e dados obtidos após a defesa do título anterior
(doutorado) e que evidenciam qualidade e continuidade de ensino e pesquisa. Desta forma, a
banca poderá entender os motivos e razões pelas quais você percorreu determinada trajetória
acadêmica, assim como analisar, arguir e julgar sobre a produção intelectual dela derivada.
A prova de avaliação didática destina-se a verificar a capacidade de organização, a
produção ou o desempenho didático do candidato, e é regulamentada pelos regimentos das
unidades. Essas últimas, por sua vez, podem optar pela aula (convencional), em nível de pós-
94 Não obstante, teses de doutorado frequentemente são apresentadas no formato de artigos já publicados e
mesmo assim podem ser consideradas originais.
A livre-docência no Brasil
24
graduação, ou pela elaboração, por escrito, de plano de aula, conjunto de aulas ou programa de
uma disciplina. Note que o objetivo dessa prova é avaliar aspectos distintos daqueles sondados
durante o concurso de ingresso na carreira docente95, avaliando agora seu progresso,
amadurecimento e qualificação em atividades de ensino. Se a unidade determina que a prova seja
no formato de aula para pós-gradução, além da didática, o candidato deve apresentar
profundidade e atualização de conhecimentos tangentes a esse nível.
Se, ao invés, a determinação da unidade for por um plano de aula96, o candidato poderá
escolher o ponto, entre os 10 apresentados pela banca, sobre o qual quer discorrer. Durante uma
hora o candidato pode fazer consultas e, ao final desse período, ele tem duas horas para redigir
seu texto, sobre o qual a banca poderá arguí-lo (30 minutos por membro da comissão).
Esse manuscrito deve expor de maneira clara e organizada, a estrutura da aula. Isto é: (i)
seu formato (teórica ou prática; tempo de duração; expositiva, sala inversa, seminários ou outros),
(ii) os recursos didáticos utilizados (quadro negro, apresentação via projeção, vídeos, textos, jogos,
instrumentos ou outros), (iii) os objetivos desejados (o que se espera que o aluno tenha aprendido
ao final da aula), (iv) os tópicos que serão abordados e seus detalhamentos (o conteúdo em si,
pormenorizado), (v) eventuais formas de avaliação ao final da aula (breve prova escrita,
elaboração de textos, discussão em grupo, etc) e (vi) a bibliografia utilizada.
Ao final de cada prova, os membros devem conceder individualmente uma nota de zero a
dez, sendo que o peso de cada etapa é estabelecido no regimento da unidade. O resultado é
proclamado logo ao término das provas, pela comissão julgadora em sessão pública, sendo
considerado habilitado o candidato que alcançar, da maioria dos examinadores, nota final mínima
sete.
Os candidatos pertencentes ao quadro docente da universidade recebem o título de LD e
são promovidos à categoria de professores associados. Os demais aprovados que não sejam
professores dessa instituição apenas recebem os títulos de LD, que poderão ser apresentados em
suas respectivas universidades para os devidos fins.
95 Prova essa, tipicamente feita no formato de uma aula convencional em nível de graduação. 96 Caso o formato for “conjunto de aulas ou programa de uma disciplina”, mutatis mutandis.
A livre-docência no Brasil
25
Capítulo 6.
6.1 Introdução
Como esperado, a natureza multissecular da LD implica em uma história na qual seu
conceito e finalidade se modificam com o decorrer do tempo, assim como sua ocorrência em
universidades pelo globo. No Brasil, a LD emerge oficialmente em 1911, porém, apenas em 1938, a
primeira97 tese de livre-docência relacionada à Genética foi defendida. Naquele ano, o professor
Ramiro Alves Catule de Almeida apresentou a tese intitulada “Investigações metodológicas: base
genética (e) a sistemática do método aplicado a educação” (84 p.), defendida na Faculdade de
Educação (FE-USP; Área: Educação e Genética), evidenciando assim como essa ciência já
apresentava importância, no Brasil, nas primeiras décadas do século XX.
Contudo, a primeira tese de LD em Genética per se foi publicada somente em 1950. Desde
então, a Genética como ciência evoluiu de maneira célere. Neste capítulo discorreremos
sinteticamente sobre os perfis gerais de algumas teses de LD em Genética no Brasil, visando a
registrar as mudanças em sua estrutura, forma e organização, assim como suas sintonias com os
correspondentes avanços desse campo do conhecimento.
6.2 A primeira tese de LD em Genética
A década de 1940 contou com descobertas importantíssimas no campo da Genética.
Dentre essas, as mais destacadas na literatura científica foram: a hipótese “um gene, uma enzima”,
o princípio transformador do DNA em células, a incidência de mutações espontâneas em
bactérias, recombinação genética por bacteriófagos e, por fim, a descoberta dos “elementos de
transposição”, atualmente conhecidos como transposons. Com isso, a biotecnologia clássica (1800
– 1945), em sua transição para a biotecnologia moderna (1945 – presente), já buscava
implementar tais descobertas.
Nessa época, um dos grandes geneticistas brasileiros, Warwick Estevam Kerr (1922 – 2018),
já contribuía para a literatura científica. Nascido em Santana do Parnaíba (SP), Kerr foi engenheiro
agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da Universidade
de São Paulo (USP) em 1945. Enquanto cursava o seu doutoramento em Genética (concluído em
1948), também já iniciava sua carreira como professor da USP, onde obteve seu título de LD em
1950. Entre os anos 1951 e 1952, Kerr concluiu dois estágios pós-doutorais, trabalhando nas
universidades da Califórnia e de Columbia, ambas nos EUA. Em 1964, se tornou professor de
Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP, contribuindo para a criação do
Departamento de Genética e atuando no programa de pós-graduação em Genética. Ao longo de
sua trajetória como professor e pesquisador, Kerr também construiu vínculos com instituições
como a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)
e a Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Além de suas contribuições científicas, no início da
97 Possivelmente, essa é a primeira tese relacionado ao tema.
A livre-docência no Brasil
26
carreira, Kerr já havia obtido diversas premiações e títulos, incluindo: prêmio nacional de genética
pela Fundação André Dreyfus (1956), presidente da Sociedade Brasileira de Genética (1963-67),
membro titular da Academia Brasileira de Ciências (1963), entre outros.
Em 1950, Kerr publicou e defendeu sua tese de LD em Genética, intitulada “Estudos sobre a
genética de populações de himenópteros em geral e dos apíneos sociais em particular”, na USP. O
documento da tese, atualmente armazenado na biblioteca da ESALQ – USP, foi datilografado em
um total de 100 páginas, com imagens em preto e branco e, aparentemente, elaborado sem a
incorporação de artigos previamente publicados. Para isso, diversos estudos foram realizados com
espécies de Melipona sp. e Trigona sp. em busca da elaboração de fórmulas teóricas que definem
as populações de himenópteros, por meio de técnicas de cruzamentos entre indivíduos e cálculos
de frequências alélicas e das taxas de mutações entre gerações. Dessa forma, Kerr concluiu seus
estudos sem necessitar da incorporação de técnicas e conceitos que haviam emergido
exclusivamente nos anos precedentes à publicação de sua tese.
6.3 Teses de LD: exemplos de mulheres na Genética
Fortuitamente, a história da Genética no Brasil possui diversas mulheres como
protagonistas, entre elas Helga Winge, Chana Malogolowkin-Cohen, Eliana Maria Beluzzo Dessen,
Zilá Luz Paulino Simões, Mayana Zatz e Lygia da Veiga Pereira. A seguir discorremos sobre duas
delas, cujas teses de LD foram recentes.
Nascida em 1955 na cidade do Jardinópolis (SP), Elza Tiemi Sakamoto Hojo cursou
Ciências Biológicas (1976), mestrado (1980) e doutorado (1986) em Genética pela USP, onde
também obteve seu título de LD em Genética (2007). A bióloga também realizou 2 estágios pós-
doutorais pela Leiden University (Holanda) e, atualmente, ministra aulas pelo PPG em Genética da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Desde o início de sua carreira, Hojo conquistou
mais de 20 premiações pelas apresentações de seus trabalhos em congressos, workshops e
conferências, além de ter participado da presidência da Sociedade Brasileira de Mutagênese,
Carcinogênese e Teratogênese Ambiental (2008-2012).
Sua tese de LD, intitulada “Instabilidade genômica e sinalização celular coordenada em
resposta ao estresse genotóxico”, foi defendida em 2007 na Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto – USP. O documento da tese foi digitado, em 411 páginas, baseando-se
em discussões sobre 7 artigos previamente publicados pela sua equipe. Com o propósito de
compreender os mecanismos de sinalização coordenada em resposta a agentes citotóxicos, Hojo
e sua equipe usufruíram de ferramentas e metodologias do campo da genética molecular, as
quais ainda eram transformadoras para a década de 2000, sendo estas: FISH (Fluorescente In Situ
Hybridization), PCR, qPCR, sequenciamento de DNA, microarranjo de cDNA, Southern Blotting e
BLAST (Basic Local Alignment Search Tool).
Por sua vez, nascida em 1963 na cidade do Rio de Janeiro (RJ), Maria Helena de Souza
Goldman é bióloga formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em
Genética e Melhoramento de Plantas pela USP, doutora em Genética e Biologia Molecular pela
Ghent University (Bélgica) e obteve seu título de LD em Genética pela USP. Realizou também um
A livre-docência no Brasil
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estágio de pós-doutorado na Rutgers – The State University of New Jersey (EUA). Desde o início
de sua carreira como professora vinculada ao programa de pós-graduação em Genética da
FMRP-USP, Goldman tem recebido diversas homenagens, menções honrosas e premiações
devido às suas produções científicas e acadêmicas.
Em 2009, Goldman depositou sua tese de livre-docência, intitulada “Genes envolvidos no
desenvolvimento e função do pistilo de Nicotiana tabacum L., uma espécie auto-compatível de
estigma úmido”, na biblioteca da USP de Ribeirão Preto. A tese foi digitada em 142 páginas, com
imagens coloridas, baseada na discussão sobre 6 artigos publicados, entre os anos 1998 e 2009,
pelo seu grupo de pesquisa. Goldman e seus colaboradores, em seus trabalhos de genômica
funcional de tabaco, utilizaram tecnologias avançadas como sequenciamento de DNA, RT-qPCR,
tecnologia do DNA recombinante, hibridização in situ e transformação de plantas. Além disso, de
maneira inovadora e atualizada para o campo da genética na década de 2000, seus trabalhos
incorporaram uma série de ferramentas computacionais atrelados aos dados obtidos em bancada.
6.4 O perfil do LD em Genética
Apesar de apresentar um perfil semelhante ao observado para os demais LD (vide Fig. 3),
aqueles da área de Genética (Fig. 4, N=47) apresentam sutis diferenças quando se considera as
médias gerais (independente da década). Isto é, entre os LD na área de Genética, o tempo para
concluir a primeira graduação é seis meses maior (+6 meses), especialização: +8 meses, mestrado:
-10 meses, doutorado: -5 meses, LD: +2 meses. Essas diferenças evidenciam um período mais
longo para formação da base educacional (graduação e especialização), que uma vez esteja bem
consolidada, permite um rápido progresso (mestrado e doutorado mais curtos).
Figura 4. Comparação, entre diferentes decênios, do tempo para obtenção do primeiro título de determinado
grau, entre os portadores do título de LD na área de Genética. Legenda: G - graduação; E - especialização; M –
mestrado; D – doutorado; PD – pós-doutorado. Número de LD obtidos no decênio de 1950 - 2; 1960 - 2; 1970 -
6; 1980 - 6; 1990 - 7; 2000 - 14; 2010 - 10. N = 47, coletados no Lattes. Os decênios foram considerados no
seguinte formato: 1960 (1960-1969).
A livre-docência no Brasil
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Capítulo 7.
7.1 Os papéis do doutorado e da LD na formação docente
Fundada em 1951, a essência subjacente à CAPES é a capacitação de recursos humanos de
nível superior. Assim, a partir de 1965, os cursos de (mestrado e) doutorado por ela regulados
forneceriam os profissionais aptos para assumir a docência universitária. Para alguns, a expansão e
regularização dos cursos de pós-graduação strictu senso automaticamente implicavam na
superfluidade da LD no Brasil, desde então.
Contudo, se o doutoramento deve formar profissionais aptos para ensinar e pesquisar, é
necessário que os PPG ofereçam e valorizem disciplinas pedagógicas e ações relacionadas à
docência, em igualdade à atenção desprendida para a pesquisa. Semelhantemente, as agências
de fomento, órgãos universitários e PPGs devem prever, estimular e valorizar adequadamente as
atividades de ensino durante a formação doutoral. É inegável que alguns PPG e instituições
contêm em seus regimentos, ações que visam a conceder alguma experiência docente ao pós-
graduando, mas elas tendem a ser tímidas, pontuais e de curta duração. Neste sentido, no Brasil,
constata-se que preparamos doutores técnica, artística ou cientificamente ultraespecializados,
porém, sem o pleno e devido desenvolvimento de suas habilidades didáticas, tão importantes
para assumirem a docência no ensino superior.
Diante desse cenário, como a LD poderia ser tida como supérflua? Muito pelo contrário,
no passado e no presente, ela é a ponte entre o pesquisador doutor, sem experiência didática, e o
professor titular, por essência multifuncional (ensino, pesquisa, extensão e administração). A LD é a
diretriz para um professor recém-contratado, que busca sua qualificação. Mesmo se no futuro,
nossos cursos de doutorado promoverem a capacitação técnico-pedagógica global necessária
para o início da carreira docente, a LD permanecerá como a entidade norteadora e de
amadurecimento que garantirá a qualidade de ensino e pesquisa exigida de professores titulares.
7.2 Políticas públicas e iniciativas privadas
Em nossas pesquisas, percebemos que a vasta maioria dos bancos de dados públicos não
contém dados sobre os LD (e.g., SUCUPIRA e Censo do Ensino Superior do INEP) e aqueles que
possuem, infelizmente, apresentam informações incorretas, subestimadas ou não facilmente
prospectáveis (e.g., plataforma Lattes). Portanto, tornam-se necessárias políticas públicas que
revisem esses sistemas para corrigir estas falhas, assim como torná-los mais abrangentes,
incluindo outras títulações (e.g., Doutor of Science (D.Sc.), Notório Saber e Doutor honoris causa).
A discriminação do quadro de professores na ativa, quanto a outras qualificações/situações
especiais (pós-doutorado, professor sênior, professor emérito) poderiam enriquecer ainda mais as
análises. Quanto mais detalhada e clara for a descrição de nosso quadro docente, mais diretas e
específicas poderão ser as políticas para aperfeiçoar o pessoal de nível superior.
Semelhantemente, referente às IES públicas e privadas desprovidas de LD em sua
A livre-docência no Brasil
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estrutura, é importante que seus gestores tenham a nítida percepção que esse instituto se
correlaciona diretamente com a qualidade do ensino e pesquisa da instituição. Integrar a LD à
carreira professoral é investir na qualificação de seus docentes, cujo círculo virtuoso resulta em
alunos mais bem preparados e uma sociedade mais desenvolvida. O nítido exemplo é a tétrade
USP-UNICAMP-UNESP-UNIFESP, responsável por 37% da produção científica nacional98,
considerável número de patentes99 e elevada disputa de seus egressos pelo mercado de trabalho.
Apesar de não ser o único fator, esses dados podem ser facilmente correlacionados à LD. Note
que possivelmente 92%100 de todos os LD do Brasil foram forjados (durante a preparação para o
concurso) e estão alocados nessas quatro universidades. Adicionalmente, lembremos que apenas
1,6% dos professores do ensino superior são LD, ao passo que 47,4% do corpo docente do trio
USP-UNICAMP-UNESP têm essa titulação (5.157 professores, dentro de um universo de 10.879,
vide Tabela 3).
Em um editorial de engrandecimento à LD e convite aos companheiros de carreira, Fares
Rahal e Victor Pereira ressaltam que “...doutores hibernavam. Todavia estimulados pelos mais
velhos encaram a livre-docência como balisamento dos seus esforços, não só pelo título em si
também, mas para conseguir o desiderato: mais saber e mais experiência.” “A livre docência honra
o candidato e a faculdade.” 101
7.3 Contemplando a excelência
Esperamos ter alcançado três objetivos com essa obra. O primeiro deles foi o de
apresentar o instituto da LD e estimular o professor doutor em início de carreira a buscar esse
próximo destino. Conforme relatado, mesmo que sua IES não abra editais para LD, você pode se
inscrever nos concursos em outras instituições, pois os mesmos são públicos. Nesse sentido,
discorremos sobre o que é a LD, seus objetivos, sua história e porque o docente deve buscar a
LD. Semelhantemente, esperamos que os gestores institucionais possam ter enxergado a
centralidade e os benefícios da LD para a academia e para o corpo discente.
O segundo é auxiliar aqueles que já estão prestes a realizar o concurso de LD, mas que
ainda não conseguiram compreender, em níveis mais profundos e viscerais, o significado da etapa
pela qual estão se propondo a passar. Assim, buscamos esclarecer a relevância da LD para a
educação e a formação docente.
O terceiro e mais ambicioso objetivo é o de resgatar a LD para o centro da carreia
docente em âmbito nacional, como ela já foi um dia. Inegavelmente, um dos motivos pelos quais
muitos professores não buscam a LD e/ou seus IES não reacendem a chama da LD é por
desconhecimento de sua existência, significação ou importância. Esperamos que este estudo
tenha auxiliado a preencher essa lacuna.
98 Pesquisa feita no Web of Science em 23.03.19 indicou que o Brasil publicou 922.958 trabalhos entre 1900-
2019. Desses, 338.707 contêm autores de pelo menos uma dessas quatro universidades. 99 http://revistapesquisa.fapesp.br/2018/07/10/relacoes-com-o-setor-produtivo/ 100 Porcentagem especulada, de acordo com a tabela 3. 101 Livre docência por quê? (EDITORIAL). Fares Rahal, Victor Pereira. ARQUIVOS MÉDICOS dos Hospitais e
da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
A livre-docência no Brasil
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Não poderíamos finalizar esta obra de outra maneira, senão, registrando a grandiosa
conquista do professor Eder Pires de Camargo, considerado o primeiro cego a se tornar LD no
país, em 2018 pela UNESP de Ilha Solteira, na área de Física102. É realentador constatar que esse
nobre instituto ainda é visto como uma chama de qualidade na academia brasileira, contemplada
até mesmo por aqueles que não podem enxergar.
102 http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2016/06/professor-cego-da-unesp-
conquista-titulo-de-livre-docencia.html