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    Por Luciano Ventura

    O MTODO EM MARX

    Professor Jos Paulo Netto (UFRJ)

    Programa de Ps-Graduao em Servio Social da Universidade Federal de Pernambuco

    Aula 1 A Filosofia do Direito Hegeliano e a Crtica de Marx de 1843:A Especificidade da Obra de Marx

    TPICOS DE ANLISEObservao: A aula palestra aqui transcrita e analisada forma um bloco nico e coerente deinformaes sobre a vida, o objeto e o mtodo de estudo e a produo intelectual de Karl Marx. A

    diviso, que abaixo se segue, trata-se apenas de uma fragmentao, de minha responsabilidade,

    que objetiva otimizar a absoro do contedo por meio de uma organizao interna ao texto emforma de tpicos.

    Problemas inerentes diviso do pensamento de Marx Os trs pilares da obra Marxiana Condio alem do sculo XIX e o trabalho na redao da Gazeta RenanaPercepo da insuficincia de sua formao e da ocorrncia de lutas de classes Seu envolvimento com a polticaViagem para Kronach e contato com a obra de Hegel Hegel e a relao entre Estado e sociedade civil A Esquerda e a Direita Hegelianas A influncia de Feuerbach Manuscritos de Kronach: Primeira Crtica a Hegel Estadia em Paris Incio da parceria com Engels

    Contato com a tradio socialista e com o movimento operrio Surgimento do Partido Comunista e o seu Manifesto O Manifesto Comunista e a Revoluo de 1848 O exlio e a misria em Londres Anlise cronolgica das pesquisas e produes de Marx Caractersticas de um grande pensador. Crtica acadmica a Marx Condenao dos recortes filolgico e cronolgico do pensamento marxiano Relao entre os vrios marxismos e a editorao das obras de Marx

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    PROBLEMAS INERENTES DIVISO DO PENSAMENTO DE MARX

    O professor Jos Paulo Netto, inicia o conjunto de suas aulas-palestrasabordando o pensamento de Marx e o problema que geramos quando o fracionamos deacordo com o enfoque das diferentes cincias que se propem estud-lo. Afirma, ele,que ao dividirmos o pensamento Marxiano, de maneira a atender s diversas cincias reas do conhecimento que dele tratam, acarretamos, por conseqncia, a negaode sua especificidade, retirando dele aquilo que lhe peculiar: a natureza de sua obra e

    os trs pilares que a suportam (mtodo dialtico, perspectiva de revoluo e teoria dafora trabalho).

    TRS PILARES DE SUA OBRA

    Neste momento, o professor expe sobre cada um daqueles que ele consideraos trs pilares da obra Marxiana. Sobre o mtodo dialtico, aponta que se ele forsuprimido do pensamento de Marx, o conjunto de sua obra ser destrudo. Adesvalorizao do mtodo dialtico e a conseqente esterilizao do pensamentoMarxiano, so atribudas, pelo professor, contaminao que o pensamento Marxistasofreu por meio do Positivismo e do Neo-Positivismo no final do sculo XIX e incio dosculo XX.

    Sobre a perspectiva da revoluo, afirma que ela teria como protagonista oproletariado articulado como classe no ps 1848. Esta perspectiva poderia sercompreendida como a supresso das estruturas fundamentais da ordem burguesa.

    J teoria do valor trabalho se junta aos dois pontos anteriores e daria, juntocom eles, fundamentao ao pensamento de Marx, sendo, portanto, os alvos preferidosde seus crticos ao longo dos anos.

    CONDIO ALEM NO SCULO XIX E O TRABALHO NA REDAO DA GAZETA RENANA

    A partir deste momento, Jos Paulo Netto inicia uma anlise que tem por base abiografia de Karl Marx. A abordagem biogrfica justifica-se totalmente quandopercebemos como o professor amarra os diversos temas que pretende expor,originando tal exposio nas passagens mais significativas da vida do filsofo alemo.

    Afirma ele que Marx nascera no Estado germnico da Rennia, em 1818, emuma famlia de camada mdia urbana, tendo como ascendncia materna a Holanda(famlia Phillips), e judaica por parte paterna. Morrera na Inglaterra, em 1883.

    Apesar de judeu, o pai de Marx no guardaria as tradies, tanto que, para poderadvogar, ter-se-ia convertido ao Cristianismo - o que para ele no teria alterado emnada sua vida, uma vez que se tratava de um ctico.

    A Rennia era um dos quarenta Estados germnicos - alguns governados porMonarquias Constitucionais, outros por meio do Absolutismo - fracamente ligados porum parlamento geral, liderado pela Prssia. Nesta Confederao Germnica, o poderainda estava associado posse da terra, uma vez que a regio no sofrera o processoda revoluo burguesa. Sob este aspecto, o professor afirma ser a Rennia um Estadorelativamente mais progressista que os outros e aponta como causa disto a ocupaofrancesa do lugar e a implantao e utilizao, nele, do Cdigo Napolenico, at omomento da realizao do Congresso de Viena, em 1815. Foi tambm neste Estadoque teve incio um primeiro processo de industrializao, apesar de tmido e lento.

    Marx abandonara a Rennia indo para Berlim onde faria a faculdade de Filosofia,tornando-se doutor, em 1841, pela Universidade de Iena, na qual discutira as diferenasentre as Filosofias da Natureza de Demcrito e Epicuro.

    Justamente por no ter passado pelo processo clssico da Revoluo Burguesa,o professor diz no ser possvel considerar a Alemanha como um Estado laico, e que

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    era possuidor de uma burguesia dbil. Diante de tal situao a ascenso de FredericoGuilherme IV ao trono trazia a expectativa de laicizao e modernizao do Estado,porm, tal perspectiva mostrou-se inverdica aps sua posse. Guilherme no teriacomposto com nenhum setor da fraca burguesia alem, mantendo as antigascaractersticas de relaes, classificadas pelo professor como uma poltica retrograda eopressora no que tangia aos outros Estados germnicos. Os reflexos desta postura

    teriam chegado Universidade de Berlim, onde o imperador elegera para reitor ofilsofo Schelling. Este havia trabalhado, no incio do sculo, com Hegel na crtica aoIdealismo Subjetivo de Kant, antes de dele se separar e lanar as bases dopensamento conhecido por Moderno Irracionalismo Alemo. Como Hegel dirigira aUniversidade de Berlim at a sua morte, em 1831, o objetivo de Guilherme era varrerqualquer resqucio de seu pensamento dentro da instituio, fazendo, por meio daposse de Schelling - de pensamento reacionrio -, uma perseguio de todos aquelesprofessores que de alguma forma eram ligados ao pensamento Hegeliano. Diante destequadro acadmico, Marx teria visto a impossibilidade de trabalhar como professornaquela instituio.

    Marx voltaria a Rennia e trabalharia primeiro como jornalista, depois comoredator chefe, na cidade de Colnia, num jornal chamado A Gazeta Renana, quepossua uma plataforma liberal e era mantida pela incipiente burguesia local que, pormeio dele, fazia ataques ao poder central prussiano.

    PERCEPO DA INSUFICINCIA DE SUA FORMAO E DA OCORRNCIA DE LUTAS DE CLASSES

    Essa experincia fora valorosa a Marx sob dois aspectos: inicialmente, permitiu-lhe perceber a diferena existente entre o trabalho no jornal e aquele que desenvolviana Academia, onde, o dinamismo do ltimo lhe permitia um tempo relativamente grandepara o estudo e a soluo do problema que se lhe pusesse, enquanto o primeiro pediasolues em curtssimo tempo; e, tambm, fora no trabalho desenvolvido no jornal queMarx percebera que sua formao filosfica no seria suficiente para explicar aspolmicas poltico-econmicas que permeavam a sociedade alem poca.

    Sendo um democrata radical, Marx utilizava o jornal para desferir crticas aoabsolutismo de Frederico Guilherme IV por meio de artigos que tratavam da liberdadede imprensa e o papel da censura. Temos acesso a estes textos que esto reunidossob o ttulo de Acerca da Liberdade de Imprensa. Os ataques de Marx eram bem-vistospela burguesia at que tal situao a investiu de fora suficiente para negociar com opoder central. Chegando a um termo que lhe pareceu favorvel, a burguesia Renanacortou a emisso de recursos que disponibilizava para o funcionamento do jornal. Combase neste exemplo, o professor Jos Paulo classifica como historicamentecomplicadas as negociaes tratadas com a burguesia. Seria, ento, por meio de talepisdio, que Marx perceberia a ineficcia das idias liberais na Alemanha e adebilidade de sua classe burguesa. Porm, a mais importante constatao decorrente

    fora a existncia do conflito de classes. Em 1842, Marx ainda no tinha desenvolvido oconceito de classes.

    SEU ENVOLVIMENTO COM A POLTICA

    A insero de Marx na luta poltica se inicia quando, na redao do jornal, foraobrigado a tomar partido em uma disputa que envolvia o poder monrquico e oscamponeses alemes. Trata-se da promulgao de um decreto imperial que tachava atradicional retirada de lenha das florestas pelos trabalhadores com crime passvel depunio. Ocorre que tal prtica era legitimada por um direito consuetudinrio,

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    historicamente construdo, uma vez que a lenha ali obtida era no s a condioprimordial para a elaborao do alimento, mas, tambm, para a manuteno daexistncia por conta do aquecimento. Marx, fazendo uso do jornal, se colocafavoravelmente posio dos camponeses por uma questo tica, mas logo percebeuque no conseguiria sustentar politicamente a defesa destes com base em argumentostico-morais.

    Este episdio marca a passagem de Marx de uma candidatura a professor deFilosofia para a condio de um intelectual que transita para uma vocaosociocntrica. A poltica na qual Marx se insere a partir deste momento aquela que,no sentido grego, promove a construo da polis, do espao pblico, da afirmao dapositividade da socialidade, diferente, portanto, segundo o professor, desta que praticada na contemporaneidade.

    VIAGEM PARA KRONACH E CONTATO COM A OBRA DE HEGEL

    Sendo sabedor de que sua formao filosfica no daria conta para explicar arealidade que vivia, Marx se auto-exila fazendo uma viagem para Paris, cidade queainda resguardava algumas liberdades individuais, uma vez que a Restaurao, em1830, no apagara as conquistas da Revoluo de 1789. Tal viagem tambm fora

    motivada pela existncia de um projeto, concebido em parceria com um liberal alemochamado Arnold Ruge (1802 - 1880), de editar uma revista em Paris e remeter seusexemplares clandestinamente para a Alemanha, driblando a censura. A revista tinhacomo objetivo fazer a confluncia entre o debate francs e a problemtica alem.

    Antes de iniciar a viagem, ele se casa com uma jovem alem de origem nobre,filha de um conselheiro imperial, chamada Jenny von Westphalen. Durante o trajeto,Marx e Jane permanecem em lua-de-mel em um balnerio alemo chamado Kronach.Durante a viagem e sua estadia em Kronach, Marx iniciou estudos profundos sobre ahistria da Revoluo Francesa e acerca daqueles aos quais hoje chamamos de paisda Teoria Poltica. Com o intuito de se municiar para poder compreender a realidade naqual se inseria, ele leu desde Machiavelle at Rousseau. Lendo, ento, os tericos

    polticos modernos, durante o traslado de um pas para o outro, Marx se depara comum texto de Hegel que seria da maior importncia para o desenvolvimento do seupensamento posterior: A Filosofia do Direito (1821). Para Jos Paulo Neto, Hegel oltimo grande pensador clssico da Filosofia alem.

    HEGEL E A RELAO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

    A problemtica da qual se ocupa a Teoria Poltica, desde seu surgimento, arelao entre Estado e sociedade civil. Para Hegel, seria a sociedade civil o reino damisria fsica e moral. Esta sociedade civil estava associada, para ele, com a ordemburguesa, fundada num mercado sem limitaes, qualificada como um caos que stornar-se-ia o reino das realizaes humanas na medida em que nela fosse introduzida

    uma racionalidade que a superasse. Esta racionalidade seria o Estado que, ento,fundaria e organizaria a sociedade civil.

    A ESQUERDA E A DIREITA HEGELIANAS

    Desta obra e desta questo emerge a clebre determinao hegeliana de que oque real racional, tornando-se, tal afirmao, a base para a diviso daqueles queacompanhavam o pensamento de Hegel em dois grandes grupos: a EsquerdaHegeliana e a Direita Hegeliana. Para o ltimo, o real, ou aquilo que existe, estariaconforme os imperativos da razo, sendo que sua contestao, portanto, seria

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    irracional. Nota-se uma ideologia que suporta todo um conjunto de pensamentoconservador. Para o primeiro, se o real racional, ele poderia ser submetido razo e,desta forma, seria passvel de crticas. Percebe-se nesta interpretao segunda, umalegitimao para eventuais mudanas no status quo da sociedade alem da poca.

    A INFLUNCIA DE FEUERBACH

    O objetivo de Marx ao estudar Hegel, nos anos de 1942 e1943, e com ele

    debater seria, segundo o professor, compreender a relao existente entre o Estadoalemo e sociedade civil. Mas esta leitura e debate esto balizados por uma influnciarecebida por Marx do pensamento de Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872) - crticoradical das idias de Hegel. Em 1841, Feuerbach publica uma obra bastante polmicaintitulada A essncia do Cristianismo, na qual trava combate com a noo de alienaoconstitutiva, que entendia existir na obra de Hegel. Tal noo afirmava que o esprito(Deus) teria entrado em contradio consigo mesmo deixando de ser harmnico,integrado, entrando em um processo de autodilaceramento. Neste processo, oesprito se aliena de si prprio dando origem ao mundo e confrontando-se com este.Dentro deste confronto, esprito e mundo se modificam, alteram-se, negam-seoriginariamente, reconciliam-se e instauram uma nova realidade: o esprito-mundo.

    Jos Paulo afirma que este processo expressaria a trade dialtica hegeliana, onde aafirmao seria o esprito, a negao seria sua alienao no mundo, e a negao danegao, sua reconciliao com o mundo.

    Feuerbach enxergaria nesta relao a consagrao da idia de Deus mas, paraele, de maneira invertida. O crtico afirma que no seria o esprito (Deus) quem cria omundo (homens), mas os homens, que desconhecendo suas reais potencialidades,alienam-nas numa figura ideal que seria Deus. Ento, para Feuerbach, Hegel operauma mistificao quando coloca o predicado no lugar do sujeito e vice-versa.

    Esta interpretao fascinaria Marx e todo um conjunto de jovens pensadores dadcada de 1840. Segundo o professor, Feuerbach e seu pensamento foram um imensoavano na Alemanha da poca, na medida em que ele executa uma crtica da religio

    no contexto de um Estado que ainda no era laico.Fortemente influenciado por Feuerbach, Marx, lendo a Filosofia do Direito,

    constatou uma inverso, a seu ver, contida na obra de Hegel, no que respeita relaoentre o Estado e a sociedade civil. No seria, para Marx, o Estado que fundaria asociedade civil, mas esta que permitiria a compreenso daquele.

    MANUSCRITOS DE KRONACH: PRIMEIRA CRTICA A HEGEL

    em Kronach, em 1843, neste dilogo com Hegel, por meio de extraes departes da Filosofia do Direito e de anotaes resultantes das reflexes sobre elas, quesurge um manuscrito que ficaria conhecido com Manuscritos de Kronach ou a PrimeiraCrtica de Marx a Hegel; obra, esta, na qual ele faz uma crtica interna ao pensamento

    de Hegel, mas que, como explica o palestrante, no era destinada publicao,tratando-se to somente de material pessoal de estudo para seu auto-esclarecimento.Os Manuscritos de Kronach recusam a soluo hegeliana afirmando que, para se

    conhecer o Estado, faz-se necessria a compreenso da sociedade civil, e no oinverso, como est contido na Filosofia do Direito. Marx se depara, ento, com umgrande problema: como chegar a esta necessria compreenso da sociedade civil?Com quais instrumentos tericos? Com qual arsenal de categorias?

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    ESTADIA EM PARIS

    Neste momento, Marx teve a clareza de que o seu conhecimento filosfico,dentro de uma abordagem jurdico-poltica, no daria conta de responder ao problemaque se lhe apresentava. Por no possuir respostas, Marx no terminara o texto,levando-o consigo para Paris.

    Na capital francesa, estabelece-se no nmero 38 da rua Vanneau, dividindo aresidncia com outros intelectuais alemes exilados. Coloca em prtica seu projeto de

    publicao de uma revista que se ocuparia da anlise das manifestaes culturais aliemergentes, alm das preocupaes com o Estado alemo. Durante sua dedicao produo da revista Anais Franco-Alemes, que a produziu em conjunto com ArnoldRuge, chegou s suas mos um texto, de pouco mais de trinta pginas, de FriederichEngels (1820 - 1895), que escrevia e enviava s revistas artigos para serem publicados.

    INCIO DA PARCERIA COM ENGELS

    Como expe Jos Paulo, Engels tambm nascera na Rennia, mas,diferentemente de Marx, era filho de uma rica famlia de industriais do ramo txtil, comfbricas na Alemanha e sociedade na Inglaterra. Outra diferena entre os doispensadores ficaria por conta da formao acadmica. Diferentemente de Marx, Engels

    nunca freqentou cursos regulares, passando como aluno-ouvinte pela universidade.Apaixonado pelas questes militares, prestou servio no exrcito voluntariamente.Segundo o professor, Engels possuiria uma inteligncia sintonizada com as novidades,de fina percepo para os fenmenos emergentes. Sentindo que o filho precisava deuma formao mais rgida, o pai de Engels o enviara para a Inglaterra onde, de 1842 a1844, ele trabalharia na empresa de sociedade do pai, em Manchester. Ao invs degerenciar a empresa da forma como seu pai o esperava, Engels se liga ao movimentooperrio ingls que estava se desenvolvendo, impulsionado pelo Movimento Cartista.Engels chegou a se casar com uma operria de origem irlandesa e posteriormente, porocasio de sua morte, assume compromisso com sua irm.

    Um dos artigos por ele escrito continha um texto intitulado Esboo de uma crtica

    sobre economia poltica que, segundo Jos Paulo, poderia ser qualificado por singelo e,ao mesmo tempo, extremamente revolucionrio. Este esboo viria ao encontro doanseio de Marx pelo entendimento da sociedade civil burguesa, sendo de fundamentalimportncia em seu desenvolvimento intelectual, tanto que fora por ele caracterizadocomo genial, quando da publicao do primeiro volume de O capital.

    No final de 1844, em sua viagem de retorno da Inglaterra, seguindo para aAlemanha, Engels passou por Paris, encontrando-se com Marx e com ele mantendodilogos. Dentro destas conversas, perceberam que, mesmo por caminhos diferentes,chegavam s mesmas concluses e, como resultado destas discusses, surgiu, em1845, a obra de nome A sagrada famlia ou Crtica da crtica crtica, alm de toda acolaborao intelectual entre ambos, classificada pelo professor como a mais

    importante do mundo moderno.Nesta parceria, apesar da maior salincia intelectual de Marx, Jos Paulo afirmaque no devemos subestimar a importncia de Engels como o principal interlocutor deMarx, tendo o introduzido no universo da Economia Poltica. Para o professor, Engelsfora um pensador original, mesmo que trabalhando com Marx, possua a autonomiacomo caracterstica.

    Aps o fracasso da Revoluo de 1848, tanto Engels como Marx foram para aInglaterra, onde permaneceriam durante a dcada de 50. Enquanto Marx se instalou em

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    Londres, Engels foi para Manchester, onde trabalhou at 1870 e de onde, a partir domomento em que fora possvel, passou a financiar a vida material do amigo.

    Sobre a edio dos volumes dois e trs de O capital, Engels tido como co-autor, alm de responsvel pela edio.

    CONTATO COM A TRADIO SOCIALISTA E COM O MOVIMENTO OPERRIO

    Mas fora ainda em Paris que, alm do encontro com Engels, Marx entraria em

    contato com a tradio do pensamento socialista por meio da leitura de seus escritorese do convvio com as associaes do movimento operrio. Marx lera textos de GracoBabeuf e conhecer o pensamento de Auguste Blanqui. At ento, segundo JosPaulo, o proletariado seria para ele uma figura um tanto mstica, uma vez que naRennia, no industrialmente desenvolvida, no pudera ter contato com esta classe depessoas. Nesta aproximao com os trabalhadores em associaes, sociedades eclubes de operrios, Marx conhecera um novo tipo de relao entre os homens, dentrodo qual a possibilidade da fraternidade seria real. A estadia em Paris marcaria, emMarx, a transformao de um democrata radical para um pensador comunista,vinculado ao movimento operrio.

    Sobre as tradies do movimento operrio e do movimento comunista, o

    professor atenta para o fato de no existir necessria coincidncia histrica, sendo asfronteiras do primeiro muito mais amplas do que as do ltimo. Para exemplificar, ele citao ingls Robert Owen (1771-1858), que pleiteava uma sociedade comunista sem fazercitaes classe trabalhadora.

    Jos Paulo pontua que Marx, embora no tivesse participado do surgimento denenhuma destas tradies, seria, no campo terico, o responsvel pela conflunciadestes dois seguimentos quando, em seu objetivo de compreender a sociedade civil e oEstado, escolhera uma perspectiva poltica.

    SURGIMENTO DO PARTIDO COMUNISTA E O SEU MANIFESTO

    Sua estadia em Paris chegaria ao final em 1845 quando, pressionado pelos

    prussianos que estavam descontentes com as crticas publicadas por Marx na revistaque contrabandeava para a Alemanha, o governo francs declarou sua extradio.Marx seguira, ento, para o exlio em Bruxelas onde manteria seu vnculo com o

    movimento operrio, contatando organizaes clandestinas de exilados alemes, sendouma delas a chamada Liga dos Justos, que quando surgira em 1839, intitulava-se Ligados Proscritos, mudando seu nome a partir de 1843. Conforme nos explica o professor,o primeiro envolvimento de Marx fora o de um contato sem maiores implicaes. Masentre 1846 e 1847, a Liga dos Justos passara por uma ciso interna e Marx teria sidoprocurado por eles para que se colocasse frente do grupo. Reformulando ascaractersticas do grupo, ele aceita a interlocuo e trs Engels para a discusso tendo,como resultado desta aproximao, a realizao de um primeiro congresso em

    Bruxelas, que seria retomado ao final de 1847 em Londres. Na capital inglesa, Marx,Engels e alguns pensadores mais prximos a eles conquistaram a direo da Liga,operando na mesma uma profunda mudana de orientao. O grupo fora rebatizado,passando a se chamar Liga dos Comunistas e tendo a pretenso de apresentar aomovimento operrio e ao mundo poltico a sua plataforma. Em princpio de 1848 esteprograma fora concludo por Marx e Engels e publicado com o nome de ManifestoComunista, sendo alterado, a partir de sua quinta edio, para Manifesto do PartidoComunista. Ao sair do prelo, a obra no possua assinatura individual, era um texto que

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    falava em nome de um grupo. Somente dois anos depois comeara a ser impressa coma assinatura de Marx e Engels.

    O MANIFESTO COMUNISTA E A REVOUO DE 1848

    Foi contempornea ao lanamento do Manifesto Comunista, a Revoluo de1848, e o professor atenta para o fato de ser esta pouco presente nos atuais estudos deHistria, como se a ltima revoluo legtima e, portanto, digna de estudo fosse a

    Burguesa de 1789, sendo as que se seguiram apenas casos de polcia.A Revoluo de 1848 marcaria uma crise, alm de poltica, tambm cultural na

    Europa burguesa. Jos Paulo Netto deixa claro que a Revoluo de 1848 no foramotivada pelo Manifesto, uma vez que os revolucionrios reivindicavam ainda aquelesvalores aclamados pela Revoluo Francesa e, at ento, longe de seremimplementados pela sociedade liberal: igualdade, liberdade e fraternidade, que seriamsintetizadas, pelos rebelados, em apenas um argumento: o direito ao trabalho.

    O professor nos lembra que, em 1848, apenas as vanguardas operrias tinhamclaro que os seus interesses de grupo seriam incompatveis com os da classeburguesa, e seriam elas que, a partir desta percepo, poriam o operariado comosujeito revolucionrio, com interesses e objetivos que lhes eram prprios.

    O professor explica no ser apenas coincidncia histrica a Revoluo de 1848 eo Manifesto Comunista serem coetneos. Este ltimo expressaria, do ponto de vistasocial, a irrupo de um novo sujeito histrico, e mesmo que os trabalhadores pocano tivessem lido o Manifesto, ele sinalizara no campo ideal aquilo que estava sendogestado no mbito scio-material.

    O EXLIO E A MISRIA EM LONDRES

    Aps a Revoluo, o governo provisrio cancelara o ato de expulso de Marx deParis, ele retornara capital francesa mas l no ficaria alm de um ms, dirigindo-separa a Alemanha, onde a Revoluo acabara de explodir. Novamente na Rennia, Marxfunda um novo jornal, sob o ttulo de A Nova Gazeta Renana, com o objetivo de

    organizar e direcionar a revoluo na Alemanha. O movimento duraria dezoito meses eao trmino os manifestantes foram fortemente repreendidos, indo Marx, em 1849, parao exlio na cidade de Londres e Engels, para Manchester.

    Do ponto de vista econmico-finaceiro, o professor afirma que a dcada de 50 foimuito dura para a famlia Marx, uma poca de misria literal, uma vez que Engels siria conseguir auxili-la no final deste perodo, enquanto o filsofo vivia como escritor deartigos para jornais operrios, tendo sua remunerao prxima de zero e sem nenhumaoutra profisso. Neste contexto, todo o dote material que Marx recebera por obra deseu casamento fora penhorado nas lojas de Londres e ele teria at mesmo perdido umfilho por simples falta de condies para assisti-lo.

    Neste momento da palestra, o professor realiza um parnteses para expor um

    pouco da personalidade de Marx, afirmando ser ele um homem fruto de seu tempo.Ilustra o comentrio citando o preconceito manifestado pelo pensador diante dointeresse de um haitiano radicado francs pela sua filha Laura. Dizia ele que o talhomem, Paul Lafargue (1842-1911), no seria um bom partido para a filha, justificandocom o fato de serem os homens dos trpicos um tanto quanto preguiosos. Lembra-nos, tambm, do adultrio cometido por Marx com a acompanhante de Jane vonWestphalen, do qual resultar em um filho assumido por Engels.

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    ANLISE CRONOLGICA DAS PESQUISAS E PRODUES DE MARX

    No perodo compreendido entre 1843 a 1848, Marx teve intensa participaopoltica e realizou exaustivos estudos. Foi ao fim deste nterim que ele se qualificoupara desvendar o problema que o perseguia desde 1843. O professor pontua osmanuscritos de 1857/58 como um segundo marco dentro do pensamento marxiano, nosquais o pensador iria calibrar a sua tica terico-metodolgica, encontrando o patamarnecessrio para decifrar a sociedade civil na ordem burguesa. Foi em 57/58 que

    comeou a se desenvolver o plano para a elaborao de O Capital, que s viria a serpublicado em 1868 com o ttulo de O Capital I.

    Durante toda a dcada de 60, at 1875, Marx pesquisaria e produziria muito,agora com o auxlio financeiro de Engels. Em 1864, ele criaria a AssociaoInternacional dos Trabalhadores. Jos Paulo Netto classifica o perodo entre os anos de1857 e 1867 como o de maior importncia na constituio da obra marxiana, sendoque, a partir de 70, seu impulso criativo entraria numa curva decrescente diminuindomuito em 1875 e silenciando-se de 1880 at sua morte em 1883.

    CARACTERSTICAS DE UM GRANDE PENSADOR

    O professor diz que so comuns a todo grande pensador, queles que produzem

    uma estrutura terico-poltica, dois traos principais: possuir uma problemtica que oacompanha ao longo de toda vida e vocalizar um sujeito social. Segundo ele, todogrande pensador se dedica a apenas um grande problema, o qual estudar e para oqual tentar dar respostas, sendo que so a magnitude e a relevncia deste problemaque, em larga medida, caracterizam a magnitude e a relevncia do prprio pensador.Aqui Jos Paulo efetua crtica ao padro americano difundido nas universidadesdizendo que o meio acadmico contemporneo no propicia a dedicao exclusiva eintegral a um nico problema, tendo, os estudiosos, que produzirem vrios projetosdurante espaos de tempo relativamente curtos. O outro trao que caracteriza comogrande um pensador seria a expresso, por parte dele, de um dado movimento social,ainda que ele no o saiba, ou, mesmo, que o negue.

    No caso de Marx, a problemtica a qual se dedicou por toda vida foi acompreenso da ordem burguesa, sua gnese, desenvolvimento, consolidao equeda, enquanto o sujeito social j est reconhecido como sendo o proletariado que secoloca como sujeito histrico autnomo desde 1848. Pela boca de Marx falava oproletariado revolucionrio, ainda que este no o soubesse.

    CRTICA ACADMICA A MARX

    Pessoas do meio acadmico, com intuito de desvalorizar a anlise marxiana, afirmam que

    Marx no fora um operrio e que a classe operria o ignorava. O professor concorda com as duasasseres dizendo que se Marx fosse um proletrio no poderia ter escrito O Capital, mas que

    Marx a expresso, no plano do pensamento, da transformao do proletariado urbano industrial

    de classe em si em classe para si.

    CONDENAO DOS RECORTES FILOLGICO E CRONOLGICO DO PENSAMENTO MARXIANO

    Jos Paulo Netto afirma que Marx um pensamento em processo e que, porisso mesmo, no ser encontrado na obra marxiana os mesmos entendimentos nosdiversos perodos de seu desenvolvimento, mas que no devemos fazer uma ciso,como pretendem alguns fillogos, entre o velho Marx, crtico da teoria poltica ecientista, e o jovem Marx, filsofo e humanista. Essa ruptura entre os textos de umMarx jovem e de outro em sua maturidade vem sendo analisada por todo o sculo XX,mas encontrar-se-ia mais fortemente perceptvel no pensamento de Louis Althusser. O

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    professor afirma que a ausncia das categorias que compem O Capital, nos textos de1843, no embasaria um corte epistemolgico no pensamento marxiano, que, apesarde poder ser considerado uma unidade, no se edifica na forma de uma identidade. Aocontrrio de identidade, a unidade no imbricaria na reiterao do mesmo e esta seriasustentada pela centralidade sempre ocupada pelo seu objeto de pesquisa: asociedade civil na ordem burguesa.

    Nesta unidade que seria o pensamento de Marx, podemos verificar, de 1843 a1883, um crescente enriquecimento de temticas, o abandono de diversas pistas depesquisas e a explorao intensiva de outras.

    RELAO ENTRE OS VRIOS MARXISMOS E A EDITORAO DAS OBRAS DE MARX

    Abordando a necessidade de percebermos a existncia de vrios marxismosdentro da Tradio Marxista, Jos Paulo Netto comenta sobre a infeliz sorte editorialpela qual teria passado a produo literria marxiana. Afirma, ele, que obrasimportantes cunhadas por Marx no chegaram a ser lidas por pensadores fundamentaisdentro do marxismo. Para exemplificar, o professor cita as datas de morte de algunsdeles, como as de Rosa Luxemburgo e Plekhanov, ambas em 1919, a de Lnin, em1924, e a de Gramsci, em 1937, comparando-as com a data de publicao dos

    Manuscritos de Kronach, que, ao acontecer apenas em 1927, teriam ficado fora doalcance daqueles que j haviam falecido e mesmo do filsofo italiano, que seencontrava detido nos crceres fascistas de Mussolini. De maneira semelhante, estesestudiosos tambm no teriam tido a oportunidade de conhecer outros textos defundamental importncia para a compreenso do pensamento marxiano, como osManuscritos Parisienses - os Manuscritos Filosficos Econmicos de Paris -, escritosem 1844, alm da Ideologia Alem, concebida em 1846 por Marx e Engels, que sseriam publicados em 1952. Outros exemplos so os Manuscritos de 1857/1858 que sviriam a ser publicados em 1939 e 1941, em meio a uma realidade beligerante quedificultava ainda mais a sua anlise. Assim, o professor conclui dizendo que osprincipais expoentes da Tradio Marxista no teriam conhecido textos fundantes do

    pensamento de Marx.Ainda sobre a editorao da obra de Marx, Jos Paulo lembra-nos que os trs

    grandes blocos de textos manuscritos pelo pensador entre 1857 e 1865 s seriampublicados muito posteriormente: o primeiro, concebido entre 1857 e 1858, s seriapublicado entre 1939 e 1941; o segundo conjunto de textos fora desenvolvido entre1961 a 1963 e o terceiro entre 1963 e 1965. A nica obra resultante da elaboraodestes trs perodos de criao intelectual que fora publicada por Marx foi o primeirovolume de O Capital, em 1867, sendo que O Capital II s seria publicado por Engels,que organizou as notas de Marx, dois anos aps a morte deste. O terceiro volume daobra teria demandado um trabalho maior de Engels devido s pssimas condies nasquais se encontrava o material, s sendo possvel sua publicao em 1887. Dado o

    tamanho trabalho que foi empreendido por Engels na publicao do volume III de OCapital, ele considerado pelo professor como um co-autor e no somente o editor. Oprofessor cita a existncia de um quarto volume, editado por uma outra pessoa, masque ficara conhecido como Histria da Teoria das Mais Valias ou, segundo a traduobrasileira, Teoria da Mais Valia, enquanto ao conjunto dos trs primeiros volumes de OCapital convencionou-se chamar, editorialmente, como O Capital: Anlise da TeoriaPoltica.