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Na Contramão da Saudade Se você tem 30 anos ou mais, com certeza viveu alguma época em que um movimento musical surgiu e marcou a cultura brasileira. Como a bossa nova mudou a vida no final dos anos 50? Será que a jovem guarda te fez suspirar nos anos 60? Como a tropicália contribuiu para a revolução comportamental nos anos 70? E finalmente, como o rock marcou uma década considerada perdida, como foram os anos 80? A música popular brasileira (MPB) foi sempre muito produtiva. Mas, especialmente nos últimos cinqüenta anos, as gerações musicais foram surgindo e reinventando, deixando sempre alguma – ou muita – coisa para a seguinte. Assim, a nossa música se construiu sobre uma base rica e sólida, capaz de segurar muita coisa que ainda haveria por vir. Em 1958, João Gilberto revolucionou e veio trazendo uma batida nova de violão. No ano seguinte, quando Gilberto lançou o seu LP, com a imortal gravação de “Chega de Saudade” deu-se o início da bossa nova. O movimento modernizou a música brasileira e até quem menos se esperava, como Roberto Carlos, bebeu da fonte de João Gilberto para, depois, dar início à Jovem Guarda. A introdução do rock na música brasileira foi marcada por um estilo que tentava imitar os roqueiros norte-americanos e as versões de músi- cas estrangeiras, o que deixou os intelectuais da bossa nova e da classe musical politizada que se formava revoltados. Mas, no final da década de 60, a tropicália mostrou que o descompromisso político também tem o seu valor. A vontade de quebrar os padrões de comportamento fez com que os tropicalistas resgatassem o passado e o que era mal visto pela sociedade e pelo grupo de intelectuais da época. Como conseqüência da introdução do rock americano na MPB, apareceu, na década de 80, uma geração de bandas que já não tinham a preocupação de protestar através da arte, uma vez que o Brasil estava voltando à democracia. Esses grupos, em sua maioria, fazem sucesso até hoje, comprovando sua qualidade e a importância da reciclagem musical. Esse caderno especial de O Globo mostra tudo que mudou os rumos da música brasileira. Divirta-se e mate as saudades.

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Page 1: Na Contramão da Saudade · tradicionais nomes da bossa nova: ... Tom Jobim e Frank Sinatra O musico Roberto Menescal ... Os primeiros acordes da bossa nova foram compostos

Na Contramão da Saudade

Se você tem 30 anos ou mais, com certeza viveu alguma época em que um movimento musical surgiu e marcou a cultura brasileira. Como a bossa nova mudou a vida no final dos anos 50? Será que a jovem guarda te fez suspirar nos anos 60? Como a tropicália contribuiu para a revolução comportamental nos anos 70? E finalmente, como o rock marcou uma década considerada perdida, como foram os anos 80?

A música popular brasileira (MPB) foi sempre muito produtiva. Mas, especialmente nos últimos cinqüenta anos, as gerações musicais foram surgindo e reinventando, deixando sempre alguma – ou muita – coisa para a seguinte. Assim, a nossa música se construiu sobre uma base rica e sólida, capaz de segurar muita coisa que ainda haveria por vir.

Em 1958, João Gilberto revolucionou e veio trazendo uma batida nova de violão. No ano seguinte, quando Gilberto lançou o seu LP, com a imortal gravação de “Chega de Saudade” deu-se o início da bossa nova. O movimento modernizou a música brasileira e até quem menos se esperava, como Roberto Carlos, bebeu da fonte de João Gilberto para, depois, dar início à Jovem Guarda.

A introdução do rock na música brasileira foi marcada por um estilo que tentava imitar os roqueiros norte-americanos e as versões de músi-cas estrangeiras, o que deixou os intelectuais da bossa nova e da classe musical politizada que se formava revoltados. Mas, no final da década de 60, a tropicália mostrou que o descompromisso político também tem o seu valor. A vontade de quebrar os padrões de comportamento fez com que os tropicalistas resgatassem o passado e o que era mal visto pela sociedade e pelo grupo de intelectuais da época.

Como conseqüência da introdução do rock americano na MPB, apareceu, na década de 80, uma geração de bandas que já não tinham a preocupação de protestar através da arte, uma vez que o Brasil estava voltando à democracia. Esses grupos, em sua maioria, fazem sucesso até hoje, comprovando sua qualidade e a importância da reciclagem musical.

Esse caderno especial de O Globo mostra tudo que mudou os rumos da música brasileira. Divirta-se e mate as saudades.

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2O Globo Na Contramão da Saudade 3O Globo Na Contramão da Saudade

A cantora Elizete Cardoso pode-ria ter entrado para a história da mú-sica nacional com o disco “Canção do Amor Demais”, de maio de 1958. Foi nesse LP que a batida do violão de João Gilberto, que daria início a bossa nova, estreou. Mas não foi para valer. Só dois meses depois, em julho, que Gilberto lançaria um 78 rotações com essa mesma batida. No lado A do disco estava a canção-títu-lo “Chega de Saudade”, de autoria de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. O lado B tinha uma composição do próprio cantor: “Bim-Bom”. Pronto, a bossa nova começava a mostrar que o mundo não seria mais o mesmo.

Divulgação

O músico Bebeto Castilho

Nem todo mundo, porém, acha que a bossa foi lançada nesse ponto de 58. Em entrevista a um portal de notícias, Bebeto Castilho, integrante do lendário Tamba Trio, afirmou que a bossa nova foi uma progressão natural dos músicos. “A bossa nova não foi inventada por ninguém, to-dos trouxeram sua contribuição. Se é que ela tem um ponto de partida, ela não começou com o João Gilberto em 1958, ela começou no início da década de 50, nos bastidores das rá-dios, com os músicos conversando, tendo idéias e se encontrando para tocar”, declarou.

Ainda de acordo com Castilho a importância de João Gilberto para o movimento da bossa nova foi como a de um guia. “Os músicos acompa-

Capa do disco “Chega de Saudade”

Divulgação

Mas, o maior show da histó-ria da bossa nova só foi acontecer em meados de 1962, na boate Au Bom Gourmet, em Copacabana. O espetáculo O Encontro reuniu os tradicionais nomes da bossa nova: João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e grupo Os Cariocas. As canções que até hoje são marcas da bossa nova estrearam no concerto que durou um mês e meio. Só Dan-ço Samba, Samba da Bênção, Sam-ba do Avião e Garota de Ipanema entraram para a história da música popular brasileira naquele agosto de 1962. O show foi gravado, mas ne-nhuma gravação oficial foi divulga-da. Os fãs se contentam com áudios piratas.

A bossa nova conquista o mundo

Foi também em 1962 que a bos-sa brasileira ganhou o mundo. Em abril, os jazzistas norte-americanos Stan Getz (sax) e Charlie Byrd (violão) lançaram “Jazz Samba”, disco que atraiu a atenção do mundo para o ritmo da bossa nova. Mas foi em novembro desse mesmo ano que a bossa nova se consagrou no exterior. Uma das casas de show mais famo-sas do mundo, a Carnegie Hall de Nova York, apresentou o Concerto de bossa nova. No palco os nomes já conhecidos no Brasil: Carlos Lyra, Roberto Menescal, Tom Jobim, João Gilberto etc. Na platéia três mil pes-soas, algumas com nomes ilustres, como Miles Davis, Peggy Lee e Tony Bennett.

Em 1964, enquanto os artistas brasileiros procuravam as artes como uma forma de expressão política, a gravadora americana Verve lançava o disco de maior impacto internacio-nal da bossa nova. O álbum “Getz/Gilberto”, de João Gilberto e o saxo-fonista americano Stan Getz, contou com as participações de Tom Jobim e Astrud Gilberto, então mulher de

nhavam o que acontecia, estavam ligados ao João. Mas o público le-vou um susto, ninguém nunca tinha ouvido nada semelhante. Era uma musicalidade que vinha amadure-cendo no piano do Tom Jobim, do João Donato, em vários músicos. Mas o João definiu o caminho dele

Folha Imagem

Tom Jobim e Frank Sinatra

Divulgação

O musico Roberto Menescal

Anos depois, nas décadas de 80 e 90, a bossa nova brasileira fler-tou com a música pop estrangeira, mas sem grande sucesso. Foi só em 2000 que o estilo voltou com força total, graças a Bebel Gilberto, filha de João Gilberto. Assim como o pai, Bebel inovou e modernizou o ritmo, misturando-o com sons acústicos e eletrônicos e regravações de João Donato, Chico Buarque e Vinícius de Moraes.

Bebel fez sucesso tanto com o público quanto com a crítica e abriu

Declarações e curiosidades da bossa

“É essa m. que o Rio de Janeiro manda para gente” – dono de uma loja de discos de São Paulo ao receber o 78 rotações de João Gilberto.

“No ano de 1962 fui à Nova York e levei um susto quando vi um cara na rua assobiando ‘Desafinado’. Logo pensei que deveria ser um brasileiro, mas, enga-no meu, era um americano” – Roberto Menescal.

Apesar dos principais cantores da bossa serem cario-cas, o precursor do ritmo, João Gilberto, é baiano.

“Hoje as fronteiras estão menores, o que facilita a en-trada de músicas no exterior, mas a música não fica, porque não tem o sabor internacional que a bossa ti-nha” – Roberto Menescal.

Os primeiros acordes da bossa nova foram compostos por João Gilberto em Minas Gerais, na casa da irmã.

“Tudo precisa ser atualizado, se não vira passado total. E como nós fizemos uma mistura de samba e jazz, a moçada agora está misturando a bossa nova com os elementos da geração. Acho que essa é uma das saí-das, não a saída. Essa procura é válida e alguns resulta-dos são muito bons” – Roberto Menescal.

A cantora Bebel Gilberto é fruto do casamento de João Gilberto com Miúcha, por isso, é sobrinha de Chico Buarque.

“Chega de Saudade”, livro de Ruy Castro, conta como se formou o movimento.

“Coisa mais linda - histórias e casos sobre a bossa nova” é um documentário de Paulo Thiago, que traz Roberto Menescal e Carlos Lyra como contadores da história.

“Vinicius”, documentário de Miguel Faria Jr., é sobre o poeta e grande parceiro de Tom Jobim.

“Noites tropicais”, livro de Nelson Motta, conta os bas-tidores da música popular brasileira.

Uma releitura da bossa novaMusicos como Bebeto Castilho e Roberto Menescal

apresentam novas visões do ritmo que marcou o Brasil

e acertou em cheio, a sensação para todos foi de ‘é esse o caminho’. Essa mudança estética foi dada pelo João e foi maravilhosa”.

O primeiro show da bossa nova como um movimento foi no Grupo Universitário Hebraico, no bairro ca-rioca do Flamengo. O nome surgiu das mãos de uma secretária anôni-ma. Um cartaz pendurado na por-ta dizia: “Hoje, Sylvinha Telles e um grupo bossa nova”. A cantora mais famosa da noite carioca de então, Sylvia Telles, recebia no palco nomes como Roberto Menescal, Naral Leão, Carlos Lyra entre outros. Mas foi em 1959 que Tom Jobim, em Desafina-do, oficializou o nome, dizendo que aquilo era bossa nova e muito natu-ral.

João. Além de ser consagrado com 96 semanas na lista dos mais vendi-dos, cinco prêmios Grammy – inclu-sive o de melhor cantor para João Gilberto – e dois milhões de cópias vendidas do single de Girl From Ipa-nema, o LP definiu a bossa nova e criou todos os padrões de som para o estilo no exterior.

A música Garota de Ipanema, de Tom Jobim, ganhou o título de segunda canção mais tocada do sé-culo 20, perdendo apenas para Yes-terday, dos Beatles. Mas para Tom, a musa de Ipanema poderia ser consi-derada vencedora, porque “os Bea-

tles eram quatro e cantavam em in-glês!” Por falar em Tom Jobim, foi ele quem corou definitivamente a bossa nova, em 1967. O maior cantor do mundo de então, Frank Sinitra, gra-vou o disco Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim com sete mú-sicas do compositor brasileiro e sua participação em todo o LP.

Com tanto sucesso no exterior, não seria difícil pensar que, talvez, a bossa nova não passasse de um ritmo que foi apenas feito por bra-sileiros. O próprio músico Roberto Menescal diz ter dúvidas se a bossa é brasileira.

- Essa questão é muito interes-sante, porque a bossa tem um sabor internacional e, por isso, fez sucesso lá fora. O sucesso no exterior é uma devolução da mistura feita pela bos-sa. O ritmo chegou lá fora primeiro que nós cantores.

caminho para novos cantores e ban-das que queriam seguir essa linha lounge da bossa nova. A banda Bos-saCucaNova é um exemplo dessa modernização. O integrante do gru-po, Alexandre Moreira, fala que esse formato, de certa maneira, é um jeito de perpetuar o ritmo. “Eu diria que é uma forma da geração mais nova ser apresentada e se interessar por essa música que já é eterna”.

A mistura de sons com a bossa nova é uma coisa que vem desde os anos 60, com o surgimento do rit-mo. Moreira declara que essa com-binação de compassos é essencial a MPB.

- A bossa nova é fruto da fusão do samba com o jazz, atraindo os jazzis-tas, que logo incorporaram o balan-ço ao repertório deles. Essa mistura é essencial à música popular de uma maneira geral, e a mola mestra da música mundial, eu diria. Mas, viva a música brasileira!”

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Bebel Gilberto, filha de João Gilberto

Priscilla Caetano

O legado da bossa nova

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O trio BossaCucaNova

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4O Globo Na Contramão da Saudade 5O Globo Na Contramão da Saudade

A jovem guarda é uma geração musical desmerecidamente rejeitada pelo público intelectual. O movimento nasceu depois de um passeio de Roberto Carlos pela música, sem fixar raízes em nenhum grupo. Mas em 1963, Roberto apareceu com o rock “Splish, Splash”, música que dava nome ao seu disco. No ano seguinte, lançou “Parei na Contramão”, que abriu as portas para o estouro que foi “O Calhambeque”. A partir daí, surgiu o programa “Jovem Guarda”, exibido pela TV Record. A atração foi catalizadora de um movimento que pôs a música brasileira em sintonia com o fenômeno internacional do rock e deu origem a toda uma nova linguagem musical e a novos

padrões de comportamento. Entravam em cena as guitarras

elétricas, a idéia de uma música exclusivamente jovem, com signos jovens e toda uma constelação de artistas: Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Eduardo Araújo, Martinha, Waldirene, Leno & Lílian, Deny e Dino e grupos como Golden Boys, Renato & Seus Blue Caps, Os Incríveis, Os Vips e outros. Em plena ditadura militar, esse pessoal chegou sem a menor pretensão de enfrentar o regime, de cantar a realidade do

de choque” para a MPB e para a intelectualidade esquerdista brasileira da época. As guitarras eram símbolo de alienação e imperialismo .– comenta o pesquisador musical Rodolfo Vicentin.

Além de Roberto e Erasmo, amigos que se consagraram como parceiros, e Wanderléa, que se uniu aos dois na apresentação do programa de TV, outros cantores da jovem guarda também fizeram sucesso. A maioria dos artistas, ao contrário do pessoal da bossa nova, era do subúrbio do Rio de Janeiro. Mas isso não impediu que o pessoal estivesse atento à música que estava sendo feita lá fora. Segundo Marcelo Fróes, autor do livro “Jovem Guarda em Ritmo de Aventura”, a consolidação musical dos “ Beatles” é o motor para a formação de grupos musicais, como “ Os Vips” e “ Golden

Boys”:- Antes já tínhamos bandas, como

“The Jordans”, “The Jet Blacks”, ‘The

metade dos anos 50, quando começaram a chegar no Brasil os discos de Elvis Presley e Bill Halley e de programas como “ Hoje é dia de rock”, da Rádio Mayrink Veiga, “Clube do Rock”, na TV Rio e “Crush em Hi-Fi”, na TV Record. No fim da década, surgiram os primeiros ídolos do rock brasileiro. A cantora paulista Celly Campello embalava hits como “Estúpido Cupido”, Sérgio Murilo cantava “Broto Legal”, além de outros hoje pouco conhecidos, como Tony Campello (irmão de Celly) e Meire Pavão.

- A cena roqueira vinha rolando desde 1956 no Brasil, o rock já estava aqui desde que nomes como Nora Ney, Cauby Peixoto e Agostinho dos Santos fizeram as primeiras gravações de rock no Brasil – conta Fróes.

Esse pessoal representava o rock mais voltado para baladas românticas. Enquanto isso, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Tim Maia e seus amigos ouviam o rock que era o contraponto disso. Os álbuns de Elvis Presley e Chucky Berry faziam a cabeça daqueles meninos, que até formaram um grupo: “Sputinks”. Essa formação, porém, acabou no mesmo ano. A Bossa Nova estava surgindo e ofuscou o brilho dos roqueiros, conquistando até Roberto Carlos, que chegou a gravar um disco “à la” João Gilberto. Depois um tempo amargando o esquecimento, Roberto encontrou seu caminho. O rock da Jovem Guarda foi marcado pelo preconceito da esquerda intelectual. Para Rodolfo Vicentin, esse preconceito existe até hoje:

- O preconceito que existe hoje acontece devido ao caráter simplório das composições e devido ao rumo que a maioria desses artistas deram às suas carreiras. Mas acredito que a maioria das pessoas não tem noção do impacto da jovem guarda, pois ela influenciou decisivamente a música popular brasileira e está em todos os lugares. A principal herança

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Renato e seus Blue Caps

país e, muito menos, fazer músicas para serem lidas nas entrelinhas.

- À princípio, as músicas da jovem guarda nunca tiveram um compromisso com a realidade brasileira ou qualquer questão mais profunda. E foi um “tratamento

Festa de arromba

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Os Vips: Márcio e Rodolfo Clevers” e “Renato e seus Blue Caps”, mas naturalmente a explosão da Beatlemania estimulou que jovens montassem bandas e sonhassem ser reis do iê iê iê – afirma, referindo-se ao modo como o quarteto inglês ficou conhecido no Brasil.

Na verdade, a origem do movimento se dá na segunda

Botinhas coloridas, calças justas e guitarras: a moda que agradou o Brasil

da jovem guarda pra gente é a singeleza das composições. Não é à toa que as composições dessa época foram e são regravadas por gente de muito prestígio- garante ele.

Marcelo Fróes discorda. Segundo ele, o que ocorre é uma veiculação negativa do movimento nos jornais mais lidos do país:

- Existe sim certo patrulhamento por parte de uma minoria de críticos musicais que escrevem para os jornais mais lidos, tão somente. O público sempre gostou, e as novas gerações conseguem escapar à esse boicote que a crítica sempre praticou e buscam informações na Internet, livros etc.

O programa “Jovem Guarda” terminou em 1968, devido à falta de patrocinadores e a Roberto ter decido enveredar pela música romântica depois de ganhar o Festival de San Remo, na Itália. A partir daí, cada um seguiu o seu caminho. Alguns acompanharam o “Rei” no romantismo, outros continuaram no rock, outros ainda entraram para a música brega e para a sertaneja.

Este ano, um show em comemoração aos 50 anos da Bossa Nova pretende unir três gerações musicais diferentes, mas que sempre estiveram ligadas.. Programado para o dia 5 de agosto, o encontro entre Caetano Veloso e Roberto Carlos, no

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Roberto Carlos canta noprograma Jovem Guarda

Teatro Municipal do Rio de Janeiro, para cantar músicas de Tom Jobim promete marcar época.

- Faz sentido, afinal no começo de sua carreira, antes mesmo de gravar seu primeiro disco, Roberto dividia seu amor pela música com o rock’n’roll, com os boleros e com a bossa nova. O maior expoente da Jovem Guarda com o grande mentor intelectual da Tropicália – afirma Fróes.

Elis Batonelli

Curiosidades

Conheça as gírias que vira-ram moda entre os jovens fãs da “jovem guarda”:

Acender: Excitar

Bicho: o mesmo que cara, pessoa

Broto: garota, rapaz, na-morado, namorada.

Carango: carro

Coruja: pessoa convenci-da, orgulhosa

Embalo: diversão, euforia

Papo-firme: bacana, mo-derno

Pinta: aparência, jeito

Pra frente: moderno, avan-çado

Cuca: cabeça

Morar: entender, morou?

A moda dajovem guarda

O movimento dos anos 60 também ditou moda entre os fãs. Conheça um pouco desse figurino descolado.

Calças: Jeans (Lee), saint-tropez, boca-de-sino. Preferên-cia: em duas cores e colada.

Camisas: de malha e mangas compridas, tudo muito colorido.

Saias: mini-saias, vestidos tubinhos, também muito cola-do.

Cintos: fivelas

Sapatos: Botas estilo “beatles”, cano alto e botinhas co-loridas.

Wanderléia, Roberto e Erasmo mostram a moda da jovem guarda

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A turma da jovem guarda

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6O Globo Na Contramão da Saudade 7O Globo Na Contramão da Saudade

“Tropicália, a obra”

O ano é 1967, no início uma pa-lavra, Tropicália, e um encontro: Hé-lio Oiticica, um agente provocador das artes brasileira, e Caetano Velo-so, um cantor jovem disposto a pôr suas idéias em circulação. Em abril, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro recebia a exposição Nova Objetividade Brasileira, e nela Oiticica apresentava a instalação Tropicália, um ambiente em forma de labirinto com plantas, areia, araras, um apare-lho de TV e capas de Parangolé.

Hélio Oiticica em 1964, ano do golpe militar no Brasil, se torna passis-ta da Mangueira e passa a conviver intensamente com a comunidade do morro. Nos anos seguintes, rei-vindica uma arte que promova uma relação com aquele que a observa. Isto é, a grande arte é feita quando se constrói relações com quem a vê, e todas as diferenças, sobretudo de classe social, são abolidas.

“Tropicália, a música”

“Você está por fora, Caetano. Veja o programa do Roberto Carlos. Ele é que é bom. O resto está ficando um negócio chato, tão chato que prefiro músicas antigas. Largue esse violão e cante com uma guitarra. O violão é muito pouco para você! Escolha um instrumento que tenha o mesmo gri-to, que tenha o seu gosto.” Quando

causaram grande impacto em apre-sentações no III Festival de Música Popular da TV Record, no ano de 1967. Ali, foram lançadas as bases para o Tropicalismo. Em maio de 1968, começaram as gravações do álbum que seria o manifesto musical do movimento, do qual participaram artistas como Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes, Tom Zé - além dos po-etas Capinan e Torquato Neto e do maestro Rogério Duprat. A resistên-cia de Caetano com o termo tropi-calismo não durou muito tempo, depois da canção, um LP: “Tropicália ou Panis et Circensis”, foi lançado em 1968.

Enquanto o grupo da “Canção de Protesto” negava a entrada de qualquer elemento da cultura pop e a “Jovem Guarda” de Wanderléia, Erasmo e Roberto fazia canções ins-piradas no sucesso do rock inglês e norte americano, os tropicalistas se dedicavam a inovar radicalmen-te a estética da música brasileira. Eles chegaram para encaminhar a música popular para outra direção, derrubando tudo que estivesse pela frente.

Assim como nos anos 60 a Bossa Nova se associou ao Jazz norte ame-ricano, Caetano propunha que o tro-picalismo se adaptasse ao rock. No esforço de modernização, Caetano

e Gil traziam as guitarras elétricas do iê-iê-iê importado e misturavam com ritmos mais tradicionais. Sincrético e inovador, aberto e incorporador, o Tropicalismo misturou rock, bossa nova, samba, rumba, bolero e baião. Sua atuação quebrou as rígidas bar-reiras que permaneciam no País: Pop x folclore, Alta cultura x cultura de massas e Tradição x vanguarda. Essa ruptura estratégica aprofundou o contato com formas populares ao mesmo tempo em que assumiu ati-tudes experimentais para a época.

“A gente se opunha ao naciona-lismo, porque a esquerda era nacio-nalista e a gente se opunha a essa atitude da esquerda que se opunha a nós. Eles achavam que nós deví-amos procurar as raízes brasileira. Nós queríamos fazer o contrário do que a Bossa Nova fazia, virar ela pelo avesso e pegar tudo que ela tinha precisado botar de parte para poder se afirmar como estilo”, diz Caetano Veloso.

O nacionalismo de esquerda vaiou os tropicalistas, Ao passo que eles responderam com retóricas e iradas frases de efeito. Segundo o ministro da Cultura Gilberto Gil, “O Tropicalismo surgiu mais de uma preocupação entusiasmada do que propriamente um movimento orga-nizado.” Eles Aderiram ruidosamen-te a ruptura dos padrões compor-tamentais patriarcais e rejeitaram a esquerda brasileira, que colocava como prioridade a tomada do po-der, e estabelecia como secundária a reflexão sobre a mudança de valo-res, a chamada “Revolução sexual”.

Com o visual hippie e o desejo de se alinharem aos rebeldes de maio de 68 em uma avassaladora “Revo-lução Cultural”, os tropicalistas se indispuseram tanto com a ditadura quanto com a esquerda nacionalista. Moda nas palavras de Caetano Velo-so, era o tom do momento. Criticado por levar guitarra elétrica para os fes-tivais, por usar cabelos compridos e roupas de mulher e ligado à contra-cultura norte-americana, tornou-se referência para a própria cultura de

protesto brasileira.Em 1968 os movimentos culturais

fervilhavam no Brasil, até esta data, intelectuais e movimentos de esquer-da podiam agir livremente, mesmo que com pequenos problemas com a censura. Para o jornalista Zuenir Ventura, 68 foi um ano “que não terminou”. Entre os inúmeros acon-tecimentos marcantes do ano estão a revolta dos estudantes em Paris, a passeata do 100 mil no Rio de Janei-ro liderada por artistas e intelectuais, a decretação do AI5 e o lançamento do LP Tropicália ou Panis et Circen-ses, síntese de um movimento mu-sical revolucionário que iria mexer com a cabeça de muita gente. Neste mesmo ano, com o crescimento da oposiçã, o general Costa e Silva, pre-sionado pela extrema direita, respon-deu com o ato institucional n° 5, que decretava o fim das liberdades civis e de expressão.

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Caetano Veloso e Gilberto Gil

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Capa do LP Tropicália

Os tropicalistas foram expulsos pela ditadura que destruiu a hege-mina cultural que a esquerda manti-nha desde o governo Jango. Assim, artistas que não tinham colocado como prioridade a contestação po-lítica tornaram-se da noite para o dia mártires da brutalidade dos militares.

40 anos de tropicalismo

Na área cultural o ambiente inter-nacional já sabe que existe uma pro-dução de qualidade e originalidade feita nos trópicos. Hoje, a Tropicália interessa ao mundo. A colagem de gêneros e a participação do especta-

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Gal Costa e Caetano Veloso

dor recomendados pelo movimento fazem total sentido em um mundo cada vez mais multicultural e intera-tivo regido pela globalização e pela internet.

Quarenta anos depois, o tropica-lismo continua cada vez mais atraen-te. Para Caetano, isso mostra que a questão foi e permanece a mesma, de 1967 a 2008. A busca e a neces-sidade de invenção: “’Uma criança sorridente, feia e morta estende a mão’, como diz a letra da canção Tropicália. Porque a América Latina não tem futuro, a língua portuguesa não tem futuro, a África não tem fu-turo: então temos de inventar tudo”. E o mundo parece agora ter o de-sejo de imaginar qual futuro poderá ser esse.

Juliana Ceccon

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Caetano vestindo “Parangolé” (capa) de Oiticica

Maria Bethânia disse isso ao irmão Caetano, em 1967, não sabia que estava influenciando um dos movi-mentos que transformariam o cená-rio cultural brasileiro.

Em entrevista à revista Bravo, Ca-etano contou como teve o primeiro contato com o termo Tropicalismo: “Ouvi primeiro o nome Tropicália, su-gerido como título para minha can-ção, do cineasta Luís Carlos Barreto, que me ouviu cantá-la em São Paulo e se lembrou do trabalho de um tal Hélio Oiticica. Resisti a pôr em minha música o nome da obra de um cara que eu nem conhecia”.

Caetano Veloso e Gilberto Gil

Contexto histórico brasileiro

- Os militares tomam o poder em 31 de março de 1964.

- Castello Branco assume a presidência do país, se tor-nado o primeiro de uma série de generais-presidentes ditatoriais.

- Até 1968, intelectuais e movimentos de esquerda po-diam agir livremente, com pequenos problemas com a censura.

- A produção cultural do país estava intensa: peças do Teatro Oficina, do Opinião e do Arena, canções de pro-testo, músicas da Jovem Guarda, passando pelos filmes do Cinema Novo e pelas artes plásticas. Em todas as áre-as, a política fazia-se presente.

- Em 1968, o governo decreta o AI-5, que proibia de vez a liberdade de expressão e os direitos civis.

- A partir de 1967, houve confrontos entre artistas nacio-nais: os nacionalistas de esquerda e os vanguardistas do tropicalismo.

- Em 1984 a democracia volta a ser o regime político brasileiro.’

Tropicalismo: a mistura brasileira

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8O Globo Na Contramão da Saudade

O rock brasileiro da década de 80 ou, como muitos preferem dizer, o pop rock nacional foi batizado pelo cantor Nelson Motta de BRock. As letras das músicas falavam dos amo-res, perdidos ou bem sucedidos, e de temáticas sociais. Os artistas do rock nacional marcaram aqueles anos com suas roupas coloridas, cabelos armados, caras e bocas: os elemen-tos que caracterizaram o tempo do brega.

O sucesso do conjunto carioca Blitz abriu portas para os outros gru-pos que só ensaiavam nas garagens. Foi em 1982 que o trio de Evandro Mesquita, Fernanda Abreu e Lobão estourou com a música “Você não soube me amar”. E o Circo Voador, berço de várias bandas consagradas na época, revelou Paralamas do Su-cesso, Kid Abelha e Os Abóboras Sel-vagens e Barão Vermelho. O bate-rista da Bliz William Forghieri explica o que acredita ter sido a fórmula de sucesso da banda.

- Acho que as músicas alegres, as vozes femininas e o jeito carioca do Evandro (Mesquita, vocalista da Blitz) de ver as coisas, com humor, nos ajudaram a tentar fazer o povo es-quecer os problemas sociais daquela época, revelou.

Alguns cantores ficaram conhe-cidos pelo tom de brincadeira com que interpretavam as canções. O Brasil vivia a fase final da ditadura militar e o rock virou hino da juven-tude bem-humorada e cansada dos tempos difíceis. Um exemplo foi o

como “Alagados” e “A Novidade” mostraram um som considerado revolucionário por público e crítica daqueles anos.

Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Brasília foram os que deram o tom e revela-ram as maiores bandas de pop rock. Foi de São Paulo que surgiu o maior fenômeno de vendas das bandas dos anos 80. O RPM, liderado pelo carismático Paulo Ricardo, quebrou recordes de vendagens de discos e de shows no país. O segundo disco da banda, “Revoluções Por Minuto” vendeu 2,2 milhões de cópias.

Mas foi de Brasília que veio uma das bandas que perpetuou o pop rock brasileiro até os dias de hoje. Em 1980, Renato Russo, Fé Lemos e Flávio Lemos se juntaram para criar o Aborto Elétrico, mas a banda não foi adiante. No ano em que o conjunto se separou surgiu a grande e famo-sa Legião Urbana. Dapieve diz que o que perpetuou a Legião foram as letras escritas por Renato Russo.

- O Renato fez letras que pudes-sem sobreviver ao tempo, sem se prender a fatos específicos. Em al-guns momentos ele se relaciona com Brasília, mas se a pessoa não conhece a cidade, a canção vai con-tinuar fazendo sentido. As músicas da Legião Urbana ainda são atuais, comentou.

Ainda do Distrito Federal, nasce-

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A banda carioca Blitz

grupo paulista Ultraje a Rigor, que tratava os problemas do país com ironia e deboche, como na letra de “Inútil”. Outras bandas, porém, como os Engenheiros do Hawaii, chama-ram a atenção pela ácida crítica aos padrões da sociedade de então. O jornalista e crítico musical Arthur Dapieve explica porque o ritmo se transformou em forma de manifesta-ção cultural.

- O rock é a trilha sonora adequa-da para o processo de democratiza-ção. As letras vão tratar de liberdade civil, sexo, drogas e rock’n’roll, o que não combina com o que uma dita-dura prega. Então ele dá a brecha para um Estado que está começan-do a rachar, diz.

As influências musicais eram as mais diversas, desde o rock inglês e americano até a jovem guarda, passando pelo new age, punk e re-ggae. Os Paralamas do Sucesso, por exemplo, misturaram o rock inglês com o reggae e ritmos africanos no disco “Selvagem?”, de 1986. Músicas

ram nomes como Plebe Rude e Ca-pital Inicial. Algumas bandas, como o Capital Inicial, não chegaram a es-tourar nos anos 80, mas faria maior sucesso tempos depois. Outras, no entanto, morreriam junto com a dé-cada perdida.

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O vocalista Renato Russo

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A banda paulista RPM

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O sucesso do Capital Inicialviria mais tarde

Priscilla Caetano

“Esse tal de Rock’n’Roll”A inspiração veio do exterior, mas os artistas interpretavam de maneira própria