museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro na beira interior e alto alentejo. as...
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Universidade de Lisboa
Faculdade de Letras
Departamento de História
Instituto de História da Arte
Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro na
Beira Interior e Alto Alentejo. As novas ferramentas de
dinamização local e regional.
Ana Isabel da Silva Albuquerque
Dissertação
Mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro
2012
Universidade de Lisboa
Faculdade de Letras
Departamento de História
Instituto de História da Arte
Museus feitos de têxteis: comunicar o património laneiro na
Beira Interior e Alto Alentejo. As novas ferramentas de
dinamização local e regional.
Ana Isabel da Silva Albuquerque
Dissertação de mestrado orientada pelo Prof. Doutor Fernando Grilo
Mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro
2012
«Há tantos diálogos
(…)
Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.»
(Carlos Drummond de Andrade, «O Constante Diálogo»
in Discurso de Primavera e Algumas Sombras, 1979)
À minha mãe.
Ao Igor.
Ao meu tio Mário
e à minha avó Maria Armanda.
5
RESUMO
A Beira Interior e o Alto Alentejo cunharam a história da Indústria Têxtil em
Portugal. Decorrente do projecto de industrialização promovido por Sebastião José de
Carvalho e Melo, marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII, desenvolve-
se uma dinâmica na área dos lanifícios que se aproveita da generosidade da topografia,
dos recursos naturais e das actividades aí realizadas como o pastoreio (e as suas rotas).
É assim que se aproximam pólos importantes da Indústria Têxtil como Covilhã, Guarda
e Portalegre que, à data fragilizados pela distância relativamente a centros de actividade
mais proeminentes, se encontravam prestes a tornarem-se núcleos movimentados e
afamados de produção laneira.
Quebrado esse apogeu, ficou o património e o esforço de preservação de
algumas actividades relacionadas com o passado atrás referido. O que se traduz em três
vertentes fulcrais: a memória, na sua condição de recuperadora e perpetuadora da
história e de instituidora de um poder; a definição de uma identidade; e a pedagogia.
Reconhece-se, desta forma, a importância irrevogável da existência de museus
locais/regionais. Assim, o Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior
(Covilhã), o Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda) e o Museu da Tapeçaria de
Portalegre – Guy Fino (Portalegre) denunciam uma relação genealógica e uma herança
partilhada. A constituição de museus nesses antigos centros de apogeu dos lanifícios –
hoje, novamente enquadrados num figurino de arredamento dos actuais focos de
desenvolvimento nacional – tornou mais importante o seu papel enquanto museus locais
e, também, enquanto instrumentos de intervenção regional.
A presente dissertação decorre a quatro tempos. O arranque é feito pela história
da indústria dos lanifícios nas referidas zonas, com um tom económico e social
dominante. Contar esta história implica, segundamente, compreender o que é
comunicar. Dado que o museu é a «Cinderela» (nas palavras de Joan Santacana i Mestre
e Nayra Llonch Molina) desta história, um dos objectivos fixou-se na análise
comunicacional desta instituição, enquanto elemento de um processo sígnico (como se
comprovou). Depois desta fase preparatória, exigiu-se compreender a nova
conceptualização de museu, que o agitara e o confrontara com uma atitude interactiva,
interpretativa, de serviço ao público em geral, e à comunidade e ao território em
particular. O que é o museu? – Questionou-se. Assim se encaminhou o trabalho para a
compreensão do museu local no último e derradeiro capítulo. Os três casos de estudo
6
acima referidos serviram a reflexão sobre o compromisso para com o património local e
sua valorização identitária. Enquanto prestador de serviços culturais e produto turístico
há receios e ânsias. Exige-se, por isso, sensibilidade e discernimento para que aquele se
possa tornar numa experiência turística autêntica, sustentável e agradável.
Vários teóricos evidenciam a bífida realidade da exposição: a primeira, e
imediata, a da apresentação e mostra de algo; o qual, num outro momento, é desnudado
na revelação do seu significado inequívoco e do encoberto, do primevo e do actual.
Entre o óbvio e o desvelado, entre o dado e o procurado, a experimentação ganha poder.
Quer se fique pelo ver ou, se possível, pelo interagir, interpretar implica algo mais do
que o simples objecto. Este será motivo para que o homem procure significados,
sentidos, respostas. É também mote para que o museu se abra à sociedade, ao colectivo,
e comunique, proponha, se desloque até às pessoas e se relacione com elas. Além de
informar e instruir, de acordo com Mestre e Molina, no museu deverão caber a reflexão
e a crítica, a emoção e a provocação, e, para isso, a interpretação, o compromisso e a
acção são fundamentais. Dimensões que a Nova Museologia enfatiza e que é necessário
perscrutar.
Palavras-chave: Museus têxteis; comunicação; Nova Museologia; Beira Interior e Alto
Alentejo; comunidade; património
7
ABSTRACT
Beira Interior and Alto Alentejo coined the history of the textile industry in
Portugal. Resulting from the project of industrialization promoted by Sebastião José de
Carvalho e Melo, Marquis of Pombal, on the second half of the eighteenth century, it
develops a dynamic in the wool field which takes advantage of the topography, natural
resources and activities there performed as grazing (and their routes). This is how
important poles of Textile Industry as Covilhã, Guarda and Portalegre get together that,
at the time weakened by distance from the most prominent centers of activity, were
about to become famous and busiest clusters of wool production.
Broken this apogee, remained heritage and preservation effort of some activities
related to the past mentioned above. This translates into three key aspects: memory, in
its condition of restorative and perpetuator of the history and founder of a power; setting
an identity; and pedagogy. It is recognized, therefore, the irrevocable importance of the
existence of local/regional museums. Thus, the Wool Museum of University of Beira
Interior (Covilhã), the Weaving Museum of Meios (Guarda) and the Tapestry Museum
of Portalegre – Guy Fino (Portalegre) denounce a genealogical relationship and a shared
heritage. The establishment of museums in these ancient centers of the wool apogee –
today, framed once again by distance from the current focus of national development –
became more important its role as local museums and also as instruments of regional
intervention.
The following dissertation has four rhythms. The boot is made by the history of
the wool industry in those areas, with a dominante economic and social tone. Tell this
story implies, secondly, understand what is to communicate. Since the museum is the
«Cinderella» (in the words of Joan Santacana i Mestre and Nayra Llonch Molina) of
this study, one of the goals set up in the communicational analysis of this institution, as
an element of a signic process (as proved). After this preparatory phase, it was required
to understand the new conceptualization of museum, which shaked and confronted it
with an interactive, interpretative and service to the public attitude in general, and the
community and the territory in particular. What is the museum? – Was questioned. Thus
the work headed to the understanding of local museum in the final chapter. The three
case studies above served a reflection on the commitment to local heritage and its
identity worth. As cultural services provider and touristic product there are fears and
anxieties. It is required, therefore, sensitivity and discernment so that it can become an
8
authentic, sustainable and enjoyable touristic experience.
Several academic researchers highlight the bifurcated reality: the first, and
immediate, the presentation and show of something; which, in another moment, is
denuded in the revelation of its unequivocal and hidden meaning, and the primeval and
presente meaning. Between the obvious and unveiled, between the given and sought,
experimentation gains power. Whether it be seeing or, if possible, interacting,
interpreting implies something more than the simple object. This will be the reason for
men seek meanings, senses, responses. It is also motto so that museum opens itself to
society, to the collective, and communicates, proposes, moves up to people and relates
with them. Besides inform and educate, according to Joan Santacana i Mestre and Nayra
Llonch Molina, in museum should fit reflection and review, emotion and provocation,
and, for this, interpretation, commitment and action are fundamental. Dimensions that
New Museology emphasizes and that is necessary to look into.
Keywords: Textile Museums; communication; New Museology, Beira Interior and Alto
Alentejo, community, heritage
9
AGRADECIMENTOS
O meu primeiro agradecimento é endereçado ao Professor Doutor Fernando
Jorge Grilo pela prontidão com que aceitou orientar este trabalho, pela confiança, pela
segurança das suas indicações, pelos seus conselhos, pela atenção e disponibilidade de
que nunca se ausentou, e por toda a compreensão. Com um agradecimento muito
sentido e amigo, me dirijo a toda a equipa do Museu de Lanifícios da Universidade da
Beira Interior, sempre solícita em qualquer ocasião (especialmente à Prof. Doutora Elisa
Calado Pinheiro, ao Prof. Catedrático António dos Santos Pereira, à Dra. Helena
Correia, à Dra. Paula Fernandes, à D. Amélia Pombo e ao Sr. João Lázaro). Tenho a
agradecer, igualmente, a generosa atenção e dedicação da Dra. Paula Fernandes, do
Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino, e do Dr. Luís Costa, do Museu de
Tecelagem dos Meios (Guarda), às minhas constantes perguntas.
Confesso, agora, que escrever estas palavras foi uma das tarefas mais
complicadas. Acontecimentos que me transcendem e que transcendem qualquer homem
fizeram-me revolver este texto. Antes, escrevera o quanto a arte sempre me fascinara e,
de diferentes formas, acompanhara a minha vida. Escrevera também que além da beleza
das Artes, há um património diverso, multiforme, rico e desafiante, e, nele, áreas
fascinantes, como o património industrial têxtil demonstrou ser, quase como revelação.
Escrevera também sobre o quanto sabia bem estar no museu, vivê-lo diariamente,
recordar a sensação caseira da altura em que trabalhei num museu têxtil.
E porque o trabalho não se faz sem abdicar daquilo que é mais importante,
agradecer aos meus pais e ao Igor Costa (o meu namorado) o seu apoio será sempre
pouco. Ao longe, enquanto estive em Lisboa, e perto, agora em casa. Uma mãe não
descansa, não dorme, não sossega quando o espírito do/da filho/a está inquieto. E foi um
longo período de inquietação e de sofrimento. A dor foi maior ao querer ser as minhas
mãos, os meus olhos e a minha cabeça quando tive de parar. A dor foi ainda maior
aquando da grande perda sentida mesmo no finalizar desta dissertação. E
impossibilitada de me ajudar de outra forma, carregou os meus sentimentos, como
companheira que sempre foi, e amparou-me. Ao Igor tenho a agradecer tudo,
simplesmente tudo. Nada o definirá melhor do que a partilha e o amor. Acreditou no
projecto; ajudou a partir pedra; e, em determinadas alturas, avançou primeiro para
provar que também eu podia caminhar, com segurança; esteve, e estará, sempre
presente. E, como no começo, também no final, ajudou a limar essa pedra até ao seu
10
último momento de vida. A ele, devo-lhe a chegada até aqui, devo-lhe o folgo, devo-lhe
o braço que me apoiou, e devo-lhe quem sou. O sorriso e o olhar com que me fitava
permanecerão num compartimento que nos coube construir e fazer perseverar.
O agradecimento estaria incompleto sem referir a Raquel Escaño e a Débora
Matos, duas pessoas extraordinárias que admiro, às quais agradeço as discussões sobre
o rumo não só da dissertação como da vida, os conselhos que segui e os que recusei, e
às quais confio a minha amizade plena. Também à Diana Sampaio, amiga de sempre e
de todas as horas, o apoio, a disponibilidade, a preocupação e o sorriso. Ao meu tio
Mário, pelo exemplo, pelo legado e pelas gargalhadas. E a todos aqueles amigos que me
foram acompanhando e motivando, e que gostaria de nomear (se o espaço o permitisse),
mas a quem agradecerei pessoalmente.
Um especial agradecimento à minha avó que, tal como o Igor, partiu este ano, e
cuja maior arte foi amar e preocupar-se, sempre mais com os outros do que com ela
própria. Ele não era diferente dela, curiosamente. Ela estará feliz, com certeza. A ele
espero-o orgulhoso, é tudo o que desejo.
11
ÍNDICE
Lista de quadros, gráficos e tabelas e Lista de figuras
………………………………………………………………………………………… 14
Introdução …………………………………………………………………………… 16
Revisão da Literatura e Estado da Questão ……………………………………….. 22
PARTE 1 – O MUSEU: ENTRE A HISTÓRIA DOS LANIFÍCIOS E A
COMUNICAÇÃO DE PATRIMÓNIO …………………………………………..... 34
Capítulo I | A Indústria dos Lanifícios na Beira Interior e Alto Alentejo: uma
história comum ........................................................................................................... 35
1.1 – A Indústria Têxtil em Portugal: as motivações, o desempenho e o impacto nos
séculos XVIII e XIX .................................................................................................... 36 1.1.1. Cenário político e socioeconómico português: revisão histórica ....................... 36
1.1.2. Os antecedentes de Methuen e o plano real (industrial) do conde de Ericeira ... 42
1.1.3. À saúde da Indústria Têxtil ................................................................................. 46
1.1.4. O fomento pombalino e o «centralismo despótico» ........................................... 55
1.1.5. A técnica, o mercado e os concorrentes da lã ..................................................... 57
1.1.6. Um jogador chamado Inglaterra e o efeito francês ............................................. 60
1.2 – A fábrica, o Interior laneiro português e as demandas da contemporaneidade
– os séculos XIX e XX .................................................................................................. 65 1.2.1. Os lanifícios e o mercado colonial no século XIX .............................................. 65
1.2.2. Costa versus Interior (entre os séculos XVIII e XIX) ........................................ 68
1.2.3. A Beira Interior e o Alto Alentejo na segunda metade do século XIX .............. 70
1.2.4. A campanha industrial e a queda: o século XX ................................................... 75
1.3 – Breves apontamentos para uma contextualização sobre manifestações
artísticas na Beira Interior e Alto Alentejo entre os séculos XVII e XXI ............... 84
Capítulo II | O museu como espaço congregador: uma ponte entre comunidade e
localidade ....………………………………………………..………………………... 91
2.1. As teorias da comunicação e a sua importância na actividade humana ……. 91
2.1.1. A comunicação, primeiro. Comunicar, de que se trata? ....................................... 91
2.1.2. Comunicar além do verbo: as novas interpretações das relações comunicantes.. 95
2.2. Museu e Linguagem. A Semiótica e a sua relevância no processo de construção
e evolução museológicas ....………………………………………………………… 99
2.2.1. A linguagem corporal do museu: do tradicional ao pós-moderno …………… 101
2.2.2. A exposição e as suas competências linguísticas …………………………….. 106
2.2.2.1. A semiose dos objectos arqueológicos, etnográficos e técnicos ……………. 112
a) Arqueologia ………………………………………………………………………. 112
b) Etnografia ..……………………………………………………………………….. 113
12
c) Técnica ...………………………………………………………………………….. 114
2.2.3. A comunicação além do objecto ……………………………………………... 115
2.2.3.1. Comunicação multimedia: o ciberespaço ou o espaço imaginado .………… 119
2.2.4. Meios de comunicação frios e meios de comunicação quentes. Museus frios e
museus quentes …………………………………………………………………….. 124
PARTE 2 – A MUSEOLOGIA VISTA DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
E DO PRELÚDIO DO XXI E OS MUSEUS D(e)O INTERIOR PORTUGUÊS
...................................................................................................................................... 129
Capítulo III | A Nova Museologia: missão, serviço e pedagogia …….................... 130
3.1. A Nova Museologia como novo paradigma …………………………………... 130
3.2. As funções dos museus ……………………………………………………........ 141
3.2.1. As fundações: coleccionar, conservar e expor ………………………………. 146
3.2.1.1. O museu coleccionador ……………………………………………………. 146
3.2.1.2. A conservação como parte da exposição ………………………………….... 150
3.2.1.3. Expor para narrar ………………………………………………………........ 153
3.2.2. O segundo naipe de funções: interpretar (para) e servir …………………...... 167
3.2.2.1. Interpretação, de quem é a culpa? …………………………………….......... 167
3.2.2.1.1. Multimedia, demonstração e participação (o toque) – do virtual ao manual
…………………………………………………………………………….................. 173
3.2.2.1.2. Costurar programas diferentes …………………………………………… 180
3.2.2.1.3. O que fazer? ................................................................................................. 180
3.2.2.1.4. Repercussões – o bichinho ……………………………………………...... 181
3.2.2.1.5. O museu «construtivista» ………………………………………………… 184
3.2.2.2. O serviço à comunidade: educar, aprender, formar e… entreter …………... 185
3.2.2.2.1. O conceito de museu: mudança e Nova Museologia ……………………... 187
3.2.2.2.2. Uma recém necessidade, um recém compromisso: educar ………………. 190
3.2.2.2.3. Numa pequena ingressão pelo exemplo norte-americano ………………... 193
3.2.2.2.4. As diferentes modalidades de museu do século XXI …………………….. 195
3.3. Os museus da ciência, da tecnologia e da indústria …………………………. 202
3.3.1. O início das colecções científicas e industriais e o novo conceito de vivência
museológica …………………………………………………………………………. 203
a) O Conservatoire des Arts et Métiers de Paris ……………………………………. 203
b) O Museum of Science and Industry of Chicago e o Museum of Science and Industry
of Manchester ……………………………………………………………………….. 205
3.4. As novas tecnologias da comunicação e o conceito de interactividade ……… 207
3.5. O património natural, a ecomuseologia e a preservação in situ ……………. 208
3.5.1. A museologia do meio ambiente ……………………………………………… 208
3.5.2. O ecomuseu …………………………………………………………………... 209
3.5.2.1. Os ecomuseus em Portugal …………………………………………………. 210
13
Capítulo IV | Da realeza fabril a centros de património cultural vivo. Três casos de
identidade própria mas com traços comuns: a fábrica, o museu e a
comunidade…………………………………………………………………………. 212
4.1. Museu local: origens e metamorfoses ………………………………………... 215
4.2. De que se fazem, então, os museus locais? ........................................................ 220
4.3. Como ser museu para «o público e o “não-público”»? ................................... 224
4.3.1. Como atrair o «“não-público”»? ........................................................................ 226
4.4. Ser-se museu em pequenas e médias comunidades: Covilhã, Guarda e
Portalegre. Um novo instrumento de valorização patrimonial local e regional
……………………………………………………………………………………….. 227
4.4.1. O Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (MUSLAN – Covilhã):
vórtice da história da indústria da lã portuguesa …………………………………… 229
4.4.2. O Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda): por entre teares, farrapos e
cobertores de papa …………………………………………………………………... 248
4.4.2.1. O cobertor/manta de Papa ………………………………………………….. 251
4.4.3. O Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino (Portalegre) e a tapeçaria-
quadro ……………………………………………………………………………….. 255
4.4.3.1. A técnica: o ponto artístico …………………………………………………. 266
4.4.3.2. O processo de manufactura da tapeçaria …………………………………… 267
4.4.4. Breve análise da experiência museológica no Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior, no Museu de Tecelagem dos Meios e no Museu da
Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino: interpretação de questionários ………………. 268
4.4.5. Considerações (e conclusões) prévias sobre o papel e o impacto do museu … 272
4.5. Bem cultural + proposta turística = produto de valorização local
……………………………………………………………………………………….. 273
4.5.1. O Turismo, o turismo cultural e o museu local ………………………………. 281
4.5.2. «O museu local: entre o ludus e o studium» ………………………………….. 287
Conclusão …………………………………………………………………………... 289
Bibliografia …………………………………………………………………………. 301
Anexos .……………………………………………………………………………… 321
14
LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E TABELAS
Quadro 1: Tabela de valores anuais de exportação de lã a partir de portos portugueses
entre os anos de 1776 e 1800………………………………………………………… 321
Quadro 2: Importações portuguesas no período de 1796-1831……………………… 321
Gráfico 1: Fábricas de lanifícios por distrito em Portugal. Ano de 1881…………… 322
Gráfico 2: Distribuição do número de operários por distrito em Portugal. Ano de
1881………………………………………………………………………………….. 323
Gráfico 3: Evolução do número de estabelecimentos industriais na Beira Interior,
comparando os anos de 1881, 1911 e 1943………………………………………….. 324
Gráfico 4: Número de fábricas de lanifícios em Portugal. Ano de 1943…………… 325
Gráfico 5: Pessoal ao serviço na indústria de lanifícios. Ano de 1943……………… 326
Gráfico 6: Parque Industrial da Covilhã. Ano de 1973. Relação entre as actividades
afectas à indústria de lanifícios e a quantidade de máquinas utilizada……………… 327
ANEXO E – Tabela de interpretação dos questionários ……………………………. 340
LISTA DE FIGURAS
1. Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã)
Figura 1. Planta da área musealizada e intervencionada da Real Fábrica de Panos.
Covilhã ………………………………………………………………………………. 328
Figura 2. Real Fábrica de Panos em obras de reabilitação, 1975. Rua Marquês d’ Ávila
e Bolama. Covilhã …………………………………………………………………... 328
Figura 3. Fachada principal e arco de ligação dos edifícios da Real Fábrica de Panos,
Fevereiro de 2010. Covilhã …………………………………………………………. 329
Figura 4. Tinturaria dos Panos de Lã, Real Fábrica de Panos. Estrutura de caldeira da
Fornalha 4. Obras de conservação e restauro, 1991…………………………………. 329
Figura 5. Sala da Tinturaria dos Panos de Lã, Real Fábrica de Panos. Área de
intervenção arqueológica, 1992 ……………………………………………………... 329
Figura 6. Em cima, Sala da Tinturaria das Dornas, Real Fábrica de Panos. Em baixo,
pormenor da caldeira da Fornalha 9. Reconstituição executada pela Casa Hipólito,
Torres Vedras ………………………………………………………………………... 330
Figuras 7 e 8. A Tinturaria das Dornas, Real Fábrica de Panos, antes e depois das
intervenções arqueológica e arquitectónica. Em cima, em 1976. Em baixo, em 1992
……………………………………………………………………………………….. 330
15
Figura 9. Corredores das Fornalhas, Real Fábrica de Panos. Início das obras de
reabilitação, em 1975/76 …………………………………………………………….. 330
Figura 10. Corredor das Fornalhas I, Real Fábrica de Panos, 1992 ………………... 330
Figura 11. Corredor das Fornalhas II, Real Fábrica de Panos ……………………… 331
Figura 12. Pormenor do Corredor das Fornalhas II, Real Fábrica de Panos, Fevereiro de
2010 …………………………………………………………………………………. 331
Figura 13. Vista parcial a partir de um corredor, – (citado na Fig. 12 e que corresponde
ao último patamar descrito) da Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira
Interior (UBI) –, da ala das tinturarias, e pormenor de um gabinete. Fevereiro de 2010
……………………………………………………………………………………….. 331
Figura 14. Vista da fachada do Núcleo Museológico da Real Fábrica Veiga ……… 332
Figura 15. Caldeira a vapor De Nayer & C.ª (em exposição permanente no núcleo da
Real Fábrica Veiga) …………………………………………………………………. 332
Figura 16. Vista parcial de uma carda (consta do acervo do núcleo da Real Fábrica
Veiga) ………………………………………………………………………………... 332
2. Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda)
Figura 17. Cobertor branco. Matéria-prima: lã de ovelha churra. Função: cobertor de
cama e objecto de decoração (Oficina José Pires Freire, Maçainhas, Guarda) …….. 333
Figura 18. Cobertor branco com três listas castanhas. Matéria-prima: lã de ovelha
churra. Função: cobertor de cama e objecto de decoração (Oficina José Pires Freire,
Maçainhas, Guarda) …………………………………………………………………. 333
Figura 19. Manta lobeira ou manta espanhola. Matéria-prima: lã de ovelha churra.
Função: cobertor de cama e objecto de decoração (Oficina José Pires Freire, Maçainhas,
Guarda) ……………………………………………………………………………… 334
3. Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino (Portalegre)
Figura 20. Ampliação do desenho do cartão de um artista ………………………….. 335
Figura 21. As tecedeiras a tecer a tapeçaria no tear vertical ………………………… 335
Figura 22. Guilherme Camarinha, Leitura Nova, 1969. Dim.: 482 x 1162 cm. Biblioteca
Nacional de Portugal, Sala de Leitura Geral ………………………………………... 336
Figura 23. Almada Negreiros, Domingo Lisboeta. (Tríptico) Dim.: 410 x 205cm …. 336
Figura 24. Joana Vasconcelos, Ave do Paraíso. Dim.: 185 x 132cm ……………….. 337
16
INTRODUÇÃO
A década de 1990 foi tempo de mudança. Na museologia: a profissionalização; a
reorganização da orgânica da instituição museológica; a sua chegada ao campus
universitário como disciplina de ensino e de investigação, onde fermenta a
sociomuseologia. O interesse gerado pela Exposição Mundial de 98, em Lisboa; o
arrojo do design de exposição, em contínua evolução; as novas perspectivas sobre os
proventos de territórios de menor escala, sobre os quais se fala em desenvolvimento
local; e a canalização de fundos europeus para projectos de âmbito regional e
desenvolvimento comunitário. Apesar de todas estas motivações, Mário C. Moutinho e
Fernando João Moreira vêem (em 2007) moderação no contexto museológico
português. Esta amenidade é definida pelos docentes como pragmática e obediente «aos
parâmetros seculares que não admitem a discussão». Ao contrário dos exemplos
suscitados por Moutinho e Moreira – no México e no Quebeque, a museologia e os
«movimentos de libertação» imiscuem-se inflamadamente –, «a museologia progressista
portuguesa permanece cautelosa, confinada a um reformismo ditado pelo modelo
económico». E o infausto cenário português não se fica por aí: «fechada sobre si
própria, a museologia portuguesa erigiu um sistema de representação do Estado Novo,
da sua ideologia paterno-corporativista, aspira a outra coisa sem, no entanto, manter os
compromissos assumidos em 74, excepto através de uma lenta progressão no campo de
uma museologia social, de tipo participativa, raramente de autogestão»1.
Depois destas pistas sobre o estado da museologia e dos museus em Portugal,
sentiu-se a necessidade de perceber a sua evolução conceptual, quais as propostas na
esfera desta nova museologia e como se pratica num espaço geográfico particular.
Desceu sobre a disciplina museológica uma componente fortemente sociológica, que
procurou unir os museus e a sociedade contemporânea. A mutação que se descobria na
museologia e nos museus abrigava um conjunto de áreas, que antes não se viram tão
próximas, como as Ciências Humanas, os Estudos de Desenvolvimento, a Ciência dos
Serviços e o Planeamento Urbano e Rural. Desta confluência, Mário C. Moutinho
apresenta a ciência da Sociomuseologia, multidisciplinar, que utiliza o «reconhecimento
1 Pierre Mayrand e Mário C. Moutinho em «Le musée local de la nouvelle génération au Portugal, un pas
en avant dans la gestion communautaire qualitative: essai d’ interprétation épistémologique» in Judite
Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28,
n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Setembro de 2007, p. 48.
17
da museologia como um recurso para o desenvolvimento sustentável da Humanidade,
baseando-se na igualdade de oportunidades bem como na inclusão social e
económica».2 Esta posiciona-se como conciliadora entre o objecto exposto (ao «serviço
de colecções», de acordo com Moutinho) e o indivíduo (ao «serviço da comunidade»)
no campo de acção que é o museu.
E de que tratam os museus, perguntar-se-á? De arte? De objectos arqueológicos
seculares? De antiguidades? Ora, o património vai mais além, e a confirmá-lo está a
actuação do Conselho da Europa, que, a partir da década de 1970, ousou incluir na sua
definição o «ambiente humanizado e edificado», «os centros históricos, conjuntos
urbanos e também rurais, património técnico e industrial», e «a arquitectura
contemporânea», reconhecendo-lhes valor e o contributo para o conhecimento.3 O passo
seguinte fixava a acessibilidade ao património. (E quem é o visado desse património?) A
Natureza e a produção contemporânea desafiavam também o paradigma patrimonial (a
sua classificação estava em discussão), da mesma forma que se trabalhavam as pontes
entre «as referências patrimoniais dos séculos passados» e o «património urbano e
arquitectónico contemporâneo». Foram os assuntos que dominaram as décadas
seguintes (1980-1990) e que justificaram as Declarações de Quebeque, Oaxtepec e
Caracas, aos quais Judite Primo dera relevância em Documentos Básicos de
Museologia: principais conceitos. Abordam-se aspectos como o «contexto», o
«indivíduo» e a «comunidade». Mas como é que isso se materializa?
1. A presente dissertação teve como inspiração o indivíduo. Isto é, como é que ele lida
com o seu passado no presente e qual a importância que lhe dá na sua vida quotidiana.
Pessoalmente, dei por mim, várias vezes, a olhar as janelas de um museu que conheço
desde criança, estudei ao lado dele e trabalhei nele. Mas, recordo-me especialmente de
que antes dessa maior aproximação, era repetente no mesmo acto: passava-e-espreitava,
passava-e-espreitava, e não entrava. Um dia, conheci-o finalmente. É o museu da minha
terra. Nele estão reservados acontecimentos relevantes para a compreensão da história e
2 Mário C. Moutinho, «Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite Primo
(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Setembro de 2007, p. 39.
3 Judite Primo, «Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo (Coord.),
Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa,
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 120.
18
evolução da cidade, da região e do país, inclusivamente; àquilo que guarda estiveram
associadas figuras importantes da história nacional. A minha naturalidade covilhanense
não me toldou a visão, apenas me instigou a querer saber mais sobre esta lã de que tanto
ouvia falar. Levou-me à Guarda e a Portalegre, também sítios de lã. Assim cresceu a
vontade de perceber qual a relação entre as três regiões no âmbito da indústria dos
lanifícios, a querer saber o que as unia e as distanciava, como respondiam umas às
outras na progressão da actividade, e como contribuíram para esta história. A Beira
Interior e o Alto Alentejo teriam uma identidade têxtil comum?
2. Tendo conhecimento de três museus relacionados com o têxtil, nomeadamente a lã,
impunha-se perceber de que forma é que o museu é capaz de trabalhar esse tema e de
apresentá-lo a um público. Também o pensamento correu do lado inverso: como e por
que é que as pessoas procuram saber sobre o seu passado e a sua identidade. Será o
museu capaz de passar a mensagem a um público? Mais, será capaz de comunicar com
ele? E, mais intimamente, com a localidade onde está inserido e com a comunidade a
que pertence? Como o concretiza?
Antes do discorrer deste conjunto de «se» e de «como», a primeira dúvida é, na
verdade, o que é comunicar? Depois, segue-se essa série interrogativa: Como ocorre a
comunicação? Como se aplica(m) a(s) teoria(s) da comunicação ao museu? De que
forma é que esta(s) é(são) executada(s) pelo museu? Aliás, qual a relação entre museu e
linguagem e de que forma, e até que ponto, esta interfere no processo museológico?
3. Está consumado que os objectos significam. «É como se os objectos tivessem a sua
própria linguagem», comentam Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina. A
significação do objecto divide-se em três indagações indispensáveis para assim a
interpretação se concretizar:
1) «significado funcional, que responde à pergunta: para quê e como se usam?»
2) «significado simbólico, que responde à pergunta: que valor tem para mim?»
3) «significado contextual, que responde à pergunta: em que situação ou cenário se
encontram?»
Outras mais aguçam a vontade de trinchar o objecto: questiona-se sobre o seu
aspecto físico (quais as suas características físicas e por que é que apresenta essas e não
outras); questiona-se a sua composição, os seus materiais, a sua combinação com outros
19
fazem-nos duelar com construções já existentes; questiona-se sobre a procedência, sobre
o fabricante e sobre o período em que ganhou existência. As fórmulas e formulações de
apresentação de um objecto são variadas.4
A descrição anterior parece centrar-se obsessivamente no objecto, porém,
perceber-se-á que há outros factores (além daqueles que pretendem inspeccionar a sua
tangibilidade) que não se aprisionam na matéria. Ao falar-se em significação e em
interpretação de significado, pressupõe-se a existência de um intérprete. Esta figura, o
intérprete, começa a aparecer não unicamente como indíviduo solitário, mero
observador do objecto, mas como elemento de um colectivo que tem poder sobre o
objecto e este sobre ele. A segunda metade do século XX é tempo de questionamento e
de clarividência. O ser social explorador e experimentador desperta e o museu também
se revê na necessidade de renovação e de reencontro. O que é que a Nova Museologia
traz para o museu e quais as suas funções são questões medulares. Neste sentido, a
missão pública e a intervenção social revelam um outro tipo de instituição.
Pregava Pe. António Vieira, na Capela Real, no ano de 1655, que «as palavras
ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos
olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos»5. As acções
têm uma magnitude que as palavras, invisíveis, nem sempre alcançam.
A exposição museológica não se confina à aparência, nem o museu ao trabalho
de manutenção e de guardião das relíquias. Esses tesouros estarão, agora, envolvidos
numa acção mais diversificada, mais informal e de maior proximidade? Interpretação e
serviço à comunidade apoderam-se da produção científica sobre a museologia dos finais
do século XX e inícios do século XXI, e não têm preferência por tipologias de museu. A
educação/aprendizagem e o entretenimento conhecem-se nesta altura, a tecnologia
chega como que em pós de perlimpimpim, e a margem até onde conhecimento e
diversão se complementam ou se asfixiam começa a suscitar reflexões mais demoradas
e vigilantes. Eis que se questiona: Onde se enquadram os museus locais na nova
concepção museológica? E, nomeadamente, os museus de centros urbanos do Interior
português.
4 Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, Museo local: la cenicienta de la cultura,
Biblioteconomía y Administración Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008, p. 223.
5 Pe. António vieira, Sermão da Sexagésima, p. 11. (Ver http://www.bocc.ubi.pt/pag/vieira-antonio-
sermao-sexagesima.pdf)
20
4. Neil Postman comenta, de tonalidade poética: «“O museu é um farol da consciência
social, um historiador do futuro, uma muralha contra a escuridão e o desespero, e um
templo de elevação do Homem e, por isso, um museu precisa dialogar com a
sociedade”»6. O museu local tem nestas palavras a sua vocação? De onde provém este
tipo de museu? Como se caracteriza? Como actua? O Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior, o Museu de Tecelagem dos Meios e o Museu da
Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino, cujas matrizes bebem a memória e o espírito dos
respectivos locais são capazes de produzir sentimento de pertença? Como é ser-se
museu em pequenos núcleos populacionais? (Esta é uma das questões basilares.)
O ócio cultural instalou-se nos centros históricos, a partir do qual se criaram
actividades. Visualiza-se o património arqueológico, arquitectónico, artístico na óptica
do consumo numa tendência ascendente. Os seres humanos são seres históricos e, por
isso, essa atracção não se quebrará.7 Mestre e Molina lembram que um dos teóricos
mais marcantes da economia moderna estaria, na actualidade, a retractar-se:
«Adam Smith, (…) na sua famosa obra, considerava que as profissões dedicadas à cultura e ao
ócio não contribuíam para a riqueza das nações, e situava-os todos no âmbito por excelência
dos não produtivos. Hoje, os seus colegas não estariam de acordo com este ditame, já que o
ócio e a cultura são factores determinantes no produto interno bruto de qualquer sociedade
avançada. E os museus e as exposições constituem uma das fundações nas quais se apoiam a
indústria cultural e o ócio»8.
O que não significa que a maioria dos museus, nomeadamente os locais,
consigam ser exactamente um negócio e grandes geradores de lucro. Se (ainda) não são
um negócio – ou, numa terminologia economicista mais eufemística, um produto
turístico –, conseguirão vir a sê-lo? E de forma sustentável?
Na Constituição Portuguesa consta que, como princípio fundamental, «o
património cultural português é constituído por todos os bens materiais e imateriais que,
pelo seu reconhecido valor próprio, devam ser considerados como de interesse relevante
para a permanência e identidade da cultura portuguesa através do tempo», mais se
6 Neil Postman, Museus: geradores de cultura. Haia: ICOM, 1989 (texto impresso), abertura da 15.ª
Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus/ICOM, em Haia-Holanda. Apud Maria Cristina
Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in Cadernos de
Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em Museus, n.º 25,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, pp. 9-10.
7 Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 229.
8 Idem, p. 219.
21
acrescenta que «1 – É direito e dever de todos os cidadãos preservar, defender e
valorizar o património cultural. 2 – Constitui obrigação do Estado e demais entidades
públicas promover a salvaguarda e valorização do património cultural do povo
português».9
5. A metodologia aplicada na presente dissertação compôs-se de uma sequência
simples: i) a leitura de bibliografia científica produzida nas áreas da Museologia e da
Sociomuseologia para a componente teórica, e de literatura publicada sobre a história
dos lanifícios para a contextualização histórica e sobre os museus identificados nas
regiões da Beira Interior e Alto Alentejo para sua análise como casos de estudo; ii) a
visita, observação e experiência presencial como visitante; iii) e a elaboração de um
questionário com o intuito de perceber, com base numa análise qualitativa, qual a
relação do público/indivíduo com o museu que visita. Este tem, por isso, um cariz
sociológico mais do que museológico ou museográfico, uma vez que foram as questões
relativas ao grau de conhecimento e de envolvimento com a temática, o museu e a
própria localidade e a motivação da escolha do museu a sobressaírem. Aproveitou-se,
ainda, para extrair dessa amostra a opinião sobre determinados aspectos da sua
vivência/experiência de visita e de contacto com a instituição e os seus serviços.
No Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, os questionários
estiveram disponíveis ao público durante duas semanas, repartidas pelos meses de Julho
e de Agosto; no Museu de Tecelagem dos Meios, permaneceram durante quase todo o
mês de Novembro; e, no Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino, ocuparam o
período de meados de Setembro até meados de Outubro. A não coincidência temporal da
disponibilização dos questionários deveu-se a motivos de calendário das próprias
instituições.
9 Cf. Diário da República, I Série, Lei n.º 13/85, de 6 de Julho de 1985, Título I – Princípios
Fundamentais, Artigo 1.º e Artigo 2.º. (Diário da República, disponível em
http://dre.pt/pdfgratis/1985/07/15300.pdf)
22
Revisão da Literatura e Estado da Questão
O novo enquadramento do museu na organização social, educativa e cultural das
comunidades encaminhou um crescente número de estudos para o conceito de Nova
Museologia e para as novas tendências museológicas que definem o novo estatuto do
museu.
No tocante às instituições museológicas industriais, a produção científica é
reduzida e a abordagem de pendente histórico, apostando na análise de conceitos como
Património e Museu no século XVIII e na sua evolução desde o século XIX até ao pós-
25 de Abril. José Miguel Casal Cardoso Neves concentrou os seus estudos na origem,
na concretização e no desenvolvimento daquilo que designou por «fenómeno dos
Museus Industriais em Portugal»10
com o balizamento temporal de 1822 a 1976.
Interessado em interpretar o contexto do «recente surto de experiências museológicas
nesta área», define o conceito de museus industriais como sinónimo de museus técnicos,
influenciado pela abrangência que o século XIX suscitava e que se materializava em
«temáticas» comerciais, agrícolas e marítimas. Estas actividades eram entendidas como
«ramos da indústria em geral». O conceito de museus industriais, trabalhado por este
autor, acolhe também os museus da ciência e da técnica, embora, de acordo com o autor,
venham a ser mais frequentes apenas nos anos setenta do século XX. O seu trabalho
termina, assim, antes do período que vê nascer os casos de estudo aqui apresentados.
Atendendo às conclusões de Cardoso Neves, o século XIX foi já um importante
período da história para a museologia industrial, para a construção de colecções deste
tipo de património (máquinas, instrumentos, produtos, entre outros) e para as investidas
na criação de mecanismos (meios e processos) de exposição e aproximação do público.
Diz-nos também que o museu industrial em Portugal foi inspirado no Conservatoire des
Arts et Métiers de Paris com o objectivo de promover a Indústria, embora sem
resultados significativos. Era, enquanto «extensões pedagógicas do ensino industrial e
técnico entretanto criado»11
ainda no século XIX, onde residia a motivação da sua
existência, constituindo-se como componente prática da formação escolar industrial.
Contudo, a «articulação» entre as escolas e os museus não foi suficientemente
10
José Miguel Casal Cardoso Neves, Museus industriais em Portugal (1822-1976): sua concepção e
concretização, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1996, p. 1. (Dissertação de mestrado em
Museologia e Património.)
11 Idem, p. 111.
23
consistente para a subsistência de alguns museus industriais e comerciais.
As colecções em exibição nestas instituições eram, também, na segunda metade
do século XIX, usadas sobretudo com uma finalidade promocional, comparando
produtos, matérias-primas e procedimentos de fabrico nacionais e estrangeiros, numa
tentativa de acreditação da evolução tecnológica e industrial portuguesa. O autor
constata, à data do seu estudo, a marca da insuficiência de exemplares de maquinaria
que representassem o percurso industrial e técnico. A história da técnica sustinha-se,
então, em instrumentos agrícolas e piscatórios, perdendo a possibilidade de
salvaguardar peças simbólicas como a máquina a vapor. O desenvolvimento dos museus
industriais não deixou de ser condicionado pela política. Cardoso Neves observa que
entre a 1.ª República e o final do Estado Novo existe uma «diminuição significativa de
museus industriais, alteração que só muito recentemente se tem vindo a modificar»12
. A
rejeição da tecnologia, isto é, do desenvolvimento técnico e tecnológico coadunava-se
com a pretenção de não alimentar museus relacionados com esta área e que pudessem
minar o pensamento ideológico estado-novista.
A pesquisa no catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal revela resultados que
não satisfazem o objecto específico que motiva a dissertação que aqui se enceta – os
museus industriais têxtis dedicados à lã –, com excepção dos catálogos elaborados pelo
Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (e algumas [poucas] publicações
relativas à tapeçaria de Portalegre, produto de um dos outros dois museus que integram
os casos de estudo deste trabalho). Quando a busca se torna mais abrangente, e se
encurta a expressão para «museus industriais», os resultados não são quantitativamente
significativos e o enquadramento temporal situa-se entre 1884 e 2000, reportando a
alguns casos específicos mais carismáticos que têm raízes no século XIX,
nomeadamente os Museus Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto.
Entre os resultados da pesquisa, surgem obras sobre a relação entre museus e
escolas desta área de actividade em Portugal, a dissertação de Cardoso Neves como
documentação deste tema, e a museologia e arqueologia industrial. Neste campo, os
nomes mais repetidos são os de Jorge Custódio e Joaquim Ferreira Gomes, que se
tornaram referências de estudos e investigações subsequentes. O primeiro com
particular expressão na obra Museologia e Arqueologia Industrial. Atento, por um lado,
ao papel de um dos grandes sectores de actividade nacionais – a indústria –, àquilo que
12
Idem, p. 3.
24
a arqueologia industrial pôde desvelar, e à resposta por parte da acção de protecção e
preservação (musealização) dessas infraestruturas e equipamentos fabris. Por outro,
procurou-se «compreender e interpretar» a relação da sociedade portuguesa com esse
espólio no «processo do desenvolvimento histórico, socioeconómico, tecnológico e
cultural», como afirma Jorge Custódio. Esta obra serviu ainda o propósito de divulgar
os fundamentos, os objectivos e o programa da criação do Museu de Lanifícios da UBI,
além da apresentação de outros casos de âmbito industrial (mas não têxtil e laneiro),
convocando o interesse para esta área há já duas décadas.
No Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior –
Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos13
são exibidas, no seu arranque,
questões que preparam o leitor – e quem sabe futuro visitante – para uma nova
personalidade do museu (enquanto instituição). A primária e tradicional função de
salvaguarda de um pedaço de património – denso, não só pelo peso da sua matéria
(peças, instrumentos, maquinaria, etc.), mas também por ser representante de um sem-
número de aspectos construtores da(s) comunidade(s) e da sociedade, de épocas,
pessoas, vivências, História e estórias – é sempre o Acto I. Os processos que se seguem
surgem já não como deixas discretas, mas como potenciadores desse Acto I que, cada
vez mais, caracterizam, preocupam e orientam quem trabalha o museu enquanto
«espaço educativo, de investigação, de comunicação e de lazer» e «pólo de promoção e
de dinamização cultural».14
Este foi um dos temas de debate que consta das Actas da
Associação Portuguesa de Museologia ainda do final da década de 1970. A abertura; a
interactividade com o visitante; a capacidade de se assumir como centro interpretativo,
educativo e dinâmico; e a procura das melhores formas de dar a conhecer o seu acervo e
de que o seu público o compreenda traçam o destino deste trabalho. Este dispõe-se a
analisá-lo, a interpretá-lo e a confrontá-lo em localidades retiradas dos grandes centros
polarizadores da dinâmica nacional, sob uma temática característica das localidades em
causa e com influência não só local, mas também regional.
A opção de investigar a comunicação do património industrial têxtil
musealizado, em particular o laneiro, impõe uma observação prévia: o estudo desta
13
O ano de edição do catálogo é 1998.
14 José Amado Mendes lembra El museo como espacio de communicación, de Francisca Hernández
Hernández, no prefácio do Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo
da Tinturaria da Real Fábrica de Panos (Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de Lanifícios,
1998, p. 11). A obra de Hernández é coeva do referido Catálogo.
25
temática neste contexto comunicacional e relacional com as suas regiões é parco. Os
museus que assumem esta identidade, concretamente na Beira Interior e no Alto
Alentejo (Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior [Covilhã], Museu de
Tecelagem dos [Guarda] e Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino [Portalegre])
não foram alvo de estudos académicos mais avançados. Observam-se, como foi
indicado, alguns estudos dedicados aos museus industriais, ou melhor, à museologia
industrial portuguesa, focando ora a sua história ora o património industrial. Em
acelerado crescendo está a atenção dedicada ao estudo da missão do museu, no seu novo
perfil: mais activo e menos esfíngico, mais comunicativo e relacional.
Quando se reporta mais concretamente à museologia local e regional e às novas
tendências museológicas, o estudo direcciona-se com maior frequência para o
ecomuseu, entre as novas tipologias de museus que surgem após o 25 de Abril de 1974.
João Manuel Mendes de Oliveira Diogo, em 1997, propôs-se ao estudo dessa
diversidade museológica, embora recue àquilo que foi a museologia regional e local da
segunda metade do século XIX e ao Estado Novo. Neles buscou respostas que possam
explicitar o contexto do último quartel de Novecentos em diante: «As dificuldades que
se colocam à delimitação das áreas de intervenção desses museus, a definição dos
critérios a que deveria obedecer e a impossibilidade de determinar de forma clara,
consistente e rigorosa a fronteira entre museu regional e local em Portugal»15
.
Importante será conhecer esse novo entendimento museológico regional e local em
Portugal e como é que a mudança a ele subjacente configurou a existência e a actuação
dos casos de estudo elencados dentro dos objectivos definidos.
O conceito democratização da cultura trazia não só novidade como a revolução
do papel e da imagem dos museus perante o público. Um museu mais acessível e
entendível, que requer também a participação da sociedade. Interactividade é o termo
que se descortina de forma mais evidente com as novas tecnologias da comunicação.
Também o público se modificou: ao grupo restrito de indíviduos intelectual e
culturalmente abastados (a quem inicialmente se destinavam as exposições) sobrepõe-se
o oxímoro de uma massa diversificada, impaciente, menos contemplativa, mas mais
inquisitiva perante o que observa.16
A nova situação política em que Portugal se
15
João Manuel Mendes de Oliveira Diogo, Museologia regional e local em Portugal ontem e hoje:
urgência de uma política, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1997, p. 13. (Dissertação de mestrado
em Museologia e Património.)
16 Carla Altamirano, Carolina Crespo, Erica Lander e Natalia Zunino, «Modalidades de apropiación del
26
encontrava propiciara um crescimento significativo da museologia local e regional. A
autonomia que o poder local foi granjeando passou a confiar-lhe áreas como a cultura. A
vinda do museólogo Per-Uno Agren, em 1976, na sequência de um pedido à UNESCO,
tem como objectivos avaliar o panorama museológico português, mas também
«aconselhar as autoridades centrais sobre as medidas mais apropriadas para melhorar a
coordenação entre os diversos museus existentes, a descentralizar a acção desses
museus e a criar museus de um tipo novo com grande participação popular»17
. Estes
assumir-se-iam como agentes de «acção cultural»18
. A partir de 1976, surgem alguns
organismos afectos a esta área, como o Instituto de Salvaguarda do Património Cultural
e Natural19
, substituído em 1980 pelo Instituto Português do Património Cultural
(IPPC)20
.
Oliveira Diogo estuda o fenómeno apenas até a década de 1990, mas o aumento
exponencial desses representantes da cultura local e regional prosseguiu no tempo (os
museus municipais são exemplo disso). Assevera ainda, considerando a realidade dos
anos 90, que esse incentivo museológico se repercutiu mais quantitativamente do que
qualitativamente, coxeando na definição de uma política museológica local e regional
estratégica e sustentável. Em 1991, foi criado o Instituto Português de Museus (IPM)21
.
Sinal de autonomia e especificidade «no contexto da política patrimonial portuguesa», e
de responsabilidade.22
Uma das preocupações expostas pelo autor é a dependência dos
museus locais e regionais em relação às autarquias. Uma situação que perdura no século
XXI. A dependência está além das ambições autárquicas e prende-se sobretudo com o
ciclo dos mandatos, as políticas e os programas, muitas vezes interrompidos.
O poder político português percebeu a importância do património (embora a um
ritmo pouco condizente com o de outros países europeus) e sobre ele produziu
legislação que «orientou, restringiu e definiu o que os museus deviam, e não deviam,
patrimonio: el museo y su público» in Arte y recepción. VII Jornadas de Teoría e Historia de las Artes,
Buenos Aires, CAIA (Centro Argentino de Investigadores de las Artes), 1997.
17 João Manuel Mendes de Oliveira Diogo, op. Cit., p. 189.
18 Idem, p. 189.
19 «V. Despacho de 20 de Junho de 1977, Diário da República, II Série, n.º 166.» Idem, p. 189.
20 «V. Decreto-Lei n.º 59/80, de 3 de Abril, Diário da República, I Série, n.º 79.» Idem, p. 189.
21 «V. Decreto-Lei n.º 278/91, de 9 de Agosto, Diário da República, I Série, n.º 182.» Idem, p. 189.
22 Idem, p. 191.
27
manter»23
, por intermédio da qual se pôde acompanhar o significado de património ao
longo do tempo e dos diferentes regimes políticos. Sérgio Lira esclarece que o conceito
de património cultural integrou cedo a legislação produzida pela Primeira República e
teve prossecução até à década de 1960. Os museus encontram definição legal na década
de oitenta (pelo Decreto-Lei n.º 45/80 de 20 de Março de 1980, artigo 1.º). Entretanto,
diversa legislação internacional foi-se firmando – da Convenção de Haia, de 14 de Maio
de 1954, à Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico, em
1969, a que Portugal adere em 1982, destacando aqui as escavações e as descobertas
como sustento daquilo que são os «bens arqueológicos». E outras convenções afectas ao
património cultural e natural e à salvaguarda do património arquitectónico europeu.24
A evolução dos conceitos de museu, museologia e museografia tem permitido
uma crescente teorização e, como tal, uma problematização continuada, com especial
atenção para a pragmatização dos mesmos. Desta primeira conclusão, espremida da
extensa literatura que está em construção, importa conhecer o contributo de
investigadores que têm acompanhado a problemática da relação daqueles conceitos com
a sociedade. Luis Alonso Fernández procura compreender a sua evolução e a sua
adequação aos tempos. Dos factos e das novas formas de pensar, Fernández constata, na
sequência do período contemporâneo da pós-industrialização – pós-moderna e
neobarroca, segundo alguns – a atribuição de um novo papel ao museu no domínio
cultural, e patrimonial em particular. Além de espaço de armazenamento, de
conservação e de exposição de objectos, o espaço museológico assume novas funções
na sociedade. Entre outros, Fernández recorre a Marc Maure, Peter van Mensch, André
Desvallées, Tomislav Šola e Zbynӗck Z. Stránský para com estes reflectir sobre a
grande mudança na museologia que o pós-II Guerra Mundial propiciou.
O acesso à cultura e à arte é uma das consequências ideológicas da Revolução
23
Sérgio Lira, Políticas museológicas e definição do conceito de Património: Da norma legislativa à
prática dos museus, Águas Santas, Abril de 1999, p. 1. (Prosrestauro – O portal de Conservação e
Restauro, http://www.prorestauro.com/index.php?option=content&task=view&id=58, acedido em 3 de
Julho de 2011.)
24 Em 1965, é publicado o Regulamento Geral dos Museus de História, Arte e Arqueologia, onde se
salienta a ideia de um museu «para todos», embora descurando a referência a museus de técnica ou de
ciência. A década de 1970 mostra uma maior abertura dos museus a outras áreas de interesse – científica,
social e técnica – e, consequentemente, a redefinição dos limites do que é património. Idem, pp. 2-8.
28
Francesa (1789), em que o museu surge como «instituição pública e patrimonial»25
. O
seu processo metamorfósico tem sido acompanhado por questões que o envolvimento
entre o agente social e a herança que produz (material ou imaterial) suscita: a influência
do contexto (socioeconómico e cultural) e da «sociedade em desassossego»; que
materiais ou objectos poderão integrar ou constituir colecções; quais deverão ser
expostos, divulgados, conservados e apresentados como «válidos e interessantes» para o
público, e quais as técnicas adequadas para cumprir tais propósitos. A organização e as
funções são também aspectos essenciais para a construção da orgânica e da imagem do
museu. Há que reavaliá-los atendendo a uma «sociedade cada vez mais ávida em
decifrar e agitar as relações entre o património e o território e a sua comunidade».26
Oferecia-se já à discussão os atractivos instrumentos «tecnológicos,
informáticos, interactivos e mediáticos do museu electrónico e do museu virtual» que se
coordenavam em favor de um maior diálogo com a comunidade, contrariando o
distanciamento que a ordem de exclusiva conservação sobrepunha ao enquadramento e
leitura da peça. No século XX, apresenta-se um museu organizado, vivo e didáctico, nas
palavras de Fernández, além do tradicional «museu-armazém», ao qual se juntam
funcionalidades e qualidades como as laboratoriais e de «banco de dados», mas também
de «sedução e espectáculo».
É sobretudo a partir dos anos de 1960 – pela acção do International Council of
Museums (ICOM), criado em 1946, sob a tutela da UNESCO, para subsitituir a Oficina
Internacional dos Museus (ao abrigo da Sociedade das Nações) –, que os conceitos de
museologia, museografia e museu se estruturam e consolidam. O mesmo sucede com a
Nova Museologia no início da década de oitenta27
. A museologia passa a dividir o seu
estudo entre a história e a função interventiva perante a sociedade e o património. A
investigação, a educação, a apresentação, a animação e a difusão são alguns campos que
colocam o museu e a museologia em contacto com as necessidades dos tempos
modernos – ideia de Georges Henri Rivière que Fernández traz à discussão e que se
harmoniza com o programa do ICOM. O aparecimento do ecomuseu trouxe outra linha
de problematização, relacionada com a preservação dos espaços in situ e o meio
25
Luis Alonso Fernández, Introducción a la nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza
Editorial, 2002, p. 13.
26 Idem, p. 15.
27 Idem, pp. 17-19. A Oficina Internacional dos Museus foi instigada, em 1926, por Henri Focillon,
historiador de arte francês.
29
ambiente.
Mais activa, pluridisciplinar28
, comunicativa e dialogante com a comunidade – é
assim que Fernández apresenta a (nova) museologia no encerramento da década de
1990. A isso, o museu responde veiculando informação, com particular expressão na
preservação de uma memória colectiva, na construção de uma identidade (de relações
entre a comunidade e o património)29
, educando, mas também como estímulo
económico. Margarida Louro Felgueiras lembra que o turismo cultural e a indústria do
entretenimento poderão ser estratégicos na valorização da cultura e do património.30
Encontram-se, durante os primeiros anos do século XXI, alguns estudos e
publicações que pretendem reflectir sobre a importância que o museu local assume na
trama sociocultural portuguesa. Entre 2002 e 2006, três dissertações são produzidas no
âmbito da Nova Museologia e dos museus locais. Uma (de Paula Marques) focada no
estímulo do património da localidade de Alvaiázere materializado pela proposta de
criação de um museu, procurando consciencializar, preservar e estimar a identidade
cultural local segundo a teoria museológica contemporânea. É, por isso, motivo de
interesse a reflexão sobre questões como a recuperação, a salvaguarda e a valorização
de património material e imaterial, a preservação in situ e a mobilização da própria
comunidade. As outras aproximam-se geograficamente das escolhas para este estudo.
Destas, a de Aida Rechena trata os concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova,
Penamacor e Vila Velha de Ródão como pólos onde comunidade, património e espaço
se conciliam numa perpectiva de identificação e desenvolvimento locais. A outra, de
28
Veja-se a importância que o Decreto-Lei n.º 245/80, de 22 de Julho de 1980, atribui a esta componente
no âmbito da defesa do património cultural. Sérgio Lira, op. Cit.
29 Também Cristina Bruno, em Cadernos de Sociomuseologia – Museologia e comunicação, refere a
contribuição da museologia para a composição de uma identidade. O museu torna-se decisivo para o
confronto entre o indíviduo (singular ou colectivo) e o património criado, do qual se toma consciência
pela formação, preservação e comunicação de uma memória, que se forma por meio de uma análise
semiótica instintiva (interpretando «sinais, imagens e símbolos», conjugados com sensações e ideias)
desse passado. Fase crucial e que encerra a ordem de finalidades que também foram apontadas. Cristina
Bruno, «Museologia: algumas idéias para a sua organização disciplinar» in Cadernos de Sociomuseologia
– Museologia e Comunicação, vol. 9, n.º 9, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 1996, pp. 9-33.
30 Margarida Louro Felgueiras, «Materialidade da cultura escolar. A importância da museologia na
conservação/comunicação da herança educativa» in Pro-Posições, vol. 16, n.º 1 (46), Janeiro/Abril, 2005,
p. 99.
30
Maria Filomena Carvalho, na mesma linha, prospecta para o concelho de Seia um
complexo museológico animado pelos têxteis. Estes contributos exemplificam o novo
cenário de valores e dinâmicas investigado, aprofundado e em permanente actualização
por vários autores, sobretudo a partir dos anos de 1990.
São vários os investigadores que se dedicam a este assunto, com destaque para
Fernando João Moreira, Judite Santos Primo e Mário C. Moutinho. Como refere Judite
Primo em The Importance of Local Museum in Portugal31
, o processo evolutivo dos
museus locais passou até agora por quatro fases, iniciando-se no despertar e «afirmação
de outras práticas museológicas possíveis» depois do 25 de Abril até uma fase mais
recente de entendimento do museu como «recurso».32
A investigadora atribui aos
museus locais o papel fundamental de «instrumento de difusão cultural e de herança da
importância local e impacto»33
, sem desmerecer a atitude de cativar a «força criativa da
população» e de se tornar o reflexo de uma «iniciativa colectiva».34
O que vem
corroborar a chamada de atenção da autora para uma mudança de percepção
relativamente ao estatuto deste tipo de instituições: «Os museus locais, que num
passado recente eram vistos como factores menores na política cultural oficial, são hoje
reconhecidos pela União Europeia como essenciais desta mesma política».
A Nova Museologia planeia para o museu local um desenvolvimento em duas
dinâmicas: «endógeno e exógeno». A sua participação na comunidade abre
possibilidades de progredir num plano de atracção turística, promovendo os produtos e
saberes locais, a experiência colectiva e a sustentabilidade.35
Fernando João Moreira
havia cimentado esse novo comportamento do museu em 2000: «O museu local do tipo
que defendemos como estando ao serviço da população não pode negar atenção à
tendência interna da sua acção», tal como «promover experiência colectiva; estimular
processos de participação e reflexão; manter a importância de todos os saberes,
31
Extracto da sua dissertação de mestrado intitulada Museus Locais e Ecomuseologia: Estudo do Projecto
para o Ecomuseu da Murtosa, de 2000, in Cadernos de Sociomuseologia – Museus Locais e
Ecomuseologia: Estudo do Projecto para o Ecomuseu da Murtosa, vol. 30, n.º 30, 2008.
32 Judite Primo, «The Importance of Local Museum in Portugal» in Cristina Bruno, Mário Chagas &
Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa,
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 93-94. A constatação de Judite Primo
fundamenta-se em Mário Moutinho.
33 Idem, p. 96.
34 Idem, p. 101.
35 Idem, pp. 111-112.
31
independentemente do seu perfil profissional ou científico; privilegiar os processos mais
do que os produtos finais; é concebido e construído pela população, eventualmente com
o auxílio técnico de museólogos; é gerido com e para a população; é avaliado não só
relativamente a parâmetros económicos, mas também quanto a serviços prestados ao
domínio social»36
.
Há que considerar um público que não se cinge ao habitual. Há também o
público possível/pretendente que – por meio de materiais como livros sobre conteúdos
musealizados, da visita a uma exposição temporária ou por ter recebido informação em
contexto escolar, entre outros – interage, num primeiro momento, por intermediários.37
Em síntese, um importante acontecimento define o museu: a sua «permanente
construção e mudança»38
. No entanto, há realidades que se esfumam neste novo
paradigma.
Encontrar no museu um prestador de serviços seria o desejável, mas de acordo
com Mário Moutinho a tensão encontra-se na dependência de subsídios do Estado, de
entidades beneméritas e outras. Constata, portanto, que a instituição museológica não
consegue assumir-se plenamente como tal. Também a irregularidade na aplicação das
novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) torna-se num falsete mal
colocado, quando poderia apoiar a estrutura organizativa e inovar, apresentando serviços
criativos e atractivos. Perante a explanação do conceito de museu pelo ICOM, em 2007,
como «instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e aberta ao
público que adquire, conserva, estuda, expõe o património material e imaterial da
humanidade para fins de estudo, educação e lazer», Moutinho encontra, na realidade,
um «paradoxo» quando verifica que essa entidade não se reconhece como tal.39
Soma-se
36
Fernando João Moreira, «The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas
& Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa,
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 27.
37 Fernando João Moreira, «On the concept of the public: the local museums’ case» integrado em The
Museums’ Public in Portugal: characterisation and motivations, (POCTI – 33546 ULHT Sociourbanistic
Study Centre [Centro de estudos de Sociourbanismo da ULHT]), 2005. In Cristina Bruno, Mário Chagas
& Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa,
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007.
38 Fernando João Moreira, «The Creation Process of a Local Museum» in op. Cit., p. 27.
39 Mário C. Moutinho, «Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de
Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2008, pp. 36-37.
32
o preconceito relativo ao museu local que, do ponto de vista de Joan Santacana i Mestre
e Nayra Llonch Molina40
, compromete a cultura. Etiquetados como «“cultura local”»,
nas palavras dos investigadores, têm, em regra, menor compleição orçamental do que os
nacionais e são negligenciados nos recursos que deveriam ter à disposição para cumprir
a sua tripla linha de actuação: «Conservar, investigar e socializar o conhecimento».
Apesar de o contexto analisado por Mestre e Molina não ser o português, há aspectos
(concretamente os que foram apresentados) que se repetem na versão lusitana e que, em
acelerado compasso no século XXI, continuam a exigir preocupação, estudo e
perseverança da comunidade museológica e científica, bem como da sociedade.
Em Staff and training in regional museums refere-se a descompensação que
Mestre e Molina observaram no seu contexto e, por outro lado, a capacidade de os
museus locais se envolverem mais intimamente com as comunidades do que as
instituições de maior dimensão. A conferência com o mesmo nome, que juntou o
International Committee for Regional Museums (ICR) e o International Committee for
the Training of Personnel (ICTOP), em Outubro de 2009, resultou numa obra que visou
distinguir a educação como componente imprescindível para aquilo que é tido como o
seu «âmago»: a comunicação.41
Este é exemplo de uma crescente e interessada
produção bibliográfica sobre o(s) caminho(s) da museologia (para a qual têm
contribuído o ICOM, o ICR, a American Association of Museums [actual American
Alliance of Museums] e outros) e o funcionamento interno e externo dos museus42
.
Bibliografia endereçada, cada vez mais, para os efeitos da Nova Museologia e da
interligação de várias áreas apostadas numa convivência mais intensa e participada da
díade museu-público (e, acrescente-se, do museu local). A esta conclusão junta-se a
pouca literatura existente sobre museus industriais têxteis, de essência laneira, e, como
40
Num trabalho dedicado aos museus locais espanhóis (ao qual se junta o património ao ar livre) como
consumação da «rede básica do património» daquele país. Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch
Molina, Museo local: la cenicienta de la cultura, Biblioteconomía y Administración Cultural, Gijón,
Ediciones Trea, 2008.
41 Goranka Horjan, «Towards the education we really need in regional museums» in International
Committee for Regional Museums (ICR), Staff and training in regional museums, Paris, ICOM, 2011, p.
13.
42 Desde a concepção espacial do próprio museu à conduta dos funcionários, das suas necessidades aos
desafios e às propostas com que várias equipas, em diferentes países, se vão confrontando. A sua análise
será proveitosa para defrontar o contexto lusitano: o seu planeamento e a relação com o público
especificamente, e sobre as andanças da museologia em Portugal.
33
tal, perfila-se um circuito – Covilhã-Guarda-Portalegre – pouco explorado
cientificamente sob o plano traçado, mas de longa ligação histórica.
As várias leituras e as pesquisas efectuadas em diversos centros e instituições de
referência permitem concluir que não existem estudos que congreguem as
especificidades da temática a que esta dissertação se propõe. Conclui-se, igualmente,
que este conjunto de casos específicos não foi ainda tido como objecto de reflexão sob a
ordem de objectivos propostos: a interacção e a convivialidade entre a instituição
museológica e os públicos locais, envolvendo património edificado, acervo, espaços
(localidades), formas de comunicar e potenciais acções complementares. Existem, sim,
algumas dissertações, ensaios, artigos e outro tipo de publicações nacionais e
internacionais que trabalham alguns destes pontos separadamente.
Sugere-se, aqui, a hipótese de estudo de três instituições museológicas à luz da
sua missão, da comunicação e do seu papel de instigadores de desenvolvimento,
enquanto membros de uma localidade e de uma região. A este nível, será também
importante reflectir sobre a gestão integrada desse património, avaliando o estado de
articulação desses mesmos organismos. Procura-se, pois, descobrir de que forma é que
os lanifícios – que, aquando da industrialização pombalina, conferiam unidade
produtiva regional aos distritos de Castelo Branco, Guarda e Portalegre – são, hoje, no
âmbito dos novos ditames de acção museológica, elemento de comunicação desse
passado, de aproximação das comunidades, dinamizador de cada local e turisticamente
unificador da região.
34
PARTE I
O MUSEU: ENTRE A HISTÓRIA DOS LANIFÍCIOS E A
COMUNICAÇÃO DE PATRIMÓNIO
35
CAPÍTULO I | A Indústria dos Lanifícios na Beira Interior e Alto
Alentejo: uma história comum
«Os lanifícios podem-se considerar como
a decana das indústrias portuguesas [...].[sic]»43
Amanhar a terra, e tirar dela proveito, foi a actividade que, no início da história,
permitiu fixar povos e construir comunidades, assim houvesse estabilidade política e
social. Depois, era preciso que as invasões, recordando as bárbaras na Europa, não
prolongassem a barbárie que as caracterizava. Por imposição (e necessidade) de um
novo tipo de vida (de diferentes valores, preocupações e interesses) têm surgido, ao
longo dos séculos, outras e diversas actividades que só essa circunstância proporciona.
Não se fará nesta dissertação uma retrospectiva histórica, com todos os factos,
implicações e argumentos políticos, sociais e económicos, que a evolução da actividade
do homem exige evocar para uma completa e rigorosa explanação desta matéria. Não é
esse o objectivo deste projecto. Mas é reclamada, e com justeza, a presença de um
enquadramento que dê sentido às intenções que se apresentam. Falar-se-á de Portugal,
da actividade industrial têxtil e concretamente da lã. Mais do que falar sobre tudo isto, e
mais do que assumir este capítulo como síntese exaustiva – um oxímoro tantas vezes
prosseguido nos corredores da Academia – de séculos de história intrincada, recordar-
43
A afirmação sugere uma longa vida, mas um nascimento sem registo oficial. A data do seu
aparecimento é imprecisa. Diz-se que os lanifícios são coevos da alvorada da monarquia ou mesmo
anteriores a ela. Também João Manuel Esteves Pereira (1872-1944), um dos contribuidores para a
História de Portugal, menciona a existência de documentação do século XIV com alusões aos panos de lã.
Esteves Pereira, Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª Editores,
1979, p. 149. Conta o historiador que já os «trapeiros» fabricavam manufacturas em lã. Elisa Calado
Pinheiro – no capítulo dedicado à «História dos Lanifícios Peninsular», que complementa o projecto de
investigação dedicado às rotas de transumância que trilham a Beira Interior – identifica um movimento de
«especialização da produção de tecidos» em contexto medieval, em algumas regiões da Península Ibérica,
beneficiando da existência e da qualidade da matéria-prima (lã merina) e de demais recursos favoráveis e,
ainda, dos circuitos internos de mercado e de consumo que então se encorpavam. O relacionamento
comercial entre Portugal e Espanha no que se refere à produção e comércio de lãs e à indústria de
lanifícios será catapultado no século XIX, «com uma particular incidência no território transfronteiriço».
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.
Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios
da Universidade da Beira Interior, 2011, p. 201.
36
se-á sobretudo uma série de acontecimentos, em que seja possível não tanto provar a
importância desta indústria para o país – porque esse reconhecimento já o tem há muito
tempo –, mas atestar que as regiões da Beira Interior e do Alto Alentejo, outrora
vinculadas pelo fulgor dessa actividade, mantêm, hoje, tal ligação na defesa do
património por ela deixado.
Serve, assim, este primeiro capítulo como entrada para a compreensão desse
património material e imaterial nas dimensões política, económica, social, cultural e até
artística que a actividade das lãs legou ao Interior português, concretamente às regiões
que se apresentam em análise. Exige-se, assim, que se conheça essas mesmas regiões tal
como elas eram há alguns séculos.
1.1. A Indústria Têxtil em Portugal: as motivações, o desempenho e o
impacto nos séculos XVIII e XIX
1.1.1. Cenário político e socioeconómico português: revisão histórica
As artes e os ofícios conquistaram uma posição inestimável nas sociedades e no
seu desenvolvimento. Das armas às edificações (religiosas, por exemplo), dos objectos
de culto à indumentária da Corte, aqui se constrói um foco particular de influência na
sua vida económica, que começara artesanal, doméstica e oficinal. No caso dos panos,
fabricou-se a ideia da sofisticação e a pretensão de a concretizar neste sector por meio
da manufactura.
Carente de empreendedorismo, Portugal cambaleava ao tentar superar as
necessidades tecnológicas da actividade industrial. Nem sempre soube orientar-se
perante as exigências do industrialismo moderno, terreno onde Inglaterra soube jogar.
Contudo, há um efectivo trabalho industrial (têxtil e, dentro dele, laneiro) que
prevaleceu na economia nacional durante os séculos XVII e XVIII, e que se galvanizou
com exportações. Para que tal acontecesse, reuniram-se algumas condições
determinantes, como por exemplo os locais de produção. A costa portuguesa tinha um
papel essencial – o porto de Lisboa era o entreposto indiscutível da vida comercial
internacional –, mas era a produção no Interior que mantinha a vitalidade do comércio
interno português.
37
A agricultura foi a «principal indústria»44
dos inícios do reino português, ainda
que sob pressão de mouros e ordens religiosas. Os estudos de Esteves Pereira asseveram
também que estava mais segura e evoluída do que noutros países, e de acordo com o
estádio de desenvolvimento que se vivia em território lusitano. Os tipos de indústria que
se sucederam foram coerentes com o avanço em que o país se empenhava. Desde o
condado portucalense que a indústria agrária vinha sendo o amparo da nação. As
guerras, as conquistas, as invasões, as contrariedades económicas e as epidemias
roubavam aos portugueses o seu sustento. Em períodos de acalmia e aproveitando a
fertilidade das terras e de outros recursos, vários monarcas se decidiram a investir nessa
actividade. D. Afonso Henriques (r. 1139/1143-1185), D. Sancho I (r. 1185-1211), D.
Afonso II (r. 1211-1223), D. Sancho II (r. 1223-1245/1248) e D. Afonso III (r. 1248-
1279) defendiam que não deveria ser destratada, pois dela se colhia o alimento para o
povo. Também entre 1253 e 1255, outra produção (documentada) acontecia em
Portugal: a de pano cárdeo e burel. Mesmo numa fase pré-industrial praticava-se a
tecelagem, inclusive com matéria-prima de elevada qualidade, concretamente a lã
meirinha. Reporta-se, nesta altura, aos reinados de D. João I (r. 1385-1433) e de D.
Duarte (r. 1433-1438), com registos de tal facto nos Artigos dos Sisas ordenados por D.
Afonso V em 1476.45
O século XV foi já um período de azáfama para os cursos de água
da Covilhã (as ribeiras que eternizariam o espírito industrial), cujas margens
começariam a ver-se floridas de oficinas de pequenas dimensões com a missão de
lavagem da lã (com os devidos lavadouros e estendedouros) e de acabamento de tecidos
(e para isso os tintes, as tendas e os pisões).46
Portugal nada ficou a dever à dominação filipina (r. 1580-1640), a não ser um
sentimento de colónia e uma real decadência. Salva-se a indústria, que despontara
gozando da entrada de produtos coloniais, salienta Esteves Pereira, mas sofre os
constrangimentos políticos da presença espanhola no governo português. Perante as
remessas de fazendas que chegavam às mãos dos portugueses pela importação, os panos
grosseiros, os buréis de variadas cores, os tecidos grossos de linho (ou brogal) e um ou
outro lenço, de entre os tecidos mais finos, eram já amostra do irromper da produção
nacional. «Na Beira, a vila da Covilhã, e no Alentejo, Portalegre e Estremoz constituíam
44
Esteves Pereira, op. Cit., p. 105.
45 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.
Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 229.
46 Idem, p. 230.
38
os centros mais ou menos laboriosos, onde se teciam as saragoças à moda das de
Espanha, panos pardos, panos pretos grossos e estofos de várias cores.»47
E eram nada
mais do que os centros de produção de tecidos de lã de qualidade, apresentando-se
como exemplares para outras comarcas e localidades, ditando os «padrões do fabrico».48
Aquilo que a indústria de lanifícios conseguira a partir de D. Manuel I (r. 1495-
1521), perdera-o no reinado dos Filipes. Foi sufocada a vigilância que o contorno do
território português simbolizava dentro da partilha da Península Ibérica, foi facilitada a
entrada de panos e de outros artigos de manufactura de Castela e seguiram-se inúmeras
pragmáticas.49
Apenas com (o infante) D. Pedro, futuro rei D. Pedro II (r. 1668/1683-
1703), «a indústria portuguesa começa a levantar-se atingindo durante o seu reinado
uma importância até nunca alcançada. As nossas fábricas barcam a sua primeira época,
não querendo com isto dizer que antes as não tivesse havido em Portugal, porque, como
vimos, nenhuma nação logo que começou a civilizar-se deixou de as ter»50
.
Este acontecimento caberá, certamente, na síntese cronológica que Elisa Calado
Pinheiro faz – apoiando-se nas indicações de Jorge Borges de Macedo e de Vitorino
Magalhães Godinho – dos diferentes «surtos manufactureiros», sendo este o primeiro
(compreendendo sensivelmente o período de 1670-1675 até finais do século) de três.
Consequências de políticas gerais de industrialização nacional, que não só
influenciaram a indústria de lanifícios da Beira como fizeram dela a zona privilegiada
para a sua aplicação. O segundo momento, mas menos intenso neste sector, envolveu as
décadas de 1720 a 1740, e, para finalizar o compacto, a mão pombalina, que completa a
tríade e que se fez notar sobretudo entre 1760 e 1770.51
Tratava-se, portanto, da fase
47
Esteves Pereira, op. Cit., p. 127.
48 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.
Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 235. Chega-nos, pois, como
testemunho de Duarte Nunes de Leão, no ano de 1599. Qualidade que via ser tecida «“nas partes de alem
Tejo e nas mais chegadas à serra da Estrela, como Portalegre, Covilhãa, com suas trezentas e setenta e
tantas aldeãs e em Castelo de Vide e em outros muitos lugares de alem Tejo” [sic]». Duarte Nunes Leão
(Descripção do Reino de Portugal. Em Lisboa: por Iorge Rodriguez, 1610, p. 73) apud Elisa Calado
Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira, p. 232.
49 Esteves Pereira, op. Cit., p. 127.
50 Idem, pp. 129-130.
51 Elisa Pinheiro faz esta partição de períodos marcantes de incentivo industrial (laneiro) com base em
Vitorino Magalhães Godinho, em Prix et monnaies au Portugal. 1750-1850, de 1955, e em Jorge Borges
de Macedo, em Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, de 1963. Elisa Calado
39
Proto-Industrial.
O ano de 1681 abre portas a várias fábricas de lanifícios pelo reino, com duas
chamadas de atenção: uma para a Covilhã (a Fábrica Velha, ou seja, a Fábrica Nacional
de Sarjas e Baetas, na ribeira da Carpinteira) e outra para o Fundão. Se, por um lado, a
estrutura é nacional, o aprovisionamento humano é estrangeiro. Em 1686, com o alvará
de 9 de Agosto, veicula-se a proibição do uso de panos que não fossem de fabrico
nacional, um coadjuvante do sucesso das manufacturas.
Nesta altura, Portugal recuperara a independência política e assumira a
centralidade em Lisboa, não esquecendo as suas ramificações e a actuação concertada
com a actividade em outros pontos do país, aproveitando a dispersão de recursos
naturais (matérias-primas) e, mais tarde, tecnológicos. Certo é que esta harmonia
(tecnológica e geográfica) só vinga quando existe competência política e militar. Dois
acontecimentos destacaram-se nesta retrospectiva histórica sobre a Indústria em
Portugal: o cerceamento do ouro do Brasil e a delonga na introdução de maquinaria
(com a qual a Inglaterra – o modelo – se apetrechava). Ambos com diferentes, mas
determinantes, consequências.
É ainda de evidenciar a função do porto de Lisboa, não só na vertente de
receptor e emissor de mercadoria, mas também enquanto intermediário nos circuitos
internacionais entre a Europa do Norte e os «mundos tropical, subtropical e
mediterrânico». Isto adicionado às suas funções prioritárias de «abastecimento interno,
exportação de produtos metropolitanos, importação de artigos europeus e ultramarinos»,
como explica Borges de Macedo. Os principais marcos da actividade do porto de Lisboa
repartiram-se pelas duas metades do século XVIII: na primeira metade, com a
importação do ouro brasileiro; na segunda, pelo desencontro entre as «estruturas
económicas tradicionais»52
do país (retrógradas, ineficientes e frágeis) e a inovação e a
aceleração da produção e da técnica industriais inglesas. Tal como todo o país fora
afectado por acontecimentos de cariz militar e diplomático, também a indústria, como
um dos seus sectores produtivos, seria tocada. A memória guarda especialmente a
abertura dos portos brasileiros (em 1808), o tratado de comércio de 1810 com Inglaterra
e as invasões francesas (1807-1810, com retirada em 1811).
Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior
(Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 232.
52 Jorge Borges de Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, 2.ª ed.,
Lisboa, Querco, Setembro de 1982, p. 13.
40
A população portuguesa apresenta-se, na segunda metade do século XVII, com
um fraco poder de compra (agravado nas zonas rurais) e com uma baixa circulação
fiduciária. A recuperação da independência (1640) e as consequentes despesas terão
degradado a situação. No reinado de D. Pedro II, a situação agrava-se com
«desvalorizações, fusão e cerceamento das peças de circulação legal, circulação da
moeda “falsa e falida” e consequente desconfiança pública»53
. Aquando da assinatura do
Tratado de Methuen (27 de Dezembro de 1703)54
era ainda fresca a descoberta e
exploração de minas no Brasil. O Interior português ver-se-ia privado desse ouro
durante alguns anos. Contudo, os compromissos decorrentes do Tratado impunham-se e
Borges de Macedo apresenta-os: (i) Portugal conseguia ter em circulação um
determinado cabaz de produtos convenientes às «relações e possibilidades económicas»
do país; (ii) anuía à entrada de tecidos ingleses, e, em contra-partida, os vinhos lusitanos
(nomeadamente o Vinho do Porto) tinham direito de privilégio relativamente aos
franceses no mercado inglês; (iii) a partir de 1705 (primeiro aplicação, e provisão real
no ano seguinte), o mercado português abria-se aos panos holandeses, isto é, Portugal
tornava-se comprador das «fazendas dos Países das Províncias Unidas do País Baixo» e,
mais tarde, (iv) dos franceses (camuflados de ingleses para usufruir de iguais regalias
alfandegárias). Esta nacionalidade diversificada de tecidos permitia ter preços
competitivos, sem «monopólio» por parte do comércio inglês, mas a produção industrial
nacional ficou melindrada.55
Este acordo comprometia a progressão da manufactura em Portugal e levava a
que aquilo que Portugal conseguisse extrair da exploração de ouro no Brasil fosse gasto
no mercado externo, explica Celso Furtado, em A Formação Económica do Brasil.56
Jaime Cortesão lamenta que Portugal se tivesse tornado tão dependente (económica e
politicamente) de Inglaterra a fim de salvaguardar as suas extensões ultramarinas,
53
Idem, p. 23.
54 O também chamado Tratado dos Panos e Vinhos foi celebrado entre a Grã-Bretanha e Portugal em
Lisboa. Firmaram-no o embaixador britânico John Methuen (cujo apelido serve de nome de baptismo do
documento), em representação da rainha Ana da Grã-Bretanha, e D. Manuel Teles da Silva, marquês de
Alegrete, por Portugal. Acordava-se que os portugueses consumissem os têxteis britânicos e, em
contrapartida, estes importassem os vinhos portugueses. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal.
A Restauração e a monarquia absoluta: (1640-1750), vol. V, Lisboa, Editorial Verbo, 1980, p. 229. 55
Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 43.
56 Celso Furtado (A Formação Económica do Brasil, S. Paulo, 1959, p. 47) apud Jorge Borges de Macedo,
Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, p. 44.
41
enquanto Inglaterra ganhava no comércio dos panos na própria capital portuguesa.57
A
possibilidade de negócio, em Portugal, facilitava a aproximação dos mercadores
ingleses ao ouro brasileiro que chegava aos cofres lusitanos. O Tratado de Methuen não
altera a situação da indústria portuguesa, apenas vem expor a posição concorrencial
dominante que Inglaterra já demonstrara, mesmo antes do Tratado, e os interesses
económicos e políticos envolvidos.
O Interior apresentava-se menos acessível e rendível a produtos importados. O
mau estado das vias de comunicação, os gastos com o transporte e a fraca circulação de
moeda (onde não era descabido pensar-se numa mais confortável troca de géneros com
retorno e utilização imediatos) eram entraves. E uma vez que a indústria local
aprovisionava as regiões que a albergavam, qualquer produto importado, além de se
esbarrar contra uma débil (e para esses habitantes não prioritária) presença da moeda,
era tido como produto de luxo. O lado inglês era favorecido pela envergadura, perfeição
e organização do equipamento industrial com uma produção consistente e em maior
escala, que o posicionava competitivamente em mercados como Lisboa, Porto, Setúbal,
entre outros. Contudo, não se pense que os modos de produção português e inglês se
desnivelavam de tal forma que fosse necessário aplicar preços díspares. A qualidade do
produto nem sempre se impunha às necessidades do mercado, até mesmo em zonas
urbanas costeiras, muito menos no Interior do país: «No interior, dado o
condicionamento técnico, económico e social português, a concorrência externa menos
ainda conseguia ferir o aparelho produtor existente»58
. Havia vários ramos da indústria,
e ao Tratado de Methuen apenas dizia respeito o dos tecidos de lã, que, ainda de acordo
com Borges de Macedo, era «o mais importante ramo do comércio industrial do século
XVIII»59
.
Enquanto actividade com vigor comercial que privilegia (no caso das lãs) zonas
de maior interioridade, é inevitável a inclusão de assuntos como a mobilidade e a
natureza e envolvência da construção dos espaços de produção. Nos séculos XVII e
XVIII encontra-se uma rede de transportes deficiente, insuficiente e dispendiosa que
limita o tráfego e a transacção de mercadorias. O transporte dá-se apenas para locais
57
Jaime Cortesão (Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid, Rio de Janeiro, 1951, Parte 1.ª, tomo 2.º,
pág 113, e também Parte 1.ª, pág. 45) apud Jorge Borges de Macedo in Problemas de história da
indústria portuguesa no século XVIII, pp. 44 e 45.
58 Idem, p. 54.
59 Idem, p. 55.
42
onde o pagamento era efectuado em dinheiro e, mesmo assim, os produtos transportados
provinham de localidades próximas. Acresce o facto de o equipamento industrial ser de
tal forma economicamente acessível que embaratecia o custo da montagem de oficinas.
Equipamento maioritariamente de madeira, de fácil transporte, que exigia força humana,
animal ou hidráulica. Esta flexibilidade levava as oficinas industriais a procurarem
zonas ricas em matéria-prima, próximas ou de fácil acesso a baratas vias de
comunicação, abundantes em recursos naturais. É o exemplo da água, importante na
indústria laneira.
A sua produção tinha como destino duas realidades distintas. A menos comum
era a de um mercado mais amplo, que incluía grandes centros de consumo. A outra era a
de consumo nas residências dos próprios trabalhadores, onde bastas vezes estavam
instaladas as oficinas (anexadas ou, inclusivamente, fazendo parte das mesmas, como se
de mais uma assoalhada se tratasse), além das oficinas de pequena dimensão que se
encontravam fora das suas habitações, mas num curto perímetro. Havia dois factores
determinantes para esta situação: os inconvenientes dos transportes (antes descritos) e a
qualidade da produção. Tratava-se de uma produção muito artesanal e caseira, sediada
em «pequenas unidades geográficas», e direccionada, de acordo com a análise de
Borges de Macedo, para a zona rural que era o seu mercado mais próximo (o local) ou,
como alternativa, dirigida para um centro de consumo próximo, mas solitário (o
regional). Contudo, antecipando a acção do conde de Ericeira, observa-se um interesse
por parte da Coroa na montagem e verificação de instalações industriais.
1.1.2. Os antecedentes de Methuen e o plano real (industrial) do conde de Ericeira
Antes da celebração do Tratado de Methuen, há já uma história industrial de
participação descentralizada, o que faz de zonas aparentemente inviáveis e pouco
atraentes, núcleos com grande potencial de exploração optimizada. Existe uma estrutura
industrial que preenche todo o país, e que funciona por acção de zonas que não são
propriamente grandes centros. Por essa altura, na Covilhã, na Guarda e em Portalegre já
laborava uma indústria de tecelagem de lã (tal como em Castelo Branco, Castelo de
Vide, Coimbra, Fundão, Guimarães, Lamego, Lisboa, Minde, Pinhel, Porto, Redondo,
Santarém, Torre de Moncorvo) e de fiação caseira (esta última mais dispersa).60
Por
altura do reinado de D. Pedro II, impuseram-se leis de restrição à importação de
60
Idem, p. 25.
43
produtos luxuosos e medidas, cuja autoria era atribuída ao próprio conde de Ericeira,
que fiscalizavam o comércio português. A título de exemplo, confronte-se a pragmática
de 1686: «“... e porque tenho mandado dar nova forma às fábricas do Reino, para com
elas se suprir o que for necessario a meus vassalos, proibo que se não possa usar de
nenhum género de panos, negros ou de cor, não sendo fabricado dentro do reino”
[sic]»61
.
A balança comercial era profundamente deficitária. Este tipo de controlo vinha
sendo aplicado em medidas sumptuárias anteriores. Para que estas determinações
surtissem efeito era necessária uma sólida produção nacional, ao menos sustentada, e
que permitisse ao mercado nacional ser auto-suficiente, quer em tecidos quer noutros
artigos. Contudo, detectou-se a pontual inevitabilidade de autorizações especiais,
negociadas com o Provedor da Alfândega de Lisboa. Em causa estavam os seguintes
sectores de produção: saboarias, ferrarias, seda, linho, couros e calçados, armas,
construção naval, madeiras, olaria, azulejo, construção civil, sal, entre outros. A
desculpa: insuficiência da produção nacional.62
Completando o plano das pragmáticas, e por elas abonada, seguiu-se uma
intensa política fabril que visava aliciar o comércio externo e que não se desinteressasse
pelo país.63
Procurou-se mão-de-obra especializada em algumas áreas da indústria,
como o fabrico de chapéus, meias e fitas. Apesar de mais cara, a produção seria interna
e poder-se-ia utilizar esse tipo de produtos sem recorrer ao exterior. Por exemplo, às
mulheres estavam interditos os mantos de seda estrangeiros, devendo usar apenas os de
sarja e os de Lamego. Também o ouro e a prata eram expressamente proibidos nos
61
Idem, p. 26.
62 Idem, p. 25.
63 Estipulara-se que «“a primeira fabrica que se deve cuidar he a dos pannos procurando estabelece la
naquella parte do Reino onde as houve e ha hoje […], ordenando se que na Alfandega se não despachem
panos grossos de fora do Reino porque aos estrangeiros so lhe he permitido introduzir os finos, e depois
de estabelecidas as fabricas se podem tambem prohibir estes. O mesmo cuidado se pode por tambem na
fabrica das baetas; e prohibirem as de fora, porque estes dous generos panos e baetas são os que tem
maior consumo. Deve-se examinar se ha no Reino, e se se tirar (em) de Castela as lans que são
necessarias para estas duas fabricas, e para facilitar a entrada se devem tirar todos os direitos que pagão as
Lans. Deve se considerar se será conveniente que se prohiba a saca das Lans para fora do Reino. 2.º se se
deve ordenar logo à junta dos tres estados que as fazendas dos soldados sejão de pano da terra” [sic]».
Retirado de «“Lanifícios”, Ano 6, n.os
61-62, Janeiro-Fevereiro – 1955, págs. 67-68» in Jorge Borges de
Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, p. 28.
44
vestidos.
Afirma Elisa Pinheiro que, no século XVII português, a tecelagem de lã era
marcada por uma «generalizada dispersão, apesar da concentração verificada na faixa
interior do país», nomeadamente em localidades atrás apontadas. E foi neste contexto
que efervesceu o primeiro «surto industrial» (1670-1700), com o conde de Ericeira
como principal interveniente e as primeiras manufacturas estatais a nascer.64
Como se
percebeu, a tentativa de concentração do trabalho manufactureiro (operações de
transformação, artífices e equipamentos) na Covilhã, por via do Estado, não travou a
«dispersão» da actividade «em regime doméstico e artesanal», que englobava fiandeiras,
cardadores e tecelões.65
Os cristãos-novos movimentavam a componente comercial com
os seus contactos no estrangeiro. E assim se construía uma esperançosa indústria laneira
no âmbito do plano de reorganização da indústria nacional, com a Covilhã a sprintar,
em 1677, na fundação das primeiras manufacturas estatais na região, por obra do seu
«primeiro grande impulsionador» conde de Ericeira. Seguiram-se Manteigas, Melo
(Gouveia) e Fundão.66
Eram necessários dinheiros além dos da Coroa, e, por isso, expectante em
angariar mais recursos financeiros, desta feita ao Santo Ofício, o conde de Ericeira
caracteriza assim o estado da Manufactura em Portugal: «“Das Manufacturas posso
segurar que parece que Deus quer que ellas se estabeleçam neste Reino, porque não he
crivel a multidão de dificuldades que se tem vencido. A perfeição das Baetas, e Sarjas
da Covilhã tem chegado ao ultimo ponto, não havendo Pessoa alguma que o não
confesse, estando já tão independentes dos Inglezes os nossos Mestres Portugueses, que
tudo o que se obra he pelas suas mãos [...] O numero dos Theares vai crescendo e só
falta para chegarem a mayor parte dos necessarios, virem alguns Tintes de Inglaterra”
[sic]»67
. Organizar a indústria não foi uma medida inédita, mas era «a primeira vez,
depois da Restauração, que se visava criar um novo esquema de organização produtiva,
nomeadamente na mais importante actividade fabril da época: os lanifícios»68
.
64
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.
Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 234.
65 Idem, p. 234.
66 Idem, p. 236.
67 Fonte: «Carta do 1.º de Março de 1679. A. H. U., Ministério do Reino, Maço n.º 47» in Jorge Borges de
Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, pp. 30-31.
68 Idem, p. 31.
45
Optar pela manufactura não significava rebaixar a produção oficinal ou
doméstica, mas sim «discipliná-la», aspirando à qualidade dos artigos que as normas de
fabrico proporcionariam. Defendeu-se, portanto, a introdução de manufacturas e uma
nova regulamentação de gestão e funcionamento da fábrica de panos portuguesa, datada
de 7 de Janeiro de 1690 e impulsionada pelo terceiro conde de Ericeira, D. Luís de
Menezes, administrador da Fazenda e director da Moeda, que se inspirou no tipo de
organização aplicado na construção naval do Arsenal Real de Lisboa, nos Fornos de
Biscoito de Val do Zebro, e noutros sectores como o do ferro e das sedas. Pretendia-se
garantir o consumo e multiplicar as possibilidades de comércio de artigos fabricados no
Interior do país noutros mercados (estipulando, por exemplo, preços inferiores aos dos
tecidos ingleses). Seguiu-se à montagem da manufactura covilhanense, a abertura de
uma loja em Lisboa para a venda dos seus produtos.
Borges de Macedo faz o ponto da situação: a manufactura não é consensual
nesta altura, nem sempre foi bem interpretada tendo em conta as suas características e o
papel que lhe estava destinado no ramo da produção. Os entraves acham-se não só no
entendimento do seu conceito, como no aproveitamento e adaptação de antigas
instalações, nas quais se pretende introduzir a nova estrutura. As manufacturas que
conde de Ericeira conseguiu implantar são as «excepções» que vêm confirmar a regra
que caracterizava o tipo de actividade industrial, que, por um lado, nunca deixou de
existir e, por outro, estava renitente quanto à verosimilhança desse melhoramento que se
pretendia semear. Quer o final do século XVII quer o próprio século XVIII são tempos
dominados pelas oficinas e pelo trabalho doméstico. Mais do que a concorrência dos
tecidos de lã ingleses, a indústria portuguesa teve de lidar com a vulnerabilidade que a
exploração do ouro brasileiro (descoberto em 1690) e, mais tarde, dos diamantes
trouxeram. As manufacturas – que eram o trunfo das políticas económicas do conde de
Ericeira no combate à balança comercial deficitária – experienciam, agora, os efeitos
desse elemento revolucionário do comércio dos séculos XVII e XVIII, relançando o
comércio colonial, no qual estavam incluídos o comércio de escravos e de açúcar.
O ouro e os diamantes vieram colmatar a descompensação entre a saída de vinho
(apesar da exportação ter subido) e as avultadas importações de produtos ingleses por
Portugal, mas não abonaram em função da política manufactureira. A sua
«continuidade» estava, assim, comprometida. O suicídio de D. Luís de Menezes, a
despreparação da estrutura social para com o ritmo socioeconómico que esta actividade
injectaria e o desdém inglês não tiveram impacto positivo. Com o sentimento de
46
ameaça, os ingleses, auxiliados pelos franceses, agonizaram os intentos portugueses,
«impedindo o necessário recrutamento de técnicos manufactureiros para Portugal».69
As
aparentes vantagens bilaterais do Tratado de Methuen acabaram por se tornar reais
apenas do lado inglês. E, ao longo do tempo, várias personalidades – por exemplo,
Alexandre de Gusmão, diplomata luso-brasileiro e secretário particular de D. João V –
foram anuindo à relação de causa-efeito entre a entrada de metais preciosos e o
esmorecimento industrial durante o século XVIII. O que não significava que os
mercados do Interior padecessem do mesmo mal. «Embora sem cadeias técnicas da
fiação e de tecelagem de lã, linho e seda, a extracção de madeiras, a construção naval, a
autêntica organização industrial do açúcar, do vinho, do sal e até do azeite constituíam
formações com um papel de grande importância na nossa economia.»70
Era, pois, a
indústria têxtil que se contorcia.
1.1.3. À saúde da Indústria Têxtil
A principal modalidade de produção no século XVIII revelou ser a continuação
daquilo que o século XVII tinha mostrado: uma actividade industrial sedimentada na
oficina, conservando um perfil doméstico. Estas unidades de produção trabalhavam
sobretudo o linho e a seda, que raramente se encontravam em situação de manufactura.
Regista-se, contudo, a da Covilhã em laboração. Na primeira metade do século XVIII,
não se assinalou um desenvolvimento do projecto manufactureiro (quando o assunto é a
indústria dos lanifícios), o que não significa que ela se tenha extinguido ou sido
despromovida a «fenómeno secundário», ressalva Borges de Macedo. Sustentando-se
nas pautas alfandegárias, este historiador encontra a legitimidade para assentir que a
indústria laneira manteve o seu papel fundamental a nível regional e continuava a
marcar presença nos mercados dos grandes centros de consumo localizados no Litoral,
destacando Lisboa.71
Há registos – de 1699, da Alfândega de Lisboa, referidos por Borges de Macedo
– de vários artigos portugueses de tecelagem (lã, seda e linho), como por exemplo
poupais, saias e gingidouros de Gouveia e meias de Pinhel, entre outros do Porto, de
69
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.
Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp. 232-233.
70 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 58.
71 Idem, p.63.
47
Viseu e de Lamego. Mais tarde, no primeiro quartel do século XVIII (1723) registam-se
mais produtos nacionais, entre os quais os panos e as saias da Covilhã e da serra da
Estrela e as raxas de Portalegre. No segundo quartel juntam-se mais produtos ao rol,
onde permanecem os panos da Covilhã. Percebe-se, percorrida já alguma história, que
efectivamente os distritos de Castelo Branco, Guarda e Portalegre acompanham-se neste
mesmo sector de produção industrial. A capital, o Porto e o Interior do país mantinham
uma actividade industrial vigorosa, apesar de não se verificar um aumento do número de
manufacturas especializadas em tecelagem de lã. Os registos, o património e os
testemunhos são os factos necessários para garantir que as manufacturas de lã foram «a
grande empresa manufactureira» do reinado de D. Pedro II. No reinado de D. João V
será a seda.72
É por altura da fulgurante geração lã que o vocabulário e a semântica industriais
foram evoluindo. O período entre 1720-1740 é fértil em terminologia técnica. Nele se
radicam conceitos como «“operário”», para designar o trabalhador da indústria;
«fábrica» para referir a construção propriamente dita, a «empresa industrial, o conjunto
das unidades industriais, como ainda o processo de fabrico»; «máquina» como
«sinónimo de habilidade, perícia imprevista e bem montada»; e «apetrechos»,
«“petrecho”» ou «“aparelho”» para nomear instrumentos de trabalho.73
Atento ao burburinho industrial, D. João V junta-se a esse esforço. A política
Joanina não se condensou nos lanifícios: outros como o vidro, o couro, o papel, a
pólvora, a seda e a construção naval integraram o segundo «surto industrial (1720-
1740)».74
É nos últimos anos do seu reinado (r. 1706-1750) que a manufactura de panos
da Covilhã recebe uma encomenda real. A partir de 1710, a «antiga manufactura dos
panos» covilhanense deveria preparar-se para o fabrico de tecidos destinados a
fardamentos das milícias e marinheiros e das «librés dos criados, cujo uso em tecido
nacional foi tornado obrigatório a partir de 1749».75
Estratégia proteccionista e
intervencionista no desenvolvimento industrial, começando pelos panos nacionais,
obedecendo a um «regime de monopólio». Elisa Pinheiro esclarece que esta medida foi
72
Idem, p. 70.
73 Custódio Jesam Barata (Recreação proveitosa, etc., Lisboa, 1728-1729) apud Jorge Borges de Macedo,
Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, p.73. 74
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.
Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 240.
75 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 74.
48
promovida, até 1764, pela Mesa da Administração dos Fardamentos da Covilhã –
entidade que se extinguiu aquando da criação da Real Fábrica de Panos daquela
localidade. Sabe-se também que esta produção ficou entregue a entidades particulares,
desde o reinado de D. João V, e era graças a ela que sobreviviam.76
Contudo, a actuação d’ O Rei-Sol Português não se ficou por ali. Incitou os seus
representantes externos a colaborarem num processo de descoberta e de actualização
daquilo que se criava noutras paragens, sobretudo europeias, no âmbito das artes e
ofícios. Não se atendo à compra dos modelos, também os segredos industriais tinham
todo o interesse, e os inventores eram abordados com contratos para diversos sectores
industriais. A situação do reino não era apaziguadora: o abalo sentido pela indústria
portuguesa em geral, em meados do século XVIII, era já reflexo da insuficiente entrada
de metais preciosos, nomeadamente do tão acarinhado ouro. Também desta regência
resultaram pragmáticas em prol da produção nacional, fazendo vingar a de 24 de Maio
de 1749 com o objectivo de coarctar o luxo e promover «“a principal vigilância na
creação das fabricas e mais artes mecanicas, as quais formam a riqueza de qualquer
nação e servem de instrumento ao comercio [sic], uma das colunas principais do Estado:
animando-se as artes liberais porque estas produzem aqueles conhecimentos, sem os
quais os homens não podem fazer progressos na vida social”»77
.
Duas conclusões fundamentais e sintetizadoras do funcionamento do Estado se
tiram destas palavras. A primeira, crente na fábrica e nas artes mecânicas como
promotoras e geradoras de riqueza. Depois, o efeito mercantil que se lhes segue e que
suporta o Estado. Claro está que algumas pragmáticas, como a de 24 de Maio de 1749
76
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.
Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 226. Como prova disso está
«o documento da Segunda Inspecção, referente à política económica pombalina», o qual «salienta que,
após a publicação dos alvarás de 1759 e de 1764 e da criação da Junta da Administração dos Fardamentos
das Fábricas, na Covilhã, a quarta providência tomada para pôr cobro à desordem verificada no
fornecimento dos fardamentos das tropas, provocada pelos assentistas arremantantes [sic] dos mesmos,
era a construção do “novo e mais amplo estabelecimento das sobreditas fábricas (...)”». Idem, p. 243,
citando, por sua vez, Luís Fernando de Carvalho Dias (compil. – História dos Lanifícios [1750-1834]:
documentos. Lisboa: [s.n.], 1958-1962. 3 vol. Separata de Lanifícios. 1962, pp. 335-343). 77
«Parecer que o Desembargador do Paço, Manuel de Almeida e Carvalho, deu ao Senhor D. João V em
1749 em Luís F. de Carvalho Dias, Luxo e Pragmáticas no pensamento económico do século XVIII –
Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, vol. 4.º, 1955, pág. 150.» In Jorge Borges de Macedo,
Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, p. 74.
49
especificamente, foram, assim que possível, revistas por D. José I (em alvará de 27 de
Abril de 1751), pois tolhia a aplicação de técnicas ou a introdução de algumas indústrias
mais «em voga, por as considerar fomentadoras do luxo»78
. O panorama pouco
estimulante do final do reinado de D. João V foi pretexto para arremessar a campanha
de marquês de Pombal. «E uma vez mais, afinal, o esforço renovador que, sòmente,
[sic] se havia sobreposto à estrutura oficinal, por ela se defendeu: a oficina continuou
sendo a base essencial do trabalho industrial português, quer, evidentemente, nas
actividades em que nem sequer se tentou a aplicação da manufactura (linho, saboaria,
indústria alimentar, tanoaria, carpintaria), quer ainda naquelas que a utilizaram.»79
A «economia do ouro» e a produção da manufactura (nomeadamente o arranque
que intervalou os anos de 1720 e 1740) eram as duas turbinas do país. As suas
existências não se separavam, nem podiam, com o bisbilhotar da concorrência externa.
Curiosamente, este conjunto de grandes actores e pressões, com a introdução de mais
algumas manufacturas, não foi razão suficiente para levar as oficinas à falência. Uma
grande unidade manufactureira não conseguia impor-se a essa firme estrutura oficinal.
O aproximar dos meados do século XVIII trouxe mudanças na forma de entender a
fábrica. O conceito que outrora auferia de uma certa carga «monumental», diria Borges
de Macedo, passa, a partir dessa altura, a resumir-se à condição de espaço físico, ao
lugar de trabalho. Vai ficando para trás a ideia de produção, de envolvimento e de
simbiose entre o homem e os instrumentos no processo de laboração. Foi a intervenção
pombalina que subsidiou o caminho para um fomento industrial, no qual antes a
unidade manufactureira era incipiente.
Além da actividade industrial, Lisboa sobressaía como entreposto comercial
estrategicamente posicionado por meio do porto, onde se movimentava a balança
comercial do reino. Como se caracteriza, então, o Interior quanto à produção e como se
posiciona relativamente a Lisboa e ao «próprio abastecimento interno»? Borges de
Macedo assevera: «O eixo das relações económicas de Portugal não é Lisboa-Província,
[...], mas sim as relações costa-interior»80
. O papel do porto de Lisboa e de um mercado
direccionado para lá e a partir de lá permitiu valorizar os mercados regionais e, por
consequência, a rede interna de vias de comunicação (sobretudo aquelas que
78
Esteves Pereira, op. Cit., p. 134.
79 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 75.
80 Idem, p. 10.
50
desembocavam na costa), promovendo assim a dinâmica Litoral-Interior, o que
implicava uma intervenção mais ampla e estrategicamente planeada no país. A costa,
«via de respiração económica essencial»81
, dava um fôlego económico ao país –
nomeadamente à produção no Interior, angariadora de meios tecnológicos, e, depois, nas
comunicações, criando redes de unidade nacional.
Assim se apresentavam a sociedade e a economia portuguesas do século XVIII,
em que se destacavam produtores locais como sapateiros, carpinteiros, alfaiates,
pedreiros, ferreiros, barbeiros, etc. O sector primário, bastante vincado nas regiões do
Interior português por força da realidade de auto-suficiência que o caracterizava, afirma-
se como base de uma produção industrial fiel à oficina ou ao trabalho doméstico, e
excepcionalmente à manufactura. Ambas as estruturas se complementavam. O aparelho
industrial alimentava-se de matérias-primas e recursos locais ou importados, cuja
produção se destinava tanto ao consumo local como a servir mercados mais distantes.
Um duo que compunha a cervical económica portuguesa. Este objectivo teve
continuidade nos três primeiros quartéis do século XVIII. Desta realidade fazia parte a
indústria dos lanifícios nas zonas da Covilhã, Guarda, Portalegre, Évora e outras.
Regiões onde se desenrolavam a actividade de tecelagem do pano e todo o processo que
tinha a produção da lã como primeira etapa e o acabamento de tecidos a última.82
Os dados recolhidos por Borges de Macedo permitem-lhe dizer que «a fiação e
tecelagem absorvem aqui sensivelmente metade da população activa, que toca todas as
fases da indústria de lanifícios. [sic] A produção sai da vila, como se verifica pelo
número de almocreves que nela têm assento»83
. A produção, limitada pelos recursos
disponíveis e pela sua própria estrutura, e a debilidade do sistema de transportes não
eram suficientes para enfrentar as exigências de um mercado mais vasto. Isto
impossibilitava os produtos nacionais de resistir às investidas estrangeiras. Os produtos
de luxo importados conseguiam chegar aos mercados locais, mas não colhiam grande
interesse, pelo facto de os preços serem inflacionados. A sua esporádica aquisição
raramente se consumava pelo uso da moeda uma vez que não circulava em avultadas
quantidades nestas regiões, e, por isso, a sua contrapartida era a troca por produtos
agrícolas. Alguns produtos mais exóticos eram trocados por vinho, azeite, lã, cera, mel e
81
Idem, p. 10.
82 Idem, p. 123.
83 Idem, p. 124.
51
frutos. Os demais tinham de ser consumidos localmente, pois o seu abreviado tempo de
conservação não permitia a realização de viagens longas nem a comercialização a um
preço elevado. «Deste modo se tinha que utilizar a indústria local. Circunstâncias que,
quer-nos parecer, dominam o problema das trocas comerciais no Portugal do século
XVIII e explicam a persistente presença de uma actividade industrial oficinal e caseira,
em todo o país, apesar da concorrência estrangeira»84
.
No Interior questiona-se a conveniência de boas vias de comunicação quer para
o transporte de matéria-prima quer para o de produtos das fábricas de tecidos de lã,
atendendo ao interesse de consumidores e de cultivadores. Acresce a proximidade com a
fronteira, pela qual o comércio entre Portugal e Espanha poderia ser potenciado. Isso
implicaria melhoramentos nas comunicações terrestres na Beira Alta, em Trás-os-
Montes e praticamente em todo o Alentejo, pois a não observância desta intervenção
implicava que o consumo do que era produzido fosse feito nas localidades produtoras.
Antes de marquês de Pombal, a indústria artesanal e manufactureira, assente na
estrutura oficinal, localizava-se tendencialmente no Interior, concretamente nas regiões
atrás referidas, de que é exemplo a tecelagem de lã. Resguardada dos adversários
internacionais, a produção desenvolvida em espaços circunscritos tinha um público
consumidor imediato que permitia amparar a produção industrial nacional e assegurar
um preço constante (não tão assediado pelos efeitos da concorrência) durante os três
primeiros quartéis do século XVIII.
As indústrias dos lanifícios, linho e seda eram as «indústrias fundamentais e
características do País»85
. A indústria de tecelagem recolhia especial atenção de Portugal
pelo facto de permitir a fixação de riqueza no Interior do país. Isto é, havia comércio e
mercados activos, com circulação de dinheiros, que afastavam a ideia de uma total
dependência externa. O entrave à multiplicação dos efeitos positivos que a presença das
manufacturas ia produzindo era o seu número reduzido. O ouro era gasto além-
fronteiras e não investido internamente. A fraqueza da manufactura era reflexo das
fraquezas dos homens que governavam o Reino. «“Por elas [as fábricas] se anima o
giro do dinheiro no interior do reino e nas suas províncias mais remotas para donde
havendo as ditas fabricas se derramará muita parte do ouro que vem dos Brasis e que
por falta de as haver sai para Reinos estrangeiros; além do dito ouro tornará para as
84
Idem, p. 124. 85
Idem, p. 144.
52
mesmas províncias o dinheiro que delas vem anualmente para a Corte [...]”. [sic]»86
A
qualidade do fabrico, o seu primor e a variedade da paleta de cores motivaram o desejo
de uma opulência que parecia não ser satisfeita pela produção nacional. É da Corte e dos
Brasis que se apresentaram razões para o esmorecimento das fábricas.
Em crise ou em dificuldade, pensa-se rapidamente em reduções. E corta-se no
que se apresenta como supérfluo e luxuoso e que entra em Portugal com regularidade.
Foi o que sucedeu no reinado de D. Pedro II, bem como em 1749. Diz Nuno Luís
Madureira, uma «visão absolutista da economia política». O problema estava na
constante presença de contrabando, o que não permitia o total e desejado controlo sobre
o consumo privado. A atitude de marquês de Pombal, ciente da situação, ganha um
curso diferente, como se verá: mantém o sistema de leis protectoras do mercado e do
consumo, mas ordena a criação de unidades fabris e atribui-lhes incentivos
alfandegários. Simultaneamente, o afastamento da concorrência estrangeira é
estimulado «nos casos em que a produção interna tem condições de auto-suficiência».87
Paralela e gradualmente, a colecção de itens exóticos retirados da lista de
compras portuguesa aumenta. Madureira lista a subtracção dos tecidos mais
«requintados» de seda (cambraias, garças, estofos, mantos, luvas) e «objectos
manufacturados de marcenaria e de latoaria (bacias, jarros, candeeiros, baús, caixas,
aparelhos de chá, faqueiros, molduras, tabuleiros)», em 1757. No ano seguinte, juntam-
se-lhes as solas, os couros e os atanados. Artigos de chapelaria, loiças e botões são
atingidos em 1770, bem como a goma e os barretes de linho, um ano depois. A década
de 80 de Setecentos começa com as farinhas, em 1783; as meias e as fitas de seda,
proteladas até 1786; e as sedas de Itália e da China, e os fiados de linho e de algodão,
em 1788 e 1789, respectivamente.
Com o reinado de D. José I (r. 1750-1777), marquês de Pombal será uma das
figuras de destaque no campo da indústria, no último quartel do século XVIII. Deste
Governo, Esteves Pereira apresenta um homem de «alto espírito e de largas concepções,
que, sendo o guia do monarca, lhe deu o período mais belo que a logografia industrial
86
Fonte: «Documento inserto em Luís F. de Carvalho Dias, História dos Lanifícios (1750-1834), Lisboa,
1958, p.64.» In Jorge Borges de Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII,
p. 145.
87 Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,
Editorial Estampa, 1997, p. 304.
53
portuguesa assinala. [...] É este, pois, o grande período da indústria nacional»88
.
Concentra-se nas mais-valias da oficina – «a pequena unidade produtora instalada» –
que, sem grandes gastos, lucra. Contou, assim, este reinado com uma figura (Sebastião
José de Carvalho e Melo, n. 1699-1782) reformadora, que apostou em projectos de
grande envergadura e se lançou num périplo em defesa da produção e iniciativa
industrial nacional. Marquês de Pombal, e primeiro-ministro de D. José I, compôs o
terceiro «surto industrial» (1760-1777) decidido a enfrentar a crise económica e
financeira portuguesa. Com a «quebra da extracção do ouro, dos diamantes do Brasil e
do comércio ultramarino de escravos e de açúcar», à qual se juntou fatalmente «uma
série de maus anos agrícolas, a crise das pescas e do trigo, o terramoto de 1755 e ainda a
guerra de 1762»89
, o foco virava-se para as fábricas de lanifícios e a sua regeneração. É
criada a Junta do Comércio (1755), que contratou «novos mestres e artistas
estrangeiros» (predominantemente ingleses, franceses e italianos) para o arranque das
Reais Fábricas da Covilhã e do Fundão, retardado até 1764 (por Consulta de 19 de
Junho), e oito anos mais tarde, a de Portalegre, sobre as quais exercia poder
administrativo.90
Tratava-se de mão-de-obra qualificada, capacitada para a recepção de
inovações, que em alguns casos ascendera a patronato.91
A favor da indústria nacional estavam instalações e matérias-primas que exigiam
baixos custos, o afastamento relativamente à costa (distanciando-a do bulício dos
concorrentes e especulações) e a modalidade de pagamento.92
«No centro da produção
88
Esteves Pereira, op. Cit., p. 134.
89 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.
Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp. 241-242.
90 Em 1788, as Reais Fábricas estariam entregues a particulares, a «sociedades de grandes capitalistas».
Jorge Pedreira, «A indústria» in Pedro Lains (Org.) e Álvaro Ferreira da Silva (Org.), História económica
de Portugal, 1700-2000. O Século XVIII, vol. I, 2.ª ed., Lisboa, ICS – Imprensa de Ciências Sociais, Julho
de 2005, p. 202. Muitas outras fábricas e produções tiveram a protecção do ministério de Pombal: a
fábrica das sedas no Rato, a produção de chapéus, de cutelaria, de pentes, de caixas de papelão, de
vernizes, de relógios, de louça, de botões, entre outras, que Esteves Pereira enumera. Esteves Pereira, op.
Cit., p. 136.
91 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.
Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp. 242-243, apoiando-se em
Jorge Borges de Macedo.
92 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 147.
54
de lanifícios, a Covilhã [...]» sobressai.93
O fabrico de tecidos e as indústrias de
lanifícios são realidades em províncias de Trás-os-Montes, Beira e Alentejo.
Encontravam-se aqui três nichos de mercado: (i) o comércio e o consumo locais – os
mais directos; (ii) a manufactura de tecidos para a criação de fardamentos do Exército,
da Marinha e da criadagem; (iii) e os mercados de Lisboa e Porto. E, nas palavras de
José Vicente Serrão, um programa com os seguintes pontos: «“a médio-longo prazo,
tornar o país menos dependente das importações, reforçar a articulação (exclusiva) entre
a economia metropolitana e a economia colonial e recuperar o atraso. E no que ao sector
industrial diz respeito, pode dizer-se que impulsionou, efectivamente, um crescimento
duradouro. Crescimento esse prolongado, com as suas cambiantes e os seus percalços,
até à primeira década do séc. XIX”»94
.
Duas atitudes confrontam-se no tocante à actividade industrial. Na óptica de
Borges de Macedo, em Sebastião José de Carvalho e Melo estavam «a
espectacularidade e a urgência» da sua intervenção na modalidade manufactureira,
enquanto o conde de Ericeira se havia regrado por uma «dramática propaganda
pessoal».95
Afastada a política deste último, e inversamente aos objectivos de
construção empresarial idealizados pelo reinado de D. João V – que colocariam a
indústria num patamar mais ambicioso –, a actuação de marquês de Pombal inspirar-se-
á no modelo oficinal, evoluindo qualitativamente por intermédio da criação de oficinas
especializadas. Nos primeiros, a grande manufactura; no segundo, conjuga-se o
aparelho industrial tradicional (as pequenas unidades produtivas) e a especialização
regional.96
A actuação da companhia na Covilhã centrava-se numa produção
93
Idem, p. 145.
94 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira.
Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 242, citando José Vicente
Serrão («O quadro económico. Configurações estruturais e tendências de evolução.» In José Mattoso
(Dir.), História de Portugal, vol. 4, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, p. 92).
95 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 74.
96 As dissemelhantes visões de soberanos e autoridades governativas são assim explicadas por Borges de
Macedo: «A produção dividia-se em concentrada e dispersa. Na primeira, considerava-se a “fábrica”
como um “agregado de oficinas aonde a lã entra em rama e sae convertida em tecido ultimado” [sic]. A
produção dispersa estava entregue aos chamados fabricantes, espécie de empreiteiros sem oficinas
próprias que compravam os produtos saídos de cada oficina para os remeter à oficina seguinte, até
ficarem prontos a ser vendidos.» Por esta altura, considerava-se os tecidos nacionais superiores aos
ingleses em duração e qualidade. Idem, p. 226.
55
descentralizada, mas não desarticulada. Essa descentralização implicava o
aperfeiçoamento e a valorização qualitativa das peças, mantendo as unidades já
existentes. A par desta acção, marquês de Pombal pretendia construir em Lisboa, como
suporte das infraestruturas, um armazém para receber, concentrar e facilitar a venda de
produtos oriundos do Interior.
O ensino dos ofícios foi estimulado para que os nativos pudessem assumir as
funções e as exigências do programa industrial. Como tal, na Covilhã e em Portalegre
havia escolas de fiandeiras, por exemplo. «O sistema de tornar as manufacturas centros
coordenadores de produção é um aspecto que interessa aqui salientar, pois manifesta
que o elemento básico do esquema industrial neste terceiro quartel do século XVIII
continua a ser a pequena unidade produtora.»97
1.1.4. O fomento pombalino e o «centralismo despótico»98
«Ao Estado cabem agora todas as atribuições económicas, de primeiro
financeiro à de consumidor privilegiado.»99
Tem o Estado investido em fabrico de
armas, pólvora, têxtil, calçado, formação de arsenais, cordoarias, fundições, estaleiros e
outros mais. De acordo com a análise de Carlos da Fonseca, exigia-se, no século XVIII,
do trabalho oficinal em vestuário e calçado, um trabalho de técnica, de «requinte» e de
perfeição que implicava quatro requisitos e levantava quatro problemas, nomeadamente
quanto ao fardamento de exércitos (cuja produção estava em crescimento): o tempo, a
quantidade, o custo e ainda as dimensões, que não conseguiam acompanhar tal
demanda. Lembra ainda Jorge Pedreira que a conjuntura política e socioeconómica, –
eram os ecos do terramoto de 1755 e de um mercado colonial carente, bem como a
97
Idem, p. 152.
98 Carlos da Fonseca, «Tradição e Modernidade na Indústria Portuguesa – Ensaio Económico-Social sobre
as Corporações e Mesteres» in Esteves Pereira, Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, p. 62.
99 Em nota, Carlos da Fonseca escreveu, citando «Noções Históricas, Económicas e Administrativas sobre
a Produção e Manufactura das Sedas em Portugal e particularmente sobre a Real Fábrica do Subúrbio
do Rato e suas anexas. Lisboa, 1827» de José Acúrsio da Neves: «Até 1777, quase todas as fábricas
tinham beneficiado dos créditos de Estado. Nesse ano, o Aviso de 14 de Junho, recomendava aos
funcionários competentes que se procurassem os “modos mais oportunos, de se reformarem as fábricas,
para ficarem continuando [...] sem a dependência de [...] auxílio”. [sic]» Carlos da Fonseca «Tradição e
Modernidade na Indústria Portuguesa – Ensaio Económico-Social sobre as Corporações e Mesteres» in
Esteves Pereira, op. Cit., p. 62 e p. 76.
56
descida das remessas de ouro do Brasil –, fazia prever (sobretudo, que imperava existir)
um outro tipo de actuação, mais invasiva, e outros intervenientes.100
Obrigava, assim, à
intervenção do Estado na organização de manufacturas, a ser o principal credor e
investidor industrial, a promover o contacto colonial traduzido na prática em
exportações (com destaque para o Brasil), e, dessa forma, a construir um mercado.
Mais tarde, a área tornava-se aliciante a particulares. Com algumas manobras
argumentativas, a administração e o poder sobre a indústria nacional vão sendo
transferidos gradualmente, com períodos de alternância, do governo para aquilo a que
Carlos da Fonseca nomeia de «capitalista privado». A área envolvente da Real Fábrica
de Panos tornou-se atractiva aos mobilizadores da economia covilhanense e regional
que mais se evidenciavam, os fabricantes e os negociantes. É no último quartel do
século XVIII que se verifica um investimento em ampliação de espaços oficinais, que
pudessem assumir funções (e produção) de complementaridade. Surgem as primeiras
empresas fabris especializadas nesta área, e até um maior movimento inovador. A
espontaneidade destas iniciativas privadas (associadas à classe burguesa) decorre de um
contexto favorável procedente da exoneração de marquês de Pombal após a morte de D.
José I, em 1777; da tomada de posse de D. Maria I; e de um acompanhamento menos
monopolizador do Estado, ainda que proteccionista. Os incentivos régios são também
atribuídos às novas unidades de indústria livre, desejando o estímulo da concorrência, e
o resultado é um aumento de produtividade e do número de instalações fabris.101
Elisa Pinheiro dá os exemplos da Real Fábrica de Simão Pereira da Silva
(1788), que sobreveio na segunda fase de construção da Real Fábrica de Panos, e da
Real Fábrica de José Mendes Veiga (1784), aproveitando igualmente a proximidade da
ribeira da Goldra e o enquadramento no espaço afecto à manufactura estatal. Há ainda a
Real Fábrica de José Henriques de Castro (1788) que completa o rol «das mais
inovadoras experiências que pontuaram, na Covilhã, a transição dos lanifícios do
período manufactureiro ao industrial, encontrando-se associadas a empresários que
pertenciam à forte comunidade de cristão-novos com implantação na Covilhã, Fundão,
Belmonte e Celorico da Beira»102
. Mas, note-se, que beneficiavam também de medidas
de protecção régia. A Real Fábrica de Panos não se tratou apenas de um espaço, foi
100
Jorge Pedreira, «A indústria» in Pedro Lains (Org.) e Álvaro Ferreira da Silva (Org.), op. Cit., p. 197. 101
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de
fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp. 252 e 258.
102 Idem, p. 227.
57
também um importante contributo para a história (da indústria) e um impulso
empresarial e industrial decisivo para a cidade da Covilhã. Este complexo fabril não
feneceu com o desaparecimento de empresas como as de Mendes Veiga e do Conde da
Covilhã (esta última até aos anos de 1980). Os edifícios continuaram a ter ocupação e
foram a casa de aproximadamente trinta empresas industriais covilhanenses, como é
documentado em Rota da lã Translana.
1.1.5. A técnica, o mercado e os concorrentes da lã
À irrefutável evidência de que a actividade têxtil foi determinante no plano
económico nacional, Carlos da Fonseca acrescenta o pioneirismo desta no «capitalismo
industrial português», na medida em que reuniu um nível tecnológico e uma
abrangência territorial dianteiros. Como tal, enuncia, para o ano de 1789, os mais
importantes centros produtores: Abrantes, Albarraque, Alcobaça, Azeitão, Alenquer,
Braga, Bragança, Chacim, Chelas, Coina, Cascais, Coimbra, Covilhã, Freixo, Fundão,
Guimarães, Leiria, Lisboa, Lumiar, Penafiel, Portalegre, Porto, Rio Mouro, Sobral,
Setúbal, Sete Rios, Torres Novas, Tires, Tavira, Tomar e Valongo. Não se esqueçam
indicadores como a geografia, os recursos naturais, a matéria-prima, o regime
preferencial, o mercado, e outros para a localização e laboração da actividade industrial,
pelo que as produções não se equiparavam.103
O homem fez-se acompanhar, ao longo da história da sua evolução, de
instrumentos e de tecnologias. Ainda a maquinaria não é suficiente para catalogar a
indústria como moderna e identificá-la com o capitalismo industrial. Este verifica-se
efectivamente «a partir do momento em que esses engenhos cessam de ter um papel
auxiliar na produção, [e] se transformam no seu factor essencial, determinando a
quantidade, qualidade e o custo da mesma. De aplicações isoladas, generalizaram-se à
totalidade das tarefas»104
. A inevitável aproximação do modo de produzir à
modernização (difícil seria mantê-la, propagá-la e progredir), expressa pelo estímulo à
tecnologia compreendido entre a governação de marquês de Pombal e meados do século
XIX, bem como a organização do trabalho não se demitiram de características que tão
103
Carlos da Fonseca, «Tradição e Modernidade na Indústria Portuguesa – Ensaio Económico-Social
sobre as Corporações e Mesteres» in Esteves Pereira, op. Cit., p. 62.
104 Carlos da Fonseca, «Tradição e Modernidade na Indústria Portuguesa – Ensaio Económico-Social
sobre as Corporações e Mesteres» in idem, p. 65.
58
bem definiram o século anterior. Evoca-se aqui o trabalho doméstico e oficinal que, sem
perder essa sua condição, integrou outras dinâmicas produtivas, outras escalas, variando
o seu contributo ao ritmo das necessidades das épocas.
Acompanhando a receptividade de Portugal aos têxteis (o fabrico de fardas
continuava a assegurar o mercado interno; desta feita, procurando servir-se da produção
oriunda das províncias do Minho, Beira e Trás-os-Montes e do trabalho de calçado e
couro distribuído por artífices portugueses de outras zonas, como Lisboa)105
, enquanto
uma das suas actividades económicas privilegiadas, outras matérias-primas se tornaram
apelativas. Foi o caso do algodão. Elemento revolucionário da economia, de acordo com
Carlos da Fonseca e Nuno Luís Madureira, no qual se centralizara a aposta na
mecanização (primeiro, na fiação e, depois, entre a tecelagem e a estamparia), no século
XVIII, com consequências de baixa de preços e alargamento de mercados.106
Foi um
dos estímulos da concorrência internacional.
Em Jorge Pedreira, o entusiasmo é mais contido. Houve um crescimento
(assentido), embora o atribua mais a um preenchimento de mercados, facilitado pela
concorrência, do que a um aumento do consumo. Essa capacidade de acompanhar a
concorrência não deverá menos créditos ao proteccionismo do Estado do que ao
resultado de mudanças na produção e comercialização.107
Mas a produção originária de
outras metrópoles (distantes, obrigando ao transporte de grandes quantidades) custava a
impossibilidade aos pequenos produtores individuais de a obter e de a trabalhar,
beneficiando apenas os grandes industriais. As especificidades da constituição dessa
matéria – a resistência, a durabilidade e a maleabilidade – reuniram opiniões favoráveis
e o desejo de a importar. Quem se encontrava em condições de custear o seu transporte
beneficiava, em 1774, da isenção de impostos sobre o algodão concedida pela
administração pombalina. Simultaneamente, também a seda se apresentou como
investimento profícuo. Houve grandes expectativas investidas nos têxteis portugueses,
105
Jorge Pedreira, «A indústria» in Pedro Lains (Org.) e Álvaro Ferreira da Silva (Org.), op. Cit., p. 199.
106 Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 150. Descobre-se o trabalho de algodão (por ordem temporal) em
Azeitão, Alcobaça, Torres Novas, Lisboa, Porto, Abrantes, Coimbra, Aveiro, com destaque para a Real
Fábrica de Fiação de Tomar. Nacionais e colonos passam a cobiçar «os panos mais leves, exclusivamente
feitos de algodão, a saber: chitas, cortes de saias, lenços, gangas e cassas. [...] A nova realidade é: chegam
panos em branco, saem panos coloridos.» Idem, p. 152.
107 Jorge Pedreira, «A indústria» in Pedro Lains (Org.) e Álvaro Ferreira da Silva (Org.), op. Cit., pp. 204-
205.
59
na última quinzena do século XVIII, explorando o que Madureira classifica de o
«legado e a orientação de Pombal».
Em sectores industriais como o linho e os lanifícios não se verificou uma
profunda alteração tecnológica como acontecera com a seda e o algodão. Diz Nuno Luís
Madureira que esse tipo de fibras requer um outro tipo de intervenção mecânica, a qual
não é coincidente com os mesmos «princípios» da maquinaria utilizada para o algodão e
a seda. A dificuldade em trabalhar as fibras de lã e linho provaram que os melhores
resultados obtêm-se nos processos manuais. «[...] Do património de técnicas
disponíveis, aquelas que vão ser absorvidas baseiam-se no aperfeiçoamento do trabalho
manual da lã, caso da tesoura inglesa de tosa, de alguns teares de lançadeira volante, das
prensas com chapas de ferro e de papelão, das râmolas e da tinturaria com base no
pastel. As tentativas de mecanização são sistematicamente mal sucedidas.»108
Testaram-se, em 1777, «uns maquinismos ingleses» na Real Fábrica de
Portalegre, mas infrutíferos. Maior viabilidade encontraram no recurso a escolas para
realizarem algumas tarefas (como a de fiar a lã), enquanto outras eram encomendadas a
artesãos da região (cardar). Já a tecelagem é garantida pelas oficinas domésticas, e os
custos decorrentes do trabalho realizado por essas unidades competiam com aqueles que
as máquinas exigiam.109
Também na Covilhã, e desta feita no século XIX, o capitão
Simão Pereira da Silva tenta introduzir «engenhos de carda Arkwright e uma mulle»110
,
mas sem sucesso. Em todo o caso, foi um importante contributo para o processo de
industrialização dos lanifícios, instigador da fiação hidráulica nessa cidade. O mesmo
108
Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 174. 109
Idem, p. 174.
110 Exemplos de engenhos mecânicos que acompanharam o início da actividade industrial. Richard
Arkwright (1732-1792), um industrial e inventor inglês, destacou-se pela criação de um sistema de
produção em massa. Inspirado pela máquina de fiação que John Kay inventara para integrar na indústria
têxtil, Arkwright decidiu contratar Kay (1767) para que este produzisse maquinaria igual para si e, mais
tarde, investir no sector. Tratava-se de uma máquina de tecer, da qual se obtinha «uma linha muito mais
forte do que qualquer outra na época» e tinha capacidade para tecer «128 fios de cada vez». Da fibra do
algodão resultava fio. Apesar de a máquina não requerer um operário especializado, não era possível
manobrá-la manualmente, nem por meio de cavalos. Por essa razão, em 1769, a solução foi a força da
corrente de água, que fazia mover as pás de uma roda. O feito permitiu o fabrico de algodão em elevadas
quantidades, de tal forma que foi um dos passos iniciáticos da Revolução Industrial na Grã-Bretanha. In
Richard Arkwright. In Infopédia, Porto, Porto Editora, 2003-2011. (Disponível em
http://www.infopedia.pt/$richard-arkwright, acedido em 6 de Outubro de 2011, às 16h15.)
60
operaram as máquinas para a carda e a fiação em Portalegre e Marvão, em 1819, por
José Larcher. A verdade é que a tentativa de mecanização na indústria das lãs, neste
período, conhece pouco ou nenhum êxito. A produtividade não está, pois, presa a uma
necessária inovação mecânica e de processos. A ideia, e sobretudo o desejo, de novidade
esconde, por vezes, novas abordagens e procedimentos resultantes de técnicas manuais,
mas também a gestão de competências: fica o exemplo do «tintureiro que ao ensinar
novas cores ensina também a poupar lenha»111
.
1.1.6. Um jogador chamado Inglaterra e o efeito francês
A Revolução Industrial inglesa veio sublinhar alguns aspectos menos sólidos da
vida política e económica portuguesa: a rarefacção da entrada de ouro em Portugal, a
crise do Estado Joanino (1740-1750), a existência de uma indústria portuguesa
forçosamente motivada e intensificada (nomeadamente a partir de 1770) graças à
produção da indústria de lanifícios vocacionada para os fardamentos e, apesar de tudo,
um Interior com outro ritmo, menos compassado com a evolução positiva da indústria
inglesa e ainda muito afastado do Litoral. Lisboa, por seu turno, resgata atenções pela
sua determinante natureza geográfica. Inglaterra tinha interesse nessa posição charneira,
na sua abertura marítima ao Atlântico (e, por intermédio dela, a outros mares e oceanos)
e na fronteira terrestre com Espanha. Recorde-se a euforia da década de 70 do século
XVIII. A partir de 1775, o comércio de lã acelera. As manufacturas nacionais escoavam
com fluidez no mercado interno e conquistavam o estatuto de artigo de exportação
bastante requisitado, com grandes saídas. Os dados que se seguem são um excerto de
uma tabela de valores anuais de exportação de lã com largada nos portos portugueses,
compreendendo as últimas três décadas do século XVIII, apresentada por Borges de
Macedo112
(cf. quadro 1, Anexos, p. 321):
Anos Quantidade Valores em réis
1776 27 018 104 036 520
(...) (...) (...)
1799 57 649 715 714 560
111
Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 176. 112
Fonte: «A. H. M. O. P. e B. I. N. E., Balança de Comércio, anos respectivos.» In Jorge Borges de
Macedo, op. Cit., p. 198.
61
1800 51 375 630 597 880
A informação seleccionada alberga os anos em que se lê uma alteração
significativa do movimento de expulsão (/ganho) de lã do território nacional. A
proximidade com o século XIX revelou números muito superiores, praticamente o
dobro do que se exportava em 1776, como é representado acima (na coluna da
«quantidade»). Apesar de Borges de Macedo não especificar a unidade de medida, esta
comparação confirma uma ascensão, uma prosperidade de final de século, robustecida
não só pelas matérias-primas ultramarinas mas também pelas nativas da metrópole, e
pelos produtos manufacturados. São 57 649 (em 1799), com o rendimento de 715 714
560 réis, contra os 27 018 (em 1776), lucrando apenas 104 036 520.
Os fabricantes do Interior ficavam descontentes com o valor dos produtos,
sempre em ascensão, pois assumiam o mesmo ritmo das quantidades exportadas.
Ressalve-se que parte da lã que embarcava nos portos portugueses era espanhola (lã
reexportada), por se tornar mais barato fazê-la passar e embarcar pelo território
português. Ainda que a seda ganhe avanço, os tecidos de lã portugueses conquistam um
importante lugar no mercado, o que estimula indiscutivelmente a produção têxtil.
Aumentam as exportações para o Ultramar, a Inglaterra e o resto da Europa, e nessa
exportação segue lã produzida nas províncias.
Estruturas como a circulação de produtos, a produção agrícola, o fomento
industrial, os mercados ultramarinos, a valorização do Interior (enumeradas por Borges
de Macedo) são as dinâmicas jogadas no plano económico que se somam como
preocupações e objectos de intervenção por parte das entidades dirigentes do Reino. A
queda de qualquer peão podia abrir caminho ao desfecho precipitado do jogo, o que
parecia não acontecer neste período, pelo estado de «euforia» vivido. Esta situação
próspera balançava entre a riqueza interna (segura por uma produção e mercado internos
estáveis) e o posicionamento internacional (pela exportação e pela localização costeira e
intermediária). O comércio expandia-se e a indústria ganhava fôlego, não se ficando
pela governação pombalina. No entanto, o andamento da indústria nacional não fazia
prever «técnicas revolucionárias [...] em gestação ou esboço»113
e reflectiu-se até na
aproximação e numa possível aplicação do modelo de actuação inglês ao contexto
113
Idem, p. 217.
62
português.114
Domingos Vandelli deu o exemplo do plano inglês de 1689: um ciclo,
onde a agricultura não devia ser desprivilegiada e a aposta no desenvolvimento
tecnológico do material fabril era uma exigência. Isto é, a agricultura activava o
comércio; a circulação de produtos e a abrangência de mercados excitavam a produção
industrial, acentuando-a; daí, a multiplicação de fábricas; e, depois, a sofisticação da
maquinaria dessas infraestruturas que evitasse a colisão com a prática da actividade
primária e auxiliasse a mão-de-obra na produção endereçada ao comércio externo.
No último quartel do século XVIII viu-se uma grande parte da indústria
estabelecida na costa ou nas suas proximidades. Tinha matéria-prima, aglomerados
populacionais crescentes e mais significativos, mercados e o porto de Lisboa em franca
actividade (desde 1797) e bem localizado no trânsito de navegação internacional. Como
consequência, a produção fermentava, sobretudo com a introdução de técnicas de
naturalidade inglesa. Os valores de exportação de produtos da metrópole e das colónias
(ou ultramarinos) que Portugal alcançou, entre o final do século XVIII e o principiar do
século XIX (1789-1806), garantiram um apontamento histórico para o país.115
No reinado de D. Maria I (r. 1777e 1816), as invasões francesas de 1807-1809 e
1810 fazem descer uma neblina sobre a capacidade de produção industrial, pois a
sobrevivência tornara-se na cardeal actividade do povo. Se a violência do acontecimento
foi inarrável para Esteves Pereira, também o foi para a população, obrigada a olhar os
despojos e a enfrentar repetidos horrores e caos alguns anos mais tarde. A mise-en-scène
é comentada e corroborada até pelos estrangeiros que frequentam o país. William Henry
Harrison, um escritor inglês do século XIX, encontra para a primeira página do seu
roteiro The Tourist in Portugal, que começa na cidade do Porto, as seguintes palavras:
«Toda a cidade estava numa confusão, e cada coisa “fora do lugar”, os habitantes
114
Borges de Macedo recupera a intervenção de Domingos Vandelli: «Numa das mais antigas referências
à Revolução Industrial inglesa, um outro espírito esclarecido e dos mais conceituados desse tempo
comentava a viabilidade da sua “aplicação” a Portugal dizendo: “Queremos ser fabricantes, imitemos os
ingleses e sigamos as suas normas. Eles, no ano de 1689, excitando com prémios a extracção dos
comestíveis promoveram a agricultura, depois aumentaram o seu comércio e multiplicaram as fabricas, e
para que estas não prejudicassem a Agricultura inventaram e puzeram em uso máquinas para facilitar a
mão de obra em todas aquelas fábricas que deviam servir para o comércio exterior [...]”. [sic]» Domingos
Vandelli (Memória sobre a preferência que em Portugal se deve à Agricultura sobre as Fábricas, em
“Memórias Económicas da Academia”, vol. 1.º, pág. 252) apud Jorge Borges de Macedo, Problemas de
história da indústria portuguesa no século XVIII, p. 218.
115 Idem, p. 235.
63
encontravam-se numa expectativa quotidiana pela visita de Saldanha, e pelo
consequente reavivar dos horrores da guerra civil».116
As invasões napoleónicas deixaram Portugal ferido em todas as frentes. Como
qualquer invasão, a violência destrói a naturalidade das vivências quotidianas, as
estruturas e a organização estabelecidas. No que diz respeito ao comércio, a ocupação
militar francesa de parte da metrópole impedia a chegada aos portos lusitanos de
matérias-primas e produtos do Ultramar e a exportação de dois artigos fulcrais (o vinho
e o sal), cuja produção, em grande medida, tinha o mercado estrangeiro como destino. O
pequeno mercado interno, a baixa densidade demográfica e a subdesenvolvida
urbanização influíam também no desenvolvimento da indústria. «Por outro lado, como
salienta Amado Mendes, a limitada formação dos técnicos e empresários da indústria
terá motivado, através do Alvará de 28 de Abril de 1809, a concessão do exclusivo de
novos inventos, por um período de catorze anos, aos capitalistas que investissem na
instalação de fábricas e na introdução de novas máquinas.»117
O mercado clandestino
(de tecidos de lã e algodão, de estamparias, de ferro e de quinquilharia inglesas) minava
o comércio legal nacional, e aqui desenhava-se uma concorrência que, apesar de legal,
era desleal e perfurante (a partir de 1801).
A indústria portuguesa perdia pelo atraso na evolução tecnológica e técnica. Era
aí que residia o cerne do problema, sentencia Borges de Macedo, apoiando-se em vários
autores. José Acúrsio das Neves aponta «“o poder mágico da máquina a vapor”» como
protagonista de «“uma revolução nas artes mecânicas”», dando «“meios aos ingleses
116
William Henry Harrison (1795?-1878), escritor inglês, acompanhado de James Holland, pintor (artista
da paisagem e da aguarela) seu contemporâneo e conterrâneo, foram convidados pela Jenning’s
Landscape Annual para elaborarem um relato turístico – escrito e pintado – da paisagem portuguesa.
Embora a viagem se tivesse iniciado em 1837, uma corrente de turbulência ainda faiscava. As
consequências das investidas de Napoleão Bonaparte, em Portugal, são adensadas pelos confrontos civis
portugueses (Liberais versus Absolutistas/Conservadores) nas primeiras décadas do século XIX. William
Henry Harrison colhia dos rostos das pessoas a incerteza que pairava entre o fecho do capítulo de guerra e
a expectativa da mudança. Em The Tourist in Portugal, publicado em Londres em 1839, William Henry
Harrison diz do primeiro local onde desembarcou (o Porto): «The whole city was in confusion, and every
thing “out of joint”, the inhabitants being in daily expectation of a visit from Saldanha, and of the
consequent revival of the horrors of civil war». William Henry Harrison e James Holland, The Tourist in
Portugal, Londres, Robert Jennings, 1839, p. 45.
117 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de
fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 264.
64
para ninguém poder competir com eles na barateza das manufacturas”». Contudo, era
«“lastimoso o estado em que nos achamos a respeito das máquinas. Fazemos tudo à
força de braços e de animais, enquanto nos outros países a força dos elementos quase
dispensa a mão do homem nos trabalhos mais pesados e aumenta prodigiosamente os
frutos da indústria”».118
A potência inigualável, até ao momento, do vapor e o maior
controlo do funcionamento de um estabelecimento com este tipo de mecanismo
alargavam as possibilidades territoriais de implantação. Segundo o economista, o atraso
de Portugal, no que concerne a utilização da máquina, terá decisivamente condenado o
sucesso das manufacturas nacionais de um país tão rico em matérias-primas e recursos.
As tentativas francesas de conquista e a guerra em território nacional geraram
migrações. Colheitas, gado e instalações industriais – tanto oficinais como
manufactureiras – foram destruídas cirurgicamente, e muitas das poupadas não
recomeçaram imediatamente a produção por precaução (de que foram exemplo algumas
na Covilhã). Seguiu-se o recobro. Em finais de 1813 actua-se no sentido de restabelecer
cuidadosamente a laboração fabril, directiva na qual estavam integradas as fábricas de
lanifícios da Covilhã e de Portalegre. Esta situação levou a que, na aurora do século
XIX, os produtos ingleses (apresentando boa qualidade) dominassem as alfândegas
portuguesas e os produtos ficassem desbaratados, pois as suas quantidades eram muito
superiores ao consumo, não deixando margem ao produto nacional para competir com o
inglês no seu próprio mercado. Retomar e recuperar a actividade implicaria alguma
segurança, isto é, encontrar um consumo paralelo ao da concorrência. Papel que o
Estado poderia assumir ao encomendar panos para o fabrico de fardamentos. No
entanto, não foi suficiente nem para a técnica nem para o mercado. Aquilo que se
dissera quanto à Covilhã, também se aplicava a outras fábricas, como Portalegre,
Azeitão, Alcobaça e Cachim. Em 1817, há registos de «decadência» da fábrica de
Portalegre, atestada de panos, sem mercado que os consumisse.119
No contrato celebrado entre o Estado e a Real Fábrica de Lanifícios da Covilhã,
em 17 de Agosto de 1820, incitava-se a sociedade que gere as Reais Fábricas de
Lanifícios da Covilhã e do Fundão (e a Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre, de 23
de Janeiro de 1799 até à sua compra pela família Larcher) a reiniciarem a sua laboração,
com investidas e incentivos de produção, apostando na «“perfeição”» e na
118
Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 240.
119 Idem, pp. 241-242.
65
«“quantidade”» dos tecidos (Borges de Macedo recordando os termos de Luís F. de
Carvalho Dias), a fim de combater a concorrência, ir ao encontro do seu mercado e das
pretensões do Estado, além dos próprios interesses daquelas fábricas. A Revolução
Liberal, em 1820, não é sinónimo nem de desenvolvimento industrial nem de «à-
vontade económico». A mudança sedenta de melhoramento e aprovisionamento técnico
e tecnológico perdeu-se em lutas políticas e sociais que só atrasaram ainda mais a
introdução de medidas transformadoras e urgentemente necessárias (recuperação de
edifícios, maquinaria e da própria produção), prolongando o desfasamento e o
desajustamento relativamente «à nova realidade económica mundial».120
1.2. A fábrica, o Interior laneiro português e as demandas da
contemporaneidade – os séculos XIX e XX
1.2.1. Os lanifícios e o mercado colonial no século XIX
O século XVIII foi carimbado pelo vigor de casas manufactureiras reais, onde se
pretendeu desenvolver um trabalho especializado, ocupando-se da qualidade e
promovendo uma gestão e organização adequadas dos circuitos de produtos e de todos
os intervenientes.121
Porém, há oscilações a ter em conta: a quebra dos salários e, por
consequência, a quebra do consumo interno aconteceram num período pouco
«favorável» relativamente ao seu enquadramento internacional. A indústria portuguesa
não perspectivava nem progressão nem estabilidade se se atender ao panorama da
produção e da concorrência. A aceitação e a integração dos produtos nacionais no Brasil
e o sistema proteccionista perderam a sua força estratégica. O primeiro não é suficiente
para rejuvenescer «a competitividade perdida» e, no segundo, as restrições à importação
120
Idem, pp. 243-247.
121 «O fulgor das manufacturas reais é um fenómeno acentuadamente setecentista.» A cada artífice é
atribuída uma única função, a qualidade dos artigos é normalizada e os indivíduos e os produtos integram
e interagem num circuito específico que se pretende eficiente – três especificidades do modelo de divisão
social do trabalho que lhe foi caro. «Sem grandes inovações técnicas, a indústria da lã tem um
crescimento de produtividade que a torna num caso bem distinto do sector dos “liníficios” [sic], situação
que se mantém até princípios do século XIX. O alcance da modernização da indústria têxtil portuguesa
não deixa dúvidas. No novo mundo que sai da conferência de paz de 1815 os sectores mais competitivos
do país são aqueles onde as tentativas de inovação técnica tiveram menor expressão e onde o trabalho
doméstico predomina: os linhos e as lãs», conclui Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 177.
66
e a «isenção de direitos sobre matérias-primas» não surtiram as reacções necessárias no
mercado. Exigia-se, portanto, uma nova forma de enfrentar o comércio internacional, e
dois assuntos levantam-se imediatamente: «a base da prosperidade dos finais do século
XVIII» e «o papel do mercado colonial brasileiro no desenvolvimento português» – em
exame por Nuno Luís Madureira.
Na transição de Setecentos para Oitocentos havia novos números no painel de
importações e um outro modelo a acender o século XVIII. O algodão usurpa lugares que
os linhos e as sedas ocupavam, e os lanifícios já não são prioritários no mercado
internacional (ver quadro 2, Anexos, p. 321). Não esquecendo a entrada, cada vez maior,
de produtos industriais estrangeiros competitivos nos circuitos comerciais de que
Portugal faz parte, e o seu posicionamento nos mercados interno e colonial portugueses.
Nesse florescimento do comércio nacional começa a pesar-lhe, por um lado, a carestia
de recursos naturais e, por outro, o elevado preço das matérias-primas. A importação
continuada de cereais coloca em causa as culturas cerealíferas nacionais e direcciona o
enfoque das preocupações para a evolução do sector agrícola, que 1815 já não consegue
esconder. Inquietante vinha sendo a situação da actividade das fábricas e de toda a
estrutura envolvida, do emprego às condições da mão-de-obra (artífices), e o futuro dos
fabricantes que, ameaçando um estado de entorpecimento, condicionava igualmente o
mercado externo. Por isso, a economia reestrutura-se no sentido de encorajar o comércio
interno de cereais. Este plano viria a adiar nova investida na industrialização e nova
carteira de acções proteccionistas sobre as fábricas para os finais da década de 1830.122
Entretanto, desde 1808 que Inglaterra estava livre da barreira alfandegária
portuguesa e passara a comerciar directamente com os portos brasileiros, abertura que
se estenderia às demais nações em 1814. Extinguia-se, assim, o circuito comercial
triangular do atlântico, e que Portugal controlava (taxando os produtos de exportação
inglesa para terras sul-americanas). O algodão, por exemplo, que fora o ex-líbris da cena
económica do século anterior, não reagia agora nos circuitos de distribuição onde os
portugueses intervinham (a Inglaterra conseguia-o directamente no Brasil), mas outros
produtos como os couros, o açúcar, até o cacau e o café permitiam-lhes alguma procura
de reexportação.
De Portugal, os Brasis ficavam cada vez mais longe, embarcados por uma
Inglaterra cada vez mais interessada e aliciante. Regia-se o mercado ao sabor do chá das
122
Idem, pp. 319-322 e p. 324.
67
cinco, e a ligação umbilical com as cinco quinas esmorecia. Concretamente, o país
ressentiu-se e a Beira e o Alentejo não foram excepção. Todavia, «Portugal continua a
ser um entreposto de distribuição para outros países: “a costa portuguesa oferecia
excelentes condições”» pela facilidade que constituía ao «tipo de navegação na época»
ou pela conveniência de ser um dos entrepostos europeus tradicionais, dado que vários
países viram as suas marinhas mercantes serem afectadas pelas guerras napoleónicas ao
mesmo tempo que a necessidade de produtos coloniais se mantinha123
.
O fraco desempenho no escoamento de artigos no sentido Norte (da Europa) e
no seu vizinho Mediterrâneo era colmatado pelos laços coloniais (para uns), e amarras
(para outros). Os produtores da metrópole estavam dispensados do pagamento da
dízima, tratando-se de uma relação unilateral. No que respeita às mercadorias
estrangeiras, o seu trajecto incluía a boa cobrança de impostos, comissões e taxas de
armazenamento, que obrigatoriamente se efectuavam em Portugal. Este mercado
colonial estava fortalecido pelo facto de não ser legalmente autorizada a construção de
fábricas próprias no Brasil, dando alguma margem a algumas indústrias (algodão, linhos
e chapelaria) para que se desenvolvessem e pudessem usufruir da proximidade de portos
marítimos, como os de Lisboa e Porto.
A dissolução do império colonial português é também a perda de possibilidades
de desenvolvimento, e é com esta nova realidade que o século XIX acorda. No entanto,
Nuno Luís Madureira não considera a separação comercial entre Portugal e Brasil a
razão pela qual o primeiro não conseguiu progredir. Foi sim o culminar de uma situação
de fragilidade dos artigos industriais, sob a forte pressão concorrencial externa de
preços, completada pelo fardo financeiro da importação de matérias-primas. Os
lanifícios e as sedas, sectores agraciados pela intervenção de Pombal, seguiam a mesma
ventura. «O que significa então a perda do império?», pergunta Nuno Luís Madureira,
para seguidamente responder que «a perda do império é um dos momentos de crise do
modelo mercantilista e manufactureiro português: o momento em que as instituições
criadas para promover a indústria deixam de ser suficientes e eficazes; em que o surto
123
Nuno Luís Madureira, baseado na leitura dos tráficos atlânticos no período de 1814-1818, encontra no
segundo argumento (a antiguidade) maior força. Valentim Alexandre («Um momento crucial do
subdesenvolvimento português: efeitos económicos da perda do império brasileiro», in Ler História, n.º 7,
1986, p. 25) apud Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e
1834, p. 331.
68
fabril e o incremento da produção encontram os limites ao crescimento»124
. Assistir-se-
á, pois, no correr do século XIX, ao regresso de uma modalidade, menos arriscada
dentro dos ciclos de negócios, que permitirá dar continuidade à actividade fabril (sob
novo formato orgânico do fabrico): são a «pequena oficina» e a «habitação modesta».
1.2.2. Costa versus Interior (entre os séculos XVIII e XIX)
O trânsito da segunda metade do século XVIII para a primeira metade do século
XIX é acompanhado pela transferência da centralidade e desenvolvimento das indústrias
do Interior do país e de Lisboa para zonas costeiras, mas localizadas sobretudo a norte,
como Porto, Guimarães e Braga. De acordo com Nuno Luís Madureira, esta tentativa de
compreensão e interpretação das várias realidades regionais tem validade numa
perspectiva geral, «global», embora «excessiva», que comprime e torna invisíveis vários
intervenientes e nichos de mercado em divisões territoriais mais abrangentes,
encaixando-os em relações simplificadas que se resumem a dualidades como Litoral e
Interior, Lisboa e «o resto do país», ou Norte e Sul. Esquece-se, nessa perspectiva mais
larga, que uma região periférica é central para uma «nova periferia», e esquece-se
«sobretudo que o grau de interdependência geográfica não é o mesmo quando há
especialização de produtos no tráfico (Lisboa/Alentejo interior) e quando há, pelo
contrário, trocas multifacetadas e variáveis (Porto/Trás-os-Montes)», concretiza
Madureira.
Nova questão para Madureira: O que afasta o Interior do Litoral? «De um lado,
“...as condições da economia da costa, com fáceis vias de saída para os produtos e
provida também de um acesso barato às importações estrangeiras, assim como uma
maior circulação monetária” e do outro “uma economia de interior com as dificuldades
resultantes de pouca densidade monetária, de vibração muito mais lenta e voltada para
mercados regionais”?»125
Madureira faz um reparo no conceito de «costa», definindo-o
como pouco «consistente», uma vez que algumas localidades com porto marítimo
(como Viana do Castelo, Esposende, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Figueira da Foz e
Setúbal) deixam de ter um papel relevante na recepção e distribuição de artigos
estrangeiros que se circunscreve aos pólos de Lisboa e Porto, ponto de partida desse
124
Idem, p. 339. 125
Jorge Borges de Macedo (Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, p. 156) apud
Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, p. 341.
69
comércio.126
Os mercados regionais são geridos ou organizados em função da facilidade de
comunicação com aqueles dois pólos, e não tanto com os portos de mar mais próximos.
É por Lisboa e Porto que, em 1854, se realizam 98 por cento das importações e 90 por
cento das exportações. A razão deste estreitamento de relações comerciais centra-se na
escassez de cidades médias com um número populacional suficiente para sustentar um
estatuto que permita a esses núcleos ter presença nesses circuitos de trocas. Já Lisboa e
Porto cresceram em população, e isso reflectiu-se na absorção (e no interesse) das rotas
que se desenham pelo mar e daquelas que se construíam por via terrestre ou fluvial,
rumo a esses pontos intermediários com o exterior.
Se é excessivo falar em dinâmicas de mercado na costa (que significará evocar a
abrangência da expressão: em toda a costa), também será excessivo, mas em sentido
oposto, apresentar as dinâmicas de mercado no Interior como isoladas – imediatamente
pensadas para auto-subsistência, limitadas à localidade, acompanhando a fragilidade
(e/ou a falta de compreensão das potencialidades e recursos) do suposto afastamento da
sua interioridade. O maior ou menor entusiasmo pelas terras do Interior dependerá «dos
ciclos de preços e do contágio da procura a áreas cada vez mais distantes». Quando
existe abundância, os preços dos produtos do Interior descem por falta de escoamento, e
a situação torna-se complicada desde o patamar inicial: o pagamento das culturas.127
Para o mesmo ponto convergem as ilações de David Justino relativamente a outras
regiões e mercados do país – de que Nuno Luís Madureira se serve – como o alentejano.
Conclui Madureira que «o que caracteriza a economia interior não é ter uma
“vibração muito lenta”, mas a enorme amplitude dos preços e a sua extrema
“sensibilidade às variações da produção, e em especial a grande dependência de factores
exógenos, como as condições climatéricas e as guerras”»128
. A morfologia (obstáculos
126
Enquanto Borges de Macedo trata a disparidade regional em pares demasiado abrangentes e pouco
precisos, Nuno Luís Madureira explica que esses pares (e neles a actividade comercial) de Norte-Sul e
Costa-Interior não são tão lineares quanto estas coordenadas geográficas. O contraste entre o Litoral e o
Interior não significava, pois, que toda a Costa apresentasse uma dinâmica de mercado mais ou menos
uniforme e representativa. Nuno Luís Madureira, op. Cit., pp. 341-342.
127 Aurélio de Oliveira («Mercados a norte do Douro: algumas considerações sobre a história dos preços
em Portugal”, Revista da Faculdade de Letras do Porto, História, 1985, vol.II, p. 53) apud Nuno Luís
Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, pp. 342-343.
128 David Justino («Crises e ‘decadência’ da economia cerealífera alentejana no século XVIII», pp. 64-65)
apud Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, p. 343.
70
naturais, acidentes do terreno) é, também ela, determinante: as planícies do Interior Sul
contrastavam com os blocos montanhosos do Interior Centro e Norte do país (regiões da
Beira e nordeste transmontano). Enquanto nas primeiras, a morfologia facilitava a
existência de vias de comunicação (como estradas) mais rápidas; nas segundas, era um
transtorno muitas vezes inultrapassável quando se transportavam volumosas e pesadas
mercadorias. Isto traduzia-se em diferentes preços, mesmo entre regiões do Interior.
Outra das problemáticas em que o Interior é debatido confronta a sua «“baixa densidade
monetária”» e a sua (re)solução mais comum e natural, a da troca directa de produtos –
«sistemas de troca natural», uma compensação imediata, palpável, que pode ser
utilizada a curto prazo sem riscos de desvalorização ou de não-utilização –, a produção
para auto-consumo e a «atrofia dos circuitos comerciais mercantilizados».129
A inconstância da vida industrial portuguesa, resultado das práticas e políticas
que foi adoptando, não a marginaliza nem no quadro de relevância do fabrico nem no do
mercado interno, europeu e até transatlântico. A pertinência da sua existência é exposta
exemplarmente por dois pólos: Porto e Covilhã. São duas localidades representativas do
mosaico industrial português, abordadas de forma distinta pelo comércio internacional e
com orientações e estruturas organizacionais específicas. O artesanato urbano, o peso do
trabalho doméstico feminino nas manufacturas têxteis, as pequenas oficinas orientadas
para as sedas, o algodão e os metais revelam uma miscelânea de produções e de formas
de organização características do Porto do século XVIII. Na Covilhã, acontece o
inverso. Um tipo de indústria solitário, o qual envolvia praticamente toda a vila, e
encaminhado para uma área de especialização: a dos lanifícios. A Covilhã guarda, até
aos dias de hoje, a sombra de tempos mais ufanos, mas também alguma actividade e
exemplares patrimoniais com grande potencial para investigação.
1.2.3. A Beira Interior e o Alto Alentejo na segunda metade do século XIX
Entre 1851 e o final do século XIX, são a técnica e a indústria que ditam a
transformação da vida económica, social e urbana do país. Portugal conheceu os efeitos
do capitalismo inglês e francês num período em que, por terras lusas, se aprouvera
chamar de Regeneração. O progresso marchava ao som-dos-caminhos-de-ferro, do
estabelecimento de um mercado nacional e da reunião de condições (estabilidade
política e crescimento económico, no qual as obras públicas do Fontismo seriam as
129
Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, p. 343.
71
realizações de destaque) propícias à constituição e acção de uma burguesia que gozasse
de «liberdade e paz». Avaliando o cenário urgia a formação especializada de técnicos e
operários. Para tal, António Maria Fontes Pereira de Melo, ministro das Obras Públicas,
Comércio e Indústria (pasta criada em 1852) providenciou a institucionalização do
ensino industrial (ensino elementar, secundário e complementar). Este percurso
habilitava os instruendos a «diplomas profissionais de oficial mecânico, oficial químico,
forjador, fundidor, serralheiro e torneiro», lê-se em Rota da lã Translana. Foram
criados, primeiro, o Instituto Industrial de Lisboa (1852) e a escola industrial no Porto
(1864), depois Instituto Industrial e Comercial do Porto. O Decreto de 20 de Dezembro
de 1864 designara também para Guimarães, Covilhã e Portalegre tais estabelecimentos
de aprendizagem, cuja actividade industrial impunha.130
Nos anos de 1860, Fradesso da Silveira inspeccionava as fábricas, e da Covilhã
constatou – após a reunião e a apreciação dos valores de consumo anual de lã, de peças
de pano produzidas, de operários e da sua distribuição em diferentes tipos de
estabelecimentos fabris – que não era inadequado considerá-la «o principal centro
manufactureiro do país». Esta recebia lãs de «toda a região da Beira (...), do Alentejo
(...) e de Espanha (...)» e no seu concelho era possível contabilizar «27 fábricas de
cardar e fiar lã, 35 pisões, 20 tinturarias, 13 estabelecimentos de ultimação de fazendas
e muitas casas destinadas à indústria da tecelagem, para além dos fabricos dispersos
pelas habitações dos fabricantes e tecelões da Covilhã (...) e outras povoações do
concelho» e ainda listar fábricas de outro tipo (sabão, papelão), carpintarias, serralharias
e laboratório (associado à prática da tinturaria).131
O contributo das diversas unidades fabris covilhanenses permitiu classificá-las
130
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de
fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 275.
131 Na Covilhã de 1860, de acordo com Joaquim Henriques Fradesso da Silveira e As fábricas de
Portugal: indagações relativas aos tecidos de lã: resultados da inquisição feita por ordem do Conselho
das Alfândegas (Lisboa, Imprensa Nacional, 1864, vol. 1), «os lanifícios consumiam anualmente 100
milhões e 500 mil quilogramas de lã e produziam mais de 20 000 peças de panos. Trabalhariam nas
fábricas da cidade 3798 operários, sendo 2496 (65,7%) do sexo masculino e 1302 (34,3%) do sexo
feminino, para além de 1219 menores de 16 anos, enquanto na pequena indústria se ocuparia quase toda a
restante população. [sic]» Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de
um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp.
275-277. A partir deste momento far-se-á uso de termos como «concelho» e «distrito», baseado nas
referências geográficas ditadas por Elisa Calado Pinheiro.
72
hierarquicamente: «primeira classe a de Francisco Nunes Marques de Paiva, que
produzia “os artefactos mais perfeitos, empregando a única máquina a vapor existente
na Covilhã”» (o elevado custo associado à exiguidade de combustível na região foi a
justificação para manter a quantidade de rodas hidráulicas que abasteceram de energia a
maioria das fábricas ao longo do século XIX); «a de Mello Geraldes & Comp.ª; a de
José Mendes Veiga (...); a de António Pessoa de Amorim & Irmão, estabelecida nos
edifícios da antiga Fábrica Real, que produzia tecidos de qualidade inferior,
encontrando-se, à data, a fabricar em grande escala fardamentos para as tropas; a de
António Nunes de Sousa & Filhos (...) e a de António José Tavares. (...) Também
completas, mas consideradas de segunda classe, eram as de João Mendes Alçada (...) e a
de Manuel Nunes Mouzaco & Irmão (...). Para além destas, Fradesso da Silveira
registava ainda, em terceiro lugar, uma fábrica incompleta, por não ter tinturaria,
pertencente a Euphemio Graça e Comp.ª, bem como em quarto lugar, um
estabelecimento de acabamentos de tecidos da firma Campos Mello & Irmão [sic]» e
assim sucessivamente.132
Fradesso da Silveira retomou, relativamente à indústria covilhanense, velhas
questões: os deficientes mercados abastecedores de lã, a instrução profissional e as vias
de comunicação (e, por consequência, o isolamento), que conjugados encareciam a lã
(vinda do Alentejo) e dificultavam a absorção desses produtos pelos mercados.
Descompensados estavam também o capital, a tecnologia, a divulgação, e a quantidade
de lãs nacionais (que a encarecia) e de produtos imprescindíveis à indústria.133
A decisão de elevar a Covilhã a cidade não pode deixar de ter em conta o
compromisso e a dedicação à lã e à sua indústria: «A Carta Régia de D. Luís, de 20 de
Outubro de 1870, que elevou a Covilhã a cidade, justificava o acto pela relevância
alcançada pela indústria de lanifícios: “(...) Atendendo a que a mesma vila é uma das
populações do Reino que mais se tem distinguido pela fecunda iniciativa dos seus
habitantes, na fundação e aperfeiçoamento de muitos e importantes estabelecimentos
fabris, cujos produtos podem já disputar em primazia com os das fábricas estrangeiras
mais acreditadas pelo seu desenvolvimento industrial (...)”»134
. Confirmada pelas
conclusões do Inquérito Industrial de 1881, nesta altura, no concelho da Covilhã
132
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de
fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 278-281.
133 Idem, p. 282.
134 Idem, p. 283.
73
existiam «17 fábricas completas, 55 incompletas e outras 55 consideradas “pequenas
fábricas”» (ver gráficos 1 e 2, Anexos, pp. 322-323). À data, as empresas José Mendes
Veiga Sucessor e a Campos Mello & Irmão eram as mais estimadas.135
No seu encalço estava o distrito da Guarda com 27 estabelecimentos fabris.
«Produziam-se sobretudo tecidos de baixa qualidade (palmilhas), saragoças, borelinas e
algumas baetas, bem como chales e mantas», escreve Elisa Pinheiro. Também no plano
da maquinaria, segundo o mesmo inquérito de 1881, a Covilhã estava na dianteira
(apresentada como excepção) com maquinismos «“dos mais aperfeiçoados, procedentes
em geral da Bélgica, França e Inglaterra” (...)», e os operários covilhanenses com o
conhecimento e o à-vontade necessários para o exercício das suas tarefas, começando
desde crianças a ser instruídos em ambiente fabril. Covilhã, Guimarães e Porto
embeveciam o país industrial em diferentes áreas – lanifícios, linho e cutelaria, e
fundição de ferro respectivamente –, e em cada uma delas a liderar.136
O novo Inquérito Industrial de 1890 confirmava a distinção do concelho da
Covilhã no campo dos lanifícios, seja em número de estabelecimentos industriais ou de
operários empregados, no que respeita a níveis de produção. Deu conta, também, do
crescimento vivido no distrito da Guarda, com destaque para o concelho desta capital de
distrito (entre as freguesias de Trinta, Meios, Videmonte, incluindo a própria cidade),
tendo como catalisador a produção dos chamados cobertores de papa (mantas de lã),
que ainda hoje identificam a zona.137
Já no distrito de Portalegre, as fábricas ganham
135
Idem, p. 284. 136
Como prova, um testemunho da época: «Nos finais do séc. XIX, esta cidade a par de Guimarães e do
Porto, distinguiam-se como as únicas verdadeiramente industriais do país, como documenta o seguinte
trecho: “Hoje 1881, a não serem as grandes indústrias, que tem as suas sedes fixas em diversas terras do
reino, como, por exemplo, as dos lanifícios, na Covilhã, as de tecidos de linhos e cutelaria, em Guimarães
e as de fundição de ferro na cidade do Porto, as restantes indústrias com pequenas excepções, não
enobrecem nenhuma cidade ou vila do Reino em particular, e existem dispersas por todo o país”. [sic]»
Fonte: «Portugal. Secretaria das Obras Públicas, Commercio e Industria. Repartição de Estatística.
Comissão Central Directora do Inquerito Industrial. – Inquérito Industrial de 1881. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1881-1882. 3 partes. 1882, p. 14.» In Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana:
percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte
(Espanha), vol. I, p. 227.
137 A finalizar o século XIX, o concelho da Covilhã é descrito da seguinte forma: «Em 1890, o concelho
da Covilhã (...) tinha 93 fiações e tecelagens instaladas e 577 pequenas indústrias, 10 tinturarias e 4
pisões. Empregava 4.681 operários (97,5% dos operários totais do distritos), dos quais mais de 4 mil eram
tecelões, 48 tintureiros e 14 pisoeiros [Dados do “Inquérito industrial de 1890 – Volume III – Indústrias
74
terreno sobre a pequena indústria característica de terras alentejanas. Naquela cidade
localizavam-se fábricas como a Fábrica Nacional de Lanifícios de Portalegre – ao nível
da Fábrica Real de Panos da Covilhã, de inspiração pombalina – fundada pela Junta do
Comércio, em 15 de Julho de 1772. Conheceu diferentes gerências: em 1788 foi
arrendada por 12 anos a Anselmo José da Cruz e Gerardo Venceslau Braamcamp de
Almeida Castello Branco, e depois integrou a mesma sociedade que geria as fábricas da
Covilhã e do Fundão, composta pelos sócios António José Ferreira, Joaquim Pedro
Quintella e Jacinto Fernandes Bandeira. As privatizações das manufacturas do Estado
permitiram que D. Rosa Jacinta Larcher, viúva de José Larcher (que começara como
tintureiro na dita fábrica)138
, a tornasse sua em 1822, e que por herança fosse mantida na
família pelos filhos e genros, tornando-se na Larcher & Cunhados em 1826.
No ano de 1862, é uma sociedade anónima que detém a então denominada
Companhia da Fábrica Nacional de Lanifícios de Portalegre, correspondendo aos
fabris e manufactureiras, 1891.”]. A Covilhã possuía então 95% do total de teares da região (125
mecânicos e 1.616 manuais) e 26.515 fusos de fiação. Estes indicadores atestam a hegemonia industrial
deste concelho, comparativamente aos restantes do distrito, onde predominavam as pequenas fiações e
tecelagens em regime doméstico [sic]». Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos
e marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha),
vol. I, p. 286. «Também ao nível da produção, a Covilhã assumia uma posição de destaque, tendo, em
1889, produzido 2.194.070 metros de tecidos de lã, montante que veio a render-lhe 1.978.954$650 réis,
contra os 4.670 metros produzidos no Fundão e os 700 kg de lã cardada em Castelo Branco. No distrito da
Guarda, em 1881, a indústria de cardar, fiar e tecer lã envolvia 41 fábricas, para além da indústria caseira,
que empregava 637 tecelões. [sic]» Idem, p. 287. Quanto ao distrito da Guarda, o Inquérito Industrial de
1890 contabilizava «82 estabelecimentos industriais instalados no Distrito da Guarda. O maior aumento
verificou-se no próprio Concelho da Guarda, com 29, dos quais 26 na Freguesia de Trinta e 1 em Meios,
Videmonte e na cidade. [Dados do Inquérito industrial de 1890, 1891]. Para esta circunstância contribuiu
a industrialização intensiva da produção das mantas identificadas como “cobertores de papa” e a
instalação dos novos estabelecimentos junto ao rio Mondego, para o melhor aproveitamento da energia
hidráulica». Elisa Calado Pinheiro («Maçainhas (Guarda) na rota da lã: dos fios aos desafios» in Américo
Rodrigues [Coord.], O cobertor de papa e as campainhas de bronze de Maçainhas, Guarda, Câmara
Municipal da Guarda, Núcleo de Animação Cultural, Junta de Freguesia de Maçainhas, 2004, pp. 18-19»)
apud Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de
fronteira, p. 288.
138 Idem, p. 290. José Larcher era de proveniência francesa. O seu modesto posto inicial (de tintureiro)
deu lugar, mais tarde, a uma associação com Francisco Mailhol e Manuel Pereira Guimarães para fazer
nascer a Fábrica de Lanifícios de Cascais. Francisco Mailhol deixou, também, impressões pela Covilhã,
ao instalar as primeiras rodas hidráulicas na Fábrica de António Pessoa de Amorim.
75
edifícios de Portalegre (na Corredoura de Baixo), aos do sítio de Água do Souto e aos
dos Olhos de Água, em Marvão. A sua vida útil termina em 1868, sem capital para que
as tentativas de reactivação vingassem. Em Portalegre, de referir também a firma
Larcher & Sobrinhos, fundada em 1818 por José Larcher, que ocupava o extinto
Convento de Santo António com um corpo de trabalho de 105 operários; «as fábricas de
Andrade & Larcher, fundada em 1843, de Manuel de Jesus Costa, em 1856, ambas
equipadas com máquina a vapor, bem como as fábricas da Viúva Serejo & Filhos e de
António Filipe Larcher, em Marvão, que empregava 24 operários». Para encerrar esta
caracterização da indústria laneira além Tejo, e apenas como curiosidade, também nos
distritos de Évora, Beja e Algarve se labutava na indústria de lanifícios, intercalada com
a tecelagem doméstica.139
A indústria portuguesa do século XIX é qualificada, no cômputo geral, como
fragmentada e rural. Dominam as oficinas e a pequena e a média indústria, muito
atentas aos mercados mais próximos (regionais). Quando observadas as fábricas
completas, aquelas cuja actividade engloba todas as fases – do tratamento inicial da lã à
ultimação do tecido –, regista-se «uma minoria no tecido industrial português,
merecendo destaque, na Beira Interior, o caso da Covilhã».140
1.2.4. A campanha industrial e a queda: o século XX
«“Cada século aportava novos aperfeiçoamentos à tecelagem e levantava novas fábricas nas
margens das duas ribeiras que desciam da serra, contando, a um lado e outro da cidade. (...) /
A indústria ia crescendo sempre. Agora não eram grandes apenas a casa do deus dos homens e
as casas das fábricas: ao lado destas, outras casas grandes tinham surgido – as residências
dos industriais. E todo o país falava da prosperidade da Covilhã.” [sic]» (Ferreira de Castro, A
Lã e a Neve, 1990, Pórtico)141
Os recursos naturais, a predisposição das populações e as actividades que ali
decorriam naturalmente (como a transumância) lançaram a Covilhã, Gouveia e
Manteigas no esquema de industrialização do país, onde se verificou, no trânsito do
século XIX para o século XX, um certo crescimento. Esse estado de graça deveu-se,
entre outras razões, à «forte mobilidade social», que Elisa Pinheiro considera ser
«paradigmática na Covilhã». Também à referida mobilidade prestou contas o processo
139
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de
fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 290.
140 Idem, p. 291.
141 Idem, p. 291.
76
de industrialização dos lanifícios. Ao estilo português, eram «os selfmade industrial».
«Na primeira década do séc. XX, os lanifícios constituíam, logo a seguir à
indústria do algodão, a principal indústria do país, quer em mão-de-obra, quer em
capital investido.»142
Veja-se o algodão a reunir preferências e a ocupar um lugar
privilegiado. A par disso, a instauração do regime republicano trouxe mudanças sociais
e industriais, como o movimento operário, por exemplo, a reivindicar melhores
condições de habitabilidade, trabalho e remuneração. Em 1911, na Região Centro
(visando os distritos de Viseu, Guarda, Coimbra e Castelo Branco), o Livro de Actas das
Assembleias Gerais da Associação Industrial e Comercial da Covilhã contabilizava 160
estabelecimentos e 6037 operários. A Covilhã sofrera, nesta altura, um decréscimo;
sendo no seu concelho 91 empresas, das 95 do distrito, que empregavam 3012
operários. A energia dividia-se entre os 30 motores a vapor, os 24 motores de explosão e
os 79 motores hidráulicos. No distrito da Guarda eram 57 fábricas, aquelas que o
Inquérito Industrial de 1911 revelava, adiantando-se às «8 fábricas de lanifícios em
Lisboa (...) e, por fim, 2 fábricas, em Nisa e Portalegre, onde laboravam 157
operários».143
O infortúnio civilizacional da I Guerra Mundial (1914-1918) foi para a indústria
regional portuguesa uma oportunidade de incremento. Foi solicitada para a exportação
de produtos (dado que os conflitos condicionavam a produção industrial dos países que
sofriam mazelas mais profundas) que tinham como componente principal a lã – era o
caso dos cobertores – e que eram produzidos em grandes quantidades.144
No entanto, a
estabilidade da actividade vai variando de acordo com os acontecimentos que se
sucedem. O término da guerra surge, nesta fase, como motivo de fragilização. Quando,
internacionalmente, os concorrentes se empenhavam na recuperação; internamente,
questões sociais e laborais resultavam, em alguns casos, no encerramento de fábricas.
142
Idem, p. 294.
143 Idem, p. 294. A caracterização da Indústria da região Centro, do início do século XX, feita por Elisa
Pinheiro, tem como suporte o «Livro de Actas das Assembleia Gerais da Associação Industrial e
Commercial da Covilhan (1 de Setembro de 1889 a 13 de Fevereiro de 1908). Arquivo da Associação
Nacional dos Industriais de Lanifícios, ANIL, Covilhã. N.º 79, 1912 e N.º105, 1916. [sic]»
144 Os lanifícios da Covilhã na imprensa da altura: «A revista ABC, em Junho de 1922, no número
especial dedicado à Covilhã, apelida-a de “cidade colmeia” e apresenta-a como “exemplo de quanto pode
a energia e a actividade, laboriosa e fecunda duma cidade de honradas tradições de trabalho e
progresso”». Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território
de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 295.
77
Com o Estado Novo, a partir de 1926, a forma de intervir omnipresente e
omnisciente concentra no poder executivo o controlo da actividade industrial, perante
um sector em falência e mercados paralisados. Fala-se de corporativismo de Estado e
não de associações, de reforço de medidas proteccionistas (1927) relativamente aos
lanifícios com o objectivo de travar importações de produtos similares, e de apoio a
outros dois sectores também carentes, como as moagens e as conservas. Esta visão
pragmática, rememora Elisa Pinheiro, previa o estímulo dos chamados «“acordos
intercorporativos”» entre empresas do mesmo sector ou com interesses compatíveis,
tentando que as empresas não actuassem sozinhas para que a concorrência não fosse um
problema e o mercado fosse receptivo a todas. Da mesma forma que a «“perversidade”»
do mercado poderia minar algumas empresas, assim que outras criassem condições para
se desenvolver a um outro ritmo, a perversidade da lei impedia que este segundo caso
sucedesse.
O condicionamento industrial estabelece que qualquer empresa «depende de
autorização governamental para a concessão de licenças para o estabelecimento de
novas instalações e para a montagem ou substituição de equipamentos fabris, bem como
para a reabertura de unidades encerradas e a concessão de patentes».145
Houve tentativas
de cartelização, como o ensaio na Covilhã, no ano de 1931, pretendendo associar os
proprietários de indústrias de lanifícios. Esse ensaio aconteceu na Secção de Lanifícios
da Associação Industrial Portuguesa com o intento de «“reivindicar que o Estado se
encarregue dos custos sociais e económicos da concertação de empresas, organizando
um cartel, ou Grupo Económico, com autoridade para disciplinar todo o circuito da
produção de lã até à venda do produto final ao consumidor”, competindo-lhe,
igualmente, restringir o fabrico artesanal».146
145
Idem, pp. 297-298.
146 À explicação de Nuno Luís Madureira, Elisa Pinheiro acrescenta que, em 1934, os Governadores Civis
de Castelo Branco e da Guarda geraram no seio dos industriais de lanifícios portugueses a necessidade de
se organizarem corporativamente. A reunião, na qual foi apresentada a proposta de criar uma «federação
de grémios dos indústriais [sic] de lanifícios», aconteceu em Lisboa, no dia 29 de Janeiro desse ano, na
sede da Associação Industrial Portuguesa. A conjugação de interesses promovida por alguns
empreendedores fabris – João Megre, Francisco Pinto Balsemão («sócio fundador da empresa “Patrício &
Balsemão, Lda”, na Guarda, iniciada em 1901»), Albano de Sousa e João Ubach Chaves –, jogada no
período de 1934-1936, resultou, em tempo de Estado Novo, na «criação da Federação Nacional dos
Industriais de Lanifícios, FNIL, cuja orientação, como bem sintetiza Nuno Madureira, “consolida pela
primeira vez, no interior do sistema corporativo, o ponto de vista da grande manufactura em detrimento
78
O dirigismo do Estado nem sempre foi eficaz no «equilíbrio» da produção em
grande escala – que o Grémio da Covilhã assumira, dispondo das «modernas fiações de
penteado» – e da produção em pequena escala dedicada a peças de menor qualidade,
congregada «à volta dos Grémios de Gouveia e de Castanheira de Pêra», alerta Elisa
Pinheiro. O condicionamento industrial foi introduzido (pela promulgação do decreto
n.º 19 354, em 14 de Fevereiro de 1931)147
apenas em fiações, e por intermédio dele
pretendeu-se «redimensionar a indústria, fomentando a “concentração, combater o
fabrico disperso, o trabalho a feitio e dar às empresas uma dimensão adequada”»,
concretiza Madureira. Muitos teares em madeira («de pau») manuais foram extintos
pela lei, substituindo um determinado número deste tipo de instrumentos de trabalho,
caducadas as suas capacidades, por alvarás para teares mecânicos.
Em 1930, o distrito do Porto sobressaía no conjunto das empresas têxteis
nacionais, sendo seguido pelos distritos de Castelo Branco e Guarda. Na Beira Interior:
Covilhã, Castelo Branco e Guarda continuavam a dominar o sector.148
Mas não tardou o
dos pequenos produtores dispersos”». Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e
marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha),
vol. I, pp. 297-298. 147
Em 4 de Março de 1931 é aprovado o regulamento do Condicionamento Industrial, ao qual, entre
outros, estivera sujeita a tecelagem de lãs. A partir de 17 de Maio de 1937, a Lei do Condicionamento
Industrial é a Lei n.º 1956. Condicionamento Industrial in Fundação Mário Soares, Arquivo & Biblioteca,
Lisboa. (Disponível em
http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/pesquisa?pesquisa=Condicionamento%20Industrial, acedido em
14 de Outubro de 2011, às 01h19.)
148 De acordo com o Boletim do Trabalho Industrial, N.º 150, de 1931, «em 1930, a actividade da
indústria têxtil nacional, compreendia 877 estabelecimentos que davam trabalho a 37.917 operários. O
distrito do Porto liderava, com 235 empresas no sector (27% do total de empresas têxteis) e com 18.192
trabalhadores (48% do pessoal), seguindo-se, em número de empresas, o Distrito de Castelo Branco, no
qual existiam 153 (17%) e o Distrito da Guarda, com 104 (12%). Só depois surgiam os distritos de Braga
e Lisboa [...]». Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território
de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, pp. 298-299. Desta
forma, a Beira Interior, por uma diferença percentual pouco significativa comparativamente à do distrito
do Porto, «reunia 29% do total de empresas têxteis do país, distribuídas principalmente pelos concelhos
de Covilhã, Castelo Branco e Guarda». Idem, p. 299. A empregabilidade na área, por esta altura, atingia
os seus picos nos distritos de Braga e Lisboa, com um número de «mais de 5 mil operários cada, ao passo
que o Distrito de Castelo Branco empregava 3.056 operários, dos quais 2.930 (96% do pessoal do distrito)
trabalhava na Covilhã, e o Distrito da Guarda contava com 1.603 trabalhadores constituindo o Concelho
de Gouveia o maior empregador distrital, atingindo os 1.000 operários». Idem, p. 299. Em relação a este
79
aparecimento de outros contribuidores activos na vida industrial destas localidades.
Novos confrontos de efeitos devastadores e com implicações internacionais ocuparam o
continente europeu – a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a II Guerra Mundial
(1939-1945) – e resgataram os lanifícios da região à semelhança do que acontecera em
1914-1917, observando-se uma procura acentuada de fardamentos militares.
Apesar das flutuações de desenvolvimento da indústria têxtil na Beira Interior,
fruto dos mais diversos condicionalismos que se foram enumerando, Elisa Pinheiro
regista que, entre 1881 e 1943, o número dessas infraestruturas aumentou (ver gráfico 3,
Anexos, p. 324), cabendo à Covilhã, no início dos anos de 1940, «60% da produção
têxtil nacional».149
E, apesar do crescimento bicéfalo do país (Lisboa e Porto), é o
distrito de Castelo Branco, com o valoroso contributo da Covilhã, o maior empregador
nacional. Em 1943, na região, dominam já os motores eléctricos, ao contrário de 1911,
quando prevaleciam as rodas hidráulicas, seguidas do vapor e dos motores de explosão.
Este discurso contempla, em dadas circunstâncias, uma densa componente
numérica e percentual, mas relevante na análise da evolução da Covilhã enquanto
cidade e da Covilhã como concelho, integrada na região da Beira Interior e no trajecto
laneiro que incluía o Alto Alentejo, no âmbito nacional e até internacional. 1971 é já
indicador de uma queda, traduzida num número de fábricas têxteis covilhanenses
inferior ao da década de 1940. As mudanças multiplicaram-se rapidamente com a
adesão de Portugal à Associação Europeia de Livre Comércio (AELC, em português;
EFTA, no original, European Free Trade Association), em 1960, e, como consequência,
último, e destacando o concelho (da Guarda), são os 95 estabelecimentos industriais que importa também
referir no âmbito de uma contextualização e comparação regionais, repartidos da seguinte forma: «nos
Trinta, 46 estabelecimentos; em Vale de Estrela, 12; em Maçainhas, 23; em Meios, 12; em Pêro Soares, 1
e, na Guarda, 1». Idem, p. 300.
149 A constatação fundamenta-se na Estatística Industrial de 1943, realizada pelo Instituto Nacional de
Estatística em 1945, que, olhando a planificação nacional de fábricas de lanifícios, destaca o concelho da
Covilhã com «132 fábricas, de um total de 404 empresas, o equivalente a 33% das fábricas de Portugal e
a 40% dos trabalhadores de lanifícios do país. A região da Serra da Estrela, abrangendo a Covilhã, Guarda
(62 empresas), Seia (18 fábricas) e Gouveia (15 fábricas), assume-se como o principal centro de lanifícios
do país». Idem, pp. 300-301. «Em 1945, existiam na Covilhã 140 fábricas que empregavam mais de 6.000
operários. Em 1954, contabilizavam-se 310 industriais, com 1.334 teares mecânicos e 723 manuais,
contando-se mais de 7.000 operários.» Também a demografia foi generosa com a Covilhã em 1960: «O
concelho ultrapassa pela primeira vez os 70 mil habitantes, constituindo o maior centro populacional da
Beira Interior». Idem, p. 302.
80
a década de 1970 traz maior exposição a outros mercados e maior concorrência.
Segundo o Relatório de 1973150
, a indústria portuguesa de lanifícios «é
deficientemente estruturada, acusando carências significativas ao nível das condições
técnicas e dos elevados custos de produção». «Acusava-se então o predomínio de
pequenas e médias empresas – 75% das fábricas empregavam até 50 operários e só 43
empresas compreendiam mais de 100 operários – e a escassa modernização dos
equipamentos como os seus mais acentuados pontos fracos. Apenas 1% dos teares eram
automáticos, muito longe dos 27% da França, dos 31% da Dinamarca ou dos 34% da
Suíça», esclarece Elisa Pinheiro.151
O 25 de Abril de 1974 recuperou a democracia, mas
foi novo mote para instabilidade (entre conflitos laborais, greves e plenários) e crise
para a indústria de lanifícios, privada do «proteccionismo aduaneiro», dos «baixos
custos salariais» e do «mercado colonial». Isto culminou na perda de várias empresas.
Em 20 de Dezembro de 1974 nasce a Associação Nacional dos Industriais de
Lanifícios (ANIL), composta por 20 industriais de lanifícios da Covilhã (onde ainda tem
sede) e de localidades ligadas ao sector. Porém, a segunda metade do século XX revela
uma indústria de lanifícios portuguesa incapaz de se organizar e de se coordenar, e
retraída num contexto europeu. Essa gravidade não era negada pelos dados do Relatório
de 1973. Pelo contrário, com eles tomou-se consciência de que fiações e tecelagens
laboravam com parcos recursos, e de que a maquinaria se encontrava desactualizada (a
maioria anterior ao final da II Guerra Mundial152
) e desajustada à prática, o que não
permitia uma total nem rendosa exploração do material. Os salários praticados estavam
abaixo da média europeia, mas aliviavam custos de produção.
Seria necessário empreender uma transição acautelada de uma situação de
política de interioridade, de proteccionismo (condicionamento industrial), para um
cenário mais hostil, implicando firmeza do mercado interno e neste a habituação a uma
certa competitividade, a qual seria constante num ambiente externo. É criada legislação
no sentido de fomentar a indústria, de que é exemplo o Artigo 10.º do Projecto Diploma
Legislativo da Reorganização da Indústria de Lanifícios, que previa «a criação de Zonas
150
Resultado da acção da Comissão de Coordenação de Planeamento da Região Centro para a
Reorganização da Indústria de Lanifícios e a Criação de Novas Indústrias na Cova da Beira, em 1973.
Idem, p. 302.
151 Idem, p. 303.
152 Quer isto dizer concretamente que «75% do equipamento das fiações de penteado e de cardado e 87%
do equipamento das tecelagens eram anteriores ao fim da 2.ª Guerra Mundial». Idem, p. 303.
81
Industriais de Lanifícios nos concelhos com tradição têxtil laneira e com abundância de
mão-de-obra e técnica especializadas, onde existisse também a possibilidade de manter
uma escola de formação profissional de operários têxteis»153
. Apesar do desfalecimento
da Covilhã, no que diz respeito ao sector em causa, nos últimos anos analisados, a
cidade foi ainda considerada «“Pólo de Desenvolvimento Industrial”», enquanto lar de
113 empresas de lanifícios. De acordo com o Grémio da Covilhã, só «9 representavam
mais de 50% da actividade laneira local».154
«[...] precipitou um desfecho há muito anunciado,
transformando uma vigorosa cidade,
até então programada pela cadência ritmada
dos estridentes chamamentos das sirenes das fábricas,
num espaço social depressivo.»155
O (excerto do) comentário de Elisa Pinheiro à trama covilhanense actual não
diferirá do de qualquer outro habitante (sobretudo se figurino de tempos idos). Partindo
destas palavras desfere-se o findar desta abreviada caracterização. A fácies e o espírito
de edifícios, de ruas e de autóctones perdem-se, nos tempos que correm, em assuntos
que se foram desligando da indústria da lã, embora, como se comprovará, tenham
surgido formas de manter presente a sua herança.
«O modelo de desenvolvimento industrial implantado na região assentou no
integral aproveitamento da energia hidráulica», evidencia Elisa Pinheiro. Esta frase
clarifica a base de apoio do percurso da indústria e o modo como lidaria com as
diferentes contrariedades e estímulos. Foi junto às ribeiras, encarreiradas nos vales que
as ladrilhavam, que surgiam unidades fabris, utilizando a água para a lavagem de lãs e
panos, e para a produção de energia. Os disputados sítios ribeirinhos tinham a
153
Idem, p. 304.
154 Operários e máquinas, no plano dos números, entre 1940 e 1970: «Relativamente ao número de
operários, verifica-se, para o periodo considerado, um contínuo aumento de efectivos, quer na Covilhã,
quer no total do país. Em 1973, a Covilhã registou o valor máximo, atingindo os 8.710 trabalhadores,
constituindo 36% do total, contrariamente aos 44% existentes em 1950. No que respeita ao número de
máquinas operatórias em actividade, no caso específico dos teares mecânicos, a Covilhã, até 1960, detém
sempre mais de 50% do total destes maquinismos, chegando a atingir os 54%, em 1940. Em 1970, são
1.770 os teares mecânicos da Covilhã, 44% dos totais.» Idem, p. 304. (Ver gráficos 4, 5 e 6, Anexos, pp.
325-327)
155 Idem, p. 228.
82
contrapartida da morfologia escarpada que se opunha a uma coerente e produtiva linha
de fabrico. Seguiram-se desafios de produção, de transporte e de armazenamento dos
produtos, bem como de relacionamento com os mercados, a tecnologia e a(s) política(s),
considerando as idiossincrasias das épocas.
No terceiro quartel do século XX, a falibilidade (da produção de tecidos) da
cidade revelou uma queda de quase 50 por cento da sua produção a nível nacional num
período de 30 anos (entre 1940-1970) e uma severa perda de influência no sector.156
As
justificações centram-se no «esgotamento do modelo económico de mono-
industrialização», que até à data vigorava nesta localidade, e na «perda de
competitividade industrial da cidade, face à emergência de novos pólos industriais, em
consequência da abertura de novas áreas económicas e novos mercados»157
. Esta
situação crítica tornou-se mais visível no final da década de 1950, agravando-se no
decorrer dos anos de 1960. Elisa Pinheiro destaca ainda a crise energética no início da
década de 1970; o regime político e as respectivas medidas proteccionistas, que
«encapsularam» a indústria e «que lhe empalideceram o vigor que a caracterizara até às
primeiras décadas do século XX»; a ruptura das relações comerciais com as colónias,
das quais várias empresas covilhanenses dependiam; e a questão salarial (os aumentos),
que, em conjunto, transfiguraram a orgânica da cidade, impondo-se uma conversão de
arquétipos económicos e sociais filiados na «mono-industrialização e na pulverização
empresarial».
Assim, apresentavam-se para a indústria local incentivos como um «“Parque
Industrial do Pólo de Desenvolvimento da Covilhã”, um Centro Técnico de Cooperação
156
Convertendo as palavras em números: «Sublinhe-se ainda que a produção de tecidos da Covilhã, em
1940, representava 60% da produção nacional. Este valor veio sucessivamente a decrescer, tendo passado,
em 1950, para 51,3%, em 1960, para 47,7% e, em 1970, para 35,6%. A falta de competitividade da cidade
acentuou-se ao longo de todo este período, uma vez que, concomitantemente, se foi registando um
aumento do número dos efectivos ocupados na indústria. Assim, enquanto, em 1940, estes representavam
31% do total nacional, em 1950 aumentaram para 44,1% e, em 1960, desceram ligeiramente para 43,9%.
Quando, em 1970, se tentou realizar uma última reestruturação e modernização, o peso da mão-de-obra
passou para 36,4% daquele total.» Fonte: «Portugal. Comissão de Planeamento da Região Centro –
Reorganização da Indústria de Lanifícios e a criação de novas indústrias na Cova da Beira: relatório
apresentado pelo sub-grupo da Indústria do Grupo de Trabalho n.º 6 – Cova da Beira. Coimbra: CPRC,
1973. (1973: 19-20)» In Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um
território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 228.
157 Idem, p. 228.
83
Industrial e um Centro de Formação e Reconversão Profissional e a instalação de
indústrias complementares, como as de fabrico de teares e de metalurgia» para que,
combinados, se pudesse reorganizar, reconverter e diversificar essa indústria.158
Mas a
década de 1980 foi penosa para o concelho, com uma baixa de cerca de 4000 postos de
trabalho. Mais adiante, estreava-se o milénio seguinte com o encerramento de 23
empresas têxteis no concelho da Covilhã. A confirmá-lo estão as carismáticas Campos
Mello e Nova Penteação e Fiação de Lãs. No entanto, a produção realizada no romper
de 2000 surpreendeu aquela que foi registada no período mais próspero do sector, no
século XX, ultrapassando-a. Da ANIL, 17 empresas estavam sediadas no concelho da
Covilhã, de um total de 38 agremiadas, que percentualmente correspondia a «45% das
fábricas de lanifícios nacionais».159
A tentativa de fazer perdurar a ligação com a indústria de lanifícios
«subsistente», mais próxima dos ditames inovadores que se foram impondo, não
invalidou a necessidade de um novo plano de desenvolvimento. Não
despropositadamente, a Covilhã passara a ser uma cidade universitária e a apostar no
sector terciário. Regiões tradicionalmente dedicadas à lã (não só a Covilhã, mas também
as demais que compunham o mecanismo produtivo têxtil da região da serra da Estrela e
Alentejo) sofreram os constrangimentos decorrentes da redefinição de prioridades do
sector. A «globalização» foi e é um fenómeno que desencadeia mudanças, algumas
compulsivas, por isso tão recorrente na explicação da alteração de vivência da antiga
Manchester portuguesa (como foi designada), que se viu a competir com o Leste
europeu, o Norte de África e alguns países asiáticos. A propósito destes novos
intervenientes, que Rota da lã Translana não podia ignorar, os homens têm-se ocupado,
em tempos recentes, de fenómenos e mudanças frequentemente comprimidos em
expressões como «mundialização da economia», «globalização da informação»,
exigência de «especialização» constante e profunda, e a necessidade de tecnologia de
charneira que reconfigure os paradigmas do desenvolvimento económico. A ansiedade
158
A investigação de Ana Catarina Pereira (Estudo do tecido operário têxtil da Cova da Beira, 2007, p.
44) revela que «um relatório do Ministério da Indústria e Tecnologia, de 1977, considerava que a
importância da indústria têxtil em Portugal era ainda superior à de qualquer outro país da Europa,
constituindo cerca de 1/5 do produto industrial e mais de ¼ do emprego industrial». In Elisa Calado
Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior
(Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, p. 307.
159 Idem, pp. 307-308.
84
que as expectativas impõem exige acção por parte dos países e regiões no sentido de se
actualizarem ou de encontrarem formas alternativas que lhes permitam não ser
excluídos da «aldeia global» e integrar os circuitos de «interdependência».
«A Beira Interior que, ao longo do tempo, estruturou a sua indústria em
condições peculiares, através da existência de um sector de (sobre) especialização e de
uma identidade própria territorializada, centrada na Covilhã, cidade da lã e cidade-
fábrica, constitui ainda hoje uma das mais paradigmáticas regiões industriais
portuguesas e europeias. Dela resta um impressivo património, comum aos seus
diversos pólos industriais, que requer uma intervenção de salvaguarda à dimensão da
história industrial que condensa.»160
A propriedade destas palavras sobre a Beira
Interior, e concretamente sobre a Covilhã, não ignoram a importância de outros locais.
Extrai-se delas a essência que justifica o interesse em prosseguir o estudo desses locais
neste trabalho, agora enfiados no termo património que se repetirá com assiduidade.
1.3. Breves apontamentos para uma contextualização sobre manifestações
artísticas na Beira Interior e Alto Alentejo entre os séculos XVII e XXI
A grande indústria laneira da Beira Interior e Alto Alentejo nasce de uma prática
artesanal que predominava por estas regiões do Interior português. O à-vontade com a lã
já existia, tratou-se, depois, de dotar os artesãos de conhecimentos e instrumentos para a
tornar numa actividade industrial e fazê-la vingar. É frequente encontrar-se em várias
obras, e, mais ainda, no vocabulário daqueles que testemunharam esse quotidiano,
expressões como «artes técnicas» ou terminologia como artífice e artesão (que o
artesanato preserva). A ideia que a indústria têxtil sugere, enquanto tal, é precisamente a
de máquina, maquinismo, técnica, sem a alusão imediata a um intento criativo. Talvez
antes complementar, sobretudo actualmente com o design de moda e de interiores.
Contudo, as manifestações estéticas nos locais designados, que encontraram na indústria
e na lã a sua motivação, não estão academicamente tratadas a um nível de profundidade
que permita, nesta fase, incluí-las de forma generosa.
A cidade da Covilhã, por exemplo, foi seduzida, de acordo com vestígios, por
uma iconografia que não foi alheia ao espírito fabril. São os mercúrios, as minervas, as
rodas dentadas, os leões, os santos protectores que zelavam por operações de fabrico
160
Idem, p. 308.
85
várias (é exemplo Sant’ Ana) a tomar forma nas representações escultóricas em praças e
ruas, em fachadas de palacetes e edifícios fabris. Também se encontravam, com
frequência, estatuária e painéis alusivos aos lanifícios e que embelezavam fábricas e
edifícios públicos. Já a decoração de interiores (de habitações urbanas) se tinha rendido
também às formas apelativas, e decerto exóticas, de apetrechos como fusos de tear.
Acima de tudo, símbolos, emblemas, marcas da actividade a que dedicavam as suas
vidas, aquilo que distinguia as suas famílias, como heranças do seu quotidiano.161
Esta investigação pouco se cruzou com estudos artísticos directamente
relacionados com a indústria têxtil e/ou a lã. Algumas referências deste foro, ainda que
apenas relativas à Covilhã, constam do parágrafo anterior. Quando o assunto é Guarda e
Portalegre, a intervenção não deverá ser tão sucinta – entre o cobertor de papa (Guarda)
e a tapeçaria de Portalegre (Portalegre) há uma participação artesanal (em ambos, com
as respectivas variações na funcionalidade e utilização) e artística/decorativa (sobretudo
no segundo) que merece ser analisada. Isso acontecerá adiante neste trabalho. Agora,
segue-se um punhado de menções a algum património artístico que partilhou parte do
período estudado e que é revelador de pedaços da arte local.
Vítor Serrão, Maria do Carmo Mendes e Ricardo J. Nunes da Silva apuraram
que «a cidade da Covilhã não tem sido especialmente valorizada pelo seu património
artístico, quando esse acervo preserva bons testemunhos de arquitectura e equipamento
decorativo das épocas gótica, renascentista, maneirista e barroca, dignos da atenção dos
estudiosos e a merecer ser valorizados em termos turístico-culturais»162
. Esta equipa de
investigadores encontrou no Salão dos Continentes (restaurado em 2002), na Casa das
Morgadas, a presença do espírito artístico da Idade Moderna. A Casa das Morgadas é
um antigo solar do século XVIII (ou ainda de finais do anterior), situado na Rua
Alexandre Herculano, no âmago de uma urbe de industriais, de operários, de teares, de
lãs e de panos. Faz parte do centro histórico da cidade e é agora a sede local do Partido
Comunista Português (PCP).
É pintura barroca, a que preenche o Salão dos Continentes, «de nível secundário,
161
Elisa Calado Pinheiro in Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Catálogo do Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade
da Beira Interior/Museu de Lanifícios, Abril de 1998, p. 47.
162 Vítor Serrão, Maria do Carmo Mendes, Ricardo J. Nunes da Silva, «As pinturas do Salão dos
Continentes na Casa das Morgadas e a arte na Covilhã no início do século XVIII» in Covilhã, a cidade-
fábrica. Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, p. 76.
86
reveladora de um gosto arcaizante e de um pincel discreto», que dirá respeito ao final do
século XVII ou inícios do seguinte, segundo o colectivo. Contudo, é a temática
alegórica que se destaca por revelar quais os interesses e o tipo de representação
pictórica, por esta altura, nesta zona. Os «continentes, no centro do tecto, e, aos lados,
evocações de países, em visão livre, com arquitecturas e fantasia (algumas de sabor
oriental), paisagens oníricas, trechos vivos do quotidiano, figuras zoomórficas com
“sentido de retorno” (papagaios, camelos, aves exóticas, etc.) e citações mitológicas (o
unicórnio, etc.)»163
constituem o conjunto de cenas representadas. Em clara alusão ao
portento imperial europeu, às conquistas epopeicas e aos novos mundos, mostrava-se
assim uma das famílias abastadas da vila. Era uma expressão especulativa apoiada na
imaginação para criar uma realidade nem sempre experimentada, não surpreendendo,
por isso, tal descrição e interpretação do programa adoptado.
O trabalho realizado (por exemplo, revestimentos) em conventos, igrejas e em
residências apalaçadas (solares, normalmente ocupados pelas famílias de industriais
proprietários), como foi o caso descrito, era mostra da «onda de modernização possível
que, sob o signo do Barroco, buscava adequar a Covilhã às novas circunstâncias
industriais»164
. O proveito que esta classe social tirava da indústria têxtil – supõe-se que
os Cardoso Tavares, a este propósito – manifestava-se, em certos casos, numa espécie
de incentivo a «manifestações artísticas prestigiantes», reforçando a ideia de poder e
opulência.165
Arte e poder corporificam um duo que tem conhecido forte atracção e
compatibilidade, de tal forma que se pode concluir que «a decoração constituiu um
testemunho prestigiante numa fase de apogeu da indústria de têxteis na região»166
.
Ainda que o ritmo, a quantidade ou as condições de execução não fossem
coincidentes com as de outras regiões, existem marcas daquilo que cada época produziu
163
Idem, p. 76.
164 Idem, p. 77. Parafraseando o elenco de historiadores da arte que se debruçou sobre os referidos painéis,
Manuel Pereira de Brito é o nome que se encontra associado à pintura a óleo e dourado neste período e
nesta localidade, e com frequente aparição em documentação, além de ser o «único pintor com oficina
aberta na vila» e com ligações à família Cardoso Tavares. Daí a sua associação às intervenções na Casa
das Morgadas, na capela-mor da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, do antigo convento de São
Francisco (Covilhã), e nas capelas de Sarzedo e Teixoso, unindo-as um estilo comum – apesar de não ser
um artista com reputação acima daquela que os investigadores identificaram como «provincial». Idem, p.
78. 165
Idem, pp. 76-79.
166 Idem, pp. 76-77.
87
no âmbito artístico. Assim foi também no Interior. Diz José Manuel Fernandes que «a
arquitectura ligada à indústria mostrou algum dinamismo, na continuidade com o século
anterior, com ocorrência de edificações onde o gosto formal se sobrepôs aos itens
funcionais e estruturais de Oitocentos. Um exemplo nítido desta tendência é a fachada
da antiga fábrica da Empresa Transformadora de Lãs, com frontão curvo de azulejaria
policroma, com átrio de igual tratamento, e portão datado em 1920»167
, a propósito das
edificações relacionadas com a indústria têxtil que nasceram na Covilhã.
Aproveitando a aura industrial, faz-se aqui um pequeno apontamento sobre uma
das casas de habitação encomendadas por uma das famílias ligadas ao sector têxtil.
Trata-se do Palacete Jardim, com projecto de Ernst Korrodi para José Maria Bouhon,
proprietário da Fábrica do Sineiro, em cerca de 1915-1920. É um exemplar estético de
destaque e resultado da presença da Arte Nova (em tão fugaz existência em Portugal) na
cidade da Covilhã. No exterior, a habilidosa composição arquitectónica e escultórica,
«veiculando uma determinação urbana, mas adoptando um formulário próximo da Arte
Nova», o qual é repetido na decoração interior. Sob o epíteto «casa-jardim», é também
manifesto do romantismo pela conciliação das especificidades do granito, do ferro, do
mármore e do azulejo. Mais é dito que «os capitéis trabalhados no varandim e no
alpendre, as formas claras denotam-se na articulação de volumes e beirados, elementos
decorativos nas molduras dos vãos, na varanda de ângulo e no vão em forma de óculo
com um certo enquadramento maneirista. A bow-window e o varandim da fachada
principal e as varandas das restantes fachadas dão o aspecto de uma superfície semi-
circular. Sublinhe-se a riqueza dos frisos e dos painéis de azulejos que impregnam a
fachada, de ladrilhos brancos, de um colorido fulgurante (...).»168
Já a caminho de meados do século XX, outra zona torna-se proeminente pela
intervenção arquitectónica aí realizada. A Praça do Município da Covilhã absorve o
espírito arquitectónico e urbanístico estado-novista. As linhas rectangulares «nobres e
167
José Manuel Fernandes, «Covilhã, uma leitura de síntese: estrutura urbana, conjuntos edificados e
arquitecturas, sua evolução» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009,
pp. 46-47.
168 Descrição pormenorizada de Lucília Verdelho da Costa (Ernesto Korrodi, 1889-1944, Arquitectura,
Ensino e Restauro do Património, Lisboa: Estampa, 1997, p. 276-296) apud Maria Genoveva Oliveira,
«Ernst Korrodi, percurso de vida e a sua presença na cidade da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica.
Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, p. 124.
88
até imponentes»169
deveriam cumprir os «estilos nacionais e tradicionais (...)»170
a fim
de resguardar a paisagem do chamado «“estilo moderno”»171
. Esta informação foge do
préstimo e influência empresarial e industrial têxtil, mas mostra que o também chamado
Largo do Pelourinho acompanhou a estética que o Estado empregava noutras
localidades, a qual perdurou até hoje, coexistente com a recente intervenção do
arquitecto Nuno Teotónio Pereira, no âmbito do Programa Polis. Quatro edifícios
definem o local: a câmara municipal; a estação dos Correios, Telégrafos e Telefones
(CTT); a agência da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência (CGDCP) e o
Teatro-Cine, projectos da década de 1940 e inaugurados na década seguinte. De notar
que a adornar a parede da escadaria que permite o acesso ao primeiro andar do Teatro-
Cine está uma tapeçaria – intitulada Teatro, Música e Cinema – datada de 1954, com
origem na Manufactura de Portalegre.
Na senda destas realizações, outra se impõe: o Sanatório da Covilhã (ou
Sanatório das Penhas da Saúde), promovido pela Companhia de Caminhos-de-Ferro
Portugueses (mais concretamente pela Comissão Administrativa dos Sanatórios para
Ferroviários Tuberculosos). Na obra inaugurada em 1944 (com começo em 1930) é o
nome de Cottinelli Telmo que sobressai. Aqui encontramos, novamente, o fundamento
da construção e da estética de Estado Novo: o aspecto monumental da entrada principal
«com uma teoria de pilastras em cantaria e um insólito frontão de extraordinária
inclinação, polvilhado com pináculos de evocação historicista»; o ornamento, a
encenação e o barroco concretizados na seguinte pormenorização: «A escadaria exterior,
ziguezagueante e cenográfica, concentrava nas cantarias de desenho barroquizante a
principal carga ornamental do conjunto». E, não esquecendo, perante esse revivalismo,
o confronto e a reflexão sobre a forma rectangular e mais austera, e a utilização do ferro
e do betão. Tecnicamente trata-se do facto de «o exercício de composição do edifício do
sanatório» explorar «a oposição entre estruturas reticuladas e maciças, de forma a
169
Fonte: Arquivo Municipal da Covilhã (AMC), B/A/01, Actas da Câmara Municipal da Covilhã
(CMC), livro 58, acta número 14, 4 (Abr.) 1945, p. 108. In Joana Brites, «Um uníssono a quatro vozes:
arquitectura(s) do Estado Novo na Praça do Município da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista
Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, p. 126.
170 Fonte: AMC, B/A/01, Actas da CMC, livro 55, acta número 17, 22 (Abr.) 1942, pp. 47v48. In idem, p.
126.
171 Fonte: AMC, B/A/01, Actas da CMC, livro 55, acta número 17, 22 (Abr.) 1942, pp. 47v48. In idem, p.
126.
89
produzir uma série de ambiguidades que subvertiam as relações tradicionais entre os
cheios e os vazios, entre a forma e o fundo».172
Não houve solução artística para a lã, na Covilhã, igual àquela que se encontrou
para o linho pelos albicastrenses. Neste distrito, é o bordado de Castelo Branco aquele
que mais o distingue no âmbito do artesanato, (re)conhecido pela paleta cromática
diversificada e vigorosa, tecnicamente bem executada e esteticamente apelativa.
Originalmente tinha-se como matéria-prima o «fio de seda natural (caseira) (...) sobre
vários panos de linho cru, unidos pelo “ponto de luva”», assim como em versão
monocromática «sobre o linho ou em cru ou tingido (castanho bordado a branco ou azul
bordado a amarelo ouro)».173
Parafraseando Clara Vaz Pinto (anterior directora do
Museu de Francisco Tavares Proença Júnior, em Castelo Branco), menos comuns foram
as utilizações de fio de linho, cru ou tingido, nas duas valências referidas (policromia ou
monocromia) e de fio de linho conjugado com fio de seda ou de seda sobre seda. De
«“bordado a frouxo”» passou a ser conhecido por bordado de Castelo Branco já no
século XX, da mesma forma que de «“ponto largo” ou “frouxo”» passou a «“ponto de
Castelo Branco”», que Clara Vaz Pinto diz tratar-se de uma variante do «“ponto de
oriente” ou “da Hungria” ou “de Bolonha”, etc».174
Constata-se que o «“bordado a frouxo”» passou a ser associado à região de
Castelo Branco e que por ali ficou a fama – perfilhando, por isso, o nome do distrito –,
sendo que a Beira Baixa seria a região mais fecunda deste tipo de trabalho, apesar da
sua popularidade no país e até na Estremadura espanhola. Da mesma forma se constitui
como precioso resultado da absorção de influências dos tecidos estampados e dos
«têxteis orientais, nomeadamente das designadas colchas indo-portuguesas e das
colchas chinesas» que se reflectiriam nas «matrizes e motivos decorativos».175
Contudo,
e respeitando a essência laneira desta dissertação, a evocação ao bordado de Castelo
Branco fica apenas pela referência à sua existência, pretendendo fazer notar o devido
valor que constitui para o quadro criativo, estético, decorativo e enobrecedor da região.
Quanto aos cobertores de papa da Guarda e à tapeçaria de Portalegre, estes
172
João Paulo Martins, «O Sanatório da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º
29, Julho de 2009, p. 141.
173 Clara Vaz Pinto, Bordado de Castelo Branco: catálogo de desenhos, Lisboa, Instituto Português de
Museus, 1992, p. 3.
174 Idem, p. 3.
175 Idem, p. 4.
90
resultaram não só de uma importante dinâmica económica e social decorrente dos
lanifícios da Beira Interior e Alto Alentejo, mas também cultural, pelo que merecem ser
lembrados e, tendo em conta os objectivos propostos, aprofundados neste campo.
91
CAPÍTULO II | O museu como espaço congregador: uma ponte entre
comunidade e localidade
2.1. As teorias da comunicação e a sua importância na actividade humana
«“A museologia é um modo de comunicação relativamente recente,
muito mais do que o teatro, a música ou a dança”»176
.
(Michel Côté, «Préface» in AA. VV.,
Muséo-séduction, muséo réflexion, 1992, pp. 7-9)
2.1.1. A comunicação, primeiro. Comunicar, de que se trata?
«O homem, disse-se, é um animal simbólico, e neste sentido não só a linguagem verbal mas
toda a cultura, os ritos, as instituições, as relações sociais, o costume, etc., mais não são do que
formas simbólicas (Cassirer, 1923; Langer, 1953) nas quais ele encerra a sua experiência para a
tornar intermutável: instaura-se a humanidade quando se instaura a sociedade, mas instaura-se
a sociedade quando há comércio de signos.»177
Francisca Hernández Hernández concluiu, no final da década de 1990, que o
museu é um congregador de meios de comunicação. A instituição museológica é mais
uma das consequências de comunicar, dessa importante, porque inata e necessária,
faculdade – tão primitiva quanto complexa – do Homem social. El museo como espacio
de comunicación, obra da autoria de Hernández, pretende provar isso mesmo. O museu
é, hoje, aliciado por uma babel de linguagens, que importa não recear, mas antes
compreender, interpretar e conjugar de forma intelegível e eficaz.
Hernández começou por retroceder à origem, recuperando e explicando
conceitos da teoria da comunicação. Um caminho que se inicia na Teoria Geral da
Comunicação, para a qual contribuíram Claude E. Shannon e Warren Weaver, com The
Mathematical Theory of Communication (1949), consagrada ao estudo da comunicação
eléctrica. Resumindo, o bit (número binário) é a unidade de informação que permite a
medição da quantidade de informação recebida. A quantidade de bits de informação
enviada por segundo (processo que exige canais de comunicação), a medição da
capacidade de gerar informação e a codificação de mensagens originárias de fontes são
aspectos que John Robinson Pierce, outro dos teóricos fundamentais, não dispensa da
176
Luis Alonso Fernández, Introducción a la nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza
Editorial, 2002, p. 32. 177
Umberto Eco, O Signo, 2.ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1981, p. 97.
92
formulação da teoria da comunicação.178
Outros três conceitos se avizinham: entropia, ruído e redundância. A entropia,
«ou consumo da energia de um “gerador de sinais em bits por símbolo ou por
segundo”», fornece «o número médio de dígitos binários por símbolo ou por segundo,
necessários para codificar as mensagens produzidas por um gerador”».179
Em causa está
a escolha de uma determinada quantidade de informação da mensagem, seleccionada
por aquele que a emite e que será transmitida ao receptor. No entanto, é necessário ter
presente que no processo de comunicação podem ocorrer interferências causadas pelo
ruído ou canal ruidoso. Neste caso, o receptor recebe uma mensagem que pode ter sido
danificada, propiciando uma situação de incerteza. Eliminar o ruído está a cargo da
redundância, «a fim de proporcionar uma transmissão eficiente e livre de erros»180
.
O trajecto da informação tem como ponto de partida uma fonte que gera
informação (mensagem). Depois, o emissor envia-la-á por intermédio de um canal a um
receptor que, por sua vez, a entrega a um destinatário. Um mecanismo de transmissão
de informação simples, mas conveniente e «eficiente na detecção e resolução dos
problemas técnicos da comunicação».181
Para esta corrente de investigação – que
178
Francisca Hernández Hernández, El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía
y Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, 1998, p. 15. Um ano antes (1948), Norbert
Wiener publicara Cybernetics, que vai além da teoria da comunicação. Àquela acrescenta as seguintes
técnicas de informação e de comunicação: «Teoria da rectificação, filtragem, detecção e previsão de sinais
na presença de ruídos, a teoria da realimentação negativa e dos servomecanismos, as máquinas
automáticas complexas e o projecto e programação de calculadoras». De acordo com a análise de J. R.
Pierce é esta a abrangência que Wiener incute ao trabalhar a cibernética. Como resultado, influíram na
«criação de novos conteúdos simbólicos» e na «mudança da dinâmica sociocultural que oferece um
amplo campo semântico à antropologia e à psicologia». Idem, p. 16.
179 Idem, pp.15-16.
180 Idem, p.16.
181 António Fidalgo e Anabela Gradim, Manual de Semiótica, Covilhã, Universidade da Beira Interior,
2004/2005, p. 17. (BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação,
http://www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-antonio-manual-semiotica-2005.pdf) António Fidalgo, professor
catedrático de Ciências da Comunicação, é doutorado em Filosofia pela Universidade de Wuerzburg e
pela Universidade Católica Portuguesa. Anabela Gradim é, actualmente, professora auxiliar de Ciências
da Comunicação. É na Universidade da Beira Interior que ambos desempenham cargos de docência e de
investigação nas áreas da Semiótica e da Comunicação. Umberto Eco contextualiza o surgimento deste
modelo de criação e de transmissão de informação dizendo que «este esquema reproduz de um modo
simplificado o que os engenheiros dos telefones elaboraram quando tiveram de estabelecer as condições
93
identifica a escola processual da comunicação –, «a comunicação é uma transmissão de
mensagens», é um «fluxo de informação» que não actua no plano da criação de
significados e da formação das mensagens (que posteriormente serão transmitidas), mas
sim no plano da mecânica (ou instrumental) da comunicação, sem preocupações
relativamente a variações interpretativas da informação.182
A conotação, neste caso, será
ruído. Já a intencionalidade da escola semiótica (a segunda corrente de investigação)
recai sobre a «“produção e troca de sentido”».183
Charles Sanders Peirce e Charles Morris184
contribuíram para a definição
científica de Semiótica, mas já a Antiga Grécia (Aristóteles, por exemplo), bem como os
medievalistas Santo Agostinho (em De Magistro e De Doctrina Christiana), Roger
Bacon, Pedro Hispano, Pedro da Fonseca e João de S. Tomás se tinham aventurado no
debate de alguns conceitos. John Locke (Ensaio acerca do Entendimento Humano, de
1690), Étienne de Condillac, Johann Heinrich Lambert, Immanuel Kant e Wilhelm von
Humboldt foram os modernos que se acercaram do tema. Já os mais recentes estudos de
Roland Barthes e Ferdinand de Saussure vêm confrontá-la com a Semiologia. E outros
contributos se registaram com Charles Sanders Peirce, Louis Hjelmslev e Noam
Chomsky, entre outros. A jovialidade da Semiótica, enquanto ciência, é fruto de uma
longa História empenhada em meditar sobre o signo e a significação, tal como
aconteceu com o pensamento filosófico.185
Comunicar é possível porque existe a
capacidade de produzir mensagens sustentadas em signos que produzem reacções nos
seus receptores «temporários». António Fidalgo e Anabela Gradim concluem que «o
modelo semiótico de comunicação é aquele em que a ênfase é colocada na criação dos
significados e na formação das mensagens a transmitir»186
.
A intimidade entre mensagem/informação e significado, neste modelo, extrapola
a organização correcta dos elementos da mensagem. A atenção recai, também, sobre o
óptimas de transmissão de informações. De qualquer modo aplica-se a todos os processos
comunicativos». Umberto Eco, op. Cit., p. 21.
182 António Fidalgo e Anabela Gradim, op. Cit., pp. 16-19.
183 Esta distinção tem por base o pensamento de John Fiske, plasmado em Introdução ao Estudo da
Comunicação. António Fidalgo e Anabela Gradim, Manual de Semiótica, p. 16.
184 O semiótico estado-unidense foi o obreiro da divisão da ciência dos signos (Semiótica) nas sub-
disciplinas da Sintaxe, Semântica e Pragmática. Cf. Idem, p. 61 e p. 175.
185 Idem, p. 25.
186 Idem, p. 19.
94
plano de conciliação com o seu significado e sobre o seu prestimoso valor. O cerne da
comunicação deixou de ser o «fluxo», para dar lugar ao «sistema estruturado de signos e
códigos».187
O mecanismo de comunicação tem como seu par o conteúdo e influenciam-
se mutuamente. Este é o modelo semiótico. Fidalgo e Gradim asseveram que o «estudo
da comunicação passa pelo estudo das relações sígnicas, dos signos utilizados, dos
códigos em vigor, das culturas em que os signos se criam, vivem e actuam». O
significado da mensagem não está embutido nela à margem de qualquer condicionante.
Esta parceria implica inteiramente uma «relação estrutural entre o produtor, a
mensagem, o referente, o interlocutor e o contexto». Como bem lembra Hernández, a
Semiótica não é estranha a campos científicos como a Sociologia, a Linguagem, a
Cultura, a Estética e a Comunicação, quando os vectores são precisamente a
comunicação e a significação.188
A correcta compreensão e utilização da linguagem e, consequentemente, a
comunicação eficaz em qualquer comunidade, acerca de qualquer temática (da literatura
à arte, da religião à moral, da história à arqueologia, da ciência à técnica, etc.),
dependem de três conjuntos de regras que devem ser respeitados: as sintácticas, as
semânticas e as pragmáticas. Têm diferentes coordenadas, mas são complementares. A
cada uma destas dimensões estão associadas determinadas acções e relações. Quer isto
dizer que a Sintaxe «“implica”», e compreende o relacionamento de signos entre si,
detém-se no encadeamento lógico entre os vários elementos da linguagem e diz respeito
às regras gramaticais. A Semântica «“designa” e “denota”», e é concretizada nas
relações dos signos com os objectos a que se referem, isto é, debruça-se sobre o
187
John Fiske explica aquela permissa em Introdução ao Estudo da Comunicação. Ver António Fidalgo e
Anabela Gradim, Manual de Semiótica, p. 19.
188 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 19. O processo semiótico, sob o ponto de vista de Charles
Morris, prevê três elementos essenciais: o veículo sígnico, o designatum e o interpretante. A estes junta-
se, mais tarde, um quarto: o intérprete. Dada a cientificidade desta matéria, Francisca Hernández
Hernández e a dupla António Fidalgo e Anabela Gradim recorrem à mesma fonte (Charles Morris), daí a
terminologia coincidente. E para mais bem se compreender estes conceitos, são as palavras de Morris
aquelas que definem os elementos enumerados seguidamente. Veículo sígnico explica-se por «aquilo que
actua como um signo», designatum é «aquilo a que o signo se refere»; e interpretante é «o efeito sobre
alguém em virtude do qual a coisa em questão é um signo para esse alguém». Quando alguém toma
consciência («dar-se-conta-de», utilizando a expressão de Fidalgo e Gradim para descrever o acto de
clarividência) de uma coisa por intermédio de uma terceira acontece a semiose e há algo que «funciona
como um signo». Idem, p. 19; e António Fidalgo e Anabela Gradim, op. Cit, p. 61.
95
conteúdo, a relação entre os signos e o significado que assumem. Por fim, a Pragmática
«“expressa”», sendo que, neste plano, os signos interagem com os seus intérpretes,
preocupando-se com o efeito dos signos neles.189
Em De Doctrina Christiana, Santo Agostinho elaborou uma das definições de
signo mais antigas, e ao mesmo tempo mais actual: «“id quod (...) aliquid aliud ex se
jacit in cogitationem venire”», isto é, «aquilo que a partir de si faz vir uma outra coisa
diferente de si ao pensamento». Para sinal, a sobejamente conhecida expressão «aliquid
stat pro aliquo», traduzindo, «algo está por algo». Sinal é uma marca que se destaca e
identifica algo. É algo que está em vez de outra coisa, representando-a. A sua natureza é
«ser sempre sinal de alguma coisa»190
. Existem várias definições de signo da mesma
forma que tudo pode ser signo (sinais, sintomas, ícones, índices, símbolos, nomes),
embora a mais recorrente, mas também a mais geral, seja a de «algo que está por algo
para alguém».191
Por essa razão, e como se pôde verificar pela tipologia variada, Fidalgo
e Gradim adiantam que essa definição exige o especificar dessa «relação de “estar por
para”».192
2.1.2. Comunicar além do verbo: as novas interpretações das relações
comunicantes
Os conceitos que têm vindo a ser evocados são fundamentais e estruturantes para
o estudo e compreensão da comunicação. Entende-se, pois, a intenção de Hernández em
iniciar a reflexão sobre o envolvimento entre museu e comunicação precisamente pela
189
Para concretizar, Fidalgo e Gradim dão o seguinte exemplo: «A palavra “mesa” implica (mas não
designa) a sua definição “mobília com um tampo horizontal em que podem ser colocadas coisas”, denota
os objectos a que se aplica e expressa o pensamento do seu utilizador». Em Linguística, Charles Morris
classifica da seguinte forma o presente trio de regras: a Sintaxe é «“o estudo das relações sintácticas dos
signos entre si, abstraindo-se das relações dos signos com os objectos ou com os intérpretes”»; a
Semântica «ocupa-se da relação dos signos com a sua designata e, assim, com os objectos que podem
denotar ou que, na verdade, denotam»; a Pragmática é a «“ciência da relação dos signos com os seus
intérpretes [...] e ocupa-se dos aspectos bióticos da semiosis, a saber, de todos os fenómenos psicológicos,
biológicos e sociológicos que ocorrem no funcionamento dos signos”». Francisca Hernández Hernández,
op. Cit., p. 21.
190 António Fidalgo e Anabela Gradim, op. Cit., p. 12.
191 Diz Umberto Eco que «o signo é entendido como alguma coisa que está em lugar de outra, ou por
outra». Umberto Eco, op. Cit., p. 26.
192 António Fidalgo e Anabela Gradim, op. Cit., p. 20.
96
teoria da comunicação. Perceber o processo comunicativo e o percurso da informação –
expondo algumas das teorias que lhe deram origem – permitirá apreender a relevância
da forma como a mensagem que se pretende transmitir poderá ser enviada, representada
(exposta) e percepcionada pelo público de um museu, por exemplo. Há que considerar a
existência da comunicação verbal (oral e escrita) – que foi convenientemente abordada
por Hernández –, mas também da não-verbal, sendo que esta última é igualmente rica,
múltipla e constante, e é eixo das dinâmicas sociais.
«A comunicação não verbal pode ser dividida em três grandes áreas consoante o seu tipo de
suporte ou canal: a área da comunicação facial e corporal, de que o suporte é o próprio corpo; a
área da comunicação pelos artefactos utilizados, jóias, roupas; e a área da comunicação
mediante a distribuição espacial, a posição que os corpos tomam no espaço, em relação entre
eles e em relação a espaços determinados.»193
Este domínio envolve uma nova escola de pensadores, a Escola de Palo Alto,
nascida na década de 1950. Gregory Bateson, Ray Birdwhistell e Edward T. Hall são
figuras centrais nos estudos da comunicação não-verbal194
, com prossecução em Paul
Watzlawick, Janet Bavelas e Don Jackson, para citar alguns.
A referência a esta escola revela-se pertinente pois a teoria que a notabilizou
introduziu um aspecto crucial no estudo da dimensão relacional dos indivíduos. Trata-se
da abordagem a um conceito de comunicação revolucionário, que supera as limitações
da Teoria Matemática da Comunicação, de Claude Shannon e Warren Weaver.195
O
modelo de Palo Alto, mais recente, toma o ser humano como elemento primordial na
construção da realidade, usando para isso a comunicação. Evidencia-se, primeiramente,
a relação entre o ser humano, a realidade e a comunicação. Isto remete o ser individual
para o relacionamento com o outro que, com ele, compõe o mundo. Por esta inter-
comunicação, o Homem toma consciência de si e do outro.
193
A distinção feita por Fidalgo e Gradim apoia-se em Jacques Corraze, Les communications non-
verbales, Paris: PUF, 1983. Idem, p. 131.
194 Y. Winkin apud António Fidalgo e Anabela Gradim, Manual de Semiótica, p. 132. A Escola de Palo
Alto teve em Gregory Bateson o seu mentor (estudioso do comportamento humano e animal, e com
trabalho desenvolvido no âmbito da psicanálise), o qual liderava um grupo de investigadores dedicados às
áreas da psicoterapia e da psiquiatria. Núcleo nado em 1959, proveniente do Mental Research Institute e
localizado precisamente em Palo Alto, no Estado da Califórnia (Estados Unidos da América). (Cf.
Infopédia, http://www.infopedia.pt/$escola-de-palo-alto, acedido em 22 de Junho de 2012, às 16h50) 195
Este modelo comunicacional singularizava-se pela unilateralidade e linearidade, sendo por isso
demasiado restritivo, pois incidia sobretudo no suporte técnico da comunicação.
97
Tal relação do Homem com o mundo é explorada pela Nova Comunicação por
meio de cinco axiomas, dos quais se destacarão os dois primeiros. A tese que a
premissa-mestra defende, «a impossibilidade de não comunicar»196
, tem um carácter
abrangente, marcando presença obrigatória em todos os domínios da vida humana.
Mais: é inequívoca quando nega a possibilidade de existência de qualquer momento em
que a comunicação não ocorra, pois «atividade ou inatividade [sic], palavras ou silêncio,
tudo possui um valor de mensagem; influenciam outros e estes outros, por sua vez, não
podem não responder a essas comunicações e, portanto, também estão
comunicando»197
. Assim, o Homem está natural e involuntariamente inserido numa
sociedade e numa comunidade, sujeito a um processo comunicativo constante e
ininterrupto. Neste processo, onde linguagem e sociedade se envolvem em relações de
dependência recíproca, o lugar do Homem varia consoante a forma como este aborda as
situações: ora é sujeito, ora objecto; umas vezes vítima, outras agressor. Contudo, nunca
a passividade pode ser absoluta. É a partir desta relação indissociável com a
comunicação que o Homem toma consciência de que todo e qualquer comportamento
possui um valor de mensagem coerciva nos outros que, por sua vez, não podem não
responder a essas interpelações.
A «relação» é, para a Pragmática da Comunicação Humana, o segundo axioma.
O Homem, enquanto agente social e parte dessa sociedade, é, por um lado, uma peça
fundamental para a dinâmica do todo e, por outro, um ser que se relaciona com esse
todo. Só partindo dessa relação se poderá compreender a si mesmo. Daí a importância
da comunicação nas relações, uma vez que suscitam determinados comportamentos.
«Os signos significam, os signos organizam-se, mas os signos também se usam e esse
uso rege-se por leis de economia e eficácia.»198
Definir um objectivo, cumprir uma
determinada finalidade e obter um certo resultado implicam olhar os meios tendo em
conta os fins, sob condição de que estes últimos observem a disponibilidade dos
primeiros (meios). Fidalgo e Gradim situam, agora, os signos no plano da «utilidade»,
afirmam «serem objecto de uso». Fala-se, portanto, da importância da sua pragmática,
196
Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin e Don D. Jackson, Pragmática da Comunicação Humana: um
estudo dos padrões, patologias e paradoxos de interação, 16.ª ed., São Paulo, Editora Cultrix, 2007, p.
44.
197 Idem, p. 45.
198 António Fidalgo e Anabela Gradim, op. Cit., p. 214. Deste ponto não se pode arredar a necessidade de
conciliar meios e fins – a disponibilidade dos primeiros e a exigência dos segundos.
98
do seu exercício, da sua aplicabilidade, daí o interesse na adequação ou não dos signos.
Neste sentido, é abordada a questão da sua «qualidade», «se os signos podem ou não ser
melhorados, aperfeiçoados, no que concerne à sua utilização»199
, concluindo que essa é,
hoje, uma preocupação corrente de redacções de publicações periódicas (jornais), e de
áreas como a publicitária, a comercial e a política.
Aprimorar o signo tornou-se no que Fidalgo e Gradim consideram uma
«verdadeira engenharia sígnica» que deverá estar atenta às particularidades dos
múltiplos contextos, procurando o seu «ajustamento» (contextos-signos) e
inclusivamente cogitando a «criação de novos signos». Veja-se que o emprego
equilibrado e eficaz dos signos está dependente da existência de um código (que pode
ser sintáctico, semântico ou pragmático). E essa utilização encontra-se vinculada a um
competente «domínio» do código. Este [código], por sua vez, ainda pode ser abordado
num patamar de maior complexidade. As razões estão no ciclo de vida desse organismo
de natureza linguística e em ser condicionado pelo sortido de concepções do mundo.200
A economia e a eficácia do signo são, assim, objecto de reflexão sob dois pontos
de vista: um funcional, de «domínio do sistema», e o outro de «adequação dos códigos à
vida». Num primeiro momento é sublinhada a mecânica dos signos, uma actuação
concertada, conduzida por um determinado código, perspectivando a melhor utilização
possível dos signos. A segunda interpretação reage àquilo que resulta da intimidade com
os signos (transcendendo o primitivo encadeamento para a obtenção de sentido). Trata-
se de «uma questão de adaptação, de sobrevivência e de criatividade de quem vive com
signos, por meio de signos e em nome de signos», rematam Fidalgo e Gradim.201
199
Idem, p. 198.
200 Umberto Eco e Adriano Duarte Rodrigues explicaram a relação inviolável de signo-código noutro
patamar. Da interpretação de Fidalgo e Gradim obtém-se a seguinte proposição: «A um nível superior, a
um nível que Umberto Eco e Adriano Duarte Rodrigues designam por limiar superior da semiótica (in
Umberto Eco, A estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica, São Paulo: Editora Perspectiva,
1991; e Adriano Duarte Rodrigues, Introdução à Semiótica, Lisboa: Editorial Presença, 1991), não são os
signos, mas os próprios códigos que são vistos e avaliados em termos de economia e eficácia. Os códigos
recebem ajustamentos, sofrem alterações, nascem e morrem. O termo de relação agora, o contexto em que
se decide da validade do código, da sua economia e eficácia, é o mundo da cultura, tomada esta no seu
sentido mais lato, as mundividências. É neste contexto mais vasto, no contexto da vida, o Lebenswelt
husserliano, que irrompem idiolectos, slangs, linguagens especializadas, tipos de comportamento, formas
de cortesia, etc.» Idem, p. 215. 201
A não-existência de código e, por conseguinte, a ausência de significação têm como consequência uma
99
A comunicação e a informação têm escalado tremendamente a pirâmide de
necessidades prioritárias dos indivíduos, apoiando-se em diversos meios, cada vez mais
criativos e nucleares, para lidar com a heterogeneidade das actividades que realizam e
dos relacionamentos que erigem e/ou cativam. Além disso, e acima de tudo, não é
possível renunciar à evidência de que comunicar é a base do pensamento, e a
legitimação de qualquer ser pensante. A omnipresença, qualidade ou mesmo essência da
comunicação, é também comentada por Gillo Dorfles, dizendo que «“a comunicação –
entendida na sua acepção mais vasta, como utilização dos mass media, como
comunicação escrita, falada, cantada, recitada, visual, auditiva ou figurativa – está, sem
dúvida, na base de todas as nossas relações intersubjectivas, e constitui o verdadeiro
ponto de apoio de toda a nossa actividade pensante”»202
.
2.2. Museu e Linguagem. A Semiótica e a sua relevância no processo de construção
e evolução museológicas
«O museu apresenta-se-nos como um processo de comunicação
e como uma forma de linguagem significante.»
(Francisca Hernández Hernández,
El museo como espacio de comunicación, 1998, p. 22.)
O museu é também um organismo linguístico, e, como tal, devedor da
cientificidade da semiótica. É um organismo vivo, comunicativo, de natureza variada.
Francisca Hernández decompõe-o para obter a estrutura, o conteúdo e o público como
os três indícios de uma semiótica presente. Observando o óbvio, o edifício museu é uma
construção, em primeiro lugar, e, como tal, é um agente, um «emissor da mensagem dos
signos». No campo organizacional, é o intermediário (o meio ou medium, o canal), –
classificação extensiva às próprias exposições –, que se compatibiliza com a sintaxe.
Compete-lhe a exibição «de conteúdos bem organizados», que, acrescenta Hernández,
formam «a base discursiva e semiótica» do museu. A intencionalidade do museu é
comunicar algo – concretizar a colaboração entre signos e objectos, que, sintetizando, se
reconhecem na semântica. O trio completa-se com a participação do sujeito (individual
simples relação de «estímulo-resposta». Ora, os estímulos, seguindo o raciocínio de Umberto Eco, não
podem ser equiparáveis aos signos porque não cumprem o seu fundamento base, o de «estar em lugar de
outra coisa». O facto é que «o estímulo não está por outra coisa, mas provoca directamente essa outra
coisa». Umberto Eco, op. Cit., p. 22.
202 Gillo Dorfles apud Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 15.
100
ou colectivo) interessado nesse conteúdo, que o recebe e interpreta (o seu significado),
e, depois, produz sentidos. Nesta fase é convocada a cultura. A formação (humana,
académica, moral) do visitante influenciará o seu entendimento sobre o objecto – a par
da situação histórica e socioeconómica do primeiro e das condições de geração do
segundo –, e permitirir-lhe-á confrontar-se com aquilo que (re)conhece, com a sua
própria experiência (com eventual identificação pessoal e/ou estima pela peça, temática,
período, episódio ou outro elemento associado que despertara tal empatia). É a
pragmática vivenciada na «relação entre os signos e o público».
A investigação de Hernández demonstrou que se pode esperar do museu um
autêntico sistema de comunicação, e apurou, à data de El museo como espacio de
comunicación, que aquela instituição e a semiótica formam um par pouco explorado
academicamente, ao contrário do que vinha acontecendo com o urbanismo203
.
Indirectamente, formula dois pontos de questionamento: será possível estudar o museu à
luz da Semiótica? Será, de facto, possível encontrar no museu elementos que
justifiquem a existência de um processo linguístico tal como aqueles que justificam o
estudo de um urbanismo comunicante? A resposta da investigadora é esclarecedora: «Se
a cidade é um discurso e uma linguagem onde ocorre um diálogo entre esta e os seus
habitantes (Barthes, 1993, 260), não é menos certo que o museu também o seja por um
duplo motivo: porque encontra-se inserido na cidade e porque o mesmo possui uma
dimensão dialógica»204
.
O museu é um espaço público ou, dito de outra forma, um espaço para o público.
Promove um movimento centrípeto, tendencialmente congregador e de reunião, não só
entre o indivíduo e o objecto/temática, mas também entre os indivíduos, e entre estes e
as suas histórias individuais e comuns. A estaticidade aparente do museu na cidade
inflecte-se a um patamar superior; integrado nela assume uma função, uma missão, uma
ideia para com os seus coabitantes. «É um lugar semântico, carregado de significação
para todos aqueles que vivem na cidade e se aproximam dele.»205
203
Por meio de Françoise Choay, Lévi-Strauss, Roland Barthes ou G. Dorfles, o duo Urbanismo e
Comunicação encabeça uma área temática especializada, de interesse e reflexão crescentes.
204 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 23.
205 Idem, p. 23.
101
2.2.1. A linguagem corporal do museu: do tradicional ao pós-moderno
A análise arquitectónica de um museu acaba por suscitar «problemas
semânticos» comuns àqueles que substanciam a teoria da informação e da comunicação,
infere Hernández. Torna-se, pois, plausível servir-se desta teoria para com ela
testemunhar que o museu-edifício é passível de ter a sua própria linguagem e de
comunicar. Enquanto objecto significante, dotado de signos, acha-se uma linguagem
arquitectónica, longe de um invólucro estéril de sentido. A especificidade (o signo)
arquitectónica de uma forma encerra em si um «raciocínio» e uma «linguagem», onde o
ver treinado do especialista e o ver interessado do curioso206
procuram um significado e
uma mensagem. É nada mais do que a natureza semântica do edifício. Diferentes estilos
arquitectónicos entoam linguagens distintas com características comunicativas
exclusivas.207
Quando Hernández refere as tensões semânticas como aspecto conciliador entre
o revelador programa linguístico da arquitectura do museu e a teoria da informação e da
comunicação, é possível que uma delas se adqúe à seguinte questão: o que acontece
quando se combina o espaço museológico – tido ele como «ideia» ou «conceito»208
,
materializado em formas, cores e técnicas – com a força do conteúdo das obras que o
preenchem? Em réplica, aponta duas correntes de mensagens e significação: a
permanente, de que o edifício é soberano, e aquela que a obra carrega e introduz nesse
meio. Para se desfazer da interrogação de como é que o espaço museológico se
apresenta, recorre a J. Arnau Amo e a uma tríplice: o ludismo, a cenografia e o
ritualismo. Um espaço pensado de forma lúdica cultiva a «fantasia» e a «imaginação»
do visitante, aprova e incita o jogo e a representação de papéis vários sem atilhos. A
cenografia enseja apresentações incomuns, estimulando a dúvida, a abstracção e o
fascínio. O cerimonial não se isola por completo dos anteriores, mas ascende a uma
vivência e a uma seriedade dissemelhantes. Constata que o museu se presta a ser um
espaço de sociabilização e de encontro, classificando-o de «verdadeiro», mais do que de
«mera representação».
206
«O olho (aberto) do espectador» e não «o olho (fechado) do voyeur» na versão de Martine Joly.
Martine Joly, A Imagem e a sua Interpretação, Lisboa, Edições 70, Março de 2003, p. 118-119.
207 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 24.
208 Já A. Piva, em Lo Spazio del Museo. Proposte per l’arte contemporanea in Europa, privilegia o termo
«“pensamento”». In idem, p. 24.
102
Outro assunto de monta para Hernández é a mutabilidade do significado e da
função do edifício. Verifica-se, em certos casos, uma rotatividade de informação
desprendida da identidade do edifício. O museu-edificio, tal como qualquer outro
edifício, manter-se-á como tal, preservando o significante. A investigadora deixa
perceber que existe uma preocupação na adequação da tipologia das colecções à
tipologia do edifício. E exemplifica: por um lado, o museu histórico ou tradicional
privilegia estruturas com uma certa antiguidade (os palácios, os hospitais, os castelos,
entre outros); e os novos edifícios, por outro, pretendem que o desenho arquitectónico
condiga com as expectativas relativas às colecções que albergarão e que sirva, também,
de guia do visitante na sua aproximação às obras.
A escolha do edifício antigo não é casual. A regra dita tratar-se de um edifício
facilmente identificável, identitário e de valor inestimável. Facilmente se descobre a sua
primeira função, que, para Hernández, se transformará num instrumento pedagógico e
didáctico. É revelador do perfil conjuntural da época que o fez nascer: dos gostos, dos
costumes, das leis, das regras da sociedade e das circunstâncias históricas, num
ambiente (socioeconómico, político, religioso) específico, hospedeiro de determinadas
escolas, movimentos artísticos e valores estéticos. O museu histórico tira proveito de
um espaço (infraestruturas) que ajuda a contextualizar a colecção porque dele se faz a
primeira leitura. No entanto, Hernández admite que, neste caso, a comunicação do
museu com o visitante é, sobretudo, unidireccional, devido à predefinição do percurso e
ao modelo de consumo da mensagem – não abonado pela irreversibilidade da
fisionomia da edificação.209
O museu moderno é menos constringente e, por isso, mais disposto a tornar
exequível qualquer percurso.210
As rotas poderão ser múltiplas e variáveis, individuais,
autónomas e únicas até. Esta opção implica repensar a relação entre o museu-edifício (a
arquitectura), a organização expositiva, o conteúdo e o indivíduo, preparando-se da
seguinte forma: (i) despojar-se de «toda a conotação de monumentalidade própria do
museu histórico» para não limitar a «experiência contemplativa e visual», isto é, abdicar
da semântica da estrutura a fim de neutralizar possíveis efeitos de interpeladores nessa
209
A autora trabalha o tema da organização museológica, numa primeira fase, recorrendo aos museus de
arte como exemplos predominantes. Aí, depara-se com o problema da exposição da obra, apresentando-a
como obra isolada ou integrada no conjunto.
210 O Museu Berardo ou o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (CAM-FCG), em
Lisboa, são, neste sentido, exemplares.
103
experiência, no interior do edifício; (ii) ausentar a museografia como intermediária entre
o visitante e a obra, sem artifícios nem distracções; (iii) nomear o público o orientador e
crítico da sua visita, que sobre ela fará uma interpretação e um julgamento livre, o que
implicará a capacidade perceptiva, sensorial e intelectual.211
Resulta desta proposta uma
experiência personalizada, impulsionada pela ideação pessoal do trajecto – a escolha
livre do que se pretende ver (sem o recurso quase obrigatório a visitas guiadas nem
interpretações de outrem como preceito do museu) –, pelo envolvimento intenso e
independente com o objecto, e pelo auxílio e complementaridade da tecnologia que
serve a comunicação, mais entrosada no museu moderno.
O museu é, hoje, o museu-de-todos-e-para-todos (ideia que veio sendo maturada
por vários autores, incluindo Hernández em 1998, Luis Alonso Fernández, André
Desvallées, os investigadores espanhóis Joan Santacana i Mestre e Nayra Molina). Não
é apenas um (novo) fenómeno, uma nova prática, uma outra atitude ou o resultado do
questionamento sobre o Homem colectivo e o Homem individual embalados pela II
Guerra Mundial. É também uma determinação da política cultural actual e um direito
que tem vindo a consolidar-se nas últimas décadas. No entanto, há que reflectir sobre o
termo todos, o busílis da programação de qualquer museu. Como qualquer palavra ou
expressão sujeita a uma certa ideia axiomática, todos incorre na necessidade de – neste
caso, por parte de cada museu – considerar aquilo que essa amplitude implica,
nomeadamente a diversidade que lhe é inerente. Fala-se de formação, de vínculos, de
experiência e da evolução dos comportamentos sociais e culturais. O indivíduo que
caminhava aceleradamente para o século XXI era já convidado a ver-o-museu sob
outras referências: a emancipação, a proactividade e a interactividade. A instituição
museológica vem transformando-se – visível na construção de novos edifícios e na
organização dos espaços expositivos – com o intuito de que esse público disfrute da sua
liberdade e se sinta confortável no contacto212
com as peças expostas.
O museu só pode ser compreendido quando considerado o contexto em que se
insere. É nele que fundará e desempenhará as suas funções culturais. A «mentalidade
211
Refira-se que esta sugestão comportamental nos e dos museus foi elaborada por Francisca Hernández
– segundo as indicações de S. Zunzunegui em Metamorfosis de la Mirada. El Museo como espacio de
sentido – tendo em conta a exposição e a contemplação (de obras) de arte e a experiência estética
(considerações alargadas a qualquer experiência estética). 212
Não se pretende, nestes termos, induzir ou instigar o contacto físico com as peças, mas sim maior
acção, com recurso a meios que permitam interpretá-las e compreendê-las.
104
pós-moderna» é, pois, um novo desafio, ao qual o museu deverá responder adaptando-se
e descobrindo nela a sua identidade para definir e fortalecer o seu papel. Implicitamente
questiona-se, também acirrado pelas mudanças sociais, que papel será esse? Como
perceber esse reposicionamento na sociedade?
O museu não é uma sala de acesso reservado, agrafada com prateleiras e pregada
com armários e uma escada de correr a deslizar por depósitos de tempo. Mas são o
museu e as bibliotecas que congregam as obras, e é neles que, de certa forma, estas
adquirem um estatuto. São validadas (por assim dizer) e reconhecidas não só pelas
comunidades científicas, mas por todos aqueles que nelas confiam credibilidade e valor.
Foi assim que Shelton manifestou a sua opinião sobre a actividade destas instituições,
observando que, outrora, a sua «missão não era outra senão a de conservar o
conhecimento como um documento das diferentes etapas da evolução de uma
determinada cultura».213
O que representaria uma abordagem limitada das suas
competências, encarando-as quase como enciclopédicas.
Aquilo que acontece num trabalho de conservação é precisamente o inverso. O
processo de análise das obras é também um processo de criação de linguagem. Explica
Shelton que o trabalho de preparação dos «objectos materiais» realizado pelo
conservador é imprescindível «para que possam ser aceites como um signo da memória
histórica». O método consiste numa «linguagem que tem sido adaptada às condições do
tempo presente». Cada exposição é, por isso, um novo laboratório de criação linguística,
pela formação de novos códigos a partir dos códigos anteriores de cada objecto. A
alternativa é integrar o objecto num outro tipo de organização que resultará numa nova
natureza de códigos e, consequentemente, numa outra mensagem. Pretende-se com isto
uma «museologia pós-moderna que seja capaz de reclassificar os objectos e dar-lhes
novos significados», orquestrando o passado e o «presente-futuro».214
213
Tinha afirmado A. A. Shelton que «tanto o saber como a arte têm sido institucionalizados nas
bibliotecas e nos museus». Realce-se que estas intervenções datavam do início da década de 1990.
Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 28. 214
Idem, p. 28. A percepção é refém da memória. Esta ideia de encarceramento resolve-se num fenómeno
de causalidade natural e inapelável. Isto é, o indivíduo reage e opera de acordo com os dados
interiorizados ao longo da vida. O homem faz-se de experiências, de novas mas também repetidas, com os
mesmos objectos inclusivamente. Daí serem reavaliados e amadurecidos os princípios que orientam cada
homem nas suas tarefas e nos seus julgamentos. Significa encontrar apreciações concordantes e, também,
(com maior probabilidade) desiguais porque o convívio com esses objectos ocorre nem sempre em
105
A arte é, no contexto de pós-modernidade, objecto de grande reflexão por parte
de Hernández e aquela que tem colhido maior atenção. Note-se o florescimento de
novos conceitos, atitudes e expressões artísticas, e o surgimento de questões
museológicas que se prendem com o que expor e como expor. A museologia e o museu
não estão, assim, livres de uma contínua busca por formas alternativas e inovadoras de
comunicar, nomeadamente a arte. Perante a questão: «Mas, o que é que se pretende com
este tipo de museu pós-moderno?» Hernández eleva a resposta à dimensão do sensível.
O espectador/contemplador dialoga com a obra a um nível superior de profundidade,
que o intima a procurar um outro tipo de informação além daquela que recebe pela
percepção visual, a questioná-la sobre o seu real significado e sobre o que representará
para si, meditando sobre os seus preconceitos, ajudando a reflectir sobre o seu gosto e a
estética e as suas subtilezas, de modo que o auxiliem a delinear o percurso da sua visita.
Evitando perífrases: «A experiência visual é dinâmica. (…) O que uma pessoa
ou animal percebe não é apenas um arranjo de objetos [sic], cores e formas, movimentos
e tamanhos». O discurso científico de Arnheim pende para a componente fisiológica –
tão evidentemente justificado no título da obra – interveniente neste relacionamento
indivíduo-obra. No entanto, esses tecnicismos dizem, igualmente, que há algo que o
indivíduo acrescenta às informações visuais recebidas, aquando da sua interpretação,
surgindo «às vezes interpolações que se baseiam em conhecimento adquirido
previamente», designadas por «induções perceptivas».215
O edifício representa «um tempo que já não é»216
, mas evoca-o, e, por isso,
espaços, mas, certamente, em momentos distintos. Percepciona-se o mundo (actual) com base na história
de cada um – o que não subentende estar agrilhoado ao passado, este será antes motivo para ser-se livre
em futuras situações. A cada experiência o espaço e o tempo devidos. Sobre a experiência, neste caso a
visual, Rudolf Arnheim sintetiza: «Toda experiência visual é inserida num contexto de espaço e tempo.
Da mesma maneira que a aparência dos objetos sofre influência dos objetos vizinhos no espaço, assim
também recebe influência do que viu antes. [sic]» Admite a importância e a «Influência do Passado»
sobre as percepções actuais, embora não o tome como factor isolado, ou seja, «não podemos continuar
passando a responsabilidade para o passado sem admitir que deveria ter havido um início em algum
ponto». Rudolf Arnheim, Arte & Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora, Colecção Arte,
Arquitectura, Urbanismo, 9.ª ed., São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1995, p. 41.
215 Idem, pp. 4-5.
216 O «estado de ruína e de obra inacabada» não é o mote para a «reconstrução do passado», mas para a
continuação de uma aura que acompanhará novos significados. Francisca Hernández Hernández, op. Cit.,
p. 30.
106
torna-se presente quando contemplado, ainda que esses pedaços de passado sejam isso
mesmo: fragmentos. Todavia, segue preservado um certo «“imaginário
arquitectónico”», se, na mesma linha de pensamento de Zunzunegui e A. J. Greimas, se
«“descontextualizar” os edifícios antigos, tornando possível uma transformação da sua
semanticidade».217
2.2.2. A exposição e as suas competências linguísticas
A semiótica é intercâmbio de mensagens, sem a qual a comunicação não se
cumpre. Da mesma forma, uma mensagem só poderá ser alcançada pelo destinatário, se
este estiver capacitado para executar o processo de descodificação e codificação dos
signos que a mensagem enviada pela fonte comporta. A existência de um código ou
conjunto de regras é a condição que concretiza «a reconversão das mensagens»218
.
Como Hernández, Mestre e Molina, Edward e Mary Alexander, Mário C. Moutinho,
Fernando João Moreira, Judite Primo, Cristina Bruno, outros se têm questionado se o
público está apto a compreender a mensagem que o museu pretende transmitir pelo
canal que o individualiza: o conjunto de objectos organizados no modelo expositivo.
Entre o museu e a exposição e, por conseguinte, as obras (com última estação no
visitante) circula uma mensagem que se materializa por meio de uma «linguagem
icónica». O objecto/obra é, assim, um «signo icónico»219
, uma referência, dentro de um
determinado contexto semântico, um elemento cultural. Mas não se extingue em si.
Admite, ao invés, várias leituras, análises e interpretações. Para que a obra signifique
necessita do visitante e de todas as características ambientais (históricas, políticas,
sociais, económicas, religiosas, estéticas). O indivíduo lê os objectos por meio de
associações com as suas referências. Este é o pretexto para a legitimação da semântica e
a produção de novos sentidos, contanto que se assuma a existência de uma margem para
relações, paralelismos, contrapontos e conclusões somadas, subtraídas, divididas ou
217
Idem, pp. 30-31. 218
Idem, p. 32.
219 Idem, p. 32. O ícone implica, por definição, a presença de semelhança, ou seja, a existência de
elementos físicos coincidentes. Cf. António Fidalgo e Anabela Gradim (op. Cit., p. 158): «Ícone é o signo
que se relaciona ao seu objecto por possuir uma qualquer semelhança com este, quer esse objecto exista
ou não. Podem ser ícones as imagens, as fotografias, mas também os mapas, os diagramas e as metáforas,
que apresentam uma semelhança estrutural com o que significam».
107
multiplicadas. Martine Joly sentencia que «nenhuma mensagem, seja ela qual for, se
pode arrogar uma interpretação unívoca». Todavia, adverte para o seguinte:
«Inversamente, ainda que cada leitor ou espectador seja único e possua a sua própria
grelha interpretativa, que pode ela própria variar de acordo com as circunstâncias, a
interpretação de uma obra nem por isso é ilimitada, pois tem limites e regras de
funcionamento».
Hernández explica que, na década de 1990, se iniciou a exploração da exposição
como um «“media”», alicerçando-se na opinião de alguns autores (como Jean Davallon)
que sustentavam «que a criação de um espaço expositivo é um mundo de
linguagem».220
Pensar o objecto sob múltiplas possibilidades de significação vem
complementar um tratamento mais racional e prático. Isto é, um conjunto de peças
dispostas num espaço que as apresenta e ambienta segundo um determinado modelo
para serem visionadas por indivíduos – é o «mundo real» de que fala Hernández. Os
sentidos marginais à visita constituem o «mundo irreal ou imaginário», ou a «utopia». A
realidade é a de duas verdades: uma material, na qual a peça assume uma forma visível,
alcançável directamente pelos sentidos; e uma incorpórea, que se vai construindo ao
longo da visita e, ao mesmo tempo, configurando semanticamente a exposição, dando-
lhe um sentido, como se depreende de Hernández.221
Ambas são determinantes no
traçado da visita.
220
Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 33. 221
O conceito de objecto – sendo o objecto artístico particularmente sitiado pelas perspectivas e
inquietações conceptuais – oscila entre a forma para uns (concepção formalista) e o conteúdo/contexto
para outros (método iconológico). Alguns historiadores e críticos privilegiam a forma, a luz e as cores na
definição do objecto (Ernst Gombrich. Nota: Platão, filósofo grego, discorrera, séculos antes, em sentido
aproximado sobre a imagem a partir da sua caverna, em A República), outros acentuam a significação da
matéria (Panofsky). Sem retirar a evidência das propriedades físicas da obra, e parafraseando Rudolf
Arnheim, a forma transporta marcas daquilo que influenciou a sua criação. A representação comporta uma
cultura que influencia a sua concepção. O psicólogo alemão disse que «“a tarefa de expressar ou
simbolizar um conteúdo universal através de uma imagem particular é efectuado não só pelo padrão
formal, mas também pelo assunto, se houver”». Rudolf Arnheim, op. Cit., p. 449. Os objectos não são
exclusivamente nacos de formas, monossemânticos (se a língua portuguesa permitisse tal palavra). O seu
conteúdo não está, no seu todo, plasmado no seu aspecto, na sua expressão, na sua linguagem visual.
Conte-se com o nível simbólico, para o qual as formas são sim a chave de desbloqueio do caminho para a
polissemia ou a diversidade interpretativa, se assim se preferir. A enveredar pela análise da imagem,
Roland Barthes acrescentaria um terceiro sentido: o sentido obtuso, o da assemia.
108
Também Erwin Panofsky identifica uma forma, uma ideia e um conteúdo.222
O
objecto ou acção (o visível) torna-se inteligível pela compreensão do seu conteúdo,
afirma Daniella Rebouças Silva tentando desconstruir a concepção iconológica de
Panofsky ao enumerar os seguintes passos: primeiro, a identificação dos «motivos» do
objecto, isto é, das «formas puras» (configurações determinadas pelo material de
suporte, pela cor, pelas linhas, por representações, etc.), que resulta num sentido
primário ou natural. Depois, o avanço para o enquadramento do objecto na temática ou
conceitos respectivos e apropriados (significado secundário ou convencional); e,
finalmente, os significados não óbvios (significado intrínseco ou conteúdo, onde cabe o
simbolismo). «Os objectos não podem ser percebidos apenas pelas suas características
formais, mas sobretudo pelas suas qualidades representativas e seus conteúdos
simbólicos.»223
As faculdades do objecto, aqui distinguidas por Rebouças Silva, ganham
especial ênfase quando esse mesmo objecto ou artefacto é instituicionalizado (num
museu, nomeadamente), dado que se convertem em documento, prova da história,
testemunho da Humanidade.
Waldisia Rússio dizia a este respeito: «“Quando musealizamos objectos e artefactos (...) com as
preocupações de documentalidade e de fidelidade, procuramos passar informações á
comunidade; ora, a informação pressupõe conhecimento (emoção/razão), registro
(sensação/mensagem/ideia) e memória (sistematização de ideias e imagens e estabelecimento de
ligações). É a partir dessa memória musealizada e recontada que se encontra o registro e, daí, o
conhecimento susceptível de informar a acção” [sic] [realce em itálico no texto original]»224
.
Em suma, o edifício – seja ele um ancião patrimonial ou uma nova expressão das
correntes arquitectónicas hodiernas – e o museu nascem de uma determinada
conjuntura. Quer-se que a identidade original das infraestruturas de acolhimento ainda
possa ser lembrada, vivida e continuada, daí a importância da promoção e da
sensibilização para conhecer e compreender o património. Concomitantemente,
pretende-se que nos espaços expositivos neles construídos haja «contemplação da arte,
mas também o diálogo e o encontro entre os visitantes e as obras», resume Hernández.
É a presença humana que lhes atribui ordem e sentido. Assim são os lugares de
222
Daniella Rebouças Silva, «As formas de ver as formas: uma tentativa de compreender a linguagem
expositiva dos museus» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia –Museologia: Teoria
e Prática, vol. 16, n.º 16, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 1999, pp. 75-76
223 Idem, p. 76.
224 Waldisia Rússio, em «Conceito de Cultura e sua inter-relação com o Patrimônio e a preservação»,
apud Daniella Rebouças Silva, «As formas de ver as formas», pp. 76-77.
109
encontro. «Castelos, praças, ruas, claustros, caminhos, albergues, lojas e museus podem
considerar-se fenómenos culturais que passaram a fazer parte do mundo da arte e da
literatura pelo seu carácter simbólico, isto é, “por constituírem lugares que vivem de
interacção”», prossegue Hernández. Neste tipo de lugares, também o museu deverá ser
entendido «como um espaço capaz de criar âmbitos de encontro e de comunicação».
Desta forma se reforça o contributo da existência dos museus para a sociedade, não
esquecido nas palavras de García Canclini: são «“lugares onde se reproduz o sentido
que encontramos ao viver juntos”».225
Bastas vezes, Hernández vinca a ideia de comunhão entre a dimensão humana e
o espaço físico, imputando-lhes força comunicativa e um estatuto privilegiado. Concebe
a sua união num âmbito linguístico, ou numa «dimensão dialógico-relacional», no qual
estão envolvidas as obras em exposição a partir do momento em que se ligam ao
visitante. Vários especialistas, atentos à evolução do museu, concordam, directa ou
indirectamente, com o empenho na partilha mútua entre a instituição-exposição-acervo
e os indivíduos. O diálogo, a interactividade e a relevância de ambientes lúdicos
convergem para estimular as possibilidades de reunião e de confronto de experiências.
Sabe-se que a projecção e o interesse por uma obra depende do quanto é falada –
e não só em arte, na verdade. Da mesma forma que Hernández diz, taxativamente, que
«não pode existir uma obra de arte sem diálogo» (estas são mais do que objectos), a
existência de outro tipo de acervo (peças etnográficas ou artesanais, instrumentos fabris,
maquinaria, ou outros) também requer esse mesmo diálogo e estímulo. Não para atribuir
necessariamente a este último conjunto um sentido que transcenda a sua forma, função e
finalidade (das quais não podem ser desapossadas), mas para que sejam compreendidas,
destacadas e aceites enquanto elementos de valor histórico, cultural, social, patrimonial
e até estético.
225
Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 34. Mesmo que em silêncio se contemple a obra, nela
ocorre comunicação. O visitante pensa sobre a obra, e pode ou não verbalizar as suas conclusões, mas
estabelece uma relação comunicativa com ela. Esta transmite-lhe informação, expressa-se, e o sujeito
retribui sempre de alguma forma, ainda que em silêncio, se for o caso. Hernández partilha da opinião de
García Canclini (Culturas Híbridas. Estrategias para entrar y salir de la modernidade, 1990): de que a
arte, devido à sua intensa subjectividade, expressividade e criatividade, necessita de um contexto
museológico, para que possa acontecer a «“inter-relação”». Hernández é peremptória. No seu entender
«todo o objecto que se encontra no museu possui um “carácter dialógico”, isto é, relacional e
comunicativo». Para Canclini, a arte é ainda a «“forma aprimorada da expressão humana”». Francisca
Hernández Hernández, El Museo como espacio de communicación, p. 35.
110
«[...] os objectos jamais se esgotam naquilo para que servem,
mas vão adquirindo a sua significação graças a este excesso de presença.»226
(Jean Baudrillard, «La moral de los objetos.
Función-signo y lógica de clase» in Los Objetos, 1971)
Em termos semióticos, a ideia de Baudrillard traduz-se no facto de que os
objectos «assumem uma função sígnica que reflecte a condição social de quem os
adquire e possui. Para compreender o significado dos objectos [...] devemos
descodificar o significado do objecto em si mesmo e no seu contexto. Por outro lado,
codificaremos em chaves científicas a função e o significado dentro do grupo social».
Seguindo a interpretação que Hernández faz do sociólogo e filósofo francês, os objectos
desempenham uma função (o seu papel mais terreno, diga-se assim, ao serviço do
«universo das coisas»), têm um poder referencial (no chamado «universo das
situações»), e, ainda, um potencial sígnico que os remete para o domínio da Semiótica.
Relembre-se que cada signo tem um significante («expressão material da cultura») e um
significado (a faceta conceptual, intencional), aplicáveis ao objecto porque se
considerou que todo o objecto é signo.
O sistema de significação de um objecto não se atém àquilo que significa por si
só, isto é, por aquilo que é enquanto objecto (pintura impressionista, cofre em
madrepérola, máquina a vapor, tear, tapeçaria, bobina ou qualquer instrumento de
fiacção, tecelagem, etc.), estende-se também àquilo que representa (que simboliza), à
função que cumpre.227
Primeiro, os sentidos são activados pela denotação do objecto, ou
226
Francisca Hernández Hernández, debulhando o raciocínio de Baudrillard (1971), em El museo como
espacio de comunicación, p. 36.
227 Todos os objectos têm um conteúdo passível de ser transmitido. Aquilo que decorre da produção
humana está carregado de intencionalidade, e, por isso, são significativas as palavras do filósofo Walter
Benjamin em «Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana»: «Todas as manifestações da
vida intelectual do homem podem ser concebidas como uma espécie de linguagem (…). Numa palavra:
toda e qualquer comunicação de conteúdos é linguagem (…).» Walter Benjamin, Sobre Arte, Técnica,
Linguagem e Política, Lisboa, Relógio D’ Água Editores, 1992, p. 177. No âmbito da teoria da
linguagem, Benjamin reflecte sobre a linguagem dos objectos: «Todas as linguagens se comunicam a si
mesmas. A linguagem deste candeeiro, por exemplo, não comunica o candeeiro (porque a essência
espiritual do candeeiro, na medida em que é comunicável, não é de modo algum o próprio candeeiro),
mas sim, o candeeiro linguagem, o candeeiro na comunicação, o candeeiro na expressão. Porque na
linguagem se comporta assim: a essência linguística das coisas é a sua linguagem». Assim como o
candeeiro, a linguagem dos demais exemplos enumerados na frase está para além do corpo exibido.
111
seja, enquanto peça/matéria de um mostrador que é a sala e que significa aquilo que ali
é visto – uma presença – para, depois, sobrevir a acção conotativa. Esta semântica é
motivada pela «ordem» e «intencionalidade» que formam a sintaxe da exposição e que
nos servem informações lógicas, histórias e significados que exigem abstracção,
raciocínio e comparação.228
A análise de um objecto não é unidireccional. Parafraseando Hernández, o
objecto está sujeito a apreciações que compreendem a forma, a utilidade, a função, a
estética, o simbolismo, e a sua própria «inutilidade». O sujeito poderá avaliá-lo de todas
estas formas, embora cada exposição se construa tendo como fio condutor uma
ideia/mensagem específica e definida antecipadamente que influenciará a organização e
os meios de comunicação a aplicar, apropriados à expressão daquela mensagem.
O objecto enquanto forma é aquilo que é, na análise de Hernández, inalterável
fisicamente, mantendo o conteúdo que lhe foi atribuído aquando da sua concepção,
independentemente da disposição que lhe venha a ser imposta. É um significante. Mas é
também produtor de significado, pois o seu conteúdo conta histórias, sugere relações,
reclama determinados contextos (passados). E, assim, ascende a «objecto cultural».229
Sobre a utilidade e a funcionalidade: o objecto desempenha uma função, um serviço, na
malha de contactos sociais. A este nível, o privilégio é unicamente do seu «uso» e do
seu «consumo», e não do seu «valor simbólico» que não compactua com o mercado e a
produção massificada.
Quanto à estética (analisada por Hernández na obra artística): a aparência que,
não raras vezes, atrai o indivíduo pela sua beleza, não deixa de representar a oposição
ao utilitarismo de que se falava anteriormente. Esta «inutilidade» da obra de arte, que a
investigadora admite, não desmerece a «criatividade e a liberdade» que estiveram na sua
origem e que a tornaram numa «realidade única e irrepetível».230
Simbolismo e
imaginário estão irremediavelmente afectos à obra de arte, fazem parte da sua natureza,
e a carga significante não pode ser espartilhada pelo «significado, real ou aparente, que
possa evocar». Porém, a obra de arte é-o somente quando um sujeito lhe reconhece uma
dimensão sensível e arrebata o verdadeiro sentido da mensagem dentro da lógica
imagética que fundamenta o seu aspecto (seja quadro, escultura, instalação, ou outro).
228
Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 39.
229 Idem, p. 40.
230 J. Costa, «Diseño, Comunicación y Cultura» apud Francisca Hernández Hernández, El museo como
espacio de comunicación, pp. 40-41.
112
2.2.2.1. A semiose dos objectos arqueológicos, etnográficos e técnicos
a) Arqueologia. Se duas linhas houvesse que permitissem ser a abertura para o
entendimento do objecto no âmbito da arqueologia, Hernández encontraria em G.
Kluber uma ideia esclarecedora ou, pelo menos, principiadora: «Como diz Kubler
(1962, 126), tenta-se elaborar uma história dos objectos que tenha em conta tanto o
significado como a coisa em si»231
. Entre os vários pensadores (entre os quais Kubler e
Hodder) e as correntes arqueológicas (arqueologia estruturalista, arqueologia contextual,
arqueologia pós-processual), que a investigadora coteja, importa assinalar algumas
marcas importantes da arqueologia na comunicação de património.
«Como será possível ao arqueólogo realizar a reconstrução do significado
simbólico de um passado ao qual só tem acesso através de determinados objectos»?
Hernández evoca a arqueologia contextual para mostrar que o processo de descoberta do
objecto não se esgota em «escavar, classificar e conservar». Segue-se o estudo
minucioso dos «contextos específicos» das peças «para, a partir deles, contrastar e
analisar os próprios contextos actuais» – sendo feito, por intermédio destes, um exame
do passado segundo «categorias modernas». Essa apreciação não deverá estar
contratualizada apenas com uma versão, mas disponível à pluralidade de interpretações
(arqueologia pós-processual) para «melhor entender as relações existentes “entre norma
e indivíduo, entre processo e estrutura, entre o ideal e o material, entre sujeito e
objecto”».232
«Segundo Van Mensch (1990, 146), o conceito de “objecto museológico” e, na nossa opinião,
também o de objecto arqueológico, baseia-se em quatro níveis distintos de dados: nas
propriedades estruturais ou características físicas do objecto, nas propriedades funcionais
referentes ao uso do objecto, no contexto ou ambiente físico e conceptual do objecto e no
significado baseado no sentido e no valor do objecto. Por sua vez Maroevic (1983), apoiando-
se na mesma ideia de que tal objecto é portador de dados, apresenta um modelo de objecto sob
três aspectos distintos: o objecto considerado como documento, como mensagem e como
informação.»233
Falar em objecto como «documento» significa trabalhar o conjunto de
informações biográficas do mesmo enquanto «veículos do processo de comunicação»,
que permitirão realizar, sequencialmente, as etapas da conservação e da comunicação.
Comunicar a mensagem não será tarefa menos árdua. A complexidade do ser humano,
231
Francisca Hernández Hernández, El museo como espacio de comunicación, p. 44.
232 Idem, pp. 44-45.
233 Idem, p. 45.
113
pela sua simultânea diversidade e unicidade, é transportada para todas as suas acções, e,
como tal, a mensagem inerente a um objecto (o «documento») poderá absorver as
mesmas características daquele com quem se relaciona (o «transmissor»), e desdobrar-
se em várias mensagens. O objecto como «informação» é o «significado da mensagem»
e, finaliza Hernández, o seu «impacto» no público/receptor, que não é mais do que
pragmática.
Parafraseando Maroevic, a história do objecto é contada a três tons: o
conceptual, o factual e o actual. A fase conceptual remete para a idealização e a
relevância do objecto no período e ambiente que contextualizam a sua criação. A
segunda diz respeito à atribuição de uma identidade por parte do criador, justificando o
seu propósito e funcionalidade. O objecto, como tantas outras existências, atravessa um
processo de erosão e de limagem propiciado pelo tempo. A terceira, a actualidade, é já
resultado dessa transformação. E é pela recente configuração que se conhece esse
objecto como tal.
A interpretação do objecto arqueológico em contexto museológico deverá, pois,
respeitar todos estes elementos porque, explica Hernández, «não é o mesmo ver ou
analisar o objecto como um mero artefacto que se põe em funcionamento, que
contemplá-lo como uma mensagem que expressa de forma simbólica determinadas
características sociais ou como um significado que se deduz da dimensão ideológica que
lhe é dado num determinado momento da sua história»234
.
b) Etnografia. Aquilo que se entende como objecto de ordinária utilização pode
não o ser simplesmente, e, a dado momento, reunir condições para que nele se achem
características meritórias (seja do ponto de vista artístico, social ou noutro âmbito
cultural) de uma fruição diferente. Aconteceu com a reapreciação feita, no século XX,
de determinados objectos do século que o antecedeu. Tornou-se possível descrever e
analisar a evolução da sociedade e das comunidades, e do seu grau de civilização e de
progresso com base no tipo de objectos fabricados. Contudo, a perspectiva sobre o
objecto etnográfico evoluiu: deixa de ser considerado apenas no seu estádio primitivo
material, para ser integrado como testemunho que reúne outros tipos de manifestações
(sonora, visual e simbólica). Por conseguinte, esta função deixava de estar circunscrita
ao objecto-testemunho para ser transportada para os museus etnográficos. Apoiada em
234
Idem, p. 46.
114
L. Zerbini, Hernández infere que «os objectos deixem de ser considerados como
objectos de contemplação ou como meros indicadores do grau de desenvolvimento dos
seus criadores, para passarem a ser contemplados como objectos de conhecimento e
estudo e como autênticos “objectos-testemunho” de uma civilização». De objecto
funcional passa a objecto de significação com vista ao estudo especializado.
c) Técnica. Como é sabido, a técnica conduziu e acompanhou o progresso do
homem, tornando-se extensão do seu próprio corpo no auxílio a muitas das suas
actividades. Primeiramente, sem interferir na essência dos materiais, o homem serve-se
dos objectos tal como a Natureza os produziu para realizar acções básicas de
sobrevivência (como cortar, atar, bater). Com a complexificação do tipo de necessidades
do homem, o objecto tornou-se manipulável e adaptável para servir situações mais
sofisticadas. A transformação dos materiais resultou em objectos utilitários preparados
para prestar serviços e satisfazer determinados objectivos. Os objectos técnicos
«convertem-se» em objectos culturais «porque comportam “uma intencionalidade, um
desígnio, um sentido utilitário, construtivo e semiótico”».
Este discurso de Hernández obriga-a a destacar, numa interpretação pessoal, a
obra de Leonardo da Vinci como a grande motivação para o «ressurgir das artes e da
técnica», e, em certa medida, «para a formação dos museus da ciência e da técnica e
para a introdução dos objectos técnicos naqueles». O seu empenho para com o desenho,
a engenharia, a máquina e a mecânica, os esboços e as realizações, as tentativas e os
estudos foram inspiração em projectos posteriores. É com Giorgio Vasari que o conceito
desenho (disegno) ganha, estatutariamente, relevância como fundador no círculo «das
três grandes artes: arquitectura, escultura e pintura».235
Hernández acredita que a
revelação de Vasari, como visionário no campo da arte e da sua conceptualização, é
comparável à de Leonardo da Vinci no da mecânica, afirmando que este último
«oferecerá uma combinação de arte, ciência e tecnologia». Várias relações se conjuram:
a máquina e a Natureza (máquinas hidráulicas, voadoras, etc.), a máquina e a acção do
homem (a guerra), o original (peça única) e o reproduzido, o trabalho artesanal e o
trabalho em série/industrial, que terão verdadeiro impacto nos tempos subsequentes.
As consequências da Revolução Industrial inglesa no último terço do século
XVIII são esclarecedoras. A tecnologia, a energia artificial (electricidade), a indústria, a
235
Idem, pp. 49-50. Em 1563, Vasari funda L’ Academia del Disegno em Florença.
115
técnica e as novas tecnologias da informação e da comunicação, em folgorosa ascensão,
combinam-se e influenciam-se, num caminho sem retrocesso. A invenção da máquina a
vapor, com os avanços nos estudos e aproveitamento do calor enquanto energia, e o
refinamento da maquinaria (servindo-se «das leis da conservação e da transformação de
energia») intercedem pela indústria têxtil e pela metalurgia (com meios de produção
mais avançados e precisos). Também no campo das ciências biológicas, da agricultura e
da medicina, a ciência implicava a indústria, gerando máquinas, procedimentos e
descobertas que viriam a integrar as colecções de museus da técnica e da ciência, como
assevera Hernández. É a história da Ciência e a história da Técnica em cumplicidade.
De um modo geral, cada objecto tem a sua singularidade dentro do cenário
criado no espaço museológico, independentemente da sua proveniência, e está integrado
num projecto comunicacional. André Malraux lamentava, desgostoso, a impossibilidade
de o museu levar o mundo a todos. Não é possível ter uma amostra de cada tipo de
criação – pense-se nas edificações. Dizia Malraux que os «conjuntos de vitrais e de
frescos», o «que não é transportável», o «que não pode ser facilmente exposto, os
conjuntos de tapeçarias, por exemplo», o «que não [se] pode adquirir» constituíam esse
impedimento.236
Nem sempre a montanha pode ir até Maomé, mas em certas alturas ela
consegue ser movida: hoje, tapeçarias (de Portalegre) cobrem e colorem, como quadros,
paredes que conseguiram dar-lhes espaço. Mas não só, também o repertório artístico
vanguardista (Arte Moderna e Contemporânea) junta-se à tradição da lã (que é sua
matéria-prima), gerando um outro conceito, uma outra linguagem – sobre a qual mais
adiante se desfiará.
2.2.3. A comunicação além do objecto
A comunicação não passa unicamente pelos próprios objectos. Com o intuito de
conservar e resguardar a aura237
e o simbolismo dos originais, a comunicação passa a
236
André Malraux, O Museu Imaginário, Colecção Arte & Comunicação, Lisboa, Edições 70, Janeiro de
2000, p. 13.
237 Aura é a «manifestação única de uma lonjura, por muito próxima que esteja». Lonjura – ou
distanciamento, se assim se preferir –, a da aura; proximidade, a do objecto que a recorda. A aura é o que
se encontra além de todas as barreiras e/ou limites formais que enchem a visão, a audição ou qualquer
outro sentido. É na inacessibilidade sensorial da experimentação que se encontra o imaculado valor da
obra. Com a aura aparta-se do presente, e o indivíduo encontra-se com o passado (com a história, a
envolvência, as consequências, os significados, com a origem e a verdade dos objectos). Tratam-se de
116
ser feita por outros meios, como por exemplo a imagem. A palavra é o mais imediato,
mas a imagem tem granjeado valor estratégico junto do público. A sua
bidimensionalidade não deixa de atrair o público, que lhe reconhece as características
daquilo que representa e que por meio dela mais rapidamente guarda o objecto para ser
rememorado do que a palavra. Ao longo da obra de Hernández, a comunicação tem sido
abordada como reflexo de um mundo cada vez mais dominado pela imagem, no qual é
usada, frequentemente, como tentativa de «substituir» o próprio objecto. Os signos
concretizam e asseguram a comunicação. No entanto, a substituição pode ser
contraproducente, na medida em que o homem pode achar-se satisfeito por conhecer o
objecto pela imagem e não chegar a contemplá-lo verdadeiramente.
A imagem alcançou uma certa autoridade sobre o homem, sobre quem a cria e
manipula, individual ou colectivamente. «Disse Gauthier (1986, 242) que “ao oscilar
entre o mundo dos objectos e o das formas, ao pôr em funcionamento um léxico
complexo no qual se tocam a abstracção pura, o motivo ornamental, o símbolo e a
simples reprodução, a imagem remete-nos sempre para fora dela, para algo que mantém
o nosso sentido de visão, a nossa capacidade de abstracção, a nossa experiência lógica, a
nossa participação na cultura e na história” (…).»238
«A interacção entre texto e contexto institucional, ou seja, as condições de
produção e de difusão das imagens, dizem-nos bastante, já o sabemos, do sentido a
atribuir-lhes e da orientação a tomar na sua interpretação.» Comenta, ainda, Martine
Joly: «A escolha da tecnologia de suporte afecta também, evidentemente, a
interpretação global da mensagem, remetendo para universos de referência e de
legitimidade diferentes e específicos». A obra na instituição é a peça no puzzle, as
especificidades da primeira concorrem para o resultado predestinado, requerendo este
da partícula aquelas especificidades diferenciadoras. O conjunto de características (cor,
experiências rememorativas. Walter Benjamin, «A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica»
in op. Cit., p. 81. A autenticidade e a unicidade da obra de arte querem-se à semelhança da imagem de
culto, cuja essência reside precisamente desprendida da sua manifestação física. Como que em estado de
ascese, preserva-se o valor original recebido aquando da sua criação. Isto para perceber a força do
pensamento de Benjamin: «(…) o valor singular da obra de arte “autêntica” tem o seu fundamento no
ritual em que adquiriu o seu valor de uso original e primeiro». Walter Benjamin, «A Obra de Arte na Era
da sua Reprodutibilidade Técnica» in op. Cit., p. 82.
238 Justo Villafañe e Norberto Mínguez, Principios de Teoría General de la Imagen, 4.ª ed., Madrid,
Ediciones Pirámide, 2006, p. 253.
117
traço, formato, etc.) subordinadas à composição visível na peça (a partícula) só permite
a análise de uma parte da mensagem. Para a elucidação do «sentido global da
mensagem» é necessário expandir o procedimento analítico (de construção do puzzle)
aos elementos circundantes. Segundo Joly, incluir o «eixo paradigmático da organização
da mensagem, quer dizer, os campos associativos ausentes que os elementos presentes,
apesar de tudo, designam e põem em movimento». Por isso, há que relevar a miscelânea
de dispositivos e estímulos discursivos (textual, visual e sonoro), o ambiente
institucional e a metodologia de difusão dos objectos/obras no trajecto dos significados.
Dúvidas não há quanto ao facto de o museu ser linguagem e meio de
comunicação – é o que se pode ler em El museo como espacio de comunicación. Sabe-
se, também, que o museu dispõe de conteúdos especiais que implicam uma
comunicação específica. A gestão de um museu passará obrigatoriamente pela gestão da
forma como comunica (tal como dos meios, das potencialidades, das contrariedades e da
eficácia) – em todas as suas vertentes (oral, escrita e não-verbal, assumindo o desafio da
utilização das novas tecnologias e do seu imprevisível crescimento no âmbito de um
«universo virtual») – as suas colecções «no sentido de facilitar o encontro entre o museu
e os seus visitantes».239
Por outro lado, há um outro terreno de comunicação: a comunicação inter-
institucional. Diz Hernández que a «comunicação não ocorrerá apenas entre museu e
público, mas deve estender-se também aos diferentes museus entre si, sejam nacionais
ou internacionais». A partilha de procedimentos, de formas de intervenção e de
interpretações dos objectos, dos conteúdos, das mensagens, dos públicos e das
comunidades em que se encontram instalados conflui para perceber qual é «a realidade
da cultura científica, tecnológica e industrial», as suas insuficiências e as suas
possibilidades de melhoramento para actuar no museu prospectivamente (esperava-se
então a vinda do século XXI). Esta participação é projectada a um nível igualmente
audacioso: o de uma rede global de museus científicos e técnicos.
Fala-se de técnica (da máquina, do aparelho, de tecnologia) e pensa-se nela
como extensão do corpo humano. Isto porque pensa-se os media (de montante
[natureza/origem] a jusante [efeitos]) do ponto de vista técnico. «Tendemos a falar de
mediações (o conjunto das operações dos media)», oberva António Bento – docente dos
cursos de Ciência Política e Relações Internacionais e de Ciências da Comunicação, na
239
Francisca Hernández Hernández, op. Cit., pp. 56-57.
118
Universidade da Beira Interior –, «quase exclusivamente por relação aos aparelhos
técnicos ou por relação aos programas informáticos que lhes dão vida».240
Este
estudioso das áreas da Comunicação e da Teoria Política adentra-se nos estudos dos
media e aprofunda o assunto da seguinte forma: «A verdade, porém, como diz Peter
Sloterdijk, é que “os seres humanos são os media primários” – quanto aos aparelhos, ou
aos algoritmos que põem as máquinas a trabalhar, eles são apenas uma espécie de
“amplificadores”»241
. Esta asserção harmoniza-se com a tese de Marshall McLuhan242
,
isto é, «qualquer medium é apenas o prolongamento dos sentidos do homem, ou, como
ele gosta de dizer, um medium é uma “extensão do seu sistema nervoso central”»243
. O
homem vê, assim, as suas capacidades intelectuais e físicas amplificadas, projectadas,
estendidas por obra dos media. Tal como um par de óculos, o tear é um
equipamento/«prótese» que permite minimizar incapacidades e ampliar a qualidade e a
eficácia das aptidões do homem. António Bento menciona a roda, o livro, a roupa e o
circuito eléctrico como os prolongamentos do pé, do olho, da pele e do sistema nervoso
central respectivamente.
Ao «“objecto-prótese”» junta-se o «“objecto-signo”, que actua como um suporte
significante de muitos outros possíveis significados», e recentemente o «“objecto-
interactivo”», inteligível por todos. Este «“objecto-interactivo”» surge de encontro a
uma atitude passiva, demorada, introspectiva e reflexiva, que a profusão de significados
implicada no «objecto-signo» requer. Prevê dinamismo e uma linguagem mais informal
e de proximidade. Um formato menos arquivístico e, por oposição, mais envolvente,
apelando à intervenção e à combinação de mais sentidos (além da visão), e, por isso,
também mais atractivo. Esta nova compleição da forma de estar do sujeito perante a
obra, mais irreverente (mas não necessariamente de ruptura com a palavra imagética,
apresentada pelo artista), sujeita-o a «“interagir” com ela, podendo modificar, inclusive,
as suas próprias características artísticas»244
.
240
António Bento, «Meios e Fins», s/d, p. 1. António Bento é autor de obras como Maquiavel e o
Maquiavelismo e Razão de Estado e Democracia, e é um dos poucos estudiosos de Carl Schmitt em
Portugal.
241 António Bento, «Meios e Fins», s/d, p. 1.
242 Pioneiro nos estudos dos media, da tecnologia e seus ecos na formação e construção sociais. Autor de
Understanding Media: The Extensions of Man, um original de 1964.
243 António Bento, op. Cit., p. 2.
244 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 58.
119
2.2.3.1. Comunicação multimedia: o ciberespaço ou o espaço imaginado
Dos Estados Unidos da América (nomeadamente da Califórnia) surge o
computador pessoal. A sua rápida aceitação e entusiasmo da população em geral
permitiu subtraí-lo aos monopolizadores espaços de actividade económica (cada vez
mais adeptos das suas valias gestoras) e daqueles que os programavam – da fonte, diga-
se. Este instrumento científico, de pesquisa, militar ou organizacional transforma-se em
«instrumento de criação (textos, imagens, música), de organização (bases de dados,
quadros), de simulação (quadros, utensílios de ajuda às tomadas de decisão, softwares
de investigação) e de diversão (jogos)».245
Tomando nota destes mesmos factos – de
instrumento de laboratório a ferramenta quotidiana para uma multiplicidade de tarefas –,
B. J. Fogg afirmara, em 2003, que os «computadores não foram, inicialmente, criados
para persuadir», mas o seu novo estatuto assim o permitiu. Hoje, são actores de
influência (dado o número de papéis que estão a assumir e a conquistar) de tal forma
que se introduziram no ensino, na saúde, no comércio, na religião, na diversão.
«Entrámos numa era de tecnologia persuasiva, de sistemas de computação interactivos,
projectados para mudar atitudes e comportamentos das pessoas.»246
Em diminuendo
está a mecânica analógica, cedendo à digital. A década de 1980 é a década dos
multimedia. Os ambientes técnicos e industriais deixam de magnetizar a informática
para esta se fundir «com as telecomunicações, a edição, o cinema e a televisão», afirma
Pierre Lévy. Microprocessadores e memórias informáticas penetravam «em todos os
domínios da comunicação».
O hipertexto, os processadores de texto, a infografia e a amálgama de meios que
245
Os computadores saíram dos laboratórios militares (que deles faziam uso desde 1945 – os primeiros
em Inglaterra e nos Estados Unidos da América) para começarem a povoar a comunidade civil na década
de 1960. O impacto na vida social era, antes, imprevisível. A informática foi mais além da ciência, da
estatística, da gestão, das grandes empresas, da organização estatal, sobretudo a partir dos anos de 1970. A
indústria relança-se, entre outros campos, na robótica e em máquinas e ferramentas de controlo digital. A
automatização é cada vez mais refinada, inclusivamente no sector dos serviços. Esta breve biografia do
despertar do ciberespaço recolhe-se à obra de Pierre Lévy, Cibercultura. Relatório para o Conselho da
Europa no quadro do projecto «Novas tecnologias: cooperação cultural e comunicação», Colecção
Epistemologia e Sociedade, Lisboa, Instituto Piaget, 2000, pp. 33-34.
246 B. J. Fogg, Persuasive Technology: Using Computers to Change What We Think and Do, São
Francisco, Califórnia, Morgan Kaufmann Publishers, 2003, p. 1.
120
é possível combinar no termo multimedia, aplicados à museografia e à museologia, são
os «“objectos-quase-sujeitos”», resume Hernández de autores como R. Gubern, E.
Manzini e J. A. Lleó. Os CD-ROM são, hoje, uma recordação colunável perante os
vários programas, dispositivos e aplicações de criação, tratamento e armazenamento de
informação textual, sonora ou visual. Muitos oferecidos por marcas que espalham,
literalmente, a vogal «i» (ipod, ipad, imac, iphone), em sentido quase possessivo e
individual, por todo o lado, e outros andróides, PDAs, e por aí adiante. Os dispositivos
móveis são tecnologias extremamente persuasivas. «Em qualquer momento
(idealmente, no momento apropriado), o dispositivo pode sugerir, encorajar e
recompensar; pode acompanhar o seu desempenho ou levá-lo por meio de um processo;
ou pode fornecer evidências factuais convincentes ou simulações pertinentes»,
reconhece B. J. Fogg, no início do século XXI.
Um dos objectivos da equipa onde o doutorado pela Universidade de Stanford
estava inserido era «dar a conhecer como dispositivos móveis, especialmente
telemóveis, PDAs e aparelhos especializados, como pedómetros, podem desempenhar
um papel de motivação e de influência nas pessoas»247
. Poderá tal servir um museu ou
um roteiro de museus, criando um programa específico para que o possível visitante
seja atraído pelo percurso indicado pelo seu aparelho? Estes permitem um processo de
descoberta mais livre – não arbitrário, mas de opção – que nos é facultado por símbolos
ou ícones ou palavras-chave. Aos acima enumerados, acrescenta-se os interfaces
gráficos, os jogos de vídeo e outro tipo de aparelhos e ferramentas que aliam a
componente sensorial e o movimento e promovem a tão referida interactividade «que
acontece num determinado tempo e, de algum modo, impõe-nos a sua presença»248
.
Produzem, emitem, gravam, editam e convertem para variados formatos imagem
(fotografia, vídeo, gráficos) e som (a música foi a primeira a ser conquistada pela
digitalização, comenta Pierre Lévy). Contacta-se com o exterior e com ele partilha-se
essa informação. O «triunfo da informática de “convívio”» é a evidência que
Cyberculture249
não pôde excluir.
247
Idem, p. 186. Equipa integrada no Laboratório de Tecnologia Persuasiva da Universidade de Stanford,
o qual é dirigido por B. J. Fogg. Ver http://captology.stanford.edu/
248 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 59.
249 O seu autor, Pierre Lévy, é filósofo e professor na Universidade do Quebeque. As Ciências da
Informação e da Comunicação e a Sociologia recolheram a sua atenção e acção científica, embrenhando-
se no par Informática-Sociedade. Publicou, em 2011, La sphère sémantique – Tome 1, computation,
121
Virtualidade, ou mais comummente realidade virtual, é jargão do meio
informático. Román Gubern descrevera-a como «“um sistema informático que gera
ambientes sintéticos em tempo real e que se erigem numa realidade ilusória (de illudere:
“enganar”), pois trata-se de uma realidade perceptiva sem suporte objectivo, sem res
extensa, já que só existe dentro do computador”».250
Um espaço coexistente com a
realidade, mas não palpável nem permanente; de interacção, mas sempre com o
distanciamento próprio que os programas e aparelhos envolvidos mantêm, e de tipo
transitório. É uma forma de comunicação que implica experiências visuais, acústicas,
sinestésicas, espaciais, tácteis e de locomoção.
Como se concilia o ciberespaço – um espaço onde «não há lugar para realizar
uma leitura reflexiva das imagens que se apresentam, mas que se convida a participar
num autêntico espectáculo» – com obras de arte ou outros objectos que constituem
colecções musealizadas? Como se controla a convivência entre o aparente e o real, a
ilusão e a verdade? Qual o contributo da realidade virtual para a apresentação e o
desenvolvimento de colecções num museu? Ao mesmo tempo, é preciso que a
espectacularidade não distraia o visitante da essência do objecto. «Como podem
converter-se os espaços virtuais em suportes artísticos?», pergunta Hernández. O
ciberespaço, apoiado nas «tecnologias do digital», passou a ser o «novo espaço de
comunicação, de sociabilidade, de organização e de transacção, mas também novo
mercado da informação e do conhecimento», relata Lévy.
Se, em relação à pintura, é possível ao artista recriar a sua obra, acrescentando
uma terceira dimensão ao seu corpo, outros objectos poderão ser explorados de formas
que não as praticáveis presencialmente: pelo visionamento em perspectivas antes
impossíveis ou improváveis, por exemplo, recorrendo à decomposição do objecto ou
vendo-o em funcionamento. Realidade e imaginação envolvem-se, e sentidos e imagens
cruzam-se nesse espaço sempre movediço que é o ciberespaço.
Segundo Hernández, comentando A. Mayo («Realidad Virtual» em A. Dyaz e J.
Aragoneses: Arte, Placer y Tecnología, 1995), a realidade virtual verifica-se quando
existe a possibilidade de o utilizador se corporizar nesse mundo virtual e de vivê-lo
como na realidade, de interagir com os objectos (tocar e manipular) e de receber e de
perceber diferentes sensações para as quais contribuem os sons tridimensionais, a
cognition, économie de l’information, Hermès.
250 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 60.
122
experiência de toque e a sensação de textura. Lévy confirma Hernández ao admitir que
«a recepção de uma mensagem pode pôr em jogo várias modalidades perceptivas». Um
jornal tanto é lido como tocado, já uma película cinematográfica exige do espectador a
visão e a audição, enquanto nas realidades virtuais todos os sentidos podem ser
convocados (sobretudo a visão, a audição e o tacto), bem como a cinestesia251
. A
convenção ausenta-se desta nova forma de aproximação (distanciada) das colecções à
sociedade. A Internet poderá ser o lugar de transição entre a publicitação das obras e a
sua contemplação presencial pelo indivíduo no espaço museológico. Apesar de se lidar
com «substitutos da realidade», a hipótese de vivenciar esse património não é falsa, mas
antes motivadora.252
O ciberespaço trouxe consigo o mundo virtual [que disponibiliza informação
«num espaço contínuo – e não em rede (…)», explica Lévy, no qual o indivíduo se sente
fisicamente absorvido] e a informação em fluxo. O ciberespaço – ao contrário da
televisão, da rádio ou da imprensa – permite que todos os membros da comunidade
acedam à mensagem e possam redarguir. Todos são emissores e receptores activos,
mesmo que espacialmente desencontrados, e todos podem participar na construção de
um «contexto comum». A este sistema de comunicação, Lévy chamou dispositivo
todos-todos (do qual pode ser exemplo a World Wide Web, estando nos sítios da Internet
radicada a «forma mais comum de tecnologia persuasiva hoje em dia», constatou Fogg
em Persuasive Technology), enquanto nos meios tradicionais vigora o um-todos. Neste
âmbito, a probabilidade de mutações culturais e comportamentais é elevada e ultrapassa
a simples combinação de discursos textuais, imagéticos ou sonoros e que na sua opinião
distorcem a definição de multimedia.253
As tecnologias compreendidas pelo ciberespaço interferem nas funções
251
Termo do âmbito da fisiologia para designar o «sentido da perceção de movimento, peso, resistência e
posição do corpo, provocado por estímulos do próprio organismo». Mauro de Salles Villar (Dir. de
projecto), Dicionário do Português Atual Houaiss, 1.ª ed., Lisboa, Círculo de Leitores, 2011. (Edição
portuguesa.)
252 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 61.
253 Neste ponto, Lévy chama a atenção para o esclarecimento do conceito de multimedia.
Etimologicamente, multimedia (termo de origem inglesa) dizia respeito à utilização de vários suportes de
difusão de informação ou veículos/meios de comunicação. (A definição apresentada pelo Dicionário do
Português Atual Houaiss, atendendo à origem do termo, concorre para esta descrição.) Aquilo que Lévy
observou foi a sua confusão com «multimodalidade» e «integração digital». Pierre Lévy, op. Cit., pp. 65-
68.
123
cognitivas dos indivíduos expondo-as, alterando-as e estimulando-as. Lévy refere-se à
«memória (bases de dados, hiperdocumentos, ficheiros digitais de toda a ordem),
imaginação (simulações), percepção (receptores digitais, telepresença, realidades
virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenómenos complexos)».
Por seu turno, B. J. Fogg reúne nas tecnologias interactivas três funções primordias: a
de ferramenta, a de meio e a de actor social. Eficiência, capacidade de simplificação e
de organização, realização de operações «que seriam virtualmente impossíveis sem
tecnologia» desenvolvem a primeira incumbência da «tríade funcional». Mas é como
meios (ou media) que se têm distinguido. O upgrade do software (em inevitável recurso
à gíria informática, cada vez mais naturalizada em qualquer idioma), ainda de acordo
com Fogg, conhece dois caminhos de veiculação de informação. Um: com o recurso a
símbolos por meio de «textos, gráficos, tabelas, e ícones». Dois: sensorial – que acode
aos atributos do «áudio, vídeo, e (raramente) até sensações olfactivas e tácteis». É neste
último âmbito que a realidade virtual e outros ambientes de simulacro se enquadram.
Enquanto elemento (do) quotidiano, a convivência com este tipo de máquina
ultrapassou a condição robótica. Os indivíduos comportam-se frequentemente como se
ela (a máquina) fosse a sua colega de trabalho ou a sua companheira na vida privada.
Reagem emocionalmente, dialogam, fazem-se acompanhar dela sempre que a
portabilidade o permite e sentem a sua ausência quando a isso se vêem forçados.
«Acordar», «dormir», «morrer» são vocábulos que a relação afectiva com produtos-
criaturas-seres-entidades vivas foi incorporando. Humaniza-se a tecnologia (cada vez
mais móvel, atractiva e intuitiva) para criar relações de confiança e isso determina a
forma como o indivíduo interage com o passado, com o objecto musealizado, a forma
como pode conhecê-lo e empatizar com ele. O que se pode repercutir no enredo
museológico: museu, informação/acervo e público são regulados e influenciados por
outra realidade, aquela que começa antes de entrar no espaço privilegiado da história,
podendo começar a interagir com esta a partir de casa, preparando-se previamente.
Como que experiências preliminares e parciais, intentadas a cumprir essa acção
efectivamente. Este outro espaço proporciona, por um lado, alternativas no acesso à
informação («navegação hiperdocumentária, caça à informação por meio dos motores
de busca, knowbots ou agentes de software exploração contextual por meio de mapas
dinâmicos de dados [sic]»), apoio de cariz social; e, por outro, novos mecanismos de
124
raciocínio.254
Conhecer passou a exigir pensar de outras formas, nomeadamente pelo
simulacro.
Esta nova acepção de experiência e de busca de conhecimento persegue
objectivos valiosos e que não estão desfasados do portento dinamizador de um museu
local/regional. Diz Lévy que a prioridade desses instrumentos residia na valorização da
cultura, das competências, dos recursos e dos projectos locais, «para ajudar as pessoas a
participarem nos colectivos de entreajuda, em grupos de aprendizagem cooperativa,
etc.» Escopo: auxiliar na autonomização das comunidades, qualificando-as, bem como
as regiões onde se encontram (com particular efeito nas mais desfavorecidas), dotando-
as de mecanismos de preservação das suas tradições e saberes locais e regionais.255
Sociedade, informação, comunicação e tecnologia foram os códigos que incitaram Lévy
a reformular a divisa da Revolução Francesa em adequação à revolução que medrava no
século XXI: «Na era dos media electrónicos, a igualdade realiza-se na possibilidade de
cada um emitir para todos; a liberdade objectiva-se através de software de codificação e
um acesso transfronteiriço de múltiplas comunidades virtuais; a fraternidade, enfim,
transparece na interligação mundial».
2.2.4. Meios de comunicação frios e meios de comunicação quentes. Museus frios e
museus quentes
Marshall McLuhan foi quem iniciou a discussão sobre meios de comunicação
quentes e frios, directamente relacionados com a quantidade de informação e com o
grau de participação do indivíduo. Aos meios quentes está associada a efervescência de
informação que se plasma na quase inércia do indivíduo. Isto é, elevada saturação de
dados minimiza a intervenção do indivíduo, ao contrário do inverso. Por seu turno, nos
meios frios, o indivíduo tem de recorrer a meios complementares de informação (de
significação) que lhe permitam descodificar a mensagem. O cinema, a fotografia e a
rádio, identificados com o primeiro; e o telefone, a televisão e a banda desenhada,
exemplos do segundo, ilustram esta distinção.
O facto é que a comunicação é omnipresente e a variação da quantidade de
informação é notada em qualquer área, sobretudo quanto maior for o seu papel
comunicativo. Por que não falar igualmente em museus quentes e museus frios, como o
254
Idem, pp. 167-168.
255 Idem, p. 261.
125
fez Hernández? Se o museu dá toda a informação, o visitante pouco terá de se esforçar.
É previsível a atitude, e é uma situação quente. Pelo contrário, o frio, até
climatericamente falando, impele à acção para que os corpos não arrefeçam. O mesmo
acontece no museu. Ao contrário do museu quente, o museu com informação racionada
exigirá do público maior participação e interacção, promoverá maior comunicação e
eventualmente criará espaço para a criatividade a fim de que a informação necessária
seja coligida.256
No mesmo correr de tempo, descobre-se património e cria-se património.
Património variado (da técnica à estética), complexo (de procedimentos científicos à
filosofia da arte), e rico em toda a multiplicidade que atrai a atenção de classes mais ou
menos formadas, e mais ou menos despertas para a sublimidade. A voluptuosa carga
informativa, ingratamente comprimida pela falta de meios próprios de compreensão da
mesma por parte dos indivíduos, justifica a inevitabilidade manifestada por Hernández:
«Que necessitamos de novas formas de linguagem para comunicarmos com os museus é
algo evidente, porque também os museus usam diferentes linguagens para entrar em
comunicação com os visitantes». Observe-se, contudo, que classificar um museu como
quente ou frio não é linear nem segue esquemas padronizados prontos-a-usar. A sua
classificação varia de acordo com todos os factores – sociais, políticos, psicológicos,
culturais, ambientais – que influenciam o meio onde se encontra, mais a familiaridade
do sujeito com as novas formas de comunicação, que poderão condicionar a
interpretação da mensagem que o destinatário recebe. O que para uns é um museu frio
para outros pode ser quente, e essa variabilidade depende dos códigos de análise e da
vivência de cada um, para a qual a «museologia aberta» alerta.257
«O meio é a mensagem» é a tese de McLuhan. Num tempo e num espaço
embevecidos pela electrónica, isto «significa que já se criou um ambiente totalmente
nôvo [sic]».258
Os meios de comunicação introduzem novos hábitos, também de
percepção. Armam-se novos ambientes que absorvem os meios anteriores e
«reprocessam-os» – como acontece com o cinema, reprocessado pela televisão. A
mensagem que decorre da introdução e utilização de um meio ou tecnologia está
presente nos efeitos (alterações de comportamento, padrões, etc.) que esse meio ou
256
Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 61.
257 Idem, pp. 62-63.
258 Marshall McLuhan, Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem (Understanding Media),
10.ª ed., São Paulo, Editora Cultrix, 1995, p. 11.
126
tecnologia provoca na acção humana. «O “conteúdo” de qualquer meio ou veículo é
sempre um outro meio ou veículo»259
, sucessivamente. McLuhan explica que «o
conteúdo da escrita é a fala, assim como a palavra escrita é o conteúdo da imprensa e a
palavra impressa é o conteúdo do telégrafo». A comunicação gera comunicação. A
complexificação da sociedade é sorvedora de comunicação, o que obriga o homem a
fazê-lo (comunicar), mas também a simplificar o que a comunicação complexifica. O
homem evolui (a progressão é já discutível) e, como sua directa descendente, também a
comunicação acompanha o seu estádio para responder às suas próprias exigências. Mas
reserve-se a necessidade de simplificar aquilo que o próprio homem cria e comunica.
Teóricos como McLuhan, envolvido pela transtornadora realidade da «aldeia
global» e da cultura de massas, e Benjamin, atormentado pelo definhar da
experiência260
, revelam uma perspectiva desmotivadora sobre a tecnologia (e sobre o
mundo moderno) e a herança cultural. Para eles, agressiva, desumanizante e capciosa (a
tecnologia), descrevem uma realidade destrutiva e catártica, nomeadamente com a perda
do valor da tradição. São teóricos da decepção. Temem pela tradição e pela experiência.
Benjamin, confessando-se em «O Narrador», lamentava «a comunicação da experiência
ser cada vez menor». Ainda que referindo-se à narração oral, à tradição oral de contar
histórias, não é vã tal preocupação. Como tratar o passado? Como preservá-lo? Como
experienciá-lo, hoje? Não será o museu resposta a estas perguntas? Serão eles os
guardiões da aura dos objectos, da sua singularidade e autenticidade (eternamente
duelando com a reprodutibilidade técnica, dependendo dela e sendo ameaçada por
ela)261
? A vivência na modernidade (entenda-se modernidade no sentido de recente) era,
para Benjamin, uma realização sem experiência, e por isso uma não-realização, sem
vida. Há o desencantamento e a não-magia. O ensaísta, e também sociólogo, germânico
aponta a técnica como destruídora da linguagem e das relações/trocas sociais, pois a
experiência contemporânea tem-se rendido à efemeridade.
Segundo Jorge Glusberg262
, e considerando o panorama da contemporaneidade
259
Idem, p. 22.
260 «(…) A experiência está em crise e assim continuará indefinidamente.» Walter Benjamin, «O Narrador.
Reflexões sobre a obra de Nikolai Lesskov» in op. Cit., p. 28.
261 Ver notas de Vítor Serrão: «O conceito de Aura em A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade
Técnica» (2011) sobre o ensaio de Walter Benjamin.
262 Jorge Glusberg foi director do Museo Nacional de Bellas Artes, de Buenos Aires; e co-fundador do
International Committee of Architectural Critics, bem como do Centro de Arte y Comunicación CAYC,
127
da obra de Hernández, a tese de que o museu «é uma estrutura que armazena uma série
de mensagens» tem vingado. São certas as suas funções primitivas – a armazenadora
(quantitativamente) e a conservadora –, mas o antigo director do Museo Nacional de
Bellas Artes de Buenos Aires considera que «“o denominador comum”» é
«“proporcionar signos”. As estruturas semióticas que se encontram armazenadas no
museu não são senão “simples sistemas de signos” que proporcionam uma vasta
informação a todos aqueles que têm acesso a ela e que possuem a capacidade de poder
interpretá-la»263
. Se se encarar o museu numa perspectiva transgressora da realidade
material que alberga, ou seja, vendo-o como signo ou mensagem, a comunicação ganha
outra elevação. O termo museu continua a produzir conotações de tipo convencional: a
de instituição majestática, quase sacralizada por alguns, que uma época e cultura
produziram, com a função específica de expor colecções. Porém, e é claro para
Hernández, o seu interior reserva uma infinidade de signos «que o destinatário tem de ir
descobrindo progressivamente». Esta é a imagem do museu como significante.
Sucede que o museu não se confina a um ponto de partida para conteúdos, é
também resultado e significado de uma estrutura relacional mais alargada e intrincada.
É «uma parte do “sentido global de uma sociedade”, que foi criado seguindo modelos
culturais concretos», como sublinha a investigadora. Já como mensagem, esta
instituição tem-se tornado num organismo cada vez mais desperto para a utilização de
«todos os canais de informação, seja a crítica, os mass media ou a informação digital,
com o propósito de fazer chegar o seu conteúdo a toda a sociedade». A Semiótica, aliada
à Museologia aberta e crítica, realçará dois aspectos fundamentais: as origens e as
consequências dos museus. O intuito é o de clarificar as motivações socioculturais que
estão na base da criação de museus; e em segundo, perscrutar as suas repercurssões na
sociedade «por meio da transmissão das suas contínuas mensagens».264
A estratégia semiótica alvitrada por Francisca Hernández Hernández tenta ir ao
encontro da clareza das palavras de Glusberg: a aposta na criatividade, repetida várias
vezes de acordo com a tendência das teorias com que se foi deparando; o cuidado com a
linguagem, que procura reajustar-se à forma do presente, ao tipo de comunidade com
que convive, às suas idiossincrasias culturais, às novas gerações, aos gadgets, tornando-
em Buenos Aires. 263
Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 63.
264 Idem, p. 63.
128
se mais diversificada; e a abertura a considerações pessoais em resposta ao estímulo
dado pelo objecto. Além de informativo, o museu tem de ser comunicativo. Mário
Chagas imputa-lhe o dever de discursar de forma «“clara”» e «“compreensível”» porque
o homem vai ser confrontado com ele próprio em contextos invulgares, em
representações, em outras realidades; vai ver a mudança, a transformação, o ontem, o
agora. E aconselha imperativamente o reforço «“de um carácter social e educativo”».265
«Afinal, o museu é um dos locais que nos proporcionam a mais elevada ideia do
homem»266
, remata este final de capítulo André Malraux em O Museu Imaginário.
265
Mário Chagas e «Um novo (velho) conceito de Museu» apud Daniella Rebouças Silva, op. Cit., p. 79.
266 André Malraux, op. Cit., p. 12.
129
PARTE 2
A MUSEOLOGIA VISTA DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
E DO PRELÚDIO DO XXI E OS MUSEUS D(e)O
INTERIOR PORTUGUÊS
130
CAPÍTULO III | A Nova Museologia: missão, serviço e pedagogia
3.1. A Nova Museologia como novo paradigma
«O novo museu apoiado sobre a sua tripla base territorial, comunitária e patrimonial pode (e
deve) libertar o espírito crítico, trazer informação contextualizada, promover a utilização de
competências, utilizar a cultura viva como contrapeso da cultura dominante.»267
A sociedade ocidental, revirada pela industrialização, foi, na fase que se lhe seguiu,
agraciada por uma forte presença das Humanidades. O museu como instrumento
congregador e empático do espírito das Ciências Sociais e Humanas assumiu uma
importância determinante na sociedade emergente, com um campo de actuação mais
alargado e novas responsabilidades. Para trás ficava o panejamento sombrio que
Theodor W. Adorno fazia cair sobre o museu dos anos sessenta. O «mausoléu» de
Adorno268 – o museu tradicional – era o ponto de partida para a discussão sobre a
vocação do museu.269 É na nova mise-en-scène que surge como instituição (pesando o
espectro da autoridade do próprio termo e do perfil burocrático, inerte e de dialecto
monocórdico com o qual é identificado270
) influente na sociedade e na comunidade em
que se insere, quando são a cultura (e nela o património material e imaterial) e o
desenvolvimento ferramentas de responsabilidade social. A sentença de que o museu é
uma instituição majestática com a função singular de expor vem sendo diluída.
267
Varine chama-lhe «museu libertador». Hugues de Varine-Bohan, «Quelques idées sur le musée comme
institution politique» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier
Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
2007, p. 10.
268 A respeito de museu, Adorno esclarecia pesadamente que «“a palavra alemã museal [próprio de museu]
tem conotações desagradáveis. Descreve objectos com os quais o observador já não tem uma relação vital
e que estão em processo de extinção. Deve mais a sua preservação a motivos históricos do que às
necessidades do presente. Museu e mausoléu são palavras ligadas por algo mais do que a associação
fonética. Os museus são sepulcros materiais das obras de arte». Luis Alonso Fernández, Introducción a la
nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza Editorial, 2002, p. 36.
269 «Um museu tradicional é um cofre-forte onde são guardados como tesouros os elementos do
património, que morreram porque perderam o seu significado, a sua utilidade, o seu valor (excepto para o
cientista que faz escolhas subjectivas em função dos seus conhecimentos ou do seu gosto). Isto aplica-se
também a muitos monumentos. (…) O museu deve tornar-se aqui um centro de recursos, um laboratório
económico, técnico e cultural para a gestação destas soluções no contexto deste desenvolvimento que se
quer “sustentável”.» Hugues de Varine-Bohan, op. Cit., pp. 11-12.
270 Ver Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, Museo local: la cenicienta de la cultura,
Biblioteconomía y Administración Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008, p. 197.
131
O museu é um espaço estimado e inspirador para pensadores, estudiosos e criadores
(filósofos, antropólogos, escritores, artistas, entre outros). O poder271
do museu reside
no poder das suas peças e, convenha dizer-se, na raridade de muitas delas (e, bastas
vezes, também no próprio edifício). Nesta «entidade especialíssima e insubstituível»
encontra-se, por um lado, a aura que Walter Benjamin glorifica e que a vê presente no
«objecto-museu» e, por outro, a transcendência do convencionalismo que o caracterizou
durante um largo período. O «museu da obsessão» (expressão de Bernard Deloche)
aquieta-se para se apresentar como «“estrutura descentralizada ao serviço do património
de uma comunidade», segundo Marc Maure, já sob o ímpeto da Nova Museologia.272
Um agente de «mobilização» do património e de inclusão da comunidade, cujos
pertences humanos são seres actuantes – actores, como se vem multiplicando nos vários
discursos – num sentido prospectivo. Sendo que o museu, como paladino da mudança
na museologia, servirá também para beneficiar as comunidades e os indivíduos per se,
«com um objectivo de desenvolvimento local, isto é, olhando para o futuro e não para
um culto do passado, do belo, do excepcional»273.
Mário C. Moutinho acrescentaria que o museu é um trunfo para a
consciencialização dessas comunidades não só do seu passado – ao interpretá-lo –, mas
também da sua contemporaneidade e dos problemas apostos – esclarecendo o presente –
; e para incluí-las nas «mudanças estruturais contínuas», a nível global, e nas mudanças
específicas à medida das suas realidades (locais, regionais e nacionais), preparando o
271
O «“antigo”» e o «“velho”» eram (ou, ainda sejam, em alguns casos ou lugares ou pessoas) sinónimos
para museu. A ele lhe remetiam, também, adjectivos como «“precioso, raro e curioso”», que, na anterior
concepção museológica e segundo esse tipo de pensamento (popular), se agrupavam numa forma de
dominação. Ora, de acordo com Mário Chagas, em Museu: coisa velha, coisa antiga, assim se exerceria
«a dominação sobre o tempo (supostamente dominável), sobre o espaço, sobre a riqueza, sobre os
segmentos sociais não dominantes, aos quais é dado o direito de aplaudir». In Judite Primo, «“O Sonho
do Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova linguagem museográfica» in Mário Moutinho
(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Museologia: Teoria e Prática, vol. 16, n.º 16, Lisboa,
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 1999, pp. 104-105.
272 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 12.
273 Hugues de Varine-Bohan, op. Cit., p. 9. Na opinião de Guillot-Courteville, «as pessoas gostam
sobretudo de ver no museu uma referência tranquilizadora do passado». Julie Guillot-Courteville, «Le
musée, forum de citoyenneté, entre opportunisme et utopie» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de
Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade
Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 260.
132
futuro.274 «“Enquanto os museus são tradicionalmente conhecidos pelas suas colecções,
um número crescente está a desempenhar um papel determinante em lidar com questões
sociais que preocupam as nossas comunidades no sentido de contribuir para o seu
desenvolvimento”», completa Alissandra Cummins, Presidente do Conselho
Internacional dos Museus (The International Council of Museums – ICOM) entre 2004
e 2010.275
A história do museu tem acompanhado a forma como o património é percebido e
valorizado. As elites iluminadas do século XVIII – estimuladas pela transformação
política, ideológica e social sufragada pela Revolução Francesa de 1789 – reconhecem
que a arte é ofício do povo, e que, por isso, também por ele deve ser contemplada. O
museu passa a ser reconhecido como «instituição pública e patrimonial»276. O acesso
274
Mário C. Moutinho evocava, assim, a discussão da Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972.
Mário C. Moutinho, «Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite Primo
(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Setembro de 2007, p. 41.
275 Jehanne Fabre, «Report on International Museum Day 2007» in ICOM News Magazine, vol. 61, n.º 1,
ICOM – International Council of Museums, 2008, p. 12.
276 Luis Alonso Fernández, op. Cit., 13. As colecções privadas passam a integrar uma nova dimensão – a
de património universal e a de «memória colectiva» – que deverá ser apresentada a todos porque a todos
dirá respeito e, como tal, assumirá novamente um «carácter de tesouro sagrado». Ver, também, Francisca
Hernández Hernández, El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía y
Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998, p. 68. Grécia, Crotona mais
concretamente, no século VI a. C. (Luis Alonso Fernández aponta para V a. C.), e o Templo das Musas
(edifício principal do instituto pitagórico, refere Mário Chagas) são as coordenadas biográficas do seu
nascimento. Terminologicamente, museu evoluiu do mouseion grego, preso ao encantamento das musas
descendentes da «união celebrada entre Zeus (identificado com o poder) e Mnemósine (identificada com
a memória). Até aqui, Chagas admite a recorrente ressurreição da sua cédula de nascimento. Pretende, por
isso, ir mais longe. Se se identifica imediatamente o museu com a memória, também poder é um
substantivo a relevar, emparelhado com o anterior. «Pode-se reconhecer, ao lado de Pierre Nora (1984),
que os museus vinculados às musas por herança materna (matrimônio) são “lugares de memória”; mas
por herança paterna (patrimônio) são configurações e dispositivos de poder [sic]. Assim, os museus são a
um só tempo: herdeiros de memória e de poder. Estes dois conceitos estão permanentemente articulados
nas instituições museológicas.» Mário Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de
Sociomuseologia – Museu e Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 2002, p. 62. Para o restante percurso do museu, Fernández esboça,
sinteticamente, as seguintes etapas: das musas gregas se chega ao «centro científico e universal do saber»
alexandrino; regressam, depois, as musas e adiciona-se a versão romana da escola filosófica; é, depois,
133
generalizado à cultura e às artes é o prenúncio da sua massificação e de um rol de
preocupações, atendendo aos novos participantes nesta área. O século XIX vem
proporcionar a convivência entre a tradição, o debate e a experimentação, confrontando-
se com uma «instituição essencialmente disciplinar (arte, ciência, técnica, etc.)», que é o
museu contemporâneo, diz Fernández. Cabe ao presente a forte discussão sobre a
essência do museu em resposta a uma sociedade modificada, e, mais do que isso, em
permanente mudança. Que tombaria um século e tanto (século XVIII e parte do século
XIX) de museus, artes e monumentos chamados a «um tríplice papel: educar o
indivíduo, estimular o seu senso estético e afirmar o nacional», de onde ausentavam os
«“bárbaros” e os “escravos”».277 Uma instituição dedicada à reserva do património e da
cultura, como é o caso do museu, deverá agora assumir uma atitude de serviço público,
educando o espírito e o sentido crítico? O que está, então, na base da mudança de perfil
do museu (naquela segunda metade do século XX) e como se deverá comportar?
No diálogo com o leitor, as questões que Fernández faz desdobram-se da seguinte
forma:
– «Qual será o seu âmbito disciplinar num futuro próximo, que materiais ou objectos
poderão ou deverão ser reunidos»?
– «Todos os que reúnem estarão obrigados a expô-los e difundi-los, conservá-los e
apresentá-los como válidos e interessantes para o público, e de que modo se fará»?
– «Que funções essenciais se prevêm, numa sociedade cada vez mais ávida em decifrar
e estreitar as relações entre o património e o território e a sua comunidade»?
– «Deverá, inclusivamente, o museu reciclar – senão romper com eles – os papéis
habituais de sagrada entidade conservadora e distante que vem exercendo em favor de
tempo do «museu-colecção» do Renascimento e do Barroco, chegando à abertura, em esfera iluminada,
do conceito de «museu público» (século XVIII). O que poderia resultar, parafraseando Chagas e Cristina
Bruno, em acervos e colecções tendencialmente etnocêntricos, «personalistas», possessivos que se julgam
proprietários do tema e das coisas e dos seus factos, em toda a sua compleição e perspectiva. Isto
considerando «o ideal iluminista de propriedade pública de patrimônio cultural», que, no extremo, e ao
que Chagas designaria de «atitude preservacionista [sic]», se imporia com «propriedade individual sobre
o bem cultural». Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos
entrelaçados» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A
Qualidade em Museus, n.º 25, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, p.
17. Daí a questão: Onde está a linha que separa o espaço público e o espaço privado?
277 Mário Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in op. Cit., pp. 50-51.
134
uma proximidade informativa e comunicativa com a comunidade»?278 Ao que Varine-
Bohan responderia com uma concepção de museu sob três frentes: o museu libertador,
o museu educador e o museu criador.
A introdução a este capítulo responde à primeira valência, a de libertação.
Educador porque é confrontado com a mudança, parafraseando o antigo director do
ICOM entre 1965 e 1974, devendo saber geri-la, e, por conseguinte, a informação e o
saber. É assim responsável pela criação e adaptação de ferramentas para que as
comunidades e seus elementos possam participar nesse processo evolutivo. Se essa
transformação traz novas técnicas e linguagens, (o museu) é também responsável por
enquadrar os indivíduos, capacitá-los para as compreender e por torná-los capazes de
intervir individual e colectivamente no presente e na sua descendência. E, ainda, como
salienta Varine-Bohan, «principalmente para desenvolver o seu próprio espírito
crítico».279 Por fim, criador, para se proteger da mudança que o ambiente em seu redor
inflama, isto é, para responder, internamente, ao apelo de outros focos de atracção. E,
aqui, Varine-Bohan destaca a criatividade e a iniciativa como valores necessários nos
indivíduos e em todas as áreas (do campo científico ao técnico e artístico).
Diversificando-se e apresentando novas, reformuladas e adaptadas propostas, e
encorajando a comunidade para a valorização patrimonial e, também, para a sua
participação local espontânea.280
Percebem-se diferentes silhuetas para o museu. Do «paradigma ideal da imagem
representada formulada por André Malraux no seu museu imaginário da arte universal»,
à tentadora atracção pela tecnologia (a informática, a interactividade e o mediatismo),
combinam-se novas acepções de museu, a saber, «museu electrónico» e «museu
virtual».281 A segunda metade de Novecentos vai desamarrando-se da ideia de
inacessibilidade com que o chamado museu-armazém se defendia. Encontram-se,
presentemente no espaço museológico, três competências que antes não eram seu
apanágio: a formação, a experimentação e o serviço público, às quais se acrescentam a
adaptabilidade e a mudança como elementos inegociáveis. É o «museu organizado, vivo
e didáctico» que desempenha também a função de arquivo, e revela um lado
experimental ao ser apresentado como museu laboratório. Depois destas observações,
278
Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 15. 279
Hugues de Varine-Bohan, op. Cit., p. 10.
280 Cf. Idem, p. 11.
281 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 15.
135
Fernández conclui que «na segunda metade do século que termina [XX], o museu
converteu-se, assim, tanto num meio como num fim de acção cultural, quando a verdade
é que essencialmente – e parece que reivindica consenso geral entre os museólogos – é
um meio, um instrumento ao serviço da comunidade e do património: o estudo e
investigação deste, a sua salvaguarda e difusão constituem o autêntico fim das
instituições museológicas»282
. Citando Tomislav Šola, Fernández aponta quatro aspectos
que definem o museu dos finais da década de 1990: (i) «“potencial de informação e de
comunicação”», (ii) «“capacidade técnica”», (iii) «“pessoal especializado”» e (iv)
«“programa museológico”».
Questionava-se, na altura, se – decorrente da profunda transformação no
indivíduo social – o entendimento do património conduziria a um desprendimento
relativamente à utilidade do museu no sentido de interpretar e de representar a herança e
a memória do colectivo. Uma espécie de autonomia que fez questionar o
desaparecimento do museu convencional. Marc Maure defendia categoricamente o
museu como «expressão e instrumento do processo de identificação»283
. Apenas no pós-
II Guerra Mundial, a museologia e a museografia encontram as suas mais rigorosas
definições, para as quais o ICOM tem contribuído, sobretudo a partir dos finais dos anos
sessenta, bem como museólogos e especialistas. Não menos decisiva foi a crise
económica, social e cultural dessa década – questionaram-se valores e redefiniram-se
padrões de vida (Maio de 68) – para o desenvolvimento do museu e da museologia. A
Nova Museologia torna-se consistente no início da década de 1980 e revela um carácter
mais antropológico e social que perpassa para o museu.284
282
Idem, p. 16.
283 Idem, p. 16.
284 Para tal contribuíram a Declaração do Rio de Janeiro de 1958, que estreia, em concílio, o exame, a
avaliação e a crítica do «papel das exposições nos museus, a importância dos museus como recursos
educativos e um novo entendimento do objecto museológico». A Mesa Redonda de Santiago do Chile
acontece em 1972, embalada pelo trabalho da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – UNESCO), no âmbito do
binómio património e sociedade e pela elevação do museu (entendido como entidade abstracta e
universal) a tema de questionamento resultante do movimento Maio de 68 dentro da roleta de reacções da
sociedade (sentindo-se) apátrida. Procuraram-se novos rumos no vórtice do ambiente frenético de
contestações, ideais, projectos e mudanças. Esta Mesa Redonda pare, assim, «um documento, de todos o
mais inovador e da maior importância para a museologia, ao apelar a uma acção museológica
comprometida com questões sociais, económicas, educativas e políticas. Alerta para o papel político do
136
O museu (e a museologia) entrava(m) na fase da redescoberta do seu carácter –
rebelde por não se condescender ao estado de exclusiva observância do objecto, é
desafiado a conhecer e a integrar o seu visitante (conterrâneo ou não) – e das suas
possibilidades de desenvolvimento. «“A museologia é ainda ‘o estudo da história e do
contexto dos museus, do seu papel na sociedade, dos sistemas específicos de
investigação, conservação, educação e organização, da relação com o meio ambiente
físico e da classificação dos diferentes tipos de museus?’”» À sua própria questão, Peter
van Mensch responde, sentenciando, que «“o museu não é o que era”».285
Após 1945,
van Mensch observa o museu como uma instituição mais focada na comunidade do que
no objecto; observa o alargamento do seu âmbito de actuação, a tendência para a
conservação in situ e a sua conceptualização, a existência do «museu descentralizado»,
a gestão mais racional desse organismo e a musealização de instituições culturais e
comerciais.
No entanto, para este cientista da museologia, assistir-se-ia a uma reforma a dois
tempos (ou «revoluções»). O primeiro acto, no final do século XIX, «com a criação de
organizações profissionais, códigos de ética e associações de amigos de museus, entre
outros fatores, além de profundas alterações na linguagem expositiva; adotando a
“limpeza” visual e possibilitando a observação da singularidade dos objetos, ao invés
dos espaços atulhados até então [sic]». O segundo acto residiria na «New Museology,
fruto do rompimento com a idéia de coleção como base dos processos museológicos e
museólogo e o reconhecimento da importância do cidadão em todo o processo de preservação,
entendimento e divulgação do património cultural». Judite Primo, «Documentos Básicos de Museologia:
principais conceitos» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier
Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
2007, pp. 124-125. Nota: Judite Primo é professora de Museologia na Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, Lisboa, Portugal. O ano de 1984 regista a formalização e o entrosamento
gradual dos novos objectivos e, sobretudo, do novo entendimento do museu de si próprio – de uma nova
forma de conceptualizar a museologia e a acção do museu – resumindo-se no reconhecimento da
expressão Nova Museologia, com a Declaração de Quebeque. Também em 1984, (da Declaração) de
Oaxtepec, o museu projecta o seu novo plano, repartido em três dimensões congregadoras entre si –
património, território e população –, «e, pela primeira vez refere o Ecodesenvolvimento». O Movimento
Internacional para uma Nova Museologia (MINOM) surge em 1985; e, em 1992, a Declaração de Caracas
vem «actualizar os conceitos do documento da Mesa Redonda de Santiago do Chile». Judite Primo
«Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos», p. 125.
285 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 54.
137
da organização dos museus [sic]» que se perfila.286
A Nova Museologia teve vários contributos e aplicações, desde Benoist a Mills e
Grove, de Desvallées a Vergo. Van Mensch justifica o assentamento do significado pela
popularidade, em França, do capítulo de uma enciclopédia da autoria de George Henri
Rivière, onde Desvallées empregaria a expressão, e com a qual os museólogos
desligados de práticas curatoriais obsoletas viriam a identificar-se. «Van Mensch chama
a atenção, assim, para a relação entre Nova Museologia e experimentação social na
idéia de Desvallées.[sic]» Esta fusão alenta as premissas da M.N.E.S. e do International
Movement for a New Museology (MINOM). «Ambas as organizações reivindicam que
a interpretação para o termo Nova acarrete mais que inovações teóricas ou práticas, uma
tomada de novas atitudes: novas funções para os museus e novos papéis para os
museólogos.»287 De acordo com van Mensch, conta Manuelina Cândida, o carácter
experimental associado à Nova Museologia desenvolver-se-ia nos seguintes exemplos
museológicos: «os museus integrados, os museus comunitários, os museus de bairro e
os ecomuseus».
Numa interpretação não menos próxima, em 1970, o ICOM definia museologia
como «“a ciência do museu; [que] estuda a história e a razão de ser dos museus, a sua
função na sociedade, os seus peculiares sistemas de investigação, educação e
organização, a relação que mantém com o ambiente físico e com a classificação dos
diferentes tipos de museus”»288. Por sua vez, e em comunhão com a definição anterior,
Georges Henri Rivière289 entendeu-a como «“...uma ciência aplicada, a ciência do
museu. Estuda a história e a função na sociedade, as formas específicas de investigação
e conservação física, de apresentação, de animação e difusão, de organização e
funcionamento, a arquitectura nova ou reabilitada, os locais admitidos ou seleccionados,
a tipologia, a deontologia”»290. «“Laboratório de experimentação social”», de Rivière
286
Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria
Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, vol. 20,
n.º 20, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2003, p. 37.
287 Idem, p. 38.
288 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 20.
289 Georges Henri Rivière, um dos fundadores da museologia moderna, criou, com J. Chaucey Hamlim, o
International Council of Museums (ICOM), estreando o cargo de director (entre 1948 e 1966) daquele
organismo. 290
Luis Alonso Fernández, op. Cit., pp. 20-21. Em relação à palavra «reabilitada», Fernández dá a
indicação de que Georges Henri Rivière utiliza, no escrito original, o termo francês muséalisée, isto é,
138
(anos Setenta), ou «“espelho onde a sociedade se conhece a si própria”», de Varine-
Bohan (anos Oitenta), são exemplos de algumas definições que se vão assomando,
empenhadas numa relação real (concreta) com o Homem.
Para Cristina Bruno, «as instituições museológicas chegaram ao final do século
XX como autênticas trincheiras de apreciação e interpretação da realidade, exigindo e
permitindo um “tempo de fruição” especial, o qual não é para ser confundido com os
outros tempos de meios de comunicação contemporâneos».291 A Nova Museologia criou
um novo paradigma, uma nova forma de o visitante-espectador ver o museu e de o
museu se ver a si próprio. A forma como se trabalha o museu (aquilo que se expõe e
como se expõe) é consertado com o factor social, com a comunidade, e, por isso, ao
museu se confia uma posição de intermediário entre o objecto (e o seu histórico), o
exposto e a comunidade que o visita, que o acolhe, que contribui para a sua existência.
Situação que não se verificava no museu tradicional, sem prejuízo de uma das suas
primeiras («e sagrada[s]», termo de Fernández) funções, a de conservação.
A parte comunicacional era também integrada nesse desempenho literalmente
mais conservador, mas sempre acautelando a função essencial neste sentido. Como tal, a
Nova Museologia é uma ciência de acção que se faz notar por meio da exposição (da
técnica museográfica) – espaço privilegiado dos objectos, e da «difusão, [d]a
comunicação e [d]o diálogo com a comunidade».292
Com uma orientação cada vez mais
antropológica e sociocultural. Com ela (a Nova Museologia ou museologia social, como
refere Isabel Victor), o léxico estende-se a expressões e conceitos como processo,
«musealizada».
291 Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museology as a Pedagogy for Heritage» in Cristina Bruno, Mário
Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 138. Nota: Maria Cristina
Oliveira Bruno é museóloga e Professora Associada na Universidade de São Paulo e Professora no Museu
de Arqueologia e Etnologia.
292 A museografia materializa – por meio de princípios, normas e técnicas especializadas – a teoria
museológica. Para a museografia, o museu é o objecto onde se intervém e mexe; para a museologia, o
museu é o objecto pensado. Em 1970, o ICOM referia a museografia como «a técnica que expressa os
conhecimentos museológicos no museu. Debruça-se especialmente sobre a arquitectura e o ordenamento
das instalações científicas dos museus». Já em 1958, Georges Henri Rivière distinguira museologia como
«a ciência que tem como objectivo estudar as funções e a organização dos museus», enquanto a
museografia se apresentava como «o conjunto das técnicas relacionadas com a museologia». Luis Alonso
Fernández, op. Cit., p. 26.
139
comunidade, participação, território, desenvolvimento e cidadania.293
Da Nova Museologia diz-se «fenómeno histórico existente objectivamente,
sistema de valores, ciência pura e aplicada, com diferentes práticas, conteúdos
pluridisciplinares, consciencialização da comunidade, diálogo entre indivíduos, sistema
aberto e interactivo consagram-na com o perfil mais idóneo dentro do novo paradigma
de acção e democracia sociocultural para o museu do nosso tempo»294, no encerramento
da década de noventa. Gabriela Cavaco arrola – no âmbito daquilo que se espera da
visita a uma exposição ou ao museu – os conteúdos, o diálogo, o espaço, a
interactividade, a descoberta como elementos que devem funcionar concatenados.
Estão aqui presentes conceitos estruturais da nova forma de pensar o património
cultural, de o preservar e de estimar o sentimento de pertença, nomeadamente a forma
de o fazer-chegar ao espectador-curioso-investigador.295
A propósito de património, a alteração da prática preservacionista (quase
exclusiva) dos primeiros cinquenta anos do século XX296 teve como grande motriz a
Carta de Veneza, em 1964, «aprovada no II congresso de Arquitectos e Técnicos de
Monumentos Históricos, e que veio legitimar um novo conceito de monumento que
passa a ser entendido como: “não só as criações arquitectónicas isoladamente, mas
também os sítios, urbanos ou rurais, nos quais sejam patentes os testemunhos de uma
civilização particular, de uma fase significativa da evolução ou do progresso, ou algum
acontecimento histórico. Este conceito é aplicável, quer às grandes criações, quer às
realizações mais modestas que tenham adquirido significado cultural com o passar do
293
Isabel Victor, «O Paradoxo do Termo Avaliação em Museus: um problema da maior relevância para a
museologia contemporânea» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e
Autarquias: A Qualidade em Museus, n.º 25, Edições Universitárias Lusófonas ULHT, 2006, p. 105.
294 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 30.
295 Esta terminologia repetir-se-á sucessiva e vigorosamente entre os vários estudiosos do museu, da
museologia e da museografia, sobretudo no quadro da Nova Museologia.
296 O antes (a primeira metade do século XX): «preservacionista» de preservação, conservação,
documentação (salvaguarda), pesquisa e produção de conhecimento. O contraponto (a partir da segunda
metade do século XX): reconsiderar e reavaliar o potencial do património. A comunicação e a exposição
encontram interesses mútuos, desafiados por motivos de ordem educativa, cultural e social com vista ao
desenvolvimento. (Ver Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos
entrelaçados» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A
Qualidade em Museus, pp. 15-16.)
140
tempo”».297
Um público pouco padronizado permite que o museu tenha uma abrangência que
antes não conhecera. Além de uma disciplina histórica sustentada pelos seus próprios
valores, abre-se a várias áreas, procura estar mais sensível (às necessidades e à
evolução) para com a comunidade, comunica (manuseando diferentes meios) e pede o
contributo dos agentes sociais. Descobrem-se no museu palavras como
pluridisciplinaridade e «polissemia», com a integração dos centros de interpretação e a
sua valorização como centros de cultura. É no conjunto destes elementos que se revela
uma «democracia sociocultural para o museu do nosso tempo», afirma Fernández.
Ao passado pertence uma avaliação do museu como «objecto» final,
concentrado nas funções originais dos elementos do património que guarda, para, desta
feita, «reconstruir» a memória colectiva e comunicá-la ao público. É um construtor e
administrador da memória. Assim se revela a vocação do museu ou de instituições
deste enquadramento. Cristina Bruno explica que este – por meio das suas competências
convencionais e daquelas que o final do século XX lhe imputou, à guarda de uma
cultura mais desinibida e de «indicadores culturais, materiais e imateriais (referências,
fragmentos, expressões, vestígios, objetos, coleções, acervos) [sic]» – actua, agora, sob
três serventias ou «funções básicas: científica, educativa e social».298
O final do século XX concebe o museu como «meio procedimental» para criar
um efeito prático e reactivo no público, procurando o «desenvolvimento da comunidade
de um território».299
E é na comunidade, na sua evolução social e cultural, que reside o
busílis das transformações que ocorrem no museu e no seu conteúdo. Um museu
adquire, colecciona, preserva, documenta, expõe, comunica e interpreta os referidos
testemunhos materiais e imateriais e outro tipo de informação para que o público possa
aceder à verdade. O processo evolutivo que vive está a torná-lo num serviço cultural útil
e utilizável por todo o tipo de público.300
297
A Carta de Veneza trouxe um outro elã ao conceito de monumento. Judite Primo, «Documentos
Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia –
Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, pp. 117-118.
298 A. Léon, El Museo: teoria, práxis y utopia apud Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e
Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro
Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em Museus, pp. 7-8.
299 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 33.
300 Idem, pp. 36-37.
141
Daqui infere-se que a museologia é um processo evolutivo, que se reconstrói e
readapta. É multifuncional e interdisciplinar (Antropologia, Arquitectura, Etnografia,
História, Pedagogia, Sociologia, entre outras áreas do saber), como diz Fernández,
convergindo para um mesmo objecto de estudo: «“O museu e a sua actividade”». Mais,
a constância da museologia não se resguarda da «mobilidade» que se traduz em
«enfrentar os desafios culturais que têm o museu, a museologia e a museografia perante
o século XXI. O museu permanece e, contudo, move-se», conclui.
3.2. As funções dos museus
«Mesmo no museu antigo, o que se pretendia ao exibir os objectos não era outra
coisa senão “esquecer o real, tirar o objecto do seu contexto funcional original e
quotidiano e com ele realizar a sua alteridade, e abri-lo a um diálogo com outras
épocas”. E o diálogo sabemos que é o princípio de toda a autêntica comunicação.»301 As
palavras de Hernández integram o arranque da profunda reflexão sobre o museu e a sua
condição de comunicador, como se fez saber no capítulo anterior desta dissertação.
A investigadora, ao citar Andreas Huyssen, carrega a ideia com o verbo
«“esquecer”». Talvez agigantada a escolha porque pesado o termo. Essa realidade de
que é retirado o objecto tem obrigatoriamente de constar do diálogo. Esquecer é um
termo doloroso e implica finitude e ausência – ausência de conteúdo importante para
quem dialoga com o objecto. Não será intencional qualquer acção de desprezo da
actualidade do objecto, antes fazer ver que é necessário abrir o objecto a mais do que
uma realidade, isto é, dissecá-lo numa perspectiva diacrónica. Remete, igualmente, para
dois aspectos importantes: a imprescindibilidade da comunicação, de que não é possível
fugir porque não é possível não comunicar, e (não directamente) a questão da sua
finalidade ou funcionalidade. Reflexões que vincam o novo estatuto do museu que, no
âmbito da Nova Museologia, reconsidera as suas funções.
Declarava a UNESCO a este respeito que o museu é «uma instituição ao serviço
da sociedade que adquire, comunica e, sobretudo, expõe com a finalidade de estudo e da
economia, da educação e da cultura, testemunhos representativos da evolução da
natureza e do homem»302. Assume-se a aquisição, o armazenamento, a conservação, a
301
Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 18.
302 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 36. Fernández cita a revista da UNESCO, Cultures, vol. XVI,
número 1, Paris, Edições da Baconière, 1975.
142
documentação, a exposição e, também, o estudo como suas bases. Mas, a nível
internacional, reconhece-se que as suas repercussões atingem outra amplitude, como o
domínio sociocultural. O museu é um dos elos, ou mediadores, entre o património e o
indivíduo. É responsável pela «“salvaguarda e comunicação dos indicadores da
memória”» e, assim, deverá «“servir para a construção e releitura sobre o passado e
mesmo ajustar e dinamizar o presente”».303
Não se trata apenas de um canal. Serve
ambas as partes: património e comunidade.
Ocupa-se (ou poderá reunir as condições para se ocupar) do saber (estudo e
investigação) desse património, assegurando a «salvaguarda» deste e, ainda,
promovendo-o, ou difundindo-o, na terminologia de Fernández. Diz o autor de
Introducción a la nueva museologia, constituírem estes «o autêntico fim das instituições
museológicas». Da declaração da UNESCO à interpretação de Fernández, Bruno,
Primo, Moutinho, Chagas, entre os demais que foram e serão citados no decorrer deste
escrito, sobre o âmbito de actuação do museu, não se descobrem desentendimentos. É,
pois, na segunda metade do século XX que o museu é percepcionado e examinado numa
vertente de proximidade com o público, como meio, ou empenhado na dinamização
cultural, entende Tomislav Šola, que havia já chamado a atenção para, entre outras, as
componentes informativa e comunicacional num museu.
Embora tivesse sido a partir dos anos Sessenta – pela acção do International
Council of Museums (ICOM), criado em 1946, sob a tutela da UNESCO (até aos
primeiros anos da década de oitenta), para substituir a Oficina Internacional dos Museus
(ao abrigo da Sociedade das Nações) – que os conceitos de museologia, museografia e
museu se estruturaram e consolidaram, autores como Peter van Mensch, André
Desvallées e Zbynӗck Z. Stránsky (outros se seguiram) corroboram a mudança sentida
na década de 1980, com a introdução da Nova Museologia304
. A acção da museologia
passa a dividir-se entre a história e a sua função na sociedade. A investigação, a
educação, a apresentação/organização, a animação, a relação com o meio ambiente e a
difusão são alguns campos que põem o museu e a museologia em contacto com as
necessidades dos tempos modernos – ideia de Georges Henri Rivière, que Fernández
303
Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia: Algumas ideias para a sua organização disciplinar» in
Cadernos de Sociomuseologia, n.º 9, apud Isabel Victor, «O Paradoxo do Termo Avaliação em Museus:
um problema da maior relevância para a museologia contemporânea» in Cadernos de Sociomuseologia –
XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em Museus, pp. 113-114.
304 Luis Alonso Fernández, op. Cit., pp. 17-19.
143
não escusa de trazer à discussão e que prova a consonância com os objectivos e o
programa do ICOM.
Para Zbynìck Z. Stránský, no registo da nova corrente, «“o objecto da
museologia não pode ser o museu”», «“o museu não é a meta, mas o meio”», não é a
fase terminal do processo para que pela museologia se chegue à realidade.305
Bernard
Deloche partilha da mesma opinião e reforça que a discussão sobre a museologia deverá
ultrapassar atavismos. A problemática está além da conservação. Deloche descrevia
sucintamente o museu em dois pontos-chave: a memória (o armazenamento e a gestão
da informação) e, nela, a memória colectiva; e a relação permanente com a
interactividade e a interdisciplinaridade.306
Conceitos privilegiados na nova acepção e
em futuras discussões sobre o tema, que, de acordo com vários autores, entre os quais
Cristina Bruno, o encarregariam de um outro nível de influência «como lugares de
apreciação, contestação e negociação cultural, mas também, como espaços de
acolhimento e aprendizagem, tendo na ressignificação dos bens patrimoniais a sua
principal característica».
A Nova Museologia (sintetizada), por André Desvallées, acode a um papel
cultural activo, «vivo», «ao serviço de todos e utilizado por todos», que se dispõe à
investigação científica e à inovação tecnológica. Que se preocupa com a linguagem
(museográfica), que está ao serviço do «museu como banco de dados e como
instrumento permanente de educação», e «como instrumento de desenvolvimento
controlado da economia e como foco cultural acessível a todos». O museu compromete-
se a comunicar, e, sobretudo, a aproveitar o(s) seu(s) discurso(s) para atrair o espectador
e para que este não tenha outra alternativa senão participar, da mesma forma que
pretende estimular a «consciência comunitária do ecomuseu (para expressar e servir
uma comunidade humana que se define no seu próprio projecto)».307
Por sua vez, John
305
Idem, pp. 33 e 48.
306 Idem, p. 50.
307 Idem, p. 52. Para mediar a informação contida nos objectos e os pretextos imateriais para que seja
possível preservar o carácter «dinâmico, cambiante e surpreendente» da própria vida (assim se referem a
ela Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 49). Mestre e Molina querem com isto
dizer que o público defronta-se com a sua própria história, colectiva e individual: alguns viveram esses
acontecimentos; outros ouviram-nos em conversas de café, de adro, de contemplação do restolho
paisagístico urbano que é hoje; outros lidam, no seu quotidiano, com metamorfoses das quais não se
apercebem das memórias, desenformam o passado de outras formas e o museu local pretende ser uma
delas.
144
Kinard projecta no museu uma instituição de referência, mas também um refúgio
parental, que esteja não só disponível para a mudança (seja «catalisador da evolução
social») como superintenda as consequências que daí resultem, e encontre «o seu lugar
na história humana, isto é, o de uma instituição das mais esclarecidas que o espírito
humano já concebeu»308
.
A Nova Museologia «proclama (…) a ruptura de fronteiras entre o meio
museológico e o meio social – a comunidade – em que se insere» e que não se
compadece com os estatutos da museologia convencional.309 No âmbito da museologia
histórica, o museu é o «objecto», a partir do qual (nomeadamente de premissas
históricas) se estuda e prepara a apresentação e a difusão do património ao público. Já a
nova corrente goza de um carácter procedimental: é o «meio»/intermediário que
possibilita ou contribui para o desenvolvimento de uma determinada comunidade por
meio do património (material, imaterial, natural e cultural).310 Aqui, o assunto poderia
dilatar-se pela questão da «museologia do objecto» e da «museologia da ideia», de que
Hernández faz menção prolongada em El museo como espacio de comunicación. De um
lado, o enfoque na colecção, na organização convencional e o tomar as rédeas da visita
e do tempo em que o agente social/visitante e os objectos se relacionam. A segunda
afasta-se do «museu-templo»311, elegendo o conceito, os «saberes e objectivos», a
subjectividade, a diversidade, a imaginação, aquilo que transcende o objecto material.312
Ludismo, educação e interactividade são os novos conceitos-dínamo com os quais a
«museologia da ideia» constrói a comunicação da exposição. Isto é, ao verbo informar
308
O pensamento de John Kinard, em Le musée de voisinage, catalyseur de l’évolution sociale (1985), é
recuperado por André Desvallées, em Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie, vol. 1, Paris, W
M. N. E. S., 1992. Apud Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia»
in Manuelina Maria Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento
Museológico Brasileiro, p. 43.
309 Luis Alonso Fernández, op. Cit., p. 23.
310 Idem, p. 33.
311 A propósito dos «museus clássicos, de caráter enciclopédico», «esses museus herdaram “conceitos
novecentistas que os condenaram a ser um templo sacrossanto e abstrato da cultura (…)” [sic]». Mário
Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu e Políticas de
Memória, p. 70. Ao que Francisca Hernández Hernández (op. Cit., p. 92) acrescentaria: «O museu é
considerado um lugar sagrado, um espaço onde se celebra um ritual laico que exige um ambiente íntimo e
silencioso, ao ponto de ser definido como o “Templo de uma sociedade secularizada”». 312
Francisca Hernández Hernández, El museo como espacio de communicación, pp. 65-67.
145
adicionam-se os verbos entreter, atrair e motivar, associados à modernidade das
tecnologias de comunicação possíveis de aplicar com vista a uma maior reacção por
parte do indivíduo. A exposição deixa de ser imaginada em função de objecto-a-objecto,
quase que individualmente, para ser realizada num enredo que contará uma história.313
Do ponto de vista científico, o redireccionamento do enfoque da museologia tem
como ascendente a industrialização e uma extensa, diversificada e complexa prole. A
Revolução Industrial produziu alterações na fábrica e na vida dos homens. Essa
revolução técnica e científica é acompanhada de um gradual destaque para «a escola e o
museu» que «terão um papel importante na educação das massas, dando assim resposta
a uma sociedade de consumo que estava iniciando a sua descolagem», conclui
Hernández. O presente e, sobretudo, o futuro começam a ser o alvo da nova atitude do
Homem, considerando a aquisição e a transmissão de conhecimento científico
inquestionáveis e indispensáveis.
A partir da década de oitenta, os museus europeus são influenciados por modelos
e técnicas estado-unidenses e canadianas, concebendo outro tipo de infraestruturas,
adequadas a uma nova orientação (concretamente, sociocultural e pedagógica) ou
planeando as novas instalações segundo directrizes conceptuais (teoria) e programas
(prática) renovados. Práticas decorrentes do trabalho desenvolvido pela docência e
investigação em museologia em contexto universitário. Fernández observa, no entanto,
que a sua desenvoltura deve-se, com grande peso, à «própria crise da instituição
museológica e ao seu questionamento enquanto entidade e instrumento cultural».
O estudo e as experiências museológicas e os programas académicos debruçam-
se, entre outras questões, sobre matérias afogueáveis:
i) a (agitação da) contemporaneidade e as funções-base: «responsabilidades dos museus
contemporâneos, no que se refere à salvaguarda e à comunicação»;
ii) as especificidades da museologia, do público e do território/localidades: «a
compreensão sobre as particularidades da aplicação dos procedimentos museológicos,
no que tange à natureza da evidência cultural musealizada, à especificidade do perfil
institucional, à potencialidade do público a ser atingido, ou mesmo sobre a inserção
geográfica do processo museológico»;
313
Seria esta a ideia de Pere Alberch para a nova definição de exposição ao afirmar que a sua mais recente
condição é a de «“uma espécie de montagem teatral com a sua própria cenografia e guião”, onde os
objectos se convertem em personagens». Idem, pp. 197-198.
146
iii) a função social e a ditadura das visitas: «a distinção entre função social dos museus
com acesso democrático aos produtos museológicos, e abandono dos princípios
curatoriais em função da quantidade de eventos e do público a ser atingido»;
iv) as novas tecnologias e sua abstracção, que vêm cutucar a imediatidade e a
proximidade do presencialmente observável: «a inserção das novas tecnologias e da
virtualidade em um universo que tem privilegiado a evidência material da cultura
(parcelas da realidade)»;
v) e, sem forma mais simples e clara de o resumir, «a identificação dos limites e das
reciprocidades entre preservação patrimonial e desenvolvimento sócio-econômico
cultural, por intermédio da ação museológica [sic]».314
3.2.1. As fundações: coleccionar, conservar e expor
3.2.1.1. O museu coleccionador
Sobre o coleccionador: «(…) posse é a relação mais íntima que se pode ter com os objectos.
Não que eles ganhem vida nele; é ele quem vive neles. Então, eu tenho erguido perante ti uma
das suas moradas, com livros enquanto pedras; e agora ele vai desaparecer nela, como é
apropriado»315
.
Colecção é palavra-chave na história do museu. Em boa verdade, é o seu
coração. O museu é-o pelo privilégio de reunir objectos, peças, obras, raridades – e,
daqui em diante, o léxico relacionado com este campo só se satisfaz com adjectivos de
maior distinção e reverência porque têm uma importância artística, histórica e científica
significativa. Esta foi «a primeira função dos museus a aparecer historicamente»,
adianta Mary Alexander316
. Não se trata de uma simples reunião ou de um ajuntamento
314
Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in
Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em
Museus, p. 12.
315 Texto original: «(…) ownership is the most intimate relationship that one can have to objects. Not that
they come alive in him; it is he who lives in them. So I have erected before you one of his dwellings, with
books as the building stones; and now he is going to disappear inside, as is only fitting.» Walter
Benjamin, «Unpacking My Library. A Talk about Collecting» in Michael W. Jennings, Howard Eiland e
Gary Smith (Eds.), Walter Benjamin: Selected Writings 1931-1934, vol. 2, parte 2, Cambridge,
Massachusetts, Harvard University Press, 2005, p. 492.
316 Mary Alexander desempenha funções de educadora e administradora de museus, em Washington D.
C., desde 1970; trabalhou para o George Washington Bicentennial Center, o National Archives and
147
de artefactos. Não se trata apenas de prolongar a carcaça do objecto, mas também de
perpetuar o património cultural e científico que lhe é inerente. Estes tesouros, de que
fala Hernández, são a vitalidade não só de museus, mas também de bibliotecas e de
arquivos, e «“assumem significados inesperados e surpreendentes ao longo do
tempo”»317
.
Coleccionar é uma das três actividades mais reservadas do organismo
museológico. Raramente, o público (menos especializado, mesmo sendo vasto) tem
conhecimento de qual o percurso dos coleccionadores até chegarem a certas obras e de
qual o trajecto das mesmas. A constituição da colecção mantém um certo misticismo e
um punhado de estórias paralelas e perpendiculares a uma verdade que nem sempre se
conhece por completo, ou que, só em alguns momentos, a deixaram espreitar. Este acto
estratégico, pessoalmente prazeiroso ou de outra feição tem implicações no presente e
no futuro (geracional). «A maioria dos museus colecciona devido à crença de que os
objectos são importantes e sugestivos sobreviventes da civilização humana dignos de
um estudo cuidado e com um impacto educativo poderoso. Sejam estéticos,
documentais ou científicos, os objectos dizem muito sobre o universo, a Natureza, o
património, e a condição humana.»318
Podem ser várias as razões para coleccionar,
desde o seu valor material ao prestígio, do fascínio à consciência de património
colectivo, da curiosidade à necessidade de produzir conhecimento e saber ou ainda
como «meio de experiência emocional».319
Aqui se percebe a diversidade da natureza
das colecções museológicas e a influência que exercem na sociedade.
Do museu de arte ao museu de ciência, todos têm as suas especificidades, mas
há pontos de convergência. Nem sempre se apresenta a arte por si só (apenas vestida
Records Administration, a Mount Vernon Ladies’ Association, e o Hillwood Museum; coordenou a
American Association for State and Local History’s Common Agenda for History Museums e dirige o
Museum Advancement Program no Maryland Historical Trust. Edward Porter Alexander (co-autor e pai
de Mary Alexander, a quem foi dedicada a obra Museums in Motion – e da qual sai esta primeira citação –
, que Mary Alexander concretizou a partir do trabalho deixado pelo pai) foi director da New York State
Historical Association e da Historical Society of Wisconsin; vice-presidente para a Interpretação, em
Colonial Williamsburg; e fundador e professor de Estudos Museológicos (Museum Studies), na
Universidade de Delaware.
317 Mary Chute apud Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion: An Introduction to the
History and Functions of Museums, 2.ª ed., Plymouth (Reino Unido), AltaMira Press, 2008, p. 187.
318 Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion, p. 188.
319 Alma S. Wittlin apud Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion, pp. 188-189.
148
com a informação visual do objecto), alguns curadores tornam-na mais documental,
numa perspectiva contextual, acondicionada com informação histórica sobre o artista.
No caso dos museus de história, o papel de documento social é mais vinculativo porque
é imprescindível compreender os factos etnográficos e sociais para se perceber o todo: a
cronologia, os episódios marcantes, os intervenientes e a produção de cada época.
«Uma inovação em muitos museus é o uso de colecções como instrumentos
educativos mais do que como um repositório de objectos protegidos.» No sentido desta
linha de acção, Mary Alexander identifica museus dedicados a acontecimentos ou a
personalidades (mais ou menos populares, dos nacionais aos locais), onde são
trabalhados os antecedentes, o percurso, a obra realizada; museus subordinados a uma
única temática «ou instituições com funções essencialmente educativas»; museus
vocacionados para a população infanto-juvenil; e ainda centros de arte ou de ciência.
Outro sinal de mudança é a informatização, que se apodera do funcionamento do
museu em três frentes. Dentro do museu, o curador – no jogo de elasticidade entre as
suas funções no processo aquisitivo e o planeamento da exposição pública dos objectos
– passa a ter de dominar «“sistemas electrónicos de gestão da colecção, [ter]
capacidades interpretativas históricas sofisticadas, e a aptidão para gerir e produzir
projectos de exposição complexos”»320
. Esta é uma das demandas do século XXI. Entre
o museu e o exterior (sem esquecer o envolvimento da academia), o investigador tem
contado com a Internet e sistemas de comunicação notáveis, facilitadores do avanço das
suas pesquisas. Garantem acesso a informação escrita e imagética de diferentes
proveniências (de estudos a dados válidos inseridos pelas próprias instituições e outros
institutos de investigação), evitando deslocações, burocracias e a consulta em presença.
A globalização da comunicação e da informação precipita duas preocupações: a do
museu como centro de estudo e de pesquisa, e a da participação do público. Ou seja, a
sua afluência para se envolver com a informação com que já contactou virtualmente.
Coloca-se, então, a seguinte questão: Como dar continuidade às colecções? Isto
é: Como conservá-las? Como apresentá-las? Como distingui-las das temporárias,
frequentemente associadas à novidade, ao episódico, ao espanto, ao sair-da-rotina?
Como fazer a colecção permanente presente na temporária e, sobretudo, no público? O
futuro das colecções permanentes é, pois, uma das grandes inquietações de Philip
Conisbee, curador sénior da National Gallery of Art, em Washington D. C., e que dá o
320
Barbara Franco apud Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion, p. 192.
149
mote a este questionamento. E no caso dos museus de menores dimensões, retraídos
pela imagem esmerada e publicitada dos mais (re)conhecidos? Como podem ser
igualmente dinamizados? Mary Alexander sugere que haja abertura da colecção deste
tipo de museus, na medida em que seja possível integrar objectos de áreas
(inter)relacionadas – com o apoio de exposições temporárias construídas com base em
empréstimos de particulares, de outros museus ou de exposições itinerantes –, ou a sua
concentração numa área muito específica (poderão ser exemplificativos os casos do
Museu de Tecelagem dos Meios, na Guarda, e do Museu da Tapeçaria de Portalegre –
Guy Fino, em Portalegre).
A American Association of Museums (AAM) e o Museu Nacional de História
Americana do Smithsonian listaram seis passos imprescindíveis para o planeamento
eficaz de colecções, a saber:321
«1. Identificar o(s) público(s) do museu e como as suas necessidades serão servidas pelas
colecções.
2. Analisar os pontos fortes e as fraquezas das colecções existentes.
3. Incluir uma “análise de lacunas”, contrastando a colecção real e a ideal.
4. Definir prioridades para a aquisição e a não inclusão baseadas na avaliação das necessidades
e na análise de lacunas.
5. Identificar “colecções complementares” na posse de outros museus ou organizações que
podem afectar as escolhas das colecções dos museus.
6. Ter em conta os recursos existentes ou necessários (fundos, espaço e pessoal técnico).»
Desvallées resumiria estes seis mandamentos em dois: «o público e como se
dirigir a ele» – este é um dos cubos mágicos da Nova Museologia. Manuelina Cândida
informa, ainda, que a metodologia em causa é a mais complexa, a análise qualitativa da
«interacção que possa haver entre o indivíduo e o objecto». A época, a evolução, os
meios, o deslumbramento dos efeitos especiais contribuem para uma oferta expositiva
(ou para uma concepção expositiva) espectacular. São as exposições especiais,
habitualmente de formato temporário. O que acontece, então, aos espaços que adquirem,
constroem colecção, cuidam e estudam obras inestimáveis? Para se tornarem peças
expectantes, contidas no seu espaço e no silêncio322
que convive com elas diariamente?
321
Projecto conjunto de 2002 que avaliou o planeamento eficaz das colecções. Edward P. Alexander e
Mary Alexander em Museums in Motion: An Introduction to the History and Functions of Museums, pp.
195-196.
322 A propósito de silêncio, de contemplação e da essência das coisas, pergunta-se: Qual o melhor
caminho para compreender o objecto, a obra, a exposição? George Steiner fazia a inquebrável união do
livro ao silêncio, ao afastamento do resto: «Para os livros é requerida muita solidão. Cada vez mais». Por
outro lado, «com a música, nunca estamos sós», concluía. Prestando atenção ao comentário de Steiner,
será legítimo deixar entrar outros meios nos museus além dos fundamentais para chegar às obras? George
150
Para qual penderá o indivíduo, cada vez mais emotivo, activo e frenético? Estarão as
exposições permanentes melindradas pelas temporárias que têm arrecadado mais
investimento em meios cenográficos alternativos e instrumentos complementares de
visita visualmente mais atractivos e interactivos? Pesam as visitas e até a investigação,
sendo também estimulado um outro ritmo na academia (procurando a actualização e
adaptação de discursos) e, consequentemente, o alargamento do «esclarecimento
público».323
3.2.1.2. A conservação como parte da exposição
«Apenas no século XX, os museus se aperceberam de que uma das suas principais funções bem
como um dos seus deveres mais importantes era passar as suas colecções em perfeitas
condições para as gerações seguintes.» (Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion:
An Introduction to the History and Functions of Museums, 2008, p. 217)
Idealmente, todas as colecções museológicas deveriam ter à sua disposição um
profissional especializado que zelasse por elas. No entanto, o lugar de conservador-
restaurador nem sempre cabe na equipa/orçamento das instituições museológicas. A
verdade é que «esta posição não existe na maioria dos museus e, portanto, estas
actividades são levadas a cabo por uma larga variedade de pessoal, desde o director aos
voluntários»324
. É, pois, uma tarefa a várias mãos sem a exclusividade de nenhuma
delas. O palato profissional do conservador são as entranhas dos objectos que o activam.
Dir-se-ia que é aquilo que está além do seu aspecto que lhe interessa, mas, na verdade, é
aquilo que permite ao objecto ter determinado aspecto que requer a sua atenção e
perícia. Fala-se de matéria, da sua estrutura e «composição molecular/atómica»,
identifica Mary Alexander. Dado que os objectos resultam de elementos da Natureza
e/ou de compostos químicos (uns mais do que outros), estes são profundamente
influenciáveis pelas condições ambientais de humidade, temperatura e luminosidade.
Steiner e António Lobo Antunes, «Queria ter sido como você, um escritor. » In Revista LER, n.º 107,
Novembro de 2011, p. 36.
323 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., pp. 209-210 e p. 224.
324 Idem, p. 219. Kim Igoe, no texto introdutório «Involving the community», em A Museum &
Community Toolkit, vincara a importância da paridade de entrega da direcção, dos funcionários e dos
voluntários, cujo trabalho conjunto deverá ser empregue na fixação dos visitantes-do-costume, mas,
também, na conquista de novos públicos. In American Association of Museums, A Museums &
Community Toolkit, Washington DC, American Association of Museums, 2002.
151
O século XXI endossou à museologia e à conservação – dos teóricos aos
técnicos – um lote de novos desassossegos, entre os quais o grau de intervenção
possível numa peça ou espaço musealizado. Até que ponto se deve (e com que
profundidade) reabilitar com o objectivo de revelar a verdade da história. Partindo do
princípio de que a verdade só é verdade desde que inviolável e genuína, procurar reaver
o estado primitivo não será deixar mácula, adulterar a história e o processo a que o
tempo, naturalmente, a todos nos sujeita? É um campo muito sensível por não lidar
apenas com pedaços de massa. É o património da humanidade no pêndulo da
observância do direito ao conhecimento, de saber como era no princípio, e da sua
evolução natural fruto das cartadas impostas por cada época. Como afirma a
conservadora canadiana Miriam Clavir: «“Conservação é mais do que um conjunto de
técnicas de preservação física, é também uma actividade interpretativa que envolve um
conjunto de ideias artísticas, científicas e históricas que influenciam a abordagem ao
tratamento, quer elas sejam reconhecidas ou não”»325
.
Mary Alexander relata casos de espaços de exposição empenhados na
demonstração ao público da importância da conservação e da profissão de conservador-
restaurador. Fê-lo por meio da própria exposição e/ou da infraestrutura em si, realçando
o peso das decisões que têm de ser tomadas por estes profissionais, e ainda o
investimento das instituições museológicas nesta área. Neste sentido, orientaram
exposições – e com elas o público – para este ofício com a mostra de instrumentos
científicos reservados para o efeito, de que foi exemplo a Galeria de Arte Walters, em
Baltimore, no Estado de Maryland, nos Estados Unidos da América, em 1996. Mais
recentemente, e no mesmo espírito de valorização deste tipo de trabalho, o Centro de
Conservação Lunder do Museu de Arte Americana do Smithsonian é paradigmático. Em
laboração desde 2006, é possível observar do piso superior do museu os conservadores
em terreno laboratorial. As paredes de vidro desinibem, assim, a segunda da tríade de
actividades mais resguardadas de que se fez menção anteriormente.326 Alexander resume
o novo expediente da seguinte forma: «As práticas de conservação tornaram-se uma
exposição permanente. A conservação deixou de ser vista como uma função de apoio
realizada em laboratórios e escritórios fora da vista do público».
Ao longo do tempo, foi percebendo-se que conservar não é uma actividade
325
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 228.
326 Idem, pp. 228-229.
152
esterilizada de influências contextuais. Pelo contrário, o trabalho laboratorial (técnico)
só tem viabilidade se orientado por factores extracientíficos, isto é, de cariz social,
histórico e cultural. Miriam Clavir reconhece no profissional de conservação a
capacidade de conjugação das Ciências e das Humanidades: um profissional que
«“baseia muitas das suas decisões no exame científico, no conhecimento dos materiais,
e no raciocínio científico, que reconhece também a importância do conhecimento
cultural. Por exemplo, a intenção do artista e a história social do objecto são alicerces
importantes para a tomada de decisões sobre o objecto”», sobre as técnicas de
conservação e de restauro a aplicar e sobre aquilo que se pretende com essa intervenção.
Porém, é na qualidade de cientista que o conservador se deve destacar. Clavir diz, a esse
propósito, o seguinte: «“Espera-se do conservador que desenterre esta nova informação
com base em observações de peritos do objecto físico mais do que com base em
especializações curatoriais tradicionais de arte e história”»327.
O desafio está, como em muitas fases da vida, em reavaliar a situação actual e
definir, neste caso, qual o papel da conservação numa conjuntura em mudança,
considerando a renovação dos objectivos para os quais os indivíduos e as entidades se
vão propondo. Se se verifica o redireccionamento do museu e das actividades
dependentes (a constituição de colecções e o trabalho de pesquisa, por exemplo) para o
serviço público, há que repensar a organização do próprio museu e, nela, as suas
prioridades e o modo como ele se relaciona com quem o visita. Uma das hipóteses de
actuação é, precisamente, a de incitar o público a contactar com as práticas de
conservação (relacionadas com cada exposição), e, assim, com as outras valências do
museu, menos visíveis (directamente). Desta forma, Alexander diz ser «uma das formas
pelas quais os museus envolvem o público com as suas funções de preservação».
O museu é pressionado a evoluir porque também a sociedade se pressiona a ela
própria (e deseja essa mudança). Já não são apenas os estabelecimentos de ensino e os
centros de pesquisa nem o seu repertório de colecções a persuadir a sua conduta.
Assomam-se implicações empresariais e de entretenimento que envolvem estratégias de
conservação diferentes das utilizadas para outras funcionalidades. O escopo do museu
deverá conduzir a estratégia de conservação mais adequada.
A antropóloga estado-unidense Carolyn Rose, citada por Alexander, alertava
para uma série de desafios, além daqueles que a conservação vinha experienciando.
327
Idem, p. 230.
153
Entre eles, a Internet, mais uma vez, implica o repensar das condições de subsistência
do museu. Porque se conhece, se explora, se visita inclusivamente, pela rede global de
informação e nela se criam espaços cada vez mais sofisticados, utilitários e
convidativos. Muitas plataformas cibernéticas permitem quase materializar não só as
peças, mas os próprios edifícios museológicos bem como cidades inteiras, além de
quase corporizar o utilizador nessas dimensões. No reverso está a sobrevivência do
museu que se deve à presença humana.
«Já não se pergunta apenas como conservar pinturas, arte e objectos arqueológicos nos grandes
museus tradicionais, mas também como impedir a destruição desses monumentos, contextos
urbanos, peças de artesanato e objectos etnográficos em perigo de serem ou destruídos ou
dispersos pela maré de modernização… deve negociar-se um caminho muito estreito com a
destruição, por um lado, e a mumificação, por outro”»328
, desabafa Carolyn Rose.
3.2.1.3. Expor para narrar
«“Expor é, ou deveria ser, trabalhar contra a ignorância, especialmente contra a forma mais
refractária da ignorância: a ideia pré-concebida, o preconceito, o estereótipo cultural. Expor é
tomar e calcular o risco de desorientar – no sentido etimológico: (perder a orientação),
perturbar a harmonia, o evidente, e o consenso, constitutivo do lugar comum (do banal) [sic].
No entanto também é certo que a exposição que procuraria deliberadamente escandalizar traria,
por uma perversão inversa o mesmo resultado obscurantista que a luxúria pseudo-cultural…
entre a demagogia e a provocação, trata-se de encontrar o itinerário subtil da comunicação
visual. Apesar de uma via intermédia não ser muito estimulante: como dizia Gaston Bachelard,
todos os caminhos levam a Roma menos os caminhos do compromisso.”»329
Mary Alexander inicia o capítulo sobre «Expor», em Museums in Motion, com
três citações de três décadas distintas. Da década de oitenta à primeira do terceiro
milénio, é possível perceber a evolução do conceito de exposição, da sua
complexificação e das responsabilidades que vem assumindo na vida pessoal e na esfera
social. Com a metáfora sui generis de Gaillard E. Ravenel («Designer, National Gallery
of Art (US)» in New York Times, 1985) da «luva» que se constrói em redor de um
conjunto de objectos à afirmação de que a exposição é um «acto interpretativo» por
natureza (a escolha e o arranjo cenográfico são fruto do entendimento sobre os
objectos). Para Lisa C. Roberts (citada em «Monologue to Dialogue» in Museum News,
328
Idem, p. 231.
329 Michel Thévoz, Esthétique et/ou anesthesie museographique, Objets Prétextes, Objects Manipulées,
1984, p. 167. Apud Judite Primo, «“O Sonho do Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova
linguagem museográfica» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Museologia:
Teoria e Prática, pp. 121-122.
154
1991) «o processo de selecção e disposição dos objectos é no fundo uma fabricação e,
como tal, uma tomada de posição sobre o que os fabricantes supõem que um objecto
diga»330
. Timothy Luke, em 2002 (em Museum Politics: Power Plays at the Exhibition),
conclui que ao ser criada uma «exposição-como-um-mundo» à parte, chega assim ao
visitante o «mundo-como-uma-exposição» nas várias vertentes, da cultura à natureza, da
história à tecnologia.331
Da sua análise, Alexander nota que o objectivo do museu olha a uma missão de
educação pública e de alargamento (diversificação e quantidade) do seu público, de
criar um ambiente de sociabilização e de integrar o museu no quotidiano dos indivíduos.
A causa predominante (e usual na justificação das mudanças hodiernas) é a
democratização do mundo ocidental, caminhando para a transformação dos museus em
instituições culturais e educativas. A imagem tornou-se, por isso, alvo de intensa
intervenção a partir do século XX. A configuração visual da exposição passou a recorrer
a «elementos multimédia», a «“explicadores”» e a «actores para as galerias» – e,
inclusivamente, com o século XXI, à proliferação de sítios de Internet pelo sector
museológico –, que «oferecem outra dimensão às exposições».332
A exposição é sempre uma forma de comunicação do museu com o público por
intermédio dos objectos e do seu arranjo museográfico. A tipologia de exposição
dependerá das intenções comunicativas a que o museu se propõe para comunicar com o
seu público ou com o público que ambiciona.333
A metodologia de organização dos
objectos, o realce de determinadas peças ou a informação que acompanha cada uma
delas, é variegada, e, como sempre, obedece à estratégia e aos objectivos do museu –
pode ser «pelo tipo, pela cronologia, ou com uma mensagem didáctica para os
visitantes»334
.
Alexander lançava a seguinte questão: «Porquê e como é que o museu dispõe os
objectos ou obras de arte na exposição?» A resposta parece invariavelmente indefinida
porque se trata de uma questão interpretativa e não normativa. Poder-se-á criar normas,
guias, instruções ou orientações, algumas com maior sentido de obrigatoriedade,
330
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 235.
331 Idem, p. 235.
332 Idem, p. 236.
333 «Uma exposição pode ser definida como uma apresentação ou exibição de materiais com o propósito
de comunicação com um público.» Idem, p. 236.
334 Idem, p. 236.
155
nomeadamente quanto à identificação básica dos objectos, mas até neste aspecto
dependerá das prioridades (e da informação disponível) do museu. Veja-se o seguinte
exemplo: «Em meados do século XIX, historiadores de arte com formação académica –
os primeiros num museu de história – conceberam as exposições da Galeria de Grandes
Mestres de Pintura de Berlim (Old Masters Painting Gallery), equilibrando três
princípios concorrentes: estética, perspectivas históricas e organização sistemática. O
princípio orientador geral para o design das galerias foi a apreciação das pinturas pelo
público. O museu dispôs os seus mais importantes trabalhos nas galerias principais com
obras menores ao longo da periferia. A função interpretativa da exposição guiou não só
a disposição das obras de arte, mas também o design básico do edifício que as acolhe.
Em cinquenta anos, outro princípio dominou, o de dispor os objectos nas suas
configurações históricas, não propriamente em salas de época, mas em espaços que
evocassem o ambiente artístico das obras de arte reunidas»335
.
Quanto às exposições temporárias, estas trazem um ritmo transitório, mas
apelativo, relembram o público da existência do museu e convidam-no para nova visita.
Parafraseando Alexander:
i) primeiramente, algo novo é sempre motivo de movimentação, ou pelo contrário, de
paragem dos indivíduos para descobrir de que se trata. É assim uma oportunidade de
recuperar, por algum tempo, os visitantes que já conhecem a colecção permanente;
ii) atrair público interessado na temática;
iii) trazer pessoas que nem sequer conhecem a colecção permanente;
iv) além das visitas, também na área do estudo e do alargamento do conhecimento sobre
as obras poderá haver efeitos. A informação veiculada poderá sofrer alterações,
correcções ou desenvolvimentos propiciados por bolsas de estudo/investigação
associadas ou no sentido de captar novos públicos. Algumas dessas exposições são
criadas com o intuito de gerar impacto internacional, reunindo obras renomadas para,
assim, atrair público a uma escala global;
v) estas exposições de curta duração poderão suscitar o desenvolvimento de programas
paralelos, especiais, com sugestões de análise diferenciadas e actualizadas;
vi) mas também atrair público para o próprio museu e para a comunidade, localidade e
região onde se insere.
Além da via expositiva, a oferta de produtos e serviços relacionados com a
335
Idem, pp. 236-237.
156
própria temática, começando pela loja do museu até à restauração, é outra forma de
promoção. Num âmbito mais ambicioso, poder-se-ia criar pacotes turísticos envolvendo
vários serviços da cidade e da região como aconteceu com a exposição Cezanne no
Museu de Arte de Philadelphia (Estados Unidos da América), em 1996, trazendo
receitas também para a economia local.336
As experiências proporcionadas aos
visitantes, além da componente entertainer e de descontracção, têm também a missão de
absorvê-los no tema. Os próprios locais expositivos são autênticas fábricas de
experiências concebidas para «ajudar a compreender o objecto e o seu contexto».337
A opinião que se enraíza é a de que as exposições não são meramente
descritivas, do tipo cartapácio de história – pesado de ler e de tentar compreender.
Kenneth L. Ames remete para o espaço ocupado pela comunicação não-verbal: as
«exposições são primeiramente não-verbais, experiências sensoriais. As pessoas podem
ler as palavras que escrevemos, mas elas estão mais predispostas a serem apanhadas na
experiência multissensorial que tentamos proporcionar»338
. Alexander conta que, no
século XIX, se assistia a um trabalho cenográfico e museográfico que permitia ajudar os
visitantes a compreender o significado das peças e a sua relação com os seus contextos.
Fosse com a aplicação de elementos museográficos «“naturais”» no caso dos museus de
história natural ou de história, fosse nos de tecnologia e centros de ciência, onde os
visitantes eram convidados a fazer «funcionar» máquinas, carregando em botões e
interagindo. O visionamento presencial e a consciência da aplicabilidade dos objectos
em exposição, que, usualmente, não podem ser tocados, ampliavam a informação que os
visitantes podiam reter, ao contrário do que aconteceria olhando-os apenas estáticos. E,
neste campo, o audiovisual foi de grande monta.
Tendencialmente, os museus e os centros, sobretudo nas áreas da ciência e da
técnica, procuram a interactividade e a manipulação para apresentarem as suas
exposições. É facto que, com um público de faixas etárias mais baixas, os
procedimentos tecnológicos, o vestir trajes associados à temática, o mexer em botões ou
336
Idem, p. 238.
337 Idem, p. 238. A mesma ideia de aproximação à experiência, recrutada para a educação e o prazer cada
vez mais em parelha, é veiculada por Bahn e Renfrew: «Os museus estão agora mais preocupados com a
experiência do visitante e podem assumir até um papel educativo ou de entertainer do público nos mais
variados assuntos (…)», explicam. Paul Bahn e Colin Renfrew, Archaeology. The Key Concepts, 3.ª ed.,
Nova Iorque, Routledge, 2008, p. 219.
338 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 238.
157
alavancas, manípulos e teclados têm coordenado a componente científica com a do
interesse e da atenção, e catapultado este tipo de instituições para a popularidade de
«museu moderno»339
. O resultado está, parafraseando Mário C. Moutinho, no
aparecimento do chamado «objeto ativo» que vai escondendo o «objeto passivo» na
penumbra das vontades do visitante que brinca-ao-movimento-à-luz-e-ao-som, as letras
falam, e os sons contextualizam temáticas, o movimento do corpo faz aparecer
conteúdos textuais, e «volumes, contrastes e cores» sensibilizam-se com «focos
luminosos» estratégicos. Nestes espaços expositivos, acentua Moutinho, «o visitante é
solicitado por um maior número de estímulos, que se têm mais desenvolvido [sic] nos
últimos anos, atraindo multidões de turistas, de alunos, de visitantes desejosos de
mergulharem no mundo das fábulas. Comparados com estes, os museus tradicionais de
objetos passivos de pintura, de numismática, de mobiliário, de arqueologia ou mesmo
contendo tudo isto e mais alguma coisa nas suas exposições, são de facto cada vez mais,
os parentes pobres da museologia [sic].»
Preparar uma exposição implica a existência de um conceito/uma ideia, a
organização e o envolvimento de toda a equipa do museu, cada vez mais. Como núcleo
está «o conceito (mensagem) ou guião» e «objectos a serem exibidos». Sem definir
propriamente qual o ovo e a galinha, da união destes dois elementos resultará uma
exposição mais completa, onde haverá maiores hipóteses de interpretação, de reflexão e
de associação, ao invés de um museu com vitrinas de itens meramente decorativos e
ilustrativos.340
O sucesso de uma exposição acaba por estar nas mãos da estruturação do
conceito e do desenho que lhe dará o carácter. Este último determinará o ambiente da
exposição e realçará as intenções da mesma. No final, o envolvimento do visitante
dependerá desta combinação. Outro dos exemplos a que Alexander recorre é o do U. S.
Holocaust Memorial Museum, em Washington D. C., onde «até os elevadores que
levam os visitantes à entrada da exposição contribuem para a mensagem interpretativa
339
Mário C. Moutinho, «Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de
Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2008, p. 40.
340 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 239, e Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues
– a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia –
Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, p. 43.
158
provocando uma sensação de confinamento e de “transporte”»341
. Alexander recorreu à
lista elaborada por Kenneth Ames, em Ideas and Images: Developing Interpretive
History Exhibits, em nome da eficácia que se procura:
1) a missão da instituição deverá ter como ónus o estímulo da acção interpretativa do
público. «“A interpretação não só nos informa, mas empurra-nos para um entendimento
mais profundo e mais subtil de alguns aspectos do mundo à nossa volta. Interpretar
verdadeiramente é uma tarefa difícil e desafiante”»;
2) o objectivo (o tema e a finalidade da exposição) deve ser claro;
3) discussão de ideias;
4) «processo criativo dinâmico que reconhece e mede a serendipidade»;
5) os recursos do museu devem ser utilizados em prol da exposição;
6) a exposição deverá reflectir o que de melhor se pode encontrar e usufruir no museu
(das colecções à localização), o rigor e a capacidade intelectual;
7) a importância crescente da comunicação não-verbal e das experiências sensoriais. A
este propósito, afirma Ames: «“O desafio é ajudar os visitantes a sentir a
interpretação”»;
8) a exposição e o museu devem estar rodeados dos profissionais mais competentes em
diversas áreas (do pessoal interno aos investigadores e aos consultores, entre outros).
Idealmente seria «um curador, um designer, um profissional dos serviços educativos,
um especialista do assunto como um historiador ou cientista e, em alguns casos, o
responsável pela estratégia de desenvolvimento do museu». Um historiador porquê?
Porque representa a importância da presença de académicos ou especialistas na área das
humanidades, útil na vereda da interpretação. Acontece que nos museus de menores
dimensões, várias etapas da montagem da exposição (pesquisa, desenho da exposição e
sua instalação) poderão ser feitas pela mesma pessoa (o curador ou até o director) e
alguns dos funcionários poderão exercer tarefas para as quais não estão formados;
9) o museu deve estar ciente de qual é o seu público e/ou qual a abrangência possível
que pode atingir. Identificar o público e conhecê-lo é fundamental. Neste sentido, Ames
sugere o seguinte autoquestionamento: «“A exposição fala com o público? Conferencia?
Prega?”» Comunica claramente a(s) sua(s) mensagem(ns), e convence? Aqui será
testado o poder do museu;
10) o conjunto de processos que devem ser seguidos, desde a preparação do guião da
341
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 240.
159
exposição à elaboração das legendas;
11) a «avaliação do processo e do produto é fundamental para o sucesso da exposição
final e para a vitalidade do museu como uma instituição interpretativa».
Com o intuito de não repetir possíveis indicações de organização expositiva,
aqui se achega o contributo de Mestre e Molina, no qual, embora no campo da
museologia local, se poderão encontrar semelhanças no que diz respeito às técnicas, aos
recursos e às práticas que Alexander vai apresentando. Falou-se já de design e de
aparelhagem interactiva (particularmente, quando estão implicadas máquinas ou
experiências científicas). A dupla de investigadores espanhóis acrescenta:
i) o mecanismo de tipo puzzle que se traduz na reconstrução de um objecto (ou de uma
imagem) que está em pedaços, a classificação de peças dentro das tipologias
correspondentes, ou a intervenção na (re)construção arquitectónica do edifício (em
suporte tecnológico); ou, ainda, «identificar a peça que falta num mecanismo e instalá-
la; montar um artefacto desmontado (…); completar sequências gráficas, sejam de tipo
cronológico, tipológico ou funcional; disponibilizar peças de indumentária que o
visitante possa manipular e vestir; ou identificar pelo tacto determinadas peças no
interior de uma gaveta ou caixa»;
ii) os questionários, como forma de interacção entre o museu e o visitante e de serviço a
uma descoberta mais aprofundada sobre o tema (pela identificação de personagens, de
espaços, etc.), com o objectivo de compreender identidades. Por exemplo, «a situação
dos trabalhadores numa fábrica de Manchester nos princípios do século XIX. (…) Para
tal, convida-se a preencher um questionário ou ficha definindo a sua identidade, as
características da personagem que escolhe, etc. Isso permitir-lhe-á compreender e criar
maior empatia… O questionário tem também uma função de jogo: preenchê-lo para
testar, nomeadamente, o que sabe ou que tenha aprendido na visita». Instrumento eficaz
em grupos de visita pequenos, como famílias, por exemplo;
iii) as peças giratórias: «portas e janelas que se abrem e fecham, permitindo ver ou
esconder o interior. É um sistema muito útil para estabelecer enigmas, jogos de
perguntas e respostas, etc.»; «vitrinas ou volumes que ao girar em torno de um eixo
permitem alterar cenários ou maquetas», «sistemas de prismas rectangulares,
triangulares ou outros»;
iv) as lupas e os sistemas ópticos: sistemas interactivos que permitem aumentar e que
são aplicáveis em artes visuais (de que são exemplos a cor ou o quadro a óleo) ou em
elementos da Natureza (os insectos, o pêlo humano, entre outros);
160
v) os elementos deslizantes;
vi) os sensores;
vii) os sistemas sonoros, como música, timbres ou gravações de voz que podem ser
activados por meio de circuitos eléctricos que activam um timbre ou ligam um aparelho.
Ou por sensor de movimento ou de proximidade;
viii) os sistemas à base de luz como semi-espelhos e interruptores eléctricos. Utilização
de materiais semitransparentes em função da incidência da luz;
ix) o uso de espelhos para «prolongar de forma infinita uma sequência de imagens ou de
espaços, para deformar a realidade, para provocar efeitos de visão periscópica, etc.»;
x) o recurso aos sentidos do tacto e do olfacto para identificar objectos e outro tipo de
elementos; a utilização de imagens (pela força da atracção ou repulsa), e a introdução de
elementos metálicos; a utilização da «“luz negra”», de livros, de álbuns, de sistemas de
classificação científica, da imagem gráfica que transmite uma mensagem ou uma
informação-chave, de projecções, de variações térmicas (a temperatura num
determinado momento do passado é relacionada com aspectos do indumento ou da
construção de habitações na pré-história), as rodas de transmissão e balanças (dinâmica)
para verificar a carga que um trabalhador industrial suportava numa fábrica, escalas e
proporções, propulsores de água, representações teatrais, ferramentas electrónicas
(diaporamas, teclas de plasma, videoprojectores, realidade virtual com óculos
estereoscópicos, realidade virtual com sistemas HMD [Head Monted Displays],
realidade aumentada).
Várias são as etapas a seguir na preparação de uma exposição, entre as quais a
realização do guião, a selecção dos objectos, a criação da imagem, a adequação do
desenho e respectivas técnicas, as legendas e o público. Foi dito que o guião nasce a
partir de um «conceito, uma ideia ou um ponto de vista». O ponto de vista marca o
tema, o qual será sujeito a pesquisa e estudo. Ou então é uma colecção de objectos o
ponto de partida a partir do qual se apura o tema e subsequentes divisões. Como refere
Alexander, uma não anula a outra, e ambas podem coexistir. Requere-se, sim, uma
pesquisa aprofundada com um discurso coerente, impositivo (no sentido de ser uma
autoridade quanto ao assunto da exposição).
Em relação à escolha dos objectos, Alexander serve-se de uma frase certeira e
peculiar de George Brown Goode, do Instituto Smithsonian: «“Um museu educativo
eficaz pode ser descrito como uma colecção de legendas instrutivas, cada uma ilustrada
161
por um bem seleccionado espécimen”»342. Depois, a disposição dos objectos,
harmonizada com a temática e com a imagem que será transmitida aos visitantes,
requererá a intervenção do designer (ao qual se juntam os cenógrafos, os artistas
gráficos e os desenhadores museográficos). O público irá interagir com o espaço que,
tradicionalmente, é aquele com que pode contactar (os objectos estão na tentação das
mãos, mas é aos olhos que está o privilégio de comunicar com eles). Importa, por isso,
apetrechar o local com os meios disponíveis e suficientes, desde que eficientes, para que
o visitante saia esclarecido e motivado a regressar.
Atendendo à disposição dos objectos, às infraestruturas da exposição e aos
dispositivos complementares, surgem várias questões:
«Como é que se introduz ou orienta os visitantes para os conceitos da exposição? O design da
exposição e, talvez, as suas mensagens, sugerem um único caminho através dos espaços? Ou,
se a exposição tem “subtemas”, como é que estes são diferenciados do tema principal? Como
se acomodam os visitantes com diferentes níveis de interesse ou conhecimento? A exposição
necessita de espaços para acomodar grupos de visitantes (especialmente grupos escolares)?
Como e onde se inserem elementos audiovisuais – computadores com ecrãs tácteis, elementos
vídeo ou áudio, até pequenos auditórios – para dar aos visitantes uma pausa no seu progresso
pelos espaços de exposição? Como é que grupos de visitantes utilizam confortavelmente
elementos interactivos? Como é que os elementos da exposição “atraem” visitantes por
intermédio dos espaços de exposição?»343
E, para finalizar, «Como comprometer os visitantes a
responder às mensagens da exposição?»
Alexander sugere os livros de comentários (ou chamados livros de visita), o
meio mais simples e habitual; ou placas de resposta; ou por meio de monitores
audiovisuais, onde os visitantes podem igualmente «registar» as suas opiniões,
sugestões e demais comentários, os quais, segundo a autora, se têm tornado cada vez
mais comuns em exposições.
Falando de espaços, Alexander faz um particular apontamento para a transição
da «“tirania da sala rectangular”» – onde os objectos se confessam unicamente às
paredes e ao chão – para a opção e interesse por «paredes curvas, angulares ou telas;
painéis móveis; várias divisões; ângulos; e plataformas “para reduzir a área absoluta do
chão”».344 Estas são expressão dos designers modernos. Judite Primo diria que essa
«“sala rectangular”» se compadecia com uma opção Oitocentista, à medida da «elite
dominante», regozijando o «passado, antigo e velho» pela via decorativa em detrimento
da «busca da compreensão e transformação da realidade através da análise e da reflexão
342
Idem, p. 242.
343 Idem, p. 243.
344 Idem, p. 244.
162
crítica e dinâmica do presente». O seu par antagónico, crente na «utilização
“exibicionista” das novas tecnologias, ou como dizia Ulpiano Menezes, pela
“disneylandificação” dos museus»345. A espectacularidade das encenações leva à
fundamentação das exposições-espectáculo como a realização simultânea de «uma série
de experiências estéticas e pedagógicas, desde uma perspectiva eminentemente lúdica e
teatral»346
. Como diria François Barré, «a meio do caminho entre a exposição clássica e
o parque temático». Na opinião de Alexander, trata-se de confrontar o monótono e o
previsível com o que há de mais apelativo, a outro ritmo.
Tomadas como primeira preocupação as técnicas de sempre, nomeadamente a
luz (a luz natural), outro sector apraz aos designers da exposição: a artificialidade e a
tecnologia. Não se fala apenas de luzes de halogéneo ou de jogos de luz dissimulados,
fala-se em multimedia e em monitores de computadores que permitem apreciar a
exposição e os seus objectos «num contexto mais amplo», em ângulos diversificados,
segundo perspectivas alternativas e com uma proximidade invulgar, permitindo a acção
e o contacto, mas também informação complementar às obras. Permite conhecê-las
melhor a montante (o criador [artista ou não], as técnicas ou processos requeridos ou
empregues na história dos objectos e/ou sobre o contexto original do objecto agora em
exposição), fases não presenciadas e que permitem contextualizar e, talvez, guiar a
interpretação, condicionando-a ou abrindo-a.347
A estes se junta o vídeo – seja num
formato introdutório ou complementar à exposição – que contextualiza «e define o
cenário para a exposição», prepara o visitante para aquilo que o espera e dá pistas para
aquilo que pode vir a experienciar durante a visita; e também o áudio (no formato de
áudio-guias) que permite ao visitante, sempre que quiser, ter uma descrição, um
comentário ou uma interpretação daquilo que vai visionando – muito útil aos visitantes
de outras nacionalidades ou com insuficiências sensoriais como a visão. Acrescente-se a
estes dois pontos apresentados por Alexander, as legendagens e as texturas em braïlle
para invisuais e, também, uma sinalética de cores para daltónicos, por exemplo. O
visitante, com os dados e os instrumentos que tem ao seu dispor, adquire uma certa
autonomia no processo de interpretação, usufruindo de informação auxiliar.
345
Judite Primo, «“O Sonho do Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova linguagem
museográfica» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Museologia: Teoria e
Prática, p.106.
346 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 276.
347 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., pp. 245-246.
163
Diz Alexander que «o formato áudio-guia explodiu recentemente em museus,
experimentando tecnologia desde iPods à radiodifusão e a telemóveis pessoais».348
Esta
afirmação vem no seguimento daquilo que investigadores nesta área, e anteriormente
citados, previam. De forma ainda mais abstracta, mas simultaneamente quase real e
palpável, está o fenómeno de transposição das colecções e das exposições dos museus
in loco para uma plataforma cibernética possibilitada pela Internet.349
Dois caminhos
poderão desenhar-se. A estrutura montada online poderá ser o aperitivo, um aliciante
para o visitante, preparando-o para aquilo que irá encontrar, dotando-o de informação
(que pode ser descarregada pelo download) que lhe permita compreender melhor a
temática em questão, e melhor organizar a sua visita no museu, estabelecendo rotas e
pontos de interesse. Ou, subversivamente, pode afastá-lo, por concluir que a temática
e/ou o conteúdo, ou a apresentação não sejam suficientemente aliciantes para motivar a
sua deslocação. Assim, a partir do computador pessoal, confortavelmente acomodados
em casa, visitantes ou não-visitantes podem entrar nos museus, aproximar-se dos
objectos, observar de perto a sua forma, o traço, a cor, o desenho, os mecanismos,
compreender a sua construção e os pretextos que lhes deram origem (o contexto
criativo, histórico-social e cultural).350
Os títulos, as legendas e as descrições devem ser o convite apetecível para a
descoberta da exposição e o alargamento do conhecimento sobre cada peça. A regra ou a
experiência de quem com estes espaços e acontecimentos vai convivendo ditam que as
legendas querem-se curtas (e multilíngues). A rapidez de absorção é directamente
proporcional à paciência e ao tempo com que se vive, hoje, o mundo. Para tal, deve
ajudar a proximidade da legenda ao objecto a que se refere. Mais acrescentaria Beverly
Serrell, parafraseada por Alexander: «Legendas com referências visuais concretas
provocaram nos visitantes um ler-olhar-ler-olhar351», e estes, na onda desta leitura
348
Idem, p. 246. Note-se que esta edição é de 2008.
349 São exemplos, a nível internacional, o Art Project, o World Wonders e os arquivos de Nelson Mandela,
e, recentemente, mais 42 exposições históricas online, que o motor de busca Google (Culture Institute)
promove. (Cf. Afonso Moura, «Google disponibiliza online 42 novas exposições históricas» in Jornal i
(ionline), 10 de Outubro de 2012, http://www.ionline.pt/boas-noticias/google-disponibiliza-online-42-
novas-exposicoes-historicas. Ver, também, http://www.google.com/culturalinstitute/#!home,
http://www.googleartproject.com/, http://www.google.com/intl/en/culturalinstitute/worldwonders/)
350 Dos EUA vem o exemplo Within These Walls do Museu Nacional de História Americana. (Ver
www.americanhistory.si.edu/house)
351 «Read-look-read-look»: lido em inglês, a cadência dos sons transmite, de facto, a ideia de rapidez e
164
visual, «lerão em voz alta legendas interessantes, ampliando interacções sociais e
cativando as crianças também»352. Como se verifica, os pormenores são tudo menos
menores e têm um contributo insubstituível na comunicação entre o museu – o primeiro
objecto sobre o qual as atenções se desdobram – e a exposição (o móbil da presença do
visitante). A motivação tem mostrado ser a qualidade ofensiva, que, pensa-se, e de
forma assertiva, ser enredada pela inteligência e pela sedução num jogo comum.
Um dos volta-faces do século XXI foi precisamente fazer do museu um local,
um mundo de confluência de perspectivas, de democratização do mundo, onde o
confronto oscula, satiriza, discute e contribui para o sentido crítico e interpretativo do
indivíduo, afastando já uma outra tirania: a da perspectiva única, a da «“voz (ou tom)
curatorial” da exposição».353 A questão coloca-se já no ponto da «“autoria” das
exposições». Isto é, quando a preparação das mesmas apresenta um alinhamento onde
outros profissionais da equipa do museu intervêm e dão sugestões, os créditos deveriam
repartir-se, naturalmente, entre aqueles que as pensam, os que executam e aqueles que
contribuem, de fora, para que ela aconteça. «O produto final» tem assim múltiplas
origens e tonalidades diferenciadas. «Mas como Jan Ramirez do Museu da Cidade de
Nova Iorque sugere: “Se se vai estruturar exposições para que pessoas com diferentes
formações possam vir e encontrar-se a si próprias, vai ter de se atropelar pessoas.
Porque, sabe, ao criar um espaço para um grupo se encontrar, está a eclipsar a história
tradicional que estava a contar a outro. E eles podem ser os seus benfeitores.”»354
«As exposições museológicas são interpretações – desde o conceito às técnicas
de exposição aos textos nas paredes.»355 A declaração de Alexander é objectiva e a ideia
persistente. Desvallées e Kinard viram o novo museu – o museu-transformado – sob
duas regências: a «aproximação, desde as seleções de acervos até suas interpretações, do
interesse e das condições de compreensão dos públicos» e «as interpretações
substituindo os entesouramentos».356 Para Kinard, o museu deve «servir a comunidade»,
fácil associação que se pretende transmitir.
352 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 248.
353 Idem, p. 249.
354 Idem, p. 249.
355 Idem, p. 249.
356 John Kinard, Intermédiaires entre musée et communauté (1971) sob o escrutínio de André Desvallées,
em Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie, vol. 1, Paris, W M. N. E. S., 1992. Apud
Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria
165
e ter em conta as múltiplas hipóteses que legitimam e dignificam a expressão museu.
Exposições especiais, êxitos de bilheteira e acções de reconversão dos museus
em centros de vida social e de entretenimento são algumas das medidas em que os
museus se apoiam para publicitarem a sua existência e se afirmarem na vida social,
expandindo «o seu alcance e esforços de marketing». Esta forma de actuar poderá ser
melindrosa no sentido de esta faceta mais expansiva e de entertainer poder vir a
comprometer as suas missões tradicionais. Alexander aborda, por sua vez, a pesquisa
como uma actividade transversal a várias fases do processo de construção da exposição:
desde a definição do conceito à escolha dos objectos-chave – que «reflectem a»
mensagem que se pretende transmitir pela exposição e, até, o recurso a peças únicas,
bem como a avaliação das expectativas dos visitantes.
Se a Internet é, hoje, o meio que mais facilita o acesso à informação textual e
visual – e, no campo da museologia e das colecções, equaciona-se atribuir-lhe o papel
de instrutora do (possível) visitante sobre a colecção –, qual é, afinal, o propósito das
exposições museológicas in loco? «Com o aumento da comunicação e das viagens
internacionais – ambas em tempo real e por intermédio dos media e do ciberespaço –,
como é que os museus competem pelos interesses do público quando design de alta-
qualidade está disponível em centros comerciais, restaurantes temáticos e até em
terminais de aeroportos? O encolher do mundo põe grande pressão nas exposições
museológicas para competir pela atenção do público»357.
Os museus do século XXI são, assim, desafiados a conceber soluções
equilibradas que permitam cumprir o dever de guardiões das suas colecções e a serem
capazes de conquistar o público pela exposição. Para isso, terão de ser os principais
concorrentes não só das actividades culturais tradicionais, como nota Alexander, mas
também de propostas acirradas que surgem quase instantaneamente. Como dizia Mário
Chagas, há pelo menos duas correntes museológicas que se manifestam assídua e
«dramaticamente» no planeamento estratégico do museu: a «cristalização do passado,
de valorização de objeto em relação ao homem/sujeito [sic]», por um lado, e a
«transformação radical de valorização do homem/sujeito em relação ao objeto».358
No final, pergunta Alexander, como «medir o sucesso» das exposições? A
Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, p. 36.
357 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., pp. 251-252.
358 Mário Chagas, Museu: coisa velha, coisa antiga, 1987. Apud Judite Primo, «“O Sonho do
Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova linguagem museográfica», p. 105.
166
questão decorre de uma outra, não menos pertinente, lançada por Michael Kimmelmen,
no New York Times. «“A questão não deve ser quantas pessoas visitam os museus, mas
quão valiosas são as suas visitas?”»359
Há diferentes grupos a avaliar e, como tal,
diferentes tipos de avaliação, diferentes expectativas, diferentes graus de satisfação,
diferentes ambições. Dos membros da direcção do museu aos financiadores,
patrocinadores, gestores do website da instituição, avaliadores profissionais, até os
visitantes que chegam pela primeira vez. Para Michael Belcher, basta o seguinte: «“Se
um visitante deixar uma exposição com uma nova sensação de maravilha, de
entendimento, ou de utilidade, pode dizer-se que aquela teve sucesso”»360.
Há uma pequena história, contada por Judite Primo, e vivida pela própria
docente de Museologia, que reflecte, em certa medida, o primeiro impacto de um
visitante perante o museu e a exposição. Começa por dizer que
«julgamos que é um dado adquirido que na entrada dos museus existe um número excessivo de
proibições e, essa característica na instituição museológica sempre foi algo que me incomodou
profundamente. Visitando durante um final-de-semana vários museus, tornou-se assim mais
evidente que em todos eles havia logo na porta principal um cartaz que enumerava tudo o que o
visitante não podia fazer, entre a listagem de proibições estavam: “não correr, não fotografar,
não comer dentro das salas de exposições, não tocar, não gritar”. Após o sexto museu visitado,
comentei com um amigo que o ideal de todo museólogo era colocar o visitante dentro de uma
vitrina, só assim conseguiriam proteger seus acervos [sic]»361
.
Repare-se, igualmente, nas palavras de Mário Chagas: «(…) o museu é o gentil
depositário ou o fiel carcereiro. Além disso, existem horários e dias interditos (…)»362.
Não pretendendo com isto, a doutora em Educação Patrimonial e Museologia,
liberalizar toda e qualquer expressão do visitante sobre as peças – ideia clara pela
continuação da leitura do seu ensaio –, surge (e urge) a necessidade de destacar uma
observação pertinente que decorre dessa experiência de fim-de-semana: «(…) Os nossos
museus preocupam-se tanto em salvaguardar seus acervos que esquecem porquê, para
quê, e para quem estas instituições existem».
359
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 252.
360 Idem, p. 252.
361 Judite Primo, «“O Sonho do Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova linguagem
museográfica» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Museologia: Teoria e
Prática, p. 103.
362 Mário Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu e
Políticas de Memória, p. 51.
167
3.2.2. O segundo naipe de funções: interpretar (para) e servir
3.2.2.1. Interpretação, de quem é a culpa?
«“Que a comunicação e a educação na exposição sejam concebidas essencialmente como
forma de alimentar a capacidade crítica.”»363
Um objecto não é só matéria. A discussão a esse propósito já desassossegou e
entusiasmou vários pensadores e filósofos. O objecto é obra, é criação (de alguém),
requer técnica e conhecimento, tem um passado e uma utilização que lhe confere um
estatuto, mais ou menos nobre. Mas integra também algo superior: história, perspectiva,
memória, afeição, emoção, poder. Colige factos moldados como barro por quem os
apresenta e por quem se atreve a interpretá-los.
Em 1905, Benjamin Ives Gilman degusta a Arte, discorrendo com gáudio «“a
mais prazerosa forma de introdução aos objectos de arte é indubitavelmente a
companhia de alguém que os conhece e que nos guia até eles e instila em nós, por
palavras e pelo seu comportamento, a sua familiaridade e amor por eles. Visitas aos
museus em companhia de tais pessoas ficam gravadas nas nossas memórias e afectam
todo o futuro da nossa experiência estética”»364. Resumindo: aquele que domina o
assunto – que é capaz não só de o explicar, mas também de sussurrar por entre as
palavras certas e verdadeiras o entusiasmo, a atenção e a dedicação – é um factor de
motivação acrescido para o visitante. Não serão apenas capturadas as imagens do
edifício e dos objectos, mas também aquilo que eles querem dizer, enquanto pregadores
de mensagens e geradores de significados no(s) seu(s) interlocutor(es), numa vasta área
de experiência (não só estética).
Na década de 1920, John Cotton Dana projectava a instituição museológica para
aquilo a que esta se dedica ou começara a ser seu objectivo, sobretudo, a partir da
segunda metade do século XX: a atracção, o entretenimento, a curiosidade, o
questionamento. E quando há interesse e entusiasmo, há aprendizagem. De uma ponta à
outra do século XX, a educação persiste como aspecto imprescindível, e o seu raio de
363
Ulpiano Bezerra de Menezes apud Judite Primo, «“O Sonho do Museólogo.” A exposição: desafio
para uma nova linguagem museográfica» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia –
Museologia: Teoria e Prática, p. 103.
364 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 257.
168
operação cada vez mais profundo. A educação está no «“negociar entre os significados
construídos pelos visitantes e os significados construídos pelos museus”»365. A acção é o
passo que se segue à interpretação dos objectos.
Analisando a orgânica interna de um museu, pode concluir-se que a actividade
educativa faz dessa instituição um órgão fortemente «“interpretativo”»366
. Gordon
Ambach (o comissário para a educação do Estado de Nova Iorque, em 1986)
considerava que práticas como «coleccionar ou escolher um objecto para destacar»
fazem do profissional que as executa um intérprete. Isto porque debruça-se sobre a
orientação do objecto, daquele objecto específico, a sua importância na globalidade da
exposição e para a temática e a sua relevância, «antecipando as expectativas dos
visitantes ao ver o artefacto ou a obra de arte»367. Fazem-se avaliações e «julgamentos»
porque se sente uma forte presença do poder de escolha e de preferência de um objecto
(o digno de) em negação de outro, em cada momento, seja na constituição da colecção
e/ou na selecção das melhores técnicas e produtos para a conservação e para a triagem
dos objectos a exibir. Tudo isto implica opções. A interpretação é, assim, equacionada
como educação baseada num processo de várias etapas de transmissão de mensagens
(intencionais ou não) para o público, parafraseando Mary Alexander.
O que é, pois, interpretar em contexto museológico? Na perspectiva do
historiador Freeman Tilden368
, antes de mais, a interpretação é a primogénita expressão
de comunhão entre o que é exibido e a «personalidade ou experiência do visitante».
Interpretação sem esta ligação é palavreado «estéril».369 É exigida dádiva pessoal. Esta
premissa inapelável rodeia-se de outras questões importantes: «Informação, enquanto
tal, não é interpretação. Interpretação é revelação baseada em informação. Mas são
coisas totalmente diferentes. Contudo, toda a interpretação inclui informação»; «o
principal objectivo da Interpretação não é a instrução, mas a provocação»; a
interpretação deve poder chegar a ser produzida pelo todo e a dirigir-se ao todo – o
indivíduo como um todo. Por essa razão, o discurso e os conteúdos para adultos e para
365
Lisa C. Roberts, From Knowledge to Narrative: Education and the Changing Museum (1997), apud
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 257.
366 Edward P. Alexander e Mary Alexander, Museums in Motion, p. 257.
367 Idem, p. 257.
368 Freeman Tilden foi um dos pioneiros na instauração dos princípios e das teorias de Interpretação do
Património.
369 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 258.
169
crianças deverão ser pensados separadamente.370
Outros se pronunciaram também sobre este assunto. Para Edward Alexander,
interpretação define-se por «procurar ensinar certas verdades, revelar significados,
fornecer compreensão. Deste modo, tem um sério propósito educativo». É «baseada em
objectos, animados ou inanimados; naturais ou artificiais; estéticos, históricos ou
científicos». «É apoiada por parecer científico ou pesquisa histórica que examina cada
objecto do museu, fortalece cada programa, analisa o público do museu, e avalia os seus
métodos de apresentação de modo a assegurar uma comunicação mais eficaz.» «Faz
uso, sempre que possível, de percepção sensorial – visão, audição, cheiro, paladar, toque
e sentido muscular cinético. A aproximação sensorial, com as suas conotações
emocionais, deveria completar mas não substituir a via racional habitual para
compreender, provida de palavras e verbalização; juntos constituem um processo de
aprendizagem complexo». «É a educação informal» sem a formatação da sala de aula e
o sentido de obrigatoriedade associado – que indisponibiliza quase imediatamente o
interesse genuíno –, no tempo devido e sem pressões. Desta forma, abre-se a mais
demoradas palestras, ao alargamento do conceito de visitas e à procura de alternativas
para «satisfazer» a curiosidade e as pontas soltas ou sugestões dos sítios que visita.
Parte substancial da definição de interpretação, por Edward Alexander, encontra
parentesco na descrição que Francisca Hernández faz de museologia de enfoque ou
ponto de vista quer nas técnicas e instrumentos utilizados quer nos comportamentos do
museu e do visitante.371
Estes são motivos que enchem e justificam uma das conclusões do Belmont
Report372 sobre o papel dos museus estado-unidenses. Vistos como instituições
educativas determinantes num esquema complementar de bibliotecas, e, num ponto de
intervenção ainda mais significativo, em escolas públicas. Esta característica que os
370
Estes são alguns dos princípios tomados como essenciais por Freeman Tilden – no que respeita à
interpretação em Interpreting Our Heritage e tendo como objecto o National Park Service –, que se
tornaram «referências» para os funcionários dos museus de história.
371 Ver Francisca Hernández Hernández, op. Cit., pp. 259-263. El museo como espacio de comunicación
revela que a pretensão da museologia do ponto de vista é a de que «a partir de um novo conceito de
comunicação e de mediação dos saberes, [se] cria um espaço onde a relação entre o visitante e os saberes
se dá através de um meio interactivo».
372 Comissionado pelo presidente Lyndon Johnson e publicado em 1969, e do qual Mary Alexander se
socorre.
170
museus passaram a revelar e a importância que lhes imputaram foram também
reconhecidas pela Associação Americana de Museus (AAM), fazendo convergir os
significados de educação e de interpretação neste tipo de espaços, e responsabilizando
o museu pela conciliação da interpretação com as necessidades dos diferentes públicos.
O relatório da AAM, publicado em 1992, sob o título Excellence and Equitity:
Education and the Public Dimension of Museums, «é uma importante pedra de toque
para a interpretação do museu no século XXI», destaca Mary Alexander. No correr das
intervenções sobre o papel do museu e a sua relação com a aprendizagem, a
compreensão e a interpretação, também a AAM se pronuncia: reforça a ideia de que
museu como armazém é passado e a de que centros educativos é presente. Os museus
devem aperceber-se e inteirar-se de «como as pessoas aprendem em ambiente
museológico», apostar na sua relação com alunos de vários níveis de ensino, famílias, e
prosseguir com os adultos, programando experiências diversificadas para assim
acompanhar diferentes níveis de aprendizagem – o que se reflectirá na sua capacidade
de ser flexível e de melhorar as estratégias de exibição e de programação, auxiliadas
pela tecnologia. A inovação permitirá, a este nível, alargar a capacidade de atracção e de
acolhimento (entrosamento e acessibilidade) do público. Aqui, cabem também os media
electrónicos, projectando as experiências que podem ser realizadas no museu e fora dos
seus limites físicos. Mais, os «“laboratórios de aprendizagem” em museus
seleccionados para pesquisa, experimentação e disseminação de informação sobre
exposições e o desenvolvimento, implementação e avaliação de programas bem como
sobre a natureza especial da aprendizagem no museu e dos públicos do museu».373
Neste ambiente de interacção entre o museu e o público, também o visitante é
incorporado nas responsabilidades que o museu passou a assumir (nomeadamente de
educação). É isso que se depreende da definição de museu pelo International Council of
Museums (ICOM), em 1995. O museu passa a ser uma instituição pertencente a uma
escala e a uma rede que contraiu o seu tom no serviço público e na educação. O
relatório Excellence and Equitity sugeria que o museu e a comunidade estivessem
totalmente comprometidos: «valores e atitudes do “administrador, funcionários e
voluntários; exposições; programas públicos e escolares; publicações; esforços de
relações públicas; pesquisa; decisões sobre o ambiente físico do museu; e escolhas
sobre coleccionar e preservar. Estes elementos estão entre os muitos que configuram as
373
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 260.
171
mensagens educativas que os museus transmitem para o público”»374.
«Tal como Ambach sugere, todas as actividades do museu transmitem decisões e
ênfases interpretativos.»375 A visita pode ser planeada ou ser uma surpresa. De um lado,
a investigação do local, do seu conteúdo e do meio envolvente; ou simplesmente
deslocar-se à instituição sem expectativas ou preconceitos, sem uma imagem e
pormenores. O visitante recebe uma primeira mensagem: a do edifício com que se
defronta. Se existe já familiaridade com a temática e/ou a colecção, o visitante consegue
orientar-se autonomamente pela exposição. Como tem vindo a ser referido, a Internet é
o recurso que mais tem contribuído nesta modalidade de visita. A definição do trajecto e
a orientação da visita são escaladas pelo visitante com base na informação, muitas vezes
seleccionando as peças de maior relevância ou os espaços obrigatórios, além de
indicações práticas e úteis como orientação geográfica do museu e direcções, preços e
taxas, ou descontos, estacionamento e outros serviços prestados pelo próprio museu.
Para quem não se antecipou, por intermédio dos instrumentos disponíveis além
museu, a sua experiência inicia-se no local. As apresentações explicativas,
independentemente do meio utilizado, uma exposição de objectos representativos da
colecção e da(s) temática(s) ou a decoração das instalações dos edifícios, das galerias e
das salas poderão ser o primeiro contacto do visitante com o museu e um preâmbulo
cativante e útil. As descrições que legendam e acompanham a exposição da forma mais
pormenorizada, o destaque dos temas mais relevantes das exposições e os espaços com
maior repercussão nas experiências poderão ser reconhecidos como guias na visita.
Quanto aos museus de menor dimensão (e, em regra, com menos recursos),
poderão destacar-se pela irreverência: uma apresentação alternativa (uma performance
relacionada com a temática – imagine-se um ofício industrial), além de mapas ou
brochuras não só de localização mas também de sugestão de trajectos, de peças em
destaque ou das várias salas expositivas, mas com informação cientificamente crível que
instigue o visitante a guardar aquele folheto. Como disse Alexander, «o propósito é
assegurar que os visitantes estejam confortáveis no museu», que se sintam à vontade,
acolhidos, para que possam disfrutar do que lhes é apresentado. «Michael Belcher
sugere que existem quatro elementos básicos para a orientação do visitante. Eles são
geográficos (postos de orientação e mapas do edifício), intelectuais (vídeos e
374
Idem, p. 260.
375 Idem, p. 260.
172
publicações), conceptuais (áreas de orientação e publicações) e psicológicos (brochuras
genéricas do museu e materiais promocionais).»376
Por outro lado, há quem opte por uma visita guiada. Em vez de «fazer o seu
caminho»377
ao seu ritmo, aprovisionado de indicações, informação, mensagens e
significados prévios facilitados por meios que não se resumem a guiões ou folhetos
impressos. A informação encontrada em mesas, nas paredes e no tecto combinada com o
aspecto do museu são, simultaneamente, pistas directas e imediatas no sentido de um
primeiro encontro. Todavia, o desenrolar da relação visitante-museu é susceptível de
pensar a simplicidade de forma fecunda e criativa. Hoje, a tecnologia apresenta
dispositivos portáteis – como se de uma «“varinha”» de condão se tratasse, graceja
Alexander – aptos a fazer aparecer informação na altura e na língua desejadas, com
hipótese de interromper e de recuperar ou de retomar, em ciclos programados. São
aparelhos cada vez mais pequenos que oferecem mobilidade e conforto. Alexander
aclara que as «varinhas podem oferecer múltiplos níveis de informação interpretativa:
identificação básica do objecto; pormenores das origens ou do contexto histórico,
artístico ou científico do objecto; música de época para adicionar outro elemento
sensório à visita. Hoje, os museus experimentam com a radiodifusão mensagens
interpretativas de áudio e vídeo nos telemóveis dos visitantes, iPods e MP3 players».
As visitas guiadas personalizadas têm um custo acrescido, mas a mensagem
chega com maior gravidade e maior humanidade interpretativas. Desta equipa de
profissionais poderão fazer parte professores, voluntários, membros da equipa do
museu. Exige-se conhecimento, boa preparação e treino, técnica, actualização constante,
e qualidades humanas como a amabilidade, a disponibilidade, a criatividade e a
sensibilidade. Um guia que seja um comunicador nato tornará a «experiência de
aprendizagem agradável, até mesmo memorável». Mais, «docentes voluntários podem
tornar muitos pequenos museus economicamente possíveis, e também servem como
importantes embaixadores do museu na comunidade em geral»378
.
376
Idem, p. 261.
377 Idem, p. 261.
378 Idem, p. 262.
173
3.2.2.1.1. Multimedia, demonstração e participação (o toque) – do virtual ao
manual
O multimedia surge na forma de «sons, cheiros, vinhetas históricas»,
representações (de actores), interactividade em plataformas concebidas para o toque, a
reprodução/reconstrução tridimensional de objectos (ou, quem sabe, em hologramas
para se aceder e ver as complicações do objecto, quando aplicável, nomeadamente em
maquinaria). A manipulação de objectos e de instrumentos e as experiências que
envolvem maior empenho físico e sensorial durante o percurso a que a nova museologia
«convida» vêm quebrar o letreiro mais usual num museu, a maior preocupação dos
seguranças e a ideia preconcebida de que não se pode tocar. Mais, lugares de repouso,
de apoio, rampas de acesso entre pisos incentivam à utilização física do edifício e dos
objectos. A isso junta-se o cheiro: os livros têm o seu odor característico, por exemplo.
Trata-se de «uma museografia da sugestão, da analogia e da cumplicidade entre museu e
visitante», que estimula a imaginação e a inteligência. É assim que se caracteriza a
museografia sensorial e a sua capacidade de comunicar.379
Segundo este conceito de visita é possível introduzir momentos de paragem para
que «“experimente com a sua mão”» situações de diferentes âmbitos (do histórico ao
científico ou ao artístico). A experiência tem outra profundidade e outro nível de
conhecimento. No formato de demonstração do funcionamento de uma máquina ou de
actividades industriais, por exemplo, por conhecedores ou antigos profissionais do
ofício; ou encenações dessas tarefas, ou mesmo a realização (acompanhada) de parte
delas pelos próprios visitantes (da obra de arte à construção de uma máquina); ou, ainda,
a explicação do processo de criação, fase a fase, comentada.
O exemplo de Alexander é, proveitosamente, coincidente com a temática dos
três museus que inspiraram este trabalho: «A manufactura de roupa com a cardagem,
fiação e tecelagem feitas à mão ou por máquinas rudimentares pode ser de longe mais
elucidativa e excitante do que a legenda com ilustrações do processo»380
. A verdade é
que alguns acontecimentos, factos, objectos (sejam utilitários, de arte ou artefactos
industriais) e histórias exigem, de acordo com Alexander, capacidade intelectual, análise
comparativa, abstracção, percepção sensorial e dramatização das colecções de objectos
379
Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 262. Reflexões sobre a museologia de enfoque ou ponto
de vista.
380 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 263.
174
por parte do visitante, e, por isso, formação académica superior porque é necessário
questionar381
para compreender e relacionar e confrontar dados apresentados com
diferentes perspectivas e estudos, por exemplo. Ou, simplesmente, questionar a
importância de tais objectos e acontecimentos no tempo que agora se vive. Ou fazer
questões que esgaravatem o isco que é a informação fornecida pelo guia. A encenação –
com recurso a actores profissionais (ou a funcionários do museu) como contributo para
a «“história viva”» – de cenas do quotidiano, de actividades e de ofícios, cumprindo o
induto, os figurinos e a cenografia; produzindo artesanato da época e adoptando a
linguagem, os termos, a consciência histórica e social e temporal da época envolvem
esses mesmos performers num contexto específico ao qual deverão estar circunscritos,
não podendo pronunciar-se sobre assuntos posteriores.382
O preparado teatral completa-
se convidando os visitantes a integrar o elenco e a participar na dramatização.
Quando há elementos da equipa do museu que viveram parte de histórias
reavivadas; ou realizaram, experimentaram ou possuem conhecimentos práticos sobre
tais tarefas, actividades e ofícios relacionados com a temática (directa ou
indirectamente) do museu (tecer, bordar, etc.), a autenticidade ganha ainda mais valor. O
distanciamento em relação a essa realidade diminui, pois contacta-se não só com o
produto, mas com quem a ele esteve ligado e ouve as histórias na primeira pessoa –
algumas inéditas porque a conversa assim puxa a memória para situações não antes
lembradas. Estas acções permitem dinamizar todo o conjunto, isto é, estimular o
interesse dos visitantes, gerar dinâmica durante a visita (com interacção social) e tornar
os diferentes espaços do museu vívidos. Alma Wittlin considerava que «as melhores
exposições museológicas criam diálogos com os visitantes em vez de oferecer o
monólogo do curador»383
.
Falk e Dierking comentam que a ida ao museu é feita frequentemente em grupo
e, por isso, «o que os visitantes vêem, fazem e se lembram é mediado por esse grupo».
Quem vê a exposição não é apenas um corpo físico (não é apenas biologia), é também
um ser com passado, conhecimento adquirido, experiências vividas e crenças. Estas são
características variáveis, individuais e partilháveis, mas que não podem ser sentidas ou
381
«As respostas que encontre serão proporcionais às suas capacidades [dos visitantes] de entender a
mensagem. O objectivo da exposição e do museu é produzir estímulos, suscitar perguntas.» Joan
Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 104.
382 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 263.
383 Idem, p. 264.
175
interiorizadas da mesma forma pelo outro; daí «personalizar a mensagem do museu» de
acordo com essas idiossincrasias. O museu é um lugar de destino pela raridade que lhe
está associada. Os objectos que expõe não são as fechaduras e as chaves corriqueiras
das portas do dia-a-dia; destacada está também a aparência do museu: «Os visitantes são
fortemente influenciados pelo aspecto físico dos museus, incluindo a arquitectura, o
ambiente, o cheiro, os sons e a “sensação” do espaço», e ainda «pela localização das
exposições e pela orientação dos museus».384
Jan Packer, num artigo para a revista
Curator, e citado por Mary Alexander, interpretara a (motivação da) ida das pessoas aos
museus enquanto indivíduos «interessados em “aprender por diversão”, pelo prazer do
processo mais do que para aprender ou compreender algum facto ou ideia específica».
Um painel de actividades frequentes, criativas e exploradoras – seja das
conversas aos debates ou seminários385
, aos programas de maior componente visual e
mais práticos (workshops ou os chamados trabalhos oficinais) ou com recurso às
próprias peças – pesa na decisão de regressar e, também, na conquista de
patrocinadores, na forma de financiamento, de doação de peças ou até de colecções. Um
museu de pequenas dimensões poderá aproveitar uma data ou acontecimento
comemorativo relacionado com a sua colecção ou, se a pertinência e a oportunidade o
permitirem, destacá-lo preparando uma exposição mais elaborada, publicitada e
cativante. Este último tipo de museus, por natureza, dependente da sua localidade ou
regionalidade, sendo que a actuação com outras instituições culturais locais ou regionais
é benéfica. O projecto torna-se não só mais consistente, criando-se uma rede facilitadora
do encaminhamento do público para o museu, mas também a própria projecção e
sedimentação da imagem do museu na sua comunidade, localidade e região se
evidenciam. Museus de maiores dimensões e com colecções volumosas terão mais
facilidade em diversificar a programação e em investir em diferentes sectores da sua
colecção e várias «áreas de interesse».386
O sistema museológico português, as organizações e as instituições de cariz
384
Idem, p. 265.
385 As tradicionais palestras ou conferências podem ser concretizadas com recurso a diferentes suportes
físicos: slide ou exibição de filmes, trabalho de campo, conversas à volta da fogueira ou visitas de estudo.
Em alguns formatos cabe a figura de contador de histórias. Esta modalidade não tem de estar
necessariamente agarrada às paredes do museu, podendo realizar-se, bem como outros programas, em
outros locais que propiciem a reunião, como a Internet, por meio de fóruns ou blogues, por exemplo.
386 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 266.
176
cultural estão, ainda, desencontrados. Receiam pela sua própria sustentabilidade e, até,
do ponto de vista relacional, as parcerias são imberbes – estão a conhecer-se
cautelosamente. «Em Portugal, os Museus e as organizações culturais em geral não
possuem nem utilizam regularmente as ferramentas de apoio à programação e à gestão,
que são habitualmente utilizadas pela generalidade das organizações económicas e de
serviços, noutros países, incluindo já as instituições ligadas à Cultura e às Artes.»387
Mais afirma Ana Stoffel, segundo a qual «nem sequer a Programação Museológica, uma
ferramenta imprescindível de implementação e garantia de funcionamento dos museus,
é aplicada nas suas fases de estruturação, construção ou remodelação, apesar de ser
exigida por lei, de existirem em Portugal bons especialistas nesta área, e de várias
dissertações de Mestrado sobre o tema terem já sido defendidas em diversas
Universidades Portuguesas».
Qual a via dos programas públicos? As demonstrações, as palestras, os trabalhos
oficinais (workshops), os ciclos de filmes, os espectáculos e outro tipo de manifestações
artísticas como acontecimentos musicais. Todos estes momentos devem ser criativos,
inventivos, irreverentes, imaginativos – resumindo: um painel de adjectivos sinónimos
que deverão, persistentemente, ser estimulantes e companheiros na construção da
actividade e no planeamento do programa. Dinamismo é a palavra. Os programas têm
de comunicar directamente com os interesses e as necessidades dos públicos, satisfazê-
los e preenchê-los; ser bem executados; e ser empáticos (em grande parte, devido aos
funcionários). A recompensa estará no passa-a-palavra e na imagem transportada,
comentada e lembrada. As qualidades dos profissionais (nomeadamente daqueles que
gerem o património e os museus) constituem um tema sob grande escrutínio e em
evidente ascensão. Varine adverte para que estes sejam dirigentes comunitários
conscientes e comprometidos no desenvolvimento do território. Que tenham formação,
capacidade de iniciativa, inovação, comunicação, sentido de mediação cultural e social,
que saibam conciliar e gerir o privado e o público (assuntos de política[s] e
administrativos).388
387
Ana Mercedes Stoffel Fernandes, «Gestão Museológica e Sistemas de Qualidade: Qualidade e Museus
– Uma parceria essencial – Introdução» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas
do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades
e Tecnologias, 2007, p. 135.
388 Hugues de Varine-Bohan, «Quelques idées sur le musée comme institution politique» in Cadernos de
Museologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, p. 13.
177
A irreverência está em trazer para casa a tridimensionalidade que o público está
habituado a ver e a vivenciar no local. Esta seria a solução mais óbvia e natural:
contemplar o objecto no local que melhores condições ofereça para a sua preservação.
No entanto, há já várias modalidades e personificações de contadores de histórias. Da
oralidade à escrita. Na escrita, uma caterva de informações impressas mais ou menos
estilizadas: das publicações (guias; catálogos de exposição; publicações especializadas,
com estudos académicos, relatórios de pesquisa; jornais) aos livros comemorativos, às
brochuras, aos panfletos. Diz Alexander que «eles agem frequentemente como
embaixadores a longo-prazo do museu nas prateleiras de livrarias públicas e até
pessoais»389
.
O rigor e a acuidade científica, a linguagem adequada, a coordenação eficaz, a
produção e o design aprumados tornam os materiais impressos estratégicos na
montagem, associação e preservação de uma imagem que registe e identifique o museu,
para que este seja reconhecido. Se acontecer a visita ser conduzida por guias insípidos e
monótonos, a informação recebida (ouvida e lida, e, até, guardada nas mochilas ou
alforges de serviço) torna-se inútil e só faz monte. Se se adicionar objectos peculiares
com informação complementar – que se faça apresentar na versão de estórias,
acontecimentos e curiosidades de trato quotidiano (relatos) ou narrativas mais ou menos
romanceadas, nas quais, contudo, também se pode analisar a sua cota de
história/biografia – e referências bibliográficas, publicadas com aval científico da
Academia, tornar-se-á numa obra com informação precisa, objectiva e verdadeira
sustentada por bibliografia actualizada até então.
Os catálogos de exposição deslumbram pelo grafismo mais bem-posto e são uma
solução para o museu se estender na explicação e na contextualização da(s) temática(s)
abordada(s) pela(s) exposições e em destacar alguns aspectos que, na sala de exposição,
só podem ser alimentados por pequenas legendas. É, como refere Alexander, a hipótese
de investigadores verem publicadas pesquisas desenvolvidas.
Os relatórios anuais, mais formais e institucionais, dirigidos a membros e a
contribuintes (patrocinadores, financiadores) – nos quais é possível apresentar e
discorrer sobre alguns temas e, ao mesmo tempo, pré-anunciar e/ou promover o
programa dos museus – constituem outra das práticas de comunicação do museu. E
estes podem ainda destacar um benfeitor especificamente. Actualmente, as newsletters
389
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 267.
178
têm inúmeros adeptos (termo que se entranhou no léxico, sem tradução numa só
palavra, e na mecânica de trabalho das organizações e das instituições, nomeadamente,
no campo da comunicação e do marketing). Com informação sobre a calendarização
programática mensal, trimestral ou quadrimestral; a agenda semanal; curiosidades;
destaques; etc. No entanto, as formas mais inesperadas materializam-se também nos
museus. Os meios audiovisuais e electrónicos, a começar por filmes, produtos
televisivos, vídeos, DVD, CD e sítios de Internet, como enumera Alexander, mais os
desenhos animados e robotizados fazem parte da discussão sobre os meios mais eficazes
para prender a atenção do visitante.
Manter o contacto dos indivíduos com os objectos em plataformas não corpóreas
– mas, igualmente, tão reais e próximas daquilo com que é possível relacionar-se
empiricamente – mantém essa ligação e a presença de uma verdade (a da existência
daqueles objectos), podendo suscitar igualmente sentimentos de identificação e de
pertença. Ainda de acordo com Alexander, há museus que vendem «materiais
audiovisuais que destacam as suas colecções para que os visitantes possam “pré-visitar”
o museu a partir de casa». Tem sido recorrente o recurso aos sítios de Internet dos
próprios museus, onde se encontram directrizes sobre aquilo que poderá ser visitado e
observar até algumas peças, auxiliando o seu público na organização da sua visita e
«comprar programas museológicos especiais».390
Na publicitação de exposições em diversos media, são exemplos a realização de
programas televisivos dedicados especialmente a um museu ou a uma colecção com o
intuito de chegar a um público mais extenso; as publicações periódicas; os muppies no
metro ou em paragens de autocarro; os cartazes em autocarros; os anúncios
publicitários; etc., promovendo sobretudo exposições, feiras, leilões, artistas, livros,
catálogos. E um dos principais suportes de difusão é precisamente a exposição, sob
diferentes formatos (permanente, temporária, individual, colectiva, etc.). O museu é,
assim, um agente cultural com capacidade de decisão; de gestão; de «projecção
cultural»; e de controlo, até um determinado ponto, da «oferta artística», do destaque de
determinadas obras e autores.391
Voltando ao exemplo estado-unidense, «o Museu de
História Americana do Smithsonian começou a inserir as suas exposições na web
(www.Americanhistory.si.edu) para serem utilizadas por professores, visitantes que
390
Idem, p. 269.
391 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 144.
179
planeiam a sua viagem à cidade de Washington, e investigadores de todas as áreas de
interesse»392
.
Uma forma de fazer caber os museus e as suas exposições nas malas escolares e
nas actividades do público estudantil é, por exemplo, por meio dos pacotes escolares
(kits) com materiais cedidos pelos museus para serem integrados nas aulas. Esta é uma
prática estado-unidense já com alguma tradição e que recua inclusivamente ao século
XIX. Consiste em guiões de aulas em contexto escolar, textos ilustrados, histórias
escritas para aliciar os jovens leitores, baús com réplicas, e materiais audiovisuais
variados, incluindo melhorias para programas de computador escolares e
domésticos»393
. Como se comprova, a ligação entre os museus e a escola é promovida
desde o início da actividade escolar. Por um lado, a promoção do património nacional, a
enfatização do vínculo à história da nação, ao enraizamento, àquilo que é fruto da mão
americana e àquilo que resultou da cota parte dos EUA; e, por outro, a ligação à cultura
e à aprendizagem, cujo conteúdo se torna matéria e programa escolares. Mestre e
Molina não se olvidaram, igualmente, de referir a íntima ligação que o museu e a escola
devem construir. Defendem tacitamente que o museu local apadrinha (e é seu dever)
uma função didáctica, quer em momentos de trabalho, quer em momentos de ócio.
Dizem que «o museu dispõe de fontes primárias e é um parceiro importante da escola na
tarefa de transformar a localidade, a cidade ou um espaço educador». Mais, «a educação
é uma tarefa da polis, ou seja, da cidade, de todos».
Estas variadas formas de o museu se apresentar aos jovens estudantes – pelo
facto de querer fazer parte da aprendizagem das crianças – têm, por isso, uma natureza
concertada com o currículo dos vários níveis de ensino. De tal forma que são criados
programas interactivos, disponíveis online, apropriados para utilização em situação de
aula. São disso exemplo diversos formatos de jogos construídos com base em conteúdos
históricos, que exigem desvendar mistérios e desenvolver estratégias recorrendo ao
conhecimento sobre determinados episódios históricos, como quizzes de cultura geral e
até visitas virtuais, aproximando aqueles que estão mais longe fisicamente dessas
instituições. Procura-se tornar os media parceiros da mensagem que os museus
pretendem transmitir. Em Museums in Motion, Alexander vê na declaração do director
de um museu europeu a seguinte realidade: «os jovens (…) “não têm o conhecimento de
392
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 269.
393 Idem, p. 268.
180
base possuído pelos adultos, mas, no entanto, provam ser excelentes observadores
espontâneos, de tal forma que crianças dos nove aos doze anos podem ser consideradas
os mais brilhantes e os mais inspiradores de todos os convidados dos museus”»394
.
3.2.2.1.2. Costurar programas diferentes
No século XIX, Alexander diz ter havido a preocupação de conceber espaços
especificamente para jovens. Fez prova disso o Museu Victoria and Albert, em Londres,
e o edifício Smithsonian Castle no centro comercial de Washington. Hoje, tocar e
explorar já não são verbos non gratae nos museus. Pelo contrário, são introduzidos em
salas próprias os conteúdos relativos às exposições, colecções e museus, brincando. A
metodologia mais comum, porém, tem sido a organização de visitas de estudo planeadas
pelo professor/instituição de ensino. O lado perverso desta boa intenção é os jovens
serem confrontados com uma versão light daquilo que é criado para os adultos. Nem
sempre o mesmo percurso ou os mesmos objectos com o mesmo texto a acompanhar os
seus ouvidos e olhos podem ser os mais adequados porque a solitude das palavras não
os comove. Para contrariar, Alexander não pretende coibir as palavras de serem
utilizadas nem de as minimizar, mas sim de serem auxiliadas pelos objectos e,
sobretudo, pelas experiências que podem ser realizadas antecipadamente na aula, ou no
museu em local curial, e/ou, posteriormente, de novo na sala de aula, onde podem ser
estimulantes de curiosidade e consolidadores de conhecimento.
3.2.2.1.3. O que fazer?
É necessário um trabalho conjunto da escola, dos professores e do museu. A
visita pode começar, como sugerido e defendido por vários autores e profissionais de
campo, logo na escola, estreando-se virtualmente pela Internet e sendo orientada
gradualmente para o museu. As actividades a realizar no museu devem estar integradas
no curriculum. Depois, os temas e os programas devem ser discutidos por ambos:
instituição museológica e instituição escolar. Deseja-se, ainda, o envio de materiais
como preparação da visita da escola ao museu, de que se fez menção anteriormente:
guiões de aulas, réplicas de peças, publicações, materiais multimedia, e, eventualmente,
exposições e/ou funcionários do museu enquanto conhecedores, mas também como
394
Idem, p. 270.
181
instrutores da vida no museu.395
A completar o processo, há as actividades pós-visita na
forma de relatórios num suporte à sua escolha (escrita, desenho ou intervenção oral),
que reflictam a sua vivência e que simultaneamente estimulem as suas capacidades. O
ideal seria, em última instância, angariar voluntários (despois da escola, aos fins-de-
semana ou durante as férias).396
3.2.2.1.4. Repercussões – o bichinho
Em determinadas comunidades, o museu assume responsabilidades que vão
além da reunião, da preservação e da exibição de património, da promoção de cultura, e
da pedagogia. A programação do museu pode assumir objectivos de intervenção social.
Alexander refere o National Great Blacks, que faz parte do Wax Museum, em
Baltimore, Maryland (EUA), onde «os jovens se tornaram ainda mais envolvidos com
os programas do museu e com os seus funcionários, procurando não só orientação no
trabalho escolar, mas também orientação em desafios pessoais». Alguns projectos foram
criados, associados a centros de actividade científica e tecnológica, para irem ao
encontro das necessidades dos adolescentes. Outros, concretamente algumas empresas
como a Ford, criaram programas e estruturas aproveitando os seus próprios recursos,
que permitissem relacionar a finalidade da empresa e a componente educativa. Decorria
o ano de 1997, e o Museu Henry Ford inaugurava «a sua própria escola, a Ford
Academy, na área do museu. É uma parceria entre o museu, a Companhia Ford Motor e
as escolas de Wayne County. A academia orgulha-se de uma aprendizagem hands-on
(mãos na massa), da instrução em tecnologia e das ligações globais pela rede Ford
Company». Alexander refere, ainda, que, em 2005, o projecto da Academia estendera-se
ao número de 216 pelo Estado do Michigan, por exemplo.397
Nos EUA, os anos de 1960 empurraram os museus para o que Alexander
chamaria de «agentes educativos». E a década seguinte introduz os museus nas escolas
como educadores auxiliares nas salas de aula e ambos celebram uma «parceria», onde
as experiências museológicas e educativas se completam. E como a aprendizagem é um
processo contínuo, outros programas educativos foram desenvolvidos pelos museus
395
Idem, p. 271.
396 A oratória e o voluntariado são muito estimulados e estimados como complementos da formação
pessoal e cívica dos cidadãos nos EUA.
397 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 272.
182
(falando ainda nos EUA), desta feita dirigidos ao público adulto, sem que a inovação e a
criatividade se perdessem. «O educador Malcolm Knowles cunhou a expressão
“andragogia”, que significa “a arte e a ciência de ajudar pessoas a aprender”, para
complementar a “pedagogia” aplicada ao ensino de crianças.»398
A pedagogia vai ao
encontro da «realidade» e das «potencialidades infantis». O futuro está na preparação e
no estímulo das crianças para o reconhecimento das suas capacidades e da sua
abrangência. E, dentro dessa autonomia, conseguirem progressivamente construir e
descodificar significados, e, por conseguinte, atingirem o «pensamento lógico».399
George Hein400
, em Learning in the Museum, arrisca reunir «o que os
investigadores sabem sobre aprendizagem em museus», e, no qual Hein conclui que:
«1. As pessoas “aprendem” em museus… absorvendo mensagens específicas contidas nas
expressões… respondendo à experiência da visita ao museu. As pessoas têm experiências
enriquecedoras, estimulantes, recompensadoras ou reconstituintes… aprendendo sobre si
próprias, o mundo… elas têm experiências estéticas, espirituais e “fluídas”.
2. Para maximizar o seu potencial educativo, os museus precisam primeiro de observar as
necessidades práticas dos visitantes… incluindo orientação, amenidades, tornando o programa
do museu claro.
3. As pessoas vão às exposições… incorporando o conteúdo dos museus nos programas que
trazem consigo.
4. As pessoas fazem ligações únicas nos museus.
5. Os museus não são espaços capacitados para a educação “escolar” tradicional.
6. Os funcionários nunca devem subestimar o valor do encantamento dos visitantes, de
explorar, expandindo a sua mente, proporcionando novas experiências cognitivamente
dissonantes e estéticas.
7. O museu deve permitir relacionar o que eles [os visitantes] vêem, fazem e sentem com o que
já sabem, compreendem e reconhecem.»401
Poder-se-á dizer que, não esquecendo o compromisso com as suas funções
primevas, os museus marcaram uma forma tradicional de se mostrar ao público – pela
398
Idem, p. 273.
399 Gabriela Cavaco, «O que é que são museus com qualidade pedagógica? O museu criativo como
alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, n.º 25, Lisboa, Universidade
Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, p. 33.
400 George E. Hein é Professor Emeritus na Graduate School of Arts and Social Sciences e investigador
sénior associado no Programa de Avaliação e Grupo de Pesquisa na Universidade de Lesley, Cambridge,
em Massachusetts (EUA).
401 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 274.
183
gestão das colecções e da concepção de exposições focadas nos objectos, de exibição
ordeira e etiquetada com a informação base (ou, em alguns casos, sem ela) – para a
canalizar no sentido de «ampliar a ideia de um museu como um ponto de encontro
educativo onde os visitantes se envolvem com os cenários, os objectos, as ideias, os
desempenhos, as conversas, e como um todo, com as experiências»402
. Teoricamente, as
ideias e os planos tombam entre o estimulante e o ambicioso, e o museu avista-se como
um projecto cultural e socialmente relevante e economicamente sustentável. Mary
Alexander di-lo categoricamente: «Os museus podem ser pedras angulares para a
vitalidade económica da comunidade», mas segue-se a questão: «Como é que os museus
equilibram os seus papéis como intérpretes de cultura, arte e ciência com os seus
interesses e as suas necessidades comerciais?»403
A promoção do museu é a primeira parte da solução (resposta que se quer
imediata, por vezes, e os custos das medidas recaem sobre exposições extremamente
atractivas, de grandes nomes e de produções exuberantes como as «exposições
blockbuster», dir-se-á). Também os acontecimentos especiais periódicos – entre os quais
Alexander conta concertos, eventos de caridade, comícios políticos, galas de membros
(os dois últimos ao estilo estado-unidense) – oferecem uma variedade de actividades
que fixam os visitantes nas galerias. O que se pretende é chegar a uma marca e ostentá-
la nos espaços pelos quais o público transita, fazendo dela a mnemónica do espaço.
Contudo, estas acções não cabem em todos os museus nem em todos os orçamentos,
não podem ser levadas avante por todos os conjuntos de recursos humanos e nem
sempre se adequam ao espaço, às gentes e à terra a que pertencem.
Com o fito de tornar os museus mais apelativos, Mary Alexander utiliza uma
expressão muito sui generis e pouco usual neste campo: além de emocional (nada
surpreendente), também se refere aos cenários construídos nos museus como
«sensuais». A teatralização ou dramatização, a indumentária, a gesticulação, o
vocabulário, o tom de voz, as realidades paralelas (normalmente repescadas do passado)
acodem aos dois elementos referidos (emoção e sensualidade). «“Os museus… devem
continuar a dirigir-se às nossas faculdades emocionais. Devem continuar a ser sítios
sensuais. Os museus fariam bem, contudo, em pensar sobre que emoções deveriam
cultivar nos seus patronos… [para] criarem a sensação de maravilha e de edificação que
402
Idem, p. 274.
403 Idem, p. 275.
184
leva à perseguição do entendimento”.»404
3.2.2.1.5. O museu «construtivista»
«George Hein argumenta que “os visitantes estabelecem sentido no museu,
aprendem pela construção dos seus próprios entendimentos.» O que preocupa os
museus é entrar na mente dos visitantes e tentar perceber que tipo de significados os
visitantes produzem de acordo com aquilo que vivem nesse espaço. Daí à concepção da
experiência, o espaço de manipulação dos ambientes é extenso, arriscado e repleto de
possibilidades. Pois «cada edifício museológico enviará uma mensagem (ou múltiplas
mensagens); cada exposição evocará sentimentos, memórias e imagens; cada encontro
com um objecto traz a reflexão (mesmo que seja apenas incompreensão e frustração);
cada interacção social reforça as suas relações, estimula novas relações ou desencadeia
ansiedades pessoais”»405
. Quais os procedimentos que o museu poderá adoptar para que
este seja capaz de abarcar a compleição de matéria significante que possa chegar ao(s)
seu(s) público(s)? De que forma as experiências museológicas poderão ser enquadradas
na teoria construtivista, com o portento de uma actuação (e objectivo) educativa? Estas
são as indagações de Mary Alexander. Construtivismo e aprendizagem: o que realmente
significa a sua união e de que modo ela pode ser conseguida na prática, nomeadamente
em contexto museológico?
Foram Howard Gardner, nos Estados Unidos, e Terry Russell, em Inglaterra, a
avançarem com a aproximação das teorias construtivistas à aprendizagem neste lugar de
cultura. Esta teoria infere «que as crianças preferem visitar museus que sejam
interactivos onde descubram a oportunidade de envolvimento físico e emocional com os
conteúdos expositivos. As expressões “hands-on”, que em português poderíamos
traduzir para Mãos em acção, reflectem exactamente este envolvimento e vem
reconhecer o poder e a importância da funcionalidade no acto de aprender». As mãos na
massa (ou «mãos em acção») explicadas por Gabriela Cavaco redireccionam a educação
para outra forma de instrução e de expressão individual e colectiva «que tenta
operacionalizar a transmissão do conhecimento através da criação de representações que
404
Idem, p. 276. É Stephen Asma quem se manifesta, em debate sobre os museus de História Natural,
acerca das capacidades de emocionar e de atrair, quase que criando uma imagem corporal ao falar em
«sítios sensuais».
405 Idem, p. 277.
185
estimulam o rápido crescimento e aprendizagem individuais». Esta prática, a criação, a
invenção, o espírito explorador e a interactividade ou interacção, que faz com que as
crianças reajam, suscitam outro domínio, o nível seguinte, isto é, o «“minds on”» «para
pôr Mentes em Acção».406 Como a aprendizagem não é um processo estanque, Gabriela
Cavaco extrapola a acção pedagógica para os adultos (com a referida «andragogia»).
De uma mente estimulada, trabalhada e exercitada, segue-se o moral, as
emoções e os afectos. «Bruno Munári (1979) costumava dizer que “uma criança criativa
é uma criança feliz”.» Uma criança activa, criativa e feliz necessita de espaços que
promovam esse estado. Por estas razões, Gabriela Cavaco fez do museu figura desse
quadro: «Um espaço de descoberta onde a criança tenha prazer em aprender, descobrir e
experimentar – aquilo a que estudos recentes começaram a designar por espaços
“hearts-on” (Emoções em Acção), espaços de felicidade e emoção». O adulto tomará o
lugar de vigilante – discreto e paciente – a fim de que «cada pequeno visitante» se sinta
à vontade e, ao seu «ritmo», se embrenhe «num espaço onde o aprender surja
naturalmente e onde a competição dê lugar à colaboração».407
3.2.2.2. O serviço à comunidade: educar, aprender, formar e… entreter
Hoje, o que são os museus? «Como descrever o museu» seria uma boa questão
para introduzir qualquer discurso numa visita guiada. O que vêem no início da visita, e
o que vêem no final? Ou, como vêem o museu no início da visita e como o vêem no
final?408 Como se sentem? O que é o museu na comunidade/cidade/região onde vive?
Quanto e de que forma é que este participa no seu quotidiano? Como é que ele se
aproxima do seu público e como é que o público responde? Quais as prioridades dos
indivíduos nos seus momentos de lazer? Quais são as prioridades quando decidem ir ver
um museu? Porque visitam outros e não o que está mais perto da sua área de residência?
Qual a importância do museu? Qual o seu papel? Convida-nos? E como respondemos
406
Margarida de Lencastre apud Gabriela Cavaco, «O que é que são museus com qualidade pedagógica?
O museu criativo como alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia,
pp.34-35.
407 Gabriela Cavaco, «O que é que são museus com qualidade pedagógica? O museu criativo como
alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, p. 37.
408 Esta será a síntese da sua visita: aquilo que registarem das suas experiências significará a imagem do
museu nas suas recordações e nos seus comentários e conversas de ocasião ou quando for pedida alguma
sugestão de visita ou passeio.
186
ao seu convite? Repetem-se os «como», os sinais interrogativos, e as questões
multiplicam-se umas a partir de outras. As respostas, essas, nunca são demais, mas são
várias, distintas, complexas, umas mais interessantes e construtivas do que outras. Facto
é que continuar-se-á à procura de mais.
Afinal, o homem decide diariamente em função das suas necessidades e da
importância que as coisas e as pessoas têm para cada um. No caso do museu, este é feito
de coisas – diga-se assim –, mas não vive sem pessoas. Jan Jelinek, em 1975, dizia que
«os museus apenas desenvolvem plenamente o seu potencial de acção, quando estão
efectivamente envolvidos nos grandes problemas da sociedade contemporânea. Os
museus são instituições projectadas para servir a sociedade e só assim podem eles
continuar a existir e a funcionar»409. O museu terá, pois, a habilidade de promover o
desenvolvimento cognitivo e de sensibilizar. Neste ponto, a sociedade – multicultural,
de diferentes sectores etários e de graus de formação – relaciona-se cognitiva e
afectivamente com o património porque se reconhece ou se encontra nele em algum
momento, alusão histórica, nome, objecto ou sítio. No final, espera-se que este seja um
contributo para a «construção das identidades»410.
Antes, o século XIX foi tempo do museu do objecto e das espécies, mas também
de alguma altivez, de «discursos autoritários e padronizados»411
, de acesso
409
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 281. Fernando João Moreira diria tratar-se de um
«museu cujas colecções são constituídas pelos problemas das pessoas como indivíduos e como um
colectivo». Assim, a instrumentalização serve dois propósitos (dois desenvolvimentos que não se
apartam): o desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento local. Ver Fernando João Moreira, «The
Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.),
Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 15. (Nota: Artigo com data de 1 de Janeiro de 2000, em Monte
Redondo.)
410 Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in
Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em
Museus, p. 15.
411 Apesar de um século passado com várias mudanças que entraram para o quadro de honra, Mário C.
Moutinho sente nos museus (do século XXI) a «recusa» em «reconhecer um novo grau de autonomia na
aquisição de informações por parte dos visitantes [itálico enfático no artigo original]». Os museus e as
exposições deixaram-se expropriar da possibilidade de «renovação permanente» da imagem e de
renovação e sustentabilidade dos recursos, vivem o passado ou deixam que o passado viva a sua
existência, e alheiam-se do que acontece «fora das suas paredes». Estes são os motivos que Mário C.
Moutinho encontra para justificar a incapacidade de os museus «se renovarem todos os dias». Mário C.
187
condicionado e de estaticismo, orgulhosamente conformado com as riquezas em seu
pequeno reino. O museu do século XX foi imbuído de diferentes teorias educativas e do
cruzamento disciplinar, concretizados em programas diferenciados que permitissem a
compreensão do museu pelos diferentes públicos – reconfigurando não só a imagem do
museu, mas também a sua dinâmica orgânica. As pessoas entram no seu plano de
trabalhos não para ocupar o lugar dos objectos ou para se imporem a eles, mas para se
conjugarem. «Alguns museus tornaram-se centros culturais comunitários, prescindindo
até da palavra museu e adoptando centro de arte, ciência, história ou património»412
. O
século XXI veio dar continuidade a esta abertura e atiça-lo com novos instrumentos e
métodos e formas de acção aliciantes, que, também, permitem questionar.
3.2.2.2.1. O conceito de museu: mudança e Nova Museologia
A esfera social e a sua instrumentalização na reconfiguração do perfil
museológico têm, em Theodore L. Low, um defensor, com a sua obra The Museum as a
Social Instrument413. Nela defendia que «os museus fazem da educação popular o seu
objectivo predominante». Fazia parte da sua tese que essas instituições deveriam
reequacionar o seu alvo e procurar alargar o seu público para uma «classe média
intelectual», ao invés de se centrar no estrato superior. Aquisições, preservação e estudo
académico são as funções base (inquestionáveis e imprescindíveis). O estudo, a
reflexão, a discussão e a produção de bibliografia sobre esta temática cresce
vigorosamente na segunda metade de um século de revoluções e mais transformações –
políticas, sociais, de direitos e deveres (os direitos civis, a luta contra a guerra no
Vietname, os movimentos feministas – os anos de 1960 conferiram uma intensidade,
nunca antes vivida, à expressão «“instrumento social”») – em ebulição. A cultura está
em mudança. O museu deixa de ser apenas um local expositivo, é também um
«instrumento social» activo, interventivo, dinamizador, conquistador de um território de
difícil construção e manutenção: a formação de Homens.414
Moutinho, «Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de Humanidades e
Tecnologias – Estudos e Ensaios, p. 39.
412 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 282.
413 Obra publicada em 1972, e organizada para o Comité sobre Educação da Arte.
414 Dir-se-á que o contributo de Low foi o gérmen de uma seara de apoio social que encontrou neste tipo
de instituições outras valências a desenvolver. Isto no contexto estado-unidense. A ideia do museu como
centro cultural nos EUA «não se tem tornado universal» e não se traduziu numa imediata receptividade a
188
No início dos anos de 1970, Duncan Cameron, então director do Museu de
Brooklyn, definiu museu, na revista Curator e no Journal of World History (da
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – no original,
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – UNESCO), como
ocupando «dois fins de um espectro de “templo” a “fórum”. Ele descreveu o templo
como representando o espaço de repouso dos despojos, enquanto o fórum era um sítio
para se envolver em “batalhas” de ideias»415
. Para discutir os duelistas museu-templo e
museu-fórum é, efectivamente, Cameron a personagem evocada.416
Manuelina Cândida
diz tratar-se de um «tema em expansão na Museologia», pois a comunicação e a
linguagem tornaram-se dois vectores indispensáveis neste meio que, em última análise,
determinam o seu carácter. Desvallées deu espaço e continuidade ao assunto e, no seu
entender, a solução das «simples reformas no museu-templo não serão suficientes (…) é
necessário estabelecer o fórum como instituição em nossas sociedades»417
.
Desvallées acha necessário (vital, parece) o fórum, e o argumento é bem
justificado pelo fundamento: a acção. Ora, Cameron afirmara que «o fórum é onde se
ganham as batalhas, o templo é onde se encontram os vencedores. O primeiro é lugar de
ação, o segundo é o lugar dos produtos de ação. O museu-fórum é, portanto, lugar onde
é fomentada a ação. Mas, como enfatiza, sem perder suas especificidades, preocupados
em se desenvolverem enquanto museus [sic]»418. Acção que cede espaço à cidadania.
Um espaço de democracia cultural (conquista de tempos [décadas] recentes),
espontâneo e dinâmico, de participação do cidadão. Se o fórum é um «lugar público de
debate», o museu(-fórum) assume esse mesmo cariz social, de abertura e de crítica. «Na
ausência do fórum, o museu como templo permanece sozinho como um obstáculo à
mudança… Do caos e conflito do fórum de hoje, o museu deve construir as colecções
que nos dirão amanhã quem somos e como chegámos aqui. Afinal de contas, é disso que
estratos sociais mais desfavorecidos. A partir desta altura, o museu obrigou-se a rever, a revisitar, a
recapitular a sua história, as suas pretensões e a construir novos caminhos.
415 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 283.
416 Duncan Cameron é tido como o instigador da problemática museu como templo e museu como fórum,
para a qual o texto Le musée: un temple ou un forum, de 1971, deu argumentos de destaque. Contudo,
Desvallées insiste na questão em «Fondements» no capítulo 1 de Vagues.
417 Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria
Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, p. 44.
418 Idem, p. 44.
189
os museus tratam.»419 Para o fórum ou a «“arena”» está prescrito o debate de ideias, de
perspectivas, de expectativas e de projectos.420
Manuelina Cândida e Cristina Bruno apresentam um museu empenhado na
evolução, mas que não se acomete contra a sua essência. Os «novos públicos» e as
«linguagens mistas», os «novos modelos de gestão» e a integração em redes e
programas comuns e alargados421
sem se escusar ou desincumbir da sua «função
intemporal e universal» (expressão de Mary Alexander). «Em 1995, o International
Council of Museums (ICOM) reviu a sua definição de museu: “uma instituição
permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, e
aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe com os objectivos
de estudo, educação e prazer, evidência material de pessoas e do seu meio
ambiente”.»422
A realidade a que se tem recorrido é, sem admiração, a dos EUA, profícua na
experiência museológica – quer no campo, lidando com o público e os acervos (os
objectos), quer na vertente institucional, metodológica e teórica, ilustradoras do
processo evolutivo. O relatório Excellence and Equitity, de 1992, corroborava a
presença não só de conceitos como educação e ética, aprendizagem, cidadania,
esclarecimento, memória, passado-presente-futuro, saber, experiências e perspectivas,
como dos seus efeitos reais. A finalizar, o relatório evidenciava a seguinte incumbência:
«“A comunidade de museus nos Estados Unidos partilha a responsabilidade com outras
instituições educativas para enriquecer as oportunidades de aprendizagem para todos os
indivíduos e para nutrir uma cidadania humana e esclarecida que aprecia o valor do
conhecimento sobre o seu passado, que tem muitos recursos à disposição e está
sensivelmente envolvida no presente, e que está determinada a moldar um futuro no
qual a muitas experiências e muitos pontos de vista são dados voz”»423.
A rasar o terceiro milénio, de entre os vários artigos da Daedalus, publicação da
419
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 283.
420 Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museology as a Pedagogy for Heritage» in Cristina Bruno, Mário
Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, p. 139.
421 Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in
Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em
Museus, p. 17.
422 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 283.
423 Idem, pp. 283-284.
190
Academia Americana de Artes e Ciências, do Verão de 1999 – edição dedicada às
práticas dos museus americanos e à sua actualidade –, Bonnie Pittman rejeitava a ideia
de os museus serem meros «“repositórios do passado, com memórias e objectos raros e
bonitos”». Há uma componente de contemporaneidade, empreendedorismo, energia e
acção que os vários autores vêm salientando nos seus escritos sobre a grande revolução
museológica que tem vindo a acontecer após a II Guerra Mundial. «“Os museus são
centros culturais, educativos e cívicos nas nossas comunidades – centros para
exposições, conservação, pesquisa e interpretação; são anfiteatros e cinemas, programas
de formação profissional, escolas e centros de cuidados de dia, bibliotecas e salas de
espectáculos… fóruns para as suas comunidades.”» George Brown Goode, John Cotton
Dana, Low e Duncan Cameron apelavam a que os museus «alargassem o seu
compromisso educativo», e, como comenta Alexander, «que o serviço aos públicos
supere as exigências tradicionais das colecções e cimente a solidez do museu nas
comunidades».424
3.2.2.2.2. Uma recém necessidade, um recém compromisso: educar
No início do século XX, John Cotton Dana (director de um museu e de uma
biblioteca estado-unidenses) testamentou onze actividades, que Alexander adjectiva de
«básicas», que traduziriam o seu entendimento sobre o «Novo Museu». Daqui,
pretende-se destacar a repetição de acções como entreter e instruir, as quais iniciam a
sua lista. Depois, a preocupação em dirigir esse novo tipo de trabalho do museu para a
população jovem, chamando a atenção para a produção de materiais educativos e
formativos adequados para preencherem espaço no âmbito de ensino-aprendizagem. A
sala de aula é a primeira parte do espaço privilegiado que se completa com o museu.
Isto é, conciliar o trabalho escolar com as visitas aos museus, também preparadas por
ambas as entidades. Manter uma relação activa entre o museu (e o trabalho aqui
desenvolvido) e a biblioteca pública é outra das alíneas. A organização de exposições
em território escolar visando não só o corpo estudantil, mas também o docente. A
didáctica, no âmbito do museu local, acusa o objecto como seu protagonista. A
observação dos objectos de vários ângulos; o ensino com recurso a imagens capta a
atenção dos alunos (levando-os a questionar os objectos desconhecidos: Para que
serviriam estes objectos? Como funcionam?); a presença de objectos estimula a
424
Idem, p. 284.
191
imaginação e incita a criação de cenários possíveis, podendo criar empatia, por
intermédio deles, para com os objectos e as temáticas e conteúdos relacionados; a
criação de imagens e de uma «rede complexa de conceitos» a partir de objectos, o
estímulo da memória (é mais fácil estabelecer associações quando temos imagem de
algo concreto que nos faz recordar dela, isto é, do objecto) constituem a argumentação
de Mestre e Molina para a importância da presença física de objectos musealizados na
sala de aula. «O facto de os objectos serem elementos reais é muito importante numa
época em que a virtualidade e a publicidade baseada nela começam a dominar», o que
vem confirmar a utilidade educativa dos objectos de museu.425
E, ainda, a exibição (na escola, na sede do museu ou em filiais), de «objectos
que são produtos [seleccionados] das actividades da comunidade no campo, na fábrica
ou em workshops», por um lado, usufruindo da visibilidade para possíveis relações
comerciais; e, por outro, para que os jovens se familiarizem com as ocupações
dominantes no seu meio. Um aspecto interessante e que envolve a comunidade reside
em «encontrar coleccionadores e especialistas e peritos na comunidade e afigurar-se a
sua cooperação em adição às colecções do museu, para ajudar a identificar, descrever e
preparar legendas e folhetos». Com isto, pretende-se, idealmente, aumentar o interesse
dos jovens pelo trabalho do museu, e pelo acto de coleccionar, estimulando a
observação e o trabalho manual, e um sentimento de contributo para com a sua
comunidade, ou seja, educando para o civismo.
Sob a observância da Nova Pedagogia – outro jargão conceptual associado às
novidades deste período –, Gabriela Cavaco afirma não ser razoável a conciliação do
«ensino formal» e das «metodologias tradicionais» com o «espaço museológico» a que
se aspira e se forma. As razões, Gabriela Cavaco encontra-as nas palavras de Mário
Chagas: «O processo educativo dos museus “não está comprometido com o objecto e
425
Os gostos, as necessidades, a forma como pensamos e as experiências estão, cada vez mais, absortas
no virtual, afastando-nos da proximidade real e directa com as coisas e trocando-as pelas suas
representações. O simbólico ganha terreno ao palpável. A perda deste contacto directo com a
materialidade do objecto «é a principal razão de ser da nossa fragilidade; tornámo-nos
“comunicativamente manipuláveis”». Juan Antonio González, Teoría general de la publicidade, apud
Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 100. «É por esta razão que a aprendizagem
baseada na realidade, na objectividade, é muito importante, mais agora do que no passado. Por esta razão,
o museu local, com os seus objectos, transforma-se numa matéria formativa especialmente útil para
enfrentar os desafios da sociedade actual», concluem os professores da Universidade de Barcelona.
192
sim com o homem em transformação com a vida, com o humano, com a solidariedade e
a transformação é bem diferente do tipo prestigiador que manipula informações, lança
mão de uma autoridade ‘mágica’ e cria situações de arco-da-velha, mais interessado em
impressionar e informar do que transformar” [sic]»426
. A finalizar, a comunicação.
Impedir que o museu seja esquecido, insistindo nos meios de divulgação, seja por meio
da imprensa (acordando a periodicidade possível das actividades e programas dos
museus com a periodicidade do meio de comunicação), folhetos, cartazes ou cartões
descritivos das aquisições dos museus como garantia da sua autenticidade.427
A literatura estado-unidense sobre a evolução da actividade museológica deste
país é extensa, documentada, descritiva e crítica. Apoia-se em vários casos e
testemunhos no campo teórico e ideológico sobre o conceito de museu, de museologia e
de museografia, e na relação próspera – propensa a mais debate – entre museu e
público. A «exposição de objectos e espécies, publicação de boletins populares,
empréstimo de réplicas, serviço docente, contadores de histórias, música e empréstimo
de objectos raros» são algumas das práticas registadas num editorial da AAM intitulado
Museum Work, em 1920, referindo-se ao último quarto de século. Daí em diante, as
portas dos museus abriam-se a «programas teatrais; visionamento de filmes
documentais, clássicos e avant-gard; hospedando recitais de dança, bailes de máscaras,
e galas; e oferecendo festivais, feiras e acontecimentos variados».428 Alguns museus
dispõem de infraestruturas como auditórios (salas de conferência) para receber os novos
serviços, preparando-se tanto para as «tradicionais palestras» como para
«representações musicais e dramáticas». Assume, assim, definitivamente, a propensão
(ou índole) descomplexada para ser o centro cultural e, em muitos casos, de toda a vida
comunitária e, enquanto tal, influenciá-la [a comunidade].
«Otto Wittman, director do Museu de Arte de Toledo, sumariou da seguinte forma: “Nos
nossos grandes centros metropolitanos há auditórios, salas de concerto, escolas especializadas
em arte e música, bem como museus. Contudo, ao longo das ruas principais da maioria das
cidades americanas… o museu é frequentemente o único centro cultural da comunidade.
Deram dimensão e significado às vidas de muitos de nós. Enriquecem e alargam a educação
das nossas crianças. Estão na linha da frente do crescimento cultural americano.»429
426
Mário Chagas apud Gabriela Cavaco, «O que é que são museus com qualidade pedagógica? O museu
criativo como alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, p. 37.
427 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 285.
428 Idem, p. 286.
429 Idem, p. 286.
193
Esta breve descrição do museu da cidade americana pode extrapolar-se para a
realidade portuguesa. Na verdade, a maioria dos museus, em grande parte dos locais,
são unicamente os seus centros culturais. Cidades, vilas e algumas aldeias albergam não
só um museu, mas também o centro dos acontecimentos sociais e culturais da localidade
(de apresentações de livros, palestras, festas, peças de teatro, recitais, concertos). E, se
em Portugal ainda não foram criados serviços de restauração para os funcionários,
visitantes e até para a comunidade e eventos privados (alguns adaptaram as suas cartas à
temática da exposição em exibição como outra vertente da sua forma de interpretar o
assunto), esta é prática de alguns museus dos EUA. Os anos Sessenta propiciaram
«outra abordagem para expandir o público do museu», nomeadamente no que diz
respeito à criação de «filiais de bairro»430. O museu foi crescendo no sentido do
indivíduo, da comunidade e dos problemas e temáticas relativas ao local que o rodeia.
Mary Alexander continua o capítulo dedicado às funções do museu,
especificamente o subcapítulo «To Serve», em Museums in Motion, com a apresentação
de diferentes tipos de museus, nos EUA, que relembram alguns e despertam outros
leitores para práticas alternativas (reformuladas ou inovadoras) – antes incomuns – que
desembocaram na reformulação do museu, evidenciando a sua singularidade. Para não
alongar nem repetir informação que pode ser pormenorizadamente encontrada em
Museums in Motion, apenas se relevarão aspectos nucleares e de possível aplicação no
contexto/espaço portugueses.
3.2.2.2.3. Numa pequena ingressão pelo exemplo norte-americano
O Anacostia Neighborhood Museum431 proporcionava a frequência de trabalhos
oficinais/cursos em artes e ofícios; disponibilizava uma biblioteca e um autocarro para o
transporte de crianças e para as exposições. Actividades como espectáculos de música,
de teatro ou dança eram, estas sim, mais comuns em outros espaços similares, além do
museu. Nele podia encontrar-se, e invulgarmente, «um espaço de encontro para grupos
da comunidade, um centro de planeamento urbano que distribuía materiais educativos
pela comunidade, e instalações de instrução que ensinavam [e desenvolviam] aptidões
relacionadas com o desenho e o fabrico de exposições museológicas». Funcionava como
«centro cultural de artes» porque, e assim o justifica Alexander citando a obra
430
Idem, p. 287.
431 Criado como serviço do Instituto Smithsonian, em 1967, em Washington D. C.
194
Museums: Their New Audience, «“o papel do museu é animar a comunidade e
esclarecer as pessoas que serve”».432
O repto do Museu das Crianças de Brooklyn foi lançado pelo projecto MUSE,
concretamente pelos «espectáculos de planetário, animais ao vivo, exposições hands-on,
demonstrações de ciência e artesanato, espectáculos de marionetas (…) e colecções de
levar por casa. Oficinas para crianças e adultos reflectirem sobre antropologia,
astronomia, anatomia, dança, fotografia, arte, poesia, educação para o consumo,
educação sexual, abuso de drogas, aeronáutica, escrita criativa, teatro, falar em público,
música e outros assuntos. A somar, havia visitas de grupos escolares; estojos de viagem
para utilização na sala de aula; exposições inovadoras, incluindo o espaço da ciência e a
mistura líquido-luz; e festivais de rua»433
. Uma programação diversificada será
consentânea com a avaliação de Lloyd Hezekiah (director do Museu das Crianças de
Brooklyn) sobre o museu, isto é, a de que este se aproxima mais de um «teatro» do que
de uma «catedral» ou «templo».
É patente, nestes dois casos, o exemplo (e a tendência) de que o museu se propõe
a novas formas de actuação, mais abrangentes, procurando ser o museu do bairro. O
museu de proximidade. Um museu utilizado como centro de formação pessoal com um
nível de intervenção comunitária que, em algumas localidades, outras instituições não
conseguiriam dar resposta ou cativar determinados tipos de público.
Nos EUA, os museus comunitários tiveram início na década de 1960 e
desenvolveram-se por todo o país. Os museus de bairro somavam às visitas de estudo e
exposições – actividades convencionais – programas de literacia e de aulas de cuidados
neonatal inclusivamente. Surgiram museus cujas temáticas se aninhavam em
particularidades das cidades ou regiões, como as comunidades imigrantes instaladas em
diversas zonas. Por exemplo, «em 1971, o Museu da Cidade de Nova Iorque, antes um
museu histórico tradicional, começou a encenar exposições orientadas para a
comunidade e programas que abordavam problemas sociais»434
. Outros embrenhavam-
se na adolescência e nos riscos que a seduzem com um programa que envolvia o museu
e os seus funcionários, os serviços sociais e a escola, preparando-os para a vida adulta.
Outros viram nos incapacitados, nos residentes de casas de repouso e noutro tipo de
432
Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., p. 287.
433 Idem, p. 288.
434 Idem, p. 289.
195
público – incapaz de aproveitar os programas criados, como indivíduos cujas profissões
lhes ocupam muito tempo ou com horários incompatíveis com os da programação ou,
mesmo, com o horário de funcionamento dos museus – o seu público-alvo.
O departamento de serviço educativo é outro sector crucial da orgânica dos
museus (ainda que nem sempre exista, nomeadamente nos de menores dimensões, cujo
director exerce praticamente todas as funções). Os «educadores do museu» têm sido
capitais no aparecimento deste tipo de projectos, também pela relação que criam com os
professores e pela sensibilidade que se reflecte numa sensação de serviço à comunidade.
Neste sentido, o museu deixa de ser uma instituição insular, passando a cooperar com
outros museus e/ou organizações da comunidade (ou de áreas de influência mais
extensas) como sejam teatros, bibliotecas, auditórios, centros culturais e educativos,
monumentos históricos, centros de investigação, organizadores de iniciativas culturais, a
imprensa – nomeadamente os meios de comunicação locais –, entre outros. As zonas de
maior proximidade são aquelas que dão as raízes ao museu e lhe providenciam um
público mais ou menos fixo e uma imagem e credibilidade na zona e até na região.
Esses organismos, por sua vez, unindo esforços na criação de projectos conjuntos,
poderão fabricar maior impacto e mais possibilidades de alargar as valências do(s)
museu(s) a outras localidades/zonas e a «instalações satélite». Ou seja, alargar o espaço
e a acção museológica por várias instituições.
3.2.2.2.4. As diferentes modalidades de museu do século XXI
O museu desformatou-se e reconfigurou-se sob diferentes modalidades que o
acondicionam de distintas formas no século XXI. O público e as funcionalidades que se
impuseram parecem ser os reagentes. «A noção alargada de públicos de museu e a
elevação das funções de serviço público parecem ter sido institucionalizadas.» Cameron
estava reticente quanto à convivência da marca «“templo”» e da marca «“fórum”» (com
todas as características e formalidades de ambos), contudo, os museus parecem estar a
conseguir extrair o néctar de ambos e elevar a simbiose a outro nível. Já Elaine
Heumann Gurian acredita num museu que sirva o público, isto é, «sugere “esbater” as
fronteiras entre museus e outras agências de serviço público»435
.
Para ilustrar o museu do século XXI, Mary Alexander identifica cinco exemplos
com programas e objectivos singulares que procuram a sua adequação ao meio
435
Idem, p. 290.
196
envolvente. Dado que estes casos se situam numa realidade mais distante e, também,
numa organização política e social distinta da portuguesa, envolvendo entidades
próprias desses países (EUA e Canadá), ficarão, apenas, alguns apontamentos relativos a
algumas das práticas a que aqueles museus se socorrem.
1. O Chicagos’s Field Museum (ver www.fieldmuseum.org) criou, em seu auxílio, o
Centro para o Entendimento Cultural e Mudança (Center for Cultural Understanding
and Change – CCUC), em 1993. O seu enfoque está nos bairros da cidade (a[s]
cultura[s] do bairro); numa programação de educação informal e o seu alcance; no
recurso aos meios de comunicação (como e-mail, mailing lists, newsgroups, newsletters,
por exemplo) rápidos, acessíveis e pouco dispendiosos para promover «“espaços
públicos mais abertos e inclusivos”»; na aproximação do campo e da cidade por via de
exposições ou outros programas cooperantes; nas organizações comunitárias, e com
preocupação ambiental, cultural e de conservação.436
2. O Massachusetts Museum of Contemporary Art (MassMOCA – ver
www.massMOCA.org) tinha como missão, em 1999, revitalizar uma cidade industrial
em decadência, transformando-a num centro para as artes. Este caso merece mais
algumas linhas pela intervenção e pelo impacto causados na extensão total de uma
cidade. O museu ocupa mais de 25 edifícios ao longo de ruas e becos industriais de
North Adams. Aqui não se aplica, de todo, o conceito de edifício «“templo”»
tradicional. É, pelo contrário, «“uma plataforma aberta”», como se publicita. Oferece
exposições de arte, sendo possível interagir com os criadores e com as suas produções.
Os artistas estão fisicamente presentes (provenientes das áreas visuais, cinemáticas,
áudio e da representação), criando com e para o público, como uma performance ou
instalação assim o propicia.
Além das consequências cognitivas, culturais e pessoais, o MassMOCA, de
North Adams, «tornou-se num importante destino de turismo cultural, trazendo
benefício económico para a comunidade», e ainda «num empregador dos cidadãos da
localidade, acrescentando à saúde económica da comunidade»437. «“As artes criam e
outorgam a identidade da comunidade. Identidade reúne esperança, produtividade,
436
Idem, p. 291.
437 Idem, p. 291.
197
orgulho e dinamismo económico. Estas são condições base para uma comunidade
sadia”. O MassMOCA acrescenta outra dimensão ao “fórum” de Cameron, (o foro
romano, onde cidadãos trocavam as mercadorias e as ideias) servindo como um cenário
para cidadãos e visitantes interagirem no contexto do processo artístico, assim
enriquecendo a visita no museu.»438
3. O Lower East Side Tenement Museum (ver www.tenement.org), nascido em Nova
Iorque, em 1998, foi criado com o propósito de realizar passeios públicos a
apartamentos da Rua Orchard 97. Estas visitas previam dar a conhecer o quotidiano
(nomeadamente o seu espaço reservado: o lar) das famílias imigrantes que lá viveram na
viragem do século XX. Centrava-se na colecção e interpretação da experiência urbana
imigrante, mas não em coleccionar e preservar os seus objectos. O conceito deste museu
é alimentado pelas histórias pessoais dos anteriores residentes e não propriamente pelos
objectos (apesar de os apartamentos estarem apetrechados de mobiliário condizente com
a época para recriar o ambiente propício às histórias). Esta experiência sociológica era
motivada pelo impacto da(s) comunidade(s) imigrantes na cidade. Tinha como base
sólida a missão de «“promover tolerância e perspectiva histórica pela apresentação e
interpretação da variedade de experiências de imigrantes e migrantes em Lower East
Side de Manhattan, a porta de entrada para a América”»439
. Desta actividade esperava-se
criar uma imagem de marca, um certo estatuto, com uma afluência e interesse pela zona
que justificassem uma parceria com bancos para reabilitação de propriedades e
manutenção de rendas acessíveis.
Este é um caso exemplar da hipótese de aproveitamento de locais históricos
onde se possa confrontar a história do local e as suas implicações contemporâneas.
Falar-se de diálogo entre passado e presente e das interpretações daí decorrentes, das
problemáticas sociais de risco, pressurizantes e fracturantes, visando a promoção de
«valores humanitários e democráticos como sua função primária» é a «partilha de
oportunidades para envolvimento público em assuntos de relevo nos seus sítios»440
. A
propósito da museologia local, a integração de imigrantes na comunidade e daquilo que
lhe pode oferecer, numa dinâmica sociocultural, é também mencionada por outros
438
Idem, p. 292.
439 Idem, p. 292.
440 Idem, p. 293.
198
investigadores como Mestre e Molina – que acrescentam: «Ao mesmo tempo, o museu
deve ser uma ferramenta» que contribua para a transformação dos recursos culturais em
produtos turísticos441
–, e Fernando João Moreira, crente no ganho decorrente da
discussão aberta e tolerante dos constrangimentos e das oportunidades que culturas
imigrantes ou migrantes e de grupos marginalizados que se acercam da comunidade
acarretam, esclarecendo «as bases identitárias dos locais de acolhimento», bem como no
esforço colectivo colaborador para a integração plena dos vários grupos.442
4. O Ontario Science Centre (ver www.ontariosciencecentre.ca), tal como a designação
indica, tem como principal fonte a informação científica (sobre a qual se vinha
investindo desde 1969), e no envolvimento dos campos do negócio e da academia,
procurando parcerias.
«“Agentes de Mudança”» é um projecto criado em 2006, vocacionado para fazer
com que os visitantes lidem com problemas e dúvidas e com as implicações da inovação
associadas à ciência, numa óptica de pesquisa, estudo, problematização, discussão e
produção que ultrapassa o espaço do centro. O centro não é o lugar monopolizador, mas
o pólo iniciático de um processo contínuo.443
«O centro procura responder a estas
questões: “É possível influenciar as atitudes, capacidades e comportamentos de um
indivíduo por meio do seu envolvimento no centro de ciência? Se conseguimos, então
como criamos uma plataforma para a inovação no século XXI? Quais são as condições
físicas e dinâmicas necessárias para permitir que isto ocorra?”»444
Neste caso específico, foram criados sete núcleos de exposições, e aquele que
mais «visitantes/parceiros» atraiu foi a Hot Zone, de cariz mais tecnológico e
informatizado. Junte-se o multimedia às pesquisas científicas actuais – recorrendo a
«diários de campo em tempo real» – e à Internet, estabelecendo redes de contacto com
projectos de pesquisa de todo o mundo, e nomeadamente com a ciência de charneira. De
peritos na resolução de problemas a pesquisadores que têm de «monitorizar» o meio
ambiente no local ou por meio de dispositivos tecnológicos com webcams. «Estas
actividades sugerem a filosofia do museu construtivista, onde o visitante é activamente
441
Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 94.
442 Fernando João Moreira, «The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas
& Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, p. 18.
443 Edward P. Alexander e Mary Alexander, op. Cit., pp. 293-294.
444 Idem, p. 294.
199
envolvido em fazer as ideias terem sentido, não observando simples e passivamente o
que o museu apresenta.»445
5. No campo do Ambiente, é o espírito ecológico e sustentável que vinga. O Projecto
Eden (ver www.edenproject.com), de 2001, em Southwest (Inglaterra), socorreu-se de
jardins botânicos, onde se pudessem conjugar projectos de componente educativa e a
pesquisa. «Duas estruturas esféricas, “biomas”, erguem-se sobre os visitantes e
oferecem “ambientes” para ver plantas», ao mesmo tempo que decorrem representações
dramáticas, se ouve música e histórias ou se aprecia arte em exposições temporárias.
A finalidade é a de «“formar um entendimento experimental que é tão
emocional, visual, cinético e espiritual como linguístico ou intelectual… os visitantes,
por vezes, usam o Eden como um meio de recuperar as suas próprias memórias, de
contar as suas próprias histórias de vida ou narrar incidentes críticos da sua vida
pessoal”». Alexander acredita ser um modelo da «ideia construtivista de experiências de
aprendizagem».446
Esta convivência entre a flora e os homens («culturas humanas»)
evidencia um cenário onde a conduta, os valores culturais e as formas de pensar são as
ferramentas exigidas. Portanto, uma linha de actuação educativa sem recurso a efeitos
de entretenimento.
Reflectindo sobre esta dinâmica, rapidamente surgiu a questão: também pela
contiguidade entre a população das três localidades representadas pelos três museus
seleccionados no Interior português, as suas memórias pessoais e as histórias de
visitantes possivelmente afectos (ou que já se tenham relacionado) a esta temática e a
maquinaria, edifícios e alguns objectos, produto das actividades que a indústria da lã fez
nascer, se pode(rá) consciencializar para a preservação deste tipo de património que
encerra na sua história e no seu legado físico uma história natural e ambiental também
muito presente e determinante.
Apesar do avanço tecnológico, das suas possibilidades, das suas
permissividades, da sua acção cada vez mais invasiva – no sentido de chegar às
entranhas do seu objecto – e da proximidade, uma visita que se fique pelo ecrã, pela
virtualidade, é uma visita amputada. O Professor Knell conta uma breve história que –
para o leitor que não esteve nesse mesmo sítio e não viu e sentiu o que quem lá esteve
445
Idem, p. 294.
446 Idem, p. 295.
200
sentiu – influi uma carga emotiva que aquele chão, aquelas paredes e aqueles objectos e
toda a cenografia autênticos e in loco podem dar. A cada objecto uma forma (ou
tecnologia) de apresentação, as medidas e os recursos próprios.
No artigo «The Shape of Things to Come: Museums in the Technological
Landscape», em Museum and Society, Simon Knell questiona o sentido da evolução do
museu:
«“O museu, então, é improvável ser substituído por uma identidade digital… As tecnologias
tendem a sentar-se lado a lado, cada uma ideal para a sua própria tarefa… Deixe-me utilizar um
tradicional museu de pequena cidade algures nas terras do Interior inglês para explicar o que
quero dizer. Este museu é gerido por uma pequena equipa, e ocupa um velho edifício com mais
espaço do que pode manter. A experiência do visitante consiste em objectos pobremente
interpretados que se podem ver em muitos museus locais na Grã-Bretanha… Os funcionários
são criativos, mas há claramente muito pouca receita… na minha última visita, lá no canto de
uma das galerias, reparei numa velha fotografia de umas antigas urnas ainda no chão. A
imagem era do início do século XX e mostrava uma rua não muito longe… Ao lado da
fotografia estava uma das mensagens. Aqui estava um objecto interpretado, um objecto que
fala do acontecimento histórico da sua descoberta, e da profundidade do passado exposto.
Repentinamente, esta mensagem torna-se real, concreta e poderosa… Talvez, um futuro melhor
para este museu seja emagrecer a empresa, pôr o material mais importante num armazém,
reduzir o tamanho dos edifícios e das participações físicas e assumir um compromisso sério
com a interpretação online – narrativas e materiais de referência – e a colecção digital. Um ou
dois espaços para exposição temporária poderiam ser criados e usados para fazer circular
exposições temáticas e bem-interpretadas, apoiar visitas escolares e agir como um local para
actividades da comunidade. Se estes recursos complementares são vendidos a escolas, melhor
uso comercial é feito do arquivo fotográfico… é criado um museu mais sustentável e eficaz. O
público é alargado, tecnologias e instituições trabalham de forma complementar, e a realidade,
por este meio, ganha também um futuro mais seguro.”»447
As novas tecnologias guardam a vantagem de gerar meios de reserva e de
perpetuação de matéria e de memórias, agindo complementarmente às restantes funções
do museu.
Entre o fecho do século XX e o raiar do século XXI – um raiar capaz de
acompanhar o raiar de neozelandeses, alemães, brasileiros, estado-unidenses e
portugueses, por graça da rede global da Internet a baixo custo –, todas as pessoas
podem ver, ou, pelo menos, espreitar colecções de museus de muitas nações. Poder-se-ia
picotar um mapa-múndi de todos aqueles países que possuem instituições abertas à
realidade global. Esta conclusão decorrente da observação de Mary Alexander conhece,
447
Idem, pp. 295-296.
201
tal como os demais humanos, um século XXI cada vez mais encolhido quer no círculo
dos museus quer para os visitantes. Mas para Marcia Lord, no final do século XX, na
revista Museum International, que alertava para o facto de que «independentemente do
tamanho do museu, por meio da World Wide Web os museus poderiam alcançar muitos
mais “visitantes” do que eles jamais receberam pelas suas portas. O tamanho já não
parecia ser importante. Por outro lado, os museus estão a chegar a todo o mundo por
meio de museus satélite que trazem colecções de um país para outro sem requerer
quaisquer parcerias especiais (ou formas de empréstimo)»448
. As obras de um artista
num museu remetem também para outras obras do mesmo autor, mas que se encontram
noutros museus de outros países e até em colecções particulares porque lhe é dada
importância – o reconhecimento. Conhecer e contextualizar, intersectar e construir
cadernos pormenorizados de informação resultam do interesse e da curiosidade. E
refizeram o processo, levando não só a outras possibilidades de estudo, mas também até
ao turismo. A um roteiro das obras de arte de um determinado artista, quem sabe?
Tom Hennes escrevera, à data da edição da obra de Alexander, na revista
Curator (e a propósito de museus de história natural e sobre as vantagens das ligações
em rede – de partilha de informação, de exposições e de pesquisa no campo da evolução
museológica e museográfica): «“Cada museu habita uma importante e única posição em
tal rede, ligando-se a conjuntos de outras redes – comunidades de visitantes; sistemas
educativos; comunidades em áreas sob estudo, avaliação ou protecção; organizações
não-governamentais; governos; e outros museus. Além disso, o museu liga-os não só a
si próprio, mas uns aos outros. Isto é importante porque estas ligações permitem novos
núcleos de indivíduos e organizações com a rede agregada para interagir e partilhar o
seu próprio conhecimento por meio dela”»449
, e para, a partir daí, contribuir para a
produção de conhecimento científico e para a educação.
«Quando a nova edição deste volume for escrita, talvez nem apareça em papel,
mas estará antes acessível por meio de novos sistemas de comunicação. E as
actualizações ao texto serão fornecidas por leitores virtuais. Como George Hein outrora
avisara: “escreve rápido, Mary, o mundo como o conheces está a mudar muito
rápido”»450
. A este desabafo de Hein a Mary Alexander, nada há a acrescentar senão um
448
Idem, p. 296.
449 Idem, p. 297.
450 Idem, p. 297.
202
ponto de interrogação ou reticências. O que se vê é uma tendência desinibida,
impaciente e devoradora de tecnologia. Fica o desafio aos sobreviventes de se medirem
e de negociarem o futuro.
Maria de Lourdes Horta, presidente do ICOM brasileiro, descreve o caminho do museu, no
Brasil, como o de «“um museu sem paredes e sem objectos, um verdadeiro museu virtual, está
a nascer em algumas daquelas comunidades, que vê com espanto o seu próprio processo de
autodescoberta e reconhecimento… Neste momento, no meu país, [os museus] estão a ser
empregues num novo caminho, como instrumentos de auto-expressão, auto-reconhecimento e
representação; como espaços de poder de negociação entre as forças sociais; e como estratégias
para capacitar as pessoas para que sejam mais capazes de decidir o seu próprio destino”»451
.
Hoje, é ofertada à sociedade uma variedade de coisas, de objectos, de peças, de
obras – umas mais valiosas do que outras. Estes compõem espaços cada vez mais
diversificados, isto é, desprendidos do tentador ócio e monotonia do ver-e-passar. No
entanto, pergunta-se: terá o museu ido longe demais? A sua capacidade multiplicadora e
multifuncional e a imagem concebidas para enquadrar esse património poderão
confundir determinados indivíduos? Conseguirá todo o tipo de público perceber em que
tipo de espaço se encontra e a autenticidade daquilo que vê? Saberá o museu discernir
sobre a amplitude da sua actuação e saber diferenciar-se de outros espaços? Esta
apreensão é motivada por algumas histórias ou situações, de entre as quais uma
conversa entre avó e neta que Simon Knell apanhou numa visita a Roma. Perguntava a
neta à avó: «“Então, avó, isto é real, ou é a Disneyland?” Recentes pesquisas de opinião
pública revelam que o público “é fortemente pressionado para explicar a diferença entre
museus, exposições em secções de lojas ou aeroportos, e zonas históricas ou parques
temáticos”. Simon Knell sugere que os museus continuem a fazer o que de melhor
fazem, deixando outros para complementar o museu com tecnologia e com o que pode
ser chamado de “entretenimento”»452
.
3.3. Os museus da ciência, da tecnologia e da indústria
Ciência, tecnologia e indústria são áreas abrangentes, e a nomenclatura integra
museus com perfis distintos. A divisão tipológica apresentada por Hernández é a
concebida por Gérard Emptoz. A lista do ICOM (International Council of Museum),
atesta Hernández, integra quase na totalidade os museus mencionados abaixo mas sob a
451
Idem, p. 299.
452 Idem, p. 299.
203
designação de Ciência e Técnica. Emptoz ordena-os da seguinte forma (ipsis verbis):
a) Museus de ciência pura. Estes incluem os museus de história natural, os museus
universitários, as grandes escolas e os Centros de Cultura Científica, Técnica e
Industrial (CCSTI).
b) Museus de técnica pura. A grande maioria destes centra-se num único tema: museu
do automóvel, da ferrovia, etc.
c) Museus industriais puros.
d) Museus de história técnica e industrial. Destaca o Museo de la Forja, de Las Salinas,
etc. (Exemplos da realidade espanhola.)
e) Museus técnicos e industriais. Têm uma clara orientação económica e social, entre os
quais se podem incluir os ecomuseus.453
3.3.1. O início das colecções científicas e industriais e o novo conceito de vivência
museológica
a) O Conservatoire des Arts et Métiers de Paris
No âmbito desta dissertação, não há nada a acrescentar relativamente ao
famigerado Conservatoire des Arts et Métiers, salvo fazer a devida referência à sua
existência, que propiciou a reunião de objectos específicos procedentes de áreas menos
cobiçadas pela estética, que não espelham os cânones, mas igualmente pertinentes no
âmbito do património (histórico e sociocultural, em geral; e científico e industrial, em
particular). A Convenção de 10 de Outubro de 1794 dá corpo legal à instituição, a qual
servirá «a colecção de Jacques Vaucanson doada a Luís XVI, as obras pertencentes à
Academia Real das Ciências e o conjunto de objectos provenientes do mobiliário da
Coroa que foram reagrupados», precisa Hernández. Hoje, o Conservatoire des Arts et
Métiers é entendido como um reservatório – assim se pode intuir das palavras
escolhidas pela investigadora espanhola: «“Um depósito de máquinas, modelos,
ferramentas, desenhos, descrições e livros de todos os géneros de artes e ofícios”».
Contudo, realce-se que as temáticas (invulgares para o efeito) centram-se nas áreas
técnica, científica, industrial, oficinal, representadas por artefactos, maquinaria e
procedimentos decorrentes da evolução dessas mesmas áreas a partir do século XVI (até
453
Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 199.
204
ao século XX, à data do estudo de Hernández). Nelas, destacam-se especificamente os
seguintes sectores: Agricultura, Física, Química, Mecânica, Energia e até Astronomia.
Este museu – precursor nas áreas das ciências e das técnicas, a nível mundial,
(pese-lhe a antiguidade) – é igualmente denominado «museu do “saber-fazer”»,
segundo Pierre Piganiol, e «tem como missão oferecer os meios necessários que
contribuam para o aperfeiçoamento da indústria nacional», cumprindo os objectivos do
projecto do abade Henri Grégoire, em 1794. A ressalva da eficácia deste plano,
acrescenta Hernández, residia no «cultivar com esmero» da cultura, da educação e do
ludismo. A sua actividade cultural abrigava-se na conservação dos objectos, na sua
história e na sua criação técnica. É o objecto-testemunho de um pretérito com
características identitárias e do processo criativo próprio de cada época.
Quanto ao aspecto pedagógico, o termo educar é o bastante para elucidar sobre a
nova mentalidade e objectivos do museu. O comentário informativo e a demonstração
do funcionamento dos objectos tornaram-se dois instrumentos de comunicação
essenciais do museu. É cada vez mais sentida a necessidade de os estudar, reavaliar e
reflectir científica e criativamente de forma continuada para melhor chegar às carências
e ao interesse do público, e, no fim, satisfazê-los. Veja-se o reforço da ideia de
indispensabilidade de uma intervenção criativa: a produção e a aquisição de saber não
tinham de ser monótonas, o que resultou em programas de carácter lúdico que passariam
simplesmente por observar como os profissionais instruídos para o efeito accionavam
determinadas peças e maquinaria. Uma forma de contemplação distinta da observação
de um quadro ou de uma escultura aplicados numa parede ou noutro qualquer suporte.
Tornava-se, como refere Hernández, num(a sessão de) espectáculo.454
Num museu, levar o público a utilizar/habitar esse espaço – ainda que para a
realização de actividades distintas da costumeira observação de objectos – é uma
estratégia com potencialidade e que exige do serviço educativo um grande empenho. As
oficinas de trabalho, os dias temáticos, os concertos no interior do museu, as
palestras/conferências (de âmbito mais académico e científico) geram circulação. A
realização de actividades, envolvendo activamente os indivíduos, está intimamente
ligada à vertente educativa. À informação junta-se aquilo que os intervenientes
produziram, constituindo-se, refere Hernández, em «áreas de exposições temporárias» e
de transição entre as colecções (o passado) e aquilo que inquieta presentemente.
454
Idem, p. 200.
205
Em 1991, foi apresentado, no colóquio «“Les Arts et Métiers en revolution.
Renaissance d’un musée”», um projecto de renovação do Conservatoire des Arts et
Métiers. Esta acção promoveu uma revolução mais profunda, no caminho da adequação
do museu a novos paradigmas da museologia futura. Este museu foi uma das primeiras
instituições museológicas a ter uma página na Internet.455
Também, em Paris, Mary Alexander dá conta da conectividade da Cité des
Sciences et de l’ Industrie, em La Villette. A relação com os indivíduos é feita além das
exposições e dos espaços físicos de exibição. Com a permissão da Internet, a ligação
com outros Centros de Ciência Europeus foi possível por intermédio da Rede Europeia
de Museus e Centros de Ciência (ECSITE) – organização internacional «que partilha
informação, exposições e pesquisa sobre práticas museológicas e educação científica».
O ciberespaço permite «ligações simples, baratas e valiosas para os funcionários do
museu e os seus visitantes (ambos real e virtual)».
b) O Museum of Science and Industry of Chicago e o Museum of Science and
Industry of Manchester
Hernández, no que diz respeito à ciência e à técnica, individualiza dois museus:
o Museum of Science and Industry of Chicago e o Museum of Science and Industry of
Manchester. Duas referências na forma como assumiram a sua essência e a
conceptualizaram e materializaram. O primeiro foi construído sobre dois pilares (as suas
«missões»): «a de conservar os elementos mais representativos da sociedade industrial e
a de divulgar os conhecimentos científicos através de demonstrações e outras
actividades próximas dos centros científicos». A segunda parte remete a actuação do
museu para um patamar relacional que envolve, além de palestras, conferências e
investigação, «empresas, associações e sociedades na altura de fazer exposições».
Parcerias que o definem. A intenção é a de que a pedagogia faça parte das exposições, e
de que o público participe e possa realizar tudo aquilo que a interactividade pressupõe.
Toma contacto com a máquina mais simples, o laser sofisticado ou os microorganismos
mais complexos.
Atendendo ao progresso científico e tecnológico e à «nova sensibilidade» para
455
«Durante a realização do projecto, pôde aceder-se ao museu por intermédio da Internet, pois é uma das
primeiras instituições museológicas conectadas à rede», comentou Francisca Hernández Hernández, El
museo como espacio de comunicación, pp. 202-203.
206
este tipo de temáticas, o Museum of Science and Industry of Chicago considerou a
importância da criação de «um departamento geral de educação e um centro de
educação científica» para trabalharem as capacidades educativas do museu. O seu
programa visava «pôr em relevo a influência que na sociedade têm a ciência e a
técnica». Ao qual foram acrescentados «cursos de ciências, excursões de investigação e
acampamentos de Verão sobre temas de Biologia, Geologia, Astronomia, Ecologia e
Física».456
No centro de educação científica podem encontrar-se serviços bibliotecários,
laboratoriais, de empréstimo de material científico e exposições científicas para crianças
em idade pré-escolar. Era seu apanágio incluir todo o tipo de público.
Apesar de não poderem ser equiparadas cidades como Covilhã, Guarda ou
Portalegre, em Portugal, e Manchester, em Inglaterra, há um denominador comum e que
Hernández objectivamente apresenta (sem referir os casos lusos): «Uma das
características fundamentais deste museu [Museum of Science and Industry of
Manchester] é apresentar uma clara orientação da ciência e da tecnologia num
determinado contexto social, de forma a poder definir-se como “o museu da sociedade
industrial” ou “o museu da cidade industrial”». Ideia mais marcada no Museu de
Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã), com uma relevância local
impressiva. Ambas as cidades (Covilhã e Manchester) tiveram (e, de certo modo, ainda
têm), num determinado período da sua história, um certo contributo na vida
sociopolítica e industrial da cidade e da região. O têxtil foi o catalisador. Só
compreendendo estas dimensões se entenderá o não ocasional interesse pelos museus
das respectivas cidades. Um aspecto curioso que Hernández conseguiu obter sobre o
museu de Manchester é o facto de «que a maior parte dos visitantes do museu têm uma
estreita relação familiar com o seu ambiente». Nos casos portugueses estudados, essa
associação não se confirma de forma tão expressiva. (Ver ponto 4.4.4., p. 268, e Tabela,
Anexos, pp. 340-342)
O Museum of Science and Industry of Manchester tem como base as colecções
do Museu da Ciência e da Indústria do Noroeste. A sua fundação esteve a cargo do
Instituto Universitário da Ciência e da Tecnologia de Manchester, em 1969, empenhado
na reabilitação de edifícios e da colecta de objectos das «antigas indústrias da região».
À data da investigação de Hernández, o dito museu, situ numa antiga estação de
caminhos-de-ferro, fora inaugurado em 1983. Aproxima-se do Museum of Science and
456
Idem, p. 221.
207
Industry of Chicago na medida em que partilham o interesse em expor uma correlação
inviolável entre ciência e técnica. Em Manchester, as colecções denunciavam a
importância da ciência no desenvolvimento da indústria (visível na evolução de
produtos e máquinas). Naquela cidade inglesa, as exposições manifestam um
envolvimento mais íntimo com a comunidade ou contexto local e regional e uma
preocupação em tematizá-los. Hernández descreve a sua organização como «uma
narrativa cronológica que se estende até ao presente e a sua principal finalidade é
oferecer aos visitantes uma educação e informação sobre o meio ambiente e sobre os
princípios científicos contemporâneos a partir de uma dimensão global»457
.
Contudo, há temas como a energia, a luz e o gás que estimulam o museu a seguir
o mesmo caminho da interactividade. É aí que reside o «centro científico» do museu, ao
qual se deu o nome de Xperiment! e que indicia o tipo de actividade e de
comportamento que propicia (explicação, «manipulação, experimentação»,
demonstração). Tem a mesma predisposição e intencionalidade educativa do que o de
Chicago, e a proximidade com máquinas e equipamentos – e as actividades lúdicas que
com eles se desenvolvam – possibilita, no mínimo, o conhecimento do seu
funcionamento e da sua «utilidade social». As exposições temporárias, os workshops e
os jogos também constam do seu programa, e «trabalha em colaboração com a
Associação Britânica que coordena as actividades a nível regional e que torna possível
servir um elevado número de escolas».458
3.4. As novas tecnologias da comunicação e o conceito de interactividade
Assim se introduz (apesar das alusões feitas ao longo deste capítulo) a temática
da interactividade, ou aquilo que se designa de dispositivos interactivos. Estas são as
novas expressões que dominam o léxico do museu e da comunicação, aumentando a
exigência e a capacidade de se superar e de se reinventar. Manipulação, experimentação
e exploração compõem outro conjunto de termos e práticas associadas ao novo
comportamento do visitante. Mexer em objectos e aplicar técnicas e princípios
científicos tornaram-se na forma mais real e directa de compreender a ciência. «A
interactividade é considerada uma pedagogia não directiva e é um conceito
museográfico», diz Hernández, com ampla integração no caso do Exploratorium de São
457
Idem, pp. 222-223.
458 Idem, p. 223.
208
Francisco. Os dispositivos interactivos constituem, no entender de Hernández, um
«conjunto de elementos museográficos próprios de diferentes meios de comunicação:
modelos animados, mecanismos especiais, imagens, sons, jogos interactivos,
microcomputadores, audiovisuais e videodiscos».
A interactividade «torna o indivíduo igualmente responsável no processo de
aquisição de conhecimento» – consequência justificada por todas as indicações que têm
sido dadas. Em suma, o indivíduo actua e entrosa-se na origem da ciência e da técnica.
Há, por isso, que concordar com a seguinte afirmação de Hernández: «O discurso
científico baseia-se, sobretudo, na prática experimental, isto é, em algo vivido
pessoalmente pelo visitante».
Com isto interroga-se sobre que efeitos têm, efectivamente, os dispositivos
interactivos. Hernández recorre a Pam Gillies e destaca os seguintes:
«* motivam a aprendizagem;
* posicionam-se para se motivarem a si próprios;
* permitem a manipulação de diversas variáveis;
* promovem perguntas cujas respostas surgem na interacção com os dispositivos;
* incrementam a informação [sic]»459
.
3.5. O património natural, a ecomuseologia e a preservação in situ
A preocupação e a consciencialização cívica da sociedade para com a questão da
preservação do património natural tinha, já na época de Hernández, um grande peso na
esfera social e como afirmara a autora: «O museu não pode deixar de lhe prestar a
devida atenção»460
.
3.5.1. A museologia do meio ambiente
A museologia direccionada para o ambiente foi desenvolvendo algumas
actividades próprias (menos familiares noutros âmbitos expositivos) como as
exposições temáticas, que podem ser veículo de informação ainda que os espécimes ou
artefactos não estejam presentes. Mais, pretende fazer do museu um «“espaço
público”», onde o visitante reflicta e discuta cientificamente a «patrimonialização do
459
Idem, p. 218.
460 Idem, p. 282.
209
meio ambiente». É um «mediador entre o tema ambiental e o público que está
interessado no mesmo», mais do que a contemplação estética da paisagem (que vivera,
sobretudo, entre os séculos XVI e XIX, na pintura de paisagem, como consequência do
interesse acentuado do homem pela Natureza). Da representação plástica da Natureza
avança-se para o contacto directo com o ambiente natural, com os ecossistemas, e
actuando, simultaneamente, no sentido de os preservar em bioparques.461
A reavaliação do conceito de património e da sua abrangência passou a integrar
a Natureza, acompanhada de objectos, monumentos, parques e lugares naturais.
Concluiu-se que o meio ambiente é, também, um elemento do património. Hernández
frisa essa afinidade, e mais intensa ainda será a necessidade de olhar o património
cultural e natural como «uma única realidade». Sociedade e Natureza não se anulam
nem se conseguem evitar, influenciam-se inevitavelmente.
A aproximação da museologia à temática ambiental resultou em algumas formas
de actuar por parte da instituição museológica. São quatro os tipos de organização
expositiva.462
«A investigação sobre a conservação das espécies e a exposição pública
das mudanças que estas experimentam ao longo do tempo» é a missão assumida por um
conjunto de museus. Outros propõem uma viragem no formato da «instituição
tradicional do museu de história natural». Esta perspectiva sugere que o museu esteja
atento e «se adapte» às mudanças ambientais, à celeridade com que a mudança se
instala e à degradação, afastando «as funções clássicas do museu – o desenvolvimento
dos conhecimentos e a exposição dos saberes num espaço público». A terceira
abordagem é mais interventiva, no sentido de fazer da exposição um exemplar cívico,
consciencializando os cidadãos para as «situações de risco» e como actuar perante elas,
com o intuito de produzir um novo comportamento. A última será aquela onde melhor
se aplicarão os termos primitivo e natural, uma vez que a flora e a fauna permanecem no
seu ecossistema, sem deslocações ou descontextualizações. Hernández exemplifica com
o Biodôme de Montreal.
3.5.2. O ecomuseu
A origem do conceito de ecomuseu é, no entender de Jean Clair, motivo para
retroceder a 1830 e recordar o «debate», na Alemanha, sobre o escopo da instituição
461
Idem, p. 285.
462 Idem, p. 287.
210
museológica. Wilhelm Von Humboldt e os seus correligionários defendiam «a ideia de
um museu intensivo, onde o que prima é a arte»; outros, como Léopold Von Ledebur
pretendiam realçar a importância de um museu extensivo, este mais focado nos aspectos
científicos. Em 1846, o inglês William John Thoms apresenta a «cultura popular (folk-
lore) [sic] ou saber do povo» como dimensão da vida cultural e social meritória de ser
trabalhada museologicamente. Esta tinha a vantagem de poder abranger classes que não
frequentavam habitualmente instituições deste tipo. Mais tarde, em 1875, com os
primeiros sinais da Revolução Industrial, a introdução de «elementos tradicionais da
cultura agrária e artesanal» em colecções de museus é bem recebida, originando o
aparecimento de museus dedicados às artes e tradições populares.463
O termo «ecomuseu» conquistou o seu lugar na Nova Museologia, propalando-
se nas discussões neste campo. Manuelina Cândida, por meio de Desvallées, conta,
também, que foi Robert Poujade quem divulgou «o neologismo ecomuseu, pela
primeira vez em 1971», embora o conceito tenha a paternidade oficial de Hugues de
Varine-Bohan. Quer isto dizer que o gérmen esteve em Georges Henri Rivière. A ideia
de «um museu ecológico – ou seja, do homem e da natureza, relativo a um território
sobre o qual vive uma população» foi pensado por Rivière, articulado por Varine e
disseminado por Poujade.464
A linha da frente do museu é polivalente, e, como tal, a paisagem está incluída.
Esta é transformada por construções (de fábricas, por exemplo). A paisagem histórica
tem valor simbólico e é referência de identidade colectiva. Veja-se que não se trata
apenas de «fossilizar paisagens denominadas naturais», mas também de «fossilizar
paisagens urbanas, denominadas de centros históricos, ou aldeias rurais (…)».
Funcionam como «pequenas ilhas da memória».465
3.5.2.1. Os ecomuseus em Portugal
A ideia de um ecomuseu em Portugal (em 1979) é motivada pela criação do
Parque Natural da Serra da Estrela.466
O trabalho de recolha etnográfica – em contacto
directo com a população serrana, complementado pela aquisição de edifícios de
463
Idem, p. 294.
464 Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria
Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, p. 48.
465 Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., pp. 203-204.
466 Francisca Hernández Hernández, op. Cit., pp. 301-302.
211
arquitectura representativa da zona, e desenvolvido por Georges Henri Rivière e uma
equipa de investigadores – não teve continuidade por directiva governamental. Comenta
Hernández que as autoridades estavam «pouco sensibilizado[a]s com o tema». O desejo
de avançar com o projecto de ecomuseus aconteceu com o Museu Municipal do Seixal,
inaugurado em 1982, para ser «convertido» nesta tipologia. Em Novembro de 1984, a
abertura do estaleiro artesanal, cedido pela Administração Geral do Porto de Lisboa,
fortalece esse objectivo.467
Os ecomuseus (ou alguns, pelo menos) são espaços de especial importância, uma
vez que a reconstrução da cena é efectivamente implicativa na visão da comunidade
onde estão localizados e por visitantes estrangeiros. Os primeiros porque já vivenciaram
aqueles locais, e guardam memórias e noções espaciais que contribuirão para uma
diversificada perspectiva. Também a «“encenação” do seu património»468
será
confrontada com as realidades que os visitantes estrangeiros trazem, em permanente
(incontrolável e intrínseco) estado comparativo e avaliativo.
467
Idem, p. 302.
468 Idem, pp. 259-260.
212
CAPÍTULO IV | Da realeza fabril a centros de património cultural vivo.
Três casos de identidade própria mas com traços comuns: a fábrica, o
museu e a comunidade
«O museu local é o museu do particular, do diferente. Frequentemente, o museu local debruça-
se sobre a localidade a partir de uma abordagem interdisciplinar; de facto, é dos poucos
espaços que poderia mostrar a interacção entre cultura humana e meio ambiente ao longo do
tempo e no espaço e ilustrar a interdependência da cultura à volta de um modelo local. (…) o
museu local pode ser um instrumento que ajude a compreender e a respeitar a cultura
tradicional local.»469
O museu local é caldo para muita problematização. Tido como típico das cidades
de pequena ou média dimensão e fruto de uma polinização que nem sempre se traduziu
na flor mais vistosa do jardim. Mestre e Molina agarram o assunto alertando para o
adormecimento ou a ofuscação dos elementos cultural, científico e educativo destes
pequenos rebentos por outros. Chamaram-lhe «a Cinderela da Cultura», quiseram
afastá-la do pó e das vestes que turvavam a sua verdadeira imagem. A dupla de
professores da Universidad de Barcelona confrontou-o com os domínios prioritários e as
suas pretensões desafiantes, mas alcançáveis.
Cultura, património e público formam a tríade inevitável. E é um domínio de
vários «quês». Veja-se:
i) Qual a extensão do museu local nestes âmbitos e qual o grau de impacto?
ii) Qual é o seu lugar na história e quais as suas incumbências?
iii) Quem é o público que o visita – pergunta da praxe em qualquer estudo neste âmbito,
mas efectivamente exigível – e a quem se destina: a todos ou a alguns?
iv) Quanta atenção e relevo são depositados no discurso museológico?
v) Qual a relação do visitante-turista com o museu local e vice-versa?
Seguramente, a questão identitária é o miolo deste tipo de ambiente mais
caseiro, da tal proximidade – madrugadora e repetidamente enunciada, e que não pode
ser desprezada. Mais além, vão Mestre e Molina, ao insistirem num perfil educativo e
estimulante da ciência, da investigação, dos centros de estudos locais, reagindo também
na seguinte direcção: «Os museus locais podem desempenhar funções turísticas?» Essa
promessa dinamizadora concretizar-se-á – questionam Mestre e Molina – num «agitador
469
Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, Museo local: la cenicienta de la cultura,
Biblioteconomía y Administración Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008, p. 22.
213
cultural» ou num «bobo da política»? A discussão é servida de uma prognose que,
preservando o valor base de identidade-local-e-regional, o cultivam nas mais diversas
modalidades.
Estes dois especialistas no campo da museologia e da didáctica do património,
em Museo local: la cenicienta de la cultura, ampararam-se na realidade espanhola – dos
projectos museológicos às políticas culturais. Ao mesmo tempo, a sua inquietude não
ignora as implicações dos chavões globalização e estandardização, dos emergentes
centros de interpretação do património, ou da paisagem, num sentido mais restrito, e da
Natureza, em toda a sua grandeza e extensão, de que o museu local se tornou parente. A
ecomuseologia leva-os a tentar perceber o que será «musealizar o território». Sob a
sombra de «coveiros da cultura», de excêntricos locais, da insuficiência material e
científica do acervo, do espectro do obsoleto, erige-se a capacidade de ser cultura, de
formar comunidades e indivíduos, criam expectativas sobre as redes de conhecimento e
o turismo, podendo encontrar-se no museu local um novo (ou outro) pelourinho da
cidade e da região.
Os museus locais representam aquilo que, em última análise, são as memórias da
vida de localidades e/ou regiões. Da mesma forma que o álbum de família (ou um outro
qualquer objecto mais ou menos vistoso, mais ou menos especial, mais ou menos
previsível) guarda momentos de grande valor sentimental (independentemente do tipo
de relação), há locais que pretendem recolher e organizar as suas heranças para que não
se percam em partilhas familiares ou se tornem sem-abrigo, e que de outra forma não
teriam algum tipo de exposição e se poderiam perder com a renovação de gerações.470
E, em regra, este tipo de museus é o menos agraciado com comparticipações financeiras
estatais. Mestre e Molina denunciam a sua fragilidade perante os «grandes templos de
arte contemporânea» ou outros mediáticos. Pobres, sem um fluxo vistoso de visitantes,
não integram as prioridades das estratégias políticas culturais. Em Portugal, a
Interioridade é problema. O investimento e a promoção abeiram-se mais do mar do que
da raia. Afastados dos centros decisores, de maior transacção de produtos e de agentes
470
«Os museus contêm objectos que é necessário descodificar e interpretar; sempre foram contentores de
objectos, tal como as nossas casas, os nossos escritórios, as nossas fábricas ou as nossas igrejas. Para cada
um de nós, os objectos quotidianos têm sentido, são-nos familiares porque os utilizamos, sabemos quem
nos deu ou onde e de que forma os adquirimos, temo-los associados a uma multidão de sentimentos e,
portanto, tornam-se úteis – sem eles não poderíamos viver facilmente – e agradáveis ou evocadores, de
acordo com o caso.» Idem, pp. 222-223.
214
culturais e económicos, onde (se) pesa a Cultura, o museu local é visto como o museu
do município – por vezes, de um pouco mais –, o museu das gentes locais e da sua terra.
Em desvantagem relativamente às grandes instituições museológicas está o facto
de o museu local não ter desenvolvido «uma teoria que explique e justifique a sua razão
de ser»471
. Em causa está o reconhecimento. Uma obra ganha tanto mais credibilidade
quanto maior a sua sustentação científica. Quando ele nasce de momentos ou vontades
ou desejos de circunstância, não se sabe – por mais boa vontade que se tenha – qual a
história e o real valor do que é exposto (e se o tem, deve merecê-lo) perante o painel de
avaliadores, decisores, especialistas da cultura e do seu público provável. De uma nota
de rodapé, em Museo local: la cenicienta de la cultura, a afirmação:
«O “museu local”, como tal, não gerou certamente nem uma bibliografia potente nem grandes
teorias; contudo, há na rede informações relevantes que podem contribuir para o seu
desenvolvimento, e a bibliografia gerada nos princípios do século XXI começa a interessar-se
por este fenómeno do museu local em todos os seus aspectos.» (Mestre e Molina, 2008, p. 12)
confirma aquilo que fora observado, a respeito da bibliografia existente sobre a
temática, na revisão da literatura da presente dissertação.
A vitalidade de um museu comunicante reside no esforço para se manter assíduo,
dedicado e diligente na comunidade, nomeadamente com exposições ocasionais
(temporárias) que suscitem o interesse da população (local e/ou visitante), alterando
rotinas: levar o público a contactar com algo novo e a rever a permanente. As urgências
do museu local centrar-se-ão, de acordo com Mestre e Molina, num «aparelho teórico
necessário, mas o seu principal problema é a falta de investimento devido à pouca fé das
administrações na sua missão, na sua tarefa de cidadania». Independentemente do
contexto nacional de que se servem, Mestre e Molina apontam o museu local como
«instrumento cultural» a ser valorizado quando os seus acervos, as suas práticas
expositivas e a metodologia didáctica forem capazes de suportar essa causa.
O hábito (a prática e a indumentária) museográfico é, geralmente, o
convencional: as vitrinas, as bases com lâmpadas de halogéneo para destacar
determinadas peças e um guião, muitas vezes, intuitivo. É difícil retirar louvor a um
cenário que reúne memória, testemunho, fontes primárias e inéditas de determinada
época, acontecimentos marcantes e parte da história de uma determinada comunidade
com repercussões estruturais e decisivas a vários níveis. Recorrer a fotografias do
edifício de como era aquando do seu período de actividade, da sua utilização primeira,
471
Idem, p. 11.
215
revelando indícios da época e da sua participação na vida da comunidade, da região e do
país. Junte-se as vestimentas, o quotidiano nas esferas pública e privada (condições de
vida), expressões faciais até; os retratos de operários nos diferentes sectores de
produção das fábricas, de proprietários, de famílias de industriais, dos próprios
materiais e matérias-primas, de instrumentos e dos produtos obtidos. Os testemunhos
(em impressão, locução ou filmagem) de descendentes de qualquer uma das classes. A
carência de recursos não deverá justificar uma má exposição. A abordagem é essencial e
determina a composição museográfica, isto é, sempre que exista coerência conceptual
entre as peças – que estas, em conjunto, produzam sentido. Outro dos aspectos que
distingue os museus locais dos «museus do mundo» é a consistência do conjunto que
expõem. Tendencialmente, encontra-se nos museus locais um espaço de diversidade,
com a pretensão de mostrar o mais possível da zona. Mestre e Molina dizem ser «um
autêntico mostruário de objectos».
4.1. Museu local: origens e metamorfoses
«Os museus locais (…) foram uma invenção anglo-saxónica. Na realidade,
nasceram como resposta puritana à necessidade de dar coesão à comunidade local e
livrá-la das instituições estatais, das quais desconfiava. O museu local nasce no seio das
sociedades protestantes anglo-saxónicas, especialmente norte-americanas, envolto pelo
espírito familiar e pela protecção dos conceitos locais.»472
O projecto foi bem-sucedido
na rede museológica, comprovado pelo milhar de museus deste tipo em actividade nos
Estados Unidos da América, em que metade se encontra ao abrigo de centros educativos
e universidades, e o segundo meio milhar localizado em comunidades com menos de
cinquenta mil habitantes.
«O pequeno museu local foi, nos Estados Unidos, uma característica das pequenas cidades.
Este formato de museu local, pequeno, era, nessa altura, praticamente ignorado na Europa. O
museu local anglo-saxão era “o museu da comunidade”, frente aos grandes museus nacionais,
que são pagos por todos, mas que deles apenas beneficiam os habitantes da capital.»473
Os defensores do museu local enquanto museu comunitário valorizavam a
presença de voluntários na gestão da instituição. Na Europa da década de 1930, o
472
Idem, p. 31.
473 Idem, p. 31.
216
entusiasmo recaía sobre aqueles que tinham sustentabilidade económica, desabafavam
alguns museólogos e autores. Ora, o conceito de museu da cidade – da sua
povoação/comunidade –, que se viu nos EUA, não fermentou na Europa, tolhido desde
logo pelas autoridades de alguns países. Assim se explica que, nos países
mediterrânicos, as colecções ficassem à guarda da Igreja e de famílias abastadas. Estes
constrangimentos e/ou insensibilidade para com aquele projecto museológico talvez
tenham contribuído para a sua actual imagem na Europa e, concretamente, na Península
Ibérica. Mestre e Molina afirmam que a primeira impressão de um visitante perante este
tipo de museus é «muito variada».
A década de 1970 é apontada (e lembrada) por Judite Primo como «o período de
maior inovação nos trabalhos museológicos em toda a Europa». Neste espaço temporal,
Portugal deu as boas-vindas aos primeiros museus locais, que tinham na comunidade
(saliente-se, na sua «participação») o durame da sua engrenagem e das funções a que o
novo museu se propunha. O património, continua a actual directora do curso de
Museologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, «passa a ser
assumido como um bem comum pelas comunidades locais e gradativamente a ser
entendido como um vector promotor para as comunidades locais atingirem um
desenvolvimento sustentado»474
.
474
Judite Primo, «Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo (Coord.),
Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa,
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 122. A iniciar o terceiro milénio, Mário
Chagas testificara que Abril de 1974 não trouxera apenas cravos, uma esperança ardente e abrasiva e uma
liberdade menina e deslumbrada. De ideias próprias e do que se ia apanhando de frequências externas,
algumas experiências – em particular, no campo da museologia – resgataram Portugal para outras
incursões «a partir de iniciativas locais realizadas por associações culturais ou autarquias. Alguns museus
surgidos ou transformados com base nessas experiências passaram a considerar as suas coleções como um
“meio” para a realização de trabalhos de interesse social; suas intervenções ampliaram-se e orientaram-se
para a valorização da localidade, para o fomento do emprego e para as áreas de comunicação e educação
[sic]». Mário Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu e
Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
2002, pp. 71-72. Eram museus «fortemente enraizados na estrutura municipal e associativa»,
aproveitados, inicialmente, como «ferramenta de militância comunitária», de cariz etnográfico,
tradicional, popular vincado, distanciando-se do crivo académico. Este era o modelo de museu local,
generalizado, descrito por Pierre Mayrand e Mário C. Moutinho em «Le musée local de la nouvelle
génération au Portugal, un pas en avant dans la gestion communautaire qualitative: essai d’ interprétation
épistémologique» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier
217
Um novo lote de questões impõe-se: Estes museus têm público? As exposições
permanentes têm acompanhado a modernidade? Existe uma exposição permanente que
permita exposições temporárias? Como renová-las sem recursos? Recorrer a fotocópias,
reorganização de mesas e vitrinas? Imaginação? O formato das exposições temporárias
é um dos pontos de discussão. Os habituais textos e fotografias, as mesas e as vitrinas
de anteriores capítulos expositivos projectam um certo ambiente de austeridade,
consideram os investigadores em museografia didáctica e interactiva. Acreditam não ser
um esquema de exposição preparado para impressionar, mas investido no visitante
habitual: o público escolar (constituindo este o destinatário principal deste tipo de
exposições) e o público-curioso, presente na inauguração e esporadicamente,
investigando a novidade na sua localidade. Acrescente-se a rede hoteleira e o público de
terceira idade como hipóteses viáveis.
Revindo ao interior da máquina museológica: Que tipo de funcionários têm estes
museus e o que fazem? A realidade espanhola mostra que, em meios pequenos, os
mesmos funcionários chegam a assumir tarefas de programação e de gestão cultural (de
escavações a preparação de apresentações de livros), e a integrar projectos de produção
de catálogos de bens culturais. À indefinição do estatuto475
do pessoal interino acresce a
existência de uma geração criada juntamente com a instituição. Porém, perguntam
Mestre e Molina, e se «o principal problema destas instituições é a intrusão que sofrem
da política»? Com efeito, o museu local está dependente e vulnerável às oscilações da
administração local (a duração dos ciclos eleitorais, a renovação das equipas político-
partidárias com uma periodicidade frequente mas insuficiente para a sedimentação de
determinados projectos culturais, e a reavaliação de prioridades) e ao poder que aí
engrossa. «A sobrevivência e o desenvolvimento sustentado» deste tipo de estruturas
vêem-se, também, hipotecados pela «importância do envolvimento da comunidade em
regime de voluntariado» e pela «regular exiguidade dos recursos financeiros destinados
a fins culturais deste tipo» com interferência directa na boa saúde do «sistema de
programação e gestão».476
Esta é a face desestabilizadora da museologia local
Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
Setembro de 2007, p. 45.
475 Na primeira visita, descobre-se um sítio, muitas vezes, com uma orientação predefinida e,
ocasionalmente, um funcionário-engenhocas: é porteiro, guia, técnico de comunicação, conservador,
investigador, etc.
476 Ana Mercedes Stoffel Fernandes, «Gestão Museológica e Sistemas de Qualidade: Qualidade e Museus
218
portuguesa que se vê a braços com um presente de diversos «projectos de criação e
renovação de museus, fundamentados no respeito e promoção da identidade das
populações». Daí a contundência da reacção de Ana Stoffel: «Urge, portanto, promover
a utilização de modelos sistemáticos de planeamento e gestão de museus (…)».
Apesar de o museu local parecer uma pequena partícula da massa cultural e
social, ele tem a capacidade de se integrar e de traçar estratégias com vários sectores em
diferentes planos. O seu aporte na pirâmide das necessidades (imagine-se uma pirâmide
dos serviços, e não a de Abraham Maslow) parece ser diminuído comparativamente a
outras estruturas, contudo, mobiliza vários corpos sociais e institucionais: da
comunidade ao município, à região, ao Estado; define planos e cria programas e
projectos; envolve dinheiros públicos e privados e entidades de ambos os lados
(câmaras, empresas, fundações, associações sem fins lucrativos). Estão implicados os
partidos políticos, os patrões, os trabalhadores, a sociedade civil e acerca-se de outras
instituições promotoras e empenhadas na produção e disseminação do saber e da
formação como universidades, centros culturais, bibliotecas, galerias e escolas.477
A componente social parece ter ganhado o seu primado, sobretudo, na forma de
duas valências congenialmente ligadas: a educação e o civismo. David Thelen, em
2001, descrevia o comportamento renovador persistente nesta área: «“Vivemos num
momento em que museus e outras instituições de construção de significado da educação
e da cultura populares estão a reconsiderar a sua missão e práticas cívicas, os lugares
que procuram, as formas pelas quais envolvem novos parceiros e públicos, e, portanto,
as suas prioridades. Muitos acreditam que a saúde destas instituições depende de se
tornarem mais comprometidas civicamente com uma série de comunidades”»478
.
Em Espanha, os dados recolhidos comprovam que há maior afluência a museus
de Belas-Artes. Segundo Hernández, esses museus «contam com uma longa tradição,
– Uma parceria essencial – Introdução» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas
do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades
e Tecnologias, 2007, pp. 135-136.
477 Raúl Andrés Méndez Lugo, «Concepción, método y vinculación de la museología comunitaria» in
Cadernos de Sociomuseologia – Questões Interdisciplinares na Museologia, n.º 41, Lisboa, Edições
Universitárias Lusófonas/Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2011, p. 58.
478 David Thelen em «Learning Community: Creating the Civic Museum» in Museum News, Maio/Junho
2001. Apud Barbara Schaffer Bacon, Pam Korza, e Patricia E. Williams, «Giving voice: a role for
museums in civic dialogue» in American Association of Museums, A Museums & Community Toolkit,
Washington DC, American Association of Museums, 2002, p. 7.
219
representam o paradigma institucional, contêm a memória histórica e artística de um
povo e gozam de grande prestígio dentro da sociedade» – estas são as mais prováveis
razões que justificam essa distinção. Em Portugal, observadas as tabelas de estatísticas
de visitantes de museus e palácios desde o ano de 2000, disponibilizadas pelo Instituto
dos Museus e da Conservação (IMC), constata-se que o Museu dos Coches tem feito
sempre parte dos três museus mais visitados. Nos restantes lugares do pódio têm
presença assídua o Museu Monográfico de Conímbriga, em Conímbriga – Condeixa-a-
Nova (e quando não se encontra entre os três primeiros, vem imediatamente em seu
encalço), o Museu de Arte Antiga (Lisboa) e o Museu de Arqueologia (Lisboa).
Destacando-se dos restantes museus sob tutela do IMC estão o Museu Grão Vasco
(Viseu) e o Museu do Azulejo (Lisboa) (sendo que este último já fizera parte dos três
lugares mais elevados no início da primeira década do século XXI).
Estas conclusões subvertem-se quando são adicionados os dados referentes aos
palácios (os quais, por sua vez, só estão publicados no sítio de Internet do IMC a partir
do ano de 2007 inclusivamente). Considerando os novos elementos estatísticos, é o
Palácio Nacional de Sintra que apresenta o conjunto de dígitos mais extenso (com
excepção do primeiro quadrimestre de 2012 – únicos dados deste ano publicados à data
da presente dissertação), ultrapassado pelo Paço dos Duques, em Guimarães
(provavelmente motivado pelo facto de a cidade de Guimarães ser a Capital Europeia da
Cultura no ano de 2012). De qualquer modo, o Paço dos Duques e o Palácio Nacional
de Mafra têm registado um número de visitas superior ao dos museus mais solicitados,
nomeadamente a partir de 2008. Ainda assim, em 2007 e 2008, o Museu dos Coches foi
o seu mais directo rival.
Analisando o tipo de museus e de palácios mais desejados em Portugal, infere-se
um desvio relativamente à realidade espanhola. Porém, apesar de a maioria não se
enquadrar na tipologia de Belas-Artes, não deixa de comungar das mesmas ideias
inscritas nas palavras de Hernández. A antiguidade, a prostração perante tais edificações
(estruturalmente monumentais e esteticamente arrojadas) e a referência que constituem
pelo valor do seu conteúdo e das suas paredes na História do país e do povo conferem-
lhe essa distinção. Por curiosidade, de entre os museus e palácios mencionados,
encontram-se dois museus situados mais a Este, ou seja, o Museu Monográfico de
Conímbriga e o Museu Grão Vasco.479
479
Cf. Tabelas de estatísticas de visitantes de museus e de palácios do IMC, disponíveis em
220
A instituição museológica é olhada não só como um lugar de memória, mas
especialmente como memória-útil. Um lugar humanizado que procura declarar uma
identidade, e sedimentá-la, e afirmar-se como meio e instrumento de aprendizagem
saciada não só pela contemplação, mas, também, por tudo aquilo que a nova
personalidade do museu é capaz de proporcionar. Esta nova teorização da museologia
fundamenta e fortalece a (necessidade de) existência dos museus têxteis evidenciados
nas zonas da Beira Interior e do Alto Alentejo: «Este [o museu] é chamado a converter-
se na memória colectiva de um povo, de uma região ou de um determinado lugar, cujas
gentes não desejam perder o contacto com as suas próprias raízes, não para ver
nostalgicamente o passado, mas para retomar o futuro com maior ilusão e tratar de que
também este seja criativo e fecundo». As palavras de Hernández congregam duas das
três ideias fundadoras desta dissertação: a consciencialização da comunidade
(local/regional) perante um passado construído (material e imaterial) que se fez
património colectivo, e o seu encaixe no futuro.
A par das qualidades de unicidade e singularidade (mais representativas em áreas
de expressão artística por motivos de criatividade e originalidade), a raridade (por acção
de diversos factores) e a carga histórica, social, religiosa, cultural e estética dignificam
igualmente essa decisão. Desta forma, tapeçarias, teares, cobertores de papa, fornos de
tingimento, cardas de mão, fusos ou rocas para fiar, caldeiras simples para tingir e de
cobre, roda de fiar a pedal, produtos tintureiros (anil e pau-brasil), entre outros, –
referindo concretamente exemplos ligados à indústria da lã –, devem integrar esse
estatuto e a estrutura museológica. Um sistema museológico, na óptica de Duncan
Cameron, assenta num fortalecido circuito comunicativo, onde estão presentes o
emissor, o objecto e o receptor - os três agentes indispensáveis na rede de informação.480
4.2. De que se fazem, então, os museus locais?
De pinturas a relíquias, de ferramentas a fotografias, de embarcações a armas, de
vestidos a bandeiras, de esculturas a placas, medalhas, mapas, moedas, móveis, fósseis,
cruzes, etc., que, pelo facto de terem sido coleccionados por alguém (minimamente
http://www.ipmuseus.pt/pt-PT/recursos/estatisticas/ContentDetail.aspx. Nota: Esta lista de museus
organizada pelo IMC não contempla os inúmeros museus que não estão sob sua tutela.
480 Francisca Hernández Hernández, El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía
y Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998, pp. 125-126.
221
influente), se tornaram «musealizáveis», para citar Mestre e Molina. Porém, afiançam
que «podem não ter mais nada em comum do que o feito de se terem convertido em
fetiches culturais». Esta variedade acaba por toldar a imagem do museu local,
marcando-o como um armazém de objectos desgarrados e com a sua própria história,
«fragmentos descontextualizados arrancados ao tempo», ainda nas palavras de Mestre e
Molina. Muitos desses objectos são heranças de família. «Se estes objectos não
estivessem ligados por um guião, constituiriam simplesmente curiosidades, mas, ao
estarem organizados “taxonomicamente”, testemunham o passado, já que são as suas
pegadas. E este feito confere-lhes um poder extraordinário; portanto, transformam-se
em autênticos fetiches da cultura.»481
Esta ideia é reforçada pela ausência de perfil
museológico nestas peças, ou seja, a não existência de unicidade, de valor estético
distintivo ou de vínculo com algo historicamente marcante (período, movimento,
acontecimento, personagens, etc.). Procedem sobretudo do quotidiano e, por isso, a sua
adequação museológica deve ser acompanhada de um enfoque didáctico concretizado
em conteúdos científicos correctos e interessantes e uma organização criativa.
Mestre e Molina questionam: «O que é que confere o título de objecto de museu
a um qualquer despojo do passado? O que é que lhe dá valor e força?» Sabendo que «a
maioria destes objectos, no seu dia-a-dia, foram elementos utilitários; a sua
intencionalidade primeira foi a de instrumento ou utilidade». Quando deslocados do seu
sítio original, o discurso do objecto altera-se, e transmite e suscita outro entendimento.
O seu significado é outro, pois o contexto também o é. Um armário deixa de ser um
móvel para arrumação e uma imagem religiosa deixa de ser alvo de devoção e oração –
ganham (novas) funcionalidades distintas das primeiras. Também um tear ou qualquer
outro instrumento da indústria da lã deixa de ser utilizado como era em ambiente fabril,
passando a objecto expositivo, de análise e de reflexão, e não propriamente de exercício
da actividade original.
Poderá acontecer que, apesar da natureza local do museu, assim não seja
rotulado, devido à sua colecção relevante e atractiva e/ou pelo facto de estar inserido em
grandes cidades. A realidade mostra que o museu local sobrevive com os seus próprios
meios e que o tipo de conteúdo exposto deve mais ao seu contexto. Isto é, «tratam-se de
museus do concreto; quando o seu tema é a arte, referem-se à arte mais próxima;
quando se trata de história, referem-se à micro-história; quando se trata de etnografia,
481
Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 18.
222
referem-se à comunidade mais próxima»482
. Assim, os seus objectivos convergem para a
proximidade. A sua formação escapa, numa óptica global, a um plano nacional. Mestre e
Molina vão mais longe ao afirmar categoricamente que «tanto em Espanha, como em
qualquer outro país do nosso âmbito cultural, a criação de todos e de cada um dos
museus locais responde a uma iniciativa esporádica, sem ligação a qualquer outro
acontecimento cultural. Muito frequentemente, a criação destes organismos foi
iniciativa de algum patrício local, geralmente uma personagem culta que era uma
profunda conhecedora de alguma temática específica». O gosto pela antiguidade e/ou
pela arqueologia, que motivara a construção de uma colecção pessoal baseada em
espécimes locais antigos ou que tipificam a localidade (município ou concelho),
caracteriza o modelo de «patrício» culturalmente activo e interessado do período de
transição do século XIX para o século XX.
Em alguns casos, as colecções expostas não se deveram a habitantes, mas
resultaram da vontade colectiva de um grupo de eruditos ou aficionados locais. Alguns
deles promotores de iniciativas culturais por intermédio de associações ou pessoas que
pertenciam a grupos de trabalho de cariz académico, por exemplo. Este processo leva a
que a natureza das colecções se fixe em aspectos etnográficos e/ou arqueológicos,
sobrepondo-se à arte, por exemplo. Trata-se, «muitas vezes, de recolher e conservar
ofícios tradicionais ou elementos de arqueologia industrial, seja uma fábrica ou uma
central eléctrica». Conclusão pertinente de Mestre e Molina para a análise dos três
museus da Beira Interior e Alto Alentejo.
Elencam-se, neste seguimento, um conjunto de questões com o intuito de
perceber qual a sua natureza: a criação de um museu local será fruto de uma vontade,
momentânea, em que os custos dessa decisão não são racionalizados na altura? Da
forma espontânea como surgem, também rapidamente deixam de ser sustentáveis? De
que são feitos os museus locais? Que tipo de estruturas, de objectos e de colecções
justificam a existência dos mesmos? «Há uma primeira definição para qualquer objecto
que vai para um museu: geralmente é um objecto obsoleto, que já não serve para a
função para a qual foi criado e que, pela arte da museografia, transforma-se em algo que
se exporá ao público.»483
De acordo com a enumeração proposta por Mestre e Molina, «há uma quinta
482
Idem, pp. 21-22.
483 Idem, p. 24.
223
tipologia de objectos que merecem um parágrafo especial: referimo-nos aos objectos
próprios da sociedade industrial e que as sociedades pós-industriais foram relegando».
«As turbinas, as antigas centrais eléctricas, (…) os teares, as fábricas de impressões
metálicas, os motores, etecetera» são alguns dos exemplos. A desindustrialização
acabou por encaminhar esses instrumentos para estabelecimentos de utilidade pública
como os museus locais. Propiciou, inclusivamente, a criação de alguns desses museus e
fez daqueles objectos de trabalho quotidiano matéria simbólica da história local (e,
mesmo, regional e nacional).
O acervo do museu local «equivale a um depósito de fontes primárias da história
local (…)»484
. As obras de arte, as máquinas, a fotografia, os artefactos, entre outros
reúnem o passado no presente e idealmente preparam-no para as gerações futuras. Este
testamento patrimonial contínuo aparenta um falso estado niilista. A sua perenidade é
fruto do poder semiótico desses objectos – achados inúteis e de ninguém, certas vezes –
porque comunicam mensagens que devem ser descodificadas à luz dos instrumentos
mais apropriados e justos. «Quem duvida, hoje, da importância da arqueologia
industrial para conhecer aspectos fundamentais da evolução técnica do nosso mundo?»,
questionam Mestre e Molina. «Uma turbina eléctrica ou uma máquina a vapor podem
conter mais informação do que muitos livros de história!», alertam. Nessas máquinas
estiveram as mãos de muitos – dias quase inteiros –, de estórias e de vidas a elas
dedicadas. Podem ser olhadas presencialmente, ver como é a sua mecânica, o seu
aspecto, como funcionavam e produziam, sem serem necessários trechos de textos ou
imagens truncadas, carentes da animação do movimento (do encaixe e desencaixe das
peças, dos sons, da entrada de um fio e o aparecimento de um pano, uma manta, uma
tapeçaria – de um desenho saído, quase por magia, dos dedos que ali rolam de um lado
para o outro de um tear, por exemplo) a solicitar a imaginação.
A museologia local tem, de acordo com Mestre e Molina, formas de
manifestação diversas. A afeição é eminentemente telúrica. As personalidades-da-terra
baptizam casas-museu; outras estruturas têm como núcleo achados arqueológicos
(surpresas de intervenções locais não planeadas para tal) e/ou doações – e sobre eles se
erguem485
; outras, ainda, são devotadas a uma temática específica – dizem entreter-se
484
Idem, p. 47.
485 Sobretudo de famílias e/ou indivíduos conterrâneos, cuja história pessoal é a história dos objectos de
que se desprendem para os devolver a algo comum ou com interesse na temática em questão.
224
entre os ofícios e as técnicas. São os museus temáticos. Estes cresceram devido à
dedicação para com a vida rural, a agricultura e os ofícios. Resultam da evolução
tecnológica e industrial das comunidades rurais a partir dos finais do século XIX, com
especial ênfase no século seguinte. Verifica-se uma forte componente etnográfica,
procurando ir além da simples caracterização tipológica (física e estética) das
ferramentas, pela sua recuperação e activação de processos e de técnicas de produção
com vista a exemplificar as suas funções originais.
Como convivem as ruínas com o estilo de vida urbano actual? O património
arqueológico urbano é «em todas as cidades do mundo a materialização da história
colectiva, a expressão de todos aqueles acontecimentos significativos que tiveram como
marco o espaço urbano; além disso, estes patrimónios urbanos são os testemunhos das
complexas relações sociais entre os grupos que ali habitaram»486
. O valor do objecto,
parafraseando Mestre e Molina, depende da singularidade (exotismo) do conjunto; da
sua biografia; do valor histórico; do valor sentimental ou simbólico; do valor didáctico
(histórico e cultural); da antiguidade (a qual, à medida que se torna mais recuada, mais
valor adquire) e do seu uso (o valor de uso traduz-se na utilidade que poderá
proporcionar à comunidade). Estes princípios combinados encorpam a motivação para
preservar o depósito arqueológico.
O seu usufruto e a rentabilização turística local (e regional), em primeiro lugar, e
nacional, numa fase de expansão do produto, podem resultar na subsistência económica
local, por exemplo. Esse valor está ainda subordinado ao conhecimento do ambiente
social, económico, político e ideológico. Pode situar-se numa zona de interesse turístico,
residencial, agrícola ou industrial desamparada financeiramente. Factores que têm dois
pesos (e duas medidas): por um lado, podem dificultar a intervenção arqueológica ou,
por outro, estimulá-la. Este é património das pessoas que ali habitam. Há uma
inevitabilidade e também uma mais-valia que Mestre e Molina frisam: o museu local é
aquele que pode manifestar as estreitas relações que se estabelecem entre o meio
cultural e o meio local ao longo do tempo. Extraído o suco deste relacionamento, pode,
assim, o museu local ser um fabricante de identidade local?
4.3. Como ser museu para «o público e o “não-público”»?
Como introdução a este ponto, recorre-se à analítica síntese que Fernando João
486
Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 60.
225
Moreira faz sobre o conceito de público: distingue, espacialmente, visitante (dentro do
museu) de não-visitante (fora do museu), e, temporalmente, público real de público
potencial. Depois, a curiosa evolução do sentido de público, uma importante migração
de observador a actor. «O actual conceito de público foi construído pela expansão da
ideia de público para a ideia de utilizador», precisa Moreira. É o que sucede com o
«público real», fruto da junção de visitante e de utilizador. O doutor em Museologia e
presidente da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE) pergunta:
«Porquê utilizador e não simplesmente visitante?» Uma alteração, diz, que tem vindo a
acompanhar as últimas décadas, período em que o museu tem sofrido grandes
transformações. Assim, a definição, ou a redefinição, de público evolui porque a
instituição museológica tem refeito os seus paradigmas.
Em três alíneas, três razões: i) «a evolução do museu passivo para um
proactivo»: do culto do belo e do raro, nobilitado e imaculado «para uma instituição que
procura trazer estas coisas belas e incomuns para o público»; ii) a alforria do museu
relativamente à exposição para servir a população de variadas formas, isto é, serviços; e,
por fim, iii) a descentralização do museu na medida em que este passa, também, a fazer-
se representar num «grande número de formatos» pelo território.487
A própria noção de
desenvolvimento tem granjeado outras interpretações, bem como a de desenvolvimento
local. A este compasso, também o poder local se expressa no «desenvolvimento global»
com dinâmica renovada, acompanhado pela reconfiguração funcional de instituições
locais, por «novos mecanismos de regulação local», e pela releitura do que pode ser
considerado factor de desenvolvimento, adianta Fernando Moreira.
Como é que o museu consegue fazer parte das prioridades das pessoas, quando
estas têm tanto com que se distrair? O museu local tem, por defeito, um público mais
reduzido. O primeiro público, e aquele que será o seu público, consiste nos residentes da
localidade – que é um quinhão limitado –, dos quais apenas uma parte o visitará; segue-
se uma percentagem reduzida daqueles que visitam a localidade.
487
Fernando João Moreira, «On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,
Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Scociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º
27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 32-33. (Nota: «The
Museums’ Public in Portugal: characterisation and motivations. POCTI – 33546 ULHT Sociourbanistic
Study Centre [Centro de estudos de Sociourbanismo da ULHT], 2005)
226
4.3.1. Como atrair o «“não-público”»?
Mestre e Molina socorrem-se de algumas conclusões de A. M.ª Cousillas («Los
estudios de visitantes a museos. Fundamentos generales y principales tendencias» in
Ciudad arqueológica. Centro virtual). Aspectos a considerar:
1 – a diversidade do público requer museografias distintas;
2 – o público exige e sente necessidade de informação extra no auxílio à compreensão
do objecto. A sua contemplação parece não ser satisfatória. Contudo, nem sempre os
textos que acompanham as exposições são lidos, e, quando lidos, nem sempre são
interpretados de acordo com o objectivo de quem os concebeu;
3 – os visitantes comportam-se de formas diferentes no museu (uns falam, outros tentam
controlar a adrenalina de se aproximar dos objectos, outros privilegiam o silêncio, uns
escolhem um trajecto, outros outro, etc.)
Além do perfil do visitante, que é determinante, é possível conceber um plano
primário de actuação e que se baseia em duas chamadas de atenção por parte de Mestre
e Molina: «A estratégia do museu local pode ir em duas direcções complementares: em
primeiro lugar, deveria actuar sobre o público habitual, melhorando a oferta e os
serviços, estimando-o muito e esperando que o de “boca em boca” funcione
correctamente; em segundo lugar, deveria actuar sobre os sectores maioritários que não
figuram entre o público visitante».
A regência desse plano deverá estar a cargo de um conjunto de princípios
orientadores que os professores catalães elencaram: «O museu local, nas suas
exposições, deve agir como a imprensa local: com baixos custos, com informação
renovável, apoiando-se no que é específico da localidade, sem esquecer o contexto, e
com imediatismo. Este é o primeiro princípio que o museólogo deve ter presente». O
segundo princípio adverte para o facto de as exposições terem «de partir, na medida do
possível, das necessidades da própria localidade»; o terceiro prevê «envolver a maior
quantidade possível de pessoas na elaboração dos conteúdos da exposição,
nomeadamente, construir guiões com a ajuda das pessoas: utilizar a sua memória».
Indivíduos que, dada a sua proximidade quotidiana (familiaridade) com a temática,
poderão inclusivamente ter em sua posse objectos ou documentos a ela respeitantes. O
quarto princípio conduz-nos à construção da «exposição com temas e objectos
quotidianos fornecidos pelo público». Isto é, pedir aos concidadãos que cedam
elementos para a exposição, fazendo-os sentirem-se parte desse acontecimento. «Uma
227
exposição com elementos fornecidos pelas pessoas é sempre mais bem-sucedida do que
aquela que se faz com fundos próprios. E, nestes casos, é importante pedir à proprietária
ou proprietário do objecto que expliquem eles o seu uso e o seu funcionamento;
também, esta explicação deveria ser registada e filmada. (…) seria uma mostra ou
exposição na qual cada coisa exposta fosse explicada pelo seu usuário ou usuária,
previamente filmados (…). [sic]»488
Esse sucesso poderá ser reforçado pelo regozijo de os contribuintes se verem em
imagens associadas à exposição, pela continuidade que lhe poderá ser dada com recurso
a informação e ao acervo armazenado do museu, e pela surpresa para a qual as mais
variadas ferramentas museográficas podem contribuir, inovando continuadamente.
Sopesando estes factores, «se tivéssemos de escolher um verbo que definisse a tarefa do
museu, especialmente do pequeno museu, diríamos que este é inovar». A comunicação
integra o oitavo princípio listado por Mestre e Molina e colhe significativo valor uma
vez que «o museu é um meio de comunicação: deve aliar-se com os demais meios para
criar os seus produtos culturais. Conceber uma exposição, seja temporária ou
permanente, apresenta analogias com o projecto de uma campanha de comunicação.
Este princípio é fundamental e básico e influencia a selecção do tema, a sequência, os
programas para solicitar opinião e informação, a redacção de textos e a gravação de
testemunhos».
4.4. Ser-se museu em pequenas e médias comunidades: Covilhã, Guarda e
Portalegre. Um novo instrumento de valorização patrimonial local e regional
«A Beira e o Alentejo foram desde épocas remotas os centros produtores
indígenas dos buréis, saragoças e estamenhas»489
. Com estas palavras, Esteves Pereira
introduz dois pontos fundamentais: a ligação quase atemporal com as lãs enquanto suas
regiões privilegiadas e quase exclusivas, e, ao mesmo tempo, o parentesco que cedo se
estabeleceu entre estas duas regiões. Quais as regiões indicadas para as manufacturas?
Também Borges de Macedo tem resposta para esta questão: a solução para a empreitada
está em parte nas zonas onde já existia produção. Ou seja, «a preferência era centralizar
essa produção na serra da Estrela “onde tudo são lãs e panos”», expressão transmitida
488
Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 111.
489 Esteves Pereira, Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª
Editores, 1979, p. 150.
228
de geração em geração, e que construíra paulatinamente uma imagem de marca.
Vários são os comentários elogiosos e de reconhecimento que Covilhã, Guarda e
Portalegre recebem, pelo seu contributo na história da actividade industrial têxtil. Neste
sentido, Esteves Pereira defende que «poucas nações conservam na história da
tecelagem da lã factos tão notáveis, como os que são tradicionais na Covilhã, como os
que fizeram figurar Portalegre e as suas lãs nos sumptuosos festejos oferecidos por
Coimbra a um dos antigos reis portugueses, e como os que atestam Gouveia, Guarda e
outros lugares de extraordinário labor». Quase a totalidade da população, que a serra
esconde nas suas muralhas de rochedos, vive e depende do trabalho em torno da lã,
matéria-prima abundante e acessível. E que permitiu uma «especialização industrial»
desse produto caseiro, transformando «o produto único fabricado na primeira metade do
século XVIII (buréis e panos dozenos e quartozenos) num catálogo de mercadorias de
qualidade e uso variável, mas sempre baseadas no processamento da lã».490
A lã – como a ascendência do homem e as memórias geracionais, como os
vestígios arqueológicos ou os rituais e as tradições, entre outros – é símbolo das raízes
do povo luso. Esta arte ancestral é clara expressão da conivência entre Homem e
Natureza. Reconheça-se que a utilidade e a aplicabilidade da lã eram exploradas e
apreciadas na Península Ibérica pela qualidade, na qual sobressai a de tipo merina, e
pelo «elevado grau de especialização adquirido por alguns centros laneiros de produção
de matéria-prima e de fabricação de panos». A Natureza permitiu a Portugal e a Espanha
reunirem condições para que se afirmassem na produção de lã. A este respeito, na
corrente de estudos efectuados pela equipa liderada por Elisa Pinheiro, no âmbito do
projecto TRANSLANA, identificaram o Alentejo, a Extremadura espanhola e Castilla-
Leon como centros produtores de excelência. A produção industrial condensava-se
«particularmente numa região polarizada, em Portugal, pela Covilhã e em Espanha,
pelas regiões da Catalunha e de Castilla-Leon»491
.
490
Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,
Editorial Estampa, 1997, p. 369.
491 Elisa Calado Pinheiro, «Maçainhas (Guarda) na Rota da Lã: dos Fios aos Desafios» in Américo
Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de bronze de Maçainhas, Câmara Municipal da
Guarda/Junta de Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, p. 21.
229
Era uma vez três museus… As pequenas «cinderelas»492
4.4.1. O Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (MUSLAN –
Covilhã): vórtice da história da indústria da lã portuguesa
O Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (MUSLAN), apesar
das suas duas décadas de existência – uma curta existência ainda –, alberga estruturas
com mais de dois séculos. Deste museu polinuclear, é sabido que parte das paredes que,
no século XXI, sustentam o Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, integrava,
em 1764, a manufactura de lanifícios com o mesmo nome. Local onde, por obra da
intervenção e da análise arqueológicas, foi possível encontrar preexistências que
remontam à acção pombalina sob provisão régia de D. José I. A construção, existente
desde o ano anterior, foi enquadrada no plano de desenvolvimento e industrialização de
Sebastião José de Carvalho e Melo (marquês de Pombal, 1699-1782). Antes disso, a
Junta do Comércio detivera ali uma tinturaria, cuja estrutura «foi integrada no traço do
novo edifício».493
Contemplados estão, igualmente, esses vestígios arqueológicos numa
relação muito próxima com a instituição universitária, não só no plano de harmonização
entre o contemporâneo e a herança que ali se manifesta, mas também pelas linguagens
que adoptaram, cada um e em conjunto.
Localizada na proximidade da ribeira da Goldra (a sul) e de oficinas de
tecelagem e de acabamentos preexistentes, nasce a Real Fábrica de Panos da Covilhã.
Em 1761, D. José I dá ordem de construção e, em 1769, Paulino André Lombardi,
Administrador da Real Fábrica, recebe a directiva do rei para aproveitar as pedras da
muralha medieva do castelo, destruída pelo terramoto de 1755, já com aval da autarquia.
Era tida como o projecto da «fábrica modelo» e o pretexto para fazer crescer a
localidade enquanto pólo industrial e instigador de desenvolvimento local neste sector.
O despacho régio data de 9 de Maio de 1769 e projectava a construção de um edifício
de raiz ou o aproveitamento de infraestruturas preexistentes, próximo de boa corrente de
água e espaço para abrigar os mecanismos necessários.494
492
Termo utilizado por Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina.
493 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Roteiro do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.
Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior, Outubro de
1998, p. 21.
494 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de
230
Pretendia-se da Real Fábrica de Panos uma manufactura exemplar e excelsa no
trabalho de lanifícios local. Queria-se concertação de esforços; coordenação de
diferentes casas/oficinas particulares, que não suportavam a exigência de determinados
serviços, e a concentração de várias funções desempenhadas; qualidade investida no
aperfeiçoamento técnico de procedimentos e de mão-de-obra, o que se reflectiria na
categoria do produto final; de certa forma pedagogia, e sobretudo uma instituição de
referência para a actividade local, regional e nacional, mas também capaz de concorrer
com o mercado bravio inglês. Elisa Pinheiro sintetizou o objectivo desta manufactura de
forte ingerência estatal, entre 1764 (quando começou a laborar) até finais de 1787, da
seguinte forma: «coordenar e fiscalizar a qualidade da produção local, optou-se por
concentrar nesta nova instituição, num edifício planificado para o efeito, as várias
operações de fabrico e transformá-la numa verdadeira escola de aprendizagem, para
servir de modelo aos fabricantes locais, certificar-lhes a qualidade da produção e apoiá-
los, sobretudo, na realização das operações de tinturaria e acabamento dos tecidos, que
exigiam equipamentos e conhecimentos técnicos mais especializados»495
.
«Manchester portuguesa»496
. Este slogan é a atalaia do imaginário dos
covilhanenses. A expressão foi vulgarizada entre o meio empresarial e industrial.
Rapidamente se popularizou, e fez-se para as gerações posteriores. Destacada, ainda
hoje, pelas chaminés de tijolo, em contraste com o típico granito das estruturas dos
edifícios, a cidade foi ganhando esta marca distintiva. Contudo, o reconhecimento de
que a «cidade-granja/cidade-fábrica»497
auferia então – como centro privilegiado da
manufactura portuguesa – pereceu, num processo de desvitalização fabril que outrora
fora sinónimo de produtividade, dinamismo e riqueza.
O certo é que o esmorecer da actividade não teve contrapeso. A preservação
destes complexos industriais – verdadeiros pedaços de história – à medida que
encerravam não era prioritária. Só recentemente o conceito de património (e de
fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de
Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011, pp. 247 e 249.
495 Idem, p. 226.
496 Expressão relembrada por José Amado Mendes no prefácio do Catálogo do Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade
da Beira Interior, Abril de 1998, p. 12. Coordenação do catálogo a cargo de Elisa Calado Pinheiro.
497 Manuel Nunes Giraldes apud Elisa Calado Pinheiro in Catálogo do Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 45.
231
património colectivo) colheu mais interessados e maior preponderância no planeamento
da acção do homem relativamente às realidades onde actua, sejam elas palpáveis ou
intangíveis. Assim, com algum distanciamento temporal e alguma abertura mental na
senda da salvaguarda de património, justificou-se o aparecimento do Museu de
Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Este é um centro interdepartamental da
Universidade da Beira Interior (UBI), com autonomia administrativa e financeira e
tutelado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O objectivo primeiro
deste museu foi proteger o património arqueológico aí descoberto. Portanto, este
«recente» espaço exibe a contemporaneidade nos seus acabamentos, nas técnicas de
recuperação e de reabilitação arquitectónicas (sem descurar o distintivo arquétipo
arquitectónico e estético pombalino), e em apetrechos tecnológicos e práticas
museográficas e museológicas. Simultaneamente, pretende fazer perseverar essa
realidade ulterior, fazendo dela um documento vivo e activo.
Em análise está uma instituição formada por três núcleos museológicos.
Primeiro, a Tinturaria da Real Fábrica de Panos (núcleo inaugurado em 30 de Abril de
1992). Depois, as Râmolas de Sol (núcleo inaugurado em 30 de Abril de 1998, com uma
área musealizada de 652,7 m2) que, como o nome indica, reúnem um conjunto de
râmolas de sol e também um estendedouro de lãs com interesse em serem preservados
in situ, a céu aberto, usufruindo da ribeira da Carpinteira (a norte da cidade), junto ao
sítio do Sineiro. Estas instalações integravam o antigo complexo industrial propriedade
de Ignácio da Silva Fiadeiro e Sucessores, que laborou até quase meados do século XX
(1910-1939). O projecto global de salvaguarda do património industrial na cidade anela,
igualmente, um rumo ambiental e ecológico que se fez presente na gestação do
ecomuseu de lanifícios da serra da Estrela (pelo «reconhecimento das paisagens
culturais», das matérias-primas água e lã e da presença animal, e pelo aproveitamento
energético).498
Por último, o Núcleo da Real Fábrica Veiga (inaugurado em 30 de Abril
de 2005, com uma área bruta aproximada de 12 000 m2, e aberto ao público desde 17 de
Maio de 2011 – cf. Fig. 14, Anexos, p. 332), idealizado como suporte infraestrutural da
sede, das áreas administrativa e técnica do museu, e ainda como plataforma de
exposição permanente, a qual é dedicada na sua essência à fase industrial, onde culmina
o processo de tratamento da lã. Este sector alberga também um Centro de
498
Ver descrição sobre as Râmolas de Sol, núcleo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira
Interior, em http://www.museu.ubi.pt/?cix=3025&lang=1, acedido em 31 de Outubro de 2012, às 20h32.
232
Documentação/Arquivo-Histórico (criado em 1997 e inaugurado em 30 de Abril de
1998), contemplando a reunião e a análise de informações e dados que compõem a
memória industrial e empresarial dos lanifícios.499
Ao Centro de Documentação/Arquivo-Histórico reserva-se não só a salvaguarda
dessa memória, mas também o apoio à investigação a três batimentos: local, regional e
nacional por meio da «aquisição (a título de compra, dação, depósito, doação, legado,
permuta e recolha), conservação, organização e comunicação dos bens de natureza
arquivística, bibliográfica e têxtil, de qualquer tipo e suporte, sobre a temática geral do
sector de actividade têxtil/lanifícios, com origem em diversas entidades públicas e
privadas»500
. Inclui documentação que possa ser relevante, independentemente do tipo
de ligação com os lanifícios, para a investigação sobre esta área no terreno industrial e
para aquela que é desenvolvida pelo próprio museu; e «dossiers [sic] pedagógicos e
documentação técnica», relativos às exposições permanentes e temporárias do Museu de
Lanifícios. Numa perspectiva global, tem um benefício prospectivo, isto é, de
enriquecer a informação utilizada nas visitas guiadas e em acções de formação.
As Bases de Dados constituem outra das valências como plataformas de
«gestão» e de «acesso à informação do espólio categorizado por Bens Arquivísticos,
Bens Museológicos e Têxteis custodiados pelo Museu de Lanifícios». No espaço
cibernético, estão disponíveis actualmente as bases de dados MUSLAN, para gestão de
bens museológicos, e ARQUEOTEX, restrita aos bens têxteis; futuramente, a
MUSLARQ, que se dedicará à «Gestão de Bens de natureza arquivística com suporte,
tipo e natureza diversos (textuais, iconográficos e cartográficos)». O acervo documental
visa sobretudo profissionais, estudantes, docentes, empresários e outras entidades
culturais e de investigação, cuja actividade se aproxime daquela que o museu hasteia.
Contam-se «designers têxteis e estilistas de moda; investigadores de vários ramos do
conhecimento; docentes dos vários graus de ensino; formadores; estudantes do ensino
superior; empresários e técnicos têxteis; outros museus e centros de documentação»501
.
Hoje, três edifícios em cantaria de granito interligados compõem o complexo
499
Dado tratar-se de um projecto posterior, acrescido ao facto de se encontrar inserido no Núcleo da Real
Fábrica Veiga (sobre o qual ainda não foi publicado um catálogo de musealização), a informação mais
actualizada sobre este centro encontra-se apenas disponível em
http://www.museu.ubi.pt/?cix=3000&lang=1.
500 Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3003&lang=1&v=288217.
501 Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3100&lang=1.
233
fabril Real Fábrica Veiga. Na sua génese, à Real Fábrica Veiga estava adstrito o papel
de sede da firma de lanifícios covilhanense, cujo mentor, José Mendes Veiga, fundara
em 1784. Originalmente encontrava-se neste local, junto à ribeira da Goldra ou
Degoldra, uma oficina de tinturaria (datada de 1784). Esta edificação foi sendo
ampliada (em número e volume) até ao ano de 1834, altura em que dispôs de todas as
valências para uma fábrica completa. Nela se desenvolviam a preparação, a fiação, a
tecelagem, a tinturaria e a ultimação; também a acomodação, as râmolas de sol e outras
infraestruturas de que o processo fabril não abdicava; e a divisão comercial, os
escritórios e o armazém, distribuídos pelas diferentes construções que a formavam. Este
«complexo empresarial» deteve, no (seu) período áureo de 1835 a 1891, «cerca de duas
dezenas de unidades fabris, assim como diversas escolas de fiação disseminadas
predominantemente pelos concelhos da Covilhã e do Fundão»502
. Entre finais do século
XVIII e inícios do século XIX, a empresa Real Fábrica Veiga labora com solidez. Já
entre 1916 e os anos de 1990, o «conjunto autonomiza-se» e instalam-se outras firmas,
mais recentes e sem vínculo (quanto à natureza da sua actividade ou
administrativamente) com a primeira. A sua primitividade foi sendo roubada pela
intempérie, nos finais do século XIX, que revoltou a ribeira, e, no início da década de
1990, um incêndio destruiu «o interior do corpo Norte» do complexo, remanescendo as
«fachadas em cantaria de granito».
Apenas um dos três edifícios do complexo é espaço musealizado e está aberto ao
público. No piso 0, localizam-se a recepção (para o acolhimento e «apresentação sucinta
do programa museológico, através da exposição de artefactos arqueológicos, de
produtos tintureiros e de alguns documentos e gravuras referentes aos processos de
tingimento dos panos de lã»503
; a loja (publicações e produtos locais para venda); a
cafetaria/restaurante (serviço de almoços e jantares, mediante marcação prévia para
grupos, no mínimo, de quatro pessoas); um espaço ajardinado com esplanada e vista
para a ribeira (zona de lazer/descanso); um elevador (além das escadas) que faz a
comunicação entre os três pisos, concebido para servir visitantes de mobilidade
condicionada; um auditório (sala de conferências); uma área de exposições temporárias;
e um ateliê/oficina têxtil (sala apetrechada de «equipamentos e utensílios têxteis
adequados a diferentes níveis de aprendizagem, dinamizados pelo Serviço Educativo do
502
Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3053&lang=1.
503 Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3084&lang=1.
234
Museu»).504
É, também, neste piso que se localiza o Centro de Documentação/Arquivo
Histórico. Como se pode ler no sítio de Internet do museu, «o percurso museológico da
Exposição Permanente inicia-se neste piso [piso 0], numa área contígua à das
Exposições Temporárias, através da contextualização espácio-temporal da indústria de
lanifícios». Desce-se, seguidamente, ao piso -1, onde a energia e combustíveis,
transportes e escoamento de produção (caminho-de-ferro), o operariado, a tinturaria, os
acabamentos, e as operações de preparação da lã para fiação, cardação (Cf. Fig. 16,
Anexos, p. 332) e penteação esperam o visitante. Aqui, o ex-libris é a caldeira De Nayer
& C.ª (Cf. Fig. 15, Anexos, p. 332), de grandes dimensões, mas fica a nota arqueológica
para as preexistências das primitivas caldeiras a vapor.
No piso 1, as temáticas seguem com a fiação, a preparação para tecelagem, a
tecelagem, os acabamentos e o armazém de fazendas. O espaço de exposição
permanente, neste piso, é partilhado com uma área de projecção multimedia. E permite
o acesso, por intermédio de uma «câmara de isolamento corta-fogo», às Reservas Gerais
do Museu de Lanifícios (área «localizada no edifício contíguo – corpo Norte –, que foi
recuperado e reutilizado como Centro de Documentação/Arquivo Histórico [Piso 0]), à
área de Reservas (Piso 1) e ao parque de estacionamento (Pisos 2 e 3). Todos os pisos
do Núcleo Museológico Real Fábrica Veiga têm «acesso directo ao exterior» e há
facilidade de circulação de cargas pelos pisos 0 e 1, vantajoso na «utilização e na
instalação das maquinarias e materiais da exposição».
Confiaram-se os períodos da pré e proto-industrialização ao Núcleo da
Tinturaria da Real Fábrica de Panos, sobejando o período da industrialização dos
lanifícios covilhanenses – balizado pelo início do século XIX e os meados do século
XX – e da região da serra da Estrela como motriz do Núcleo da Real Fábrica Veiga. O
projecto museológico deste último pretende identificar «as rupturas e as continuidades,
assim como as transformações motivadas não só a nível da indústria como até do
ordenamento espacial da própria cidade, cujo tecido urbano se desenvolveu entre as
Ribeiras da Goldra, que o margina a Sul, e da Carpinteira, que o delimita a Norte».
O Museu de Lanifícios da UBI pretendera-se Museu Nacional dos Lanifícios.
Projecto pensado aquando da musealização da Real Fábrica Veiga, no qual a Câmara
Municipal da Covilhã «promoveu e dinamizou», em 1990, a criação de uma comissão
instaladora que integrava instituições e associações da cidade dedicadas à protecção de
504
Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3053&lang=1.
235
património, à indústria de lanifícios e à investigação. Apesar do deferimento da
Secretaria de Estado da Cultura, o projecto não se materializou. Veio, então, a UBI
ceder a formação de despojos da antiga fábrica de lanifícios Real Fábrica Veiga, acima
caracterizada, para dar continuidade ao projecto museológico dos lanifícios
covilhanenses. «Recuperação» e «refuncionalização» foram as acções privilegiadas para
assim «responder a uma carência sentida tanto a nível regional como do próprio país – a
criação de um Museu de Lanifícios, polinucleado e de âmbito nacional».505
Na exposição permanente há espaço para a técnica (todo o processo de
produção; a experiência energética com roda hidráulica, máquina a vapor, caldeira,
chaminé, central eléctrica; as influências externas dos centros industriais europeus na
organização da fábrica e na importação de meios e práticas tecnológicas; a ferrovia); a
história e a arqueologia; a geografia (da lã, da indústria dos lanifícios, do
funcionamento da fábrica e da empresa em geral); a economia (escoamento de produção
a nível nacional [metrópole e ultramar] e a nível internacional); a sociedade (operários
[os bairros operários], quadros técnicos, empresários [os palacetes de industriais]); a
cultura (inclusão da educação que faz sobressair as escolas industriais, como a Escola
Industrial Campos Melo, da Covilhã, onde se lidava com a tipologia de panos, as
marcas de fabrico e os processos de controlo de qualidade); e dois séculos de
arquitectura fabril em fábricas, pavilhões e instalações de apoio (métodos e tipologias).
Elementos que contextualizam a indústria, nomeadamente entre o início do
século XIX e a década de 1970; que desvendam o processo de produção industrial, em
todas as suas secções, bem como o ciclo de transformação da lã (de montante –
ambiente pastoril – a jusante – produtos acabados [no campo do design, comparam-se
os modelos italiano, francês e inglês e o modelo tradicional local]), e ajudam a encenar
o quotidiano operário e empresarial. Uma das preocupações do museu é a preservação
de maquinaria, utensílios em ferro e outras ligas metálicas, madeira, materiais
compostos e têxteis, e outros equipamentos, isto é, de património industrial móvel –
exemplares que, com a evolução tecnológica, se vão reformando, e, sobretudo, se
tornam únicos.
Quis o museu tornar presentes, como elementos em paridade, «o homem, a
comunidade e o ambiente natural envolvente», esclarecer «a ambiência que rodeia uma
cidade de mono-indústria e uma região industrial». Apresenta-se como «um museu de
505
Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3054&lang=1.
236
território, aberto, vivo e didáctico, onde o trabalho dos lanifícios, tanto a nível do país,
como da região da Serra da Estrela e da Covilhã se encontram significativamente
representados, constituindo-se a Real Fábrica Veiga como um Núcleo da
Industrialização e Centro de Interpretação do Ecomuseu de Lanifícios da Região da
Serra da Estrela, atendendo igualmente à importância que adquire o Centro de
Documentação/Arquivo Histórico que integra». Isto significa investigação permanente
da evolução histórica, aplicada aos ramos empresarial e industrial que caracterizam os
lanifícios, nos quatro campos de intervenção possíveis: local, regional, nacional e
internacional. Decidido a revitalizar a identidade da cidade que se estende a âmbitos
mais alargados.
Concentre-se, agora, este estudo no primeiro edifício que foi a alavanca da
recuperação. O remanescente da fábrica do século XVIII que se conseguiu resgatar
sustenta-se sobretudo nas tinturarias (Cf. Fig. 1, Anexos, p. 328) e em mais alguns
apontamentos estruturais que identificam as funcionalidades de outrora. Fachadas de
origem e elementos técnicos são as manifestações físicas visíveis que compõem o
perímetro arqueológico exposto durante o processo de recuperação. Foi no âmbito do
aproveitamento dessas construções e do espaço desactivado da Real Fábrica de Panos
(para o projecto de ensino superior e especializado) que se proporcionou o encontro
com esse material arqueológico. Daí, a necessidade emergente de resguardar esse
espólio numa solução que também o promovesse e se firmasse como pólo cultural
direccionado para um público diversificado e para a academia.
A actividade da Real Fábrica de Panos dividia-se em duas grandes áreas: o
fabrico e a ultimação de panos. Nascida oficialmente em 26 de Junho de 1764, tinha
como valência a reunião de várias oficinas e fabricantes locais, convergindo-os numa
dinâmica concertada e de homogeneização qualitativa no desempenho de tarefas de
tinturaria e acabamento de tecidos. Dispunha ainda de espaços de acolhimento, em
regime de internato, de crianças órfãs e/ou abandonadas entre os oito e os doze anos, as
quais compunham parte da mão-de-obra activa, desde cedo qualificada e especializada,
seguindo um plano de aprendizagem do ofício que ali se operava.
A planta que os escombros deixaram perceber mostra um edifício disposto em
quatro alas rectangulares que esquadravam uma praça central. As cornijas de granito
que rematam as fachadas denunciavam o apelidado «estilo pombalino» (e ainda as
gárgulas no mesmo material), respeitando a sobriedade das formas e a regularidade das
237
aberturas, como especifica Elisa Pinheiro.506
A fábrica, na sua origem, ocupava uma
área de cerca de 6000 m2, dividida por dois pisos (com as ampliações, no reinado de D.
Maria I, atingira uma área total de cerca de 10 000 m2, embora musealizados estejam
apenas 699 m2). Os serviços de portaria e acolhimento (pátio de entrada e casa do
porteiro), e o encadeamento funcional de tinturarias distribuíam-se pelo piso térreo.
Mais uma tinturaria dos panos em cor, e outra das dornas, dois corredores de serviço às
tinturarias e ao sistema de alimentação das caldeiras; uma casa para os teares grandes,
outra para os teares pequenos e um corredor de entrada da casa dos teares (com
pavimento de calçada). Há, ainda, casas para o armazenamento dos panos dos
fardamentos, para puxar estambre, para o mestre prensar, para a composição de tintas,
para perchas e tesouras, para prensas e uma última para lãs em bruto, todas lageadas,
como enumera a anterior directora do museu. No piso superior, a área que dizia respeito
à ala em frente ao Chafariz das Lágrimas destinava-se aos serviços administrativos (em
particular a Casa da Aprovação), armazéns, salas de fiação e alojamento dos aprendizes.
Ao seu dispor estariam ainda um «Chafariz, com 4 tanques de lavar os panos e Lãs,
comuas frestadas, um Tanque da Água para serviço das Tinturarias e um completo
sistema de canalizações de água [sic]»507
.
O roteiro museológico proposto aos visitantes apresenta o que, ainda hoje, se
pode conhecer da Real Fábrica de Panos: a Sala de Recepção (22 m2), a Tinturaria dos
Panos de Lã (161 m2), o Tanque da Água (8 m
2), a Tinturaria das Lãs em Meada (106
m2), o Corredor das Fornalhas I (69 m
2), a Tinturaria das Dornas (212 m
2), um corredor
de acesso interno às instalações sanitárias (38 m2) e o Corredor das Fornalhas II (Cf.
Figs. 9, 10, 11 e 12, Anexos, pp. 330-331).508
Nos 83 m2 deste segundo corredor, que
originalmente auxiliava no processo de aquecimento das caldeiras, imiscuem-se duas
funcionalidades: a de área musealizada (com exposição das primeiras máquinas
tintureiras – remontando ao século XIX –, bocas de fornalhas, barcas de tingir ou de
sarilho, máquina a vapor vertical invertida de finais do século XIX, a evolução dos
processos tintureiros desde os romanos até hoje, e reconstituições) e a de passagem
interna entre duas áreas departamentais da universidade (que serve de galeria de
exposições temporárias).
506
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.
Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 20.
507 Idem, p. 21.
508 Idem, pp. 35 e 36.
238
Fora «uma das mais antigas casas da tinturaria da manufactura real», assegura
Elisa Pinheiro. Uma tinturaria das lãs, em meada ou fio, não era comum no alvor da
industrialização laneira portuguesa em Setecentos. Em 1991, ali foram encontradas
«duas estruturas de granito aparelhado, que se encontravam soterradas e que constituíam
os suportes de apoio às caldeiras das fornalhas». Foi ainda descoberto um conjunto de
orifícios no «aparelho de pedra», onde se fixariam «os suportes de uma caleira exterior»
que integraria as infraestruturas relacionadas com o sistema de abastecimento de água
na fábrica.509
A propósito da Tinturaria das Lãs em Meada, é feito um apontamento de grande
monta: a estrutura de suporte da caldeira que servia esta tinturaria foi imprescindível.
Tida, por Elisa Pinheiro, como «a mais importante descoberta», pelo facto de precisar
factos e características que pudessem definir a identidade de semelhantes que integram
o espólio.510
Por debaixo de uma camada de cimento estava o pavimento original deste
espaço, em granito. Apesar do frenesim com a instalação da tinturaria pombalina na
Covilhã, é importante não esquecer que se trata de uma técnica/ofício milenar. E esta é
prova de mais uma fase da sua evolução. Já na Tinturaria das Dornas cumpria-se o
tingimento a azul, que tinha especial aplicação no «fardamento do exército, dos
archeiros e criados da Casa Real».511
Isto permitia uma produção consistente e
avolumada em conjugação com as duas outras oficinas. Os fardamentos e a ultimação
de panos contribuíam assim para uma actividade massificada.
O recurso à intervenção arqueológica permitiu não só localizar espacial e
temporalmente objectos e estruturas, mas também atribuir-lhes uma história industrial.
Permitiu descobrir e identificar processos, perceber o seu funcionamento, o seu
propósito, a sua evolução e o seu envolvimento contextual. É exemplo disso a técnica
de tingir, as temperaturas a que ocorre e como se atingem, o material das caldeiras (que,
originalmente, com base nos vestígios e demais registos, eram em número de dez, tal
como as fornalhas). Apesar de terem sido descobertas apenas duas fornalhas completas
509
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Roteiro do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.
Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, pp. 23-24. (Cf. Figs. 4 e 5, Anexos, p. 329)
510 Como garante da autenticidade pombalina dos oito «“poços cilíndricos”» graníticos encontrados, em
primeiro lugar, na Tinturaria das Dornas (Cf. Figs. 6, 7 e 8, Anexos, p. 330), e ainda três fornalhas. Ver
http://www.museu.ubi.pt/?cix=3089&lang=1.
511 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.
Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 98.
239
e quatro em avançado estado de ruína, estas permitiram elucidar sobre a actividade
realizada no espaço que, hoje, se sabe pertencente à ala tintureira e quais os mais
apropriados para cada cor.512
Esta manufactura do Estado513
manteve-se enquanto tal até 1788, mas esteve em
funcionamento até ao último quartel do século XIX. Durante este período de laboração,
duas sociedades exploraram o espaço, quando o Governo de D. Maria foi dando
margem de manobra aos privados. Do período da Sociedade das Reais Fábricas de
Lanifícios da Covilhã e Fundão ficaram algumas edificações, em acrescento às
pombalinas que ali se haviam erguido. É disso exemplo o arco de ligação entre os dois
lados da Rua Marquês d’Ávila e Bolama – e, deste modo, entre a parte antiga e a então
512
Idem, pp. 54-55.
513 Para rubro do ego covilhanense, a nova unidade industrial surgia nas seguintes condições: «“Levantou-
se a primeira caza dos tintes em tão dilatada proporsão, que para huma parte acomoda duas caldeiras de
extraordinaria grandeza, e para outra parte duas dornas da mesma igualdade, em tal correspondencia, que
facilmente passão as tintas de humas, para outras por uma caldeira de pao, de que se uza, quando he
necessario ferver as tintas, ou aquentar as dornas. Em outro espaço da mesma caza se assentarão huns
repartimentos de madeira, para agazalhos dos Ingredientes das tintas, e fronteiro a este, fica outro espaço
mayor, que serve de despejo aos muitos instrumentos e alfayas, com que se trabalha naquella officina. No
vão da Caza, que he a serventia de toda ella, se faz o alojamento das muitas baetas (…). Corre para dentro
desta Caza huma fonte de excellente agoa, que graciozamente repartida em dous registros para o serviço
das Caldeiras, e despedida outra vez para fora por diversa parte, faz aquella estancia summamente
agradável, e deleitoza, e em certo modo parece, que suaviza o trabalho dos fabricantes. Segue-se para
dentro a segunda Caza sem mais alguma serventia, que a das fornalhas donde dous homens não tem outra
mayor obrigação, que o continuo cuidado de fazerem ferver as caldeiras. Segue-se contiguamente a
terceira caza da Lenha com capacidade bastante, para agazalhar mil carradas della, que toda esta
pervenção he necessaria para segurar o provimento contra as calamidades do Inverno, que naquellas
partes custuma ordinariamente mostrar a diferença do seu Clima. Levantou-se da outra parte da ribeira,
segunda caza, para o ministerio dos pizões, ainda superior na grandeza à caza dos tintes. Formarão-se
dous pizões dentro da mesma caza, e huma fornalha e outo perchas, ficando o mayor vazio da dita caza
para a serventia, o commodo das roupas, que naquele manejo dos pizões necessitão de mayor Largueza.
Levantou-se no mesmo sitio a terceira caza das prensas, donde se assentarão duas com boa commodidade,
e hum tendal para se dobrarem, e pregarem as baetas; a esta caza se vão seguindo contiguamente outras
muitas, destinadas para viverem os prensadores, e outros officiaes, e para se alojarem as baetas depois de
perfeitas, e acabadas”.» Luís F. de Carvalho Dias, ob. Cit., 2.ª parte, Correspondência de Gonçalo da
Cunha Vilas Boas, cartas XXIII e XXXV, «Lanifícios», Ano 5.º, n.º 51, Março 1954, p. 96 e 104. In Jorge
Borges de Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, 2.ª ed., Lisboa,
Querco, Setembro de 1982, pp. 33-34.
240
constituída.
Nos primeiros anos do século XIX, as invasões francesas foram apenas o início
de uma instabilidade que não mais conheceu fim. Em 1885, sob tutela da Câmara
Municipal da Covilhã (adquirida aos herdeiros da viúva de António Pessoa de Amorim),
a manufactura de lanifícios foi cedida ao Regimento de Infantaria 21, e posteriormente
ao Batalhão de Caçadores 2 até meados do século XX (a soma destas duas ocupações
perfaz o período de 1888-1959). Note-se que teve ainda usufruto de parte das
instalações a Repartição de Finanças e da Tesouraria da Fazenda Pública da Covilhã
(1970-1975). E só no ano de 1973, os terrenos e os edifícios, em estado devoluto,
encontram a entidade a que ainda hoje estão adstritos, cedidos pela Câmara Municipal
da Covilhã. Na altura, o propósito era fazer nascer o Instituto Politécnico da Covilhã,
hoje Universidade da Beira Interior. (Cf. Fig. 2, Anexos, p. 328) Após a sucessão, e à
parte de evidências que provavelmente se foram perdendo com a adequação dos espaços
às várias funções que lhes foram imputadas, outras evidências persistiram.
O ano de 1975 foi particularmente revelador. Com a cedência das estruturas da
antiga manufactura pombalina para sua conversão num estabelecimento de ensino,
seguiram-se as obras de adaptação, onde foram reveladas as preexistências. Era
necessário articular essa descoberta com aquilo que se pretendia erguer. Paralelamente,
projectou-se um outro espaço em conluio com o de ensino, que respeitasse o ambiente e
o processo manufactureiro do século XVIII, relativamente ao fabrico e tingimento dos
panos de lã. Foi necessário coordenar épocas, preexistências arqueológicas, técnicas e
resultados arquitectónicos e um cenário que respeitasse a essência daquilo que se
pretendia preservar. Quase um século após a cessação da actividade primitiva para a
qual essas infraestruturas foram pensadas e criadas, obtém a classificação de Imóvel de
Interesse Público em 1982 (Decreto-lei n.º 28/82 de 26 de Fevereiro). A distinção é
endereçada concretamente ao conjunto de «“poços cilíndricos, fornalhas e caleiras”» em
granito da antiga tinturaria da Real Fábrica de Panos da Covilhã.514
A Tinturaria dos Panos de Lã era a sala nobre. Nela desembocava o acesso
principal à fábrica, cuja porta brasonada ostentava a marca do reinado vigente. (Cf. Fig.
3, Anexos, p. 329). Nela se procedia ao tingimento de diferentes panos com uma paleta
de cores variada. Ainda se atribui como componentes da primitiva manufactura
514
Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.
Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 31.
241
oitocentista as bocas de fornalha, chaminés e os arcos de volta perfeita, que
configuravam e deram nome à Sala dos Arcos, assim como a sua rede de esgotos e o
depósito de água. Por motivos de musealização, esta sala veio integrar a sala da
Tinturaria dos Panos de lã.515
No geral, a conservação foi a atitude privilegiada. De
reserva ficava a recuperação e, em último caso, a reconstituição. A inspirar a edificação
da Real Fábrica estiveram algumas viagens a tinturarias inglesas e francesas, plasmadas
nas gravuras da Manufactura dos Gobelins espalhadas por vários espaços musealizados.
E é com esta sua homóloga parisiense que se encontram bastas semelhanças.
Dado que a Universidade da Beira Interior foi nascendo e logrando de outros
espaços consignados à primitiva Real Fábrica de Panos, houve necessidade de conciliar
e de harmonizar os projectos arquitectónicos da universidade e do museu. Esta
sensibilidade visava conciliar interesses e ajudar a potenciar valências. Ou seja, a
«“tinturaria do séc. XVIII”»516
, como foi designada, passaria assim a estar integrada
num projecto de ensino e investigação, aproveitando duas áreas inseparáveis, inerentes a
essas estruturas arqueológicas (e à história): a componente científica e técnica, por um
lado, e a cultural, por outro, que em conjunto poderiam ser valorizadas e enriquecidas
mutuamente. Mesmo que inconscientemente e/ou, no mínimo, por força do quotidiano,
parte do corpo estudantil e docente comunga desse património. Falamos do Corredor
das Fornalhas II, que assume a sua função museológica, e de um dos acessos de
circulação entre uma parte só académica e a praça central (a parada) onde se dispõem
igualmente salas de aula e de trabalhos práticos.
Evocados os precedentes históricos do Museu de Lanifícios da Universidade da
Beira Interior – Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, há que compreender
melhor as promessas desse espaço. Um espaço onde parece ainda ouvir-se o som dos
teares e das sirenes, os maquinismos da labuta fabril, o cheiro a progresso, os suspiros
de um operariado que, hoje, já não existe. Onde se julga ver os vapores e fumos nas
altas chaminés, as tensões entre patrões e operários, oscilando entre cedências e
reivindicações, as ameaças grevistas e os lock-outs. Onde parece viver-se esses estados
de espírito, o convívio animado, as conversas sobre mercadorias, e os grandes nomes
dos lanifícios e do mercado de panos e tecidos a tornarem-se ainda maiores. Ainda hoje,
impõem respeito aos que lhes conhecem o passado. Também as gentes ficaram
515
Idem, p. 32.
516 Idem, p. 32.
242
marcadas pelo entrosamento de apelidos nas famílias como Lãnzinha, Lã, Lambranca,
Fazenda, Fazendeiro e Fiadeiro.517
«Quasi toda a população se emprega no fabrico»,
asseverava a Associação Comercial da Covilhã num documento de 1860.518
A indústria laneira não foi só trabalho e mercado. Foi crucial na configuração do
tecido urbano. A cidade da Covilhã foi-se definindo em torno desses pólos de trabalho
que começaram a tecer a malha urbana na encosta da serra. Com o crescimento desta
indústria, as actividades a ela ligadas disseminavam-se por toda a povoação,
umbilicalmente ligadas às ribeiras, mas também ao centro histórico.519
Graças a ela,
diversos locais têm designações particulares (onde muitas delas laboraram) e cada um
conta a sua história: Rua do Peso da Lã, a Travessa do Tinte, o sítio do Pisão Novo, e
artérias principais como a Rua Marquês d´Ávila e Bolama foram albergando palacetes
habitados por empresários. A indústria motivou ainda outros sectores, como o dos
transportes colectivos: caminhos-de-ferro, pontes e estradas.
Quanto aos discursos do museu: a primeira entidade que dialoga com o museu é
a Universidade da Beira Interior, coexistindo paredes-meias, no sentido mais literal que
se possa conceber. Engenharia Têxtil, por exemplo, foi um dos primeiros cursos
ministrados no então Instituto Politécnico da Covilhã. Como Elisa Pinheiro explica em
pormenor, esta instituição cresceu aproveitando da melhor forma o património industrial
que, ao longo das últimas décadas, foi votado ao abandono.520
Hoje, toda a comunidade
académica pode ver parte do museu, nomeadamente a secção das tinturarias, através de
zonas envidraçadas (Cf. Fig. 13, Anexos, p. 331). Quem queira aceder a salas, gabinetes
técnicos e de docentes e outros serviços (pode) passa(r) por um corredor que faz parte
do museu (Cf. Figs. 11, 12 e 13, Anexos, p. 331). Os espaços museológicos ocupam
partes do edifício pombalino e não se apartam da vivência quotidiana académica, numa
relação cultural e de integração. As sucessivas ocupações e a adaptação à universidade
«não permitiram a identificação integral dos espaços interiores, a não ser a dos
existentes ao nível do primeiro piso, na área das tinturarias e do segundo piso na área da
517
Idem, p. 46.
518 Deolinda Folgado, «Covilhã, a cidade que também foi fábrica» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista
Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, p. 89.
519 Idem, p. 89.
520 Ideia predominante no artigo de Elisa Calado Pinheiro intitulado «A Universidade da Beira Interior e o
seu papel na reabilitação e reutilização do património industrial da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica,
Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009.
243
administração»521
.
Este espaço museológico está envolvido por mais de uma centena de fábricas,
que constituem o verdadeiro núcleo monumental e patrimonial da cidade. Este museu
torna-se imprescindível para que a Covilhã «possa ser classificada como campo
arqueológico-industrial dos lanifícios portugueses, no domínio da arqueologia
industrial»522
.
«Em sentido lato, como bem explicou David Lowenthal em The Past is a
Foreign Country (1985), o passado é de onde vimos»523
. Assim sendo, a museologia e
todas as áreas que a tornam possível contribuíram decisivamente no sentido da
construção de uma identidade, onde o homem se veja implicado. Este reconhece-se
dentro de um colectivo mais abrangente – o de uma nação, o de uma língua –, embora o
sentimento de pertença caminhe igualmente em direcção a comunidades mais reduzidas,
como a região e a localidade, as quais condicionam a sua formação. Na construção
daquela antiga fábrica foram usadas várias pedras que faziam parte da antiga muralha
medieval da então vila. Bahn e Renfrew vêem neste tipo de museus a «pedra angular do
mercado turístico»524
.
A preservação avançou no sentido de um realismo intuitivo para responder à
«preocupação de que o visitante pudesse percorrer os diferentes espaços sem
constrangimentos e fôsse [sic] naturalmente orientado para a observação das peças
estruturais do espólio: sentir com o corpo e não apenas com os olhos é uma regra da
museologia actual que foi observada»525
.
Além da (óbvia) exibição das exposições permanentes nos núcleos museológicos
Real Fábrica de Panos e Real Fábrica Veiga, em ambos são organizadas exposições
temporárias. No primeiro, nos espaços das Galerias das Fornalhas e átrio adjacente; no
segundo, num espaço individualizado como sala de exposições temporárias. São
521
Elisa Calado Pinheiro, Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da
Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 21.
522 Idem, p. 45.
523 Paul Bahn e Colin Renfrew, Archaeology: Theories, Methods and Practice, 5.ª ed., Londres, Thames
& Hudson Ltd., 2008, p. 545.
524 Paul Bahn e Colin Renfrew, Archaeology. The Key Concepts, 3.ª ed., Nova Iorque, Routledge, 2008, p.
219.
525 Comentário de Nuno Teotónio Pereira às obras de beneficiação e enquadramento arquitectónico, e ao
plano de acção museológica em Elisa Calado Pinheiro, Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade
da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, p. 39.
244
acolhidas iniciativas de cariz artístico, sejam estas motivadas pela programação do
museu ou pela própria instituição de ensino (UBI); e de âmbito científico e cultural na
forma de seminários, conferências, palestras, com particular frequência aquelas que
dizem respeito à história, ao património e arqueologia industrial e à história local.526
No âmbito da investigação e do desenvolvimento de projectos, o Museu de
Lanifícios da Universidade da Beira Interior destaca-se com o Projecto Comunitário
TRANSLANA, aprovado em 23 de Abril de 2003 no âmbito do INTERREG III A –
Programa de Cooperação Transfronteiriça Portugal-Espanha (SP4.P22). Em território
lusitano, a Universidade da Beira Interior/Museu de Lanifícios teve como parceiros a
Câmara Municipal da Covilhã, a Região de Turismo da serra da Estrela (Covilhã), o
Instituto de Conservação da Natureza (Lisboa) e o Parque Natural da Serra da Estrela
(Manteigas). De Espanha, reuniu-se o Consorcio Museo Vostell (Malpartida de Cáceres)
e a Asociación para el Desarrollo de la Comarca Tajo-Salor-Almonte-Tagus (Cáceres).
Este trabalho conjunto foi encerrado em 2011, com a sua publicação em dois volumes e
respectiva distribuição por parceiros, bibliotecas, arquivos, universidades, câmaras e
institutos públicos com afinidade ao tema.
O durâmen do Projecto TRANSLANA foi «aprofundar e articular a investigação
transfronteiriça sobre as rotas peninsulares da lã e sobre as vias da transumância».
Propôs-se, igualmente, um trabalho antropológico, além da identificação e registo (no
sentido da salvaguarda) de vestígios e existências arqueológicas e industriais e a
respectiva musealização nas áreas definidas para o trabalho de campo e de análise: a
raia na extensão da Beira Interior (Portugal) e da Extremadura (Espanha). Mais se quis
promover e «rentabilizar os recursos humanos e patrimoniais» de todas as entidades
envolvidas «no sentido de expor e clarificar a importância histórica dos lanifícios a
nível peninsular, e contribuir para o desenvolvimento das regiões que integram este
projecto».527
Acrescentam-se os seguintes serviços disponibilizados pelo Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior:
i) Catálogo têxtil (no ARQUEOTEX estão disponíveis amostras têxteis provenientes,
temporalmente, do século XX, e fabricadas por empresas têxteis/de lanifícios, que já
não se encontram em actividade);
526
Ver http://www.museu.ubi.pt/?cix=2986&lang=1.
527 Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3062&lang=1.
245
ii) Serviço educativo (direccionado especialmente para o público escolar – professores e
alunos – e para aqueles que pretendem compreender a temática, e a dinâmica da cidade
e da região, auxiliados por actividades pedagógicas e visitas guiadas. São três os
campos de acção: animação sociocultural, edição e pedagogia);
iii) Oficinas têxteis (espaço de experimentação – de âmbito artesanal – sediado no
Núcleo da Real Fábrica Veiga, que se concretiza nas modalidades de cursos de
formação, estágios e ateliês de natureza têxtil [por exemplo, workshops de tecelagem
artesanal, de criação, de costura e confecção]. O seu público são crianças e jovens do
pré-escolar ao universitário, com enfoque especial para aqueles que frequentam ou têm
interesse particular por Design Têxtil, mas também o público em geral. Este espaço é,
também, adequado a estágios profissionais e curriculares nesta área);
iv) Ateliês (apresentação e explicação de métodos e técnicas de produção de tecidos. São
recorrentes os ateliês «Férias no Museu» – nos períodos de pausa escolar natalícia,
pascal e estival –, «A tinturaria manufactureira e os processos naturais de tingimento de
lãs», «A tecelagem artesanal» e outros temáticos, em consonância com a programação
anual do museu);
v) Leitura e Referência (Sala de Referência/Consulta, integrada no Centro de
Documentação/Arquivo Histórico, com acesso às bases de dados têxteis e museológicas
[ARQUEOTEX e MUSLAN] e consulta presencial de documentos em arquivo,
bibliografia, catálogos, inventários, guias de natureza local. Como complemento são
prestados os serviços de apoio, aconselhamento e orientação na elaboração de trabalhos
científicos e de leitura e transcrição paleográfica. Estão, também, disponíveis rede
wireless e Internet);
vi) Serviço de Reprodução (fotográfica, cinematográfica ou vídeo de peças, obras de
arte expostas e de imagens interiores do Museu de Lanifícios e de documentos de
arquivo);
vii) Pesquisa (em coordenação com o Centro de Documentação/Arquivo Histórico e
suas valências);
viii) Estágios (estágios profissionais e curriculares não remunerados, privilegiando áreas
como Museologia, Ciências Documentais – Áreas de Arquivo ou Biblioteca, de
Conservação e Restauro, de Animação Cultural, de Pedagogia/Serviço
Educativo/Produção de conteúdos pedagógicos, de Design Gráfico e Multimedia e de
Marketing);
ix) Formação;
246
x) Visitas de Estudo (organização de visitas guiadas e de visitas orientadas, cujos
destinatários são escolas ou grupos e organizações interessadas. Quando se trata de um
público infantil, a ida ao museu é mais do que uma visita; explicam-se os temas
envolvidos, visualizam-se filmes, contam-se histórias com o intuito de que os ouvintes
interajam – por exemplo, «Era uma vez um tapete de lã» conta a história [o processo de
criação] de um tapete de lã –, realizam-se jogos, encenações teatrais e trabalhos manuais
[de estimulo intelectual e sensorial como fazer corresponder determinada
descrição/representação à máquina respectiva ou construir uma ovelha com lã, ou um
tear ou um moinho de vento com cartão, por exemplo]; observa-se o funcionamento de
máquinas e a tosquia de uma ovelha; utilizam-se kits como «A Maleta Pedagógica»,
munida de amostras de lã, miniaturas de objectos relativos ao processo artesanal de
trabalhar a lã, como uma carda, um par de cardetas, passetas, bobinas, uma caneleira,
corantes naturais para tingimento, amostras de tecidos e um tear manual. Exemplos
integrados no plano de actividades pedagógicas do museu para o ano-lectivo 2011/2012,
sob o tema: «A Escola vem ao Museu»);
xi) Consultoria (a ser solicitado por entidades públicas ou privadas, nacionais ou
estrangeiras. Os seus objectivos deverão ser comuns aos do museu, isto é, «a
salvaguarda e a conservação activa do património industrial têxtil, assim como a
investigação e a divulgação da tecnologia associada tanto à manufactura como à
industrialização dos lanifícios». É «predominantemente um serviço de diagnóstico, de
planeamento e de acompanhamento de intervenções, mas não de execução operacional
das mesmas». As «actividades de consultoria habitualmente mais solicitadas [são o]: a)
apoio técnico a autarquias, investigadores e outras entidades externas envolvidas no
estudo, inventariação e classificação do património industrial; b) apoio técnico a
projectos para instalação de museus e/ou núcleos/pólos museológicos ao nível regional
e local; c) apoio técnico no desenho de percursos turísticos a delinear no âmbito da Rota
da Lã, na Região da Serra da Estrela e Beira Interior e, subsequente contributo para a
edição de folhetos turísticos como medida de valorização turística e desenvolvimento do
património cultural e natural regional»528
;
xii) Empréstimo de Peças (poderá ser realizado se se verificarem as seguintes situações:
cedência reciproca [como já aconteceu com o Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy
Fino], mecenato, ou conservação e restauro);
528
Ver http://www.museu.ubi.pt/?cix=3016&lang=1.
247
xiii) Espaços disponibilizados para certames de cariz científico, cultural ou artístico,
promovidos por entidades públicas ou privadas, colectivas ou singulares.
A interactividade com outras instituições ocorre, com mais frequência, no
âmbito das exposições temporárias. À data de Novembro de 2012, recebiam uma
exposição de artes plásticas pertencente ao Museu Nacional de Etnologia e decorria um
ateliê de estampagem com carimbos – os quais tinham igual proveniência (por
empréstimo). Há, ainda, protocolos com instituições como a Escola Secundária Campos
Melo e o CILAN, entre outros. Além das provas históricas, ambos são de natureza
pedagógica com uma componente prática (artística, tecnológica, têxtil,
profissionalizante) ligada à temática. CILAN designa Centro de Formação Profissional
para a Indústria de Lanifícios. E a Escola Campos Melo tinha em sua posse, até há
pouco tempo, alguma maquinaria têxtil, enquanto escola industrial que foi.
No sítio de Internet do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior
encontram-se, nos respectivos separadores, ligações (links) a outros elementos
informativos como plantas de identificação, descrição e localização dos núcleos do
museu e dos edifícios que os formam, quando aplicável; e ainda ligações que entrançam
os vários núcleos e assuntos de referência/interesse por meio de palavras-chave. O sítio
disponibiliza, ainda, informações sobre horário e localização, acessibilidades, normas de
conduta, ingressos, cafetaria/restaurante e lojas; e permite aceder a uma galeria de
imagens, à revista online do museu ubimuseum (inaugurada em 18 de Maio de 2012 –
ver http://www.ubimuseum.ubi.pt/) e subscrever uma newsletter.
Sob a divisa «Os fios do passado a tecer o futuro», em 2002, o Museu de
Lanifícios integra a Rede Portuguesa de Museus com as seguintes finalidades:
«salvaguardar, conservar, investigar e divulgar o património (…) e ainda contribuir para
a criação de uma rede de informação têxtil a nível europeu»529
. É neste sentido que
pretende fazer valer a classificação de interesse público e partilhar o património
reconhecido com uma comunidade mais alargada. Apesar de, à data de conclusão deste
estudo, não estarem disponíveis os números totais de visitas desde a sua abertura até ao
mês de Novembro de 2012, o Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior
registou, em 2010, 8687 visitantes e, em 2011, o número de 11 042. No ano de 2012, já
foram ultrapassados os 11 000 visitantes.
529
Informação disponível em http://www.museu.ubi.pt/?cix=2999&lang=1.
248
4.4.2. O Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda): por entre teares, farrapos e
cobertores de papa
A construção de fábricas no distrito da Guarda surgiu da necessidade de auxiliar
a actividade que existia na Covilhã e de obter volumes de produção superiores, a fim de
que satisfizessem as necessidades internas e oferecessem preços comparativamente mais
apetecíveis do que os insistentes interessados negociantes estrangeiros. Elisa Pinheiro
recorda que «penetrando ainda no mercado espanhol, porquanto seriam produzidas a
preços mais baixos do que as inglesas, o Conde da Ericeira procurou então multiplicar
os efeitos desta fabricação e promoveu a criação de novos estabelecimentos idênticos a
este». Terra igualmente favorecida de atributos geográficos e de matéria-prima e com
potencial para a criação de uma rede comercial da lã, pela presença de cristãos-novos.
A aldeia de Meios ocupa a segunda posição das mais altas de Portugal.
Embebida por uma fauna e flora faustosas, usufruindo da proximidade e da energia do
rio Mondego, actividades como a pastorícia, a agricultura e a tecelagem não demoraram
a ganhar pretendentes. Ao património paisagístico que a própria Natureza se encarregou
de gerar, outro tipo de heranças foram sendo construídas. Desta feita, com o engenho do
homem que, a partir de matérias-primas naturais como a lã, erigiu história, arquitectura
e cultura, e, depois, lhes chamou património. A tosquia dos rebanhos não só era prática
corrente como era o principiar da aventura da transformação do pêlo da ovelha em fio
de lã. Do campo para a indústria foi um passo-de-ovelha.
O Museu de Tecelagem dos Meios é a reencarnação de uma antiga fábrica de
tecelagem de cobertores de papa. A fábrica data de 1954, em laboração até à década de
1980. Os teares que podem ser vistos, hoje, no museu são aqueles que, naquelas
décadas, produziam. Alberto Dias de Almeida, seu primeiro proprietário, foi quem os
adquiriu, sendo que alguns deles eram já em segunda ou terceira mão. O Parque Natural
da Serra da Estrela foi o proprietário que se seguiu. O edifício e a sua maquinaria
comportavam-se, nesta fase (que duraria nove meses), como oficina de tecelagem com
componente formativa. «Por razões que se desconhecem, depressa esta iniciativa teve
fim e o edifício passa para as mãos da Câmara Municipal da Guarda (CMG), por
intermédio de um protocolo assinado entre as duas entidades», explica António Luís
Costa, responsável pela gestão do museu.
Desde então até ao início do terceiro milénio, a fábrica não só encerra actividade
como encerra aquilo que representava, levada pela decadência que se instalou. É, por
249
fim, com financiamento comunitário e o apoio da Associação de Desenvolvimento
Integrado da Raia Centro e Norte (PRO RAIA) e da Câmara Municipal da Guarda que,
no âmbito do Programa LEADER+ (projecto co-financiado pelo FEOGA – Orientação e
pelo Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas), se avança para
a sua recuperação. A Festa da Transumância (organizada pela Associação de
Desenvolvimento das Freguesias da Encosta da Serra – ADEFES), em 2006, celebrou
igualmente a inauguração (no dia 30 de Julho) deste novo órgão da cultura local e
regional. Este teve como primeiro suporte de vida a Junta de Freguesia dos Meios.
De fábrica de lanifícios a museu: esta conversão vem evidenciar uma atitude
preventiva para com um tipo de património, cuja área de actividade se vinha perdendo
com a desindustrialização gradual. E, como se verifica, não é caso isolado. Este espaço,
afirma Luís Costa (cuja formação incide nas áreas de Línguas e Turismo), tem como
função uterina «a possibilidade única de homenagear toda uma população deste
conjunto de pequenas aldeias que dedicaram uma vida à arte da tecelagem, desde o
humilde pastor, artesãos até ao industrial têxtil [sic]». Sobressai, por outro lado, uma
dinâmica não usual nos restantes museus. É facto que o museu apresenta um acervo,
como é de sua natureza, e constitui-se como ponto de venda de produtos artesanais, o
que não é inusitado. Mas vai mais além, mais do que falar sobre os lanifícios, a sua
história, os seus procedimentos ou fases, o museu tem ao seu serviço um tecelão (desde
Janeiro de 2007), que produz artigos vendidos pela loja do museu e por uma loja na
cidade da Guarda, e, ainda, por encomenda. O técnico superior de turismo da Câmara
Municipal da Guarda caracteriza-o como um «espaço vivo». A matéria-prima trabalhada
é fornecida pelas empresas Jopilã Fiacção (freguesia de Trinta – Guarda) – dividindo-se
por «fio acrílico, fio esfregona, trama de lã para o cobertor de Papa e barbim para as
teias, necessárias para a produção do cobertor de Papa e manta do pastor [sic]» – e
Criações Carlos Benjamin (freguesia de Tortosendo – Covilhã), da qual chega o fio
reciclado, de nome Chenille, explica o responsável pelo museu. Grosso modo, circulam
pelo museu a lã, o trapo, o algodão e o polipropileno.
A diversidade de fios permite alargar as margens de criação e de criatividade e,
em alguns casos, firmar exclusividade, de que é exemplo a «carpete em fio reciclado
tecido nos teares dos cobertores de Papa». Os tapetes são aqueles que mais se têm
disposto à variedade de materiais, cores e medidas, mas também carpetes (em fio
reciclado é de produção recente), pisas, cardos e cravos em lã, pregadeiras, chinelos de
quarto, luvas de cozinha, bases para superfícies quentes, gorros, carteiras, fronhas,
250
individuais e almofadões (puff), malas de senhora, copos para escritório. O produto capa
da região – o cobertor de papa – é bastante requisitado, mas não tem sido fácil
corresponder à procura por duas razões capitais: a míngua de mão-de-obra (trata-se
apenas de um tecelão, como se referiu) e o facto de este produto não ser finalizado no
museu. Note-se que os restantes procedimentos de confecção do cobertor exigem outros
profissionais que, igualmente, escasseiam. Os produtos manufacturados no museu já
marcaram presença em certames (como, por exemplo, feiras e festividades municipais:
Feira de S. João e Festas da Cidade) promovidos pela câmara municipal egitaniense, sob
o pelouro do Turismo, ou por outras entidades, apresentando-se como uma das iguarias
que acompanham e representam o concelho da Guarda, especificamente em feiras e
mostras relacionadas com o artesanato.
A preocupação do museu pela rarefacção de ofícios como a tecelagem – aquela,
em particular, que tem dado anima a esta instituição – convertera-se num projecto
(ainda sem resolução). À proposta de criação de um curso na área da tecelagem aliou-se
a Junta de Freguesia dos Meios. A candidatura deste projecto à EFA – Educação e
Formação para Adultos, em 2005, não surtiu efeito. A alternativa, enquanto se aguarda
novo calendário para este tipo de candidaturas, poderá passar por entidades como o
Centro de Emprego e Formação da Guarda ou a Associação de Artesãos da Serra da
Estrela. A formação prática estava pensada para integrar o funcionamento do próprio
museu, uma vez que dispõe das ferramentas de trabalho necessárias, como teares e
recursos humanos, nomeadamente o tecelão; ao passo que para a ministração do módulo
teórico, a Junta de Freguesia disponibilizaria instalações adequadas para o efeito. A par
deste projecto esfriado, outro se amornava (mas sem concretização): a Câmara
Municipal da Guarda, nomeadamente o Pelouro de Turismo, ponderou a estruturação de
workshops para o período de fim-de-semana, investindo neste formato uma dupla
vertente: a pedagógica e o lazer. A fruição do chamado tempo-livre seria, também, de
aprendizagem, num ambiente descontraído mas de igual seriedade no que concerne a
transmissão de saber. E, eventualmente, resultando no despertar do gosto pelo ofício,
para o vir a desenvolver com mais dedicação, mesmo que numa óptica de passatempo.
O Museu de Tecelagem dos Meios recebe quem o visita com um acervo centrado
na pastorícia, naquilo que as rotas da transumância implicaram e nos lanifícios. Nas
vitrinas, estantes e no chão do piso térreo, estão expostas, entre outros, tesouras de
tosquia, chocalhos, fusos, lançadeiras, pentes, órgão de tear de cobertor de papa,
caneleira, lã em bruto, entre outros. Além de telas com informação textual sobre os
251
processos de fiação e de tecelagem desde a época dos Romanos, com incidência na
região da Guarda que partilha algumas encostas da serra da Estrela. No piso superior,
estão quatro teares de grandes dimensões destinados à produção de cobertores de papa
(nomeadamente à obtenção da pisa) e dois teares de dimensões mais reduzidas,
vocacionados para a produção de «tapeçaria» de trapos (que idosos do centro de dia vão
retalhar para ocupar o seu tempo), lã e algodão. E encontram-se todos operacionais.
Luís Costa nomeia as peças envolvidas no fabrico, como a urdideira e os teares
manuais, aquelas que habitualmente suscitam mais curiosidade «porque os visitantes
têm a oportunidade de os ver trabalhar».
Num espaço intermédio (entre os dois pisos), está o cantinho etnográfico e
etnológico que exibe peças que servem de amostra representativa de utensílios que
fizeram parte do quotidiano da população de há algumas décadas, nomeadamente nos
espaços rurais, como panela de três pernas, fole, almofariz, almotolia, candeeiros a
petróleo e azeite, entre outros. Nesse mesmo recanto, está a loja do museu onde são
vendidos, igualmente, outros produtos característicos do concelho: artesanato e mel de
apicultores do concelho. Acrescente-se que, desde a sua abertura até Outubro de 2012, o
museu registou 11 915 visitantes, prevalecendo os de nacionalidade portuguesa.
4.4.2.1. O cobertor/manta de Papa
A sua naturalidade é partilhada por freguesias da encosta da serra da Estrela, de
onde se destacam Trinta e Meios (outras também se fizeram notar pelo seu fabrico
intensivo com instalações fabris, quer no concelho da Guarda: Maçainhas, Vale de
Estrela e Vila Soeiro; quer no concelho de Celorico da Beira, em Mesquitela; quer no
concelho de Sabugal, em Vila Boa).530
A churra e a merina531
são os tipos de lã
530
Cf. Documento manuscrito de Luís Costa, e ainda Elisa Calado Pinheiro, «Maçainhas (Guarda) na
Rota da Lã: dos Fios aos Desafios» in Américo Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas
de bronze de Maçainhas, p. 30.
531 As migrações dos rebanhos pela região da serra da Estrela, em função da sua alimentação, provocam o
encontro não só dos seus condutores, mas também de «animais e culturas associadas aos rebanhos e ao
pastoreio (…). Daí a diversidade de raças ovinas existentes no território nacional. (…) De entre elas,
salienta-se, pela sua importância, o merino da Beira Baixa, espécie caracterizada pela elevada resistência
e capacidade de adaptação à precariedade das condições ambientais que o rodeiam, sendo considerado o
produtor das mais finas lãs nacionais. Na área da Guarda, distingue-se uma outra raça de ovinos, a
mondegueira, originária do Alto Mondego, numa área de confluência das regiões naturais da Beira Douro,
252
predilectos, curiosamente provenientes de outras paragens e de dois pontos cardeais
opostos: a churra de Trás-os-Montes, e a merina do Alentejo. Quanto ao nome, papa, a
sua natureza é incerta, mas as estórias dão o misticismo (que não se fica pela neblina
das terras altas) que adoça este tipo de produtos, quase arrancados da terra. Ora se diz
que por ter como matéria-prima «uma lã muito fina, churra ou merina, de extrema
qualidade, o cobertor fica digno de se colocar na cama de um Papa». Ora se diz que (e
esta versão menos novelesca) se deve ao «facto de uma das fases da feitura do cobertor
de Papa se assemelhar a uma papa (quando está a ser pisoado com greda e água)», conta
Luís Costa. Os cobertores, ou mantas, podem ser de vários tipos: manta do pastor,
manta lobeira ou barrenta, manta branca, ou manta de cores.
A manta do pastor (Cf. Fig. 18, Anexos, p. 333) é tradicionalmente a manta do
quotidiano, que o pastor carregava consigo nas suas caminhadas com o rebanho,
independentemente da estação do ano. É uma manta bicolor em barras castanhas e
brancas, e é impermeável (a gordura da lã utilizada – o surro – é duradoura), apropriada
para proteger das temperaturas baixas (nomeadamente no Inverno) que sempre
caracterizaram a zona da Guarda – contribuindo para o epíteto de fria – e, sobretudo, as
freguesias de serra (actualmente abrangidas pelo Parque Natural da Serra da Estrela).
A manta lobeira ou barrenta é mais colorida (Cf. Fig. 19, Anexos, p. 334). Além
de barras brancas e castanhas, apresenta também barras amarelas, verdes e vermelhas
conseguidas por meio do tingimento antes da tecelagem. Já as mantas de cor uniforme
são tingidas após a fase de tecelagem. Dos rigorosos Invernos (e da alimentação a
forragens – safra do Verão) se passavam às Primaveras «de alimento fresco nos vales e
montes», daí «a deslocação de rebanhos comunitários para outras regiões, fosse em
plena montanha, fosse nos vales ricos da actual Cova da Beira (Alpedrinha, Idanha-a-
Velha…)». Nesse percurso que se caracteriza de transumância, o lobo era penetra
habitual. Mas, afinal, qual a relação entre o lobo e a manta, além da sibilância do nome?
Como a visão deste animal era o seu calcanhar de Aquiles, aquando «da transladação do
gado para as pastagens mais ricas e disponíveis e sempre que o rebanho era atacado por
lobos, a manta Lobeira servia como arma de defesa uma vez que as fortes cores da
manta confundia os lobos sempre que os pastores as atiçavam para o meio da alcateia
[sic]». As cores fortes das mantas atraíam estes animais, que as atacavam,
Beira Alta e Nordeste Transmontano». Esta raça é a fornecedora da lã churra, de proveito quase exclusivo
para a produção artesanal e industrial de mantas e de tapetes. Idem, p. 21.
253
desconcentrando-os do rebanho e permitindo pô-lo em segurança.
Das mantas branca e de cores, as diferenças estão precisamente na cor, isto é, no
tingimento, já que a função era a mesma: a de servir de agasalho para as camas. Ainda
que a manta branca (tecida a partir de lã branca) fosse considerada a «rainha dos mais
ousados enxovais» (Cf. Fig. 17, Anexos, p. 333). As mantas de cores são na sua origem
mantas brancas que, depois de tecidas, são tingidas com cores como o verde, o amarelo,
o vermelho ou o rosa.
Devido à alteração do paradigma social, à evolução económica e laboral, ao
aparecimento de um consumismo impaciente e à urgência de responder ao crescimento
populacional, outros produtos foram criados, de forma massificada, mas com
semelhante eficácia, a fim de satisfazer necessidades que se multiplicavam. A
consequência foi, precisamente, a conversão de determinados artigos, como a
manta/cobertor de papa, em verdadeiras peças de museu. Hoje, adjectivá-la/o de
artesanal ou tradicional não será preocupante, pelo contrário, é inclusivamente
valorizável. A extinção é, por outro lado, o grande inimigo. Isto porque as fábricas532
que existiam, de orientação artesanal, não muito atrás no tempo (na freguesia de
Maçainhas, concelho da Guarda), não aguentaram. E, com elas, vai esquecendo-se a
técnica, aqueles que nela trabalhavam, e os artesãos que já não têm herdeiros de ofício.
Dadas as especificidades climáticas (o pesado fardo da chuva, do vento, da geada e da
neve) da zona, o fabrico caseiro deste tipo de produtos não deverá ser descolado da
história e da evolução da população que começou a povoar aquelas terras. Freguesias
como Maçainhas, Meios e Trinta terão, ao longo desse povoamento, apostado nesse
sector, «fortalecendo uma produção local que, a partir dos meados do séc. XIX até
532
Regista-se a existência de uma «pequena indústria» que remonta ao reinado de D. José I, em
Maçainhas de Baixo, que se dedicava à produção de cobertores de papa. Nas fábricas, fiava-se a lã
(fiação); nos teares manuais, era tecida (tecelagem); e, nos pisões, acabada (acabamento). Estes artigos
eram produto habitual na venda ambulante pela Beira Alta (distrito da Guarda) e pela Beira Baixa (distrito
de Castelo Branco), e chegavam aos armazenistas de Viseu, Coimbra, Porto e Lisboa. Sabe-se que, das
duas cidades portuárias, a regra era exportar para Angola (vendidos em Huambo, Huila e Bailundo).
Contrariando a relativa difusão destas mantas (internacional até), com o aparecimento das fibras
sintéticas, na década de 1960, «parece que este tipo de cobertor não tem actualmente qualquer hipótese de
“sobrevivência” como agasalho de cama». Casimiro Dias Morgado, «Freguesia de Maçainhas» in
Américo Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de bronze de Maçainhas, Câmara
Municipal da Guarda/Junta de Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, p. 16.
254
meados do séc. XX, se foi industrializando».533
O Museu de Tecelagem dos Meios veio, assim, apresentar-se como refúgio desta
«arte centenária», a qual ganha outro alento, também da parte da freguesia vizinha (a
aldeia de Trinta), com a fábrica Têxteis Evaristo Sampaio Lda./Lordelo a restituir o
artigo ao mercado. A manta/cobertor de papa não era estranha/o a esta unidade fabril,
uma vez que já a produzira antes. Na oficina de tecelagem (museu dos Meios), os teares
de cobertor de papa ganham em idade ao próprio museu; por estimativa, chegando a
completar entre 120 e 150 anos os de maiores dimensões, ficando-se pelo centenário os
mais pequenos. Em pormenor, observam-se nestas estruturas «placas de “cadastro de
máquinas” da extinta FNIL – Federação Nacional da Industria de Lanifícios que
atestavam a legalidade dos teares, enquanto “máquinas industriais”». Actualmente, são
estes os seus dois únicos pólos de produção (de tecelagem, especificamente): um segue
o processo exclusivamente «tradicional»534
(os Meios) – cujo rito só reza nesta encosta
e neste local –, para contrastar com a sua âncora industrial na fábrica de Trinta. É,
também, nesta última que as mantas/cobertores de papa do Museu de Tecelagem são
acabadas/os, pelo facto de «não existir nenhum pisão em funcionamento nos moldes
antigos», finaliza Luís Costa.
As mantas do Museu de Tecelagem dos Meios são vendidas ao público com a
533
Elisa Calado Pinheiro, «Maçainhas (Guarda) na Rota da Lã: dos Fios aos Desafios» in Américo
Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de bronze de Maçainhas, p. 27.
534 As fases de fabrico do cobertor/manta de papa, segundo informações orais reunidas por Luís Costa,
são as seguintes: «1. A lã churra ou merina é lavada e fiada; 2. É tecida em teares manuais; 3. É cortada
do tear ao formar uma pisa (Conjunto de 6/7 mantas que corresponde aproximadamente a 25 kg e a um
dia de trabalho do tecelão); 4. A pisa é lavada nos pisões. O pisão consiste numa espécie de um tanque
apetrechado de dois maços de madeira em forma de pé que são accionados e batem na pisa para ajudar a
sair a gordura e sujidade da lã. É nesta fase que o batimento dos maços transforma a pisa numa massa,
muito semelhante a uma papa e que muito possivelmente explica o nome deste artigo; 5. A pisa é cardada,
numa primeira fase com carda, pequenas escovas com dentes de ferro e posteriormente numa maquinaria
muito primitiva denominada de percha que era um equipamento que possuía um tambor completamente
recheado de milhares de pontas, como se fossem pequenos pregos, à largura da pisa e ao passar
incessantemente pelos pregos, a lã era puxada, dando volume e pêlo à manta; 6. A pisa é cortada em
mantas e esticadas nas ramblas, que consistia em barras horizontais de ferro, com saliências pontiagudas
para poderem prender a pisa; 7. As mantas entram no processo de fitamento (opção) e embalamento.
[sic]» Se se pretender que o cobertor tenha uma cor não-natural, depois da lavagem no pisão, o artigo em
fabrico segue para a tinturaria, e, terminado o tingimento, é novamente lavado no pisão antes de ser
cardado.
255
etiqueta produzida pelo Turismo da Câmara Municipal da Guarda. O logótipo da CMG,
como proprietária da instituição museológica, figura numa das faces da etiqueta bem
como o do museu; na outra, informações sobre a composição e manutenção da peça e a
origem do produto. As mantas têm desempenhado, hoje em dia, outras funcionalidades
além da original. Luís Costa revela que vários interessados adquirem-nas com o intuito
decorativo, destinando-as a embelezar inclusivamente paredes.
4.4.3. O Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino (Portalegre) e a tapeçaria-
quadro
O empreendimento que se erguia na Covilhã era mais do que uma manufactura.
As palavras do superintendente traziam o coração em cada letra. Era a «imponência» da
estrutura e a «novidade» que o excitavam, mas também o vigor e o posicionamento que
a região passaria a ter no contexto nacional: «“Esta é a fábrica que como já disse
levantou dentro de Portugal o amor da Patria”535
(...) Para a sua montagem e
funcionamento foi preciso a persistência e energia de Gonçalo da Cunha Villas Boas,
representante do Conde da Ericeira na Covilhã (...) [sic]»536
. Após as experiências da
Covilhã e de Manteigas, projectam-se outras para outros locais como foi o caso de
Portalegre (e Porto), encorajando uma rede tentacular de produção manufactureira.
«Apesar de não ser comparável à espanhola, a lã do Alentejo é a de melhor qualidade do
país e fácil de trabalhar manualmente.»537
Requisitada para exportação (casas de
negócio inglesas), é desejada sobretudo para a produção de panos finos. O lugar de
principal indústria era ocupado pela tecelagem da lã.
Portalegre não era apenas terra de campos extensos, soalheiros, de dourados e
abastados pastos. Além do bucolismo que a paisagem alentejana propicia e da
actividade pastoril – também partilhada e, em determinados momentos, integrada no
percurso da mesma que se fazia mais a norte – é a lã um dos produtos que consola a
produção da província e a possibilidade de trabalho noutro patamar: o da transformação
535
Luís F. de Carvalho Dias, ob. Cit., 1.ª parte «Discurso n.º 1» remetido por Gonçalo da Cunha Villas
Boas ao Conde da Ericeira em 20 de Novembro de 1681. Doc. n.º 8, p. 105. In Jorge Borges de Macedo,
op. Cit., p. 35.
536 Luís F. de Carvalho Dias, ob. Cit., 2.ª parte, iniciada no número 50 da Revista «Lanifícios» Números
50 a 57 (Fevereiro a Setembro de 1954). In idem, p. 35.
537 A.H.U., Ministério do Reino, Maço 47, Parecer do Depositário das lãs da Real Fábrica de Portalegre
sobre as qualidades de lã no Alentejo em 14/10/1773. In Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 371.
256
(a fábrica). Ângelo Monteiro introduz a manufactura de lanifícios por meio de algumas
notas históricas que a colocam em tempos mais recuados. Localiza-a, primeiro, no
século XVI com a segurança dos escritos de Gil Vicente que alude aos «briches de
Portalegre», uma espécie de saragoça grossa (segundo o dicionário Houaiss: em têxtil,
trata-se de «tecido grosso de lã escura»); e menciona uma infraestrutura, já do século
XVII, que se imagina de grande porte por dela dizer tratar-se de uma «grande fábrica de
tecidos de lã» (para a qual trabalhava mão-de-obra considerável), abastecedora das
principais cidades do país, «pois os panos que dela saíam eram bastante aperfeiçoados e
com eles se vestia a maioria da gente portuguesa».538
A época pombalina revelou «a mais moderna das manufacturas de lanifícios, em
matéria de trabalho e construção»: «Certamente a “Real Fábrica de Lanifícios de
Portalegre”»539
, erguida em 1771 (o início) para satisfazer actividades de tecelagem de
lã e de algodão, mas terminada apenas no ano de 1779. Esta manufactura de Portalegre
resgatou interesse para aquela região. Com a expulsão de ordens religiosas (a partir de
1759), como a jesuíta, algum do seu património edificado encontrava-se devoluto. Nesta
localidade do Alto Alentejo, pela «instância» de marquês de Pombal, o edifício demente
do antigo Colégio dos Jesuítas devoto a São Sebastião (do qual o Estado se tornara
proprietário), sito na então Corredoura de Baixo (actual Parque Miguel Bombarda), foi
o local escolhido para erguer a Fábrica Real. Esta seria, também, «um centro de
instrução dos operários», prossegue Ângelo Monteiro.540
Aqui se aprendiam «os aperfeiçoados e melhores processos de fabricação
conhecidos naquela época» que constituiriam matéria de ensino levada a fábricas de
menor dimensão pelo resto do território. José Larcher, de origem francesa, foi um dos
superintendentes da Fábrica Real de Portalegre e conta-se que, por esta altura, a
qualidade dos panos obtivera a salva e o reconhecimento de ser a melhor do país, ao
nível de qualquer outro inglês, francês ou alemão. Adriano Balbi, antes da deliberação
das Cortes Constituintes para a sua venda, em 1821, exaltara essa fábrica «“como
538
Ângelo Monteiro, Lanifícios de Portalegre – Do Passado ao Presente, s/l, 1963, p. 3.
539 Jorge Borges de Macedo, op. Cit., p. 149.
540 Construção de 1605 e sétimo colégio menor, fundado pela Ordem da Companhia de Jesus em Portugal.
Ângelo Monteiro, op. Cit., pp. 4-5 e Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e
marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha),
vol. I, p. 254.
257
produtora de tecidos superfinos fabricados com lãs nacionais de boa qualidade”»541
.
Os têxteis palmilhavam a localidade. A Fábrica Pequena, nascida no seio
Larcher, e gerida pela sociedade Larcher & Sobrinhos, em 1846, produzia panos de
casimira, baetas, flanelas e outros artefactos, em diferentes padrões. Conta-se a presença
de uma outra pequena fábrica (1844), dedicada a mantas e alforges para a população
rural. Esta era dirigida por José de Andrade e Sousa (filho de Manuel Andrade e Sousa,
administrador da Fábrica Real) e José de Sousa Larcher (seu cunhado).542
Teve
diferentes moradas, ficando-se pelo sítio de São Bartolomeu, em 1849, a qual ocuparia
um edifício projectado para o efeito e que tinha já conquistado o feito de ser, entre o
conjunto fabril portalegrense, «a que apresentava mais variedade de tecidos, notáveis
pelo seu acabamento», destaca Ângelo Monteiro.
Antecipa-se, assim, a perda da Fábrica Larcher para o Banco União do Porto
que, entre 1880 e 1889, a arrendou indiscriminadamente, acabando por fechar devido à
falta de capacidade financeira. Este rol de tropelias de temperamentos543
passou a servir
uma cidade macilenta de vida fabril. Outra resolução se esperava quando o Dr. José
Frederico Laranjo, político reputado, abordou proprietários e arrendatários de várias
fábricas e José António Duro coordenou uma reunião com os interessados naquele
património, em 17 de Setembro de 1889, chegando finalmente a um acordo e a uma
organização: a Companhia de Lanifícios de Portalegre544
. Nova forma de compreender e
de integrar a actividade industrial, novos tempos para a indústria. A Fábrica de
Lanifícios de Portalegre seguia agora um ritmo de laboração e de «aperfeiçoamento»
que qualquer outra época se vira privada de ver nela. Na rua 1.º de Maio, onde antes se
encontrava a Fábrica Pequena, entravam teares mecânicos, máquinas para canelas,
pisões, lavadeiras, preparando-se para uma oficina de tecelagem mecânica e fiações
automáticas, numa área de 520 m2.545
541
Ângelo Monteiro, op. Cit., p. 6.
542 Idem, p. 6.
543 Facto que se ia repetindo em fábricas de menor dimensão. Casas estas que, antes, e até aqui, eram obra
de homens dinâmicos, mas porventura aquelas em que maior relação de consanguinidade existia entre os
seus proprietários.
544 «Segundo o n.º 2 da lei estatutária, a referida Companhia tinha por finalidade a “lavagem, fiação,
torcedura, tinturaria e fabricação de tecidos de lã, tecidos mistos ou de qualquer outra indústria análoga,
tudo na cidade de Portalegre, província do Alentejo”». Estatutos aprovados em 31 de Outubro de 1890.
Ângelo Monteiro, op. Cit., p. 9.
545 Até à data de edição deste documento factual, escrito por Ângelo Monteiro, a Fábrica localizava-se
258
No entanto, viria a ser declarada falência em 1896 e, consequentemente,
encerrada, para depois ser comprada com todos os seus apetrechos por Geoge W.
Robinson, um industrial renomado. Desde 15 de Dezembro de 1903 fora George Milner
Robinson seu administrador, se bem que até 1963546
(altura em que Ângelo Monteiro
nos permite falar dela) sucedem-se as gerências, mas, com maior ou menor empenho, o
objectivo fixado era o de tornar o artigo excepcional. Destaca-se a situação de
desassossego causada pela segunda guerra mundial, com réplicas ameaçadoras sobre a
indústria nacional. Não tardará – sentida a pressão da actividade da Firma Francisco
Fino, Lda., a partir de 6 de Dezembro de 1939 (a qual se estabelecera em frente à
Fábrica de Lanifícios de Portalegre) – o repensar a oferta e a abordagem desta última.
Reavaliara-se a qualidade, impulsionara-se a variedade, e, combinando-as, preparava-se
para a competição com os seus congéneres estrangeiros. Apostou-se na rapidez, na
segurança e na capacidade produtiva alicerçadas em modernos aparelhos e na
«remodelação das primitivas instalações». Os tecidos nacionais conseguiram romper os
mercados inglês, austríaco, suíço, sueco, dinamarquês, norueguês, entre outros, fazendo-
se presentes numa vasta região desde a Europa Continental à do Norte, e isso deve-o aos
portos portugueses. Ultrapassou-se a redoma comercial interna, apesar de continuarem a
integrá-la, mesmo quando não era simplesmente a predilecta.
«Todos os mercados passaram a ter os tecidos produzidos na Fábrica de
Portalegre, cujos mostruários pelo fino gosto e apurada fantasia dos seus padrões
ocuparam desde logo um destacado lugar.» São as palavras de Ângelo Monteiro a
confirmar o encanto e a boa aceitação dos mercados pelas peças portalegrenses. Em
1963, Monteiro descrevia a actividade da Fábrica (que o apanhara na sua
contemporaneidade) com ânimo, desde o operário dedicado à sua especialidade que, em
conjunto com os demais, trabalhava para um tecido perfeito: «as casimiras de alta
qualidade e os cheviotes de fino acabamento» e o célebre «Terylene de sua
especialidade» e «os tropicais de lã-mohair», dos quais detinha exclusividade. E assim
termina o seu relato histórico sobre os lanifícios em Portalegre, que «não são apenas
pretensioso motivo de propaganda regionalista, mas sim produtos que, pela perfeição
indiscutível do seu acabamento, estão sendo verdadeiramente apreciados dentro e fora
ainda na mesma rua. Os administradores-delegados eram António Joaquim de Sousa, Francisco António
Lima e José António Duro, e Silva Pinto como sócio capitalista. Idem, p. 9.
546 Três anos antes, assumiam a direcção Guy Roseta Fino, Manuel Roseta Fino e Dr. Francisco José
Roseta Fino (os sócios-gerentes) e Virgílio Alves da Silva (gerente).
259
do nosso país».547
A Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre viria a ser recuperada recentemente,
no século XXI, para nela se instalar a Câmara Municipal. Contudo, o restolho dos
lanifícios não foi sofreado por carcaças. Além da recuperação de estruturas e de
refuncioná-las – albergando serviços importantes na gestão da vida quotidiana local e
regional, e da sua representação na dimensão macro –, a história e a presença das lãs
têm ainda outros feitios. Surge, assim, o Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino
de duplo carimbo – histórico e artístico – para responder, em primeiro lugar, às funções
fundadoras deste tipo de organismos: a de conservar, preservar e fazer perseverar o
património, mas também para enaltecer uma faceta do trabalho da lã, a artística.
Assume-se esta instituição, inaugurada em 14 de Julho de 2001, como espaço de
«apresentação, conservação e estudo» das tapeçarias de Portalegre.548
Este museu de
arte têxtil, como é tipificado (da mesma forma lhe é atribuída a classificação de museu
de arte contemporânea), encontra-se sob tutela da Câmara Municipal de Portalegre,
erguido com a assistência do Instituto Português de Museus (agora Instituto dos Museus
e da Conservação) e da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre – esta última no que
diz respeito à constituição do acervo. Guy Fino, um industrial dos lanifícios
portalegrenses, conseguiu incluir e projectar Portugal na rota internacional da produção
de tapeçaria artística, daí a homenagem a esta figura na designação do próprio museu.
Foi granjeando estatuto como defensor e perpetuador de uma das tradições locais,
transgredindo favoravelmente a sua realidade física uma vez que «tem vindo
progressivamente a consolidar-se como um grande pólo de atracção turística de toda a
região, sendo actualmente o mais visitado de todo o concelho», revela Paula Fernandes,
responsável pelo museu.
São 1200 m2 de área de exposição permanente, uma galeria de 250 m
2 destinada
a exposições temporárias, um auditório, um foyer e um jardim, antigas assoalhadas da
Casa dos Castel-Branco549
, erguida na primeira metade do século XVIII. Os dois
últimos são espaços de pausa/lazer, disponíveis para segundas utilizações de âmbito
lúdico e cultural. A galeria de exposições temporárias tem a particularidade de estar
547
Ângelo Monteiro, op. Cit., p. 11.
548 Ver http://www.cm-portalegre.pt/page.php?page=618, acedido em 7 de Novembro de 2012, às 15h54.
549 No portal, fachada principal, é visível o brasão de armas da família Castel-Branco, que enobrece o
centro histórico da cidade. Cf. Cópia do artigo extraído do Jornal Fonte Nova – semanário da região de
Portalegre, n.º 1424, de 23 de Janeiro de 2007, cedido pelo Museu da Tapeçaria de Portalegre.
260
situada entre duas muralhas, a medieval e a setecentista, a definir os seus 7 metros de
altura. Este espaço está, assim, apto a receber actividades, acontecimentos e iniciativas
externas ao Museu da Tapeçaria com especial predisposição para a arte contemporânea
(com cada vez mais espaço na cultura, no interesse do público e na valorização)550
, mas
com abertura para diferentes áreas, temas e executores. A colecção é movimentada (em
adições) observando o ritmo e o rumo dos movimentos artísticos contemporâneos, mas
expõe, igualmente, uma dimensão técnica (que é estruturante) e com ela histórica. Isto
porque leva o visitante a retroceder à aura laneira da localidade, à biografia industrial
têxtil local mas integrada num contexto de indústria dos lanifícios mais alargado – dado
que estão implicadas relações com outras regiões como a da Beira Interior, como já foi
referido –, e à biografia da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre com o seu clímax
na Tapeçaria Moderna portuguesa. O museu tem como um dos seus objectivos
«diversificar as perspectivas do público em relação aos processos de criação artística e
de execução da tapeçaria, continuando deste modo a promover e a divulgar esta arte,
tanto a nível nacional como internacional».551
Entre dois pisos é contada a história da tapeçaria de Portalegre. No piso térreo,
os factos e o khrónos; as provas áudio, visuais e textuais, como um filme introdutório
sobre o percurso da fábrica de tapeçarias; os placares com informações relativas ao
trajecto da manufactura, tendo como marcadores datas importantes; as fases da
tapeçaria; instrumentos como dobadoura, cartões para tapeçaria (imagem prévia da obra
pictórica em tapeçaria moderna, onde é possível ver os traços como esboço daquilo que
o quadro virá a ser em tapeçaria) e tear vertical, entre outros; noutra sala, a paleta de
cores em fios de lã utilizados no fabrico de tapeçarias (uma verdadeira pantone); ou a
primeira tapeçaria manufacturada. Resumindo, do contexto histórico aos procedimentos
técnicos do ofício. Já o piso superior está reservado a exemplares de tapeçaria, que
abordam os visitantes como autênticos quadros. Peças que de artesanal e de belas-artes
têm em igual proporção sem que cada metade desmereça a outra ou se sobreponha. São
indivisíveis. Em igual nobreza se apresentam como obras de arte de progénie artesanal.
O início desta fase da exposição procura ser sincrónico com o florescer da tapeçaria
portalegrense, isto é, dos finais da década de 1940 até à actualidade.
Em tapeçarias se vêem desenhos de João Tavares, Almada Negreiros (Cf. Fig.
550
Cf. Francisca Hernández Hernández, op. Cit., p. 128.
551 Entre 2001 e Dezembro de 2011, o museu registou a presença de 80 705 visitantes.
261
23, Anexos, p. 336), Guilherme Camarinha, Maria Keil, Júlio Pomar, Júlio Resende,
Vieira da Silva, Maria Velez, Costa Pinheiro, Sá Nogueira, Lourdes de Castro, Eduardo
Nery, Menez, Graça Morais, José de Guimarães, Carlos Calvet, Milly Possoz, Jean
Lurçat ou Edouard Jeanneret (Le Corbusier), Joana Vasconcelos (aclamada em Portugal
e no estrangeiro nos últimos anos – cf. Fig. 24, Anexos, p. 337), entre outros. Entre
artistas nacionais e estrangeiros (por iniciativa própria ou a convite da Manufactura de
Tapeçarias), são mais de duzentos os perpetuados em tapeçaria. Dada a sua
representatividade numérica, o programa museológico da exposição permanente é
regido por um princípio de rotatividade, daí não ser «uma colecção permanente podendo
o público encontrar sempre novos motivos de interesse em cada visita ao museu», como
se pode ler no texto de apresentação do museu na página do sítio de Internet da Câmara
Municipal de Portalegre relativo ao Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino (ver
http://www.cm-portalegre.pt/page.php?page=618).
A actuação do museu estende-se a entidades públicas e privadas, e ainda a
particulares – sejam eles locais, nacionais ou internacionais, desde o Sport Clube Estrela
de Portalegre, o Agrupamento de Escolas Cristóvão Falcão, a Faculdade de Belas-Artes
da Universidade de Lisboa, o Museu da Presidência da República, o Museu de
Lanifícios da Universidade da Beira Interior e a Institucion Ferial de Badajoz (IFEBA)
–, estabelecendo parcerias quanto à «cedência graciosa» deste tipo de artefactos,
«contribuindo assim para a diversificação e enriquecimento da colecção».
Os objectivos do museu passam por captar, entrosar e dinamizar a comunidade
local, bem como promover o «desenvolvimento cultural» desse mesmo colectivo, da
cidade e da região. Para tal, recorre-se a acções alternativas e complementares às
exposições permanente e temporária (as práticas de base e imediatamente associadas ao
âmago de um museu), como conferências, concertos, festas escolares, sessões de
cinema, e outras capazes de elevar a arte contemporânea a um patamar de visibilidade
pouco habitual e convidativo. As escolas são um alvo cirúrgico. Dentro da oferta do
museu que se prolonga por todo o ano, são abordadas sob um ângulo pedagógico, mas
todas as faixas etárias são percorridas – desde o pré-escolar à população sénior. A
educação e o diálogo activo (e reactivo, que é o que se espera) com a comunidade (e
com um público cada vez mais heterogéneo), servindo-a, são o que se impõe ao serviço
educativo552
, e ao museu como um todo. Já a programação do museu está a cargo da
552
As actividades realizadas por este serviço são gratuitas, mas requerem marcação prévia.
262
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, sob direcção de Vera Fino, desde 2012.
As tapeçarias portalegrenses também fazem escala em mostras e conferências
nacionais e internacionais, possibilitando a diáspora deste tipo de património.
Divulgação que não exclui os cartazes, os folhetos, os muppies, os catálogos de
exposição, a agenda cultural do município, os comunicados e as visitas de imprensa, a
representação cibernética por meio do sítio online da Câmara Municipal e o facebook.
Do qual não se aparta o trabalho do serviço educativo e das próprias visitas guiadas.
Guy Fino conhecia a Indústria de Lanifícios e soube apresentar a tapeçaria como
uma outra forma de expressão plástica aos artistas. Manuel do Carmo Peixeiro foi o
«“inventor”» do afamado ponto de Portalegre que, pelo seu desenvolvimento plástico
(cores e técnica, proporcionando «uma total fiabilidade na interpretação do desenho»),
foi adquirindo características facilitadoras da reprodução de pinturas, conferindo-lhes a
expressividade pictórica e a emoção que os quadros transmitiam. Este projecto teve
como núcleo fundador os irmãos Fino e Manuel do Carmo Peixeiro.553
Nascia uma nova
indústria artística, para a qual Guy Fino e Manuel Peixeiro trabalharam conjuntamente
nos primeiros contactos com os artistas. «A tapeçaria de Portalegre parte sempre de um
original de um pintor, que é transposto para um outro suporte a uma outra escala. É, no
entanto, muito mais do que uma simples reprodução», explica Paula Fernandes.
A aproximação do público estudantil (infantil) ao museu foi, curiosamente, por
meio de sessões de cinema. Ao convidar as escolas a levarem os seus alunos ao museu
para visualizar filmes infantis, foi possível entregar «convites para visitarem o museu,
com os quais seguia um plano de actividades de serviço educativo para escolherem uma
553
Numa algibeira, um país de forte tradição têxtil, na outra, a narração das conquistas e dos
acontecimentos empreendidos estóica e bravamente pelo seu povo em tapeçarias de proveniência
francesa e flamenga (por encomenda). Uma atitude pouco afoita perante tais actos patrióticos da nação. O
século XVIII foi um período de oportunidade para a tapeçaria portuguesa. Sem tradição até aqui e sem
parte considerável das peças, destruídas pelo terramoto de 1755, marquês de Pombal fez duas tentativas
(em Lisboa e em Tavira) – duas fábricas de tapeçaria que não vingaram. Passam-se, assim, quase dois
séculos, quando Portalegre se arreiga nesta área. Os amigos Guy Fino e Manuel Celestino Peixeiro
interessaram-se por «fazer reviver a tradição dos tapetes de ponto de nó, em Portalegre», corria o ano de
1946. No entanto, dois obstáculos se apressaram: a concorrência e a viabilidade – de grandezas trocadas.
Perante a situação, «Manuel do Carmo Peixeiro, pai de Manuel Celestino, desafiou os dois jovens a fazer
tapeçaria mural com um ponto inventado por ele, anos antes, enquanto estudante têxtil em Roubaix. (…)
A primeira tapeçaria surge em 1948 sob cartão de João Tavares». Ver
http://www.mtportalegre.pt/pt/amanufactura/historia.
263
actividade [sic]». Isto porque após um ano da sua abertura, esta instituição não tinha
verificado a presença deste tipo de público, particularmente as escolas das freguesias
rurais. Esta «estratégia» foi igualmente accionada para atrair «crianças com
necessidades educativas especiais» e a população sénior do concelho, tornando o museu
não só num espaço de convívio, como o local onde haveriam de ter a primeira
experiência cinematográfica das suas vidas numa sala de cinema.
Em 2008, aperceberam-se de que o museu era ainda desconhecido (fosse o seu
conteúdo ou mesmo a sua localização) para uma parte significativa da população local,
ou seja, «o museu não fazia parte da comunidade», com a agravante de não poderem dar
resposta às perguntas dos turistas. Neste caso, a estratégia passou por um convite a toda
a população portalegrense para se juntar às comemorações do 7.º aniversário do museu,
dia em que teriam um horário especialmente alargado (das 19h às 21h), com «animação;
visitas orientadas; tecedeiras dentro do museu a fazerem tapeçaria». O dia prolongou-se
quase até à meia-noite e tiveram a presença de cerca de cinco centenas de pessoas, das
quais grande parte nunca o tinha visitado. Estas passaram a ser frequentadoras regulares
e a marcar presença nos certames organizados pela instituição.
No ano seguinte, em 2009, a lacuna encontrava-se nos adolescentes, um público
que consideraram ser «difícil de cativar». Mais uma vez, o aniversário foi o pretexto, no
qual foi concebida uma «visita-jogo – jogo educativo e temático» e um «espectáculo
musical» de sonoridades Pop/Rock e Hip Hop. A responsável pelo museu acredita que
esta «actividade tornou o museu num espaço cultural mais apetecível, quebrando as
barreiras e preconceitos que muitos jovens tinham em relação ao espaço Museu». Os
resultados observaram-se nos 100 jovens que responderam positivamente às actividades
programadas, transformando-os em mensageiros do museu e das suas actividades aos
seus círculos de contactos familiares e amigos. A esperança estava no de-boca-em-boca
que se seguiria. A divulgação e o dinamismo avançaram para outras concepções e
colaborações, tendo sido estabelecida, no biénio de 2010/2011, uma parceria com a
Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, para a «realização das Exposições
Colectivas de Tapeçaria Contemporânea ARTELAB.21 onde participaram 21 jovens
artistas», a culminar, em 2011, com «a exposição Artelab Futuro Tapeçaria
Contemporânea».
A cidade industrial ao vapor dos lanifícios e da cortiça Robinson554
foi cedendo à
554
George Wheelhouse Robinson, outro industrial empreendedor no debutar do século XX, é descendente
264
«conversão de algumas indústrias e fecho de outras» e ao gradual envelhecimento da
população. Hoje, os serviços são o maestro de empregabilidade. «Estas alterações
reflectiram-se em meados dos anos 80 num progressivo desinteresse a nível da
sociedade civil em relação aos hábitos culturais dos portalegrenses», lamenta Paula
Fernandes. Na tentativa de contrariar o ignaro destino cultural que se vislumbrava, a
Câmara Municipal de Portalegre em parceria com a Fundação Robinson lançaram-se na
«requalificação estrutural de todos os espaços culturais», entre os quais a adaptação do
Palácio Castel-Branco para receber o Museu da Tapeçaria. Assim, passaram a estar ao
dispor espaços como o Museu Municipal, a Casa Museu José Régio, o Centro
Interpretativo do Castelo de Portalegre, o Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino,
o Museu Robinson (com o Núcleo da Igreja de São Francisco), o Centro de
Conservação e Restauro, a Biblioteca Municipal e o Centro de Arte do Espectáculo. Na
cadeia de transformações, optou-se por caminhar no sentido da maximização de
«sinergias» e de «recursos» de cada um destes instrumentos culturais locais – ponteiros
históricos e identitários – em prol de um «programa de intervenção conjunta (com uma
abordagem estrutural em rede), de forma a estabelecer uma oferta sustentável e
contemporânea», atesta Paula Fernandes. O ponto é «trabalhar em rede».
Numa breve retrospectiva pelas origens do ponto de Portalegre, apercebe-se de
que esta é, na verdade, uma tradição recente, mas já património nacional. «Um passado
relativamente recente que, em pouco tempo, se tornou tradição e uma mais-valia
preciosa da região», ainda de acordo com Paula Fernandes, com um impacto
sociocultural e económico penetrante. Essa rápida aceitação foi surpresa para os seus
promotores: «Nunca pensámos que a tapeçaria portuguesa pudesse vir a ter a projecção
internacional que hoje tem»555
– são as palavras de Guy Fino. Como testemunho deste
directo do primeiro Robinson que se acercara de Portalegre, sensivelmente em 1835, contemporâneo de
uma outra família inglesa de apelido Reynolds que já «explorava» cortiça na zona. Manuela Mendes,
«Espaço Robinson. Síntese Histórica sobre a actividade da Fábrica de Cortiça Robinson em Portalegre»,
Câmara Municipal de Portalegre, Janeiro de 2003, p. 1. Ver http://www.cm-
portalegre.pt/resources/2080/zoom/robinson.pdf, acedido em 9 de Novembro de 2012, às 12h20.
555 Guy Fino, «Introdução», Portugal. Presidência do Conselho. Secretaria de Estado da Informação e
Turismo (Ed. lit.); Guy Fino (Introd.), 22 Anos de Tapeçaria da Manufactura de Portalegre, Palácio Foz,
Lisboa, Março de 1969, Lisboa, Secretaria de Estado da Informação e Turismo, 1969. Pintores de países
como França, Bélgica, Suíça, Inglaterra, Suécia, África do Sul, Austrália, Brasil, Espanha, entre outros,
realizaram trabalhos em tapeçaria de Portalegre, e as obras produzidas transpuseram as colecções
particulares, para integrar instituições de «renome mundial». A Manufactura de Portalegre dá os seguintes
265
interesse pela tapeçaria portuguesa, o industrial português conta que abordaram Jean
Lurçat («pintor francês e pai da Renovação da Tapeçaria no Mundo») com o intuito de
que este tivesse a sua experiência na Manufactura de Portalegre.556
«Custou a
convencer», admite Fino, mas, em 1958, anui à insistência do convite para visitar a
Manufactura e rende-se a uma colaboração (a primeira internacional) que findou apenas
com a hora da morte de Lurçat, em 1966. Reza a história que, nesta visita, Guy Fino
põe, lado a lado, uma tapeçaria francesa (oferecida à esposa de Fino por Lurçat,
inclusivamente) e uma réplica sua portalegrense. «Convidado a identificar a tapeçaria
francesa, Lurçat escolheu a tecida em Portalegre. Mais tarde veio a considerar as
tecedeiras de Portalegre como as melhores tecedeiras do Mundo.»557
A Manufactura de Tapeçarias de Portalegre é a fiadora do Museu da Tapeçaria
quanto às colecções que este expõe, com um calendário de empréstimo regular. Além de
benemérita, a Manufactura colabora igualmente com o museu na organização de
exposições. A ascensão do ponto de Portalegre e da tapeçaria, por consequência, tem
exemplos: em Portugal, além de organismos oficiais e de bancos nacionais como a Caixa Geral de
Depósitos e o Banco de Portugal, podem ser apreciadas na Culturgest e na Fundação Calouste
Gulbenkian; na Austrália, no Supremo Tribunal de New South Wales; na Alemanha, no Governo de Bad-
Wurtemberg; no Tribunal de Justiça Europeu, no Luxemburgo; no Palácio do Governo, em Brasília.
Desafortunadamente, a revolução de Abril de 1974, a cautela mundial decorrente do rebuliço político e
social português, e a produção manual acabrunharam «o grande mercado de exportação, principalmente
para os Estados Unidos da América», resume a Manufactura de Portalegre
(http://www.mtportalegre.pt/pt/amanufactura/historia). Neste caso particular, dissipando-se
repentinamente «com o cancelamento de muitas encomendas em curso». Porém, mantiveram-se as suas
características e a sua contemporaneidade, procurando sempre ampliar o leque de artistas e teimando no
além-fronteiras. O estado actual da Manufactura de Portalegre marcha para a internacionalização (com
exposições em Roma [Itália – Novembro de 2011], Versalhes [França – Setembro de 2012, a acompanhar
a exposição da artista Joana Vasconcelos], no aeroporto de Lisboa [Portugal – Setembro a Novembro de
2012], São Paulo [Brasil – entre 7 de Dezembro de 2012 e 10 de Março de 2013, nas comemorações do
Ano de Portugal no Brasil]). Cf. http://www.mtportalegre.pt/pt/noticias. 556
Lurçat e outros tapeceiros franceses resistiram à tapeçaria de Portalegre. Contudo, a exposição A
Tapeçaria Francesa da Idade Média ao Presente, em 1952, propiciou o encontro, em Portugal, destes
ilustres com a técnica portuguesa «inovadora» e o seu confronto com a francesa. Nesta exposição do SNI,
Guy Fino apresentou duas tapeçarias sob cartão de Guilherme Camarinha, tecidas para o Governo
Regional da Madeira. «Os técnicos franceses, convidados a visitar esta exposição, admiraram a técnica e
a perfeição conseguida com o ponto de Portalegre. Estavam lançadas as tapeçarias de Portalegre», assim é
descrita a sua reacção, com excepção de Lurçat. Ver http://www.mtportalegre.pt/pt/amanufactura/historia. 557
Ver http://www.mtportalegre.pt/pt/amanufactura/historia.
266
despontado a localidade para um certo reconhecimento associado àquele produto. A
análise do desenvolvimento do país, por Paula Fernandes, é pessimista, observando um
«crescimento assustadoramente assimétrico» a pender favoravelmente para o Litoral. O
museu, a tapeçaria e o ponto surgem como tentativa de «reforça[r] o sentimento de auto-
estima, dado que os seus produtos são sinónimo de excelência e reconhecidos
internacionalmente como tal» e como «elemento[s] agregador[es] e de construção
identitária de uma região». Em seu benefício está o facto de este tipo de tapeçaria ser
«única no mundo», estrutural e esteticamente, que faz dos turistas «um dos principais,
senão o principal público do museu».
No campo da divulgação, o museu trabalha com a Entidade Regional de Turismo
na criação de materiais promocionais multilingues; no terreno, o exemplo vem da acção
coordenada entre o Serviço Educativo e o Serviço de Turismo e Eventos do Município
com actividades como «“Passeios de Ouro pelo Património de Portalegre”», integrados
no programa «“Matinés de Ouro”». O público-alvo desta iniciativa é o sénior e visa
«dar a conhecer aos visitantes a tradição dos lanifícios em Portalegre e a sua ligação à
Tapeçaria de Portalegre», com uma visita ao Museu, um encontro com a chefe do
executivo municipal e um lanche-convívio no Castelo. Ainda como forma de projecção
turística, avança-se para as «exposições de arte contemporânea em rede, de forma a
criar itinerários turístico-culturais na cidade e dar a conhecer, a par do museu da
tapeçaria, os outros espaços culturais do Município». Paula Fernandes conclui,
afirmando que «as tapeçarias e o museu estão sempre presentes nas acções
promocionais levadas a cabo pelo Município».
4.4.3.1. A técnica: o ponto artístico
Aquilo que distinguia a tapeçaria de Portalegre de qualquer outra era o facto de
se pretender «uma tapeçaria inteiramente portuguesa». Tecnicamente, isto traduzia-se no
seguinte: enquanto o ponto tradicional cumpria o «cruzamento simples da teia com a
trama decorativa, com cosimento posterior das zonas de cor justapostas no sentido da
teia», a tecelagem de tapeçaria portalegrense adoptaria o «envolvimento da teia pela
trama decorativa, com a inclusão duma trama de ligação a evitar o cosimento das zonas
de cor justapostas no sentido da teia», explicava Guy Fino. Pretendia-se fidelidade ao
desenho original, e não propriamente uma reprodução. Preservar ambas as identidades:
a da tapeçaria tradicional – enquanto peça artesanal que é, de suporte e materiais
267
característicos – e a das obras dos artistas. O resultado plasmava-se nos «mesmos
efeitos, a mesma interpretação fiel dos cartões dos artistas, como se de técnica
tradicional se tratasse. O aspecto final da superfície decorativa, a face da tapeçaria, era
tão semelhante que os próprios conhecedores se enganavam»558
. Até 1969, o Estado
português era o seu maior cliente, acompanhado de alguns particulares. Um dos
aspectos relevantes deste tipo de trabalho é o envolvimento do próprio pintor, com
espaço para intervir e acompanhar o processo. Percebe-se, assim, o argumento de não se
tratarem de réplicas por pura imitação, mas de um trabalho criativo cuja índole
significante engloba dois mundos.
4.4.3.2. O processo de manufactura da tapeçaria
Esta técnica manual tem como base uma obra original de pintores (em cartões
para tapeçaria). Este é redimensionado – nomeadamente, ampliado (Cf. Fig. 20, Anexos,
p. 335) –, ganhando a configuração do tamanho real do produto final. Nesta fase,
recorre-se a um papel quadriculado específico, «em que cada quadrícula representa um
ponto (desenho de tecelagem). A desenhadora trabalha o desenho, tendo em atenção os
contornos, as formas, as tonalidades das cores e todos os pequenos detalhes que a
tecedeira deve ler e traduzir em tecelagem [sic]». A etapa seguinte centra-se nas «cores
da paleta de lãs». A escolha das mais adequadas exige uma rigorosa análise que é feita
de entre as mais de 7000 possíveis na Manufactura de Tapeçarias. «A trama decorativa é
composta por oito cabos, permite misturar fios de diferentes cores permitindo realizar,
desta forma, efeitos de profundidade, transparência e de sobreposição de planos», pode
ler-se no sítio de Internet da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre.
No desenho de tecelagem, as cores têm uma correspondência numérica, e as
«aguadas» de cor mapeiam-no como código de «identificação da trama a usar». Este
desenho (de tecelagem – suspenso no tear tal como os novelos de lã) é a planta original
de que as tecedeiras se servem para realizar o trabalho «em teares verticais, do lado do
avesso, começando pela base. A trama decorativa (100% lã) envolve completamente os
fios da teia, correspondendo a uma densidade de 2.500 pontos/dm2 [sic]. A tapeçaria
cresce horizontalmente. Depois de cada passagem da trama decorativa há a introdução
de uma fina trama de ligação, invisível na tapeçaria acabada, pois fica escondida pela
558
Guy Fino, «Introdução» in Portugal. Presidência do Conselho. Secretaria de Estado da Informação e
Turismo (Ed. lit.); Guy Fino (Introd.), 22 Anos de Tapeçaria da Manufactura de Portalegre.
268
espessura da trama decorativa» (Cf. Fig. 21, Anexos, p. 335). Assim nasce uma
tapeçaria mural decorativa portalegrense (que pode atingir dimensões generosas, como
os 482 cm x 1162 cm da tapeçaria Leitura Nova, de 1969, de Guilherme Camarinha,
exposta na parede frontal da Sala de Leitura Geral da Biblioteca Nacional de Portugal
[BNP], em Lisboa [Cf. Fig. 22, Anexos, p. 336])559
, com as benesses da fácil leitura da
composição (uma vez que a lã é menos brilhante do que o óleo) e da regulação acústica
e térmica do espaço onde é colocada. Uma tapeçaria de Portalegre pode ser exemplar
único, ou produzida «em séries limitadas» de «4 ou 8 exemplares, numerados e
autenticados pelo artista através da sua assinatura no “bolduc” – certificado de
autenticidade – que inclui também título, número e dimensões da peça».560
O que se poderá dizer acerca da união entre artesanato e arte contemporânea?
Não é comum fazer-se arte contemporânea com fios de lã, mas é possível estipular
novos objectivos quer para a tapeçaria quer para a arte contemporânea. Um outro
material de suporte de expressão artística e, forçosamente, uma diferente leva de
significados – porque o significante quadro não é o mesmo que o significante tapeçaria.
Duas histórias diferentes, duas evoluções distintas, mas não incompatíveis. Torna-se
imperioso que o museu saiba como exprimir e comunicar as simbioses (que juntam
modalidades criativas diferentes) e como levar o público a apreciar o antigo e o
contemporâneo simultaneamente e em irrepreensível coexistência. Neste caso, e sem
artifícios, o próprio produto, a própria peça – a tapeçaria –, assume ela própria a união
entre o antigo e o contemporâneo, além daquilo que a instituição possa oferecer.
4.4.4. Breve análise da experiência museológica no Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior, no Museu de Tecelagem dos Meios e no Museu da
Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino: interpretação de questionários
Com o objectivo de aferir a relação entre os três museus em estudo e as
comunidades locais e regionais em que se inserem, bem como o modo como
559
Paula Levy, Ana Cristina Leite, Vera Fino et al. (Coord.), Tapeçarias de Portalegre em Lisboa,
Edifício Central do Município, Lisboa, de Novembro de 2009 a Abril de 2010, Lisboa, Câmara Municipal
de Lisboa, 2010, p. 27. (Ver http://tapecariasdeportalegre.cm-
lisboa.pt/fileadmin/TAPECARIAS_DE_PORTALEGRE/Catalogo/catalogo4.pdf)
560 Cf. A Manufactura. A Tapeçaria de Portalegre: Uma obra de arte tecida com obras de arte in
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, disponível em http://www.mtportalegre.pt/pt/amanufactura,
acedido em 11 de Novembro de 2012, às 18h53.
269
comunicam com os seus visitantes, elaborou-se um pequeno questionário. Entre os
meses de Julho e Novembro de 2012, foi disponibilizado (nas línguas portuguesa e
inglesa), em semanas específicas, no Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino
(Portalegre), no Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda) e no Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior (Covilhã), para que os visitantes respondessem por
escrito. Foram devolvidos, preenchidos, 75 questionários (de um total de 120, divididos
por três conjuntos de 40): 27, mais 13, mais 35, respectivamente. O propósito inicial era
o de que as respostas viessem a ser aqui utilizadas de modo meramente indicativo – para
registar uma tendência. Também, por isso, será feita uma primeira análise
individualizada às respostas recolhidas em cada um dos museus, sublinhando-se depois
as situações em que haja uma clara tendência, mas sem procurar indicadores médios ou
estatisticamente rigorosos, dada a variabilidade na quantidade de respostas em cada uma
das instituições.
Do ponto de vista da proveniência, o Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy
Fino destaca-se por ser aquele que apresenta mais visitantes estrangeiros (11),
salientando-se a dispersão geográfica: Espanha, Israel, Suécia, Austrália, Estados
Unidos da América, Holanda, Dinamarca e Brasil. No que diz respeito a turistas
portugueses, a grande maioria era proveniente da Grande Lisboa (nove). A média de
idades ultrapassou a faixa dos 46 anos (verificada em 24 respostas), e 19 disseram ter
formação superior dispersa pelas áreas das Artes e Letras, Economia, Engenharia,
Matemática, Saúde, Ambiente e Turismo. Apesar do elevado número de estrangeiros,
nenhum disse ter tomado conhecimento do referido museu por meio da Internet (ou de
publicidade); as informações de posto de turismo e as indicações de unidades hoteleiras
foram as respostas mais indicadas, seguindo-se a sugestão de conhecidos e, ainda,
outras vias. No que diz respeito às motivações para visitar aquele espaço, o interesse
pela temática dominou, seguindo-se factores casuais e, em dois casos, a ligação à
localidade/região – sem que nenhum deles tenha admitido alguma ligação familiar,
profissional ou de outra ordem à temática do museu.
Quanto à apreciação da exposição, foi valorizada a diversidade da colecção e a
organização da exposição. Nas instalações do museu, destacaram, na mesma medida, a
arquitectura do edifício, a organização dos espaços e a circulação entre eles. Ninguém
acentuou a utilização de novas tecnologias de informação e comunicação (cuja aposta é
depois solicitada por alguns dos visitantes). Ainda assim, a maioria dos visitantes
entende que o que mais gostaria de ver melhorado nas instalações é a informação sobre
270
a colecção. Por fim, a esmagadora maioria (23) reconhece que não visitou nem conhece
outro museu relacionado com a temática e cerca de metade assume que gostaria de
visitar tais espaços.
O Museu de Tecelagem dos Meios apresenta um perfil (tanto quanto possa ser
traçado) menos envelhecido. Por outro lado, 10 dos 13 visitantes residem no concelho
de implantação do Museu – a Guarda. É também o museu com maior dispersão no que
diz respeito ao nível de escolaridade, como se pode ver na tabela anexada (ver tabela,
Anexos, pp. 340-342): também aqui predomina a formação superior, mas com alguma
(relativa, sublinhe-se) expressão de níveis de ensino prévios. A sugestão de conhecidos
é a forma mais habitual de tomada de conhecimento do museu, e o interesse pela
temática o que mais frequentemente motiva a visita, seguindo-se a ligação à região.
Relevante, neste particular, é o facto de sete das 13 pessoas que responderam assumirem
ligações à temática do museu.
Por isso, é fácil compreender as respostas subsequentes. A proximidade com os
objectos foi o que mais os cativou na exposição, além de alguns objectos em particular,
como os teares e o produto final (cobertores, mantas, tapetes). Já no que diz respeito às
instalações museológicas, a arquitectura do edifício foi o mais valorizado. À
semelhança do sucedido em Portalegre, também nos Meios (Guarda) nenhum visitante
destacou os recursos multimedia. Por seu turno, os aspectos a melhorar concentram-se
no pedido de mais informação sobre museus da mesma temática, seguindo-se reparos
quanto ao conforto térmico no espaço. Relevante é também o facto de, apesar de ter sido
o museu com menor número de questionários resolvidos, ser aquele cujos visitantes
maior conhecimento têm de outros espaços similares: as quatro pessoas que respondem
afirmativamente assinalam o Museu de Lanifícios (Covilhã). Algumas pessoas que
responderam à questão anterior acabaram por o fazer também na última, somando-se
nove os que pretendem visitar outros museus afectos à mesma temática.
Por último, o Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã) é
aquele que apresenta maior número de respostas. Com registo de um turista francês e de
quatro visitantes da região, Grande Lisboa e Grande Porto são os principais pontos de
origem, havendo depois proveniências dispersas. Quase todos os visitantes contam entre
26 e 65 anos e a grande maioria tem formação superior: destacam-se o Ensino, as
Letras, as Engenharias, a Economia e a Gestão. A Internet é aqui o principal veículo de
primeiro contacto e atracção de visitantes, seguindo-se de perto a sugestão de
conhecidos, publicidade e informação em postos de turismo. Assim se compreendem as
271
respostas sequentes: enquanto motivação da visita, o interesse pela temática é a mais
referida, seguida da ligação à região. Seis dos 35 visitantes assumem ligações de algum
tipo à temática. A organização da exposição, a proximidade com os objectos e a
diversidade da colecção são, por esta ordem, os principais destaques relativamente à
exposição. Quanto às instalações, é a organização dos espaços a proporcionar maior
satisfação. A melhorar recomendam-se as novas tecnologias da comunicação. Também
como fragilidade do museu covilhanense são indicadas as informações sobre a colecção
e sobre museus da mesma temática. A esmagadora maioria dos visitantes inquiridos não
conhece outro museu do género, e 17 dos 35 dizem-se interessados em visitar tais
espaços. Seis desses 17 vincam mesmo que a visita despertou interesse em conhecer
melhor a temática, um outro refere a relevância do tema na história da região e outro
ainda assinala o gosto pelas tradições locais.
Numa abordagem global aos resultados combinados dos questionários levados a
cabo nos três museus, podem tirar-se algumas conclusões. Primeiro, quanto ao tipo de
visitante: na sua maioria adultos em idade activa (sobretudo entre os 46 e os 65 anos) e
com formação superior (50 num total de 75). A sugestão de conhecidos é a principal
forma de tomada de conhecimento das instituições estudadas, mas os visitantes
enfatizam o interesse pessoal pela temática, sendo de notar a ligação dos próprios ou de
familiares ao mundo dos lanifícios (excluindo-se, neste particular, o museu de
Portalegre): alguns são profissionais ligados à tecelagem ou às artes decorativas; outros
têm familiares directos ligados a esse ofício, ao da pastorícia, e ainda ao operariado
têxtil e à propriedade de indústrias de lanifícios.
O modo como as exposições estão organizadas é o ponto mais valorizado no que
a estas diz respeito, havendo muitas referências a objectos em particular e uma
valoração positiva da diversidade patente. Os visitantes mostram-se agradados com a
organização dos espaços dentro dos museus, bem como com a arquitectura das
infraestruturas. Sugerem o investimento nas novas tecnologias da informação e da
comunicação e mais informação acerca da colecção, mas é também significativo o
número de visitantes que gostaria que lhes fosse cedida informação acerca de outros
museus que se ocupem do mesmo assunto. É, por isso, revelador que apenas oito
pessoas tenham indicado visitas a outras instituições e que, por outro lado, 36 das que o
não fizeram manifestem interesse em fazê-lo, assim tenham oportunidade e delas
tenham conhecimento.
272
4.4.5. Considerações (e conclusões) prévias sobre o papel e o impacto do museu
Os museus são casas de cultura, mas também são casas de desenvolvimento e de
«promoção de bens materiais e imateriais» e da «identidade local» com recurso às mais
variadas práticas que têm sido evocadas; promovem a «identificação territorial dos
habitantes» e o fortalecimento das relações interpessoais para que a totalidade seja
unitária, seja comunidade.561
A terra não é apenas onde se semeia, onde se constrói,
onde se vive, sem consequências para cada ser, que é ser social. Da convivência e da
acção concertada surgem as memórias e os sentimentos comuns – dimanados de um
passado por muitos vivido e herdado por todos –, a praça dialogante para o debate de
assuntos do presente (as graças e as vicissitudes) de foro comunitário, e o futuro
perspectivado no sentido do bem-estar colectivo e hipotética e sonhadoramente ideal.
A orientação do museu poderá incluir, completa Fernando Moreira, a «promoção
de estudos relacionados com o conhecimento tradicional e as técnicas na perspectiva da
estandardização de procedimentos visando a sua valorização no que diz respeito às
economias pessoal e/ou local»; o cultivo e estímulo do dinamismo, do amor-próprio, da
«auto-confiança», da coesão social e da formação em sectores-chave «pertinentes», que
afectem directamente a população «dentro da área de influência do museu e/ou que são
adequados às estratégias de desenvolvimento local e do museu (domínios estratégicos);
nos quais, entre outros, podemos destacar artesanato, gestão de projectos colectivos,
turismo comunitário», onde a inovação pode ser salutar para a tradição.
O museu, a sua colecção, a população e a área de influência são móbeis
permanentes para a intervenção. E, consciente do valor patrimonial (em todas as suas
valências: «natural/humano» e «material/imaterial»), se entende o museu como pólo
turístico, de visibilidade (a vários níveis: de interna a externa), de atracção e de
competitividade do território e das localidades (com a sua oferta de recursos endógenos,
matéria-prima e produtos, bem como a preservação das suas idiossincrasias); de
«promoção de produtos locais e sua consequente valorização» porque provenientes de
um «sistema produtivo local de base tradicional»; e de «promoção de valores locais», na
qual os visitantes (em grande parte, na pele de turistas) são imersos numa acção
pedagógica vocacionada para o «turismo responsável e comprometido com os valores
561
Fernando João Moreira, «The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas
& Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa,
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 17-19.
273
de sustentabilidade e de dinâmica de base locais»; e outras actividades que prevejam
«melhorar as condições de vida das populações locais».562
A despesa (a temida
segurança de qualquer início) poderá transfigurar-se no temerário investimento, porque
a cultura e o património são capazes de «desenvolvimento» e de «revitalização
económica e social», assim inicia Judite Primo o ensaio «Património, política cultural e
globalização em contexto museal».
4.5. Bem cultural + proposta turística = produto de valorização local
Porquê o interesse pela Cultura? Porque ensina, estimula e enriquece intelectual
e criativamente, entretém, diverte, porque surpreende ou se desconhece. De acordo com
o estudo realizado pela consultora Augusto Mateus & Associados – por encomenda do
Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI) do
Ministério da Cultura, em 2006563, – o sector cultural e criativo português apresentou
valores de 3690,7 milhões de euros em Valor Acrescentado Bruto (VAB), superando as
tradicionais indústrias dos têxteis e do vestuário e as de alimentação e bebidas.564
Mestre e Molina comentaram, num âmbito geral, a este respeito que «num contexto
social ocidental de estímulo do consumo, a cultura faz parte do consumo de bens que se
publicitam, se adquirem e, definitivamente, se compram». E a sua valorização meneia-
se em função do custo de aquisição.
A cultura entrou definitivamente no domínio económico, é um «mercado» que
562
Idem, p. 20. E Fernando João Moreira, «On the concept of the public: the local museums’ case» in
Cristina Bruno, Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Scociomuseologia –
Sociomuseology I, p. 35 e pp. 37-38.
563 Augusto Mateus (Coord.), O Sector Cultural e Criativo em Portugal – Relatório Final do Estudo para
o Ministério da Cultura/GPEARI, Janeiro de 2010. (Augusto Mateus & Associados, disponível em
http://www.mincultura.gov.pt/SiteCollectionDocuments/Imprensa/SCC.pdf. Ver, também,
http://www.mincultura.gov.pt/SiteCollectionDocuments/Imprensa/SCC_SumEx.pdf.)
564 A economia portuguesa foi arrebatada pelo sector terciário, isto é, pelos 57,7% de empregos e pelos
71,2% de VAB (dados de 2006 - fonte: a.icep.pt/portugal/economia.asp). O terceiro sector que carrega o
comércio, os transportes e as comunicações, o turismo e os serviços financeiros regozijam-se dos
indicadores mais positivos: o dinamismo, a diversidade e o crescimento. (Ver Mário C. Moutinho, «Os
museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias –
Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008, p. 37.) Este
segue a tendência mundial (com o peso do mundos ocidental e asiático). A partir desta altura até 2012 e,
sobretudo, actualmente, estes dados teriam de ser reanalisados.
274
está atento quer à produção de bens intelectuais (com os quais sempre se identificou)
quer à de bens materiais. A «cultura patrimonial» lida, presentemente, não só com novas
terminologias, mas também com uma certa identidade, a de «activo económico».565
«Pode o museu local ter funções turísticas?», a resposta de Mestre e Molina não se faz
longa: «É evidente que o museu local não nasceu para esta finalidade, contudo, ao longo
do século XX, muitos museus locais transformaram-se em pequenos centros de atracção
turística». O museu está integrado no sector dos serviços culturais, o que o incluiu no
grupo de instituições prestadoras de serviços. Acalenta-se teoricamente um prognóstico
motivador, estimulado pela parcela da cultura nos serviços e destes na economia global.
O relatório de Augusto Mateus pretende revolver as teorias sobre a
prestabilidade da cultura e do património para a economia. Além de activo económico,
está implícito nas palavras de Mestre e Molina que o património propicia
«conhecimento» e «prestígio», a justificação (dada pelos autores) assenta no valor
acrescentado capaz de elevar o objecto ou a infraestrutura a património. Afunilando a
temática, interroga-se: «De que modo os museus podem contribuir, ou mesmo serem
elementos-chave, de um novo modelo de desenvolvimento turístico que contribua
efectivamente para o progresso e bem-estar das comunidades?» Esta é uma das questões
viscerais da tese de doutoramento de Fernando João Moreira.566
Se se recordar as declarações de Alissandra Cummins, têm deferimento as
conclusões de Augusto Mateus, a apreciação de Mestre e Molina e a preocupação de
Moreira, aos quais se reúne com propriedade o raciocínio de Moutinho que se pauta
pelo seguinte: o museu, não se ausentando da sua vocação sobejamente predicada e
devota do objecto museológico, ancora-se, em sentido ascendente, na prestação de
serviços. Quer isto dizer que o museu, compreendido até agora sob uma roupagem
portentosa e técnica, desvela a sua elasticidade ao passar de «instituição ao serviço dos
objectos museológicos» para «instituições que prestam serviços». A evolução do museu,
compassada pela da sociedade, fez com que fosse assimilado pelo sector terciário,
devendo os utilizadores e o público consciencializar-se de tal. «Museologia e museus
(no contexto da economia dos serviços culturais) assumiram um papel de destaque na
economia de serviços em geral, que hoje representa 50 a 70 por cento do Produto
565
Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., pp. 230-231.
566 Fernando João de Matos Moreira, O Turismo e os Museus nas Estratégias e nas Práticas de
Desenvolvimento Territorial, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008, p.
356 (Tese de doutoramento em Museologia, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.)
275
Interno Bruto (PIB) dos países mais desenvolvidos e ocupou um lugar crescente na
maioria dos outros países.»567
A situação seria mais simples se o financiamento próprio fosse uma realidade
mais provável do que a subsidiodependência. Nesta condição, a prestação de um serviço
está dependente de terceiros, não só na finalização do processo, ou seja, na chegada ou
alcance do público, mas também no seu próprio apetrechamento. A tecnologia, em
constante reprogramação, acompanhada de novas caixas de ferramentas surgidas a
contra-relógio, vem reorganizar a vida do homem social – o que também se aplica ao
que o rodeia e onde intervém –, acudindo à «inovação» e à «criação de novos conceitos
de serviços mais atentos ao mundo em que vivemos». Este é o diagnóstico de Mário C.
Moutinho: o museu propõe-se a realizar acções e a concretizá-las na medida das suas
possibilidades, mas sem reconhecimento. Moutinho esclarece que «adquirir
(anteriormente dizia-se colecionar) e conservar são atividades conceitualmente
diferentes de estudar e expor. No primeiro caso podem ser assimiladas à produção de
bens, enquanto que na segunda categoria, claramente se trata de serviços [sic]». Não
usufruem, no entanto, daquilo que as instituições prestadoras de serviços podem
alcançar, concretamente mais e melhores recursos (novos equipamentos e tecnologias,
instrumentos reservados aos serviços, ou a junção de ambos), organização e inovação.
Como se identificam os portugueses relativamente ao trabalho/emprego,
independentemente da área? «Em Itália dizem: “Nós trabalhamos para o conforto do
lar”, não dizem que fazem tijolos; dizem: “Nós trabalhamos para a moda”, não dizem
que fazem têxteis e vestuário»568
. Há uma consciência da complementaridade e da
interdependência das várias actividades no sentido do produto final. A tarefa não é
estanque, mas integrada. Não se pretende extrair daqui uma perspectiva unicamente
economicista da cultura, mas admitir a intervenção que esta pode ter no crescimento das
pessoas e do país – pessoal e económico. E este caminho deve contemplar quer as
regiões mais desfavorecidas quer os bens culturais de menor projecção mediática.
Porque o crescimento não se deve apoiar apenas nos grandes festivais e nos museus
567
Mário C. Moutinho, «Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite Primo
(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Setembro de 2007, p. 42.
568 Comunicação: «A economia cultural e criativa em Portugal: constrangimentos e oportunidades» de
Augusto Mateus no colóquio Os leilões de arte e antiguidades em Portugal no ISCTE-IUL em 26 de
Março de 2010.
276
outdoors, é também em propostas locais e regionais que os indivíduos podem conhecer
a sua cultura e aproveitá-la.
Acontece que a distribuição de património no território não é equitativa. Logo, é
preciso ter em especial atenção aquele que não aufere directamente, ou mais
proximamente, dos benefícios dos grandes centros, aos quais a cultura e a criatividade
são frequentemente associados pela óbvia concentração de oferta e oportunidades, de
mão-de-obra, de outros sectores que os complementem, de recursos que potenciem a sua
circulação transfronteiriça. Contudo, não se deixa de ter património de grande valor
noutros locais. Augusto Mateus insistiu na ideia de uma valorização que crie formas
alternativas de fazer com que as pessoas acedam ao património, num primeiro contacto,
para se prepararem e entenderem melhor o que verão. Pense-se quantas visitas virtuais a
um museu não corresponderá uma visita presencial? E o interesse em ir presencialmente
não está necessariamente condicionado, pelo contrário, poderá ser promovido.569
O professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão pergunta,
em jeito de desafio, se o país se deve acomodar a «quinhentos museus não
reconhecíveis a nenhuma escala (local, nacional ou internacional) ou ter quinze
excelentes? Ter sessenta assim-assim, ou ter seis excelentes?» A demissão do improviso
e a aposta na optimização técnica e científica de áreas como a museologia, contando
com a sofisticação de equipamentos, torná-los-ão mais convidativos a actividades
arrojadas e ao próprio público. Este distanciamento numérico (com valores meramente
aleatórios) não pretende aviltar a área em questão. Não se trata de aniquilar a
museologia local, mas de cultivá-la, isto é, de evidenciar o rigor, o valor de conteúdo, a
pertinência e a sua efectiva comparticipação quer do ponto de vista turístico, quer do de
569
A pregação da Internet, da virtualidade e da interactividade a distância é uma proclamação da
comodidade; salve-se, com justeza, as vantagens de informar, educar, de tornar o espírito mais esclarecido
daqueles que, forçosamente, estão impedidos de aceder com frequência e presencialmente a este tipo de
espaços (a distância geográfica dentro do próprio país e entre países; a inflexibilidade horária e/ou
monetária; a incapacidade motora ou de outra ordem para a qual o museu não esteja preparado, etc.). No
entanto, «a disponibilização da exposição ou do museu na WEB tem, por agora, o mesmo valor da
consulta do catálogo». A vivência do espaço, do ambiente, a interacção com os demais visitantes (ou a
solidão) e a interacção com os objectos na construção cénica especialmente criada para eles é
inquebrantável. Moutinho é peremptório: a «visita virtual ou leitura não substituem a experiência da
descoberta e fruição da exposição por cada visitante», não substituem a presença. Mário C. Moutinho,
«Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de Humanidades e
Tecnologias – Estudos e Ensaios, p. 37. A experiência não é redutível à matéria.
277
valorização patrimonial e local, no qual a população se reconhece. «O museu local, nos
alvores do século XXI, está em redefinição.»570
Quem o vê como um proveitoso
instrumento de dinamização local alerta, igualmente, para algum desajustamento. Os
equipamentos obsoletos, os discursos desadequados, e a carência de objectividade, de
modernidade e de imagem apelativa são algumas das falhas apontadas pelos
investigadores Mestre e Molina do grupo Didpatri do Departamento de Didáctica das
Ciências Sociais da Universidade de Barcelona.
Para isso é necessário dar instalações e condições que favoreçam a produção
científica e a investigação. É, pois, necessário aplicar este código de acção: a
conservação e o restauro, a protecção, a investigação, e a difusão e a didáctica. É
imprescindível investigar para conhecer aquilo que existe (bens imateriais ou materiais
– imóveis ou móveis), quer para um museu de excelência como para um museu que
procura ser o mais eficaz e harmonioso com a sua comunidade, ciente dos prováveis
limites de alcance. «O museu local nasceu da vontade de conhecer um território; não se
pode conceber o museu – seja local ou não – sem vontade de investigar; de facto, a
investigação deveria ser um dos motores do museu local.»571
Foi já ponto de análise nesta dissertação a serventia e o ganho que a investigação
científica trataria a estes pequenos núcleos de cultura e como poderiam ser
multiplicados e intensificados se vinculados «aos centros de investigação da rede local
de empresas quer públicas como privadas, sem excepções, para dinamizar a
investigação sobre a própria localidade em qualquer âmbito», afirmam Mestre e Molina.
Em igual circunstância, embora no âmbito do museu em geral, manifestou-se a
570
Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 34. No âmbito da reformulação dos
princípios regedores da conduta de actuação do museu actual, e, especificamente, sobre o significado
prático de uma acção cada vez mais suscitada – a de valorização –, a alocução de Fernando João Moreira
atribui ao museu a capacidade de ser o «único capaz de a) alargar o significado da palavra valorização do
domínio puramente económico aos domínios emocional e social e b) cumprir, de forma integrada e
articulada, as fases consequentes e subsequentes à valorização – integração, identificação, afirmação
(…)». O museu não se arraiga na contemplação, actua (aliás, a primeira abre caminho à segunda), e nele
«os processos são tão importantes quanto os fins perseguidos; uma instituição de tal natureza,
independente, desconfortável e inquietante por natureza, pode desempenhar um papel fundamental em
qualquer processo de desenvolvimento local (…)». Fernando João Moreira, «The Creation Process of a
Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de
Sociomuseologia – Sociomuseology I, pp. 14-15.
571 Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 187.
278
imprescindibilidade de se constituírem equipas de investigação multidisciplinares
compostas por instituições e entidades locais como municípios, sociedades desportivas e
culturais, cooperativas, clubes, etc.; por equipas de docentes (do ensino básico ao
secundário e universitário); e de funcionários dos laboratórios de indústrias e fábricas,
por exemplo. Averiguar as características da localidade e das empresas aí instaladas (ou
num raio de acção mais alargado) e estabelecer pontos convergentes, interesses comuns,
linhas de actuação conciliáveis entre o que a localidade oferece de recursos e matéria-
prima e o que as empresas produzem. Aproximar as escolas, as empresas e as
corporações/organismos dos monumentos e incentivá-los a apadrinhá-los. Aproveitar as
plataformas virtuais para apresentar a uma audiência planetária programas de
investigação, artigos sobre investigações em curso e as já concluídas, tornar acessíveis o
património local, os serviços disponibilizados pelo museu e o museu virtual.572
E quanto às novas tecnologias da informação e comunicação (NTIC), como se
posicionam os museus? Acompanham e envolvem-se na investigação de equipamentos
tecnológicos? Como expandir os seus serviços? A adopção de «novas formas de
organização do trabalho, prevendo e antecipando as necessidades dos seus clientes» será
proveitosa nesta área? Sim, mais ainda, os museus deverão estar vigilantes no que diz
respeito à evolução dos equipamentos – observar com acuidade as suas benfeitorias e as
suas eivas, pois deles nascem «aplicações para os seus serviços» prestados por essas
instituições que atraem e fidelizam públicos. As NTIC são o input necessário ao museu
para, de acordo com Moutinho, i) a «adopção e melhoramento de serviços tradicionais»
e para ii) a «criação de novos serviços». No primeiro, incluem-se a «automatização,
videoconferência, gestão de colecções, segurança, controle de climatização, museu na
WEB, expografia multimédia, guias áudio/vídeo [sic]»; o segundo desdobra-se em
«mudança de estratégias organizacionais, e-comercio, museu virtual, integração de
redes, novos recursos multimédia… [sic]».573
A manutenção do museu actual requer investidas nas áreas tecnológica,
organizacional e comercial. O objectivo é a «inovação contínua necessária à sua
sobrevivência». A concluir, Moutinho admite que o processo de assunção e de
creditação do museu como prestador de serviços e o seu entrosamento com as NTIC
572
Linhas de acção baseadas no plano apresentado por Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina,
op. Cit., p. 191 e p. 199.
573 Mário C. Moutinho, «Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de
Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, p. 42.
279
será moroso, mas reforça a sua indispensabilidade e efeito de condão. Não como
simples actualização tecnológica ou acto de «modernização», mas na óptica da
libertação dos «museus da situação atual de permanentes “subsídio-dependentes” em
instituições que produzem serviços para os quais existem utilizadores/clientes/públicos
dispostos a adquirir de diferentes maneiras, esses mesmos serviços [sic]».
Para isso, é de relembrar: quem é o público do museu (globalmente)? E, caso a
caso, quem é o público de cada museu? Que público se pretende para esse museu?
Quem são os visitantes das suas exposições? Quem são aqueles que leram ou lerão o
material escrito produzido e divulgado? Quem são os proprietários de restaurantes
locais e outros empresários que exercem a sua actividade na área de influência? Em
suma: «Este universo mais aqueles que beneficiaram ou beneficiarão do
desenvolvimento do sector turístico local?»574
A par do reconhecimento internacional que se pretenda granjear, apenas
utopicamente todos os espaços de cultura atingirão esse patamar, mas poderão ser
funcionais e eficientes na sua condição de guardiões e conservadores da multiplicidade
e da riqueza patrimonial que se encontram em meios de menor dimensão. Alguns com
capacidades para serem pensados num âmbito de rede e de aposta turística. Requer-se o
conhecimento do local onde está enquadrado, a sua envolvente, os recursos de que
dispõe (serviços, equipamentos, comércio, etc.) a fim de criar mecanismos e programas
que possam impulsionar e revitalizar esse património e o local. Apelar à memória, às
sensações e à experiência. Depois, é imperativo ter consciência da necessidade de
diferentes tipos de discurso575
e de canais a fim de tornar a oferta cultural acessível a
todo o tipo de público (cultura democrática) e de que este apreenda a mensagem
(função educativa e formativa). E quanto à conservação e restauro, não só as entidades e
os técnicos são os únicos intervenientes. Paralelamente, é necessário criar empatia, fazer
574
Fernando João Moreira, «On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,
Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Scociomuseologia – Sociomuseology I, p.41.
575 O que se sente perante uma linguagem diferente, nova, desconhecida? George Steiner resume neste
breve exemplo: «Há um fenómeno muito curioso que já foi estudado. Quando se está num autocarro, num
elétrico de uma cidade cuja língua não se conhece, temos a impressão de que toda a gente grita. De
súbito, temos medo. Há um magnífico filme de Ingmar Bergman, O Silêncio, que jogou com esse
concepto: o medo que nos dá a língua que não percebemos. De súbito, sentimo-nos em perigo». George
Steiner e António Lobo Antunes, «Queria ter sido como você, um escritor. » In Revista LER, n.º 107,
Novembro de 2011, p. 42. O perigo da não-compreensão.
280
com que a população autóctone zele, também, pelas suas localidades e pelo seu
património. Estas missivas resumem a análise mais aprofundada de Mary Alexander e
de Mestre e Molina após o exame dos seus casos particulares e do panorama geral.
Arredada não está a partilha de intervenção entre público e privado. Além do
usufruto de ambos, dividem-se responsabilidades. Não fique só a manutenção a cargo
do Estado quando as empresas de turismo (privadas) fazem uso desse espaço para os
seus programas. Há, como se sabe, pares difíceis de coordenar: a(s) política(s) e seus
interesses e prioridades, mas também a população que ainda não compreende a cultura e
a sua importância, ou que, reconhecendo-a, não a consome. Espera-se, é certo, um
trabalho árduo de educação e mudança de mentalidades.
O estudo sobredito (de Augusto Mateus) remata com algumas recomendações:
uma delas é o investimento em («recuperação e divulgação» de) património – com a
«promoção» de efemérides «de prestígio» e equipamentos («duradouros») –, o qual
deve capitalizar «vantagens competitivas específicas de cada território e fundamentar a
diferenciação, a descentralização e a internacionalização». Depois há que estabelecer
pontes. Cada região deverá ser capaz de promover, em sistema integrado e
complementar com as demais, o seu património edificado sem negligenciar o intangível
e direccioná-lo para os circuitos turísticos, a informação histórica, a animação, em vez
do actual sistema de capelinhas. No caso das universidades, congregar, relacionar e
aproveitar turisticamente as várias universidades históricas num contexto nacional,
ibérico ou europeu. Isto é, internacionalizar para estimular a proactividade e a
competitividade, pelos «circuitos turísticos internacionais [destaque no documento
original], em redes de investigação e desenvolvimento científico aplicadas aos domínios
culturais e em comunidades criadoras de conteúdos culturais», como sugere o autor do
estudo.576
A pergunta a que se deve responder agora é a lançada por Augusto Mateus:
«Qual o impacto de cada projecto sobre o território onde se insere?» E entenda-se
«impacto» no sentido mais literal da palavra. Qualquer intervenção exige uma avaliação
de custo-benefício, isto é, do risco do investimento. Qual o valor de um complexo de
gravuras rupestres? E de uma ponte romana igualmente perdida na província? Ou as
576
Augusto Mateus (Coord.), O Sector Cultural e Criativo em Portugal – Sumário Executivo do Estudo
para o Ministério da Cultura/(GPEARI), pp. 8-9. (Augusto Mateus & Associados, disponível em
http://www.mincultura.gov.pt/SiteCollectionDocuments/Imprensa/SCC_SumEx.pdf.)
281
ruínas de antigas fábricas numa cidade (e região) de história laneira? Que retorno se
pode esperar do investimento em cada uma? Até que ponto se pode abdicar de outros
investimentos para que uma ou outra seja preservada? Para responder a estas questões é
imprescindível reunir contributos de várias naturezas: desde o suporte e o empenho
públicos, à iniciativa de privados e à participação continuada da sociedade capazes de
criar produtos culturais adequados e especializados para cada localidade ou região, com
a relevância e a expressão suficientes para criar um circuito económico rentável. E para
o fazer há que profissionalizar as estruturas, especializando-as, deixando de ver na
hospitalidade o único ingrediente do serviço turístico nacional.
Se o despovoamento de alguns espaços é irreversível, há, por outro lado, que
capitalizar com isso e tentar inverter essa tendência. Como bem finaliza o ex-ministro
da Economia, «os projectos de intervenção sobre as áreas culturais vão ao encontro das
“raízes” dos territórios [destaque no documento original] onde pretendem actuar,
interagindo com os agentes locais, incentivando determinadamente a transparência e a
participação, por forma a promover consensos comunitários activos, realçando a
importância global para o território do sucesso das iniciativas, por forma a gerar uma
massa crítica de pessoas e actividades dispersas nos meios mas coesas nos
objectivos»577
.
4.5.1. O Turismo, o turismo cultural e o museu local
«Contudo, há que ter em atenção o interesse do presente, e esse interesse é a preservação, que
se depara com dois perigos, ambos vindos do homem. “O primeiro é o turismo, que, enquanto
economicamente tem efeitos importantes na arqueologia, faz da conservação efectiva de sítios
arqueológicos mais difícil. O segundo não é novidade, mas tem crescido dramaticamente em
escala: os saques de sítios arqueológicos por aqueles que escavam pelo proveito monetário,
procurando apenas objectos vendáveis e destruindo tudo o resto na sua procura.” (Paul Bahn e
Colin Renfrew, Archaeology: Theories, Methods and Practice, p. 558.)
O turismo participa, hoje, em quase todas as áreas porque, na verdade, o turismo
foi-se multiplicando, na medida em que pôde extrair de cada área algo que o propiciaria.
Há turismo dedicado a momentos de grande projecção histórica; turismo arqueológico
(ruínas e museus); turismo urbano (as grandes avenidas e os centros de consumo
comercial); turismo-natureza, onde se enquadram os parques naturais e o meio
ambiente, associando, cada vez mais, o turismo de habitação ou o próprio turismo rural;
turismo balnear ou de neve; turismo de aventura e desporto; sexo e diversão ou,
577
Augusto Mateus, O Sector Cultural e Criativo em Portugal – Sumário Executivo, p. 9.
282
inclusivamente, em países de terceiro mundo. Desta síntese do painel de possibilidades
turísticas, elaborado por Mestre e Molina, infere-se que o turismo da actualidade é o
turismo do consumo possível. Tudo é possível de ser consumido turisticamente.
As pessoas dispõem-se às mais variadas actividades e a conhecer as mais
diferentes propostas, todas as actividades estarão sob a mira de pacotes especializados e
personalizados. No entanto, nem todos estão preparados ou sabem aproveitar essa
abertura. Dos vestígios arqueológicos à paisagem, das manifestações artísticas às
heranças etnográficas, do património industrial aos fósseis, em todos se pode encontrar
um mostruário de tecidos com padrões e propriedades susceptíveis de captar
determinados segmentos acordando com as suas preferências. A imagem torna
eufemística a vertente mais comercial da prática turística: o mostrar-se e vender-se.
Mestre e Molina consideram que os museus locais, salvaguardando os seus bens
culturais, «devem transformar-se em “produtos turísticos”». Contudo, esta acção exige
uma «renovação conceptual» –, isto é, abonar-se de um dote de técnicas expositivas que
se «adeqúem às necessidades do turismo cultural» – para a qual sugerem, em alguns
casos, a reavaliação do nome, da imagem (pública), do discurso museológico e do
desenho museográfico.
«Primeiro há que ter presente que os produtos turísticos são os únicos que as
pessoas adquirem sem conhecer; isto é, adquirimos este ou aquele produto – decidimos
ir ou não ir a um lugar, a ruínas, a um parque arqueológico ou a um museu local – antes
de saber como é.»578
Esta é a descrição mais clara que se poderia encontrar sobre o
processo de escolha de um destino turístico. Em auxílio vem uma imagem apelativa que
condiciona a escolha do turista antes de ele decidir e comprar o produto. Sem rodeios
578
Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 35. «(…) A maioria dos visitantes de um
museu acode a uma exposição só quando o que se expõe constitui um elemento do seu interesse.» Idem,
p. 95. Um serviço é sempre um produto intangível, socorrido por aparelhos ou não. Na exposição
tradicional, por exemplo, e como já se referiu, identificam-se vitrinas ou suportes de comunicação mais
avançados como o vídeo, o áudio ou «ambientes de imersão», esclarece Moutinho. Em suma, os meios
que suportam e apresentam os objectos. Indirectamente, outros equipamentos acompanham a exposição
como os de vigilância e os de climatização. A tangibilidade da exposição (ou de, pelo menos, parte dela) é
transferida para catálogos, livros, folhetos informativos ou objectos relacionados que podem ser
encontrados nas lojas dos museus. Além da experiência, como pode a exposição (que é consumida ao
ritmo da sua produção, isto é, à medida em que é vista pelo visitante) declarar a sua existência? É
precisamente por intermédio dos suportes físicos atrás mencionados que a exposição e o museu ganham
visibilidade e se tornam reais e vêm sustentar a credibilidade que o visitante lhes confere.
283
para Mestre e Molina, «o que o turista compra é uma imagem». O produto adquirido é
abstracto no acto da compra, adquire-se a imagem criada – não a real –, a idealização, a
expectativa. O consumo concretiza-se no local de destino (que pode ou não
corresponder ao esperado). Mais afirmam que: «Assim, o turismo cultural move-se
pelas imagens criadas na zona de origem, não pelas realidades da zona de destino. Estas
imagens turísticas são miragens, construções ideais; no fundo, são abstracções.» É um
acto emocional.
O indivíduo planeia a sua vida em função dos seus objectivos e dos seus
interesses, em função das suas experiências e do que conhece. Fazê-lo desejar algo
sobre o qual não tem qualquer referência, exige um trabalho de discurso retórico
impressivo, o que formalmente requer esforços persuasivos e sedutores insuportáveis
por determinadas estruturas. «O interesse é prévio à visita», recordam os investigadores
catalães, e explicam que «aprendemos sempre sobre o que já sabemos, afirma a teoria
didáctica; pela mesma razão acudimos sempre a ver aquilo do qual temos previamente
referências. Só uma publicidade potente e muito bem orientada é capaz de inverter esta
tendência geral, e esta não é fácil realizá-la a partir de um museu local».
É começando pela imagem que Mestre e Molina endereçam o leitor ou o
possível gestor/director/funcionário/interessado em museus para a campanha de
actualização e de posicionamento dessa instituição no âmbito do turismo cultural.
Hodiernamente, não se fala em turismo cultural sem recorrer à imagem (esta quase que
manipula os demais sentidos) nem ao espaço cibernético. A página web tornou-se na
primeira fachada do museu. Como é que o museu se apresenta na Internet? O
entusiasmo, a expectativa, a originalidade e a funcionalidade acompanham actualmente
o desenho gráfico de uma página bastante frequentada. Acrescente-se as redes sociais e
as permanentes actualizações (newsletters, RSS, twitter, facebook, etc.).
Depois, o nome. Após o alerta para o (correcto) emprego da designação museu
ao espaço que é apresentado como tal, é a «renovação do discurso e dos conteúdos do
museu» que monopoliza a reflexão, pelo seu papel fundamental no empreendimento que
é estabelecer empatia entre o objecto e o público. O plano de trabalho neste campo não
é rígido. Mestre e Molina sugerem uma estrutura mais convencional: definição da ideia,
sua desconstrução e posterior formulação do discurso, com o qual deverão ser
compatibilizados os meios de exposição adequados. Contudo, outros (como Jorge
Wagensberg) privilegiam as sensações e as emoções às palavras (reagentes a
acontecimentos, objectos ou fenómenos). O essencial é ter uma ideia/conceito como
284
base, e a forma como é concretizada/o pode ser diversificada (seja por intermédio do
audiovisual, de vitrinas, livros ou outra forma de interactividade). Atrair visitantes está
na «capacidade de adaptação e de modificação do discurso», devendo estar sintonizado
com o seu público, ou com aquele para quem se destina.
Deve ser-se sensível à significação do objecto. A mensagem é refém do tempo e
as mudanças são portadoras de novas interpretações e/ou actualizações do contexto do
acervo ou de algumas peças particularmente. Saliente-se que não é a forma que
determinará o sucesso da peça, da exposição ou do museu, mas a clareza das suas
mensagens. Aí reside a maior criatividade e o maior interesse e encantamento. Mestre e
Molina dizem ser preferíveis textos com um discurso actual, enquadrado e renovado, a
uma aparência exuberante, mas sem ser estéril de investigação científica e de conteúdos.
Todavia, há uma irreversível transformação do museu, cujo fado se compõe de
harmonizações cada vez mais contemporâneas e arranjos alternativos. Por outras
palavras: «A diferença entre os museus do passado e os do futuro é que nos do passado
a museografia era de mármore, eterna, porque se aspirava a modificar jamais o discurso;
nos museus do futuro, a museografia será virtual e audiovisual porque não se concebe
nenhuma forma de conhecimento sem evolução»579
.
«O que é mais importante para que o nosso museu local possa enfrentar o
desafio do turismo? É a capacidade de mudança, acrescida da capacidade de transmitir
emoções, sensações ou ideias de forma contínua.» Mestre e Molina vêem no museu
local a possança para a mobilização e a responsabilidade para gerir o património local,
até porque tem o privilégio de atrair, de reunir e de se relacionar de forma mais
cúmplice com a cultura. A diversidade cultural que nos caracteriza e individualiza
impele, igualmente, ao dever da partilha. Não será o turismo, enquanto estrutura
organizada e amplificadora, uma forma de preservação e de difusão (cooperante com as
pequenas estruturas locais) do património? A concretização desta hipótese demanda que
esse património seja passível de ser compreendido, ou seja «descodificado», relembram
Mestre e Molina, e continuam: «Portanto, o elemento mais importante do património,
quer para os próprios cidadãos como para os visitantes, é o seu significado». E como
pode o visitante aceder-lhe e compreendê-lo?
A reabilitação arquitectónica ou a reabilitação do património imóvel, na
terminologia arquitectónica; a reconstrução; e a reconstrução virtual são três propostas
579
Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch Molina, op. Cit., p. 37.
285
de descodificação dos vestígios (materiais ou imateriais). A primeira é a opção clássica,
conquanto a mais custosa, e, ainda, propícia ao redesenhar das funcionalidades do
objecto intervencionado (o revés perverso das melhores intenções). Reconstruir, na
tentativa de recuperar uma estrutura que existe apenas idealizada, é duplamente
complexo: em primeiro lugar, como reconstruir sem destruir o remanescente primitivo
do edifício ou do objecto? Depois, não poupa historiadores e museólogos ao conflito
ético entre o compromisso de preservar o original e o dever de fazer perdurar a herança
que vai vergando aos mais diversos actores de desgaste. A reconstrução obedece a uma
interpretação histórica e arquitectónica (nos cadernos de estudo, académicos ou
técnicos, decompõem-se testemunhos, pinturas ou desenhos, descrições, vestígios, etc.)
e, quando aplicada, é essa que permanecerá. Também, e de prática frequente, essa
estrutura é reconduzida para outras funções, desvirtuando-a da sua essência.
Quando a reconstrução é operacionalizada em formato virtual, auxiliada pela
tecnologia digital, os códigos resultam de uma visão que tenta ser macro e micro
simultaneamente: poder conceber e comparar várias hipóteses reconstrutivas; ver
tecnicamente os elementos, como que entrando neles (o interior, as estruturas, os
materiais, as diferentes camadas de pintura, por exemplo, ou as suas propriedades
químicas, etc.); a possibilidade de observar em diferentes escalas e de fazer movimentar
o público num perímetro mais amplo com graus de proximidade superiores e mais
ângulos de visão sobre a peça ou o monumento ou os espaços (interactividade); extrair
do subsolo a faculdade de «recriar e visualizar» pedaços de património ou analisar
aspectos etnográficos e de antropologia cultural do povo ao qual se liga.
O avanço técnico tem demonstrado ser prometedor como adjuvante nesta
matéria, mas com a mesma precisão se deve considerar as limitações: haverá sempre um
ponto de vista, um ângulo escolhido, uma selecção de imagens captadas, uma percepção
e uma análise variáveis – se em escala real ou adaptada a um suporte visual. Em
dimensões reduzidas, o objecto é visto globalmente. Ou seja, é informativamente mais
pormenorizado, com possibilidade de adição de dados complementares. Mas é a grande
escala que produz impacto e emociona. Considerando tudo isto, não se menospreza, de
todo, a eficácia da tecnologia visto ter, ao mesmo tempo, a habilidade de poder ser
acessível financeiramente para o museu no cumprimento do objectivo a que se propõe:
«descodificar a imagem do passado da própria localidade e mostrá-la ao público». De
tal forma que, para Mestre e Molina, a reconstrução virtual será cada vez mais decisiva
e condição do progresso museológico se se pretender tornar o museu num «produto
286
turístico».
O que se poderá esperar de um museu local enquanto produto turístico? A
satisfação de expectativas; ser interessante; proporcionar uma experiência invulgar, que
apenas possa ser vivida naquele local e contexto; saber responder aos estímulos da
globalização a que o turismo é susceptível; ter um acervo guarnecido de fundamentação
científica consistente como prova da coordenação temática das suas peças, com uma
mensagem inimitável, capaz de lhe dar a propriedade de ser único. A esta combinação
de características juntam-se a possibilidade de o indivíduo criar referências; de usufruir
de uma perspectiva apta a abordar a diversidade de objectos num segmento uno; de uma
estrutura provida de espaços para descontracção e animação, aligeirando o ambiente
para que os visitantes se sintam confortáveis com a temática que se quer inteligível; que
seja de fácil acesso (a aquisição desse produto), proporcione bem-estar e faça parte de
uma rede (alargada).
Enquanto produto turístico-cultural, não escapa de duas ordens de «problemas e
desafios»: os novelos da globalização e da estandardização. O museu é integrado num
mercado de oferta exponencial, e é nele que terá de competir. Assiste-se a uma
«colonização» (utilizando o termo de Mestre e Molina) de quase tudo como produto ou
destino turístico, facilitando a reprodução ou a criação de subprodutos equívocos. A
fronteira de cristal entre a banalidade e a verdadeira experimentação é perniciosa no
momento de decidir entre uma experiência enriquecedora, formativa e contemplativa ou
uma frustrante, oca e banal porque nem sempre a comunicação é eficaz. Ser incorporado
por redes estruturadas e de grande escala permite algum suporte a instituições mais
contidas em publicidade e marketing. Estas redes serão um dos meios para conquistar
projecção e igual credibilidade – num circuito integrado e intercomunicativo de museus,
centros de interpretação e «conjuntos patrimoniais» –, tirando proveito das economias
de escala.580
Voltando ao receio inicial de Mestre e Molina: o museu local pode ser
manipulável no seu envolvimento com o poder local mais do que ser um expectável
dinamizador da cultura e do ambiente locais, consciente, apartidário, diversificado,
filiado na literacia e na educação e em ser cuidador de todo o tipo de património? Outra
das preocupações que recaem sobre o turismo cultural, e em particular o turismo
arqueológico, reside no enfoque do fenómeno de massas em espaços que a própria
580
Idem, pp. 40-41.
287
cultura distinguiu, ou «mitificou», ou para os quais os meios de comunicação (social)
contribuíram, criando-se tendências. O ideal seria distribuir equitativamente a atenção e
criar outros «fluxos» promocionais para romper com «estas tendências massificadoras
da cultura turística actual».581
A par das demais funções que a sua índole carrega, o turismo não é excluível,
nomeadamente o turismo cultural. Envolve-se ou é implicado na promoção de rotas e
itinerários (materializados em encenações que dramatizam todo o percurso, guias web,
infografias, folhetos, livros), efemérides e festividades de carácter histórico (as referidas
feiras medievais), actividades de «“reencenação”» (re-enactment, no original),
programas de férias (colónias de férias de Verão), etc. Para Mestre e Molina «o
objectivo do museólogo deveria ser transformar o museu numa espécie de ponto de
encontro; há que estimular a população a ir ao museu como se fosse a um clube, para
conversar com as pessoas que têm preocupações do mesmo tipo, a consultar informação
local, a tomar café ou chá, se necessário, a participar em tertúlias, etc.» E o objectivo do
museu: sensibilizar os cidadãos para a conservação do (seu) património histórico e para
a consciencialização de que este é de todos e de que todos têm responsabilidade sobre
ele; de integrar ou de açular um produto cultural de excelência que provoque trânsito
turístico à conta desse património; de ser espaço de exercício de cidadania «na gestão do
património histórico como impulsionadores e realizadores de propostas activas».
4.5.2. «O museu local: entre o ludus e o studium»582
Aos museus locais cabe formular duas questões: o museu local é capaz de
satisfazer as exigências científicas e o prazer do ócio? Studium e ludus não são
incompatíveis, no entanto, deverá questionar-se se esse tipo de instituições tem
capacidade de concretizar esta união, respeitando as necessidades de cada campo, mas
também os seus limites. Depois, o questionamento atinge outro nível de profundidade:
deve este serviço ser encarado como um direito universal (público, custeado por todos)
ou deverá integrar o mercado livre, onde o interesse e o poder aquisitivo individuais
determinam a saída do produto?
Aquilo que os cofres dos museus guardam ou se dá a conhecer nas salas de
exposição; aquilo que ainda ladrilha as ruas e compõe as praças e pracetas; aquilo que
581
Idem, p. 176.
582 Idem, p. 230.
288
se recata em algumas aldeias, quintas e outras pequenas povoações ou mesmo nas
cidades não jejuam do regozijo da descoberta, da satisfação do enigma resolvido, do
poder de atracção do mistério e do desconhecido, do jogo ou do risco intelectual.
«Musealizar, dinamizar e intervir nos espaços de apresentação do património (museus e
exposições, parques arqueológicos, centros antigos das cidades históricas, etc.) é um
exercício que anda entre o ludus e o studium, entre o jogo e o descobrimento.» O
património é «objecto de conhecimento» e é «objecto de prazer».583
Por outro lado, há um fenómeno paralelo a este atiçamento e apologia do (que
pode surgir do) museu. George Steiner observa melancolicamente, do lado de quem
pode adquirir, que: «Veja-se a crise económica da Europa, os países mediterrânicos tão
distantes dos países do Arco do Norte. Milhares de turistas ingleses vão visitar Portugal,
Espanha, Itália, Grécia. Para eles, estes países são um outro planeta, um estranho
planeta soalheiro. Não mudaram de opinião. Pensava que o turismo seria a grande
educação. Já não acredito»584
. Fica a esperança que mora na definição de museu que
serve de referência, actualmente, e de acordo com os estatutos do ICOM, para a
comunidade internacional, em vigor desde 2007. Na XXI Conferência Geral, em Viena,
Áustria, disse-se que:
«Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do
seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe
património tangível e intangível da humanidade e do seu meio ambiente para fins de educação,
estudo e diversão»585
.
583
Idem, p. 230.
584 George Steiner e António Lobo Antunes, «Queria ter sido como você, um escritor. » In Revista LER,
n.º 107, Novembro de 2011, p. 41.
585 Fonte: Actual definição de Museu pelo ICOM. In International Council of Museums (ICOM),
disponível em http://icom.museum/the-vision/museum-definition/.
289
CONCLUSÃO
1. Aquilo que havia sido avançado na revisão da literatura e estado da questão da
presente dissertação acerca do acervo bibliográfico sobre a temática veio a confirmar-se
no decorrer deste estudo. Não há bibliografia quantitativamente satisfatória, ou
desejável, sobre os museus que têm a lã como seu cálice. É o Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior que tem liderado, no âmbito das publicações, o estudo
sobre a história dos lanifícios. Diz Nuno Luís Madureira ser a região da serra da Estrela
a «chave para perceber o país»586
, sem desmérito para os ecos a sul, até Portalegre.
Trabalhar as lãs tornara-se numa actividade típica e duradoura em localidades
produtoras dessa matéria-prima, como por exemplo a terra chã e aquelas que a serra da
Estrela foi albergando, na Beira, e as da planície alentejana, no Sul.
De Jorge Borges de Macedo, em Problemas de história da indústria portuguesa
no século XVIII, a Elisa Pinheiro, em Rota da lã Translana, conhece-se uma Covilhã
como «centro histórico dos lanifícios portugueses»587
; um «importantíssimo centro
industrial do nosso país»588
, agora nas palavras de Esteves Pereira; e o «epicentro» dos
«panos de lã»589
. A Covilhã demarca-se no planisfério do fabrico de tecidos e da
indústria das lãs, mas arrebita e pontilha o Interior do país. Relembre-se que a Real
Fábrica de Lanifícios de Portalegre (alvo do piropo, na época da sua construção, como
sendo a mais moderna das manufacturas dos lanifícios) fizera parte da Sociedade das
Reais Fábricas de Lanifícios da Covilhã e Fundão.
A população que se entregou aos lanifícios desde a Idade Média, à «produção e
comercialização de fios e panos» (Cf. http://www.museu.ubi.pt/?cix=3002&lang=1),
deposita, hoje, a sua atenção em marcos de berço pombalino, seja na Covilhã, na
Guarda ou em Portalegre. O centro da cidade da Covilhã era bombeado pela
manufactura que fazia circular uma dinâmica manobrada por ela, não só pelo distrito de
586
Nuno Luís Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,
Editorial Estampa, 1997, p. 368.
587 Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de
fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de
Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011, p. 227.
588 Esteves Pereira, Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª
Editores, 1979, p. 147.
589 Nuno Luís Madureira, op. Cit., p. 369.
290
Castelo Branco como pelas outras duas regiões, numa relação íntima, como vários
autores o provaram, procurando conjugar especificidades de cada uma para se extrair da
lã um produto inigualável. Desde o século XVI, Covilhã, Guarda e Portalegre (ou Beira
Interior e Alto Alentejo) parecem acompanhar-se no caminho do solstício industrial
têxtil. Por várias vezes, Portugal teve como porto seguro o Interior (apesar de
cronicamente interiorizado). E nele cresceu uma indústria que acabara por
internacionalizá-lo internamente, ao chamar à Covilhã a Manchester portuguesa; e,
noutro sentido, ao apostar num produto inovador como é o caso da tapeçaria de
Portalegre. A qualidade dos tecidos nacionais chegou a ser considerada superior à dos
ingleses, ainda marquês de Pombal cavalgava por estas terras e pela gestão do reino.
Esta actividade secular, depois das várias contracturas que a indústria dos
lanifícios sentiu em toda a sua história, vem conhecendo uma instabilidade persistente.
A verdade é que, a partir do último quartel do século XX português, as regiões por
tradição ligadas à lã, unidas pelas rotas da transumância, foram perdendo o seu ímpeto
também por cunho da evolução da sociedade. A globalização, a mundialização da
economia, a tecnologificação dos vários sectores (ouso criar tal termo), os novos
mercados, os novos interesses, o curso da economia e o seu poder são os novos
sintomas auscultados na transição para o terceiro milénio, e que o tem conquistado.
A imponente indústria da lã que, hoje, não se consegue mostrar deixou a sua
história e património. A decoração e, inclusivamente, o design de interiores e de moda
recorrem a esta matéria-prima.590
A sua humilde origem artesanal deixou, contudo,
marcas que perduram. São os casos dos cobertores de papa (Guarda) e das tapeçarias
de Portalegre com funcionalidades e especificidades diferenciadoras, e únicas, diga-se –
sendo que a vertente artística logrou de maior intensidade nesta última.
2. Percebe-se, assim, que a Beira Interior e o Alto Alentejo têm mais em comum do que
590
Os artigos em burel (com empresas a trabalhá-lo sobretudo na região de Manteigas) têm conquistado
várias áreas do design, do vestuário aos adereços e à decoração. Não foram dadas as mesmas linhas ao
burel que às outras formas de transformar a lã – não por desinteresse, antes pelo contrário – pela simples
razão de não estar directamente relacionado com os museus objecto de estudo. Fique aqui o apontamento
de que as peças artesanais que têm como base a lã, e produzidas na Beira Interior e Alto Alentejo (das
peças em burel aos cobertores de papa e às tapeçarias de Portalegre), mereceriam uma reflexão, uma
análise e uma interpretação nomeadamente no âmbito do seu valor patrimonial, da refuncionalização e do
crivo criativo e artístico que têm seguido e que as tem distinguido.
291
se esperaria. A lã aproxima-os, a história e o património também, bem como o interesse
em preservá-los. Daí, se encontrarem na Covilhã, na Guarda e em Portalegre
instituições que cresceram com esse objectivo, como o museu. O museu é uma forma
instituída e reconhecida de recolha e conservação da história que se torna passado a
cada instante, mas que se quer fazer presente em qualquer época. Assim, procurou-se
perceber a importância do museu, nomeadamente de um museu de menores dimensões
em localidades mais afastadas do bulício das propostas culturais do lado atlântico. Quis-
se saber se este tipo de museus consegue comunicar e, sobretudo, se consegue
comunicar com a localidade que o acolhe e com o seu primeiro público: a comunidade
onde está inserido. Quis-se perceber se existe vínculo, se lhes é reconhecida a
importância que os museus pretendem dar àquilo que guardam e expõem.
Francisca Hernández publicara, em 1998, uma obra com um título sintetizador e
esclarecedor: El museo como espacio de comunicación. O museu não é apenas mais um
meio de comunicação, é um meio que engloba vários meios, assumindo-se como um
espaço que intermedeia o visitante e o acervo exposto, e este e as localidades onde se
encontra. Porquê? Porque é delas que os museus (e nomeadamente os museus
locais/regionais) sobrevivem, da história que se faz ali ou a partir dali; é aos
conterrâneos que mais interessa conservar o seu património. Antes disso, foi preciso
compreender a capacidade significante do museu, das suas formas de transmitir
informação e dos diferentes suportes que fazem circular as mensagens. Observe-se que
a verbalidade não pode monopolizar aquilo que se entende por comunicação, e, por isso,
surge em lugar destacado a comunicação da própria construção; dos objectos nela
presentes e a sua disposição no espaço, que leva a dois tipos de relação – a relação entre
os próprios objectos e entre estes e o espaço; e também a comunicação dos indivíduos
que se manifestam mesmo não verbalizando.
Aquilo que o museu é só ganha sentido quando o indivíduo interage com ele. A
teoria da Nova Comunicação diz-nos, em primeiro lugar, que é impossível não
comunicar. E tudo o que envolve o Homem comunica. O museu é um organismo
linguístico, e, como tal, nele existe uma sintaxe (considere-se a estrutura e a
organização), uma semântica (significado) e, finalmente, uma pragmática que acontece
no momento em que o indivíduo participa e interpreta a significação do edifício. O
mesmo se aplica às exposições. O museu é um espaço dialogante, de sociabilização e de
encontro. A bibliografia produzida pela American Association of Museums concorre,
cada vez mais, para a ideia de diálogo entre museu-público-localidade, e atribui ao
292
primeiro um papel activo (de responsabilização) no que diz respeito aos problemas e
contrapartidas dos restantes porque fazem parte da sua dinâmica vivencial. Os museus e
as exposições têm os seus próprios discursos, nos quais se pretende fazer prosperar, por
um lado, o espírito crítico, inquisitivo e experimental; e, por outro, a criatividade, a
imaginação e a diversidade. Assume-se como espaço de partilha e de criação de novas
experiências e de liberdade.
Nos casos do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã),
do Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda) e do Museu da Tapeçaria de Portalegre –
Guy Fino, os três habitam edifícios de pendor histórico: os dois primeiros ligados à
temática que lhes define a sua missão (ambos em antigas fábricas); e, no caso de
Portalegre, instalado numa antiga casa de uma família nobre. Todos referenciam o
património local, aludem a uma identidade, e não é por desempenharem, hoje, outras
funções que o museu-edifício perde o seu significante. Aliás, nos dois primeiros casos,
as mensagens veiculadas pelo acervo não estão desfasadas da significação dos edifícios.
3. O museu-de-todos-e-para-todos, que vários autores vêm discutindo (Francisca
Hernández Hernández, Luis Alonso Fernández, André Desvallées, Joan Santacana i
Mestre e Nayra Llonch Molina, Edward P. Alexander e Mary Alexander, Mário C.
Moutinho, Judite Primo, Cristina Bruno, Fernando João Moreira, entre outros), oferece
o grande desafio: quem são todos? E como ser museu para eles? O museu pós II Guerra
Mundial é um novo museu que acompanha uma Nova Museologia, onde o indivíduo
desfaz a sacralização do objecto, e se emancipa, reage e interage. Fala-se pois de um
«objecto-interactivo», segundo Hernández. E esta proximidade que se vem construindo
com o museu, a exposição e o objecto atrai o assunto tecnologia. Esta é (im)plantada
nos museus, tal como nas mais variadas áreas de actividade, e fermenta um carácter
persuasivo, dissuasor e inebriante, que B. J. Fogg revela não ter sido a base da criação
dos computadores, mas que veio impondo-se e condicionando os comportamentos.
A partir da década de 1980 surge o multimedia, e a informática funde-se com os
meios audiovisuais, com a edição e com o digital. Surge, assim, outra preocupação para
os museus: a tecnologia-da-distância. Isto é, a Internet possibilita ver aquilo que antes
só era possível presencialmente. Esta é uma dimensão atreita a dificuldades por parte de
museus de menor dimensão. Contudo, se se olhar à rotatividade591
das tapeçarias do
591
Para tornar o museu um pólo magnetizante não basta publicitar e apresentar repetidamente a sua
293
acervo do Museu da Tapeçaria de Portalegre – ver ao vivo uma tapeçaria de quatro
metros não é o mesmo do que ver o seu desenho no ecrã de computador –; ou ver e
escutar um tear em funcionamento, ver o cobertor ser tecido e sentir o cheiro da lã; ou
presenciar um objecto de toneladas, literalmente, de décadas de existência (lembrando a
caldeira De Nayer ou as estruturas arqueológicas da tinturaria oitocentista592
do Museu
de Lanifícios), a experiência é diferente. Na Internet, tem-se conhecimento dessa
existência, mas é fisicamente que é confirmada e autenticada.
Um dos aspectos mais repetidos pelos vários autores consultados foi a
primordialidade de se conhecer o público, as suas necessidades e os seus interesses; e,
por antecipação, conhecer o museu e saber o que este pode oferecer e de que forma.
Mais se percebeu que o discurso do museu e os programas elaborados (um dos aspectos
em que Mary Alexander insiste) devem ser adequados à sua essência e às suas
características e às do seu público. A eficácia só se consegue pela compreensão e o
visitante tem de ser capaz de o fazer. Deve, por isso, haver um planeamento racional e
também criativo para que os pontos fortes suplantem as fragilidades. No entanto, e
apesar de um discurso motivador, é facto que os museus de menores dimensões perdem
repercussão a outros níveis, mas têm (ou deverão ter) consciência de que é a sua
comunidade, é a sua cidade que têm de conquistar primeiramente. Ainda assim, veja-se
que o Museu de Lanifícios liderou um projecto ibérico sobre as rotas da transumância; e
o Museu da Tapeçaria de Portalegre é, como se pode verificar pela análise do inquérito
entregue nestas três instituições, mais visitado por indivíduos de nacionalidade
estrangeira (ver tabela, Anexos, pp. 340-342; ver ponto 4.4.4., p. 268). Estas são
manifestações de um trabalho que, tendo presente a sua associação a localidades de
menor dimensão e do Interior, acredita no seu produto e que este pode ter interesse
colecção, a qual poderá ter de esperar um longo período até nova aquisição ou renovação, facilitando ao
visitante a ideia de que o que foi visto está visto. De acordo com Joan Santacana i Mestre e Nayra Llonch
Molina, «a melhor exposição permanente é aquela que vai mudando continuamente», habilitando-se a
melhor ripostar contra a «fatídica» expressão na oração anterior. E neste aspecto o Museu da Tapeçaria de
Portalegre soube dar-lhe a melhor solução, em parceria com a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre.
592 A qual tem uma importância amplificadora, que não diz respeito apenas aos que lá trabalharam ou à
cidade onde estava instalada. É, de acordo com Elisa Pinheiro, «de grande significado técnico-cultural
para a história dos lanifícios, para a história da tinturaria europeia do Antigo Regime e para a Covilhã e
região da Serra da Estrela». Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Catálogo do Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade
da Beira Interior, Abril de 1998, p. 33.
294
noutras escalas.
Manuelina Cândida, em Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, recorre
a Jorge Enrique Hardoy, um célebre arquitecto argentino, e a Stanislas Adotevi, filósofo
francês, ao esquadrinhar o papel dos museus. As missivas de ambos convergem para o
ponto crítico da museologia actual, ou seja, para a definição da missão do museu.
Manuelina Cândida entende a perspectiva de Hardoy no sentido do dever de mudar o
museu enclausurado – não no tempo, mas no conceito.
Há que rejeitar o museu amorfo, isto é, «(…) os muros que protegem o passado intocável e
infalível e consagrarem-se [os museus] a um presente onde o homem comum possa assumir sua
dimensão de ator principal: expor exatamente os problemas críticos da sociedade. Sua missão
deveria ser criar as bases da compreensão dos problemas, para formar indivíduos responsáveis
por um processo de mudanças sociais e políticas [sic]»593
.
Do espírito revolucionário de Hardoy é-se transportado para o pensamento de
Stanislas Adotevi, cuja interpretação é norteada pelas capacidades criadora e pedagógica
de que os museus se devem munir e pela função de instrumento de progresso. Assim,
estes devem ser
«(…) núcleos de inspiração, lugares de profusão cultural, matrizes fecundas onde se fundem as
teorias humanas do desenvolvimento. Daí propor mesmo que o museu deva dar lugar aos
centros de formação e de reciclagem histórica. Sua ponderação sobre o desenvolvimento dá
conta de que este não é somente um fenômeno econômico, mas um momento da criação
contínua do homem pelo homem em todas as suas dimensões e que todo critério para sua
construção é interior a cada civilização [sic]»594
.
Em ambos, é o Homem quem sobressai. Também Varine-Bohan investe na
mesma ideia: o indivíduo-visitante comunica com a Humanidade por meio do objecto e
o conhecimento procede de uma acção continuada, intelectual e culturalmente
estimulante que prevê o desenvolvimento.595
De entre os parâmetros privilegiados para
593
Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria
Duarte Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico Brasileiro, vol. 20,
n.º 20, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2003, p. 42.
594 Stanislas Adotevi «Le musée inversion de la vie (le musée dans les systèmes éducatifs et culturels
contemporains» (1971) in André Desvallées, Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie. Paris: W
M. N. E. S., 1992. Vol. 1., pp. 133-134. Apud Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da
Nova Museologia», p. 43.
595 Hugues Varine-Bohan, «Le musée au service de l’homme et du développement» (1969) in André
Desvallées, Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie. Paris: W M. N. E. S., 1992. Vol. 1., p. 59.
Apud Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia», p. 45. «Hoje, “a
educação e o lazer são finalidades das instituições museológicas, fazem parte da função comunicação e
295
que este ideal se concretize, Varine-Bohan elege a
«integração da instituição na comunidade; transformação psicológica do museólogo, cuja
formação deve ser tripla (científica, técnica e de desenvolvimento); abandono do caráter
unidisciplinar do museu; adaptação das atividades e métodos do museu ao seu “público
natural”, a comunidade próxima; associação ao museu de representantes da comunidade,
particularmente dos jovens, a partir da elaboração de programas que resultem numa avaliação
institucional permanente; orientação sistemática do museu tanto para a pesquisa como para a
“animação”; vocação territorial (NACIONAL -» REGIONAL -» LOCAL) dos museus em
substituição às tipologias [sic]».
Museu e território não podem não se correlacionar. A afinidade que o museu
procura estimar com o indivíduo tem de a firmar com o território – com a identidade e a
cultura que o caracterizam – para que também o museu figure como elemento
identificativo, familiar, reconhecível, fraterno, de coesão da comunidade, ao qual
retorna. Neste sentido, Varine-Bohan reformula a equação museológica: fenece o
«Museu Tradicional = edifício + coleção + público» e apologiza-se o
«Ecomuseu/Museu Novo = território + património + população».596
4. A singela descrição do museu local esconde pequenas poções capazes de gerar algo
transformador e culturalmente relevante numa localidade, numa região e no país. No
geral, são tímidos. Enquanto uns apareceram por conta de arrebatamentos, outros
germinaram com o intuito de valorizar temáticas específicas da localidade/região.
Embora não sejam tão explícitas as virtudes que se podem encontrar nesta
particularização (porque não tão alimentadas e apoiadas pelos media, sobre os quais,
muitas vezes, se baseiam escolhas), estas pequenas células acabam por ser a forma de
expressão cultural e etnográfica com a qual, de outro modo, não seria possível contactar.
As gerações vão sendo renovadas (com intermitências na passagem de tradições), e as
propostas em zonas mais movimentadas e de temáticas de maior espectacularidade e
desenvolvem-se no seio da relação entre o homem e a realidade, mediada pelos bens culturais”», confirma
Mário Chagas, citado por Gabriela Cavaco, «O que é que são museus com qualidade pedagógica? O
museu criativo como alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, n.º 25,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, p. 34.
596 Ver Mário Chagas, «Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu e
Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
2002, p. 72. E Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova Museologia» in op. Cit.,
pp. 48-49.
296
impacto açambarcam a procura. Quando bem estruturados, os museus locais são
exemplares de autenticidade e provas da história local. Permitem aceder a um tipo de
fontes e de informação, por vezes na primeira pessoa, que dão substância ao passado do
colectivo, permitindo-lhe falar dele e estudá-lo.
Perseverar, em contexto local, pressupõe que haja quem o procure e frua de algo.
Como tal, Mestre e Molina consideram que os museus deste âmbito possam vir a ser um
percalço enquanto peças de um circuito turístico. Na serra não há só ar e rochas. Porque
não incluir nessa imagem estes complementos culturais que mostram aquilo que a serra
já não consegue? Os museus mantiveram, até há pouco tempo, um distanciamento
relativamente às actividades económicas, ao turismo e à posição de cavalo (agindo
como peões) no processo de desenvolvimento real. A ilação de Fernando João Moreira
relembra também que, sem independência financeira, os museus estavam
ideologicamente mais vulneráveis ao perfil dos regimes que os sustentavam.597
Era preciso, portanto, aproximá-los da população e da cultura locais, do
autêntico e dos recursos internos. É esta sensação de pureza e de verdade que mais atrai
os turistas, à qual respondem os mais exigentes porque não pretendem um produto
repetitivo, deslocado, padronizado, inverosímil e falsificado. Querem conhecer a
verdadeira cultura local, e não uma cultura plastificada.598
A oferta museológica deverá
considerar a restante oferta que a circunda, as demais infraestruturas e as actividades
culturais e lúdicas. Parafraseando Fernando Moreira, a «sinergia» é catalisadora de
«visibilidade» e atractiva para outros e/ou novos elementos. Devem saber tirar proveito
das possibilidades turísticas e criar esquemas de mobilidade do museu, atraindo
visitantes ao levar o museu a outros locais com outro tipo de formato e de estrutura.
Considerando as conclusões599
que Fernando Moreira teceu no âmbito da sua
tese de doutoramento, não me coíbo de as transportar para este estudo – afastando-me
do decalque, porque não é isso que se pretende –, adequando-as aos museus-casos-de-
estudo. Isto porque há inferências que não devem ser menosprezadas nem pelos museus
nem pelas localidades, sobretudo quando há condições viáveis para que algo aconteça.
Concretizando, «os museus podem efectivamente contribuir para a ascensão e afirmação
de um novo modelo de desenvolvimento turístico mais esclarecido, menos depredador e
597
Fernando João Moreira, O Turismo e os Museus nas Estratégias e nas Práticas de Desenvolvimento
Territorial, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008, pp. 358-359.
598 Idem, p. 589.
599 Idem, pp. 594-595.
297
mais sustentável». Tomando iniciativa, integrando-se e cooperando com outras áreas –
arriscando. A chave está na relação com as comunidades locais, «reconhecendo nelas o
interface indispensável e necessário, num plano de autenticidade e dinamismo, entre
eles e o turismo e, por acréscimo, robustecendo-as no plano identitário contra os
inevitáveis efeitos erosivos do turismo». Aproveitar a Natureza, que, nas regiões em
causa, está demasiado envolvida para ser rejeitada; e os produtos tradicionais locais,
«qualificá-los, diferenciá-los e rejuvenescê-los». O Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior, o Museu de Tecelagem dos Meios e o Museu da
Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino, bem como os seus territórios poderão,
efectivamente, evoluir no âmbito da oferta turístico-cultural.
5. Neste patamar, ganha especial sentido a acha que Hernández lança sobre o museu-
linguístico: a comunicação deverá ser, igualmente, estabelecida entre os museus
(nacionais e internacionais) e entre estes e outros organismos. Apesar de a temática que
define estes museus em particular não ser a imediatamente eleita pela memória como
primeira escolha para um passeio – e, ainda, a tradicional associação de museu a uma
casa da arte –, interligados, poderão formar um projecto unitário. Porque o turismo é
um projecto em rede, de coordenação de esforços e de valorização de recursos, surge a
ideia de Três destinos, um itinerário, no qual haja:
i) articulação e dialéctica entre três núcleos museológicos pela consolidação de uma
herança laneira e uma comunidade alargada;
ii) novas possibilidades comunicativas – as tecnologias da linguagem ao serviço e
incentivo do desenvolvimento local (económico, social e cultural);
iii) e a potencialidade turística dos têxteis (onde se incluem os produtos artesanais
deles decorrentes e outros associados) da Beira Interior e Alto Alentejo. E, nesse
sentido, extrapolar as fronteiras regionais e nacionais, assumindo-se como roteiro
coeso, aproveitando as vantagens do campo e da serra, da sua gastronomia, da
aventura e do sossego.
O inquérito realizado mostrou uma satisfação geral pela visita a cada um dos
museus, seja por parte de quem tem algum conhecimento ou proximidade com a
temática, seja por quem tenha ido à descoberta, sem antecedentes ou preparação. É de
registar, igualmente, o interesse manifestado por estas regiões (e, neste aspecto,
considere-se também algum tipo de ligação às mesmas), mas também pelo assunto
298
(ainda que se trate de uma pequena amostra para uma caracterização mais concludente).
Os visitantes sentem a presença frágil das novas tecnologias da informação e da
comunicação, de informação sobre as colecções e sobre museus relacionados com o
tema. Poucos visitaram espaços similares, mas demonstram interesse em fazê-lo. Ora,
deduz-se uma necessidade de complementaridade e continuidade do que conheceram
num dos locais. E, como se verificou, o turismo poderá ser um forte aliado.
Assim, de forma sucinta, se pretende justificar um itinerário comum, uma
actuação conjunta de três pontos museológicos que coordenem e estruturem as suas
mais-valias para proporcionar ao visitante uma experiência mais enriquecedora. Não só
do ponto de vista patrimonial e museológico, mas a todos os níveis, onde as três cidades
e as três regiões (a Beira Alta, a Beira Baixa e o Alto Alentejo) consigam dar-se a
conhecer e compor um produto turístico integrador. Veja-se o fio condutor que os une:
na Covilhã, estuda-se e apresenta-se a indústria têxtil com outra extensão, como um
todo; a ramificação dos Meios (Guarda) centra-se num dos ofícios dentro do processo
industrial da lã (a tecelagem); e, em Portalegre, depara-se com a concepção artística
dessa matéria-prima. A história, e a perspectiva globalizante, é o ponto de partida
(Covilhã), com experiências particularizadas/especializadas nos Meios e em Portalegre,
onde é possível conhecer a lã na forma de artesanato e arte.
São instituições educativas que promovem e difundem não só a história da lã e a
evolução da sua indústria, os processos e as técnicas de trabalho empregues, mas
também a sua aplicação artesanal e artística. Nelas, a preservação, recuperação e/ou
reconstituição de estruturas e a conservação e a exposição de acervo são comuns;
também a recolha, a documentação e a organização de informação sobre a aura dos
lanifícios que caracteriz(ou)a as localidades e as regiões se verifica. É, todavia, no
Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior que esses dados se tornam
substanciais (particularmente a sua evolução desde o século XVII até hoje) com a acção
do Centro de Documentação/Arquivo-Histórico e da investigação aí concentradas,
usufruindo do próprio corpo científico universitário que o rodeia. Até há pouco tempo,
com uma licenciatura dedicada à Engenharia Têxtil, que, acompanhando o
desfalecimento da indústria na região, foi deixando sementes em Design de Moda, por
exemplo, e eventualmente em áreas como a Bioquímica. Estes são alguns dos
aspectos600
unificadores entre os museus evidenciados e que se somam àquilo que pode
600
A acrescentar o esforço em salvaguardar matérias-primas e instrumentos de trabalho nos três museus,
299
ser explorado nesta tríade.
«Cada vez mais, os museus são considerados instituições que prestam serviços e,
por esta razão, necessitam, cada vez mais, de envolver conhecimentos de áreas como a
gestão da inovação, o marketing, o design e as novas tecnologias da informação e
comunicação.»601
Mário Moutinho, em Os museus como instituições prestadoras de
serviços, insiste na reavaliação do perfil dos museus, a fim de que se assuma um alter-
ego, ou melhor, um segundo ego, enquanto entidades prestadoras de serviços culturais
para que assim possam integrar um sector (terciário) «que cada vez mais ocupa a maior
parcela da economia mundial». Procurando a forma de comunicar à medida de cada
museu e de cada público. O Museu de Tecelagem e o Museu da Tapeçaria não têm sítios
de Internet próprios. O segundo caso tem o suporte da plataforma virtual da
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre que – do ponto de vista histórico, de
divulgação e de promoção das tapeçarias – completa a descrição que é feita do museu
na página que a Câmara Municipal de Portalegre lhe dedica no seu domínio. Um sítio
de Internet próprio para ambos enriquecê-los-ia e dar-lhes-ia mais e maior projecção?
Depure-se a atenção quanto ao deslumbramento ou ao facilitismo que o turismo
poderá propiciar. A desconfiança vem de Varine-Bohan: «A questão era: para quem é
esta herança? E analisando-a, Varine se contrapõe a uma cultura para consumo turístico.
“Aceitaremos a transformação do museu em um lugar reservado ao público dos hotéis e
restaurantes?” – Perguntava-se [sic]»602
. A boa colheita reside na abundante qualidade
do fruto. O homem enquanto produtor e dinamizador de cultura deve saber gerir o valor
do seu fruto e a aspiração ao desenvolvimento. O museu é intrinsecamente um espaço
do tempo, onde os problemas e as soluções foram uma constante.
ainda que o Museu de Lanifícios se distancie, também pelo facto de assumir essa acção como visceral.
Este propõe-se, ainda, a identificar as fontes de energia; desenvolve uma actuação isolada na
inventariação de estruturas fabris e produtos (produto final, amostras, anúncios) e provas do ambiente
social fabril; e presta «apoio à actividade industrial, pelo processo de consultas de amostras, patentes,
debuxos e de experiências anónimas de adaptação tecnológica e, ainda, o apoio a eventuais núcleos
museológicos locais». (Ver http://www.museu.ubi.pt/?cix=3046&lang=1)
601 Mário C. Moutinho, «Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite Primo
(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Setembro de 2007, p. 41.
602 Hugues Varine-Bohan, «Le musée au service de l’homme et du développement» (1969) in André
Desvallées, op. Cit., p. 54. Apud Manuelina Maria Duarte Cândida, «Vagues – a antologia da Nova
Museologia» in op. Cit., pp. 41-42.
300
O preconceito está na pequenez (ou no excesso de confiança) da visão: é um
pequeno museu, local, do município. Ponto final, pensar-se-á. Conotado com uma
museologia mal tratada, isto é, «“onde os recessos de um grande carácter tradicional se
cruzam com a fumarada de uma mal digerida e pior assimilada nova museologia”»603
.
Esta é a acepção a rejeitar porque, na verdade, alguns desses pequenos museus
converteram-se em museus de nova geração, comprometidos socialmente. Este novo
museu divide-se entre o indivíduo e o colectivo para os somar em «crescimento
interior» para o primeiro, e em enriquecimento patrimonial e bem-estar para o segundo.
Os dividendos repartem-se por ambos, pois o indivíduo é a unidade da comunidade. Do
elogio ao museu como servente da comunidade, Moreira deixa três apelos: «Vamos,
portanto, ser capazes de não temer a palavra “museu”; vamos, portanto, ser capazes de
confiar na energia criativa das populações; vamos, portanto, ser capazes de nos
tornarmos a nós próprios museólogos amadores»604
.
603
Fernando João Moreira, «On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,
Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º
27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, p. 43.
604 Fernando João Moreira, «The Creation Process of a Local Museum» in idem, p. 29.
301
Bibliografia Metodológica
ECO, Umberto,
Como se faz uma tese em Ciências Humanas, 11.ª ed., Lisboa, Editorial
Presença, Junho de 2004. (Tradução de Ana Falcão Bastos e Luís Leitão. Título
original: Como Si Fa Una Tesi Di Laurea, 1977.)
VILLAR, Mauro de Salles (Dir. de projecto),
Dicionário do Português Atual Houaiss, 1.ª ed., Lisboa, Círculo de Leitores,
2011. (Edição portuguesa.)
Bibliografia – Introdução
I. Bibliografia geral
MESTRE, Joan Santacana i e MOLINA, Nayra Llonch,
Museo local: la cenicienta de la cultura, Biblioteconomía y Administración
Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008.
Pe. António Vieira,
Sermão da Sexagésima, pp. 1-29. (BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da
Comunicação, disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/vieira-antonio-sermao-
sexagesima.pdf, acedido em 1 de Dezembro de 2012, às 20h30.)
II. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas
2.1. Ensaios em periódicos científicos
MAYRAND, Pierre e MOUTINHO, Mário C.,
«Le musée local de la nouvelle génération au Portugal, un pas en avant dans la
gestion communautaire qualitative: essai d’ interprétation épistémologique» in Judite
Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 45-55. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/511/414,
acedido em 3 de Dezembro de 2012, às 15h48.)
MOUTINHO, Mário C.,
«Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite
Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 39-44. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/510/413,
acedido em 3 de Dezembro de 2012, às 16h.)
POSTMAN, Neil,
Museus: geradores de cultura. Haia: ICOM, 1989 (texto impresso), abertura da
302
15.ª Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus/ICOM, em Haia-Holanda.
Apud Maria Cristina Oliveira Bruno, «Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos
entrelaçados» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e
Autarquias: A Qualidade em Museus, n.º 25, Lisboa, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 2006, pp. 5-20. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/419/324,
acedido em 3 de Janeiro de 2013, às 16h51.)
PRIMO, Judite,
«Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo
(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2007, pp. 117-133. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/517/420,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 15h43.)
III. Outras referências: legislação
Diário da República, I Série, Lei n.º 13/85, de 6 de Julho de 1985, Título I – Princípios
Fundamentais, Artigo 1.º e Artigo 2.º. (Diário da República, disponível em
http://dre.pt/pdfgratis/1985/07/15300.pdf)
Bibliografia – Revisão da Literatura e Estado da Questão
I. Bibliografia geral
Colóquio APOM 77 e Associação Portuguesa de Museologia (Colab.),
Museu de região – pólo dinamizador de acção cultural: actas, Lisboa, APOM,
1982.
CUSTÓDIO, Jorge; SANTOS, Luísa; RIBEIRO, Isabel; e BARBLAN, Marc,
Museologia e Arqueologia Industrial. Estudos e Projectos, Lisboa, Associação
Portuguesa de Arqueologia Industrial, 1991.
FERNÁNDEZ, Luis Alonso,
Introducción a la nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza
Editorial, 2002.
HERNÁNDEZ, Francisca Hernández,
El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía y
Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998.
International Committee for Regional Museums (ICR),
Staff and training in regional museums, Paris, ICOM, 2011.
MESTRE, Joan Santacana i e MOLINA, Nayra Llonch,
Museo local: la cenicienta de la cultura, Biblioteconomía y Administración
303
Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008.
II. Bibliografia específica
2.1. Dissertações e teses
CARVALHO, Maria Filomena Cruz Correia Pinto de,
Viver os têxteis: um complexo museológico para o concelho de Seia:
fundamentos e proposta de organização, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra, 2006. (Dissertação de mestrado em Museologia e Património Cultural.)
DIOGO, João Manuel Mendes de Oliveira,
Museologia regional e local em Portugal ontem e hoje: urgência de uma
política, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1997. (Dissertação de mestrado em
Museologia e Património.)
MARQUES, Paula Alexandra Cassino,
Nova museologia e museus locais: contributo para a organização de um Museu
Local em Alvaiázere, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
2002. (Dissertação de mestrado em Museologia.)
NEVES, José Miguel Casal Cardoso,
Museus industriais em Portugal (1822-1976): sua concepção e concretização,
Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1996. (Dissertação de mestrado em Museologia e
Património.)
RECHENA, Aida Maria Dionísio,
Processos museológicos locais: panorama museológico da Beira Interior Sul,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2003. (Dissertação de
mestrado em Museologia.)
2.2. Obras sobre os estudos de caso
PINHEIRO, Elisa Calado (Coord.),
Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da
Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de
Lanifícios, Abril de 1998.
III. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas
3.1. Ensaios em periódicos científicos
ALTAMIRANO, Carla; CRESPO, Carolina; LANDER, Erica; e ZUNINO, Natalia,
«Modalidades de apropiación del patrimonio: el museo y su público» in Arte y
recepción. VII Jornadas de Teoría e Historia de las Artes, Buenos Aires, CAIA (Centro
Argentino de Investigadores de las Artes), 1997, pp. 235-246.
BRUNO, Maria Cristina Oliveira,
«Museologia: algumas idéias para a sua organização disciplinar» in Cristina
Bruno, Cadernos de Sociomuseologia – Museologia e Comunicação, vol. 9, n.º 9,
304
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 1996, pp. 9-33.
(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/291/200,
acedido em 3 de Janeiro de 2013, às 17h02.)
FELGUEIRAS, Margarida Louro,
«Materialidade da cultura escolar. A importância da museologia na
conservação/comunicação da herança educativa» in Pro-Posições, vol. 16, n.º 1 (46),
Janeiro/Abril, 2005, pp. 87-101.
MOREIRA, Fernando João,
«On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,
Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia –
Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2007, pp. 31-44. (Nota: «The Museums’ Public in Portugal:
characterisation and motivations». POCTI – 33546 ULHT Sociourbanistic Study Centre
[Centro de estudos de Sociourbanismo da ULHT], 2005) (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/440/344,
acedido em 29 de Outubro de 2012, às 00h20.)
_____________________,
«The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas &
Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º
27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 11-29.
(Nota: Artigo com data de 1 de Janeiro de 2000, em Monte Redondo.) (Disponível em
Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/439/343,
acedido em 28 de Outubro de 2012, às 13h38.)
MOUTINHO, Mário C.,
«Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de
Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 2008, pp. 36-43. (Disponível em Revista Lusófona de
Humanidades e Tecnologias – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rhumanidades/article/view/987/808, acedido em
27 de Outubro de 2012, às 19h16.)
PRIMO, Judite,
«The Importance of Local Museum in Portugal» in Cristina Bruno, Mário
Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I,
vol. 27, n.º 27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007,
pp. 91-112. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/443/347,
acedido em 3 de Janeiro de 2013, às 17h12.)
3.2. Outros ensaios
305
LIRA, Sérgio,
Políticas museológicas e definição do conceito de Património: Da norma
legislativa à prática dos museus, Águas Santas, Abril de 1999, p. 1. (Prorestauro – O
portal de Conservação e Restauro,
http://www.prorestauro.com/index.php?option=content&task=view&id=58 e
http://www2.ufp.pt/~slira/artigos/politicasmuseologicasguimaraesabr99.htm, acedidos
em 3 de Julho de 2011.)
Bibliografia – Capítulo I
I. Bibliografia geral
HARRISON, William Henry e HOLLAND, James,
The Tourist in Portugal, Londres, Robert Jennings, 1839. (Edição fac simile)
LAINS, Pedro (Org.) e SILVA, Álvaro Ferreira da (Org.),
História económica de Portugal, 1700-2000. O Século XVIII. Vol. I, 2.ª ed.,
Lisboa, ICS – Imprensa de Ciências Sociais, Julho de 2005. Vols. I, II e III. (1.ª ed.:
Maio de 2005)
MACEDO, Jorge Borges de,
Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, 2.ª ed., Lisboa,
Querco, Setembro de 1982. (1.ª ed.: 1963)
MADUREIRA, Nuno Luís,
Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,
Editorial Estampa, 1997.
PEREIRA, Esteves,
Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª
Editores, 1979.
RAMOS, Rui (Coord.); SOUSA, Bernardo Vasconcelos e; e MONTEIRO, Nuno
Gonçalo,
História de Portugal, 4.ª ed., Lisboa, A Esfera dos Livros, Fevereiro de 2010.
(1.ª ed.: Novembro de 2009)
SERRÃO, Joaquim Veríssimo,
História de Portugal. A Restauração e a monarquia absoluta: (1640-1750), vol.
V, Lisboa, Editorial Verbo, 1980. Vols. I-XVIII.
II. Bibliografia específica
MONTEIRO, Ângelo,
Lanifícios de Portalegre – Do Passado ao Presente, s/l, 1963.
PINHEIRO, Elisa Calado (Coord.),
Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da
Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de
306
Lanifícios, Abril de 1998.
____________________________,
Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira
Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), Covilhã, Museu de
Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011. Vols. I e II.
PINTO, Clara Vaz,
Bordado de Castelo Branco: catálogo de desenhos, Lisboa, Instituto Português
de Museus, 1992.
III. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas
3.1. Ensaios em periódicos científicos
BRITES, Joana,
«Um uníssono a quatro vozes: arquitectura(s) do Estado Novo na Praça do
Município da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º 29, Julho
de 2009, pp. 126-133.
FERNANDES, José Manuel,
«Covilhã, uma leitura de síntese: estrutura urbana, conjuntos edificados e
arquitecturas, sua evolução» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º 29,
Julho de 2009, pp. 40-53.
MARTINS, João Paulo,
«O Sanatório da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º
29, Julho de 2009, pp. 134-147.
OLIVEIRA, Maria Genoveva,
«Ernst Korrodi, percurso de vida e a sua presença na cidade da Covilhã» in
Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, pp. 120-125.
SERRÃO, Vítor; MENDES, Maria do Carmo; e SILVA, Ricardo J. Nunes da,
«As pinturas do Salão dos Continentes na Casa das Morgadas e a arte na Covilhã
no início do século XVIII» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos, n.º 29,
Julho de 2009, pp. 76-87.
IV. Bibliografia online
Condicionamento Industrial. In Fundação Mário Soares, Arquivo & Biblioteca, Lisboa.
(Disponível em
http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/pesquisa?pesquisa=Condicionamento%20Industrial,
acedido em 14 de Outubro de 2011, às 01h19.)
Richard Arkwright. In Infopédia, Porto, Porto Editora, 2003-2011. (Disponível em
http://www.infopedia.pt/$richard-arkwright, acedido em 6 de Outubro de 2011, às
16h15.)
307
Bibliografia – Capítulo II
I. Bibliografia geral
GOMBRICH, Ernst. H.
A História da Arte, 2.ª ed., Lisboa, Público – Comunicação Social, S.A.,
2006. (Tradução de António Sabler. Título original: The Story of Art, 16.ª ed., Londres,
Phaidon Press Limited, 1995. [1.ª ed.: 1950])
II. Bibliografia específica
ARNHEIM, Rudolf,
Arte & Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora, Colecção Arte,
Arquitectura, Urbanismo, 9.ª ed., São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1995 (Tradução:
Ivonne Terezinha de Faria. Título original: Art and visual perception: a psychology of
the creative eye, 1.ª ed., Berkeley, University of California Press, 1954.)
BENJAMIN, Walter,
Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Lisboa, Relógio D’ Água Editores,
1992. (Traduções de Maria Luz Moita, Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto.)
ECO, Umberto,
O Signo, 2.ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1981. (Tradução de Maria de Fátima
Marinho. Título original: Segno, 1973.)
FERNÁNDEZ, Luis Alonso,
Introducción a la nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza
Editorial, 2002.
FIDALGO, António e GRADIM, Anabela,
Manual de Semiótica, Covilhã, Universidade da Beira Interior, 2004/2005.
(BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação,
http://www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-antonio-manual-semiotica-2005.pdf, acedido em 25
de Fevereiro de 2012, às 11h52.)
FOGG, B. J.,
Persuasive Technology: Using Computers to Change What We Think and Do,
São Francisco (Califórnia), Morgan Kaufmann Publishers, 2003.
HERNÁNDEZ, Francisca Hernández,
El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía y
Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998.
JOLY, Martine,
A Imagem e a sua Interpretação, Colecção Arte & Comunicação, Lisboa,
Edições 70, Março de 2003. (Tradução de José Francisco Espadeiro Martins. Título
original: L’ Image et son Interprétation, Nathan, VUEF, 2002.)
LÉVY, Pierre,
Cibercultura. Relatório para o Conselho da Europa no quadro do projecto
308
«Novas tecnologias: cooperação cultural e comunicação», Colecção Epistemologia e
Sociedade, Lisboa, Instituto Piaget, 2000. (Tradução de José Dias Ferreira. Título
original: Cyberculture, Éditions Odile Jacob / Éditions du Conseil de l’ Europe, 1997.)
MALRAUX, André,
O Museu Imaginário, Colecção Arte & Comunicação, Lisboa, Edições 70,
Janeiro de 2000. (Tradução de Isabel Saint-Aubyn. Título original: Le Musée
imaginaire, Éditions Gallimard, 1965.)
MCLUHAN, Marshall,
Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem (Understanding Media),
10.ª ed., São Paulo, Editora Cultrix, 1995. (Tradução de Décio Pignatari. Título original:
Understanding Media: The Extensions of Man, s/l, McGraw-Hill Book Company,
1964.)
PANOFSKY, Erwin,
O Significado nas Artes Visuais, 1.ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1989.
(Tradução de Diogo Falcão. Título original: Meaning in the Visual Arts, 1955.)
VILLAFAÑE, Justo e MÍNGUEZ, Norberto,
Principios de Teoría General de la Imagen, 4.ª ed., Madrid, Ediciones Pirámide,
2006. (1.ª ed.: 1996)
WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet Helmick e JACKSON, Don D.,
Pragmática da Comunicação Humana: um estudo dos padrões, patologias e
paradoxos de interação, 16.ª ed., São Paulo, Editora Cultrix, 2007. (Título original:
Pragmatics of Human Communication – A Study of International Patterns, Pathologies,
and Paradoxes. 1.ª ed.: 1967)
III. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas e Ensaios académicos
3.1. Ensaios académicos
BENTO, António,
«Meios e Fins». (Notas, s/d)
SERRÃO, Vítor,
«O conceito de Aura em A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade
Técnica» (Notas, 2011).
3.2. Ensaios em periódicos científicos
SILVA, Daniella Rebouças,
«As formas de ver as formas: uma tentativa de compreender a linguagem
expositiva dos museus» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia –
Museologia: Teoria e Prática, vol. 16, n.º 16, Lisboa, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 1999, pp. 69-101. (Cadernos de Sociomuseologia –
Revistas Universidade Lusófona,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/352/261,
acedido em 5 de Junho de 2012, às 15h43.)
309
IV. Bibliografia online
Escola de Palo Alto. In Infopédia, Porto, Porto Editora, 2003-2012. (Disponível em
http://www.infopedia.pt/$escola-de-palo-alto, acedido em 22 de Junho de 2012, às
16h50.)
Bibliografia – Capítulo III
I. Bibliografia geral
ALEXANDER, Edward P. e ALEXANDER, Mary,
Museums in Motion: An Introduction to the History and Functions of Museums,
2.ª ed., Plymouth (Reino Unido), AltaMira Press, 2008.
BAHN, Paul e RENFREW, Colin,
Archaeology. The Key Concepts, 3.ª ed., Nova Iorque, Routledge, 2008. (1.ª ed.:
2005)
BENJAMIN, Walter,
«Unpacking My Library. A Talk about Collecting» in Michael W. Jennings,
Howard Eiland e Gary Smith (Eds.), Walter Benjamin: Selected Writings 1931-1934,
vol. 2, parte 2, Cambridge (Massachusetts), Harvard University Press, 2005.
FERNÁNDEZ, Luis Alonso,
Introducción a la nueva museología, «Arte y Música», Madrid, Alianza
Editorial, 2002.
HERNÁNDEZ, Francisca Hernández,
El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía y
Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998.
IGOE, Kim,
«Involving the community» in American Association of Museums, A Museums
& Community Toolkit, Washington D. C., American Association of Museums, 2002, pp.
1-3. (Edição conjunta com American Association of Museums, Mastering Civic
Engagement: A Challenge to Museums, American Association of Museums [actual
American Alliance of Museums], 2002.)
MESTRE, Joan Santacana i e MOLINA, Nayra Llonch,
Museo local: la cenicienta de la cultura, Biblioteconomía y Administración
Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008.
II. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas
2.1. Artigos de periódicos informativos
Afonso Moura, «Google disponibiliza online 42 novas exposições históricas» in Jornal i
(ionline), 10 de Outubro de 2012, http://www.ionline.pt/boas-noticias/google-
310
disponibiliza-online-42-novas-exposicoes-historicas (Jornal i – jornal diário, acedido
em 22 de Novembro de 2012, às 16h58.)
George Steiner e António Lobo Antunes, «Queria ter sido como você, um escritor. » In
Revista LER, n.º 107, Novembro de 2011, pp. 34-52. (Conversa-entrevista entre George
Steiner e António Lobo Antunes em Cambridge, Inglaterra, em 9 de Outubro de 2011.)
2.2. Artigos de periódicos especializados
FABRE, Jehanne,
«Report on International Museum Day 2007» in ICOM News Magazine, vol. 61,
n.º 1, ICOM – International Council of Museums, 2008. (Disponível em ICOM News
Magazine, ICOM – International Council of Museums,
http://icom.museum/fileadmin/user_upload/pdf/ICOM_News/2008-1/ENG/p12_2008-
1.pdf, acedido em 24 de Outubro de 2012, às 15h16.)
2.3. Ensaios em periódicos científicos
BRUNO, Maria Cristina Oliveira,
«Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados» in Cadernos de
Sociomuseologia – XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em
Museus, n.º 25, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006,
pp. 5-20. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/419/324,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 15h35.)
___________________________,
«Museology as a Pedagogy for Heritage» in Cristina Bruno, Mário Chagas &
Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º
27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 127-143.
(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/445/349,
acedido em 25 de Agosto de 2012, às 20h08.)
CÂNDIDA, Manuelina Maria Duarte,
«Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria Duarte
Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico
Brasileiro, vol. 20, n.º 20, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2003, pp. 33-49. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/374/283,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 15h49.)
CAVACO, Gabriela,
«O que é que são museus com qualidade pedagógica? O museu criativo como
alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, n.º 25,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, pp. 33-39.
(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de
311
Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/421/326,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 19h54.)
CHAGAS, Mário,
«Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu
e Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 2002, pp. 43-81. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/367/276,
acedido em 1 de Outubro de 2012, às 17h30.)
FERNANDES, Ana Mercedes Stoffel,
«Gestão Museológica e Sistemas de Qualidade: Qualidade e Museus – Uma
parceria essencial – Introdução» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de
Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 135-148.
(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/518/421,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 19h50.)
GUILLOT-COURTEVILLE, Julie,
«Le musée, forum de citoyenneté, entre opportunisme et utopie» in Judite Primo
(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2007, pp. 255-260. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/529/432,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 13h11.)
MOREIRA, Fernando João,
«The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas &
Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º
27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 11-29.
(Nota: Artigo com data de 1 de Janeiro de 2000, em Monte Redondo.) (Disponível em
Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/439/343,
acedido em 28 de Outubro de 2012, às 13h38.)
MOUTINHO, Mário C.,
«Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite
Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 39-44. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/510/413,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 13h19.)
___________________,
312
«Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de
Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 2008, pp. 36-43. (Disponível em Revista Lusófona de
Humanidades e Tecnologias – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rhumanidades/article/view/987/808, acedido em
27 de Outubro de 2012, às 19h16.)
PRIMO, Judite,
«Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo
(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2007, pp. 117-133. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/517/420,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 15h43.)
____________,
«“O Sonho do Museólogo.” A exposição: desafio para uma nova linguagem
museográfica» in Mário Moutinho (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia –
Museologia: Teoria e Prática, vol. 16, n.º 16, Lisboa, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 1999, pp. 103-129. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/353/262,
acedido em 3 de Outubro de 2012, às 00h16.)
VARINE-BOHAN, Hugues de,
«Quelques idées sur le musée comme institution politique» in Judite Primo
(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2007, pp. 7-14. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/507/410,
acedido em 25 de Agosto de 2012, às 01h02.)
VICTOR, Isabel,
«O Paradoxo do Termo Avaliação em Museus: um problema da maior relevância
para a museologia contemporânea» in Cadernos de Sociomuseologia – XIII Encontro
Nacional Museologia e Autarquias: A Qualidade em Museus, n.º 25, Edições
Universitárias Lusófonas ULHT, 2006, pp. 105-119. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Revista Lusófona de Museologia da Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/426/331,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 16h47.)
Bibliografia – Capítulo IV
I. Bibliografia geral
BACON, Barbara Schaffer; KORZA, Pam; e WILLIAMS, Patricia E.,
313
«Giving voice: a role for museums in civic dialogue» in American Association
of Museums, A Museums & Community Toolkit, Washington D. C., American
Association of Museums, 2002, pp. 7-15. (Edição conjunta com American Association
of Museums, Mastering Civic Engagement: A Challenge to Museums, American
Association of Museums [actual American Alliance of Museums], 2002.)
BAHN, Paul e RENFREW, Colin,
Archaeology. The Key Concepts, 3.ª ed., Nova Iorque, Routledge, 2008. (1.ª ed.:
2005)
___________________________,
Archaeology: Theories, Methods and Practice, 5.ª ed., Londres, Thames &
Hudson Ltd., 2008. (1.ª ed.: 1991)
HERNÁNDEZ, Francisca Hernández,
El museo como espacio de comunicación, Colecção Biblioteconomía y
Administración Cultural, 1.ª ed., Gijón, Ediciones Trea, Fevereiro de 1998.
MACEDO, Jorge Borges de,
Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, 2.ª ed., Lisboa,
Querco, Setembro de 1982. (1.ª ed.: 1963)
MADUREIRA, Nuno Luís,
Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,
Editorial Estampa, 1997.
MESTRE, Joan Santacana i e MOLINA, Nayra Llonch,
Museo local: la cenicienta de la cultura, Biblioteconomía y Administración
Cultural, Gijón, Ediciones Trea, 2008.
PEREIRA, Esteves,
Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª
Editores, 1979.
II. Bibliografia específica
2.1. Dissertações e Teses
MOREIRA, Fernando João de Matos,
O Turismo e os Museus nas Estratégias e nas Práticas de Desenvolvimento
Territorial, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008. (Tese
de doutoramento em Museologia.) (Disponível no RECIL – Repositório Científico
Lusófona, em http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/86, acedido em 31 de Outubro
de 2012, às 17h.)
2.2. Obras sobre os estudos de caso
MONTEIRO, Ângelo,
Lanifícios de Portalegre – Do Passado ao Presente, s/l, 1963.
314
MORGADO, Casimiro Dias,
«Freguesia de Maçainhas» in Américo Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e
as campainhas de bronze de Maçainhas, Câmara Municipal da Guarda/Junta de
Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, pp. 3-18.
PINHEIRO, Elisa Calado (Coord.),
Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da
Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de
Lanifícios, Abril de 1998.
____________________________,
Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira
Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), Covilhã, Museu de
Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011. Vols. I e II.
____________________________,
Roteiro do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da
Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de
Lanifícios, Outubro de 1998.
PINHEIRO, Elisa Calado,
«Maçainhas (Guarda) na Rota da Lã: dos Fios aos Desafios» in Américo
Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de bronze de Maçainhas,
Câmara Municipal da Guarda/Junta de Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, pp.
19-43.
III. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas
3.1. Artigos de periódicos informativos
Ana Clara, «Portalegre – Museu Guy Fino preserva memórias da história da tapeçaria»
in Café Portugal, 20 de Outubro de 2010,
http://www.cafeportugal.net/pages/sitios_artigo.aspx?id=2719 (Café Portugal, acedido
em 12 de Novembro de 2012, às 16h28.)
George Steiner e António Lobo Antunes, «Queria ter sido como você, um escritor. » In
Revista LER, n.º 107, Novembro de 2011, pp. 34-52. (Conversa-entrevista entre George
Steiner e António Lobo Antunes em Cambridge, Inglaterra, em 9 de Outubro de 2011.)
3.2. Ensaios em periódicos científicos
CHAGAS, Mário,
«Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu
e Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 2002, pp. 43-81. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/367/276,
acedido em 1 de Outubro de 2012, às 17h30.)
FERNANDES, Ana Mercedes Stoffel,
315
«Gestão Museológica e Sistemas de Qualidade: Qualidade e Museus – Uma
parceria essencial – Introdução» in Judite Primo (Coord.), Cadernos de
Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, vol. 28, n.º 28,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 135-148.
(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/518/421,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 19h50.)
FOLGADO, Deolinda,
«Covilhã, a cidade que também foi fábrica» in Covilhã, a cidade-fábrica.
Revista Monumentos, n.º 29, Julho de 2009, pp. 88-97.
LUGO, Raúl Andrés Méndez,
«Concepción, método y vinculación de la museología comunitaria» in Cadernos
de Sociomuseologia – Questões Interdisciplinares na Museologia, n.º 41, Lisboa,
Edições Universitárias Lusófonas/Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2011, pp. 45-58. (Disponível em Revista Lusófona de Museologia –
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/2643/2016,
acedido em 30 de Dezembro de 2012, às 00h18.)
MAYRAND, Pierre e MOUTINHO, Mário C.,
«Le musée local de la nouvelle génération au Portugal, un pas en avant dans la
gestion communautaire qualitative: essai d’ interprétation épistémologique» in Judite
Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 45-55. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/511/414,
acedido em 29 de Outubro de 2012, às 19h12.)
MOREIRA, Fernando João,
«On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,
Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia –
Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2007, pp. 31-44. (Nota: «The Museums’ Public in Portugal:
characterisation and motivations». POCTI – 33546 ULHT Sociourbanistic Study Centre
[Centro de estudos de Sociourbanismo da ULHT], 2005) (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/440/344,
acedido em 29 de Outubro de 2012, às 00h20.)
______________________,
«The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas &
Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º
27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 11-29.
(Nota: Artigo com data de 1 de Janeiro de 2000, em Monte Redondo.) (Disponível em
Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/439/343,
316
acedido em 28 de Outubro de 2012, às 13h38.)
MOUTINHO, Mário C.,
«Os museus como instituições prestadoras de serviços» in Revista Lusófona de
Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 2008, pp. 36-43. (Disponível em Revista Lusófona de
Humanidades e Tecnologias – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rhumanidades/article/view/987/808, acedido em
27 de Outubro de 2012, às 19h16.)
___________________,
«Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite
Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 39-44. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/510/413,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 13h19.)
PINHEIRO, Elisa Calado,
«A Universidade da Beira Interior e o seu papel na reabilitação e reutilização do
património industrial da Covilhã» in Covilhã, a cidade-fábrica. Revista Monumentos,
n.º 29, Julho de 2009, pp. 98-109.
PRIMO, Judite,
«Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos» in Judite Primo
(Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2007, pp. 117-133. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/517/420,
acedido em 16 de Novembro de 2012, às 15h43.)
____________,
«Património, política cultural e globalização em contexto museal» in Revista
Lusófona de Humanidades e Tecnologias – Estudos e Ensaios, n.º 12, Lisboa,
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008, pp. 54-62. (Disponível
em Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias – Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rhumanidades/article/view/989/810, acedido em
23 de Novembro de 2012, às 14h51.)
IV. Catálogos de exposição
AZEVEDO, Fernando de e SILVA, Maria do Carmo Marques da (Coord.); TAMEN,
Pedro; et al. (Textos),
50 Anos de Tapeçaria em Portugal: Manufactura de Tapeçarias de Portalegre,
Fundação Calouste Gulbenkian: Serviços de Belas-Artes e Centro de Arte Moderna José
de Azeredo Perdigão, Lisboa, de 26 de Setembro a 15 de Dezembro de 1996, Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
317
PORTUGAL. Presidência do Conselho. Secretaria de Estado da Informação e Turismo
(Ed. lit.); FINO, Guy (Introd.),
22 Anos de Tapeçaria da Manufactura de Portalegre, Palácio Foz, Lisboa,
Março de 1969, Lisboa, Secretaria de Estado da Informação e Turismo, 1969.
LEVY, Paula; LEITE, Ana Cristina; FINO, Vera; et al. (Coord.),
Tapeçarias de Portalegre em Lisboa, Edifício Central do Município, Lisboa, de
Novembro de 2009 a Abril de 2010, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 2010. pp. 1-
60. (Ver http://tapecariasdeportalegre.cm-
lisboa.pt/fileadmin/TAPECARIAS_DE_PORTALEGRE/Catalogo/catalogo4.pdf,
acedido em 11 de Novembro de 2012, às 17h17.)
V. Outros estudos
MATEUS, Augusto (Coord.),
O Sector Cultural e Criativo em Portugal – Relatório Final do Estudo para o
Ministério da Cultura/Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações
Internacionais (GPEARI), Janeiro de 2010. (Augusto Mateus & Associados, disponível
em http://www.mincultura.gov.pt/SiteCollectionDocuments/Imprensa/SCC.pdf, acedido
em 15 de Janeiro de 2013, às 16h20.)
MATEUS, Augusto (Coord.),
O Sector Cultural e Criativo em Portugal – Sumário Executivo do Estudo para o
Ministério da Cultura/Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações
Internacionais (GPEARI). (Augusto Mateus & Associados, disponível em
http://www.mincultura.gov.pt/SiteCollectionDocuments/Imprensa/SCC_SumEx.pdf,
acedido em 22 de Novembro de 2012, às 17h.)
VI. Outras referências
6.1. Comunicações
«A economia cultural e criativa em Portugal: constrangimentos e oportunidades» de
Augusto Mateus no colóquio Os leilões de arte e antiguidades em Portugal no ISCTE-
IUL, em 26 de Março de 2010.
6.2. Informação manuscrita
Luís Costa, «História do Museu de Tecelagem de Meios». (Recolhas orais)
Luís Costa, «A Manta de Papa». (Recolhas orais)
Luís Costa, «As fases do cobertor de papa». (Recolhas orais)
VII. Bibliografia online
Definição de Museu. In International Council of Museums (ICOM). (Disponível em
http://icom.museum/the-vision/museum-definition/, acedido em 10 de Outubro de 2012,
às 15h10.)
Estatísticas de visitantes de Museus e de Palácios do IMC, Instituto dos Museus e da
318
Conservação, 2012. (Disponível em http://www.ipmuseus.pt/pt-
PT/recursos/estatisticas/ContentDetail.aspx, acedido em 18 de Novembro de 2012, às
11h40.)
Manuela Mendes, «Espaço Robinson. Síntese Histórica sobre a actividade da Fábrica de
Cortiça Robinson em Portalegre», Câmara Municipal de Portalegre, Janeiro de 2003.
(Disponível em http://www.cm-portalegre.pt/resources/2080/zoom/robinson.pdf,
acedido em 9 de Novembro de 2012, às 12h20.)
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, Portalegre. (Disponível em
http://www.mtportalegre.pt/pt/, acedido em 11 de Novembro de 2012, às 18h53.)
Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino in Câmara Municipal de Portalegre.
(Disponível em http://www.cm-portalegre.pt/page.php?page=618, acedido em 12 de
Novembro de 2012, às 16h33.)
Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, Covilhã. (Disponível em
http://www.museu.ubi.pt/, acedido em 20 de Novembro de 2012, às 18h02.)
http://www.jornalfontenova.com/fnonline.asp (Jornal Fonte Nova, semanário da região
de Portalegre – sítio em reestruturação em 12 de Novembro de 2012.)
Bibliografia – Conclusão
I. Bibliografia geral
MADUREIRA, Nuno Luís,
Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa,
Editorial Estampa, 1997.
PEREIRA, Esteves,
Subsídios para a História da Indústria Portuguesa, Lisboa, Guimarães & C.ª
Editores, 1979.
II. Bibliografia específica
2.1. Dissertações e Teses
MOREIRA, Fernando João de Matos,
O Turismo e os Museus nas Estratégias e nas Práticas de Desenvolvimento
Territorial, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2008. (Tese
de doutoramento em Museologia.) (Disponível no RECIL – Repositório Científico
Lusófona, em http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/86, acedido em 31 de Outubro
de 2012, às 17h.)
2.2. Obras sobre os estudos de caso
PINHEIRO, Elisa Calado (Coord.),
Catálogo do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da
319
Tinturaria da Real Fábrica de Panos, Covilhã, Universidade da Beira Interior/Museu de
Lanifícios, Abril de 1998.
___________________________________,
Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira
Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), Covilhã, Museu de
Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011. Vols. I e II.
III. Publicações periódicas – Boletins, Jornais, Revistas
3.1. Ensaios em periódicos científicos
CÂNDIDA, Manuelina Maria Duarte,
«Vagues – a antologia da Nova Museologia» in Manuelina Maria Duarte
Cândida, Cadernos de Sociomuseologia – Ondas do Pensamento Museológico
Brasileiro, vol. 20, n.º 20, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2003, pp. 33-49. (Disponível em Cadernos de Sociomuseologia –
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/374/283,
acedido em 14 de Dezembro de 2012, às 12h23.)
CAVACO, Gabriela,
«O que é que são museus com qualidade pedagógica? O museu criativo como
alternativa à educação formal da criança» in Cadernos de Sociomuseologia, n.º 25,
Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2006, pp. 33-39.
(Disponível em Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/421/326,
acedido em 15 de Dezembro de 2012, às 16h24.)
CHAGAS, Mário,
«Memória e Poder: dois movimentos» in Cadernos de Sociomuseologia – Museu
e Políticas de Memória, vol. 19, n.º 19, Lisboa, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, 2002, pp. 43-81. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/367/276,
acedido em 16 de Dezembro de 2012, às 15h25.)
MOREIRA, Fernando João,
«On the concept of the public: the local museums’ case» in Cristina Bruno,
Mário Chagas & Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia –
Sociomuseology I, vol. 27, n.º 27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2007, pp. 31-44. (Nota: «The Museums’ Public in Portugal:
characterisation and motivations». POCTI – 33546 ULHT Sociourbanistic Study Centre
[Centro de estudos de Sociourbanismo da ULHT], 2005) (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/440/344,
acedido em 16 de Dezembro de 2012, às 16h19.)
______________________,
320
«The Creation Process of a Local Museum» in Cristina Bruno, Mário Chagas &
Mário Moutinho (Eds.), Cadernos de Sociomuseologia – Sociomuseology I, vol. 27, n.º
27, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2007, pp. 11-29.
(Nota: Artigo com data de 1 de Janeiro de 2000, em Monte Redondo.) (Disponível em
Cadernos de Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/439/343,
acedido em 16 de Dezembro de 2012, às 19h28.)
MOUTINHO, Mário C.,
«Evolving definition of Sociomuseology: Proposal for reflection» in Judite
Primo (Coord.), Cadernos de Sociomuseologia – Actas do XII Atelier Internacional do
MINOM, vol. 28, n.º 28, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, Setembro de 2007, pp. 39-44. (Disponível em Cadernos de
Sociomuseologia – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/510/413,
acedido em 17 de Dezembro de 2012, às 11h20.)
IV. Bibliografia online
Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, Covilhã. (Disponível em
http://www.museu.ubi.pt/, acedido em 17 de Dezembro de 2012, às 13h05.)
Referência bibliográfica do excerto do poema «O Constante Diálogo» (página
destinada a dedicatória)
ANDRADE, Carlos Drummond de,
«O Constante Diálogo» in Discurso de Primavera e Algumas Sombras, 3.ª ed.,
Rio de Janeiro, José Olympio, 1979.
321
ANEXOS
Anexo A – Quadros
Quadro 1: Tabela de valores anuais de exportação de lã a partir de portos portugueses entre os anos de
1776 e 1800.
Fonte: «A. H. M. O. P. e B. I. N. E., Balança de Comércio, anos respectivos.» In Jorge Borges de
Macedo, Problemas de história da indústria portuguesa no século XVIII, 2.ª ed., Lisboa, Querco,
Setembro de 1982, p. 198.
Quadro 2: Importações portuguesas no período de 1796-1831.
Fonte: «A.H.M.O.P.T.C. e I.N.E., Balanças do Comércio de Portugal, 1796-1831.» In Nuno Luís
Madureira, Mercado e Privilégios – A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa, Editorial
Estampa, 1997, p. 317.
322
Anexo B - Gráficos
Gráfico 1: Fábricas de lanifícios por distrito em Portugal. Ano de 1881.
Em 1881, a Covilhã, distrito de Castelo Branco, é a localidade com o maior número de fábricas de
lanifícios, 72 no total. Em segundo lugar, mas com alguma margem de distância, segue-se o distrito da
Guarda com 41. Já o distrito de Portalegre é dos menos apetrechados, com apenas 2 infraestruturas fabris.
Fonte: Inquérito Industrial de 1881 in Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e
marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha),
vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011, p. 284.
323
Gráfico 2: Distribuição do número de operários por distrito em Portugal. Ano de 1881.
Covilhã e Lisboa aproximam-se, mas é a primeira localidade que emprega mais operários: 2715 na
Covilhã e 2486 em Lisboa. A Guarda posiciona-se em terceiro, com 1372 efectivos, mas Portalegre é o
antepenúltimo com 259 trabalhadores.
Fonte: Inquérito Industrial de 1881 in Elisa Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e
marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha),
vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2011, p. 284.
324
Gráfico 3: Evolução do número de estabelecimentos industriais na Beira Interior, comparando os anos de
1881, 1911 e 1943. Fonte: «Estatísticas, Boletim Industrial do Trabalho (diversos números) e inquéritos industriais.» In Elisa
Calado Pinheiro (Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira
Interior (Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior, 2011, p. 301.
325
Gráfico 4: Número de fábricas de lanifícios em Portugal. Ano de 1943.
Destaque para os distritos de Castelo Branco e Guarda, mas sem a presença de Portalegre entre as
localidades mais populosas em indústrias da lã.
Fonte: «Estatística Industrial de 1943, Instituto Nacional de Estatística, 1945.» In Elisa Calado Pinheiro
(Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior
(Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da Universidade
da Beira Interior, 2011, p. 305.
326
Gráfico 5: Pessoal ao serviço na indústria de lanifícios. Ano de 1943.
A situação aqui descrita confirma o cenário do gráfico 4 relativo ao número de fábricas de lanifícios em
Portugal. Os distritos de Castelo Branco e Guarda a destacarem-se, e Portalegre a integrar o valor global
de operários no sector da indústria dos lanifícios.
Fonte: «Estatística Industrial de 1943, Instituto Nacional de Estatística, 1945.» In Elisa Calado Pinheiro
(Coord.), Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior
(Portugal), comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da Universidade
da Beira Interior, 2011, p. 305.
327
Gráfico 6: Parque Industrial da Covilhã. Ano de 1973. Relação entre as actividades afectas à indústria de
lanifícios e a quantidade de máquinas utilizada.
A tecelagem é a actividade que mais maquinaria consome, totalizando 2167 máquinas, seguida da Fiação
de Penteado com 429. E, em último, a Lavagem de Lãs com 2 máquinas.
Fonte: «Comissão de Coordenação de Planeamento da Região Centro, Reorganização da Indústria de
Lanifícios e a Criação de Novas Indústrias na Cova da Beira, 1973.» In Elisa Calado Pinheiro (Coord.),
Rota da lã Translana: percursos e marcas de um território de fronteira. Beira Interior (Portugal),
comarca Tajo-Salor-Almonte (Espanha), vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios da Universidade da Beira
Interior, 2011, p. 305.
328
Fig. 1
Planta da área musealizada e intervencionada da
Real Fábrica de Panos. Covilhã.
Fig. 2
Real Fábrica de Panos em obras de reabilitação,
1975. Rua Marquês d’ Ávila e Bolama. Covilhã.
Anexo C - Imagens
Capítulo IV
1. Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã)
329
Fig. 3
Fachada principal e arco de ligação
dos edifícios da Real Fábrica de
Panos, Fevereiro de 2010. Covilhã.
Fig. 4
Tinturaria dos Panos de Lã, Real Fábrica de
Panos. Estrutura de caldeira da Fornalha 4. Obras
de conservação e restauro, 1991.
Fig. 5
Sala da Tinturaria dos Panos de Lã,
Real Fábrica de Panos. Área de
intervenção arqueológica, 1992.
330
Fig. 9
Corredores das Fornalhas, Real Fábrica de
Panos. Início das obras de reabilitação,
em 1975/76.
Fig. 10
Corredor das Fornalhas I, Real Fábrica de Panos,
1992.
Fig. 6
Em cima, Sala da Tinturaria das
Dornas, Real Fábrica de Panos.
Em baixo, pormenor da caldeira da
Fornalha 9. Reconstituição executada pela Casa Hipólito, Torres Vedras.
Figs. 7 e 8
A Tinturaria das Dornas, Real
Fábrica de Panos, antes e depois
das intervenções arqueológica e
arquitectónica.
Em cima, em 1976.
Em baixo, em 1992.
331
Fig. 11
Corredor das Fornalhas II, Real Fábrica
de Panos.
Fig. 12
Pormenor do Corredor das Fornalhas II, Real Fábrica de
Panos, Fevereiro de 2010. Subindo o primeiro lance de
escadas (em pedra) tem-se acesso à Parada. Subindo as
escadas em ferro, no primeiro patamar, há uma entrada
para um gabinete. O segundo, e último, patamar faz parte
de um corredor que liga duas partes da Faculdade de Artes
e Letras da Universidade da Beira Interior (UBI), uma
delas dá acesso a salas de aula, gabinetes e serviços
técnicos que ocupam agora parte das instalações da antiga
Real Fábrica de Panos.
Fig. 13
Vista parcial a partir de um corredor envidraçado, – (citado na Fig. 12 e
que corresponde ao último patamar descrito) da Faculdade de Artes e
Letras da Universidade da Beira Interior (UBI) –, da ala das tinturarias
(em baixo), e pormenores de janelas/portadas de gabinetes de docentes
(em cima). Janeiro de 2013.
332
Nota: As figuras 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 foram retiradas das seguintes publicações: Catálogo do
Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica de Panos e
Roteiro do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Núcleo da Tinturaria da Real Fábrica
de Panos. As figuras 3, 12 e 13 foram capturadas manualmente, in loco. As figuras 3 e 12 em Fevereiro
de 2010, e a figura 13 em Janeiro de 2013.
As figuras 14, 15 e 16 foram cedidas pelo Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.
Fig. 14 – Vista da fachada do Núcleo Museológico da
Real Fábrica Veiga.
Fig. 15
Caldeira a vapor De Nayer & C.ª
(em exposição permanente no
núcleo da Real Fábrica Veiga).
Fig. 16
Vista parcial de uma carda (consta do
acervo do núcleo da Real Fábrica
Veiga).
333
2. Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda)
Fig. 17 – Cobertor branco. Matéria-prima: lã de ovelha churra.
Função: cobertor de cama e objecto de decoração (Oficina José
Pires Freire, Maçainhas, Guarda). Fonte: Américo Rodrigues
(Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de bronze de
Maçainhas, Câmara Municipal da Guarda e Junta de Freguesia de
Maçainhas, Fevereiro de 2004, p. 48.
Fig. 18 – Cobertor branco com três listas castanhas. Matéria-
prima: lã de ovelha churra. Função: cobertor de cama e objecto
de decoração (Oficina José Pires Freire, Maçainhas, Guarda).
Fonte: Américo Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as
campainhas de bronze de Maçainhas, Câmara Municipal da
Guarda e Junta de Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, p.
45.
334
Fig. 19 – Manta lobeira ou manta espanhola. Matéria-prima: lã de
ovelha churra. Função: cobertor de cama e objecto de decoração
(Oficina José Pires Freire, Maçainhas, Guarda). Fonte: Américo
Rodrigues (Coord.), O cobertor de papa e as campainhas de
bronze de Maçainhas, Câmara Municipal da Guarda e Junta de
Freguesia de Maçainhas, Fevereiro de 2004, p. 47.
335
Fig. 21 – As tecedeiras a tecer a tapeçaria no
tear vertical. Fonte: Catálogo Tapeçarias de
Portalegre em Lisboa.
http://tapecariasdeportalegre.cm-
lisboa.pt/fileadmin/TAPECARIAS_DE_PO
RTALEGRE/Catalogo/catalogo4.pdf
3. Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino (Portalegre)
Fig. 20 – Ampliação do desenho do cartão
de um artista. Catálogo Tapeçarias de
Portalegre em Lisboa.
http://tapecariasdeportalegre.cm-
lisboa.pt/fileadmin/TAPECARIAS_DE_PO
RTALEGRE/Catalogo/catalogo4.pdf
336
Fig. 22 – Guilherme Camarinha, Leitura Nova, 1969. Dim.: 482 x 1162 cm. Biblioteca Nacional
de Portugal, Sala de Leitura Geral. Fonte: Catálogo Tapeçarias de Portalegre em Lisboa,
disponível em http://tapecariasdeportalegre.cm-lisboa.pt/
Fig. 23 – Almada Negreiros, Domingo Lisboeta. (Tríptico) Dim.: 410 x 205cm. Fonte:
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, disponível em
http://www.mtportalegre.pt/pt/artists/view/60/1
337
Fig. 24 – Joana Vasconcelos, Ave do Paraíso. Dim.: 185 x 132cm. Fonte:
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, disponível em
http://www.mtportalegre.pt/pt/galeria
338
ANEXO D - QUESTIONÁRIOS QUESTIONÁRIO AOS VISITANTES –
Para os museus: Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior (Covilhã),
Museu de Tecelagem dos Meios (Guarda), e
Museu da Tapeçaria de Portalegre Guy Fino
(Portalegre)
Data: ___________
Feminino: ⃝ Masculino: ⃝
Concelho de origem do visitante:
________________________________
_________________
Idade:
Até 10 anos: ⃝ 11-18 anos: ⃝ 19-25 anos: ⃝ 26-45 anos: ⃝ 46-65 anos: ⃝ Mais de 65 anos: ⃝
Grau de formação:
Básico ⃝ Secundário ⃝ Superior ⃝ Área de formação:
________________________________
___________________
1 – Como tomou conhecimento do
museu?
Internet ⃝ Publicidade ⃝ Sugestão de conhecidos ⃝ Indicação de unidades hoteleiras ⃝ Informação de Posto de Turismo ⃝ Outros ⃝ Quais?
________________________________
_______________________________
2 – O que o motivou a visitar este
museu?
Interesse pela temática ⃝ Ligação à localidade ou à região ⃝ Razões profissionais/académicas ⃝ Casualidade ⃝ Outros ⃝ Quais?
________________________________
_______________________________
3 – Tem alguma ligação familiar,
profissional ou outra à temática deste
museu?
Sim ⃝ Não ⃝ Se sim, de que ordem?
________________________________
__________________________
4 – O que destacaria da exposição?
Algum objecto em particular ⃝ Qual?
________________________________
______________
Diversidade da colecção ⃝ Organização da exposição ⃝ Proximidade com os objectos ⃝ Explicações/informações
complementares (guias, painéis, etc.) ⃝ Outros ⃝ Quais?
________________________________
_______________________________
VFSFF
5 – O que mais lhe agradou nas
instalações do museu?
Arquitectura do edifício ⃝ Organização dos espaços ⃝ Circulação entre os vários espaços ⃝ Novas tecnologias da informação e da
comunicação (aparelhos multimedia) ⃝ Outros ⃝ Quais?
________________________________
_______________________________
6 – O que gostaria de ver melhorado
ou de diferente nas instalações
visitadas?
Mobilidade ⃝ Mais informação sobre a colecção ⃝ Novas tecnologias da informação e da
comunicação (aparelhos multimedia) ⃝ Mais informação sobre museus da
mesma temática ⃝ Outros ⃝ Quais?
________________________________
_______________________________
339
7 – Já visitou ou tem conhecimento de
mais algum museu relacionado com
esta temática?
Sim ⃝ Quais?
________________________________
________________________________
Não ⃝
Se sim, de que forma teve
conhecimento do(s) mesmo(s)?
Internet ⃝ Publicidade ⃝ Sugestão de conhecidos ⃝ Indicação de unidades hoteleiras ⃝ Informação de Posto de Turismo ⃝ Outros ⃝ Quais?
________________________________
_______________________________
8 – Se ainda não o(s) visitou, pretende
fazê-lo? Sim ⃝ Não ⃝ Porquê?
________________________________
________________________________
_____________
Bem-haja
Ana Isabel Albuquerque
Mestranda em Arte, Património e Teoria
do Restauro
Instituto de História da Arte
Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa
340
ANEXO E – TABELA DE INTERPRETAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS
Museu da Tapeçaria
de Portalegre Guy
Fino (Portalegre)
Museu de
Tecelagem dos
Meios (Guarda)
Museu de
Lanifícios da UBI
(Covilhã)
Total de respostas
Feminino
Masculino
Sem informação
27
18
8
1
13
7
6
-
35
20
15
-
Origem dos
visitantes
Região do museu
Grande Lisboa
Grande Porto
Outros concelhos
Estrangeiro
0
9
2
5
11
10
2
-
1
-
4
11
12
7
1
Idade
Até 10 anos:
11-18 anos:
19-25 anos:
26-45 anos:
46-65 anos:
Mais de 65 anos:
0
0
2
1
14
10
1
0
0
5
7
0
0
1
2
17
14
1
Ensino
Básico
Secundário
Superior
2
5
19
3
3
7
0
11
24
1 - Como
tomou
conhecimento
do museu?
- Internet
- Publicidade
- Sugestão de
conhecidos
- Indicação de
unidades
hoteleiras
- Informação de
Posto de Turismo
- Outros
0
0
5
7
8
7
1
1
7
0
2
3
11
5
8
2
5
6
2 – O que o
motivou a
visitar este
museu?
- Interesse pela
temática
- Ligação à
localidade ou à
região
- Razões
profissionais/
académicas
- Casualidade
- Outros
14
2
0
8
2
8
4
0
1
1
17
13
2
6
4
3 – Tem - Não 27 6 29
341
alguma
ligação
familiar,
profissional
ou outra à
temática
deste museu?
- Sim 0 7 6
4 – O que
destacaria da
exposição?
(não respondeu)
- Algum objecto
em particular
- Diversidade da
colecção
- Organização da
exposição
- Proximidade
com os objectos
- Explicações/
informações
complementares
(guias, painéis,
etc.)
- Outros
2
9
17
13
9
7
5
-
9
4
3
7
2
2
-
18
12
17
14
7
0
5 – O que
mais lhe
agradou nas
instalações do
museu?
(não respondeu)
- Arquitectura do
edifício
- Organização dos
espaços
- Circulação entre
os vários espaços
- Novas
tecnologias da
informação e da
comunicação
(aparelhos
multimedia)
- Outros
2
13
13
13
0
1
1
8
3
1
0
2
2
15
22
10
2
0
6 – O que
gostaria de
ver
melhorado ou
de diferente
nas
instalações
visitadas?
(não respondeu)
- Mobilidade
- Mais
informação sobre
a colecção
- Novas
tecnologias da
informação e da
comunicação
(aparelhos
multimedia)
- Mais
informação sobre
7
0
8
4
3
1
2
1
1
4
9
1
6
12
6
342
museus da mesma
temática
- Outros
6
4
2
7 – Já visitou
ou tem
conhecimento
de mais
algum museu
relacionado
com esta
temática?
(não respondeu)
- Não
- Sim
Se sim, de
que forma teve
conhecimento
do(s) mesmo(s)?
- Internet
- Publicidade
- Sugestão de
conhecidos
- Indicação de
unidades
hoteleiras
- Informação de
Posto de Turismo
- Outros
2
24
1
-
-
-
-
-
1
-
9
4
1
0
2
-
-
-
1
31
3
-
-
1
-
-
-
8 – Se ainda
não o(s)
visitou,
pretende
fazê-lo?
(não respondeu)
- Sim
- Não
14
11
0
2
9
0
14
17
4