mulheres em alto escalão

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Mulheres em Alto Escalão

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  • Carmen Barroso

    145Revista do Servio Pblico Braslia 66 (1) 145-159 jan/mar 2015

    RSP RevisitadaAs mulheres nos altos

    escales da administrao pblica no Brasil

    Carmen Barroso* Texto publicado na RSP, ano 43, 116(3), jul./out.,1988

    A situao das mulheres na administrao pblica brasileira, as discriminaes que sofrem e as dificuldades que enfrentam para atingirem os altos escales da burocracia estatal foram analisadas pela professora Carmen Lucia de Melo Barroso em trabalho apresentado em janeiro de 1987 na Inter-regional Workshop on Career Development of Managerial Women, ocorrida em Bangkok, e que a Revista do Servio Pblico republica nesta edio. A luta das mulheres brasileiras pela ocupao de postos de comando na administrao pblica e as presses psicolgicas a que so submetidas foram corroboradas pelos dados contidos na pesquisa indita na poca sobre o processo de contratao, demisso e desenvolvimento da carreira dos executivos brasileiros, divulgada no dia 2 de dezembro de 1986, em So Paulo, pela agncia de empregos Catho Thomas Case. Pela pesquisa realizada no perodo, apenas 4% dos executivos brasileiros eram mulheres, sendo que 45% desse total de mulheres estavam concentrados na rea de Recursos Humanos. Quase 30 anos depois, fato que a atuao feminina no mercado de trabalho se ampliou, porm muitos dos desafios apresentados no artigo ainda persistem. No Poder Executivo Federal, de acordo com dados do Boletim Estatstico de Pessoal n 214, de fevereiro de 2014, o percentual de cargos de Direo e Assessoramento Superior (DAS) dos dois nveis mais altos DAS 5 e 6 ocupados por servidoras de 28% e 19%, respectivamente. Aps anos de emancipao feminina e de luta pela igualdade de direitos, a balana de distribuio de cargos, funes e gratificaes no servio pblico brasileiro ainda pende para o lado masculino.

    * Agradecimentos especiais colaborao de Mriam Brizzocchi, Andreia Brunstein, Tina Amado, Mayra Soares,

    Maria Helena Coelho, lsolina R. S. Figueiredo, Adriana Gragnani, Leda do Nascimento, Ana Maria S. Teixeira,

    Tereza Ferraz, Eny M. Maya e Santamaria Silveira.

  • As mulheres nos altos escales da administrao pblica no Brasil

    146 Revista do Servio Pblico Braslia 66 (1) 145-159 jan/mar 2015

    At meados do sculo XX o Estado brasileiro se caracterizava por uma poltica relativamente no intervencionista na rea econmica e com pouco investimento nos servios sociais. Conseqentemente, a burocracia estatal era bastante reduzida e permaneceu assim at a dcada de 1930 quando a crise econmica mundial joga o pas na trilha do desenvolvimento industrial atravs da substituio de importaes e o Estado passa a ser um agente ativo, aumentando o seu poder e sua mquina burocrtica. Vieira da Cunha (1963, p. 112, 114) descreve esse perodo: Enquanto em 1920 havia 6 funcionrios pblicos para cada mil habitantes, esse nmero sobe para 12 em 1940... H um fortalecimento da burocracia civil e militar no pas como um todo. Isso reflete a transio de um pas predominantemente rural para um pas com caractersticas urbanas e industriais. o fim do poder absoluto dos senhores de terra, sustentados por um Estado dbil e pequeno. o crescimento de uma organizao poltica, se no a nvel nacional, pelo menos a nvel estadual.

    Nas ltimas cinco dcadas, a mquina do Estado manteve um ritmo constante de crescimento acelerado, inclusive com a criao de muitas empresas estatais, especialmente nas reas de infra-estrutura e indstria pesada. Ao lado desta participao crescente nas atividades produtivas, o Estado tambm expandiu e diversificou os tipos de servio que presta, especialmente nas reas de seguridade social, educao e sade. O resultado que a relao entre as despesas governamentais (nos trs nveis federal, estadual e municipal, incluindo-se as empresas estatais) e o PIB (produto interno bruto) subiu de 12,5% em 1920 para 32,2% em 1969 (Baer et al., 1973).

    O sistema pblico , pois, um empregador importante no Brasil. Isso ocorre em todas as regies do pas, embora respondendo a diferentes necessidades e, portanto, apresentando caractersticas diferentes em cada regio. Segundo Vieira da Cunha, a expanso da burocracia estatal no Sul corresponde a uma maior eficincia na participao do Estado em uma economia cada vez mais complexa e desenvolvida, enquanto no Nordeste, onde o nvel total de desenvolvimento muito mais baixo, essa expanso busca acomodar as demandas de uma classe mdia urbana para quem o setor privado no capaz de oferecer empregos em nmero suficiente, acarretando o empreguismo. Alm disso, a exigncia real dos empregos to pequena e os salrios to baixos que, especialmente os funcionrios pblicos de nveis mais elevados podem facilmente manter dois ou mais empregos ao mesmo tempo (Giffin, 1979); uma prtica bastante comum, embora ilegal.

    Dentro do que j foi chamado de privatizao da ordem pblica, o emprego governamental tradicionalmente um meio de pagamento de dbitos pessoais e de benefcio de dependentes. Pode-se considerar que as preocupaes familiares e interpessoais dominam a natureza das relaes dentro das estruturas do emprego pblico, embora no sejam sua exclusividade (Giffin, p. 172).

  • Carmen Barroso

    147Revista do Servio Pblico Braslia 66 (1) 145-159 jan/mar 2015

    Paralelamente e de forma simultnea a esta poltica clientelista, passa a existir um sistema universal de promoo e acesso atravs da avaliao objetiva de mritos para os cargos inferiores, a partir de 1938, quando foi aprovado o Estatuto do Servio Pblico. Desde 1918, os funcionrios pblicos reivindicavam o fim do favoritismo e da insegurana no emprego, mas a lei s foi promulgada quando ganharam reconhecimento poltico atravs de sua participao na Revoluo de 1932 (Vieira da Cunha, 1963, p. 64).

    Uma vez que a grande maioria da populao brasileira permanece marginalizada

    tanto do sistema educacional quanto das oportunidades de emprego, os empregos

    da administrao pblica gozam de uma posio relativamente privilegiada, embora

    para os indivduos com educao universitria especialmente nas regies mais

    desenvolvidas do pas o emprego pblico tenha se tornado uma alternativa pouco

    desejvel, a ser evitada sempre que possvel, como mostra Gouveia (1972). Mesmo

    durante a ditadura militar das dcadas de 1960 e 1970, o perodo em que os analistas

    falam do surgimento de uma nova tecnocracia, Martins (1974) aponta que engenheiros,

    economistas, cientistas sociais, profissionais da rea de cincias naturais, tendiam a

    acreditar que cientistas e tcnicos perdem sua autonomia crtica e no so capazes de

    implementar seus projetos e ideais quando passam a trabalhar para o governo.

    As mulheres na administrao pblica

    O fim da discriminao sexual no emprego pblico estava na ordem do dia para as professoras e esposas de funcionrios pblicos que fundaram o Partido Republicano Feminino, nos idos de 1910. Por volta de 1920 alguns postos pblicos importantes foram conquistados pelas mulheres, s vezes atravs de concursos abertos aos quais podiam se candidatar depois de recorrer justia. Bertha Lutz, a mais famosa lder brasileira da campanha pelo voto feminino, foi contratada como biloga pelo Museu Nacional em 1919. As mulheres brasileiras conquistaram o direito de voto em 1932, depois de uma campanha que reunia mulheres profissionais, trabalhadoras de escritrio, funcionrias pblicas e enfermeiras, mas no trabalhadoras fabris. Essa vitria teve uma vida curta, pois em 1937 um golpe bania as eleies e exclua as mulheres da diplomacia e outros postos governamentais aos quais tinham sido admitidas recentemente (Hahner, 1981).

    O Censo do servio pblico federal, de 1938, entretanto, registrou 8,8% de mulheres. Essa percentagem subiu para 20,6% em 1958 quando foram publicados dados separados para os cargos efetivos (26,4% mulheres) e no efetivos (15,9%) (Vieira da Cunha, 1963). A vantagem relativa das mulheres em relao aos cargos efetivos se deve provavelmente lei de 1938 que estabelecia que tais postos deviam

    ser preenchidos atravs de concursos abertos e testes annimos.

    Gabinete-GovernadorHighlight

  • As mulheres nos altos escales da administrao pblica no Brasil

    148 Revista do Servio Pblico Braslia 66 (1) 145-159 jan/mar 2015

    De fato, a administrao pblica se tornou cada vez mais uma fonte importante

    de emprego para as mulheres, como se pode ver na Tabela 1, apesar do fato de que

    a percentagem apresentada nessa tabela subestima o peso da administrao pblica,

    principalmente porque os professores da rede pblica, os trabalhadores da sade e servios sociais esto computados na categoria de atividades sociais. Levando-se

    em considerao que uma grande proporo desses trabalhadores so empregados

    pelo Estado1, e que desses a maioria so mulheres (ver Tabela 2), claro que tem

    uma importncia maior para as mulheres do que para os homens, e que essa diferena relativa vem crescendo atravs dos anos. Isso se deve, provavelmente, a uma conjuno de quatro fatores que se reforam mutuamente: o fato do Estado prover servios tradicionalmente desempenhados pelas mulheres dentro das famlias e o reforo ideolgico da imagem que marca estas tarefas como trabalho feminino; a crescente deteriorao dos salrios dos servidores pblicos, tornando-as cada vez menos desejveis para os homens, exceto nos casos de postos mais elevados e em algumas empresas estatais; a menor exigncia caracterstica dos empregos pblicos, tornando-os mais compatveis com a dupla jornada das mulheres, uma vez que o trabalho domstico e o cuidado com as crianas no so compartilhados pelos homens em casa; e a atitude menos discriminatria do Estado nas contrataes, sendo supostamente ele o guardio da implementao de leis antidiscriminatrias no setor privado.

    Tabela 1: Distribuio ocupacional por sexo e ramo de atividade Brasil (1950/1985)

    Setor e ramos de atividade

    1950 1960 1970 1980 19851

    Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem.Setor primrio 65.0 30.2 59.2 30.0 50.6 20.4 35.2 13.6 33.6 18.4Setor secundrio

    18.9 15.7 13.1 12.2 19.9 10.3 28.6 15.1 27.0 12.4

    Setor tercirio 21.1 51.1 27.7 57.8 29.5 69.3 36.2 71.3 39.4 69.1Comrcio 6.9 3.5 7.0 4.2 8.0 6.0 9.3 9.4 11.2 10.4Transporte e comuni-caes

    4.2 1.1 5.0 1.0 4.7 1.0 5.3 1.2 5.0 0.8

    Servio 5.8 37.2 8.1 37.2 6.3 39.6 9.7 33.6 8.9 32.1Atividades Sociais2 1.1 9.7 1.7 10.8 2.3 16.3 2.7 17.9 3.2 17.1Administrao Pblica3 3.2 1.8 3.4 2.0 4.2 2.6 4.3 3.1 49 3.3Outros 1.0 0.9 2.5 2.7 3.9 3.9 4.8 6.2 6.3 5.3 - 14609798 2507564 18673167 4076861 23391777 6165447 31392986 11842726 35462932 17774004

    Fonte: Percentagens computadas atravs dos dados do Censo: Anurio Estatstico do Brasil. 1985. IBGE, p. 132

    1 Fonte: PNAD, 1985. Volume 9. Tomo 1. IBGE, p. 21.2 Inclui os funcionrios pblicos da rede de educao pblica e dos servios de sade.3 Inclui administrao federal, estadual e municipal, justia, defesa nacional e segurana pblica.

    1 75% dos professores e 43% dos trabalhadores da sade (Censo 1980, Mo-de-obra, p. 33).

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    Tabela 2: Empregados na Previdncia Social, nos servios de sade e educao, por sexo Brasil (1980)

    Servios sociais pblicos Homens Mulheres (%) Mulheres

    Previdncia social 50287 67808 57.4

    Servios mdicos 126825 244986 65.9

    Professores pblicos 192873 1047907 84.5

    Fonte: Dados do Censo. FIBGE. Censo Demogrfico Mo-de-obra. Tabela 1.7. p. 33.

    A Tabela 3 mostra que os homens e as mulheres ocupam posies muito diferenciadas na administraopblica. Os batalhes de professores e trabalhadores em sade no esto includos nesta tabela, onde fica claro que as mulheres esto praticamente excludas do servio militar e da polcia, o setor onde esto empregados a maioria dos homens. Tambm entre os servidores pblicos, a participao das mulheres varia bastante, indo de quase zero na construo e na indstria para 38,5% nas reas tcnicas e cientficas. Por sua vez, tal percentagem esconde uma imensa variao dentro desta categoria, onde as mulheres so predominantemente assistentes sociais, bibliotecrias etc., enquanto os homens so engenheiros, contadores e outros profissionais do gnero. Nem mesmo nos servios, numa categoria muito mal remunerada, deixa de haver segregao: as mulheres esto nos servios de limpeza enquanto os homens so porteiros. Apenas entre os trabalhadores de escritrio parece haver menor segregao, pois a outra categoria com altas percentagens de mulheres (cargos pblicos efetivos, diretores, consultores e gerentes) bastante heterognea, estando as mulheres concentradas nos cargos de gerncia mdia e inferior de certas sees.

    Isso pode ser visto na Tabela 4. Essa tabela inclui, alm dos cargos pblicos eletivos, diretores e gerentes j includos na Tabela 3, os diretores e gerentes das companhias estatais e os servios sociais pblicos, no classificados pelo Censo como administrao pblica. Enquanto as mulheres so uma pequena minoria nas empresas estatais nas reas da indstria, agricultura, comrcio e transporte, so a presena predominante nos servios sociais. Embora as percentagens nos cargos pblicos eletivos que aparecem nessa tabela chegue a 11,3%, a maioria dessas mulheres so provavelmente prefeitas de cidades pequenas ou vereadoras nas cmaras municipais. Como se pode ver pela Tabela 5, as mulheres esto praticamente ausentes dos postos mais elevados, em funo de sua participao limitada na poltica partidria, como apontou Costa (1985).

    As diferenas de renda por sexo, de algumas ocupaes selecionadas, mostra uma realidade dramtica. Enquanto o salrio-mnimo no Brasil absurdamente baixo (US$ 53.37 dlares por ms pela taxa de cmbio de 16 de fevereiro de 1987), 50% das mulheres que entram nos setores considerados economicamente ativos

  • As mulheres nos altos escales da administrao pblica no Brasil

    150 Revista do Servio Pblico Braslia 66 (1) 145-159 jan/mar 2015

    recebem menos que esse mnimo legal e 50% dos homens recebem menos do que US$ 74.72 dlares. Muitas destas so trabalhadoras rurais, mas mesmo as professoras da escola primria ganham menos que o mnimo quando trabalham em pequenos municpios. O Brasil conquistou o vergonhoso destaque de ser o pas com a mais desigual distribuio de renda no mundo, e um indicador desta realidade pode ser visto na Tabela 6, onde se v a imensa variao do salrio mdio de algumas ocupaes. O que mais gritante nesta tabela que os diferenciais entre homens e mulheres so enormes em todos os grupos ocupacionais, exceto nas reas de defesa nacional e segurana pblica, onde o nmero de mulheres muito reduzido e elas se encontram em ocupaes tcnicas. Essas diferenas refletem menos um desrespeito lei de salrio igual para trabalho igual, e mais as dificuldades encontradas pelas mulheres em relao s oportunidades de carreira. De qualquer forma, para se dizer pouco, um escndalo que choca mesmo um observador acostumado a analisar a discriminao a que esto sujeitas as mulheres.

    Tabela 3: Empregados na Administrao Pblica, por ocupao e sexo Brasil (1980)

    Ocupao Homens Mulheres (%) Mulheres

    Cargos eletivos, diretores e gerentes1 55655 20464 27.5

    Trabalhadores de escritrio2 322401 183610 36.3

    Agentes fiscais 39690 5850 12.8

    reas cientficas, tcnicas e artsticas3 116129 72131 38.5

    Juzes, promotores pblicos 15520 51,41 24.9

    Construo e indstria 125413 1924 1.5

    Transporte e comunicao 89623 4851 5.1

    Servios4 111298 54074 32.7

    Defesa nacional e segurana pblica 486680 5185 1.1

    Outros5 165775 32330 16.3

    Total 1353517 388767 21.4

    Fonte: Dados do Censo. FIBGE. Censo Demogrfico Mo-de-obra. Tabela 1.11. pp. 67-98.1 Inclui ministros, governadores, prefeitos, legislativo e diplomatas. 2 Exclui agentes fiscais.3 Exclui Juzes e promotores pblicos.4 Inclui funcionrios de limpeza, porteiros etc.5 Inclui comrcio, agricultura e outros.

  • Carmen Barroso

    151Revista do Servio Pblico Braslia 66 (1) 145-159 jan/mar 2015

    Tabela 4: Diretores e gerentes dos servios pblicos, segundo sexo e setor de atividade Brasil (1980)

    Setor de atividade Homens Mulheres (%) MulheresMinistros, governadores, prefeitos, legislativo e diplomatas

    11067 1405 11.3

    Indstria e agricultura 2667 269 9.2Comrcio, transporte e servios 833 134 13.9Servios sociais 12093 27993 69.8Administrao pblica 42788 19059 30.8Outras atividades 943 145 13.3Total: 70381 49035 41.1

    Fonte: Dados do Censo. FIBGE. Censo Demogrfico Mo-de-obra. Tabela 1.11. pp. 67-98.

    Tabela 5: Distribuio de cargos governamentais mais elevados, por sexo Brasil (1975/1986)

    Cargo1975 1986

    Homens Mulheres%

    Mulheres Homens Mulheres%

    Mulheres

    Ministros 21 0 0.0 22 0 0.0

    Justia Federal 68 0 0.0 87 0 0.0

    Senadores 63 0 0.0 69a 0a 0.0

    Cmara Federal 363 1 0.3 461a 26a 5.3

    Embaixadas 72 1 1.4 88 0 0.0

    Diretores de Ministrios1 (a) 178 7 5.8 345 32 8.5

    Governadores 21 0 0.0 23 1 4.2

    Secretrios de Estado 221 8 2.6 358 20 5.3

    Fonte: 1975. Costa (1985) 1986. Autoridades brasileiras, Braslia. Empresa Brasileira de Notcias.1 O crescimento no perodo se deve criao de novos postos e considerao de certos postos em 1986 e no em 1975.2 21 no foram includos pois seus nomes so neutros.a O nmero se refere a 1987.

    Em relao aos diferenciais de renda mdia entre os profissionais do sexo masculino e feminino nos nveis de gerncia, a administrao pblica no est em melhor posio do que o setor privado. A vantagem absoluta que tanto homens como mulheres tm neste campo, quando comparado com o setor privado, se deve ao fato de que a se inclui uma alta proporo de microempresas onde as responsabilidades de gerenciamento so mnimas.

  • As mulheres nos altos escales da administrao pblica no Brasil

    152 Revista do Servio Pblico Braslia 66 (1) 145-159 jan/mar 2015

    Tabela 6: Renda mdia (em mltiplos de salrios mnimos) de grupos ocupacionais selecionados Brasil (1980)

    Ramo de atividadeNmero total de

    trabalhadores

    Percentagem dos que contribuem para a Previdncia Social

    Homens Mulheres Homens MulheresSetor primrio 11913894 3276499 8.6 1.8

    Setor secundrio 9875116 2208862 71.0 70.3

    Setor tercirio 13973922 12288643 68.7 50.1

    Comrcio 3959635 1888028 61.1 88.2

    Transporte e comunicao 1766730 149279 78.8 90.9

    Servios 3142549 8711610 84.8 19.7

    Atividades sociais (1) 1118888 3032370 85.7 84.8

    Administrao Pblica (2) 1784379 892387 82.7 92.3

    Outros 2232071 948002 76.8 79.8

    Total: 38462932 17774004 49.1 43.7

    Fonte: Dados do Censo. FIBGE. Censo Demogrfico Mo-de-obra. Tabela 1.9. pp. 47-57

    A lei e a realidade

    A Constituio brasileira de 1934 estabeleceu a igualdade salarial entre homens e mulheres, mas quando se estabeleceu o primeiro salrio-mnimo em 1940, autorizou-se um salrio mais baixo para as mulheres (Verucci e Marino, 1985). A Constituio de 1967, produto do golpe militar, trazia, entretanto, um princpio importante de igualdade nas contrataes, reforado pela Lei 5.473 de 1968, que estabelece a ilegalidade de qualquer ato ou norma que, direta ou indiretamente, seja discriminatrio em relao s mulheres na seleo de emprego, tanto nas empresas pblicas ou estatais, ou no servio pblico, em qualquer nvel. Na prtica, os efeitos desta e de outras leis deixam muito a desejar, devido combinao de vrios fatores: no h suficiente conhecimento pblico sobre os direitos legais das mulheres; os sindicatos e os fiscais do governo no do grande prioridade ao problema da discriminao sexual: a populao em geral, e as mulheres em especial, evitam recorrer justia, um procedimento em geral caro e moroso; na maioria das vezes, a discriminao assume formas sutis que so dificilmente documentveis.

    Um indicador do baixo nvel de conscincia que prevalece entre os setores que definem as polticas pblicas no pas, foi a resposta dada pelo Brasil, em 1979, ao questionrio das Naes Unidas, sobre a implementao do Plano de Ao Mundial para a Dcada da Mulher. Em relao existncia ou no de estratgias globais e mecanismos de ao, afirmou-se simplesmente que no eram necessrios uma vez que o status das mulheres na sociedade brasileira estava progredindo naturalmente.

  • Carmen Barroso

    153Revista do Servio Pblico Braslia 66 (1) 145-159 jan/mar 2015

    Essa noo de evoluo natural e a complacncia com uma situao extremamente desigual em todos os campos tm sido questionadas por um movimento de mulheres em expanso. Esse movimento policlassista teve, na ltima dcada, bastante sucesso em trazer a desigualdade de gnero discusso pblica, aos meios de comunicao e aos fruns polticos, e em criar um novo clima que impulsionou os governos ps-autoritrios, eleitos a partir de 1982, a criar os Conselhos dos Direitos da Mulher. Mulheres ativas nos movimentos sociais foram indicadas para estes rgos estatais, a nvel nacional, estadual e municipal, que tm o papel de assessoramento do executivo e implementao de aes que promovam a igualdade para as mulheres.

    Esses Conselhos tm apoiado, com bastante sucesso, as reivindicaes do movimento de mulheres nas reas de creche e violncia. O nmero de creches para os filhos de funcionrias da administrao pblica, embora ainda esteja longe de responder imensa demanda, tem crescido sistematicamente, como resultado de mobilizaes e presso organizada. Esse servio agora considerado um direito das mulheres e das crianas e uma obrigao do Estado (Fussesp, 1986). Um decreto2 recente do presidente da Repblica estabelece que cada repartio federal deve fazer um plano de Atendimento Pr-escolar para os filhos de seus empregados. Embora os critrios de seleo dos beneficirios fiquem em aberto, em geral dirigido s funcionrias de renda mais baixa, uma vez que as outras funcionrias podem recorrer a berrios e escolas privadas.

    s vsperas da abertura do processo constituinte, desenvolveu-se entre as mulheres um debate nacional sobre os princpios que almejavam consolidar na nova Carta. Em relao s leis trabalhistas e de previdncia social, havia um consenso sobre a questo da igualdade no acesso ao emprego e promoes, mas permaneciam algumas controvrsias quanto reduo da idade para aposentadoria para as mulheres, benefcios previdencirios para as donas-de-casa, extenso da licena maternidade e paternidade. Por trs dos itens especficos h um princpio bsico em discusso: deve a lei ignorar as desigualdades sociais passadas e as atuais ou deve buscar compensar as perdas acumuladas que vo erodindo as oportunidades das mulheres? Parece que a viso predominante vai em direo abolio de qualquer tratamento diferenciado, considerado um protecionismo s avessas que acaba tendo efeito contrrio. Coerente com esta viso, um dos principais alvos atualmente so as leis da previdncia social que no estendem ao esposo da trabalhadora os mesmos benefcios que usufruem as esposas dos segurados. Isso ainda mais vlido para os funcionrios pblicos, uma vez que sua grande maioria vinculada ao sistema de previdncia social, como se v pela Tabela 7.

    2 10 de outubro, 1986.

  • As mulheres nos altos escales da administrao pblica no Brasil

    154 Revista do Servio Pblico Braslia 66 (1) 145-159 jan/mar 2015

    Tabela 7: Percentagem de trabalhadores vinculados ao sistema de Previdncia Social segundo o sexo e ramo de atividade Brasil (1985)

    Ramo de atividade

    Nmero total de trabalhadores

    Percentagem dos que contribuem para a Previdncia Social

    Homens Mulheres Homens Mulheres

    Setor primrio 11913894 3276499 8.6 1.8

    Setor secundrio 9875116 2208862 71.0 70.3

    Setor tercirio 13973922 12288643 68.7 50.1

    Comrcio 3959635 1888028 61.1 88.2

    Transporte e comunicao 1766730 149279 78.8 90.9

    Servios 3142549 8711610 84.8 19.7

    Atividades sociais (1) 1118888 3032370 85.7 84.8

    Administrao Pblica (2) 1784379 892387 82.7 92.3

    Outros 2232071 948002 76.8 79.8

    Total: 38462932 17774004 49.1 43.7

    Fonte: Percentagens computadas dos dados do PNAD: PNAD 1985. Volume 9. Tomo 1. p. 21.

    (1) Inclui funcionrios pblicos vinculados educao pblica e servios de sade.

    (2) Inclui administrao federal, estadual e municipal, justia, defesa nacional e previdncia social.

    O potencial e os limites das mudanas atuais se refletiram nas eleies de novembro de 1986, quando o nmero de mulheres na Cmara Federal subiu de 8 para 26. Esse crescimento sem precedentes representa, entretanto, apenas 5,3% do nmero de cadeiras. A crise econmica atual impe outras restries srias a futuras vitrias. Imerso em uma imensa dvida, o pas, seguindo as orientaes do FMI, se afunda em uma profunda recesso no incio dos anos 80. A recuperao no binio 1985-86 no foi suficiente para restabelecer os nveis anteriores da atividade econmica nem foi direcionada para corrigir as distores estruturais. Atualmente, o servio da dvida e as altas taxas de inflao, juntamente com os desequilbrios estruturais, colocam uma ameaa estabilidade institucional e s melhorias prometidas aos setores menos privilegiados.

    Um estudo de caso

    So raras no Brasil as pesquisas de campo sobre as mulheres na administrao pblica. Uma exceo interessante foi o trabalho feito por Santos, em 1978, entrevistando 63 profissionais do sexo feminino, empregadas em quatro empresas estatais. Essas mulheres ocupavam postos bastante privilegiados pois estas empresas (duas do setor de energia, uma de minerao e uma de comunicaes) se

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    enquadram no setor moderno da economia e pagam salrios bem acima do que usual nos outros setores do servio pblico.

    As percentagens de mulheres nos quadros profissionais dessas empresas eram de

    4,4%, 6,8%, 6,8% e 16,3%. Mesmo nesta ltima empresa, a segregao ocupacional

    significava que menos de 5% dos engenheiros, contadores, economistas e gelogos

    eram mulheres. Nos postos de gerncia, a percentagem de mulheres ainda menor,

    indo de 0,96% a 8,1% (Santos, 1982).

    A origem familiar das mulheres entrevistadas aponta que uma grande proporo

    delas vm de famlias privilegiadas: 54% de famlias de classe alta e mdia alta: seus

    pais so grandes proprietrios rurais, homens de negcio ou profissionais bem-

    sucedidos. Apenas 10% vinham de camadas mais baixas dos trabalhadores urbanos

    e rurais. H uma interessante mobilidade entre geraes que pode ser observada na

    relao entre a situao destas mulheres e a de suas avs (apenas 55% delas havia

    trabalhado como assalariadas) e de suas mes (apenas 23% delas havia participado

    da fora de trabalho e apenas 10% tinha graduao universitria).

    A classe social de origem tem um peso fundamental uma vez que os amigos e

    parentes acabam jogando um papel crucial no acesso a empregos para muitas destas

    mulheres. Embora as empresas estatais supostamente partilhem de valores universais

    e critrios impessoais no preenchimento de suas vagas, no ocorrera assim para

    pelo menos 47% das mulheres entrevistadas que, para terem acesso ao emprego,

    tiveram que acionar sua rede informal de relaes. Os concursos abertos e mesmo os

    mtodos mais formais parecem se limitar a funes administrativas e burocrticas.

    Alguns depoimentos ilustram os mtodos utilizados:

    Quando estava na Universidade, me candidatei para estgio aqui: no fui nem

    mesmo entrevistada. O homem que estava fazendo o recrutamento me disse:

    Voc precisa compreender; mulheres no so aceitas aqui. Quando me formei,

    um professor que era um grande amigo meu, e que trabalhava nesta empresa, me

    perguntou o que pretendia fazer. Respondi-lhe que ia fazer ps-graduao porque

    as mulheres aqui no tm qualquer chance. Ao que ele disse: Bobagem; me traga

    o seu curriculum vitae que eu vou dar uma olhada .

    Eu me formei em engenharia de comunicaes. Passei vrios anos fazendo trabalho burocrtico. Meus professores trabalhavam aqui e me diziam que a lei permitiria me candidatar mas que eu seria considerada inadequada para o cargo. Minhas colegas mulheres j haviam tentado sem sucesso. Mais tarde, a oportunidade de emprego me foi aberta atravs de meu marido que conhecia algum aqui.

    Levei muito tempo para conseguir este emprego. Fui a primeira engenheira aqui. Um amigo meu que trabalhava aqui me marcou um encontro com seu

  • As mulheres nos altos escales da administrao pblica no Brasil

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    patro. Este chefe de operaes disse-me que, definitivamente, este no era um emprego para uma mulher, mas que me apresentaria ao chefe de projetos e planejamento. Esse outro chefe me entrevistou duas vezes. Na segunda vez, ele me disse: Minha esposa me deu permisso para contratar uma mulher. Alm disso, consultei tambm seus futuros colegas e eles no fizeram objeo.

    impressionante a quantidade de casos onde a discriminao aberta ou sutil em relao s mulheres se relaciona implcita ou explicitamente tentativa de controlar a sexualidade das mulheres ou proteger valores familiares tradicionais. Parece que muitos homens consideram a presena de mulheres entre os colegas de trabalho uma ameaa especial s famlias estabelecidas e ao ego masculino. Ao contrrio da aceitao de sua presena em postos subordinados onde as mulheres so vistas como facilmente disponveis e prontamente descartveis a sua presena em uma situao de igualdade, parece introduzir uma perigosa tonalidade sexual ao ambiente de trabalho supostamente neutro, onde o sexo apenas se insinua desempenhando o papel de uma amenidade adicional.

    De qualquer forma, a maioria destas mulheres entrevistadas usaram mtodos individualistas para superar estas barreiras. Apenas entre as gelogas houve uma ao organizada coletiva quando uma mulher foi impedida de participar de um exame de seleo em 1975. Os protestos pblicos chegaram at o Senado e, depois de uma longa batalha, essa discriminao ilegal foi banida.

    Os avanos na carreira

    Santos (1982) aponta duas barreiras principais para os avanos na carreira para as mulheres. Primeiro, a maioria das mulheres por ela entrevistada ocupavam funes de apoio administrativo, muito poucas tinham funes tcnicas em atividades finais. As gelogas trabalhavam em laboratrios, as engenheiras em treinamento tcnico e da para frente. Parcialmente, isso se deve ao fato de que as empresas estatais sofrem de um tipo de inchao onde uma boa parte do seu pessoal tanto homens como mulheres trabalham em projetos no essenciais, e parcialmente discriminao em relao s mulheres, justificada por argumentos de que para as mulheres impraticvel viajar, acampar, ser respeitada pelos operrios e outros argumentos do gnero. Como diz uma das entrevistadas: Eles esto sempre preocupados comigo: No mandaremos voc viajar pois seu marido no iria gostar.

    Em segundo lugar as mulheres raramente ascendem aos postos de gerncia. Santos (1982) classificou os cargos de gerncia em quatro nveis. No primeiro nvel (presidentes e diretores) no encontrou nenhuma mulher; no segundo (superintendentes de departamento e diretores de servios), encontrou uma: no terceiro (chefes de divises) havia 8 mulheres e no quarto, 6. E a, novamente, as relaes informais desempenham um papel muito importante. Como disse uma

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    das entrevistadas: Os homens se ajustam melhor a alguns tipos de esquemas que, infelizmente, ainda funcionam. O sr. fulano almoa todos os dias com o sr. beltrano, e quando um sobe, puxa o outro.

    interessante notar que o casamento tambm funciona como um multiplicador de relaes sociais, o que implica que as mulheres casadas ocupam postos mais elevados, mesmo tendo menor tempo de empresa. Entre as 8 mulheres que estavam no terceiro nvel, 5 eram casadas com funcionrios que estavam em postos mais altos na mesma empresa ou em empresa do mesmo tipo3. Santos acredita que isso no se deve ao nepotismo, mas ao fato de que, atravs de seus maridos, conseguem ter acesso a uma rede informal de relaes onde a sua competncia fica visvel, e podem adotar o estilo de comportamento e comunicao que faz parte da cultura masculina.

    O casamento, entretanto, pode ser uma faca de dois gumes. Uma das entrevistadas relata: A prioridade dada aos homens; e no meu caso ainda pior pois o meu marido trabalha na mesma empresa. Eles brincam que eu no preciso ser promovida porque meu marido j est nos escales superiores. Eu respondo a essa brincadeira dizendo que eu no preciso trabalhar 8 horas por dia porque ele trabalha por mim. E se espera, de fato, que as mulheres aceitem esses critrios. Uma outra entrevistada conta como o seu chefe tentou faz-la compreender porque estava promovendo o seu colega do sexo masculino, ao invs dela: Porque a esposa dele no trabalha e o seu marido tem um bom salrio.

    A moral sexual , novamente, um outro fator que entrava a ascenso profissional das mulheres. H um testemunho que no deixa dvidas a respeito: Se eu a promovesse disse o meu supervisor eu teria que viajar com voc, e sei que minha esposa no gostaria da idia.

    Os obstculos que dificultam o acesso das mulheres aos cargos de gerncia so internalizados por elas prprias que, sabendo que suas chances so pequenas, rebaixam suas expectativas e vem as funes gerenciais como duras, desumanas, competitivas demais, incompatveis com a natureza feminina. A diviso sexual do trabalho na famlia se reproduz na empresa, onde as mulheres acham mais fcil se colocar em uma funo sendo dirigidas por um homem. Vrias mulheres declararam que preferiam ser assistentes do que controlar pessoal ou serem chefes. Algumas mulheres que rompem com esse padro se sentem bastante desconfortveis: Eu nunca temia discordar, expressar minha opinio. Sempre fui uma lder na escola e na empresa. Nunca temi responsabilidades. Nem mesmo brigar. Mas o preo muito alto. Sinto-me sozinha e diferente; e isso muito desagradvel. s vezes prefereriria ser como uma mulher comum no contexto de nossa sociedade.

    3 Das 63 mulheres entrevistadas, 31 eram casadas. Destas, 13 tinham a mesma profisso do marido; em 11 casos o

    marido trabalhava na mesma empresa; e em 7 trabalhavam em empresas do mesmo tipo.

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    Esse conflito que percebido, entre seu papel tradicional e sua identidade como mulheres, raramente encontra uma soluo adequada, principalmente porque as condies objetivas em casa no mudaram muito. O trabalho domstico continua uma responsabilidade feminina, que no compartilhada pelos maridos, mesmo quando seu salrio mais alto do que o dele. Muitas delas contam com o apoio de outras mulheres: enfermeiras, empregadas, cozinheiras (facilmente pagas com uma pequena frao de seus altos salrios) ou de parentes: mas em uma situao de crise so elas que precisam deixar o emprego para tomar conta dos filhos.

    Ao mesmo tempo, a fim de serem respeitadas como profissionais, sentem necessidade de construir uma barreira entre os dois mundos: Sempre tive o maior cuidado de evitar que as pessoas invadissem minha privacidade, que percebessem meus problemas fora do servio. Porque se ficassem sabendo, os usariam para me castrar... Se voc disser a algum que no conseguiu dormir porque seu filho teve febre e voc no trabalha bem naquele dia, vo dizer que a culpa desses problemas de mulher.

    As crianas so, em realidade, uma ameaa a essa tnue fronteira entre os dois mundos. E algumas mulheres consideram que elas deveriam ser mantidas distncia deste mundo de forma a no atrapalhar a imagem de uma profissional altamente dedicada: Quando tiver filho, vou coloc-lo na creche. A empresa devia ter servio de creche. Mas no no mesmo prdio. (Seria horrvel. No final do dia, ia parecer uma fbrica.) Bem, pode at ser que fosse aqui. A gente entraria com as crianas por uma portinha nos fundos.

    Pode ser que hoje, quase dez anos mais tarde, a influncia das idias feministas tenham mudado um pouco a percepo destas mulheres, mas j em 1978, duas delas ainda diziam orgulhosamente: Converso com meus colegas de igual para igual: de homem para homem e O melhor cumprimento que recebi do meu supervisor foi que ele me considerava como um homem.

    E como estas mulheres jamais sero homens, a sua aceitao sem questionamentos da organizao domstica existente e as polticas da empresa que ignoram os compromissos familiares de seus funcionrios se combinam para criar junto a elas uma ambivalncia psicolgica que mina constantemente seus esforos profissionais.

  • Carmen Barroso

    159Revista do Servio Pblico Braslia 66 (1) 145-159 jan/mar 2015

    Referncias

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    Carmen Lcia de Melo Barroso

    Doutora em Psicologia Social pela Universidade de Colmbia (Nova Iorque), pesquisadora visitante da Universidade de Cornell (Nova Iorque) e professora do Macalester College (Minnesota), nos Estados Unidos. Na dcada de 80, perodo em que o texto foi escrito, a autora atuava como pesquisadora da Fundao Carlos Chagas, era Professora da PUC de So Paulo e do Departamento de Cincias Sociais da USP, alm de ser conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e presidente da Comisso Nacional de Sade Reprodutiva do Ministrio da Sade. Em 1989, Carmen Barroso foi convidada para dirigir o Departamento de Polticas de Populao e Sade Reprodutiva da Fundao MacArthur em Chicago, onde permaneceu at 2003. Desde ento ela Diretora do Hemisfrio Ocidental da International Planned Parenthood Federation (IPPF), residindo em Nova York. Sob sua direo, a IPPF passou a atuar em todos os pases das Amricas e em grande parte dos pases do Caribe, promovendo os direitos sexuais e os direitos reprodutivos. Atualmente, a autora tem atuao destacada no Independent Expert Review Group (IERG) criado pelo Secretrio Geral da ONU, Ban Ki-moon, em 2011, para monitorar a Estratgia Global de Sade da Mulher e da Criana, cujos relatrios anuais so apresentados por ocasio da Assembleia Geral da ONU. Ela tambm faz parte do Independent Expert Advisory Group on Data Revolution for Sustainable Development (IEAG), sendo nomeada em 2014. Por sua dedicao ao tema, Carmen Barroso tem recebido destacados reconhecimentos pblicos, tendo sido recentemente nomeada uma das 21 mulheres lderes do sculo XXI, pela Womens eNews.