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Informativo do Sindicato dos Bancários/ES - Coordenador Geral: Carlos Pereira de Araújo - Diretor de Imprensa: Jonas Freire Santana - Editoras: Sueli de Freitas (MTb 537/92) e Lara Abib (MTb 2669-ES) - Estagiária de Jornalismo: Ana Elisa Bassi - Diagramação: Jorge Luiz (MTb 041/96) - nº 98 - Junho/2012 - [email protected] - Tiragem: 10.000 exemplares Editorial Maternidade sem culpa A maternidade ocupa espaço central nesta edição do Jornal Mulher 24 Horas porque consideramos guerreiras aquelas que escolhem cumprir o papel de mãe. Tema muito importante, mas ainda com várias questões a serem debatidas, nosso objetivo é problematizar as dificuldades que as trabalhadoras enfrentam no seu dia a dia. Afinal, ser mãe é uma es- colha ou ainda é uma imposição da sociedade às mulheres? E que tipo de mãe é essa que as propa- gandas de perfumes exigem de nós? Uma mãe que não se im- porta em abdicar tudo por seus filhos, que dá conta do malaba- rismo de tarefas que “vêm” com a maternidade, que se resigna com pais e Estado ausentes na criação e educação dos filhos. A culpa que muitas mu- lheres demonstram ao não con- seguirem atingir esse nível de comprometimento evidencia que existe alguma coisa errada: que elas estão se comprometen- do sozinhas. Os homens não as- sumem sua paternidade, o Esta- do não provê creches públicas de qualidade para as trabalhadoras, os empregadores discriminam as gestantes e por aí vai. Precisamos dar um bas- ta ao mito do amor materno e à ideia de que as mulheres já estão adaptadas à sobrecarga de tarefas. Reivindicar relações compartilhadas e o cumpri- mento do dever do Estado no que diz respeito às creches sig- nifica possibilitar à mulher uma maternidade plena, saudável e, principalmente, sem culpa. 18 anos Mulher 24 HORAS 2 3 Verdades e mitos que são contados sobre o papel da mulher Palavras de mulheres bancárias que assumiram a maternidade e o trabalho VEJA NESTA EDIÇÃO O imperativo do prazer De novo o perigo, essa proeza de caminhar em terreno minado as leis da física estão sempre presentes na relatividade do pecado a nossa mente nos surpreende o corpo toma posições de ativista arrisca a pele na luta pela conquista do prazer. Mas a mulher que eu sou escolhe seus caminhos e deixa a pista dos cheiros das fêmeas - quem sabe parir também sabe todo o resto - e se me sinto poderosa dessa sabedoria é porque trago séculos de limites e amarras e as mais ferozes ameaças. Séculos de exclusão e obscurantismo crimes velados e nenhuma possibilidade de grito. Hoje me orgulho do meu sexo, da minha plenitude pago minhas contas, tomo iniciativas. Bruna Lombardi

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Informativo do Sindicato dos Bancários/ES - Coordenador Geral: Carlos Pereira de Araújo - Diretor de Imprensa: Jonas Freire Santana - Editoras: Sueli de Freitas (MTb 537/92) eLara Abib (MTb 2669-ES) - Estagiária de Jornalismo: Ana Elisa Bassi - Diagramação: Jorge Luiz (MTb 041/96) - nº 98 - Junho/2012 - [email protected] - Tiragem: 10.000 exemplares

EditorialMaternidade sem culpa

A maternidade ocupa espaço central nesta edição do Jornal Mulher 24 Horas porque consideramos guerreiras aquelas que escolhem cumprir o papel de mãe. Tema muito importante, mas ainda com várias questões a serem debatidas, nosso objetivo é problematizar as dificuldades que as trabalhadoras enfrentam no seu dia a dia.

Afinal, ser mãe é uma es-colha ou ainda é uma imposição da sociedade às mulheres? E que tipo de mãe é essa que as propa-gandas de perfumes exigem de nós? Uma mãe que não se im-porta em abdicar tudo por seus filhos, que dá conta do malaba-rismo de tarefas que “vêm” com a maternidade, que se resigna com pais e Estado ausentes na criação e educação dos filhos.

A culpa que muitas mu-lheres demonstram ao não con-seguirem atingir esse nível de comprometimento evidencia que existe alguma coisa errada: que elas estão se comprometen-do sozinhas. Os homens não as-sumem sua paternidade, o Esta-do não provê creches públicas de qualidade para as trabalhadoras, os empregadores discriminam as gestantes e por aí vai.

Precisamos dar um bas-ta ao mito do amor materno e à ideia de que as mulheres já estão adaptadas à sobrecarga de tarefas. Reivindicar relações compartilhadas e o cumpri-mento do dever do Estado no que diz respeito às creches sig-nifica possibilitar à mulher uma maternidade plena, saudável e, principalmente, sem culpa.

18 anosMulher 24 horas

2 3

Verdades e mitos que são contados sobre o

papel da mulher

Palavras de mulheres bancárias que assumiram a

maternidade e o trabalho

VEJA NESTA EDIÇÃO

O imperativodo prazerDe novo o perigo, essa

proeza de caminhar em terreno minado

as leis da física estão sempre presentes

na relatividade do pecadoa nossa mente nos

surpreendeo corpo toma posições de ativista

arrisca a pele na luta pela conquista do prazer.

Mas a mulher que eu sou escolhe

seus caminhos e deixa a pistados cheiros das fêmeas

- quem sabe parir tambémsabe todo o resto - e se me sinto

poderosa dessa sabedoria é porque trago séculos de limites e

amarras e as mais ferozes ameaças.Séculos de exclusão e obscurantismo

crimes velados e nenhuma possibilidade de grito.

Hoje me orgulho do meu sexo, da minha plenitude

pago minhas contas, tomo iniciativas.

Bruna Lombardi

É inegável que ainda exis-te uma pressão grande sobre as mulheres para que, muitas ve-zes, abandonem seus próprios desejos e sonhos para dar conta da “missão” que é ser mãe. De onde surgiu essa atribuição?

Segundo a filósofa Simone de Beauvoir, em seu livro “O segundo sexo”, essa atribuição dada pelos homens às mulheres ocorreu em um momento histórico bastante específi-co – as Idades do Ferro e do Bronze –, no qual a descoberta de ferramen-tas pesadas e essenciais para a con-quista do mundo permitiu, devido à maior dificuldade da mulher em manejá-las, essa divisão in-felizmente propagada até hoje: ao homem, forte, cabe a ação, a conquista do mundo e dos outros; à mulher, fraca, cabe a reprodução, o perpetuamento da es-pécie e lhe é proibida qualquer outra ação. Mas – e isso é essencial – essas atribuições foram “verdade” em uma situação bastante específica; que, como processo histórico, não mais faz sentido há muito tempo. Quando a história é transformada em mito, perpetua-se o que deveria ser apenas um breve momento.

Falando em mito, a his-toriadora Elisabeth Bandinter afirma que o conceito do “amor materno” também é um mito. Você concorda com isso?

Sim. Embora fisiologicamen-te seja a mulher que fique grávida,

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Desvendando o mito do amor materno

segundo a professora Thana Mara, mães e pais estão presos aos mitos do que cada um deve ser

Pós-doutora em filosofia contemporânea pela Universidade de São

Paulo (USP), a professora do Departamento de Filosofia da UFES, Thana Mara de Souza, fala sobre a construção histórica do que é “ser mulher” e sobre “o mito do amor materno”.

“Quando a história é transformada em mito, perpetua-se o que deveria ser

apenas um breve momento”

essa condição não deveria significar condenação. Não é porque a mu-lher pode ter filhos que ela “nasceu para isso”. Do mesmo modo, não existe algo implantado na mulher que determina seu futuro como sen-do aquela que deverá mostrar seu amor materno. Por exemplo, cos-tuma-se ver na menina que brinca com bonecas a “prova” desse amor materno, a mulher como destinada a ser mãe. No entanto, a menina que brinca com bonecas o faz por-que pessoas lhe dão bonecas, ou

seja, ensina-se à menina que ela deve exercer o papel de mãe. Isso não é natural, mas historicamente construído.

Quais as consequências da perpetuação desse mito?

Este mito só pode ter consequên-cias negativas, e isso porque, no lugar de mulheres (como indivíduos e, por-tanto, uma diferente da outra), coloca-se “A Mulher” (uma abstração nunca real). Isso permite, infelizmente, “conde-nar” a mulher que não deseja ter filhos como não sendo mulher e também é o que possibilita condenar mães que, no processo de gestação, têm dúvidas e medos - o que é compreensível, já que

cada uma aprende a ser mãe no ato mesmo de se tornar mãe. Mas, como diz o mito, se falamos de algo natural qualquer receio, qualquer temor é su-ficiente para condenar essa mãe como “desnaturada”, ou seja, como aquela que não obedece a sua natureza.

E quanto aos pais? Eles também sofrem com essa construção social que delega à paternidade, principalmen-te, o papel da correção e da “bronca”?

Embora tenham sido inicial-mente eles, os homens, a construírem esse mito (todo mito é uma visão sobre um Outro, um Diferente), e, por isso, usufruam de vantagens ao se colocarem como sendo

a Lei, a Autoridade que, por assim ser, se exime do trabalho maior da criação dos filhos, é verdade tam-bém que isso implica numa série de desvantagens, pois também eles são atingidos por esse “papel natural” que não dá lugar para os anseios e desejos naturais que os homens possam ter enquanto pais. É preciso tirar essa camisa de for-ça e reconhecer que cada homem se faz pai de maneira distinta, que cada homem se constrói como pai no momento mesmo da gestação da mulher, no mesmo caminho pelo qual a mulher se constrói como mãe.

Sérgio Cardoso

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Palavra de Mulher

Maternidade e trabalho: hora de colocar na balança

“Se minha filha precisar de qualquer coisa é tudo o meu marido que faz, porque trabalhando em um banco privado eu não tenho como sair de repente. O horário dele é mais flexível, ele é dono de uma em-presa. E ele é maravilhoso, me apoia muito, o que eu preciso ele faz. Mas ele me cobra, me cobra porque eu sou a mãe. Ele fala assim: “Eu de-veria trabalhar o dia inteiro e você deveria ficar em casa”. É como se ele sentisse, às vezes, que inverte os valores. Eu sou a que trabalha, a chefe da família e ele é a “mãe”, porque leva no médico, compra as coisas. O sonho dele é abrir outra empresa e me botar para trabalhar lá. Aí eu poderia entrar às 10h e sair

As dificuldades começaram antes mesmo de eu entrar de li-cença maternidade. Fui retirada da carteira onde eu estava com a promessa de que eu voltaria depois da gravidez. A impressão que eu ti-nha é que o banco não sabia o que fazer comigo. “Ah, você vai ficar

seis meses fora, então é bom já te substituir por alguém”, diziam. Ter-minado o período de licença, eles argumentaram: “Você passou mui-to tempo longe, não dá para voltar agora. Vamos dar oportunidade a pessoas novas”.

Fiquei muito chateada. Você

se sente desmotivada sabendo que não consegue crescer no banco. Você sofre pressão, cobrança para atingir metas e dar resultados, mas não vê retorno no trabalho. A gente procura o que é melhor pra gente – se continuar como está, eu não fico no Banestes.

Emanuely Santos, 31 anos, gerente assistente do Bradesco, agência Princesa Isabelàs 14h, 15h. Meu sonho consumista e madame iria adorar não ser co-brada, não me preocupar se as pes-soas estão olhando torto para mim, poder levar minha filha na natação.

Mas também tem esse lado profissional. Quando vou em um encontro do banco eu fico louca, volto de lá querendo ser diretora. Penso: “Nossa, eu tenho que estar no meio desses caras, eu quero sa-ber, ver tudo”. Aí eu volto para Vi-tória e penso: “Ahhh, eu quero ter mais dois filhos, quero mais tempo para passear com a minha filha no parque, mais tempo para ficar em casa”. Então é isso, entende? Eu sonho que vou ter três filhos e ser diretora. E aí a gente vai vivendo.

Fernanda Pietrani, 39 anos, bancária da CEF, agência Beira Mar

“Quando você quer crescer no banco, isso toma tem-po, você tem que estudar fora do horário de trabalho, se dedicar. Apesar de o meu filho já estar com 12 anos, e eu não precisar ‘limpar bumbum’, por exemplo, ele ainda está crescendo, é adolescente, precisa de orientação, de aten-ção. Ele já fica o dia inteiro sozinho, então eu valorizo mui-to a questão do diálogo quando estou em casa. Facilitaria bastante se eu tivesse com quem dividir as tarefas, mas meu ex-marido não ajuda muito, ele já tem outra família e parti-cipa pouco do nosso cotidiano”.

Maria, funcionária do Banestes (nome fictício)

Fotos: Sérgio Cardoso

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Mulheresantenadas

Mãe: mulher de direitos!O resultado do teste deu positivo: você está grávida.

Passado o misto de ansiedade e empolgação, é hora de começar a se organizar, principalmente no que diz

respeito ao trabalho, garantindo que todos os seus direitos sejam respeitados. Mas que direitos são esses? Para ajudar as bancárias que pensam em ser mães ou já estão a caminho de, elaboramos um resumo com as principais conquistas da nossa categoria, garantidas em Convenção Coletiva.

LICENÇA MATErNIDADEEntre as categorias profissio-

nais, a bancária foi uma das pri-meiras a conquistar, na Campanha Nacional Unificada de 2009, o di-reito à ampliação da licença ma-ternidade, de 120 para 180 dias, instituída pela Lei nº 11.770, que cria o Programa Empresa Cidadã. Mas atenção! Para garantir este di-reito, a cláusula 24ª da Convenção Coletiva 2011/2012 exige que a bancária solicite por escrito a pror-rogação até o final do primeiro mês após o parto.

MÃES ADOTIVASA bancária que adotar ou obti-

ver guarda judicial para fins de adoção de criança também tem direito à pror-rogação da licença maternidade, des-de que a requeira no prazo de 30 dias após a adoção ou sentença judicial.

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LICENÇA PATErNIDADEGarantida no artigo 7º, inciso

XIX, da Constituição, o prazo da licen-ça paternidade é de cinco dias. Atual-mente, o movimento sindical bancário defende a ampliação deste período para seis meses, entendendo que esta mudança é fundamental para intensi-ficar a participação masculina após o parto e, desse modo, estimular a divi-são igualitária das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos.

AuxíLIO CrEChE E AuxíLIO BABá

Na Cláusula 17ª da Conven-ção Coletiva, os bancos se compro-metem a reembolsar aos seus em-pregados o valor máximo mensal de R$ 284,85 para cada filho, até a ida-de de 71 (setenta e um) meses, para as despesas realizadas e comprova-das, mensalmente, com creches ou

babás. Neste último caso, o contrato de trabalho deve ser registrado em Carteira de Trabalho e Previdência Social. Além disso, a babá deve ser inscrita no INSS. Vale ressaltar que o “auxílio creche” não será cumulati-vo com o “auxílio babá”, devendo a bancária fazer opção escrita por um ou outro, para cada filho.

ESTABILIDADE PrOVISórIA DE EMPrEgO

A gestante gozará de estabili-dade provisória no emprego desde a gravidez até 60 dias após o término da licença-maternidade, salvo por motivo de justa causa para demissão. “Qualquer violação desses direitos e garantias devem ser comunicados imediatamente ao Sindicato, para que nós possamos tomar as provi-dências cabíveis”, ressalta Lucimar Barbosa, integrante do Coletivo de Mulheres e diretora da entidade.