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Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10
de setembro de 2010. Cd-Rom.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
CAMPUS FRANCA
Mário André Ornaghi.
Cláudio Santoro e a música erudita brasileira:
Uma trajetória estético-política (1940-1960).
1
FRANCA
2010
1. Resumo ampliado.
O movimento modernista no Brasil, à semelhança de outros países da América Latina,
guarda uma particularidade em relação modernismo europeu, qual seja, a reivindicação do
nacional. Os intelectuais brasileiros “buscaram inventar a cultura desse novo país utópico:
uma cultura que mesclasse as técnicas da arte moderna européia com uma certa visão da
“cultura brasileira”, planejando uma nação modernizada.”1 Como afirma Nestor Garcia
Canclini, “o moderno se conjuga com o interesse por conhecer e definir o brasileiro”.2 E
diferentemente do modernismo europeu, um relativo otimismo e a crença na “nova
civilização” orientou a maior parte desse movimento modernista3.
No campo musical, alinharam-se em prol da criação de uma música erudita brasileira
Heitor Villa-Lobos, Lorenzo Fernandes, Francisco Mignone, Luciano Gallet e Camargo
Guarnieri, juntamente com intelectuais como Mário de Andrade e Renato Almeida. Eles
tinham por base o movimento modernista, e a Semana de 22 teve importância crucial para
esse grupo, principalmente no que diz respeito à ruptura com a música romântica européia,
tendência dominante até então.
A publicação de Ensaio sobre a música brasileira de Mário de Andrade em 1928
apresentou um marco mais programático para o nacionalismo musical, que passou a ter um
embasamento teórico mais sólido, estabelecendo critérios para a criação artística, como: a
fundamentação das obras musicais no folclore nacional, seja empregando integralmente,
modificando, ou até mesmo inventando melodias folclóricas em suas peças. O compositor
deveria empregar a técnica contrapontística de composição, assim como deveria fazer uso de
instrumentos populares em suas peças, tais como o ganzá, chocalho e urucungo; E por fim,
1 ALAMBERT, Francisco. A semana de 22: a aventura modernista no Brasil. São Paulo. 2. Ed. Scipione. 1994, pág.
10. 2 CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP,
1997. Pág. 79. 3 ALAMBERT, Francisco. A semana de 22: a aventura modernista no Brasil. São Paulo. 2. Ed. Scipione. 1994, pág.
9-10.
2
deveria redefinir a estrutura das formas de composição, substituindo, por exemplo, o vocábulo
“prelúdio” por “ponteio”, mudança esta de caráter estritamente ideológico. 4
Na década de 20, com a criação do rádio (1922), do cinema falado (1927) 5, e a maior
difusão dos discos, a música erudita passou a sofrer a concorrência da música popular urbana
- tanto nacional quanto estrangeira -, o que, na visão dos ideólogos do movimento
nacionalista, afastaria a possibilidade da criação de uma identidade própria para o povo
brasileiro e de uma nação amadurecida intelectualmente.
Em face desses problemas, na década de 30, tais músicos buscaram apoio do Estado,
obtendo, em parte, o patrocínio e visibilidade pelos quais vinham lutando. Afinal, essa
atuação governamental sempre foi restrita se comparada aos governos de ideologia fascista, os
quais praticamente impunham um repertório oficial. O governo de Getúlio Vargas não
investia apenas na música erudita, como desejavam seus músicos, “ao mesmo tempo em que
acenava com simpatia para a arte culta, reconhecia as manifestações artísticas advindas de
outros setores da sociedade. Seu objetivo era identificar-se com diferentes grupos,
reconhecendo e apoiando, em princípio, todas as manifestações culturais” 6.
Tal cenário não impediu, todavia, que a música erudita seguisse sua trajetória. Em
1937, chegava ao Brasil, fugindo do nazismo na Alemanha, o músico Hans-Joachim
Koellreutter, começando, em 1938, a ensinar no Conservatório de Música do Rio de Janeiro.
Em 1939 Koellreutter fundou o grupo Música Viva, pioneiro no Brasil na propagação do
método dodecafonista, técnica de composição de vanguarda criada por Schöenberg, de modo
a organizar as 12 notas em uma música atonal. O grupo Música Viva teve como alguns de
seus integrantes: Cláudio Santoro7, César Guerra-Peixe
8, Eunice Catunda
9, Edino Krieger,
Egydio de Castro e Silva, Luiz Heitor, Brasílio Itiberê, e Otávio Bevilácqua.
4 CONTIER, Arnaldo Daraya. A música brasileira contemporânea: Estudo das principais tendências (1922-1965).
5 As primeiras experiências sonoras do cinema remontam a 1926, quando a Warner Brothers comprou o
sistema de som Vitaphone, que possibilitou a utilização simultânea de sons e imagens. O primeiro filme sonoro foi “Don Juan” (1926), e o primeiro filme com diálogos e cantos foi “O cantor de Jazz” (1927), ambos de Alan Crosland. 6 GARCIA, Tânia da Costa. O “it verde e amarelo” de Carmen Miranda. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004.
pág. 14. 7 Cláudio Santoro nasceu em Manaus (1919), e, ainda menino começou a tocar violino e piano, o que lhe valeu
a atenção de seus conterrâneos e uma bolsa do governo amazonense para estudar no Rio de Janeiro, onde, aos 18 anos de idade, já era professor adjunto de violino no conservatório de música do Rio de Janeiro. Era um violinista notável, e, em 1940 começa a estudar com Koellreutter, com quem entra em contato com o método dodecafônico.
3
Cláudio Santoro estudou um ano e meio com Koellreuter (de 1940 a 1941), que se
surpreendeu ao ver seu aluno compondo com elementos provenientes do serialismo10
e se
propôs a ensiná-lo a técnica dodecafônica. Durante este tempo - por diversas influências que
não necessariamente a do grupo Música Viva -, Cláudio Santoro entrou em contato com a
ideologia comunista, tornando-se membro do PCB poucos anos depois. Juntamente com
Santoro, muitos intelectuais aderiram ao partido, e outros orbitaram em sua área de influência.
Com o fim do Estado Novo e a conseqüente redemocratização do país, acreditava-se ser o
socialismo um caminho possível para um mundo melhor.
Até 1948 predominaram esses dois movimentos de tendências absolutamente
divergentes: o movimento nacionalista, pautado na música folclórica e na técnica
contrapontística de composição, com alguns integrantes com forte identidade com o governo
Vargas; e o grupo Música Viva, baseado no uso da técnica dodecafônica de composição, com
membros de orientação política comunista que procuravam alcançar um nacionalismo de
vanguarda. Sobre este último movimento, André Egg afirma que Koellreutter, mesmo sendo
um compositor que buscava a música universal, se propôs a liderar esses compositores,
deixando de lado o fato de não partilharem da mesma orientação político-ideológica, afinal,
esses nacionalistas representavam o modernismo no Brasil, constituindo-se na única
possibilidade de realização de suas idéias 11
. Vale ressaltar que nesse período o realismo
socialista na URSS ainda dialogava com as vanguardas artísticas, e por este motivo podemos
constatar a presença de músicos comunistas dentro do grupo Música Viva. Mas, a partir de
1948, com o Congresso de Praga, a oficialização do realismo socialista jdanovista, e a adesão
8 César Guerra-Peixe nasceu no Rio de Janeiro (1914), e já aos 9 anos tocava piano, violão, bandolim e violino.
Em 1944, conclui um aperfeiçoamento no Conservatório do Rio de Janeiro, e, afoito por saber as novidades do campo musical, vai estudar o dodecafonismo com Koellreutter. Guerra-Peixe teve muita influência de leituras de Mário de Andrade, o que provavelmente influenciou sua decisão de abandonar o dodecafonismo e dedicar-se à pesquisa folclórica de Recife. 9 Eunice Catunda (1915-1990) nasceu no Rio de Janeiro, iniciou seus estudou com Koellreutter em 1946, ano
em que recebeu o premio de composição pela cantata Negrinho do Pastoreio. Após abandonar o grupo Musica Viva e se filiar ao PCB, ataca ferrenhamente a música dodecafônica e a falta de engajamento político de Koellreutter. Entre seus mais significativos escritos dessa fase de militante do PCB, destaca-se “Capoeira no terreiro de mestre Waldemar”, publicado na Revista Fundamentos em 1952, edição nº30. 10
O serialismo surgiu como um desdobramento do dodecafonismo e é basicamente é um método de ordenação de todos os sons da escala cromática de modo que nenhuma nota tenha supremacia sobre as outras. Mas, conforme nos lembra Sérgio Nogueira Mendes, Cláudio Santoro tinha uma forma “particular de tratamento do serialismo”, caracterizada por um razoável afastamento das principais normas de composição da chamada Escola de Viena (Representada por Schoemberg, Webern, e Alban Berg). MENDES, Sérgio Nogueira. Cláudio Santoro: Serialismo dodecafônico nas obras da primeira fase (1940-1941). 11
. EGG, André. O debate no campo do nacionalismo musical no Brasil dos anos 1940 e 1950: o compositor Guerra-Peixe. UFPR, 2004. Dissertação de mestrado. Pág 38-40.
4
do PCB a esta orientação estética, o quadro começou a mudar, e o grupo Música Viva perdeu
seus mais importantes integrantes, por razões que abordaremos adiante.
O realismo socialista foi uma doutrina estética aplicada em todas as formas de
manifestações artísticas e culturais da URSS, oficializada, entre outros, por Andrei Jdanov e
Burkhain em 1934, no I Congresso de Escritores Soviéticos. Tal doutrina propunha uma arte
com temas operários12
e também populares e folclóricos, os quais deveriam ter um sentimento
otimista, que seria inculcado em todo povo soviético, de modo que se consolidasse a
revolução socialista em todas as esferas da vida social. O realismo socialista era marcado pelo
compromisso com o coletivo, e por isso combatia o individualismo e o pessimismo da
chamada arte burguesa. Cláudio Santoro exemplifica muito bem tal idéia ao afirmar, em um
artigo escrito em 1948, que a arte de vanguarda é decadente por refletir a sociedade burguesa
e seu individualismo. Nas palavras do compositor: “Não existe manifestação artística
desligada da sociedade, pois o artista sempre serve a classe dominante e é por esta razão que a
arte nos países capitalistas é decadente” 13
.
A partir de 1946, o realismo socialista foi caracterizado por um período chamado
Jdanovismo14
, o mais rígido e fechado em sua ideologia. Como afirmou Simon Sebag
Montefiore, após a Segunda Guerra Mundial, Stálin e Jdanov retomaram suas reflexões sobre
como “fundir o patriotismo russo da guerra com o bolchevismo da revolução”, e decidiram
por atacar o modernismo e a influência estrangeira na URSS, ao mesmo tempo em que
promoviam a cultura russa do séc. XIX. Não poderiam, assim, ser utilizadas novas técnicas de
composição, pois essas, além de serem burguesas e elitistas, fariam com que as massas
populares se afastassem das artes, por não entendê-las.
12
Percebe-se a influência de Marx, Engels e Lênin na estruturação dessa estética.
13 Nesta afirmação fica evidente que os intelectuais comunistas acreditavam que o capitalismo estava em
decadência e rumo à extinção, e por isso mesmo a arte burguesa seguia o mesmo rumo. Em substituição ao individualismo da arte burguesa, os comunistas propuseram uma forma de arte que seria proveniente do povo proletário(a classe dominante do comunismo), onde este e o artista caminhariam lado a lado na futura sociedade comunista. SANTORO, Cláudio. Problemas da música contemporânea brasileira em face das resoluções e apelo do Congresso de Compositores de Praga. Revista Fundamentos, SP, agosto, 1948. Pág. 236.
14 O jdanovismo começou em 18 de abril de 1946, quando Jdanov iniciou uma rígida censura às revistas de
Leningrado. Ele acreditava que, “após a guerra, com milhões de mortos e a economia destruída, temos de formar um novo conceito de valores espirituais para dar um fundamento a um país devastado, baseado na cultura clássica”. Tais clássicos seriam autores do século XIX, “de Puchkin a Tolstoi”, e compositores como Haydin e Mozart. (In Sebag Montefiore, Simon. Stálin: A corte do czar vermelho. Tradução: Pedro Maia Soares – São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pág 600-601).
5
Segundo Vittorio Strada, o realismo socialista, principalmente o período jadnovista,
seria um sistema que prendia a literatura e as artes em uma “jaula construída com muita
firmeza e habilidade”15
. O sistema adotado era fechado, não abrindo possibilidades de
inovações por parte de seus artistas, o que causou um empobrecimento do meio artístico, por
ficar sempre restrito à mesma fórmula.
O jdanovismo chegou ao Brasil através do Partido Comunista Brasileiro, que, a partir
do final da segunda guerra mundial, em 1945, aumentou significativamente seu número de
membros, passando de 2 mil para 200 mil em 1947, tornando-se o quarto maior partido
político do país. Dênis de Moraes nos fala o porquê dessa importância do PCB:
“A partir de 1945, com a vitória dos aliados na guerra, o Brasil ingressou
num processo democrático. O PCB tornou-se a grande novidade da
reestruturação partidária, pois havia a idéia de que o mundo poderia
tornar-se mais justo através do socialismo. O PCB tornara-se um partido
das massas também por mais dois importantes fatores: eleição da via
pacífica como caminho para a transição ao socialismo, oposição ao
governo Dutra e à abertura desenfreada da economia aos capitais
estrangeiros.”16
No bojo da Guerra Fria, em 1947, o governo Dutra colocou o PCB na ilegalidade
desencadeando uma perseguição aos seus membros. Com o Congresso de Praga, em 1948, a
doutrina jdanovista oficializou-se nos PC’s de todo o mundo. A difusão internacional do
realismo socialista certamente esteve relacionada à polarização das tendências políticas do
períod. A União Soviética criava o Kominform (Comitê de Informação dos Partidos
Comunistas), de modo a estruturar e alinhar as ações e pensamento do comunismo
internacional, tendo no jdanovismo uma importante ferramenta de ação.
É importante ressaltar que até 1948, quando o jdanovismo é oficializado no PCB, o
partido estava afinado com a modernidade artística. O PCB aceitava as vanguardas, desde
estas “convergissem com os postulados marxistas”17
. O partido tinha como objetivo a
“militância social articulada com a renovação artística” 18
. Por isso podemos compreender a
15
STRADA, Vittorio. Do “realismo socialista” ao Zdhanovismo, in Hobsbawm, Eric. História do Marxismo. 2. ed. - Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1983- vol9. 16
MORAES, Denis de. O imaginário vigiado (a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil 1947-1953)
Rio de Janeiro: J. Olympio, 1994. 17
Idem. 18
Idem.
6
presença de compositores ligados ao PCB em um grupo de vanguarda musical, como foi o
caso do grupo Música Viva, até esse ano. Dentre os músicos filiados ao PCB, merecem
destaque: Cláudio Santoro, Francisco Mignone19
, Guerra-Peixe, e José Siqueira20
.
Como o Jdanovismo não abria possibilidade para os artistas utilizarem técnicas
“burguesas” (vanguardistas) de criação artística, 1948 foi um ano de ruptura dentro do
movimento Música Viva, caracterizado pela saída de Cláudio Santoro, que provocou um
abalo no movimento, estimulando a saída de César Guerra-Peixe e Eunice Catunda.
Cláudio Santoro participou inclusive do Congresso de Praga em 1948, quando
rompeu definitivamente com as técnicas dodecafônicas de composição e aderiu ao
nacionalismo musical. Para Santoro, o “atonalismo é uma ideologia da burguesia, porque não
tem parentesco com a nossa música popular, que é por excelência tonal ou modal”.21. E sobre
o Congresso de Praga, concluia:
“Só será universal a arte que estiver ligada à tradição e ao povo, porque os
povos compreendem-se melhor quando ligados pelas suas manifestações
espontâneas e livre, traduzidas na sua simplicidade numa manifestação de
arte, que os une ao mesmo sentimento de coletivismo e alevantamento,
pelo progresso, pela paz e bem estar de seu semelhante”. 22
Já no caso de César Guerra-Peixe, sua saída foi motivada mais por seu interesse em
pesquisar o folclore nordestino, especificamente do Recife, do que por seguir as
recomendações do PCB. Desde 1946, Guerra-Peixe já vinha buscando algumas modificações
em suas composições dodecafônicas, de modo a serem mais facilmente assimiláveis pelo
público, e mais fáceis de serem executadas.
A partir desses eventos, Koellreutter e seus novos alunos passaram a ser duramente
criticados por sua falta de engajamento político. O ápice dessas críticas é alcançado em 7 de
19
Francisco Mignone nasceu em São Paulo (1897), e aos 10 anos de idade começa a estudar piano e iniciou sua carreira de músico popular, sob o pseudônimo de Chico Bororó. Em 1920 ganha uma bolsa de estudos em Milão, e quando retorna ao Brasil em 1929, inicia sua fase nacionalista, que se estendeu até 1959. 20
José de Lima Siqueira nasceu na Paraíba (1907), e é conhecido como o idealizador da Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro, além de membro fundador da Academia Brasileira de Música, e idealizador da Ordem dos Músicos do Brasil. 21
SANTORO, Cláudio. Progresso em música. In “Para todos”, nº7 p4, mar. 1951.
22 SANTORO, Cláudio. Problemas da música contemporânea brasileira em face das resoluções e apelo do
Congresso de Compositores de Praga. Revista Fundamentos, SP, agosto, 1948. Pág. 240.
7
novembro de 1950, quando Camargo Guarnieri, adepto do nacionalismo musical, discípulo de
Mário de Andrade, e que não era comunista, publica sua Carta Aberta aos Músicos e Críticos
do Brasil. Esse documento de poucas páginas faz uma crítica feroz ao dodecafonismo, que
Guarnieri acusa de ser um “artifício cerebralista, anti-nacional, anti-popular” 23. O autor da
Carta Aberta afirma que o dodecafonismo é um produto de “civilizações e culturas
decadentes”, e, por seu caráter individualista, nunca alcançará o grande público, pois “não tem
nenhuma afinidade com a alma do povo”.24
Koellreutter, em 28 de dezembro de 1950, responde a carta de Camargo Guarnieri
afirmando que o dodecafonismo não é um estilo ou tendência estética, e sim uma técnica para
a estruturação do atonalismo, que “garante liberdade absoluta de expressão e a realização
completa da personalidade do compositor” 25
. Para o autor dessa resposta, o que causa a
“estagnação mental em que vive amodorrado o meio musical brasileiro” é o sucesso fácil do
“nacionalismo em sua forma de adaptação de expressões vernáculas”. Koellreutter defendia o
progresso das artes, como um processo de evolução natural do campo artístico e social.
A publicação da Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil na revista
Fundamentos26
em 1950, exemplifica a aproximação que comunistas e nacionalistas tiveram a
partir do final dos anos 1940, e indica que esses grupos passaram a ter o objetivo comum de
combater a música de vanguarda, que era representada por Koellreutter e seus discípulos. Essa
aproximação dos nacionalistas com os comunistas resultou na chamada música progressista
(termo com o qual os próprios artistas designavam suas músicas), como afirma Luiz Antonio
Giani.27
O jdanovismo definiu o realismo socialista até a morte de Stálin, em março de 1953.
A partir dessa data, o controle estético-ideológico do partido soviético sobre os artistas foi
diminuindo, o que resultou na retomada de estéticas modernas. Esse período de mudanças foi
caracterizado também pelo fim do movimento Música Viva em meados dos anos 50, que já
vinha perdendo seu brilho e importância desde a saída de seus mais importantes compositores,
em 1948.
23
Guarnieri, Camargo. Carta aberta aos músicos e críticos do Brasil. 24
Idem. 25
KOELLREUTTER, Hans-Joachim. Carta aberta aos músicos e críticos do Brasil. Resposta a Camargo Guarnieri. 26
Revista ligada ao PCB. 27
Giani, Luiz Antonio. As trombetas anunciam o paraíso: recepção do realismo socialista na música brasileira, 1945-1958 (da “Ode a Stalingrado” a “Rebelião em Vila Rica”). Assis, 1999. Tese de doutoramento.
8
Cláudio Santoro, que seguia à risca as recomendações de Moscou, com a abertura do
realismo socialista em 1953, continuou com sua produção tonal (mesmo que utilizando
eventuais dissonâncias) e tipicamente brasileira, como podemos notar, por exemplo, pela série
de composições intituladas “paulistanas” 28
. Mas, a partir da década de 1960 retoma suas
composições dodecafônicas, a despeito de continuar a ser um comunista convicto, o que
indica uma abertura ideológica muito grande dentro do realismo socialista, após o período
jdanovista.
Em uma época em que os conflitos político-ideológicos se acirravam cada vez mais
no mundo, a divisão entre capitalistas e comunistas se dava também em espaços
aparentemente neutros, como é o caso do ambiente musical erudito. É possível aventar que
com a vitória dos aliados, garantindo a hegemonia norte-americana no mundo ocidental e
principalmente na América Latina, a divisão que reduziu o planeta em dois blocos opostos
terminou por obscurecer as identidades nacionais. Em muitos países da América Latina tal
situação promoveu a afirmação e reconfiguração das identidades nacionais. No Brasil, pelas
razões já expostas, uniu-se ao nacionalismo musical a ideologia comunista. Tal processo se
tornaria mais radical dentro dos Partidos Comunistas cujas diretrizes visavam atacar
diretamente o inimigo capitalista.
2. Objetivos.
Diante do exposto, apresentamos os seguintes objetivos:
Estudar os conflitantes movimentos Música Viva e o movimento nacionalista –
nos seus aspectos estéticos e ideológicos;
Entender as mudanças pelas quais passou o realismo socialista da URSS no
período abordado.
Mapear a atuação do PCB (Partido Comunista Brasileiro) no cenário musical
brasileiro e relacionar às decisões ditadas pelo Congresso de Praga (1948) no
28 De acordo com catálogo de obras de Cláudio Santoro. Ferreira, Paulo Affonso de Moura. Cláudio Santoro:
Catálogo de obras. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, Departamento de Cooperação Cultural,
Científica e Tecnológica, 1977.
9
cenário da Guerra Fria, responsável pela retomada de um nacionalismo musical
entre os compositores eruditos de vanguarda no Brasil;
Analisar o processo que levou Cláudio Santoro a abandonar o Grupo Música
Viva, aderir às regras do Jdanovismo, e, mais tarde, na década de 1960,
retomar o dodecafonismo em suas composições.
Nessa medida, formulamos a seguinte hipótese de trabalho: As opções estéticas de
Cláudio Santoro estão relacionadas às ideologias de esquerda e ao nacionalismo, presente,
este último, na música erudita brasileira desde o movimento modernista da década de 20,
ganhando novo impulso, após a Segunda Guerra Mundial e a nova ordem internacional do
período.
3. Referências bibliográficas, discografia e fontes.
3.1 Fontes
CATUNDA, Eunice. “Capoeira no Terreiro de Mestre Waldemar”. Revista Fundamentos,
nº30, São Paulo, 1952.
FERREIRA, Paulo Affonso de Moura. Cláudio Santoro: Catálogo de obras. Brasília:
Ministério das Relações Exteriores, Departamento de Cooperação Cultural, Científica e
Tecnológica, 1977.
GUARNIERI, Camargo. “Carta aberta aos músicos e críticos do Brasil”. Revista
Fundamentos, SP, 1950.
KOELLREUTTER, H. J. “Aspectos econômicos da música”. Revista Fundamentos, SP,
Junho, 1948.
KOELLREUTTER, H. J. “Arte funcional: À propósito de “O banquete” de Mário de
Andrade”. Revista Fundamentos, SP, agosto, 1948.
KOELLREUTTER, Hans-Joachin. “Carta aberta aos músicos e críticos do Brasil. Resposta a
Camargo Guarnieri”. Diário de São Paulo, de três de março de 1951.
10
SANTORO, Cláudio. “Considerações em torno da música brasileira contemporânea”. Revista
Musica Viva, RJ, março, 1941.
SANTORO, Cláudio. “Considerações em torno da música contemporânea nacional”. Revista
Musica Viva, RJ, abril/maio, 1941.
SANTORO, Cláudio. “Problemas da música contemporânea brasileira em face das resoluções
e apelo do Congresso de Compositores de Praga”. Revista Fundamentos, SP, agosto, 1948.
SANTORO, Cláudio. “Problemas da música contemporânea”. Revista Fundamentos, SP,
março/abril, 1949.
SANTORO, Cláudio. “Progresso em música”. Revista Para Todos, nº7 p4, mar. 1951.
SANTORO, Cláudio. “O VIII Plano Sinfônico dos compositores soviéticos”. Revista
Fundamentos, SP, setembro, outubro, 1955.
3.2 Discografia
BRANDÃO, Fernando (flauta) & Stephany, Frederick (viola) & Haro, Maria de Jesus F
(violão). A briga dialética dos estilos (Long-Play). FUNARTE, MMB 86.046. 1986.
CRUZ, Gilda Oswaldo. O piano de Cláudio Santoro II (CD áudio). Biscoito Fino, BF575,
2004.
GONÇALVES, Joaquim (saxofone) & SANTORO, Cláudio (regência). Canto de Amor e Paz
(Long-Play 33 1/3). Independência: LP 1001, 1954.
HADELICH, Valeska & SALGADO, Ney. Sonatas para violino e piano de Cláudio Santoro
(CD áudio). JHO-NC-4006, 1995.
3.3 Referências Bibliográficas
ALAMBERT, Francisco. A semana de 22: a aventura modernista no Brasil. São Paulo. 2. Ed.
Scipione. 1994.
ALMEIDA, RENATO. História da música brasileira. 2 ed. F. Briguiet & Comp. – editores.
Rio de Janeiro: 1942.
AMARAL, Aracy A. Arte pra quê? : a preocupação social na arte brasileira 1930-1970:
subsídio para uma história social da arte no Brasil. 2° ed. São Paulo: Nobel, 1987.
ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. São Paulo, Martins, 1965.
11
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 3.ed. São Paulo, Martins; Brasília,
INL, 1972.
ANDRADE, Mário de. Música, Doce Música. 2 ed. São Paulo, Martins, 1976.
BENJAMIM, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. São
Paulo: Abril Cultural, 1980.
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modernidade. São Paulo: EDUSP, 1997.
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CONTIER, Arnaldo Daraya. A música brasileira contemporânea: Estudo das principais
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CONTIER, Arnaldo Daraya. Arte e Estado: música e poder na Alemanha dos anos 30.
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CONTIER, Arnaldo Daraya. Brasil Novo. Música, nação e modernidade: os anos 20 e 30.
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CONTIER, Arnaldo Daraya. História em debate – Problemas, temas e perspectivas.
CONTIER, Arnaldo Daraya. Música e ideologia no Brasil. 2. ed.rev. e ampl. - São
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CONTIER, Arnaldo Daraya. O nacional e a música erudita brasileira: Mário de Andrade e a
questão da identidade cultural. ArtCultura, n.9, 2004 – Uberlândia, Universidade Federal de
Uberlândia, Instituto de História.
CONTIER, Arnaldo Daraya. Passarinhada do Brasil: canto orfeônico, educação e getulismo.
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12
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música brasileira, 1945-1958 (da “Ode a Stalingrado” a “Rebelião em Vila Rica”). Assis,
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