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III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 195
Morfo-Anatomia Foliar de Aciotis Paludosa (Mart. Ex Dc.) Triana (Melastomataceae)
E. M. Aoyama1*, T. G.Silva1 & A. Indriunas1
1Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas, Centro Universitário Norte do Espírito Santo, Universidade Federal do Espírito Santo, São Mateus, ES. *Email para correspondência: [email protected]
Introdução
Melastomataceae é uma família tropical e subtropical a qual compreende cerca de 4500
espécies e 150 a 170 gêneros, dos quais 68, com aproximadamente 1325 espécies são
encontrados no Brasil (Goldenberg et al., 2012; Matsumoto & Martins, 2009). No estado
do Espírito Santo ocorrem em torno de 170 espécies distribuídas em 25 gêneros
(Baumgratzet al., 2014) e a região serrana do estado é extremamente rica em
representantes da família, como apresentado pelas 57 espécies dos 12 gêneros que ocorrem
na Estação Biológica de Santa Lúcia (Goldenberg &Reginato, 2006).
O gênero Aciotis D. Don compreende 13 espécies distribuídas na América Tropical, do Sul
do México e Caribe, até o Sul do Brasil. Todas as espécies são encontradas no território
nacional (Matsumoto & Martins, 2009; Meyer & Goldenberg, 2012). Segundo Renner
(1993) o gênero pertence à subfamília Melastomatoideae, tribo Melastomeae, a maior e
mais diversa tribo da família, onde também se encontra o diverso e bem representado
gênero em número de espécies, TibouchinaAubl., além de AcisantheraP. Browne,
MarcetiaDC., Microlepis(DC.) Miq., Pterolepis (DC.) Miq.eSiphantheraPohlex DC.
Aciotis paludosa ocorre nas regiões Nordeste (Bahia, Maranhão, Pernambuco), Centro-
Oeste (Distrito Federal, Mato Grosso), Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de
Janeiro, São Paulo), Sul (Paraná), (Baumgratz& Rosa, 2014) em áreas úmidas (Matsumoto
& Martins, 2009; Meyer &Goldenger, 2012).
Na literatura encontram-se diversos estudos anatômicos com espécies brasileiras da
famíliadestacando-se o de Reis et al. (2005) com 22 espécies das tribos Miconieae,
Tibouchinieae e Microlicieae do cerrado de Somavilla& Graciano-Ribeiro (2011) com
Lavoisierabergii Cogn., Macairearadula (Bonpl.) DC. eTrembleyaparviflora (D. Don)
Cogn. em vereda e cerrado, Cassiano et al. (2010) com o estudo de anatomia foliar e
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caulinar de MicroliciahatschbachiiWurdack.Porém, na literatura pesquisada não foram
encontrados estudos para o gênero Aciotis.
O trabalho teve como objetivo realizar um estudo sobre a morfo-anatomia foliar de Aciotis
paludosa(Mart. ex DC.) Triana.
Material e Métodos
As folhas foram coletadas de espécimes na Estação Biológica de Santa Lúcia, no
município de Santa Teresa, ES. O voucher foi depositado no Herbário MBML (nº
45395).Foram utilizadas folhas adultas, retiradas do segundo e terceironós, sendo
selecionadas amostras do terço médio da lâmina foliar e do pecíolo.
Para as análises morfológicas foram coletadas folhas adultas plenamente expandidas de
três plantas da espécie. Os caracteres morfológicos analisados foramas dimensões do
pecíolo e para o limbo, tamanho, forma, tipos de ápice e base, textura, superfície,
coloração, margem, venação, presença e posição de tricomas, empregando as terminologias
de Hickey (1973).
As folhas foram fixadas em FAA (formaldeído:ácidoacético:álcool etílico 50%, 2:1:18,
v/v), de acordo com Johansen (1940), mantidas por 48 horas e posteriormente transferidas
para etanol 70%.
Para os estudos das superfícies foliares, amostras foram diafanizadas segundo metodologia
proposta por Shobe&Lersten (1967), posteriormente clarificadas e coradas com solução de
safranina a 1% e montadas entre lâmina e lamínula com glicerina 50% para estudo da
epiderme em vista frontal.
Amostras da porção mediana das folhas (pecíolo e limbo) foram seccionadas
transversalmente, à mão livre, com auxílio de lâmina de barbear e isopor, posteriormente
clarificadas com solução de hipoclorito de sódio a 25%, coradas com azul de Astra 1% e
safranina 1% (Bukatsch,1972), e montadas em lâminas semipermanentes com gelatina
glicerinada.
As lâminas foram analisadas ao microscópio fotônico e as imagens obtidas em
fotomicroscópio, com projeção de escalas micrométricas.
Resultados e Discussão
Aciotis paludosa possui folhas opostas cruzadas (Figura 1);pecíolo de 0,1-2,0 cm de
comprimento; diâmetro de 0,9-1,05 mm, pilosos;limbo de 1,8-2,8 × 3,6-5,5 cm,elíptico,
ápice obtuso, base cuneada, membranáceo, margem irregularmente serreada,
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venaçãoacródroma basal (Figura 1), fortemente proeminente na face abaxial,pilosa, com
tricomasintensamente abundantes na face adaxial.Duas entre três das amostras estudadas
apresentaram anisofilia nos segundos nós de cada planta.A descrição da folha condiz com
as apresentadas em outros trabalhos, exceto pela anisofilia, não citada anteriormente para a
espécie, e, nos espécimes analisados, o tamanho do órgão apresenta menores dimensões
que o encontrado para os de São Paulo (Matsumoto & Martins, 2009), mas condizem em
relação às dos ocorrentes no Paraná (Meyer & Goldenberg, 2012). Esta variação pode ser
relativa a condições abióticas como luminosidade, como já observado para espécies do
gênero Miconia do cerrado (Marques et al., 2000), indicando a necessidade de mais
estudos para espécies de outras fisionomias e ambientes.
Em vista frontal, as células epidérmicas da face adaxial apresentam paredes celulares retas
(Figura 2). Apresenta tricomastectores pluricelularesnão ramificados (Figuras 3 e 4) na
face adaxial e emergências na margem (Figura 5).Diferentes tipos de tricomas são
encontrados em outros gêneros como tectores pluricelulares ramificados em Leandra,
dendríticos e/ou ramificados em Miconia e Microlepsis, e, emergências epidérmicas em
Tibouchina e Leandra, além de tricomas glandulares em Acisantera e Tibouchina (Reis et
al., 2005). Essa variação morfológica dos tricomas em Melastomataceae é apontada como
caracter de valor taxonômico (Reis et al., 2005, Somavilla&Graciano-Ribeiro, 2011).
Na face abaxial os estômatos são anisocíticos (Figura 6)e encontram-se no mesmo nível
das demais células epidérmicas. Em outros gêneros da família como Miconia relata-se a
presença de diversos tipos de estômatos na mesma espécie (Oliveira et al., 2007). Quanto à
posição em relação às demais células epidérmicas, há variação, como cripta em Miconia
(Reis et al., 2005) ou estes projetarem-se em Microlicia (Cassiano et al., 2010) .
As folhas da espécie estudada apresentam epiderme uniestratificada e células epidérmicas
quadrangulares sendo as da face abaxial nitidamente menores (Figura 7). Reis et al. (2005)
apontam para a especialização e variação do tecido de revestimento na família com viés
taxonômico, enquanto Esau (2002) assinala que a ocorrência de células epidérmicas de
maiores dimensões pode estar relacionada com a maior captação de luz em ambientes
sombreados, porém as espécies de Miconia analisadas por Marques et al. (2000)não
apresentam variações significativas na espessura da epiderme em diferentes
sombreamentos naturais. Para a espécie em estudo acreditamos que devido ao habitat
sombreado as dimensões das células epidérmicas estejam relacionadas à otimização da
captura de luz, muito embora necessite de trabalhos mais direcionados para a averiguação.
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Figuras 1-13. Aciotis paludosa(Mart. ex DC.) Triana. 1. Aspecto geral da planta. 2-6. Vista frontal do limbo. 2. Células epidérmicas da face adaxial. 3. Face adaxial com emergências (setas). 4. Detalhe da emergência. 5. Detalhe da margem com as emergências (setas). 6. Estômatos (setas). 7-8. Secções transversais do limbo. 7. Nervura central. 8. Limbo evidenciando as células epidérmicas da face adaxial (*). 9-13. Secções transversais do pecíolo. 9. Pecíolo. 10. Detalhe da projeção do pecíolo (seta). 11. Detalhe do colênquima (seta). 12. Drusas (setas). 13. Detalhe do feixe vascular central (seta).
A nervura mediana se apresentacôncavo-convexa (Figura7), ao nível do terço médio, em
secção transversal.As células epidérmicas de ambas as faces têm formato quadrangular
sendo que as da face abaxial são maiores.Sob a epiderme ocorremalgumas células com
espessamento da parede celular. Envolvendo o sistema vascular há parênquima
fundamental com células isodiamétricas e de paredes delgadas, com discretos espaços
intercelulares (Figura7). O sistema vascular está disposto na forma de um arco central
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aberto (Figura 7).A disposição e a forma do sistema vascular assemelham-se a de outras
espécies da tribo, porém em Aciotis não se pode observar a presença de tecido
colenquimático abaixo da epiderme, somente algumas poucas células (Reis et al., 2005).
O mesofilo é dorsiventral disposto em um único estrato de parênquima paliçádico e uma a
duas camadas de parênquima lacunoso (Figura 8), sendo que o sistema vascular apresenta
organização colateral em todas as nervuras das folhas. Reis et al. (2005) assinalam nas
espécies estudadas pelos autores que o parênquima paliçádico pode chegar a representar
cerca de 70% do mesofilo. Na espécie em estudo a porcentagem aproximada corrobora
com o apresentado pelos autores, porém as células não possuem o formato tão
evidentemente alongado e não se dispõe de forma justaposta. Cabe aqui enfatizar a pouca
representatividade da espessura do mesofilo em relação à epiderme, pois esta ocupa a
maior parte da lâmina.Solereder (1908) já aponta a presença de cristais de oxalato de cálcio
em Aciotis, como ráfides em A. anuae A. longifolia e no presente trabalho observou-se a
presença de drusas.
O pecíolo, em secção transversal, apresenta superfície adaxial sulcada ou em cunha e
superfície abaxial convexa (Figura 9), com projeções nas extremidades, além de tricomas
tectores pluricelulares (Figura 10). O formato observado no presente trabalho se diferencia
dos encontrados por Reis et al. (2004) nas 22 espécies estudadas. A epiderme é
uniestratificada, em posição subepidérmica ocorre uma bainha constituída por cerca de
uma a três camadas de colênquima angular (Figura 11). O parênquima subjacente é do tipo
clorofiliano propriamente dito, com uma a três camadas, constituído de células
isodiamétricas, em seguida ocorre o parênquima fundamental com idioblastos contendo
drusas (Figura 12). A presença de cristais nas estruturas foliares de espécies da família já
foi assinalada por Solereder (1908) e Reis et al. (2004) sendo observada a presença de
drusas no pecíolo em todas as espécies estudadas. O sistema vascular está organizado na
forma de um arco central (Figura 13), apresenta dois feixes laterais, além de doispequenos
feixes na região da projeção nas extremidades (Figura 9), Reis et al. (2004) encontraram
variações em relação a disposição dos feixes no pecíolo, podendo ser aleatórios ou em
arco, sendo esta última a observada na espécie em estudo. Segundo Howard (1979), a
estrutura anatômicado pecíolo é importante na identificação de algunstáxons, podendo ter
valor significativo na determinaçãode certas espécies de Melastomataceae
(Metcalfe&Chalk, 1950).
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Conclusões
A espécie estudada apresenta características comuns a outras da família, porém evidencia
algumas outras como a presença de emergência na margem, o tamanho das células
epidérmicas da face abaxial e o formato do pecíolo, evidenciando a necessidade de estudos
mais aprofundados com espécies do gênero.
Literatura Citada
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