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Como podemos utilizar as ferramentas do pensamento na progressão evolutiva do ser do ser humano: o espírito.

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  • FACULDADE DOUTOR LEOCDIO JOS CORREIA

    ADRIANA MENGOTTI SCHREIBER

    DOUTRINA ESPRITA PENSAMENNTO, LINGUAGEM E AO

    CURITIBA

    2011

  • ADRIANA MENGOTTI SCHREIBER

    DOUTRINA ESPRITA PENSAMENTO, LINGUAGEM E AO

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado Disciplina Pesquisa e Monografia III, 8 Perodo do Curso de Teologia Esprita, da Faculdade Doutor Leocdio Jos Correia Orientador: Prof. Reginaldo Francisco Domingos

    CURITIBA OUTUBRO / 2011

  • DEDICATRIA

    Dedico este trabalho minha famlia, encarnados e desencarnados,

    como agradecimento pelas oportunidades de crescimento e apoio nos

    enfrentamentos.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a todo corpo docente do Curso de Teologia Esprita da Faculdade Dr. Leocdio Jos Correia, pela oportunidade da promoo do conhecimento atravs de bases slidas.

    Para os colegas por terem feito desta jornada um encontro de amizade e companheirismo.

    Para o irmo Leocdio Jos Correia, pela afetuosa acolhida no auxlio incondicional ao ser humano.

    Enfim, agradeo a vida e a Deus.

    Muito obrigado!

  • Ainda que o Logos seja comum a todos,

    a maioria dos homens vive como se cada um tivesse uma sabedoria particular.

    Herclito

    O essencial, na vida humana, conseguir enxergar numa poa dgua

    o universo estrelado.

    Maury Rodrigues da Cruz

  • RESUMO Este trabalho tem por objetivo um estudo do homem como ser espiritual e sua relao com o mundo atravs do pensamento, da linguagem e da ao. Considerando a construo cultural como elo evolutivo do ser se apresentar ao mundo e a Doutrina Esprita como fonte de princpios filosficos, cientficos e religiosos auxiliares na construo dos valores lgicos e axiolgicos pertencentes ao ser. Desde que o ser humano adquiriu conscincia de si mesmo, impreterivelmente ele esta envolto num meio que proporciona interaes com as possibilidades que se apresentam. Numa dinmica viva ele constri a cultura e construdo por ela. Desta forma processualmente ao longo da sua histria evolutiva, os confrontos com os desafios e adversidades se tornam pontes que proporcionam mudanas de comportamento, o que significa aprender, aprender a pensar, a sentir, a conviver, a se expressar, a fazer, a no fazer, enfim aprender a ser. As ferramentas constitutivas do esprito so os pensamentos, os sentimentos, as palavras e sua expresso funcional, as aes. De acordo com o presente, este conjunto se complexifica no que o ser . As relaes e reaes diante das oportunidades de enfrentamento se estruturam na trajetria da sntese do que o ser alcanou. Quanto maior o conhecimento e o aperfeioamento moral, maior o fortalecimento para perceber, conceber e conscientizar os acontecimentos e efetivamente transpor e ultrapassar as dificuldades, compondo o presente prximo. A Doutrina Esprita atravs do seu arcabouo conceitual contribui para que o homem aprenda a pensar de uma maneira mais crtica e expressiva, ajuda a compreender as responsabilidades do seu ser no mundo e de suas relaes, e assim oportuniza um olhar interior e nesta dialgica compor o seu ser atual. Quando se busca o conhecimento, ele se apresenta de acordo com as possibilidades de compreenso do esprito, as diversas formas de linguagens so maneiras que conduzem o homem a compor o seu pensamento. Todo conhecimento antes de se materializar em aes alterando o indivduo, o meio, passam pelo imaginrio, isto indica a importncia e a responsabilidade de conduzir o pensamento de modo a valorizar e dignificar a pessoa humana. Desta maneira o que se espera desta pesquisa que desperte o interesse em aprender a fazer, o que necessariamente significa aprender a articular as ferramentas do conhecimento atravs do pensamento, do sentimento, das palavras percebendo a conectividade funcional do repensar o pensado.

    PALAVRAS CHAVE: Doutrina Esprita; Histria da Linguagem; Livre Arbtrio e

    Ao.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO.............................................................................................. 1 2 HISTRICO DA EVOLUO DA LINGUAGEM......................................... 4 2.1 SEMITICA A LINGUAGEM SIGNIFICANDO O MUNDO..................... 6 2.2 A LINGUAGEM E A CULTURA COMO A LINGUAGEM D ORIGEM A CULTURA.............................................................................................. 12 2.3 AS DIVERSAS LINGUAGENS: LINGUAGEM CIENTFICA, LINGUAGEM FILOSFICA E LINGUAGEM RELIGIOSA........................ 16 2.4 O MEDIEVO E O APRISIONAMENTO DO PENSAR............................... 18 2.5 ILUMINISMO O RENASCIMENTO DA LIBERDADE DE PENSAR...... 21 3 DOUTRINA ESPRITA - PENSAMENTO, LINGUAGEM E AO............. 25 4 CONSIDERAES FINAIS......................................................................... 29 REFERNCIAS................................................................................................ 31

  • 1 INTRODUO

    Desde o surgimento da vida inteligente, a linguagem tem sido o motor da

    evoluo humana na Terra.

    Filsofos e cientistas tem se ocupado com o estudo da linguagem de

    vrios modos; elaborando questes tais como: a linguagem anterior ao

    pensamento, existe pensamento sem linguagem, como o homem conhece o

    mundo, qual o papel da experincia? Todas estas questes so polmicas e se

    aguam a partir da tentativa de se estabelecer uma base cientfica para

    explicar o histrico da evoluo da linguagem. Em seus primrdios, o interesse

    pela linguagem est ligado aos estudos filosficos. Plato coloca a questo da

    existncia da ligao entre as palavras que usamos e as coisas que elas

    designam. Para Aristteles, tratar-se-ia apenas de conveno a ligao entre

    forma e significado.

    O Renascimento e o Iluminismo, o despertar para as Cincias Exatas

    (ligadas a mudanas poltico-sociais), fizeram surgir o debate entre empiristas e

    racionalistas. Os sculos XVII e XVIII foram influenciados por discusses

    relacionadas filosofia. Para os empiristas, todo o conhecimento provm da

    experincia, diferentemente dos racionalistas, para os quais todo o

    conhecimento provm da razo - atravs da razo o homem procuraria

    conhecer o mundo que o cerca.

    A questo da linguagem e do pensamento, de acordo com o que foi

    exposto, ocupa a discusso filosfica h vrios sculos. A filosofia da

    Linguagem, a semitica, tm contribudo significativamente para os estudos

    sobre a natureza da linguagem e os processos cognitivos do homem.

    As Cincias Humanas e Sociais esto envolvidas naturalmente com estas

    questes, uma vez que a linguagem e o pensamento so fundamentais para a

    anlise da ao do homem no mundo, desta forma o estudo da linguagem

    transita por vrias reas do conhecimento.

    Ralph Linton (1976 p.98), afirmava que um dos fatores de maior

    relevncia no progresso da cultura tem sido o uso da linguagem. como

    instrumento de comunicao que a linguagem tem desempenhado seu mais

    importante papel na construo da herana social humana. Sem a transmisso

  • fcil e exata de idias, que ela permite, a cultura tal qual a conhecemos nunca

    teria nascido.

    Segundo Souza (2002, p.207) a palavra cultura aquela que traduz tudo

    aquilo que adquirido pelo Homem como membro da sua sociedade, incluindo

    conhecimento, crena, arte, moral, leis, costumes, usos e todas as habilidades

    que podem ser por ele assimiladas.

    importante refletir sobre o conceito espiritual de vida, onde na viso de

    Cruz (1995), a funcionalidade Doutrinria Esprita pode ser entendida como

    conseqncia da origem, da gnese do pensamento espiritual, sendo que

    nesta concepo quem pensa o esprito, quem age, quem quer, quem

    produz, quem se adapta sempre o esprito. O que infere ao esprito a

    portabilidade da cultura. A indissociabilidade do esprito com a cultura e com a

    educao (Cruz 2008, p.202), do sustentao ao pressuposto esprita de que

    no h possibilidade de cultura e de vida sem o concurso do esprito. A

    Doutrina Esprita procura explicar a mudana e a permanncia que existe de

    gerao a gerao. A mudana ocorre na corporeidade, pois os corpos

    apresentam finitude, entendendo a permanncia da cultura ao esprito, o

    portador da inteligncia que preexiste ao tempo.

    Nesta mesma linha de pensamento vale frisar que para Kardec (1984,

    p.303) a morte apenas a destruio do corpo fsico que apenas o invlucro

    do esprito, e esse invlucro no mais que acessrio, no a parte essencial

    do ser pensante, pois esse o princpio inteligente, indestrutvel, que se

    elabora atravs das diferentes metamorfoses por que passa.

    Para Morin (2007), a mente humana mostra-se na atividade do

    pensamento racional e na atividade do pensamento mtico. O pensamento

    racional est presente desde as origens desenvolvendo-se nas cincias;

    exercendo suas estratgias cognitivas na relao com o mundo emprico. O

    pensamento mtico tambm presente desde as origens, desenvolve-se no mito,

    usa as associaes e os smbolos, transgride a lgica e alastra-se num mundo

    onde o imaginrio entrelaa-se com o real.

    Estas duas formas de pensar, afirma Morin (2007), se mesclam mais forte

    num ou em outro sentido e se desenvolvem nas teologias, nas metafsicas, nas

    filosofias. Embora separadas, comunicam-se. O pensamento racional utiliza

  • analogias e smbolos; com freqncia, serviu-se do mito para demonstraes

    ou elucidaes.

    Nas consideraes de Morin (2007, p.107), ele estabelece que mesmo

    sendo diferentes, os pensamentos esto imbricados em nossa vida e na

    linguagem formando um tecido complexo. O mito surge na humanidade no

    apenas do abismo da morte, mas tambm do mistrio da existncia. Em

    realidade, sempre, em todas as sociedades, h/haver, ao mesmo tempo,

    racionalidade, mitologia, religio.

    A origem e evoluo do pensamento e da linguagem sero um campo

    aberto especulao, estudos e teorias sobre o assunto iro compor seu

    entendimento, a aproximao se d por meio do homem integral, que segundo

    Cruz (2007), o homem ativamente o pensamento, as linguagens, os atos-

    fatos, suas manifestaes existenciais, o exerccio do ser social, a sua

    capacidade de inovar, descobrir, inventar e criar.

    De acordo com Cruz (1995 p. 37), A Doutrina dos Espritos compreende

    que o indivduo nico. No entanto, no contexto processual evolutivo, ele faz

    permanentemente a transformao pela comunicao e pela interao,

    portanto no existe isoladamente. Continuando nesta linha de pensamento

    atravs do processo reencarnatrio que o esprito internaliza conhecimento,

    singulariza-se, vive a fora da vida e produz.

    As Cincias Humanas e Sociais esto envolvidas naturalmente com estas

    questes, uma vez que a linguagem e o pensamento so fundamentais para a

    anlise da ao do homem no mundo, desta forma o estudo da linguagem

    transita por vrias reas do conhecimento.

    Compreendendo o esprito como agente de todas as atitudes, a Doutrina

    Esprita prope um entendimento global na composio do homem no mundo.

    Assim, importante refletir sobre os aspectos lingsticos do ser humano

    ligados aos princpios da Doutrina Esprita, e sua relao com o pensamento e

    consequentemente com as aes do homem no mundo.

  • 2 BREVE HISTRICO DA EVOLUO DA LINGUAGEM

    Abordar a evoluo da linguagem como adentrar no mundo da cognio

    e admitir o homem no topo da existncia consciente. O conhecimento do

    conhecimento o convite para transitar o caminho da ignorncia e saborear

    cada conquista na construo do entendimento do que o homem. O ato de

    pensar no se expressa apenas em palavras, mas adquire existncia atravs

    delas.

    Segundo os autores Humberto R. Maturama e Francisco J. Varela

    (2001), no possvel conhecer com preciso os detalhes da histria das

    transformaes estruturais dos homindeos como a vida social e lingstica,

    estas no deixaram fsseis e no so fcil de serem reconstrudas. O que se

    pode analisar que as mudanas nos primeiros homindeos, que tornou

    possvel o aparecimento da linguagem, tm a ver com sua histria de animais

    sociais de relaes interpessoais afetivas e estreitas, associadas coleta e

    partilha de alimentos.

    Para Morin (2007, p.32) A hominizao uma aventura comeada, ao

    que atualmente parece, h sete milhes de anos. Ela processual pela

    apario de novas espcies - habilis, erectus, neandertal, sapiens e

    desaparecimento das anteriores, bem como pela domesticao do fogo, pelo

    surgimento da linguagem e da cultura. evolutiva na sua dialgica entre

    desenvolvimento da bipedizao, da manualizao, verticalizao (do corpo),

    cerebralizao, juvenilizao, complexificao social; processos ao longo dos

    quais aparece a linguagem propriamente humana, ao mesmo tempo se

    constitui a cultura, capital transmissvel de gerao em gerao, saberes,

    crenas, mitos, costumes, etc...

    Para entender melhor, cerebralizao e juvenilizao andam juntas ao

    longo da hominizao. A cerebralizao aumenta o tamanho do crebro, o

  • nmero de neurnios e de suas conexes, complexifica sua organizao e

    desenvolve a aptido para aprender. Os avanos correlacionados da

    juvenilizao representam a prolongao da infncia, desta maneira aumenta o

    perodo de plasticidade cerebral que proporciona a aprendizagem da cultura, o

    adulto conserva caractersticas juvenis, tanto no seu organismo, que continua

    no especializado, poliadaptativo e onvoro, quanto na curiosidade e

    inventividade psquicas. Cerebralizao e juvenilizao permitem o

    desenvolvimento da complexidade social; esses trs termos complementares

    estimulam-se, o que possibilita, antes do aparecimento do homo sapiens, a

    emergncia conjunta da nossa linguagem e de nossa cultura.

    A possvel transio de macacos para seres humanos foi acionada por

    dois desenvolvimentos distintos mencionados anteriormente, o desamparo de

    bebs nascidos prematuramente, os quais requeriam famlias e comunidades

    que lhes dessem apoio, e a liberdade das mos para fazer e usar ferramentas,

    que estimularam o crescimento do crebro. Esses dois fatores, segundo

    Maturama (2001), foram determinantes para o impulso evolutivo do

    desenvolvimento da linguagem, uma vez que a mesma resultante da

    coordenao sofisticada e eficiente de comportamentos, permitindo assim que

    os primeiros seres humanos aumentassem em grande nmero suas atividades

    cooperativas e desenvolvessem famlias, comunidades e tribos, o que lhes

    proporcionou enormes vantagens evolutivas. O papel crucial da linguagem na

    evoluo humana no foi a capacidade de trocar idias, mas o aumento da

    capacidade de cooperar.

    Fritjof Capra (2006), no seu livro A Teia da Vida, escreve que por volta

    de 35.000 anos atrs, a espcie moderna de homo sapiens substituiu os

    neandertais na Europa e evoluiu numa subespcie conhecida como cro-

    Magnon, batizada em homenagem a uma caverna do sul da Frana, qual

    pertencem todos os modernos seres humanos. Os cro-magnon, eram

    anatomicamente idnticos a ns, tinham uma linguagem plenamente

    desenvolvida e criaram uma verdadeira exploso de inovaes tecnolgicas e

    de atividades artsticas. Ferramentas de pedra e de ossos primorosamente

    trabalhadas, jias de conchas e de marfim, e magnficas pinturas nas paredes

  • de cavernas midas e inacessveis so testemunhos vvidos da sofisticao

    cultural desses membros primitivos da raa humana moderna.

    Esta anlise de Capra faz com que se marque a presena do homo

    sapiens como ser humano dotado de inteligncia e de sensibilidade artstica,

    somente as pessoas pintam e planejam expedies s extremidades midas

    das cavernas. A procura do ancestral do homem nos remonta ao contador de

    histria e ao artista, isto pode significar que para se ter um entendimento

    adequado da evoluo humana necessrio o entendimento da evoluo da

    linguagem e da cultura.

    interessante observar que a histria da evoluo da linguagem permite

    refletir a dimenso ontolgica da expresso humana, oportunizando ao ser

    inteligente apresentar o seu pensamento e interagir com o mundo .

    Sendo assim, a partir da linguagem que o ser humano vai significar o

    mundo, as pessoas, as coisas, a vida e o universo onde est inserido.

    Definindo assim um marco evolutivo da humanidade, a partir do qual, o homem

    passa a interagir no mundo atravs de diversas linguagens: criando, inovando,

    inventando, construindo o mundo cultural e transformando o mundo natural.

    Como desdobramento da evoluo da linguagem humana, alcanou-se a

    Cincia, a Filosofia e a Religio e consequentemente ampliou-se os horizontes

    do conhecimento, no processo de produzir significados, compondo assim, a

    realidade onde estamos inseridos.

    2.1 SEMITICA A LINGUAGEM SIGNIFICANDO O MUNDO

    A Semitica uma cincia relativamente nova, que passou a ser

    difundida desde o final do sculo XIX coincidindo com o processo expansivo

    das tecnologias da linguagem. Um dos seus objetivos estudar os signos e os

    processos de semiose (termo utilizado para designar o processo de

    significao, a produo de significados), gerados a partir destes signos, no

    processo de comunicao.

  • O termo Semitica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo.

    Para Santaella (1999, p. 58), um signo : [...] uma coisa que representa uma

    outra coisa: seu objeto. Ele s pode funcionar como signo se carregar esse

    poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele.

    Analisando a semitica e sua estrutura no desenvolvimento histrico da

    cultura, podemos refletir e teorizar como o homem, ser dotado de inteligncia

    emergindo do reino animal conseguiu dar significado ao mundo que o cerca.

    Durante muito tempo, questes foram feitas a respeito da linguagem,

    acerca da relao entre as palavras e o mundo. Reflexes filosficas servem

    como base na composio dos vrios paradigmas tericos formulados h

    sculos.

    Segundo Iran Ferreira Mello (Revista Lngua Portuguesa Ed.30, 2011),

    pode-se dizer que a primeira discusso sobre a relao do mundo com a

    linguagem foi empreendida por Aristteles. Para ele, as palavras no possuam

    sentido isoladamente, mas apenas quando relacionadas a um processo de

    predicao verbal, atravs do qual atribumos sentido ao mundo, assim o

    processo de categorizao daquilo que existe se realiza na imanncia da

    lngua.

    Postulando o contrrio da concepo aristotlica, estudos recentes sobre

    o assunto afirmam que aquilo que damos a entender com nossos usos

    lingusticos no esto previstos no sistema da lngua, e sim nas formas de vida.

    Segundo esses estudos, efetivamos o processo de construo de sentido na

    relao que a linguagem possui com a vida social. Desta forma entende-se que

    no possvel nos referirmos realidade social se no for por meio da

    linguagem, pois essa base de qualquer processo remissivo do que existe no

    mundo. Entretanto, o fornecimento de sentido ao que se escreve ou ao que se

    fala no depende apenas da construo lingustica, mas est profundamente

    relacionado aos fatores de ordem sociocognitiva.

    Essas duas formas de identificar a funo da linguagem face

    construo social foram debatidas atravs de vrios postulados

  • epistemolgicos durante os sculos. Hoje, os estudos lingusticos entendem

    no ser eficaz tratar da relao lngua/realidade social como, estritamente, um

    processo de representao, e sim como uma atividade de construo da

    realidade. No entanto, at essa concepo se firmar surgiram diversas

    propostas tericas.

    Na Grcia Antiga, por exemplo, a sociedade j procurava entender essa

    relao. Plato, Aristteles e os esticos j teorizavam sobre como a

    linguagem possui significado na relao com o que no lingustico. Essa

    relao se configurava num espelhamento entre um elemento e outro,

    fornecendo a ambos a possibilidade de refletirem entre si. O elemento que

    representa passou a ser chamado de signo daquele que representado e este

    se tratava sempre de uma coisa a qual se podia representar.

    Os esticos criaram a trade de composio do signo, que passou a ser

    revista, durante muitos sculos, por aqueles que pensavam filosoficamente a

    relao linguagem/realidade social: o tringulo composto por significante ou

    palavra, significado ou sentido atribudo palavra e objeto que a palavra

    representa.

    Contrapondo a teoria grega, um dos nomes de maior importncia no que

    diz respeito relao homem/realidade social foi Emmanuel Kant. Ele deu um

    passo frente na teoria de Aristteles quando cunhou o conceito de

    representao do mundo como uma maneira de manifestao da atividade

    do intelecto ordenar as idias sob uma imagem comum. Para ele, o processo

    de representar algo uma forma de juzo sobre o mundo, de manifestar os

    conceitos primitivos do intelecto, por meio dos quais - segundo Kant - o sujeito

    capta o mundo, determina-o e o ordena conceitualmente.

    Entretanto, na primeira metade do sculo XX, essa concepo foi objeto

    de crtica de mile Durkheim ao apontar falhas na perspectiva kantiana,

    afirmando que o pensamento racionalista de Kant reduzia as categorias a um

    processo essencialista e imanentista, sem considerar a relao entre o

    indivduo e o objeto como uma relao social. Para Durkheim as categorias so

  • produzidas por fatores sociais primitivos e so reconhecidas na base das

    teorias sociolgicas.

    Contrariamente linha durkheimiana, surgiu, em meados do sculo XX,

    a concepo de representao social postulada pela Psicologia Social.

    Conceito extremamente importante, pois foi amplamente debatido e utilizado

    por diversos campos das Cincias Humanas. Ele foi delineado nas

    investigaes que se deveram ao pesquisador Serge Moscovici1 no seu

    trabalho publicado em 1961 intitulado La psychanalyse, son image et son

    public sobre a socializao da Psicanlise em Paris.

    Moscovici propunha redefinir os problemas e conceitos da Psicologia

    Social a partir da idia de representao social e criticava a perspectiva de

    anlise social vigente, pois, para ele, esta se baseava em processos

    psicolgicos puramente individuais, sem apontar as relaes cotidianas num

    nvel social coletivo. Nessa perspectiva, no processo de construo das

    representaes que os conceitos e as idias so transformados em linguagem,

    o que faz corresponder os objetos do mundo s palavras, e do corpo a um

    processo de categorizao da realidade como fonte de conscincia da vida

    social coletiva. A partir da, o termo representao social passou a ser usado

    por diversos tericos para explicar teorias que os indivduos tm acerca da

    natureza dos eventos, dos objetos e das situaes dentro de um mundo social,

    uma forma especfica de conhecimento socialmente elaborado e partilhado.

    Foram diversos os pontos de divergncia entre os conceitos postulados por

    Durkheim e Moscovici. O primeiro procurou dar conta das representaes

    sociais como fenmenos compartilhados socialmente e que exprimem uma

    sociedade primitiva, como um arqu, que produto de uma imensa cooperao

    social, o qual ultrapassa espao e tempo. Durkheim dedicou-se a trabalhos

    sobre imaginrios sociais, mitos e religio. J para o segundo, as

    1 Moscovici. O psiclogo social Serge Moscovici nasceu na Romnia, em uma famlia judia, motivo pelo qual acabou indo parar em um campo de trabalho forado pelo regime de Ion Antonescu. Foi autodidata em francs durante a poca em que ficou preso, aprendendo a lngua por meio de leituras de filsofos como Spinoza e Descartes. Ele foi para a Frana clandestinamente depois que seu pas foi ocupado pelo Exrcito Vermelho e l estudou psicanlise, epistemologia e histria das cincias.

  • representaes sociais se constituem no compsito de expresses ideolgicas,

    religiosas, de vrias cincias e de um iderio coletivo sobre uma realidade.

    Como crtica aos estudos de Durkheim, surge a proposta de Harvey

    Sacks, que troca o foco relacionado noo de representao coletiva social

    dando lugar ao conceito de categorizao social, que postula - ao contrrio de

    Durkheim, cuja abordagem se apresenta na perspectiva do pesquisador - a

    proposta de que as condies sociais de uma categoria no so reconhecidas

    a partir do ponto de vista da Sociologia, mas da prpria sociedade/cultura.

    A discusso sobre processos de categorizao da realidade atravs da

    linguagem permaneceu em evidncia durante muito tempo nos estudos das

    cincias humanas, mas desde que Eleanor Rosch se iniciou nesse debate, no

    se admite que seja possvel conceituar as categorias como propriedades

    necessrias e suficientes, ou seja, como propriedades estveis. Rosch explicou

    que as categorias so prottipos culturais2. Para ela o mundo categorizado por nossas experincias de modo prototpico, isto , a realidade traduzida por

    prottipos que criamos a partir de situaes especficas pelas quais passamos,

    e so esses prottipos que nos fornecem os sentidos sobre o que conhecemos

    no mundo.

    Contudo, de acordo com o linguista brasileiro Luiz Antnio Marcuschi,

    nem o conceito de representao social nem o de prottipo se sustentam no

    atual estgio dos estudos sobre categorias. Com essas duas categorias

    tericas, Marcuschi afirma que entendemos uma imagem mental instalada a

    priori ou pelo menos independente de algum tipo de atividade interativa, isto ,

    como um componente dado e extrnseco ao discursiva. Com isso, ele

    defende que as coisas no esto no mundo da maneira como as enunciamos,

    mas a nossa enunciao consiste em uma atuao lingustica e intersubjetiva

    sobre o mundo e consequentemente em nossa insero sociocognitiva nele; ou

    2 Prottipos culturais. Eleanor Rosch reformulou o conceito de categorizao clssica com base na noo de prottipo. Para ela, as categorizaes no devem ser entendidas como um conjunto de pertencente ou no, mas sim pelo reconhecimento de um prottipo, que o ncleo dentro do grupo. Os demais elementos estariam mais margem e seriam menos recorrentes quando pensamos em determinada categoria.

  • seja, a construo dos objetos que enunciamos no dada de modo a

    representar algo, ou de forma prototpica, mas construda na relao que

    estabelecemos com o outro atravs da linguagem. Ns estamos,

    constantemente, criando o mundo que nos rodeia, bem como ns mesmos e as

    nossas prticas sociais atravs da interao verbal.

    Norman Fairclough3 prope uma teoria das representaes sociais como

    uma atuao no mundo, que entende as representaes sociais, os sistemas

    de conhecimentos e crenas e a formao das identidades como prticas

    sociais que podem se manifestar como prticas de linguagem. Contudo, por

    remeter concepo de representao social como complexo de conceitos que

    relacionam os objetos do mundo s palavras e que do corpo a esquemas

    mentais, o termo representao ainda no o mais feliz para designar o modo

    em que possvel, nos estudos contemporneos da Lingustica, compreender

    como a lngua se relaciona com aquilo que lhe exterior - a realidade social.

    Eis que surge um conceito que tenta substituir totalmente a concepo

    de representao como uma imagem mental previamente instalada e

    independente da atividade interativa: a noo de categorizao discursiva, ou

    seja, a concepo de que produzimos os objetos do mundo atravs de

    mecanismos de referenciao no interior dos nossos discursos, um modo de

    construo das coisas do mundo por meio da construo de objetos de

    discurso. Lorenza Mondada e Danile Dubois4 foram os principais expoentes

    dessa perspectiva nos recentes estudos lingusticos.

    A categorizao um processo dinmico e, sobretudo, intersubjetivo,

    que se estabelece no quadro de interao entre locutores, e suscetvel de se

    transformar num curso dos desenvolvimentos discursivos de acordos e

    3 Norman Fairclough. Professor emrito de lingustica na Universidade de Lancaster e um dos fundadores da anlise crtica do discurso, com foco no estudo da linguagem e as relaes sociais e da linguagem como parte integrante de processos de mudana social. Atualmente, se dedica investigao do discurso como um elemento-chave de transformaes sociais como a globalizao e o neoliberalismo.

    4 Mondada e Dubois. Estudaram processos de referenciao textual, destacando a importncia das escolhas lingusticas como um meio produtivo para que os sujeitos se apropriem da linguagem escrita.

  • desacordos. A realidade social, desse modo, criada e interpretada na

    interao comunicativa e no processo de categorizao, o qual podemos

    entender como um processo de referenciao, sem indicar uma forma de

    apontar o que existe no mundo, mas de construir.

    Mondada e Dubois (appud Ferreira, 2011) quando adotam a teoria

    sociocognitivista e interacional, para a qual o mundo no nos dado, mas o

    formulamos num fluxo de classificao e memria constantes, tratam de uma

    concepo segundo a qual os sujeitos constroem, atravs de prticas

    discursivas e cognitivas social e culturalmente situadas, verses pblicas do

    mundo. Esse processo de referenciao se enquadra como uma atividade de

    realizao do mundo na linguagem, e no a partir dela.

    Enquanto o projeto de representao pressupe uma estabilidade das

    entidades no mundo e na lngua, possvel, de acordo com a teoria

    sociocognitivista e interacional, reconsiderar essa proposta terica de enxergar

    os problemas das entidades da lngua, do mundo e da cognio e passar a

    focar o processo que as constitui, para, assim, entender que o problema no

    mais, ento, de se perguntar como a informao transmitida ou como os

    estados do mundo so representados de modo adequado, mas de se

    compreender como as atividades humanas, cognitivas e lingusticas,

    estruturam e do um sentido ao mundo.

    Essa proposta de referenciao como um processo categorial configura

    uma perspectiva dialtica e dialgica da relao mundo-linguagem e lida com a

    noo de um sujeito sociocognitivo que constri o mundo e ao mesmo tempo,

    constitudo por ele no desenvolvimento de suas prticas discursivas,

    entendidas estas, tambm, como prticas sociocognitivas, por se realizarem no

    intermdio entre a troca simblica dos indivduos em suas interaes

    comunicativas, seus conhecimentos semnticos e pragmticos compartilhados.

    Diante das abordagens sobre alguns vieses que investigam a relao

    entre linguagem e o mundo, ressaltamos que vrios deles aqui apresentados

    foram formas dos cientistas da lngua ou no exporem suas inquietaes

  • sobre sua complexidade, a qual se constitui ao mesmo tempo em que constitui

    tambm o ser humano: a linguagem e a realidade social. Seja sob uma tica

    estruturalista, seja sob uma perspectiva funcionalista, antropolgica ou

    sociocognitivista, tal estudo sempre se revelou instigante para a humanidade,

    portanto, certo que essa histria no termina aqui, uma vez que a cincia

    continua permamentemente a aventura do conhecimento, redimensionando a

    importncia da linguagem humana na evoluo da conscincia do homem no

    mundo. importante refletir que o pensamento em conjunto aos sentimentos,

    s palavras e as aes materializam-se pela linguagem e produzem a cultura.

    2.2 A LINGUAGEM E A CULTURA - COMO A LINGUAGEM D ORIGEM

    CULTURA

    Para Ralph Linton (1976, p. 98), a comunicao humana surgiu como

    uma necessidade de sobrevivncia. Em todos os mamferos, o comportamento

    individual total compe-se de trs elementos: comportamento instintivo,

    comportamento resultante da experincia individual e comportamento

    aprendido com outros indivduos (...) ao passo que o comportamento humano

    deva a maioria de seu contedo a esta ltima modalidade, o comportamento

    animal constitudo principalmente pelas duas primeiras.

    Desta maneira chega-se a entender que o homem um ser

    essencialmente social. Continuando com o pensamento de Ralph Linton (1976)

    os seres humanos devem seu predomnio atual, em parte a seu equipamento

    mental superior, mas ainda mais s idias, hbitos e tcnicas transmitidos

    pelos seus ancestrais. como instrumento de comunicao que a linguagem

    tem desempenhado seu mais importante papel na construo da herana

    social humana. Pode-se pensar que para os seres humanos esta herana

    chamada cultura.

    Nesta linha de raciocnio, cabe aqui ressaltar que na concepo da

    Doutrina Esprita a cultura atributo do esprito. Segundo Cruz (2008, p.47), o

    termo cultura empregado como verdadeira smula da vida. o fazer do

    homem compondo registros, se afirmando no tempo e no espao, integrando,

    pelo processo reencarnatrio, novos conceitos na cultura universal.

  • impossvel dizer em que ponto da evoluo humana a linguagem

    apareceu pela primeira vez, porm a linguagem to necessria existncia

    humana que parece provvel que se tenha desenvolvido juntamente, se no

    antes, com os primeiros passos dados na direo humana, o que faria

    remontar sua existncia pelo menos a milhes de anos atrs.

    Pode-se conceber a linguagem, Edgar Morin (2006 p. 38 e 39), como

    uma revoluo mental, partindo do crescimento e a reorganizao do crebro,

    iniciados com o homo erectus e concluda com o homo sapiens. O crebro do

    homo sapiens tornou-se um aglomerado de bilhes de neurnios, que permitiu

    o aparecimento de novas competncias, permitindo novos desenvolvimentos

    de autonomia, de estratgia, de inteligncia e de comportamento. A partir da, a

    inteligncia emerge do crebro humano, com e pela linguagem, dentro da

    cultura, e afirma-se na relao: pensamento-linguagem e ao. A mente

    humana amplia formas de inteligncia existentes no mundo animal.

    Se conceituarmos a inteligncia como uma aptido estratgica geral,

    permitindo tratar e resolver problemas particulares e diversos em situao de

    complexidade, a inteligncia , uma qualidade anterior espcie humana. Os

    pssaros e os mamferos possuem uma arte estratgica individual,

    comportando astcia, a utilizao da oportunidade, a capacidade de corrigir

    erros, a aptido de aprender, qualidades que reunidas em conjunto, constituem

    a inteligncia. A mente humana desenvolve essas formas de inteligncia em

    novos campos, e tambm cria outras formas. A inteligncia prpria mente

    humana eleva-se ao nvel do pensamento e da conscincia, que tambm

    precisam do exerccio da inteligncia.

    Edgard Morin (2008, p. 35), afirma que existem pr-culturas no mundo

    animal, mas a cultura, comportando linguagem de articulao dupla, a

    presena do mito, o desenvolvimento das tcnicas, propriamente humana. Da

    mesma forma, o homo sapiens s se realiza plenamente na e pela cultura.

    A partir da, a humanidade no se reduz de maneira alguma

    animalidade, mas sem animalidade no h humanidade. O proto-humano s se

  • torna efetivamente humano quando o conceito de homem se amplia e aceita

    uma entrada biofsica e outra psico-scio-espiritual, uma remetendo a outra.

    Desta forma, ampliando para uma conceituao Espiritual, relevante

    pensar sobre o que Cruz (2008, p.36), aponta: a Doutrina Esprita traz como

    fundamento da vida a evoluo. O Espiritismo ensina uma viso esprita

    evolucionista, adotando a sntese: o esprito dorme na pedra, respira nas

    plantas, move-se nos animais e pensa no homem, entende que at alcanar o

    processo do pensamento e sua complexidade, vive o estgio de proto-esprito.

    Aceita a chamada conscincia da vida na pedra onde o esprito repousa, dorme

    e se sensibiliza; nas plantas percebe, faz troca, a respirao, o equilbrio

    biosfrico; nos animais alcana o movimento, o domnio de espao, a

    psicomotricidade; no esprito desenvolve a inteligncia, a racionalidade, o

    sentimento, a criatividade, faz transformao, alcana juzo crtico e se

    essencializa no homem.

    Pelo pensamento, a inteligncia humana questiona e problematiza,

    encontra solues, inventa, capaz de criar. A conscincia a mais

    extraordinria emergncia do esprito, autor e portador de toda cultura,

    responsvel por toda atividade reflexiva que se transforma em linguagens e se

    projeta em aes. A inteligncia, o pensamento, a conscincia so formas

    diversas de uma atividade polifnica do esprito, parecem separadas, mas no

    aceitam disjuno.

    A Antropologia Esprita reconhece que a linguagem oral, a lngua a

    mais antiga instituio interativa humana criada, que ao nvel instrumental e

    instrucional faz permanente resguardo da cultura. Surgida nas civilizaes

    histricas, a escrita oferece a possibilidade de registro, para alm da memria

    individual, e de crescimento indefinido dos conhecimentos. O uso da linguagem

    um dos fatores mais importantes no progresso da cultura.

    A cultura todo fazer humano que se transporta de gerao em gerao

    e est expressamente ligada a linguagem, a linguagem a materialidade do

    pensamento fazendo a conexo entre o passado e futuro expressando-se no

    presente.

  • Segundo Morin (2007, p.36 e 38), o aparecimento da cultura opera uma

    mudana de rbita na evoluo. A espcie humana evoluir muito pouco

    anatomicamente e fisiologicamente. So as culturas que se tornam evolutivas,

    por inovaes, absoro do aprendizado, reorganizaes, so as tcnicas que

    se desenvolvem, so as crenas e os mitos que a partir de pequenas

    comunidades arcaicas, se metamorfosearam em cidades, naes e imprios

    gigantes. No seio das culturas e das sociedades, os indivduos evoluiro

    espiritualmente.

    A linguagem, surgida ao longo da hominizao o n de toda cultura e

    de toda sociedade humana, e as linguagens de todas as culturas, mesmo as

    mais arcaicas tm a mesma estrutura. Tomando esta linha de pensamento

    como parmetro evolutivo da linguagem, cogente afirmar que a linguagem

    possui identidade na sua gnese, mas se diferencia diante de sua

    complexividade.

    A cultura como expresso de conhecimento humano se diversifica e se

    apresenta em diferentes formas de linguagem.

    2.3 AS DIVERSAS LINGUAGENS: CIENTFICA, FILOSFICA E RELIGIOSA

    Abordar os aspectos que diferenciam as formas de expresso da

    linguagem viajar na codificao processual do mundo pelo homem. A

    linguagem cientfica tem caractersticas prprias que a distinguem da

    linguagem comum. Essas caractersticas no foram inventadas em algum

    momento determinado. Ao contrrio, foram sendo estabelecidas ao longo do

    desenvolvimento cientfico, como forma de registrar e ampliar o conhecimento.

    Essas caractersticas, muitas vezes, tornam a linguagem cientfica estranha e

    difcil para os iniciantes. Reconhecer essas diferenas implica em admitir que a

    aprendizagem da cincia inseparvel da aprendizagem da linguagem

    cientfica.

  • Com a finalidade de analisar as diferenas entre os diferentes tipos de

    linguagem tentamos estabelecer uma tipologia que pudesse caracterizar, por

    um lado, a linguagem comum e, por outro, a linguagem cientfica. Acreditamos

    que exista um contnuo entre esses dois extremos, e que poder envolver

    caractersticas de um e/ou outro tipo de fala, em maior ou menor grau. Para

    estabelecermos as caractersticas do discurso cientfico, usamos o referencial

    de anlise proposto por Halliday & Martin, (1993, apudd Mortimer ). Para as

    caractersticas do discurso de senso comum, usamos, tambm, as categorias

    propostas por Bruner (1991, apudd Mortimer). A seguir, resumiremos algumas

    caractersticas de um e outro tipo de discurso.

    Enquanto na linguagem comum predominam narrativas que relatam

    seqncias lineares de eventos, a linguagem cientfica congela os processos,

    transformando-os em grupos nominais que so ento ligados por verbos que

    exprimem relaes entre esses processos. A linguagem cientfica , portanto,

    predominantemente estrutural enquanto que a linguagem cotidiana linear,

    apresentando uma ordem seqencial que estabelecida e mantida. Na

    linguagem cientfica, o agente normalmente est ausente, o que faz com que

    ela seja descontextualizada, sem a perspectiva de um narrador. Na linguagem

    cotidiana, o narrador est sempre presente.

    Heidegger (apud MONDIN, 1980, p. 147) enfatiza sobre a noo

    ontolgica do mito: O que faz existir a linguagem como linguagem o Dizer

    original (die Sage) enquanto Mostrar (die Zeige). Assim, compreendemos a

    essncia da linguagem como expresso e atividade humana. Logo, para Martin

    Heidegger, a linguagem tem um valor ontolgico; o fundamental: a palavra no

    somente habilidade e signo, mas tambm fonte e sustentculo do ser das

    coisas.

    A linguagem eleva substancialmente o ser humano com relao aos

    demais seres vivos quando ascende aos degraus do mundo da sensao ao

    mundo da viso e da representao.

  • A mesma enaltece-o qualitativamente atravs da ao da inteligncia que

    produz cincia e tecnologia que o habilita a uma transformao melhor do seu

    mundo, conforme Cassirer:

    A relao da linguagem com os diversos campos do conhecimento

    estabelece-se naturalmente, ou seja, quando o ser humano se d conta da sua

    capacidade de falar, percebe que pode registrar seu pensamento e sentimento

    daquilo que vivencia. Assim, o homem procura o sentido de tudo aquilo que

    faz, para melhorar cada vez mais o que faz. E este contnuo aperfeioamento

    que o conhecimento subsidia atravs da linguagem religiosa, a linguagem

    filosfica e a linguagem da cincia. Deste modo, procura-se refletir a relao

    transdisciplinar da linguagem com seus diferentes nveis de participao na

    cultura e suas caractersticas individual, alternativa, especialista e universal.

    Relao transdisciplinar no que se refere ao seu contedo, fazendo

    trnsito ininterrupto com as diversas formas de conhecimento, conhecimento

    que compreende a histria evolutiva do homem, durante sua trajetria de ser

    consciente na construo da sua individualidade e pertencimento

    humanidade.

    A partir da pode-se admitir os diferentes nveis de participao da

    linguagem na cultura, linguagem no conceitual de comunicao do pensamento

    atravs de um sistema de signos, podendo fazer referncia ao indivduo, como

    a elementos especializados pertencentes a determinadas categorias,

    alternativos no sentido de participao por grupos ou comunidades e os

    universais quando abrangem a todos os membros adultos de uma sociedade.

    Um exemplo para se entender esta relao pode ser demonstrado pela

    leitura de um texto, ele pode conter uma mensagem significativa para o

    indivduo, como pode ser direcionado para determinado tipo de conhecimento,

    pode tambm ser mais abrangente sendo partilhado por um grupo maior e ser

    A linguagem um dos meios fundamentais do esprito, graas ao qual se realiza a passagem do mundo da sensao ao mundo da viso e da representao. Ela compreende j em germe trabalho intelectual, que em seguida se exprimir na formao do conceito cientfico e como unidade lgica da forma. (Apud MONDIN, op. cit., p. 135).

  • universal possuindo uma mensagem codificvel para todos.Como se observa

    em Cruz:

    O homem ao longo da histria se utiliza das diferentes formas da

    linguagem para compor o entendimento do mundo natural transpondo-o para a

    cultura, quanto maior o conhecimento sobre determinada coisa, maior a

    capacidade de fazer a cogncia entre as linguagens.

    2.4 O MEDIEVO E O APRISIONAMENTO DO PENSAR

    O homem como ser histrico, est inserido numa relao de tempo e

    espao numa dimenso de evoluo, desta forma se constroi e construido

    pelas mudanas ocorridas.

    Sistematizando o tempo em perodos de transies interessante analisar

    aspectos importantes ocorridos na chamada Idade Mdia, Renascimento, e

    Iluminismo como fatores de relevncia na amplitude do pensamento, linguagem

    e ao do ser humano.

    Durante toda a Idade Mdia, prevaleceu a necessidade de integrar a

    herana filosfica greco-romana com os princpios do cristianismo. Buscava-se

    conciliar razo e f. Os filsofos medievais encontraram em Plato e

    Aristteles os fundamentos tericos para efetivar tal conciliao. De um lado,

    surgiram os seguidores do platonismo, entre os quais, deve-se destacar Santo

    Agostinho, de outro lado, os adeptos do aristotelismo, cujo maior expoente foi

    O pensamento humano, como tudo o mais no Universo, conhecido e imaginvel e na totalidade do Cosmos, est sob a gide das leis de evoluo. Ele se expande, essencializa-se e reverte comeando um ciclo novo. Emergiu envolto em necessidades bsicas, atingiu o pensamento simblico, a Religio, a Filosofia e a Cincia- nessa ordem. a Religio que fornece, historicamente, ao Homem o espao para constituir a primeira viso de mundo.Os avanos que despontam, no sculo XX, o redimensionam para cosmoviso e reverte-se a ordem para Cincia-Filosofia-Religio, eis que a densidade do pensamento crtico ps-modernista constitui uma plataforma capaz de propelir a inteligncia para explanaes racionais cientfico-filosficas capazes de iluminar o micro que ficara imerso no reino do mistrio, do sagrado e do esotrico, porque oculto.Mas o oculto ser sempre apenas uma fronteira entre o conhecimento constitudo e o conhecimento em processo de progresso. (Cruz, 2008, p.11)

  • Santo Toms de Aquino. O tomismo se caracterizou pela tentativa de conciliar

    a autoridade da Igreja com o saber aristotlico. A sntese efetivada por Santo

    Toms de Aquino, que encontrou em Aristteles os fundamentos filosficos

    para a teologia crist, dominou o pensamento medieval, essencialmente

    teocntrico (Deus como centro de tudo). A teoria aristotlica se fundamenta no

    realismo (do latim res, coisa), tendncia filosfica segundo a qual a realidade

    existe independentemente de o homem conhec-la ou no, e o conhecimento

    tem origem na experincia sensvel, na percepo das coisas reais, concretas

    e particulares das quais foram extradas as essncias para elaborar os

    conceitos universais que permitem a elaborao da cincia.

    Nestes padres a Igreja desempenhou, durante mais de mil anos, desde

    a queda do Imprio Romano do Ocidente, um papel crucial no s na vida

    religiosa, mas tambm na organizao social e cultural dos povos . O ensasta

    francs Pierre Gaxotte (appud Martins 2001, p. 29), descreveu assim essa

    atuao da Igreja na Idade Mdia: Quando o Imprio Romano desmoronou

    sob os golpes dos Brbaros, foi a Igreja o refgio das leis e das letras, das

    artes e da poltica, ocultando, nos seus mosteiros, tudo o que podia ter valor

    para a cultura e cincia humana.(...) sombra dos mosteiros repovoam-se os

    campos. Aldeias em runas reerguem-se de novo. Os vitrais das igrejas e

    esculturas das catedrais so o livro onde o povo se instrui. O papa o ditador

    da Europa. Ordena as Cruzadas e destrona reis. Doaes, riquezas, honras,

    tudo deposto aos ps dos clricos, e o prprio excesso deste reconhecimento

    o ndice da grandeza dos seus benefcios.

    Desta forma a Igreja desempenhou funo ideolgica uma vez que

    atravs da dominao assegurava a subordinao moral das classes

    trabalhadoras, restritas no seu cotidiano a manter, mediante seu trabalho e seu

    produto, a classe que combate (a nobreza), e a classe que reza (o clero).

    Ou seja : a igreja pregava aos servos e aos trabalhadores pobres em geral

    para que aceitassem, conformados, sua condio social e a distribuio

    desigual de recursos (a terra, importante lembrar, estava em posse da

    nobreza e do clero), sob o pretexto de ser esta a vontade de Deus.

  • De acordo com Durant (1996, p.116), a Igreja apoiada nos primeiros

    sculos pelos imperadores cujos poderes ela absorveu aos poucos, teve um

    aumento rpido no nmero de adeptos, na riqueza e no raio de influncia. No

    sculo XIII, j possua um tero do solo da Europa, e seus cofres estavam

    inchados com donativos de ricos e de pobres. Durante muito tempo, ela uniu,

    com magia de uma crena invarivel, a maior parte dos povos de um

    continente; nunca houve, antes ou depois, uma organizao to difundida. Mas

    essa unidade exigia como pensava a Igreja, uma f comum exaltada por

    sanes sobrenaturais acima das mudanas e das corroses do tempo;

    portanto, o dogma, definitivo e definido, foi colocado como uma concha sobre a

    mentalidade adolescente da Europa medieval.

    Era dentro desta concha que o pensamento se deslocava entre f e

    razo e vice-versa num jogo de pressupostos no criticados e concluses pr-

    concebidas. No sculo XIII toda cristandade ficou assustada e estimulada pelas

    tradues rabes e judaicas de Aristteles; mas o poder da Igreja era suficiente

    para garantir atravs de So Tmas de Aquino e outros, a transformao de

    Aristteles em telogo medieval. O resultado foi a sutileza, mas no a

    sabedoria.

    Segundo Francis Bacon (appud Durant, 1996 p.116), A inteligncia e a

    mentalidade do homem, se trabalharem com a matria, trabalham segundo a

    substncia desta e por ela ficaro limitados; mas se trabalharem consigo

    mesmo, sero interminveis e produziro realmente teias de saber, admirveis

    pela delicadeza do fio e do trabalho... Mais cedo ou mais tarde, o intelecto da

    Europa iria irromper de dentro dessa concha.

    Desta forma medida que aumentava o conhecimento, diminua o medo;

    com o avano progressivo das descobertas nas cincias os homens pensavam

    menos em adorar o desconhecido, e mais em domin-lo.

    O esprito humano se abre ao mundo revela-se pela curiosidade, pelo questionamento, pela explorao, pela investigao, pela paixo de conhecer. Manifesta-se pela esttica, pela emoo, pela sensibilidade, pelo encantamento diante do nascer e do por-do-sol, da lua, da avalanche das ondas, das nuvens, das montanhas, dos abismos, da beleza dos enfeites naturais dos animais, do canto dos pssaros; e essas emoes vivas estimularo a cantar, desenhar, pintar. Incita a todos os comeos. (Morin, 2007, p.40)

  • Sendo assim percebe-se que neste perodo, o ser humano clamava pela

    liberdade de pensar. O terreno para uma evoluo no pensar estava em

    processo de transformao.

    2.5 ILUMINISMO - O RENASCIMENTO DA LIBERDADE DE PENSAR

    O Renascimento, ao resgatar o antropocentrismo, (o homem como

    centro do universo) questionou a autoridade papal, propiciou o surgimento do

    protestantismo e acabou com a hegemonia da Igreja Catlica; alm de

    recuperar o racionalismo naturalista grego, abrindo caminho para a construo

    do conhecimento cientfico, preparando tambm o terreno para atuao do

    homem moderno.

    Durante a Idade Antiga e Mdia, a realidade do mundo era

    inquestionvel e enfatizada a existncia do objeto, conhecido atravs da sua

    essncia. A crena no poder sem limites da razo que marcou o pensamento

    moderno atingiu o seu ponto alto com o iluminismo, no sc. XVIII, tambm

    conhecido como Sculo das Luzes. A verdadeira sabedoria s seria possvel

    atravs da razo.

    Uma nova corrente de pensamento comeou a tomar conta da Europa

    defendendo novas formas de conceber o mundo, a sociedade e as instituies.

    O chamado movimento iluminista aparece nesse perodo como um

    desdobramento de concepes desenvolvidas desde o perodo renascentista,

    quando os princpios de individualidade e razo ganharam espao nos sculos

    iniciais da Idade Moderna. No sculo XVII o francs Ren Descartes concebeu

    um modelo de verdade incontestvel. Segundo este autor, a verdade poderia

    ser alcanada atravs de duas habilidades inerentes ao homem: duvidar e

    refletir. Nesse mesmo perodo surgiram proeminentes estudos no campo das

    cincias da natureza que tambm iro influenciar profundamente o pensamento

    iluminista. Entre outros estudos destacamos a obra do ingls Isaac Newton.

    Por meio de seus experimentos e observaes, Newton conseguiu elaborar

    uma srie de leis naturais que regiam o mundo material. Tais descobertas

    acabaram colocando mostra um tipo de explicao aos fenmenos naturais

  • independente das concepes de fundo religioso. Dessa maneira, a dvida, o

    experimento e a observao seriam instrumentos do intelecto capazes de

    decifrar as normas que organizam o mundo. Tal maneira de relacionar-se

    com o mundo, no s contribuiu para o desenvolvimento dos saberes no

    campo da Fsica, da Matemtica, da Biologia e da Qumica. O mtodo utilizado

    inicialmente por Newton acabou influenciando outros pensadores que tambm

    acreditavam que, por meio da razo, poderiam estabelecer as leis que

    naturalmente regiam as relaes sociais, a Histria, a Poltica e a Economia.

    Immanuel Kant foi um dos principais representantes do iluminismo. Suas

    obras, Crtica da Razo Pura (1781), Crtica da Razo Prtica (1788) e Crtica

    da Faculdade de Julgar (1790), submetem a razo a um exame rigoroso para

    verificar a possibilidade de alcance da razo como instrumento de acesso ao

    conhecimento. Por isso, sua filosofia foi tambm chamada de criticismo

    kantiano. Kant reconheceu a existncia de dois tipos de conhecimento: o

    emprico (a posteriori) obtido por meio da experincia sensvel; e o puro (a

    priori) que no depende da experincia e das impresses dos sentidos e

    produz juzos necessrios e universais.

    Ele tambm atribuiu ao sujeito a elaborao do contedo do

    conhecimento por intermdio de condies subjetivas que so as faculdades e

    suas respectivas formas: a sensibilidade, espao e tempo, entendimento,

    categorias de unidade, pluralidade, totalidade, realidade, negao, limitao,

    substncia, causalidade, comunidade, possibilidade, existncia e necessidade.

    Assim, o conhecimento comea com as experincias sensveis que atingem os

    sentidos: a matria do conhecimento so as impresses que o sujeito recebe

    dos objetos exteriores, de maneira desorganizada, desordenada. Os dados

    empricos so organizados logicamente pelo espao e tempo, formas a priori

    da sensibilidade.

    A filosofia kantiana tambm denominada idealismo transcendental: o

    sujeito constri o conhecimento e d significado e sentido realidade a partir

    de categorias subjetivas a priori (idealismo); o conhecimento no est

    particularmente voltado para os objetos, mas para o modo de conhec-los

    aprioristicamente (transcendental). Kant revolucionou a Filosofia ao atribuir ao

  • sujeito um papel determinante no ato de conhecer. Este j no resulta de uma

    adequao do sujeito a uma realidade exterior, mas sim de uma construo

    mental apriorstica do esprito. Eis uma citao de Kant: A razo s v o que

    ela mesma produz segundo o objeto, que ela deve ir frente com princpio de

    seus juzos segundo leis constantes e deve obrigar a natureza a responder as

    suas perguntas, sem se deixar, porm, conduzir por ela como se estivesse

    presa a um lao (...). (Kant, 1974 p.11 e p.13).

    O criticismo kantiano, ao sintetizar entre o racionalismo e o empirismo

    provocou o surgimento, de um lado, dos idealistas (Fichte, Schelling e Hegel)

    que enfatizaram a postura do sujeito como construtor do conhecimento a partir

    de categorias a priori, concebendo a realidade como produto exclusivo do

    pensamento humano: de outro lado, dos positivistas (Comte e seguidores) que

    destacaram o valor da experincia sensvel como fundamento epistemolgico

    das cincias, enfatizando o real como objeto de investigao do esprito

    positivo.

    O conjunto do pensamento construido culminando na modernidade

    props a formao da estrutura cartesiana mecanicista que domina as

    estruturas do pensamento atual. No entender de Capra (2006):

    O mundo foi sendo formatado por interesses ilusrios, restritos

    acontecimentos com satisfao momentneas e valores efmeros.

    O ser humano colocou-se na posio de manipulador da natureza, com o

    avano tecnolgico e cientfico se distanciou da espiritualidade e aproximou-se

    da materialidade. De modo que neste incio do sculo XXI somos uma

    A viso cartesiana mecanicista do mundo tem exercido uma influncia poderosa sobre todas as nossas cincias e, em geral, sobre a forma de pensamento ocidental. O mtodo de reduzir fenmenos complexos a seus componentes bsicos e de procurar os mecanismos atravs dos quais esses componentes interagem tornou-se to profundamente enraizado em nossa cultura que tem sido amide identificado com o mtodo cientfico. Pontos de vista, conceitos ou idias que no se ajustavam estrutura da cincia clssica no foram levados a srio e, de um modo geral, foram desprezados, quando no ridicularizados. Em conseqncia dessa avassaladora nfase dada cincia reducionista, nossa cultura tornou-se progressivamente fragmentada e desenvolveu uma tecnologia, instituies e estilos de vida profundamente doentios. (Capra, 2006, p.226)

  • sociedade consumista e materialista, a ponto de a economia se tornar o eixo

    central da vida humana na Terrra.

    3 A DOUTRINA ESPRITA PENSAMENTO, LINGUAGEM E AO

    A partir de 1857, com a publicao de O Livro dos Espritos, Allan

    Kardec, pseudnimo de Hipolyte Leon Denizard Rivail, eminente educador

  • francs, pedagogo, discpulo de Pestalozzi, d incio a codificao da Doutrina

    Esprita, que vai se consolidar atravs da publicao das obras: O Livro dos

    Mdiuns em 1861, O Evangelho Segundo o Espiritismo em 1864, O Cu e o

    Inferno em 1865, A Gnese em 1868 e Obras Pstumas que veio a pblico

    em 1890, trs anos aps a morte do autor. interessante ressaltar que um ano

    aps a publicao de O Livro dos Espritos, em 1857 ( obra considerada a

    espinha dorsal da codificao), Kardec funda a sociedade Parisiense de

    Estudos Espritas, com o objetivo principal de estudar e pesquisar os novos

    horizontes do conhecimento Doutrinrio Esprita.

    De 1857,sculo XIX, at o ano de 2011, sculo XXI, em 154 anos a

    Doutrina Esprita atravs do estudo, da pesquisa, do processo medinico vm

    produzindo uma linguagem Esprita propriamente dita, que se expressa em

    literatura, arte, mensagens gravadas, udio, livros, palestras, seminrios,

    currculo, projetos polticos pedaggicos, grupos de estudo, projetos de

    pesquisa, etc.

    Trata-se de um movimento dinmico e inteligente que constitui

    efetivamente pensamentos, linguagens e aes que se expressam no mundo

    contemporneo. de extrema importncia que o esprita compreenda que a

    Doutrina dos Espritos, decodificada por Kardec, representa um conjunto de

    princpios que expressam lgica e axiologicamente o Creador; Jesus Cristo; o

    livre arbtrio; o processo reencarnatrio; a interao entre os dois polisistemas,

    material e espiritual.

    A Doutrina Esprita trabalha no seu conceitual que a concepo originria

    de cultura sempre criao do esprito, desta forma as expresses, os

    pensamentos que se tornam aes so registrados na mentalidade do

    indivduo. Assim fazendo parte de uma mentalidade de grupo, complexilizando

    na sua forma, significado, uso e funo, atendendo s emergncias individuais

    e sociais.

    A proposta doutrinria esprita ensinar a pensar, preocupando-se assim

    com o desdobramento, com a criao, inveno, descoberta, inovao. Assim

    quer alcanar o novo, produzir materialidade crtica.

  • Desta forma a ferramenta funcional a educao esprita, que deve estar

    voltada para discutir a forma de estudo, de demonstrar o seu sentido social,

    poltico, pedaggico, evolutivo e cultural, bem como seu sentido libertador da

    inteligncia humana. A Doutrina Esprita se estrutura na cogncia do

    conhecimento, deste modo as diferentes formas do conhecimento se

    expressam atravs da Cincia, Filosofia e Religio.

    Para Cruz (2008), a Doutrina Esprita significa a materializao da

    experincia civilizatria humana, portanto, a sntese cultural de todo processo

    existencial, experiencial do homem, naquilo que diz respeito ao esprito

    encarnado, a vida inteligente. No que diz respeito linguagem esprita utilizada

    ela transdisciplinar, pois aborda todos os segmentos da cultura.

    O Espiritismo trabalha o patrimnio estrutural significativo existencial,

    compreendendo que cada pessoa apresenta massa crtica desenvolvida a

    partir das diversas experincias reencarnatrias, atravs do conhecimento vai

    acumulando o saber, o saber fazer, os saberes sociais compreendendo que

    este saber para a eternidade. Neste sentido, interessante refletir que na

    trajetria evolutiva do esprito o conhecimento tudo e tudo conhecimento,

    portanto, a linguagem do esprito. Nesta mesma linha de raciocnio, pode-se

    citar o pensamento do filsofo Martin Heidegger (Heidegger, 2009, apud

    Marcondes), quando a questo o Ser e sua relao com a linguagem. Ele

    parte da questo o sentido do homem, explorando as suas relaes com o

    cristianismo, o marxismo e o existencialismo. Afirma que o homem se

    relaciona com o Ser atravs da linguagem, entendida como morada do Ser. A

    linguagem no apenas um instrumento, algo de que dispomos para nos

    comunicar, mas o homem pertence linguagem:

    Estamos ainda longe de pensar, com suficiente radicalidade, a essncia do agir. Conhecemos o agir apenas como o produzir de um efeito. A sua realidade efetiva segundo a utilidade que oferece. Mas a essncia do agir o consumar. Consumar significa desdobrar alguma coisa at a plenitude de sua essncia; lev-la plenitude, producere. Por isso, apenas pode ser consumado, em sentido prprio, aquilo que j . O que, todavia , antes de tudo, o Ser. O pensar consuma a relao do Ser com a essncia do homem. O pensar no produz nem efetua esta relao. Ele apenas a oferece ao Ser, aquilo que a ele prprio foi confiado pelo Ser. Esta oferta consiste no fato de, no pensar, o Ser ter acesso linguagem. A linguagem a casa do Ser. Nesta habitao do Ser mora o homem. Os pensadores e os poetas so os guardas desta habitao. A guarda que exercem o ato de consumar a manifestao do Ser, na medida em que levam linguagem e nela conservam. No por ele irradiar um efeito, ou por ser aplicado, que o pensar se transforma em ao. (Heidegger, apud Marcondes, 2010, p,124).

  • Esta colocao de Heiddeger nos remete a importncia do entendimento

    das chamadas leis do pensamento que segundo Cruz (2008), diz que

    particularmente na complexidade da identidade,so inerentes ao indivduo, sem

    possibilidade nenhuma de extenso um outro indivduo.

    Para se entender melhor de acordo com o glossrio de Cruz (2008), as

    leis do pensamento so princpios nos quais a lgica clssica se apia.

    Trabalhados por filsofos como Leibniz, Christian Wolff, William Hamilton

    podem ser assim descritas: lei ou princpio da razo suficiente, princpio da no

    contradio, princpio da identidade e princpio do terceiro excludo.

    Princpio da razo suficiente: princpio que pode ser expresso assim:

    Existe razo suficiente para tudo. Princpio que afirma que nada existe sem

    uma razo, sem uma causa. Implica pensar que tudo pode ser explicado.

    Princpio da no-contradio: Princpio que pode ser expresso assim:

    impossvel alguma coisa ser e no ser ao mesmo tempo e do mesmo jeito.

    Princpio da identidade: Princpio que pode ser expresso assim: Uma

    coisa o que . Cada coisa idntica a si mesma. Sendo A=A, afirma que

    uma coisa s igual a si prpria.

    Princpio do terceiro excludo: princpio que pode ser expresso assim:

    Entre o ser e o no ser no existe um estado intermedirio. A idia bsica por

    trs desse princpio a de que no existem frestas entre o ser e o no ser. O

    que chamado de tornar-se no uma passagem do no-ser para o ser, mas

    uma alterao de uma coisa que j existe para outra.

    As leis do pensamento nos inferem a idia de que cada um o que

    alcanou ser e que neste trnsito de ser o conhecimento interior que dialoga

    atravs de uma linguagem nica com aquilo que , e amplia aquilo que vem a

    ser expressando-se atravs de linguagens e aes. O homem se interioriza e

    se exterioriza pela e atravs da linguagem.

    Assim, o indivduo alcana o fluxo da existncia e faz atravs do

    exerccio combinatrio crtico do seu prprio ser, se avalia, alcanando o

    estgio de autoconhecimento, conseguindo perceber o seu estar na Terra e o

  • seu fazer, conseguindo compreender melhor o processo contingencial

    existencial.

    Segundo Cruz (2009, p.10), a viso de complexidade est absolutamente

    circunscrita de simetria. Portanto, necessrio, no decurso da conscincia

    perceber que a inteligncia, na disposio consciencial de integrao

    humanitria, atravs do pensamento, diversifica todo o social, criando redes,

    fazendo retro-alimentaes, permitindo que cada um seja a autenticidade da

    sua singularidade, sendo ao mesmo tempo a unidade do conjunto dos iguais,

    sem nunca perder a sua capacidade de ser diferente.

    Quando se afirma que a Doutrina Esprita promove o pensamento,a

    linguagem e a ao do ser inteligente, quer se dizer que seu sistema de idias

    est sempre aberto a receber novos conceitos, novos produtos de pesquisa e

    tudo aquilo que representar alcance cientfico, filosfico e de cultura religiosa

    ser absorvido pela Doutrina dos Espritos e imediatamente instrucionalizado e

    instrumentalizado como conhecimento e como sabedoria na aplicabilidade do

    existencial humano.

    A Doutrina Esprita emerge no seu complexo arcabouo lingstico com

    referencial na macrocultura, a qual integra o conhecimento cientfico, filosfico

    e religioso agrupados numa funcionalidade prtica. No que se refere a

    sustentao da leitura contemporneo da Doutrina Esprita, esta se manifesta

    pela sntese transdisciplinar do conhecimento. Ento na prtica do ser que se

    materializa a expresso do Esprito.

    Portanto, pode-se inferir que o projeto Doutrinrio Esprita est nucleado

    na promoo de uma educao permanente, que desperta o indivduo ( esprito

    encarnado ) para o exerccio do aprender a pensar e consequentemente

    desenvolver linguagens e aes, capazes de construir uma maior e melhor

    qualidade de vida.

  • CONSIDERAES FINAIS

    O que se procurou alcanar nesta pesquisa foram subsdios nos

    discursos filosficos, cientficos e religiosos relacionando a Doutrina Esprita

    como norteadora da construo do conhecimento do que o homem e seu

    desenvolvimento biolgico, e evoluo espiritual no que diz respeito ao

    pensamento, linguagem e ao.

    O Espiritismo fornece insumos para que de maneira crtica e lgica se

    alcance um novo olhar para a complexidade do ser humano e sua relao com

    ele mesmo, com os outros , com a vida, com o planeta,com o mundo, com o

    universo e a fonte creadora - Deus.

    As obras da codificao ditadas pelos espritos atravs da comunicao

    entre diferentes sistemas e organizadas de maneira pedaggica por Allan

    Kardec so bases seguras de estudo e contextualizao da Doutrina dos

    Espritos. Segundo Cruz (2009), o fato medinico uma realidade existencial

    crtica e interativa que se constata em todas as culturas e em todos os tempos.

    A mediunidade atributo do homem e sempre o acompanhou no seu

    desenvolvimento evolutivo. O que faz da comunicao a ferramenta essencial

    na conectividade humana, para haver comunicao necessrio uma

    linguagem, a qual impreterivelmente est ligada ao pensamento e aos

    sentimentos .

    A Doutrina Esprita alcana o patamar na macrocultura, fazendo a

    smula do conhecimento atravs do pensamento filosfico, cientfico , religioso,

    sem abandonar o de primeira mo, agregando ao conhecimento j existente,

    isto , a tudo o que a humanidade conquistou,valores verdadeiramente

    significantes e significativos, cuja funo dignificar a pessoa humana e a

    proteo da vida.

    Ao referir-se ao homem como unidade inteligente dotado de liberdade,

    interessante avaliar a necessidade que em dado momento, na sua caminhada

    evolutiva, acontecer a busca significativa da sua expresso integral, o que

    implica no ser se conhecer cada vez melhor para plenamente ser, utilizando de

    maneira mais consciente o livre arbtrio, elaborando os pensamentos numa

  • dialgica autocrtica, realizando comunicao atravs dos diferentes sistemas,

    utilizando tipos de linguagens elaborando conceitos antecipatrios, projetando

    suas repercusses para efetivar aes.

    Neste sentido, o processo doutrinrio esprita atravs do seu arcabouo

    conceitual pode alcanar todos os ncleos culturais do sistema planetrio,

    trazendo a universalidade dos seus fundamentos e princpios no alcance da

    mentalidade cultural, produzindo instrumentos e instrues, aconselhamentos e

    indicaes no que diz respeito a evoluo do ser humano.

    necessrio o empenho dos estudiosos e pesquisadores espiritistas no

    que se refere a responsabilidade social, procurando fazer aprendizagem moral

    pelo processo da educao permanente. Trabalhar a viso crtica na expresso

    do ser humano, alcanando a prpria espiritualidade, reespiritualizando-se,

    desta maneira, firmar a identidade atravs do autoconhecimento, conseguindo

    autodisciplina e coragem para os enfrentamentos e desafios do cotidiano,

    procurando pelo uso cada vez mais consciente do livre arbtrio, agenciar os

    pensamentos, as linguagens e consequentemente as aes.

    Como resultante da reflexo proposta neste trabalho pode-se dimensionar a

    grandiosa contribuio que a Doutrina Esprita vm realizando desde sua

    codificao atravs do seu sistema de idias, no sentido de ensinar a pensar, a

    desenvolver a qualidade do pensamento, e como conseqncia melhorar os

    padres dos sentimentos, das palavras e das aes. E desta forma contribuir

    na melhoria da qualidade de vida na Terra.

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