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  • 8/2/2019 Monografia Jeferson Ricardo Isidorio

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    JFERSON RICARDO ISIDRIO

    ANLISE DA LEI MARIA DA PENHA E O PRNCIPIO CONSTITUCIONAL DA

    IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

    Monografia apresentada ao Curso de Especializao emProcesso Civil e Magistratura da Universidade do Sul deSanta Catarina, como requisito parcial obteno dottulo de Especialista em Processo Civil e Magistratura.

    Orientadora: Prof.a Patrcia Uliano Effting Zoch de Moura, Msc.

    Tubaro2008

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    JFERSON RICARDO ISIDRIO

    ANLISE DA LEI MARIA DA PENHA E O PRNCIPIO CONSTITUCIONAL DA

    IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

    Esta Monografia foi julgada adequada obteno dottulo de Especialista em Processo Civil e Magistraturae aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito daUniversidade do Sul de Santa Catarina.

    Tubaro/SC, 31 de dezembro de 2008.

    _________________________________________________________________

    Prof.a e orientadora Patrcia Uliano Effting Zoch de Moura, Msc.Universidade do Sul de Santa Catarina

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    Dedico este trabalho a Grazieli Macedo

    Matos (Isidrio), exemplo de superao e

    determinao! Que bom que estaremos juntos

    at o fim de nossos dias. Te amo!

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo muitssimo professora, mestre, orientadora e mulher Patrcia Uliano

    Effting Zoch de Moura, que apesar de todos os compromissos dirios, resolveu compartilhar

    de seus conhecimentos e aceitou mais este desafio pela incessante busca da justia social.

    Muito obrigado!

    Agradeo tambm minha av, Fausta Isidrio Gomes, pelos ensinamentos do

    dia-a-dia e pela rica convivncia. Smbolo de resistncia e fora, no auge dos seus 93 anos

    resolveu nos deixar... Quanta saudade!

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    Nas favelas, no Senado/ Sujeira pra todo lado/ Ningum respeita a constituio/ Mas todos

    acreditam no futuro da Nao/ Que pas este? (RENATO RUSSO)

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    RESUMO

    O objeto deste trabalho trata da anlise da Lei 11.340/06, que ficou conhecida como Lei

    Maria da Penha, cuja edio tem gerado intensa discusso. Tem por objetivo mostrar que a

    Lei afronta os princpios constitucionais da igualdade (isonomia) e da proporcionalidade,

    sendo, portanto, passvel de vcio de inconstitucionalidade, posto dar maior proteo

    integridade fsica e moral da mulher no seio da relao conjugal, em detrimento da do

    homem. Trata, outrossim, de outros aspectos jurdicos adotados pela novel legislao,

    perpassando pela anlise de seu contedo e aplicao, alm dos resultados que tem gerado.

    Apresenta uma crtica ao vcio do legislador brasileiro em usar demasiadamente o DireitoPenal como subterfgio ou medida paliativa para solucionar as questes polmicas da

    sociedade. Define aes afirmativas, ou discriminaes positivas, e sua aplicao com cautela.

    Este trabalho foi realizado com base na pesquisa bibliogrfica, em especial de livros. Atravs

    de sua anlise, observar-se- os posicionamentos divergentes adotados pelos juzes e

    Tribunais ptrios quando da aplicao da Lei.

    Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Princpio igualdade. Princpio proporcionalidade.

    (In)constitucionalidade. Igualdade formal. Igualdade material. Aes afirmativas.

    Discriminaes positivas.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO......................................................................................................................8

    2 O PRINCPIO DA IGUALDADE......................................................................................10

    2.1 CONCEITO........................................................................................................................12

    2.2 IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE MATERIAL..................................................15

    2.2.1 Igualdade formal............................................................................................................15

    2.2.2 Igualdade material.........................................................................................................16

    2.3 FINALIDADE DO PRINCPIO DA IGUALDADE: NIVELAO SOCIAL.................17

    2.4 DISCRIMINAES POSITIVAS: ATOS DE IGUALAR...............................................183 A LEI MARIA DA PENHA............................................................................................21

    3.1 A LEI 11.340/06.................................................................................................................23

    3.1.1 Breve histrico................................................................................................................24

    3.1.2 Conceitos operacionais..................................................................................................26

    3.2 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE...................................................................................27

    3.2.1 A infrao aos princpios da igualdade e da proporcionalidade...............................27

    3.2.2 Casos prticos.................................................................................................................373.3 A NO APLICAO DA LEI N. 9.099/05......................................................................42

    3.4 A DECRETAO DA PRISO PREVENTIVA DO AGRESSOR.................................44

    3.5 AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGNCIA...............................................................46

    4 IGUALDADE MATERIAL E AES AFIRMATIVAS................................................48

    4.1 HOMENS X MULHERES: A REALIDADE BRASILEIRA............................................48

    4.1.1 Realidade poltica...........................................................................................................49

    4.1.2 Realidade educacional...................................................................................................524.1.3 Realidade no mercado de trabalho...............................................................................53

    4.1.4 A mulher e o novo Cdigo Civil....................................................................................54

    4.2 AES AFIRMATIVAS E IGUALDADE MATERIAL..................................................55

    4.3 DA INTERPRETAO PARA AFERIO DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE......62

    5 CONCLUSO......................................................................................................................64

    REFERNCIAS......................................................................................................................66

    ANEXOS..................................................................................................................................71

    ANEXO A Lei n 11.340, de 7 de agosto de 2006..............................................................72

    ANEXO B PoesiaDesiluso ...............................................................................................82

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    1 INTRODUO

    O objetivo do presente trabalho analisar a (in)constitucionalidade da Lei 11.340,

    editada em 7 de agosto de 2006, e que entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006.

    A Lei Maria da Penha, como ficou conhecida, cujo objetivo primordial

    proteger as mulheres dos maus tratos sofridos no bojo da relao conjugal, originou-se, talvez,

    mais da presso popular, decisivamente influenciada pelos meios de comunicao, do que

    pela real necessidade legiferante, sendo, por isso, alvo das mais autnticas incongruncias

    legais.

    Diante de tantas polmicas que tm cercado a lei, sobressai-se a que trata de sua

    (in)constitucionalidade, por proporcionar s pessoas do sexo feminino uma proteo especial,

    seja ela de natureza fsica, sexual, psicolgica, moral ou patrimonial, em detrimento da do

    sexo masculino. Diante do exposto, o princpio da isonomia, to enfatizado pela Constituio

    Federal de 1988, parece ter sido golpeado.

    Cuida-se, inicialmente, de discorrer a respeito do princpio da igualdade, seu

    significado, finalidade e de sua observao obrigatria quando da edio de diplomas

    legislativos, sobretudo os de cunho discriminatrio. Trata-se, tambm, ainda que de forma

    breve, sobre a distino entre o princpio da igualdade formal e o princpio da igualdade

    material, este que conduz ao fundamento terico constitucional das medidas de

    desequiparao.

    No momento seguinte, analisa-se a Lei 11.340/06 como um todo, iniciando pelos

    conceitos operacionais por ela apresentados, tratando a seguir das presses/questes histricas

    que impulsionaram sua edio. Aborda-se, aqui, as questes que cercam a potencial

    inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, sobretudo por ter afrontado os princpios

    constitucionais da igualdade (art. 5, caput e inciso I, da CF/88) e da proporcionalidade, ao

    dar tratamento desigual ao homem quando autor de violncia domstica e familiar,

    beneficiando a mulher vtima. Para fundamentar a celeuma, cita-se textualmente trechos de

    recentes julgados de juzes e Tribunais ptrios, uns tratando a Lei como inconstitucional e

    outros primando por sua aplicao tambm ao ser masculino.

    Trata-se, outrossim, de alguns aspectos polmicos adotadas pela Lei em questo,

    como a proibio da aplicao da Lei 9.099/95, a priso preventiva do agressor, as medidas

    protetivas de urgncia, etc.

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    Por derradeiro, faz-se referncia s aes afirmativas (discriminaes positivas),

    bem como ao princpio da igualdade material, com conceitos operacionais e a possibilidade de

    implementao de polticas de discriminao positiva no direito brasileiro, tendo em vista as

    diretrizes constitucionais sobre o princpio da igualdade e sobre os objetivos fundamentais da

    Repblica Federativa do Brasil. Chama-se a ateno, neste ponto, para que a adoo de tais

    medidas, ao argumento de se reequilibrar o jogo e alcanar o bem-estar e a justia social, no

    se transforme em instrumento poltico de novas discriminaes, criando privilgios atravs de

    leis que estabeleam tratamento diferenciado a favor de uns e em detrimento de outros.O tema inquietante e suscita problemas de aplicabilidade prtica. No to fcil

    quanto parece, pois se fcil fosse, no teria o Presidente da Repblica, via Advocacia-Geral da

    Unio, impetrado uma Ao Declaratria de Constitucionalidade no Supremo TribunalFederal para reconhecer a Lei 11.340/06 constitucional.

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    2 O PRINCPIO DA IGUALDADE

    Antes de se adentrar na discusso sobre alguns dos aspectos do princpio da

    igualdade, faz-se necessrio conceituar princpio e igualdade, tomados isoladamente.

    A palavra princpio est associada idia de comeo, incio, origem. Pode ser

    empregada tambm no sentido de normas providas de alto grau de abstrao.

    No entender de Mello, no mbito jurdico,

    Princpio , por definio, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicercedele, disposio fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lheso esprito e servindo de critrio para sua compreenso e inteligncia, exatamente pordefinir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que confere a tnica e lhed sentido harmnico.1

    Tambm neste sentido se posiciona Silva, para quem os princpios jurdicos, sem

    dvida, significam ospontos bsicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais

    do prprio Direito.2 (grifo do autor)

    Segundo Bonavides, Os princpios, uma vez constitucionalizados, se fazem a

    chave de todo o sistema normativo3. Esclarece, ainda, a distino entre normas e princpios,

    tendo norma como gnero do qual so espcies as regras e os princpios, sendo que aquelas

    tm grau de generalidade relativamente baixo, ao passo que estes so dotados de alto grau de

    generalidade.4

    Os princpios apresentam tambm funo orientadora, norteando o intrprete na

    busca de solues jurdicas, bem como complementando o direito quanto s suas lacunas.

    A violao a um princpio seria, portanto, por esse tom, muito mais grave do que

    transgredir uma norma qualquer, posto que implicaria em ofensa no apenas a um

    mandamento especfico, mas a todo o sistema de comandos. Constituir-se-ia na mais grave

    forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme a escala do princpio atingido.J o termo igualdade tem motivado uma srie de discusses ao longo da

    Histria da humanidade, discusso esta que tem perpassado por todas as reas do

    conhecimento. Tentar compreend-la no mbito do pensamento jurdico-filosfico, como algo

    pronto e acabado, negar a dinmica, haja vista estar seu conceito em constante mutao.

    1 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 1991. p. 230.2 SILVA, De Plcido e. Vocabulrio jurdico. 15. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 639.3 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. So Paulo: Malheiros, 2006. p. 258.4 Ibid., p. 148-150.

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    Fazendo-se uma incurso pelos pensamentos dos filsofos e juristas que

    marcaram poca, a comear por Locke e seu estado natural, indo alm das grandes

    Revolues do sculo XVIII e do socialismo de Marx, e chegando ao direito constitucional

    ocidental5, perceber-se- as vrias nuanas que contornaram a idia de igualdade.

    H quem defenda, como Aristteles, que ao lado da igualdade a desigualdade

    parece ser vital para a existncia da prpria sociedade e condio precpua para que haja um

    equilbrio na vida social6. Trata da concesso de mecanismos de compensao de situaes

    humanas de hipossuficincia numa sociedade de classes.

    Certo que, para ser compreendido, o conceito de igualdade precisa estar situado

    dentro de um contexto histrico especfico, tendo em vista tratar-se, como mencionado, de um

    conceito em constante construo.Bobbio, ao tratar do conceito poltico, afirma que, preciso que se especifique

    com que entes estamos tratando e com relao a que so iguais, ou seja, preciso responder a

    duas perguntas: a) igualdade entre quem?; e b) igualdade em qu?7 (grifos do autor)

    No contexto jurdico, portanto, a idia de igualdade, segundo Comparato, ao fazer

    uma anlise mais detalhada, significa uma medida de comparao, no podendo ser concebida

    a igualdade de um s. Segundo ele,

    Desta forma, aquela lei que viesse a ser confeccionada visando a um s caso,possuindo um destinatrio ou destinatrios predeterminados, vem a ser um caso deabuso do poder legislativo. Este, em razo da competncia que lhe foi delegada pelopovo, a exerce no em conformidade com o interesse do povo, mas sim em razo deinteresses pessoais. Trata-se, pois, de criao de uma desigualdade absoluta.8

    Mas sabe-se que o ideal de igualdade entre os homens tem servido de sustentao,

    sobretudo poltico-jurdica, para fundamentar atitudes e impedir mudanas. A idia de

    igualdade de natureza deu lugar idia de igualdade legal, como fundamento das fontes

    de Poder.

    Para Moura,Tratar os homens com igualdade aloc-los ao mesmo nvel, ou seja, trat-los comoseres humanos. No se admite que um ser humano seja tratado com desrespeito oucomo coisa, por apresentar uma diferena fsica, social, cultural, econmica ouqualquer outra.9 (grifo da autora)

    5 Para ilustrar, nas eleies municipais de Imaru (SC), no ano de 1992, a derrubada de um grupo poltico quecomandou a cidade por mais de sessenta anos, foi impulsionada pela defesa veemente da igualdade, uma dasbandeiras levantadas pela oposio.

    6 VILAS-BAS, Renata Malta. Aes afirmativas e o princpio da igualdade. Rio de Janeiro: AmricaJurdica, 2003. p. 1.

    7 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 3. ed. Traduo de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:

    Ediouro, 1997. p. 12.8 COMPARATO, 1998 apud VILAS-BAS, op. cit., p. 3.9 MOURA, Patrcia Uliano Effting Zoch de. A finalidade do princpio da igualdade: a nivelao social:

    interpretao dos atos de igualar. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris, 2005. p. 23.

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    Galuppo, convergindo para os direitos sociais, ao ser citado por Moura, explica a

    igualdade de forma objetiva: [...] a igualdade tem de ser concebida como um procedimento

    de incluso formal e material nos discursos de justificao e aplicao das normas, e o direito

    s pode ter sido legtimo se garantir esta igualdade nos discursos que realiza.10

    2.1 CONCEITO

    O princpio da igualdade considerado como um dos princpios estruturantes da

    ordem jurdico-constitucional, exprimindo, dentre outras coisas, a busca de incluses.Para explic-lo, Silva aponta trs concepes distintas:

    A concepo nominalista reconhece entre os homens desigualdades naturais,concebendo ao princpio uma conotao apenas nominal, pois a desigualdade osubstrato da existncia humana.Os adeptos da concepo idealista tm nos homens seres essencialmente iguais,sendo que as desigualdades surgem a partir do convvio social.J a concepo realista prega a coexistncia da igualdade e da desigualdade. V oshomens iguais em essncia, mas diferentes num contexto social.11

    O princpio da igualdade, em mbito nacional, est consagrado na Constituio

    Federal de 1988 dentre os direitos fundamentais. A nfase a tal princpio vem enunciada j no

    Prembulo, espalhando-se por inmeros outros dispositivos, ora reforando a igualdade ora

    concedendo situaes isonmicas aos desiguais. Para tanto, destaca-se o art. 3, incisos III e

    IV, o art. 5, capute inciso I, e o art. 226, 5 e 8, que assim dispem:

    Art. 3 Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil:[...]III - erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais eregionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e

    quaisquer outras formas de discriminao.

    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidadedo direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termosseguintes:I homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes, nos termos destaConstituio;[...]

    Art. 226. A famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado.[...]

    10 GALUPPO, 2002 apud MOURA, 2005, p. 38.11 SILVA, Luis Renato Ferreira da. O princpio da igualdade e o cdigo de defesa do consumidor. Revista de

    Direito do Consumidor, So Paulo, v. 08, p. 146-151, out./dez. 1993. p. 147.

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    5 Os direitos e deveres referentes sociedade conjugal so exercidos igualmentepelo homem e pela mulher.[...] 8 O Estado assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um dos que aintegram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes.12

    No entender de Moura, O Texto consagra a igualdade como um dos objetivos da

    Repblica Brasileira, alm de disp-la ora como princpio ora como regra.13

    de se lembrar, outrossim, que o direito estrangeiro tratou pela primeira vez do

    princpio da igualdade na Declarao de Independncia dos Estados Unidos, em 1776, que

    veio a ser o primeiro documento poltico que reconheceu a existncia de direitos que so

    inerentes a todos os seres humanos, seja qual for o seu sexo, raa, religio, cultura ou posio

    social. Desta forma, surgiu a Federao dos Estados Unidos da Amrica do Norte sob a

    bandeira da liberdade e da igualdade de todos perante a lei14. A ela, seguiu-se a Declarao

    dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789.

    Nessa esteira, defende Moreira que este princpio constitucional significa a

    proibio, para o legislador ordinrio, de discriminaes arbitrrias: impe que a situaes

    iguais corresponda um tratamento igual, do mesmo modo que a situaes diferentes deve

    corresponder um tratamento diferenciado.15

    Mas se constituiria pura ingenuidade acreditar que realmente todos so iguais

    perante a lei, posto que a evoluo dos tempos tende a criar, fortalecer e discriminar uns

    grupos em detrimento de outros. Uns passam a ser, diante das relaes de domnio que

    formam a civilizao humana econmico, poltico ou religioso , mais iguais que os outros.

    Ao se deparar com este tipo de situao, o Estado se v pressionado a criar formas

    capazes de igualar os desiguais, objetivando, como exemplo, melhores condies de vida aos

    potencialmente mais fracos, e com isso reduzindo as ditas diferenas sociais.

    E a via enviesada da reduo das discriminaes e desigualdades que o Estado

    usa, no mais das vezes, como fundamento para fragmentar o princpio da igualdade. Com suaindesejvel voracidade legiferante, diz aproximar gneros idosos, homens, mulheres,

    crianas , mas acaba os distanciando de forma flagrante. Neste diapaso, no so raros os

    momentos em que a lei serve de puro instrumento para garantir privilgios e perseguies,

    12 BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF: SenadoFederal, 1988. p. 15 e 128-129.

    13 MOURA, 2005, p. 19.14 COMPARATO, Fbio Konder. A afirmao histrica dos direitos humanos. So Paulo: Saraiva, 1999.

    p. 90.15 MOREIRA, Rmulo de Andrade. A lei maria da penha e suas inconstitucionalidades. Atuao,Florianpolis,

    v. 5, n. 11, p. 203-226, jan./abr. 2007. Disponvel em:. Acessoem: 10 abr. 2008. p. 216.

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    quando, pela lgica, deveria sim, era regular a vida social de modo a tratar todos os cidados

    de forma eqitativa, evitando os favoritismos.

    Para os dias atuais, algumas situaes so at aceitveis, mas outras,

    imperdoveis. Pergunta-se, ento: quais critrios devem ser adotados no seio social para

    separar uma discriminao permitida daquela indesejada pelo princpio da igualdade?

    De acordo com os ensinamentos de Mello, ao se analisar o princpio da igualdade,

    [...] insuficiente recorrer notria afirmao de Aristteles, assaz de vezes repetida,

    segundo cujos termos a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os

    desiguais16, indagando:

    [...] o que permite radicalizar alguns sob a rubrica de iguais e outros sob a rubrica dedesiguais? Em suma: qual o critrio legitimamente manipulvel sem agravos

    isonomia que autoriza distinguir pessoas e situaes em grupos apartados para finsde tratamentos jurdicos diversos? Afinal, que espcie de igualdade veda e que tipode desigualdade faculta a discriminao de situaes e de pessoas, sem quebra eagresso aos objetivos transfundidos no princpio da isonomia?17 (grifou-se)

    No entender de Arns, a igualdade resulta da organizao humana, pois as pessoas

    no nascem iguais e no so iguais em suas vidas. a lei que torna ou deveria tornar os

    homens iguais, ou seja, as diferenas deveriam ser igualadas atravs das instituies.18

    Pois bem, dentro desta discricionariedade desenfreada que o Estado tem

    cometido as maiores imperfeies jurdicas, suplantando o fundamento de todo oOrdenamento Jurdico, o princpio informador, confrontando-se com a mxima de que

    Todos os atos com efeitos jurdicos e todas as aes humanas devem respeitar os princpios

    de um sistema19.

    Tudo bem que, como afirmou Bobbio, [...] no se podem deixar de levar em

    conta as diferenas especficas, que so relevantes para distinguir um indivduo de outro, ou

    melhor, um grupo de indivduos de outros grupos20, no se reconhecendo a igualdade como

    um princpio absoluto; mas buscar um tratamento, seja igual ou desigual, que permita umaequiparao entre todos, que permita uma existncia digna.

    Tem-se que direito fundamental todo direito necessrio para uma existncia

    digna, estando o princpio da igualdade nele englobado. Segundo Contar, ao citar Campos no

    acrdo referente ao julgamento do Recurso em Sentido Estrito n 2007.023422-4/0000-00,

    16 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Contedo jurdico do princpio da igualdade. 3. ed. atual.(15. tiragem). So Paulo: Malheiros, 2007. p. 10.

    17 Ibid., p. 11.18 ARNS, Paulo Evaristo. Discriminao: estudos. So Paulo: LTr, 2000. p. 19.19 MOURA, 2005, p. 33.20 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 13. tiragem. Traduo de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:

    Campus, 1992. p. 71.

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    A dignidade humana o valor fonte para definir os direitos fundamentais, isto , osdireitos fundamentais so desdobramentos da dignidade da pessoa humana, [...]reconhece-se aos direitos fundamentais a natureza principiolgica constitucional dejustificao do Estado. Tais direitos so fundantes, ou seja, so fontes de legitimaode todo o direito, condicionam a produo e interpretao das normas jurdicas

    infraconstitucionais.21

    E leciona, ainda, o Desembargador:

    A igualdade jurdica na democracia nivela todos os cidados no plano da titularidadedos contedos normativos dos direitos fundamentais. No h que se falar emdesigualdade jurdica de direitos fundamentais, porque, uma vez que so cumpridosos direitos fundamentais, o que se tem so desnveis patrimoniais e de personalidade(identidades), sem que tal diferencial pudesse quebrar a igualdade entre as partes aponto de recuperar a velha mxima de justia do Estado Liberal - tratamento igualpara os iguais e desigual para os desiguais.22

    O princpio da igualdade busca um tratamento, seja igual ou desigual, que permita

    uma equiparao entre todos. Segundo Moura, [...] positivado e aceito pelo Ordenamento

    Jurdico, no interessa apenas ao aplicador e ao criador da lei, mas a todos os homens em suas

    relaes com o Estado e com os particulares.23

    2.2 IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE MATERIAL

    Na histria do Estado de Direito, duas noes de princpio da igualdade tm sido

    recorrentes nos textos constitucionais: a igualdade formal e a igualdade material.

    2.2.1 Igualdade formal

    Diz respeito ao princpio da igualdade perante a lei; considera que todos os

    homens so iguais perante a lei. Vista de outro ngulo, significa que a lei igual para todos.

    a regra da igualdade jurdica, criada na poca da Revoluo Francesa como forma de se

    superar as diferenciaes arbitrrias existentes em favor da nobreza, da burguesia e do clero,

    em detrimento dos sditos.

    21 MATO GROSSO DO SUL. Tribunal de Justia de Mato Grosso do Sul. Consulta processual.Disponvel em: .Acesso em: 14 abr. 2008.

    22 Ibid., p. 8.23 MOURA, 2005, p. 43.

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    Quando se afirma serem todos iguais perante a lei, exige-se um tratamento sem

    discriminaes em quaisquer grupos, particulares ou no, visando a uma igualizao de todos

    os seres humanos.

    Canotilho argumenta que Ser igual perante a lei no significa apenas aplicao

    igual da lei. A lei, ela prpria, deve tratar por igual todos os cidados. O princpio da

    igualdade dirige-se ao prprio legislador, vinculando-o criao de um direito igual para

    todos os cidados.24

    Na sua essncia, est o postulado de que sejam todos os indivduos tratados como

    sujeitos iguais de direitos em virtude de serem dotados de humanidade e razo, sendo

    irrelevante sua classe social, religio, raa ou gnero.

    A Constituio Federal de 1988 consagra este princpio nos artigos 3, IV, e 5,caput. Por ele, o Poder Poltico Brasileiro no pode fazer distines que no tenham sido

    autorizadas pelo Poder Constituinte e, conseqentemente, pela legislao infraconstitucional.

    2.2.2 Igualdade material

    Refere-se igualdade real, de fato, substancial, que por sua vez refere-se s

    diferenas sociais, econmicas e culturais. Trata da reduo das desigualdades criadas pelo

    homem, perpassando pela necessidade de tratamento diferenciado queles grupos ou pessoas

    carecedoras da igualdade em razo de circunstncias especficas. Como exemplo, a Carta

    Poltica de 1988 apresenta os artigos 3, III, 5, XLI e XLII, e 7, XXX e XXXI.

    Surgiu da clebre frase de Aristteles segundo a qual se deve tratar igualmente os

    iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade. Diante disso, havendonecessidade, a lei passa a ter como funo primordial desigualar em determinados aspectos

    para ter como resultado um equilbrio justo.

    No entender de Grinover,

    [...] a lei se configura como mera fico, j que todos os seres humanos sodesiguais por sua prpria natureza, tendo o legislador se recusado a manifestar sobreessa desigualdade. No entanto, ao defendermos o princpio da igualdade material,por ser dinmica, observa-se que compete ao Estado superar as desigualdades deforma a se atingir uma igualdade real.25

    24 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituio. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000.p. 417.

    25 GRINOVER, 1990 apud VILAS-BAS, 2003, p. 22.

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    A diferena est basicamente na postura do Estado em relao igualdade, pois

    enquanto o Estado Liberal se contenta em no produzir institucionalmente a desequiparao, o

    Estado Social arroga para si a misso de produzir a equalizao como compromisso

    constitucional.

    Ao arremate, a respeito da subdiviso tratada, cita-se a lio de Cademartori:

    De qualquer sorte, a igualdade jurdica, tanto formal como substancial, definidacomo igualdade nos direitos fundamentais. As garantias dos direitos de liberdade(ou direitos de) asseguram a igualdade formal ou poltica, enquanto as garantiasdos direitos sociais (ou direitos a) possibilitam a igualdade substancial ou social.26

    2.3 FINALIDADE DO PRINCPIO DA IGUALDADE: NIVELAO SOCIAL

    Pelo entendimento de que os seres humanos, embora iguais quanto sua espcie,

    mostram-se desiguais quanto aos aspectos sociais, surge a razo pela busca de igual-los.

    Como percebido at aqui, um dos vrtices do princpio da igualdade, se

    corretamente interpretado e aplicado, busca uma igualizao entre grupos. Segundo Rui

    Portanova, a razo de existir tal princpio propiciar condies para que se busque realizar a

    igualizao de condies desiguais27. Essa igualizao passa pelos direitos sociais, queproporcionam o nivelamento de diferenas sociais no alcanadas por outros direitos.

    Para Moura, Igualdade e direitos sociais esto intimamente ligados, sendo

    permitido, inclusive, afirmar que os direitos sociais tm a igualdade como objetivo

    fundamental28. E completa: Percebe-se que, alm de uma conotao individualista de

    igualdade de tratamento, o princpio da igualdade busca, como os direitos sociais, uma

    igualizao dos homens num contexto social, pois se vive num mundo de diferenciaes

    flagrantes: as discriminaes.29

    Retrata, ainda, o sentido finalstico do princpio da igualdade no singelo, mas

    esclarecedor exemplo transcrito a seguir:

    Imaginem dois recipientes com capacidade de 1 (um) litro de lquido essencial parauma existncia digna, reconhecido como edd. Cada um deles, representados pelossmbolos g1 e g2, representa toda a vida de um determinado grupo de homens, emseus diversos aspectos: fsico, social, cultural, racial, econmico, entre outros.

    26 CADEMARTORI, Srgio. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre:

    Livraria do Advogado, 1999. p. 166.27 PORTANOVA, 1997 apud VILAS-BAS, loc. cit.28 MOURA, 2005, p. 71.29 Ibid., p. 72.

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    A cada hora, um conta-gotas, automaticamente, pinga uma gotinha do lquido eddem cada recipiente.O recipiente g1 possui o lquido edd at a marca de 70 mililitros, enquanto que orecipiente g2 est marcando apenas 40 mililitros de edd.Duas indagaes surgem: por que a quantidade est to diferente a ponto de se

    verificar um real desnivelamento? Como nivel-los?30

    (grifos da autora)

    Na seqncia, responde:

    A resposta da primeira pergunta varivel, dependendo das questes envolvidas,como por exemplo, pode ser uma econmica, uma social, uma cultural, uma fsica,ou outra qualquer. Fazendo uma analogia com a questo racial: o recipiente g1 representante do grupo de homens brancos e o g2 representa os homens negros.Apenas em 1888 os negros foram considerados seres humanos e no mais coisas,como o eram at ento. O recipiente g1 j estava com muitas dcadas de anosrecebendo as gotinhas do lquido edd, enquanto que o g2, sendo bastante otimista,passaram a receber as gotinhas h um pouco mais de cem anos. Este um dosmotivos do desnivelamento dos recipientes.

    Quanto segunda pergunta, h quem, por diversas razes, diga que com o tempo, osrecipientes estaro com o mesmo nvel do lquido edd. Mas por uma questo delgica, no h tempo que permita este nivelamento. Por isso, a resposta, com base namesma lgica que impede o nivelamento natural, programar o conta-gotas dorecipiente que est com a menor quantidade de lquido edd para que, durante umdeterminado tempo, calculado com a frmula apropriada, pingue duas vezes de umagotinha, permitindo que num dado momento os recipientes encontrem-senivelados.31 (grifos da autora)

    Como visto, o princpio da igualdade, to bem ilustrado no exemplo, socorre-se

    das discriminaes positivas para se materializar, nivelando os desiguais. Aprofunda-se esta

    discusso na terceira parte deste trabalho.

    2.4 DISCRIMINAES POSITIVAS: ATOS DE IGUALAR

    O vocbulo discriminao deriva do latim, discriminatione, que significa ato ou

    efeito de discriminar, separao, apartao, segregao.

    32

    Nem sempre o ato de discriminar se mostra contrrio s normas. No entanto, a

    afirmao de que os homens so iguais que leva concluso de que no poder haver

    discriminaes quanto aos seus aspectos considerados iguais.

    O princpio da igualdade permite, numa anlise conjunta com os demais

    princpios fundamentais, a diferenciao de alguns grupos, para que sejam no apenas

    formais, mas materialmente iguais. Todavia, o tratamento diferenciado sem a observncia dos

    30 MOURA, 2005, p. 76.31 Ibid., p. 77.32 DISCRIMINAO. In: NOVO dicionrio eletrnico aurlio. 3. ed. rev. e atual. Curitiba: Positivo, 2004.

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    preceitos constitucionais, passaria do justo ao injusto, e estabeleceria vantagens de forma

    arbitrria. Por essa razo, observa-se que no possvel interpretar o princpio isonmico de

    forma absoluta, de forma que todo e qualquer meio de discriminao tornar-se-ia

    constitucionalmente proibido.

    Bobbio define discriminao arbitrria como aquela introduzida ou no

    eliminada sem uma justificao, ou, mais sumariamente, uma discriminao no justificada

    (e, neste sentido, injusta).33 (grifo do autor)

    Miranda entende que

    [...] mesmo quando a igualdade social se traduz na concesso de certas vantagensespecificamente a determinadas pessoas - as que se encontram em situaes deinferioridade, de carncia, de menor proteo - a diferenciao ou a discriminao(positiva) tem em vista alcanar a igualdade e tais direitos ou vantagens configuram-se como instrumentais no rumo para esses fins.34

    Mais uma vez invocando Moura, vislumbra-se a diferena existente entre

    discriminao e discriminao positiva:

    Aquela se d quando no h nenhum princpio a ser respeitado e/ou alcanado. Esta,ao contrrio, ocorre quando, ao verificar desigualdades, visando ao respeito doprincpio da igualdade e a outros essencialmente interligados, estabelea-se na lei ounoutros atos do Estado, diferenas que permitam uma incluso ou igualizao.35

    Bobbio, ento, questiona:

    Mas ser suficiente aduzir razes para tornar uma discriminao justificada?Qualquer razo ou, ao contrrio, determinadas razes mais do que outras? Mas combase em que critrios se distinguem as razes vlidas das invlidas? Existemcritrios objetivos, ou seja, critrios que se apiam na chamada natureza dascoisas?36 (grifo do autor)

    E ele mesmo responde:

    A nica resposta que se pode dar a tais questes que existem, entre os indivduoshumanos, diferenas relevantes e diferenas irrelevantes com relao sua inseronessa ou naquela categoria. Mas essa distino no coincide com a distino entrediferenas objetivas e no-objetivas: entre brancos e negros, entre homens emulheres existem certamente diferenas objetivas, mas nem por isso relevantes.37

    No artigo 5, inciso LXXVI, da Constituio Brasileira de 1988, por exemplo, o

    legislador buscou estabelecer um nivelamento, ao conceder uma vantagem aos pobres. No h

    dvida quanto discriminao positiva existente neste comando. Assim como neste, noutros

    h tambm diferenciaes que garantem o nivelamento social entre alguns grupos: a defesa do

    consumidor, a proteo maternidade e infncia, a assistncia jurdica aos necessitados, ao

    33 BOBBIO, 1997, p. 28.34 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. Tomo 4.

    p. 225.35 MOURA, 2005, p. 78.36 BOBBIO, 1997, p. 28.37 Ibid., loc. cit.

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    trabalhador noturno, etc. H tambm, possibilidade de discriminaes infraconstitucionais.

    Com isso, promove-se a incluso social de grupos at ento marginalizados.

    Onde a regra a igualdade, deve ser justificado o tratamento desigual, evitando as

    arbitrariedades e promovendo a igualizao nas relaes entre os indivduos. Segundo

    Bobbio, Desse modo, uma desigualdade torna-se um instrumento de igualdade pelo simples

    motivo de que corrige uma desigualdade anterior: a nova igualdade o resultado da

    equiparao de duas desigualdades.38

    Portanto, tratam as aes afirmativas de medidas imprescindveis em um Estado

    Democrtico de Direito, para fazer mais curta a espera de milhes de pessoas que almejam

    sentir-se parte da sociedade, e nem mais nem menos valoradas que o resto. S uma ao

    positiva que seja suficientemente proporcional e que no produza dano desproporcional aterceiros ser constitucional e poder implantar-se com xito no seio social.

    38 BOBBIO, 1997, p. 32.

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    3 A LEI MARIA DA PENHA

    O dia-a-dia jurdico demonstra que o legislador, o que menos tem observado, so

    os princpios informadores do Ordenamento Jurdico ptrio. Rotineiramente so editadas leis

    impulsionadas por interesses de toda ordem, embaladas que so pela convulso popular.

    A presso, sobretudo da mdia em geral, instrumento dos grupos poderosos e

    aparelho ideolgico estatal, tem redobrado o trabalho dos Ministros do Supremo Tribunal

    Federal, tendo em vista que as aes propugnando pela inconstitucionalidade de diplomas

    legislativos contaminados tm alcanado um nmero considervel. As chamadas leis de

    ocasio, que maculam a figura do legislativo, do voz ativa populao manipulada porinconseqentes meios de comunicao responsveis no pelo clamor pblico, mas pelo

    clamor publicado.

    Estaria correto inflacionar a Ordenamento Jurdico para satisfazer grupos e

    distanciar seres, ou a soluo discriminao, por exemplo, viria de medidas outras separadas

    do sistema puramente jurdico?

    Cabe destacar, por uma questo de justia, que outros fatos, embora apresentando

    peculiaridades respeitveis, tambm tm servido de subterfgio a esse inchao legislativo.Na prtica, no entanto, a efetivao destes diplomas se faz de maneira lenta e

    gradual. Ora, o Estado cria as leis, quase que na unanimidade carentes de outros mecanismos

    garantidores de sua eficcia, e ele, o prprio Estado, com toda sua estrutura entrevada, quem

    normalmente no cumpre a sua parte, contribuindo, portanto, ineficcia legal39.

    Foi neste descompasso que no dia 7 de agosto de 2006 editou-se a Lei Federal n

    11.34040, batizada de Lei Maria da Penha, responsvel por uma revoluo, tanto positiva

    quanto negativa, no Ordenamento Jurdico brasileiro no que diz respeito violncia domsticae familiar contra a mulher. Formada por imperfeies tcnicas e jurdicas de toda ordem,

    atropelou importantes preceitos constitucionais e aguou a ira de muitos estudiosos da rea.

    Como bem disse Santin, A pretexto de proteger a mulher, numa postura politicamente

    39 Basta ler a Lei n. 7.210/84 Lei de Execuo Penal, para se observar o quanto o Estado relapso naefetivao de seus compromissos. No papel, a LEP revolucionou o sistema carcerrio brasileiro, mas naprtica, no passou de uma grande iluso.

    40 Entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006.

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    correta, a nova legislao visivelmente discriminatria no tratamento de homem e

    mulher.41 (grifo do autor)

    Entre outras perplexidades, a nova lei alterou a forma de punio dos agressores,

    com as penas previstas hoje variando de trs meses a trs anos de priso. Antes, eram de seis

    meses a um ano. Tambm passaram a ser consideradas formas de violncia domstica as

    agresses psicolgica, moral e patrimonial, alm da sexual e da fsica. Foi eliminada a

    possibilidade de pagamento de cestas bsicas ou doaes como forma de punio. A lei

    passou a permitir, tambm, a priso em flagrante dos agressores.

    Pois , quando a Carta Magna consagrou dentre os direitos fundamentais a

    igualdade entre homem e mulher, estabeleceu uma isonomia plena entre os gneros masculino

    e feminino, de modo que a legislao infraconstitucional no pode, sob qualquer pretexto,promover discriminao entre os sexos.

    inegvel, bem se sabe, a violncia fsica e psicolgica sofrida pela mulher ao

    longo dos sculos, sobretudo no mbito familiar. Constitui fato notrio que a superioridade

    fsica do homem sobre a mulher, aliada idia de inferiorizao feminina propugnada por

    outros setores da sociedade, fez com que ele se tornasse hegemnico na determinao dos

    rumos familiares: primeiramente em casa, a mulher era prisioneira do pai, que se dava ao

    direito de definir com quem a filha iria se casar, e ter com ela uma disciplina mais rgida doque a tida com o filho homem; contrado o casamento, a mulher passava a prisioneira do

    marido, visto legalmente como chefe da sociedade conjugal. Ousar desobedecer a vontade do

    pai ou do marido, no seio do ambiente familiar, rendia-lhe forte represso.

    O que fazer, ento, para transformar essa realidade cultural secular? Optou o

    legislador, novamente, pelo uso da lei, apostando em que o Direito, e somente ele, pudesse ser

    um instrumento de transformao da realidade repleta de desigualdades e injustias.

    Tudo comeou com o Estatuto da Mulher Casada Lei n 4.121/62, quando houveum abrandamento dessa questo. Mas foi a Constituio de 1988 quem mais atenuou esta

    injustificvel desigualdade, sobretudo jurdica, sofrida pela mulher, ao trazer literalidade

    normativa a obviedade segundo a qual homens e mulheres so iguais perante a lei.

    Concomitante a tudo isso, criaram fora os movimentos feministas, que passaram

    a questionar e derrubar ideais machistas que relegavam a mulher a uma condio inferior do

    homem. As conquistas foram e esto sendo muitas! Em muito j foi superado o modelo

    41 SANTIN, Valter Foleto. Igualdade constitucional na violncia domstica. Disponvel em:. Acesso em: 10 abr. 2008.

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    patriarcal que dava um desptico poder ao homem para dominar a mulher, amenizando o

    desequilbrio at ento existente.

    No entanto, tais fatos, repita-se, embora notrios e historicamente inegveis, no

    justificam uma especial proteo mulher, materializada com a edio de lei especial, tendo

    em vista a afronta ao princpio da igualdade, que por sua vez somente admite tratamentos

    diferenciados ou discriminaes positivas, quando decorrentes de necessidades ou de

    justificativas lgico-racionais.

    Se verdade que as mulheres sofrem forte violncia domstica, tambm verdade

    que os homens so vtimas desse tipo de violncia, ainda que em menor proporo. Ento, por

    que privilegiar apenas um lado? No parece admissvel uma lei voltar-se somente tutela do

    gnero feminino, proporcionando sua supervalorizao.Assim, a Lei Maria da Penha se mostra com lacunas diante da diferena

    duvidosamente reconhecida, a ponto de gerar uma Ao Declaratria de Constitucionalidade

    ADC impetrada pelo prprio Presidente da Repblica42. Nela, o Advogado-Geral da Unio,

    Jos Antnio Dias Toffoli, afirmou que alguns juzes e Tribunais do Pas tm afastado a

    aplicao da lei por consider-la inconstitucional. A ao da Advocacia-Geral da Unio

    AGU pugnou pela concesso de liminar at seu julgamento final pelo Supremo Tribunal

    Federal STF, o que foi negado pelo relator, Ministro Marco Aurlio, em 21.12.2007.Para fundamentar o pedido na ADC, Toffoli citou uma srie de decises que

    apresentam concluses divergentes. Numa delas, a 2 Turma Criminal do Tribunal de Justia

    do Mato Grosso do Sul declarou a inconstitucionalidade da lei ao argumento de que ela

    ofendia o princpio da igualdade entre homens e mulheres. Noutra, em sentido contrrio, a 1

    Cmara Criminal do Tribunal de Justia de Minas Gerais no s reconheceu a lei como

    tambm estendeu a sua aplicao para homens e crianas vtimas de violncia domstica.

    Ambas tero trechos citados na seqncia deste captulo.Diante de toda essa celeuma jurdica, demonstra-se a importncia da presente

    pesquisa.

    3.1 A LEI 11.340/06

    42 Ao Declaratria de Constitucionalidade n 19-3 - Distrito Federal.

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    A Lei 11.340/06, embora apresente uma conotao informal de natureza penal,

    tem natureza jurdica fundamentada na Constituio Federal, conforme se extrai da leitura de

    seu artigo 1, nestes termos:

    Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violncia domstica e familiarcontra a mulher, nos termos do 8o do art. 226 da Constituio Federal, daConveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Violncia contra a Mulher,da Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra aMulher e de outros tratados internacionais ratificados pela Repblica Federativa doBrasil; dispe sobre a criao dos Juizados de Violncia Domstica e Familiarcontra a Mulher; e estabelece medidas de assistncia e proteo s mulheres emsituao de violncia domstica e familiar.43 (grifou-se)

    Depreende-se disso que este diploma legal reveste-se de natureza jurdica

    nitidamente constitucional, ainda que com repercusses nas esferas administrativa, civil,

    penal, processual penal e, inclusive, trabalhista.

    3.1.1 Breve histrico

    O principal documento em nvel mundial sobre o tema violncia domstica foi

    aprovado pelas Naes Unidas em 1967, tratando-se da Conveno sobre a Eliminao daDiscriminao contra a Mulher, ratificado atualmente por mais de 160 pases, dentre eles o

    Brasil. A ratificao integral desse documento em nvel interno em 20.12.1994 foi o primeiro

    passo na tentativa de frear a violncia domstica contra a mulher perpetrada pelo cnjuge.

    Em 2001, o emblemtico caso de Maria da Penha Maia Fernandes, cujo nome

    serviu Lei 11.340/2006, foi levado Comisso Interamericana de Direitos Humanos, cujas

    recomendaes encaminhadas ao Governo Brasileiro, alm daquelas relativas ao caso

    concreto, destacam-se:A Comisso Interamericana de Direitos Humanos reitera ao Estado Brasileiro asseguintes recomendaes: [...] Prosseguir e intensificar o processo de reforma queevite a tolerncia estatal e o tratamento discriminatrio com respeito violnciadomstica contra mulheres no Brasil.44

    43 BRASIL. Lei n 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violncia domstica efamiliar contra a mulher, nos termos do 8o do art. 226 da Constituio Federal, da Conveno sobre aEliminao de Todas as Formas de Discriminao contra as Mulheres e da Conveno Interamericana paraPrevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher; dispe sobre a criao dos Juizados de ViolnciaDomstica e Familiar contra a Mulher; altera o Cdigo de Processo Penal, o Cdigo Penal e a Lei de

    Execuo Penal; e d outras providncias. Disponvel em:. Acesso em: 20 nov. 2007.

    44 REDE SOCIAL DE JUSTIA E DIREITOS HUMANOS. Relatrios. Disponvel em:. Acesso em: 7 jan. 2008.

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    Particularmente, a Comisso recomendou o seguinte:

    a) instituir medidas de capacitao e sensibilizao dos funcionrios judiciais epoliciais especializados para que compreendam a importncia de no tolerar aviolncia domstica;

    b) simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido otempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo;c) estabelecer formas alternativas s judiciais, rpidas e efetivas, de soluo deconflitos intrafamiliares, bem como de sensibilizao com respeito sua gravidade es conseqncias penais que gera;d) multiplicar o nmero de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitosda mulher e dot-las dos recursos especiais necessrios efetiva tramitao einvestigao de todas as denncias de violncia domstica, bem como prestar apoioao Ministrio Pblico na preparao de seus informes judiciais;e) incluir em seus planos pedaggicos unidades curriculares destinadas compreenso da importncia do respeito mulher e a seus direitos reconhecidos naConveno de Belm do Par, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares.45

    Seguindo essas determinaes, veio a Lei n 10.455/2002, que acrescentou aopargrafo nico do art. 69 da Lei n 9.099/95 a previso de uma medida cautelar, de natureza

    penal, consistente no afastamento do agressor do lar conjugal na hiptese de violncia

    domstica, a ser decretada pelo Juiz do Juizado Especial Criminal.

    Posteriormente, foi editada a Lei 10.886/2004, que criou, no art. 129 do Cdigo

    Penal, um subtipo de leso corporal leve, decorrente de violncia domstica, aumentando a

    pena mnima de 3 (trs) para 6 (seis) meses.

    nesse compasso, que surge a Lei 11.340/2006, cujo objetivo primordial vemestampado logo em seu art. 1, acima transcrito.

    Atribuindo a edio da lei nova ao fracasso dos Juizados Especiais, sobretudo

    Criminais, afirma Bastos,

    Veio, ento, a Lei em comento a Lei "Maria da Penha" , cuja origem, no se temdvidas em afirmar isto, est no fracasso dos Juizados Especiais Criminais, nogrande fiasco que se tornou a operao dos institutos da Lei n 9.099/95, no porculpa do legislador, ressalva-se, mas, sem dvida, por culpa do operador do Juizado,leiam-se, Juzes e Promotores de Justia que, sem a menor cerimnia, colocaramem prtica uma srie de enunciados firmados sem o menor compromisso doutrinrio

    e ao arrepio de qualquer norma jurdica vigente, transmitindo a impresso de quetudo se fez e se faz com um pragmatismo encomendado simplesmente e to-somentepara diminuir o volume de trabalho dos Juizados Especiais Criminais.46 (grifo doautor)

    E aqui, uma vez mais, chama-se a ateno para a ineficincia da estrutura estatal,

    que reconhece sua falha na efetivao das normas.

    45 REDE SOCIAL DE JUSTIA E DIREITOS HUMANOS, loc. cit.46 BASTOS, Marcelo Lessa. Violncia domstica e familiar contra a mulher: lei "maria da penha": algunscomentrios. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006. Disponvel em:. Acesso em: 17 nov. 2008.

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    3.1.2 Conceitos operacionais

    Com o intuito de tornar claro seu propsito, a Lei Maria da Penha apresenta no

    seu bojo alguns conceitos operacionais.

    De acordo com o art. 5:

    Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violncia domstica e familiarcontra a mulher qualquer ao ou omisso baseada no gnero que lhe cause morte,leso, sofrimento fsico, sexual ou psicolgico e dano moral ou patrimonial:

    I - no mbito da unidade domstica, compreendida como o espao de convviopermanente de pessoas, com ou sem vnculo familiar, inclusive as esporadicamenteagregadas;

    II - no mbito da famlia, compreendida como a comunidade formada por

    indivduos que so ou se consideram aparentados, unidos por laos naturais, porafinidade ou por vontade expressa;III - em qualquer relao ntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha

    convivido com a ofendida, independentemente de coabitao.Pargrafo nico. As relaes pessoais enunciadas neste artigo independem de

    orientao sexual.47 (grifou-se)

    Alm da violncia fsica, a Lei consagrou outras formas de violncia, sendo elas, a

    psicolgica, sexual, patrimonial e moral, praticadas no mbito domstico, familiar ou nas

    relaes afetivas, tendo o legislador afastado, qualquer que seja a ofensa, o rito dos Juizados

    Especiais. O art. 7, ento, trata de definir cada uma delas, a saber:Art. 7o So formas de violncia domstica e familiar contra a mulher, entre

    outras:I - a violncia fsica, entendida como qualquer conduta que ofenda sua

    integridade ou sade corporal;II - a violncia psicolgica, entendida como qualquer conduta que lhe cause

    dano emocional e diminuio da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe opleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas aes,comportamentos, crenas e decises, mediante ameaa, constrangimento,humilhao, manipulao, isolamento, vigilncia constante, perseguio contumaz,insulto, chantagem, ridicularizao, explorao e limitao do direito de ir e vir ouqualquer outro meio que lhe cause prejuzo sade psicolgica e autodeterminao;

    III - a violncia sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja apresenciar, a manter ou a participar de relao sexual no desejada, medianteintimidao, ameaa, coao ou uso da fora; que a induza a comercializar ou autilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impea de usar qualquer mtodocontraceptivo ou que a force ao matrimnio, gravidez, ao aborto ou prostituio,mediante coao, chantagem, suborno ou manipulao; ou que limite ou anule oexerccio de seus direitos sexuais e reprodutivos;

    IV - a violncia patrimonial, entendida como qualquer conduta que configurereteno, subtrao, destruio parcial ou total de seus objetos, instrumentos detrabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econmicos,incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

    V - a violncia moral, entendida como qualquer conduta que configure calnia,difamao ou injria.48 (grifou-se)

    47 BRASIL, 2006.48 Ibid.

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    Uma primeira observao que se deve fazer diz respeito a que mulher est sujeita

    proteo legal. Conclui-se que qualquer mulher est por ela tutelada, independente da idade,

    seja jovem, idosa ou at mesmo criana ou adolescente. Nestes ltimos casos, haver

    superposio de normas protetivas, pela incidncia simultnea dos Estatutos do Idoso e da

    Criana e do Adolescente. Estabelece-se, ento, mais uma forma de sujeito passivo prprio.

    O sujeito ativo, por sua vez, pode ser pessoa de qualquer orientao sexual 49,

    desde que coligada com a vtima por vnculo afetivo, familiar ou domstico. Aplica-se a lei na

    agresso de filho contra a me, de marido contra a mulher, de neto contra av, de travesti

    contra mulher, de companheiro contra companheira, etc.

    3.2 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE

    A Lei 11.340, em vigor desde 22 de setembro de 2006, criou um verdadeiro

    microssistema visando coibir a violncia domstica e familiar praticada contra a mulher. No

    se trata apenas de um diploma de carter repressivo, mas, outrossim, preventivo e assistencial.

    Ao tratar com mais rigor as infraes cometidas contra a mulher no mbitofamiliar, na unidade domstica ou em qualquer relao ntima de afeto, coloca em ponto de

    ebulio a polmica da afronta isonomia.

    Para atender aos seus propsitos, foram introduzidas alteraes nos Cdigos

    Penal50 e de Processo Penal51, alm da Lei de Execuo Penal52. Fora admitida, tambm, mais

    uma hiptese de priso preventiva.

    Como tais medidas vieram favorecer mulher em detrimento do homem, h quem

    sustente a inconstitucionalidade da Lei, bem como de um punhado de seus dispositivos, combase na ofensa ao princpio da igualdade de gnero.

    3.2.1 A infrao aos princpios da igualdade e da proporcionalidade

    49 Pela redao dada ao art. 5, pargrafo nico, da Lei 11.340/06, deduz-se que esto legitimadas noOrdenamento Jurdico brasileiro, indiretamente, as relaes homoafetivas.

    50 O art. 43 da Lei alterou a alneaf,inciso II, do art. 61, do CP, referente s circunstncias agravantes. J o

    art. 44 da mesma lei aumentou a pena do 9 e incluiu o 11, ambos do art. 129 do CP.51 O art. 42 da Lei acrescentou o inciso IV ao art. 313 do Cdigo de Processo Penal, criando uma novapossibilidade de priso preventiva.

    52 O art. 45 da Lei 11.340/06 alterou a redao do pargrafo nico do art. 152 da Lei de Execuo Penal.

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    A Constituio, como se sabe, a Lei Maior de um Pas. nela que o poder

    estatal estruturado, a atividade poltica regulada e estabelecidos os direitos e garantias

    fundamentais do cidado. Alis, os direitos e garantias fundamentais constituem os direitos de

    primeira gerao, que surgiram com o constitucionalismo liberal do sculo XVIII.

    Segundo Mezzomo,

    Hoje, de acordo com a universalmente aceita teoria da pirmide constitucional,criada pelo jurista austraco Hans Kelsen, podemos visualizar a Constituio comosendo o pinculo, o ponto mais alto da pirmide legislativa, servindo ela comofundamento de validade e eficcia de todas as outras normas. Abaixo dela, vemtodas as outras espcies legislativas, como por exemplo, leis complementares, leisordinrias, medidas provisrias, regulamentos etc... [sic]53

    Como visto, todas as demais normas tm que necessariamente se conformar

    Constituio para que possam ser constitucionais. Caso contrrio, elas sero consideradasinconstitucionais, o que implicaria em sua nulidade. De duas formas essa conformao deve

    ocorrer: formalmente, ou seja, devem ser produzidas de acordo com o processo legislativo

    estabelecido na Constituio para cada espcie; e materialmente, ou seja, devem ter

    contedos que no contrariem disposies constitucionais.

    Nesse contexto, Slaibi Filho assevera:

    Ao afirmar que todos so iguais perante a lei, quer dizer a Constituio que somenteela pode criar tratamento desigual para pessoas em igualdade de condies e,

    realmente, ela o faz, por exemplo, ao conferir prerrogativas a parlamentares,magistrados, militares.54 (grifou-se)

    No entender de Celso de Mello, no voto proferido na Ao Direta de

    Inconstitucionalidade n 2.797-2:

    [...] O ponto est em que s leis ordinrias no dado impor uma dada interpretaoda Constituio. De tudo resulta que a lei ordinria que se limite a pretender impordeterminada inteligncia da Constituio , s por isso, formalmenteinconstitucional. [...] Com efeito, uma lei ordinria interpretativa no tem forajurdica para impor um sentido ao texto constitucional, razo pela qual deve serreconhecida como inconstitucional quando contiver uma interpretao que entre emtestilha com este.55 (grifou-se)

    Criar mecanismos que privilegie a mulher em detrimento do homem, por

    exemplo, num dado momento da Histria humana, s atrapalhar, visto que caber ao Poder

    Judicirio, j assoberbado, corrigir tal disparate. Como muito bem destacou Moura,

    A igualdade perante a lei obriga, necessariamente, o legislador e o aplicador danorma. quele cumpre no conceder vantagens ou desvantagens para uns em

    53 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Compreendendo a inconstitucionalidade da Lei de Violncia Domstica.

    Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1869, 13 ago. 2008. Disponvel em:. Acesso em: 17 nov. 2008.

    54 SLAIBI FILHO, Nagib. Anotaes constituio de 1988. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 176.55 MELLO, 2007 apud MOREIRA, 2007, p. 219-220.

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    detrimento de outros; a este cabe respeit-la, por pressupor-se o respeito ao princpioda igualdade pela prpria lei.56

    E conclui, reverenciando o princpio da igualdade:

    Verificando a mxima de que a Constituio est no pice da pirmide doordenamento jurdico e, portanto, todas as normas devem estar de acordo com elapara serem consideradas vlidas, e que os princpios constitucionais so verdadesfundantes, todos os atos devem respeitar o princpio da igualdade.57

    Por sua vez, Leal, citado por Contar, explica:

    No h direito diferena no plano dos direitos fundamentais j acertadosconstitucionalmente para todos, sob pena de romper o princpio da igualdadejurdica. A possvel existncia de direitos diferentes s ocorre no sobrenvel danormatividade fundamental. [...] As desigualdades possveis seriam apenas fsica,psquica, cultural, esttica, ideolgica ou econmica.58 (grifou-se)

    E completa:Portanto, o negro, o ndio, o homossexual, a lsbica, o deficiente no so desiguais aningum quanto a direitos fundamentais na teoria da constitucionalidadedemocrtica. Tanto eles quanto os brancos, os amarelos, as mulheres, osheterossexuais: homem ou mulher, so iguais em direitos fundamentais e titularesde igualdade processual (simetria paridade - isonomia) no direito democrtico.59(grifo do autor)

    O Texto Constitucional permeado de vedaes sobre discriminao, inclusive a

    de natureza sexual, expressa como um dos objetivos da Lei Maior, qual seja, promover o

    bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas dediscriminao60. Por sua vez, o art. 5, inciso I, da Constituio, consagra, dentre os direitos

    fundamentais, o princpio da igualdade, ao dizer que homens e mulheres so iguais em

    direitos e obrigaes, nos termos desta Constituio, garantindo a todos direito vida,

    liberdade, igualdade, segurana e propriedade.

    Assim, na lio de Jos Afonso, a igualdade constitui o signo fundamental da

    democracia61 e reforada de maneira normatizada, como acima citado.

    Tanto a CF/88 como as outras Constituies, enfatizaram de forma expressa to

    somente a igualdade perante a lei, no sentido de que as normas devem ser elaboradas e

    aplicadas indistintamente a todos os indivduos. a denominada isonomia formal.

    Por esta direo, no preciso formao jurdica para se chegar claramente a duas

    concluses, extradas da interpretao do inciso I, do art. 5: primeiro, que estabeleceu ele a

    56 MOURA, 2005, p. 42.57 Ibid., p. 54.58 MATO GROSSO DO SUL, 2008.59 Ibid.60 Art. 3, inciso IV, da Constituio Federal de 1988.61 SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 14.

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    regra da igualdade entre homens e mulheres; segundo, que afirmou ser esta igualdade

    regulada pela prpria Constituio, e somente por ela.

    Destas duas concluses, ainda, uma terceira se torna possvel, qual seja a de que

    somente as desigualdades estipuladas no prprio Texto Constitucional podem existir

    validamente. Os desiguais devem ser tratados de forma desigual quando e na medida em que

    o permita a Constituio.

    Ora, demais disso, em toda a estrutura constitucional no h um s ponto que

    autorize seja dado tratamento diferenciado a homens ou a mulheres quando em voga a

    condio de partes processuais ou vtimas de crime. No entender de Mezzomo,

    exatamente isso que a lei de violncia domstica faz: concede uma srie deinstrumentos de proteo mulher somente tendo em vista o sexo. A violncia

    domstica cometida contra a mulher enseja medida protetiva, contra homens no. Hainda, uma srie de diferenas em relao ao processo criminal, at mesmo emquesto de competncia do rgo jurisdicional e espcies procedimentais.62

    Bem explica ele que

    Se no h autorizao na prpria Constituio, e lembremos que a igualdade "nostermos desta Constituio", a lei ordinria n 11.340/06 afronta o artigo 5, inciso I,da CF/88, sendo inconstitucional e, portanto, visceralmente nula. Diversamente,quando vemos, por exemplo, diferenas no tempo de servio para aposentadoriamenor para as mulheres, ou na existncia de licena maternidade com prazo maior,estamos diante de situaes que a prpria Constituio estabeleceu, diferenas queso, por conseguinte, constitucionais e vlidas.63 (grifo do autor)

    Em contraposio a esta interpretao, tem se invocado o fato de que os idosos, as

    crianas e os adolescentes tambm tm tratamento diferenciado, com a edio dos respectivos

    estatutos, os quais nunca teriam sido questionados. No entanto, esta premissa inconsistente,

    uma vez que idosos, crianas e adolescentes tm previso constitucional de tratamento

    diverso, circunstncia inexistente para as situaes da Lei Maria da Penha.

    Para corroborar os comentrios at aqui efetuados, transcreve-se trecho da lavra

    do Desembargador Romero Osme Dias Lopes, no acrdo n 2007.023422-4/0000-00, do

    Tribunal de Justia do Mato Grosso do Sul:

    Afirma o art. 5. I, da Constituio Federal, que homens e mulheres so iguais emdireitos e obrigaes, nos termos desta Constituio. A correta interpretao dessedispositivo torna inaceitvel a utilizao do discrmen sexo, sempre que o mesmoseja eleito com o propsito de desnivelar materialmente o homem da mulher;aceitando-o, porm, quando a finalidade pretendida for atenuar os desnveis.Ou seja, o princpio da igualdade ser violado sempre que a lei gerar desequilbrioantes inexistente nas relaes entre homem e mulher.Assim, de acordo com o art. 5, caput, da Constituio Federal, todos os cidadospossuem direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, ouseja, tanto ao homem quanto a [sic] mulher so garantidos os direitos fundamentais,

    62 MEZZOMO, 2008.63 Ibid.

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    sendo estes, portanto, o parmetro para a igualdade e, conseqentemente, para asdiferenas.Tal se d porque:A igualdade jurdica na democracia nivela todos os cidados no plano datitularidade dos contedos normativos dos direitos fundamentais. No h que se falar

    em desigualdade jurdica de direitos fundamentais, porque, uma vez que socumpridos os direitos fundamentais, o que se tem so desnveis patrimoniais e depersonalidade (identidades), sem que tal diferencial pudesse quebrar a igualdadeentre as partes a ponto de recuperar a velha mxima de justia do Estado Liberal tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais.Nesse diapaso quando a Carta Magna, dentre o rol de direitos fundamentais,consagrou igualdade entre homem e mulher estabeleceu uma isonomia plena entreos gneros masculino e feminino, de modo que a legislao infraconstitucional nopode sob qualquer pretexto promover discriminao entre os sexos em setratando de direitos fundamentais, visto que estes j lhes so igualmenteassegurados. 64 (grifos do autor)

    De outra banda, examinando-se o artigo 226, 8, da CF, dispositivo este

    utilizado para embasar a edio da Lei 11.340/06, tem-se que o Constituinte Originrio imps

    ao Estado o dever de assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um dos que a

    integram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes.

    Ora, como se pode observar com clareza, o dispositivo no privilegia quem quer

    que seja, ao permitir a adoo de mecanismos para banir a violncia no seio familiar. Se a

    inteno do legislador fosse beneficiar um dos sexos, teria sido explcito, o que no ocorreu.

    Por sua vez, a Escola do Direito Penal Mnimo65 prega que o Estado deve

    criminalizar apenas as condutas que afrontem os valores sociais mais elevados, para que ele

    atue criminalmente quando indispensvel for, no sentido de que a interveno penal somente

    se justifica quando absolutamente necessria para a proteo dos cidados. Os defensores do

    minimalismo, numa concepo moderna, entendem o Direito Penal como a ultima ratio da

    atuao estatal, intervindo apenas quando os demais ramos do Direito se mostrarem incapazes

    de resolver satisfatoriamente o problema.

    Como a Lei 9.099/95 no mereceu a devida ateno e aplicao pelos operadores

    do Direito, a Lei 11.340/06 se contraps ao movimento mundial de ressocializao, de menor

    interveno estatal e de conciliao, para impor, atravs do caminho mais fcil do Direito

    Penal, um temor para conter a violncia domstica e familiar.

    Para Pileggi,

    A escolha lgica e comodista: o Direito Penal tem coao, seus custos somnimos, pois toda a estrutura est montada, necessitando de pequenos ajustes. Ocorreto seria a adoo do sistema que a lei preconiza, mas que dificilmente ser

    64 MATO GROSSO DO SUL, 2008.65 VOLPE FILHO, Clovis Alberto. Quanto mais comportamentos tipificados penalmente, menor o ndice decriminalidade? Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 694, 30 maio 2005. Disponvel em:. Acesso em: 7 jan. 2008.

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    implantado a curto ou mdio prazos. evidente uma viso imediatista e at usoeleitoral da questo, to grave e sria para a sociedade brasileira.66

    Lopes no diverge:

    [...] a referida lei um grande engano. Estabelece a obrigatoriedade do caminhopenal quando se sabe que a mulher vtima de violncia domstica exceto a sexual ede leses graves no quer que seu companheiro ou marido seja preso, muito menoscondenado criminalmente. A soluo no est no Direito Penal, mas na criao depolticas pblicas com compromisso de recuperar o respeito mtuo que deve imperarno seio familiar. A condenao do agressor s piora a relao familiar. A vontade damulher agredida de que as agresses cessem, no porque o marido foi preso, masporque de alguma forma o Estado interveio para apaziguar o problema familiar.67(grifou-se)

    E complementa:

    Esta lei incua, injusta, anti-social e retrgrada, pois volta a ter a pena privativa de

    liberdade como principal sano quando todo direito penal caminha para fuga dapriso com aplicao de penas alternativas. A pena privativa de liberdade data de1814, o que nos faz refletir e constatar que, depois de quase 200 anos, inaceitvelcontinuar insistindo no encarceramento. Outros meios mais eficazes precisam seraplicados para coibir a criminalidade; a pena alternativa, onde efetivamenteaplicada, tem se mostrado um sucesso [...]68

    Pois , uma vez mais a atitude do legislador brasileiro no encontrou ressonncia

    constitucional e social, muito menos compreendeu ele o comentrio de Moura, nestas

    palavras: [...] uma norma fere o princpio da igualdade se tiver como objeto uma pessoa ou

    um grupo determinado, ou seja, se os destinatrios forem determinados ou determinveis69

    ,pois possvel atos de igualar ou discriminaes positivas, contudo, atenta-se para a

    necessidade de interpretao dessas questes para que os valores constitucionais abstrados de

    suas normas no sejam invertidos.70 (grifos da autora)

    Analisa-se, apenas para exemplificar a discrepncia, um fato corriqueiro no

    campo penal: se a mulher pratica leso corporal leve em seu esposo, resultante de discusso

    no seio familiar, infringir o art. 129, caput, do Cdigo Penal, respondendo, por isso, a um

    Termo Circunstanciado

    71

    perante o Juizado Especial Criminal; de outra parte, se o esposopratica dita leso corporal leve em sua mulher, responder a Inqurito Policial, ser afastado

    de sua residncia e correr o risco, inclusive, de ser preso preventivamente! essa a igualdade

    almejada, quando num mesmo contexto ftico a agresso levada a efeito contra uma pessoa de

    determinado sexo gera conseqncias diversas s geradas ao outro?

    66 PILEGGI, Camilo. Lei maria da penha: acertos e erros. Disponvel em:. Acesso em: 22 out. 2008.

    67 MATO GROSSO DO SUL, 2008.68 Ibid.69 MOURA, 2005, p. 112.70 Ibid, p. 113.71 Art. 69 da Lei Federal n 9.099/95.

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    Na teoria e na prtica, a proporo que teria um crime cometido pelo homem

    deveria ser a mesma tomada pelo crime cometido pela mulher. Ademais, a construo dos

    tipos penais leva em conta o bem ou interesse jurdico que a norma penal deve tutelar, como a

    vida, a integridade fsica, a honra, o patrimnio, etc.; mas nunca o sujeito a ser penalizado,

    haja vista que os bens jurdicos tutelados no so do interesse exclusivo de um indivduo, mas

    de toda a coletividade, considerando que a prtica do delito ofende todo o corpo social.

    No dizer de Luizi, citado por Gama,

    matria inquestionvel o desprestgio do sistema penal; deve-se a uma srie decausas; e uma delas, talvez a fundamental, a existncia de uma legislao onde sotipificados criminalmente milhares de fatos, em grande nmero sem autnticarelevncia, gerando a hipertrofia do direito penal.72

    Para Gomes, referindo-se s discriminaes positivas, a igualdadeOrdena ao legislador que preveja com as mesmas conseqncias jurdicas os fatosque em linha de princpio sejam comparveis, e lhe permite realizar diferenciaesapenas para as hipteses em que exista uma causa objetiva pois caso no severifiquem motivos desta espcie, haver diferenciaes arbitrrias.73

    No mesmo sentido, leciona Moraes:

    A Constituio Federal de 1988 adotou o princpio da igualdade de direitos,prevendo a igualdade de aptido, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja,todos os cidados tm o direito de tratamento idntico pela lei, em consonncia comos critrios albergados pelo ordenamento jurdico. Dessa forma, o que se veda so as

    diferenciaes arbitrrias, as discriminaes [...]

    74

    (grifo do autor)E complementa:

    Para que as diferenciaes normativas possam ser consideradas no discriminatrias,torna-se indispensvel que exista uma justificativa objetiva e razovel, de acordocom critrios e juzos valorativos genericamente aceitos, cuja exigncia deveaplicar-se em relao finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estarpresente por isso uma razovel relao de proporcionalidade entre os meiosempregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos egarantias constitucionais protegidos.75 (grifou-se)

    inadmissvel o sofrimento vivido pela biofarmacutica cearense Maria da Penha

    Maia Fernandes76, resultante de atos brbaros de seu marido, o professor universitrio e

    economista Marco Antnio Herredia Viveros, que por duas oportunidades tentou mat-la. No

    entanto, se o Estado brasileiro no conseguiu puni-lo eficazmente, provocando a ira de vrios

    72 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A famlia no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.p. 132-133.

    73 GOMES, Maringela Gama de Magalhes. O princpio da proporcionalidade no direito penal. So Paulo:Revista dos Tribunais, 2003. p. 60.

    74 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. atual. So Paulo: Atlas, 2006. p. 31.75 Ibid., p. 32.76 Maria da Penha tentou de todas as formas processar o marido na justia brasileira, sem conseguir, contudo,

    que ele fosse punido. Em 1997 ela denunciou o caso OEA. Em 2001 ele foi condenado a dois anos de priso.Mesmo paraplgica em virtude da violncia, depois de se recuperar Maria da Penha comeou a atuar emmovimentos sociais e se tornou o smbolo contra a violncia e a impunidade cometidas contra as mulheres.

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    organismos internacionais, dentre eles a Comisso de Direitos Humanos da Organizao dos

    Estados Americanos, o Governo brasileiro quem ter que arcar com o nus do

    emperramento de sua estrutura de Poder, no sua populao, sobretudo a do sexo masculino.

    No obstante vista como inadequada ao sistema jurdico brasileiro, a Lei

    11.340/06 encontra defensores ferrenhos. Maria Berenice Dias uma das que encabea a

    ponta, tratando o tema da seguinte maneira:

    Apesar de todos os avanos, de equiparao entre homem e mulher levada a efeitode modo to enftico pela Constituio, a ideologia patriarcal ainda subsiste. Adesigualdade sociocultural uma das razes da discriminao feminina, e,principalmente, de sua dominao pelos homens, que se vem como superiores emais fortes. O homem se tem como proprietrio do corpo e da vontade da mulher edos filhos. A sociedade protege a agressividade masculina, constri a imagem dasuperioridade do sexo que respeitado por sua virilidade. Afetividade e

    sensibilidade no so expresses da masculinidade.77

    Diz ela que o homem

    Desde o nascimento encorajado a ser forte, no chorar, no levar desaforo paracasa, no ser mulherzinha. Os homens precisam ser super-homens, no lhes permitido ser apenas humanos. Essa errnea conscincia masculina de poder quelhes assegura o suposto direito de fazer uso de sua fora fsica e superioridadecorporal sobre todos os membros da famlia.78

    A relao de desigualdade entre o homem e a mulher, realidade milenar que

    sempre colocou esta em situao de inferioridade, impondo-lhe a obedincia e a submisso,

    algo inegvel como dito alhures. Mas, para os dias atuais, a realidade outra, onde a ascenso

    feminina, em todos os nveis sociais, autoriza questionar a edio de uma lei capaz de

    fortalecer o pensamento discriminatrio.

    Luft, ao falar do assunto, leciona:

    Muito de verdadeiro ou de fantasioso se tem dito e escrito sobre a questo damulher. Fora das culturas em que mulher vale menos do que um animal de trao,uma das lorotas que ela foi sempre esmagada pelo troglodita brutal, trada pelosem-vergonha, desprezada pela sociedade cruel. Nem todas. Nem sempre. Basta lerum pouco da histria no a dos livros escolares, mas alguma coisa mais bem

    documentada para ver que em todas as pocas houve mulheres realizadas, influentespoltica e culturalmente. Talvez no tenha sido maioria, mas homens interessantestambm no so a maioria. [...] Mas folclore que fomos sempre submissas esacrificadas: muitas de nossas doces avozinhas dirigiam a famlia com olho rpido,lngua afiada e pulso firme. Mesmo em sculos passados, a me eventualmentedetinha um poder invejvel. O marido no raro a consultava no secreto do quartosobre decises importantes, nas propriedades rurais ela administrava a casa dacidade, fiscalizava o estudo dos filhos, negociava casamentos, cuidava do dinheiro,enquanto o marido e senhor corria com seus pees pelas vastides do campo atrs dogado. 79

    77 DIAS, Maria Berenice. A lei maria da penha na justia: a efetividade da lei 11.340/2006 de combate

    violncia domstica e familiar contra a mulher. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 16.78 DIAS, loc. cit.79 LUFT, Lya. Ponto de vista: mulheres & mulheres. Veja on-line, So Paulo, f. 18, 14 mar. 2007. Disponvel

    em: . Acesso em: 24 nov. 2008.

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    Conclui afirmando que:

    No, a mulher no foi sempre ou somente a coitadinha. Muitos homens sofrem coma silenciosa ou eloqente chantagem emocional da mulher, de quem no conseguemse separar por culpa, sentimento de responsabilidade ou mesmo simples fraqueza.

    Mulher vitimal, se generalizado, um conceito altamente hipcrita. Existem asmaltratadas sem sada, as aviltadas sem socorro, as submetidas sem opo. Mas amaioria de ns nem santa nem boazinha e, em lugar de acusar e se queixar, podelutar com determinao por uma vida mais plena. Isso depender de cada uma, desua personalidade, suas marcas de vida, sua condio familiar, sua informao, suaneurose e sua frustrao.80 (grifou-se)

    A mulher, fruto de sua luta incessante e de sua competncia apurada, vem

    conquistando espaos e ocupando posies de destaque na sociedade a todo momento. Basta

    verificar que o mandatrio do Poder Judicirio brasileiro at poucos meses era uma mulher, a

    Ministra Ellen Gracie Northfleet81.

    Licena gestante, tratamento sob o ngulo do mercado de trabalho e o prazo

    menor para a aposentadoria por tempo de contribuio, entre outras conquistas

    constitucionais, so algumas das formas de tratamento preferencial visando corrigir

    desequilbrios. nesse diapaso que Paschoal adverte:

    O perigo que vislumbramos na nova lei justamente o de, novamente, prevalecer ocaminho mais fcil, qual seja o de simplesmente prender-se o agressor, tratando-secomo uma safada que gosta de apanhar que, depois de denunciar, se ope a essapriso. [...] A idia de que a Mulher precisa se libertar, psicologicamente, de seuagressor totalitria, e to preconceituosa como a que deve se submeter s vontadesdo marido.82 (grifo da autora)

    Uma outra questo a ser pontuada refere-se ao poder que posto disposio das

    mulheres, vez que uma simples discusso familiar pode resultar, em apenas 48 horas, na

    adoo das medidas protetivas de urgncia, alm de toda a mobilizao do aparato estatal,

    consoante artigos 11, 22 e 25 da Lei nova. Ato contnuo, dias depois, passada a raiva, perante

    o juiz a vtima pode se retratar e desistir do prosseguimento do processo, ou renunciar,

    como trata o art. 16 da lei, afirmando: Foi s para dar um susto!. E as privaes e

    constrangimentos aos quais o suposto autor foi submetido, como ficam?

    Tanto verdade isso que, a ttulo de exemplo, cita-se os dados da Central de

    Inquritos da Comarca de Belo Horizonte/MG83, onde foram ajuizados at o final de 2007

    aproximadamente 6.800 procedimentos entre inquritos e medidas protetivas, sendo que desse

    total apenas cerca de 3.200 inquritos resultaram em ao penal, visto que nos demais casos a

    vtima, ao ser ouvida em audincia, no concordou com o prosseguimento da ao.

    80 LUFT, 2007.81 Exerceu a Presidncia do STF e do CNJ no binio 2006/2008.82 PASCHOAL, 2007 apud MOREIRA, 2007, p. 226.83 MAMELUQUE, Leopoldo. Aspectos gerais da lei maria da penha. In: SEMINRIO JURDICO, 2007,

    Montes Claros. Tpico temtico no ncleo da EJEF. Montes Claros, 2007. p. 4.

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    O princpio da proporcionalidade, implicitamente contido no art. 5, XLVI, 2

    parte, da Constituio Federal, foi outro a sofrer um revs do legislador. Como bem observa

    Gomes, este princpio

    desempenha importante funo dentro do ordenamento jurdico, no apenas penal,uma vez que orienta a construo dos tipos incriminadores por meio de umacriteriosa seleo daquelas condutas que merecem uma tutela diferenciada (penal) edas que no merecem, assim como fundamenta a diferenciao nos tratamentospenais dispensados s diversas modalidades delitivas; alm disso, conformeenunciado, constitui importante limite atividade do legislador penal (e tambm seuintrprete), posto que estabelece at que ponto legtima a interveno do Estado naliberdade individual dos cidados.84 (grifou-se)

    Citado por Gomes, Penalva entende que

    A proporcionalidade , pois, algo mais que um critrio, regra ou elemento tcnico dejuzo, utilizvel para afirmar conseqncias jurdicas: constitui um princpio inerenteao Estado de Direito com plena e necessria operatividade, enquanto sua devidautilizao se apresenta como uma das garantias bsicas que devem ser observadasem todo caso em que possam ser lesionados direitos e liberdades fundamentais.85

    Nas precisas palavras de Hungria,

    Com a prtica do crime, estabelece-se entre o seu autor e o Estado indissimulvelrelao jurdica [...]: o Estado adquire o direito de punir o indivduo e este, aomesmo tempo que surge para ele a obrigao de sofrer a pena, adquire o direito deno sofrer pena mais grave do que a cominada pela lei ento vigente.86

    O art. 17 da lei em comento, veda a aplicao de penas alternativas aos casos de

    violncia domstica e familiar contra a mulher. No entanto, a excluso de tal benefcio sedeve fundamentar em razo da gravidade do delito, jamais tendo em vista o sujeito passivo

    dele. Por que proibir a aplicao de pena alternativa em substituio pena privativa de

    liberdade em razo de o sujeito passivo ser mulher em situao de violncia domstica? de

    se notar que a Constituio Federal, de forma razovel e proporcional, estabelece regimes

    penal e processual penal mais rigorosos para autores de crimes mais repugnantes, como os

    hediondos, o trfico ilcito de entorpecentes, o terrorismo, etc.; ao passo que permite medidas

    despenalizadoras quando se tratar de infraes de menor potencial ofensivo87

    .A vedao da aplicao das medidas despenalizadoras previstas na Lei n

    9.099/95 Termo Circunstanciado, composio civil dos danos, suspenso condicional do

    processo, transao penal , viola o princpio da proporcionalidade, configurando-se, assim,

    em mais um vcio de inconstitucionalidade.

    84 GOMES, 2003. p. 59.85 PENALVA, apud GOMES, ibid., p. 60.86 HUNGRIA, Nlson. Comentrios ao cdigo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. v. 7. p. 115.87 Artigos 5, XLII, XLIII, XLIV e 98, I, CF/88.

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    3.2.2 Casos prticos

    Por tudo que foi abordado at aqui, que a Lei 11.340/06 tem provocado

    inquietaes de toda ordem Pas afora. No so poucos os processos que discutem a sua

    eficcia e a sua constitucionalidade. Juzes e Tribunais, diante das circunstncias at aqui

    analisadas, tm afastado a sua aplicao. Um caso emblemtico foi o protagonizado pelo juiz

    Edlson Rumbelsperger Rodrigues, da cidade mineira de Sete Lagoas.

    Rodrigues prolatou diversas decises considerando a lei inconstitucional, alm de

    defini-la como um conjunto de regras diablicas que poderiam fazer do homem um tolo88.

    Para fundamentar seus posicionamentos, utilizou-se de frases fortes, tipo: [...] a desgraahumana comeou no den: por causa da mulher, todos ns sabemos, mas tambm em virtude

    da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (...), O mundo masculino!

    A idia que temos de Deus masculina! Jesus foi homem! e [...] o mundo e deve

    continuar sendo masculino ou de prevalncia masculina.89

    O caso foi parar no Conselho Nacional de Justia CNJ, rgo de controle

    externo do Judicirio, que abriu processo disciplinar contra o juiz para apurar, no sua posio

    frente inconstitucionalidade da Lei, mas para analisar se as expresses usadas por ele emsuas decises caracterizam excesso de linguagem e, conseqentemente, infrao disciplinar.

    J o juiz Marcelo Colombelli Mezzomo, da 2 vara Criminal de Erexim (RS), foi

    mais cauteloso e, em uma de suas recentes decises, argumentou que: a lei inconstitucional

    na medida em que viola o artigo 5, que estabelece que todos so iguais perante a lei, sem

    distino de qualquer natureza, e homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes.90

    Mezzomo alegou que o

    equvoco dessa lei foi pressupor uma condio de inferioridade da mulher, que no a realidade da regio Sul do Brasil, nem de todos os casos, seja onde for. No podemser criados privilgios generalizados. Isso afronta a Constituio, principalmenteporque tolhe do aplicador da lei a possibilidade de analisar cada caso como umarealidade prpria. Parte-se do pressuposto, muitas vezes no confirmado, de que ohomem o agressor e a mulher sempre a vtima.91

    88 JUIZ contrrio lei maria da penha nega machismo: em nota, juiz Edlson Rodrigues disse que no contrapunio do agressor: magistrado considera lei inconstitucional. Disponvel em:. Acesso em: 27 out. 2007.

    89 NUBLAT, Johana. Juiz considera lei maria da penha inconstitucional e "diablica". Folha On Line. SoPaulo, 21 out. 2007. Disponvel em: .Acesso em: 27 out. 2007.

    90 INCONSTITUCIONALIDADE: assim como a lei seca, a lei maria da penha. Disponvel em:.Acesso em: 21 nov. 2008.

    91 Ibid.

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