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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇAO – CAMPUS VII
SENHOR DO BONFIM COLEGIADO DE PEDAGOGIA
ERIVALDO COSTA PORTELA
AVALIAÇÃO ESCOLAR
UM ELEMENTO TRAUMATIZANTE NA RELAÇÃO PEDAGÓGICA
SENHOR DO BONFIM-BA
2010
ERIVALDO COSTA PORTELA
AVALIAÇÃO ESCOLAR
UM ELEMENTO TRAUMATIZANTE NA RELAÇÃO PEDAGÓGICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Educação – Campus VII, da UNEB – Universidade do Estado da Bahia, como parte das exigências da disciplina Monografia, Componente do Curso de Pedagogia com habilitação em Docência e Gestão de Processos Educativos.
Orientador: Prof. Pascoal Eron S. de Souza
SENHOR DO BONFIM-BA
2010
Erivaldo Costa Portela
Texto monográfico apresentado ao Departamento de Educação – Campus VII da
Universidade do Estado da Bahia, UNEB, como requisito parcial para obtenção do
grau Pedagogia, Docência e Gestão de Processos Educativos.
Aprovada. em___________________, pela banca examinadora constituída pelos
professores:
________________________________________________
Prof. Pascoal Eron Santos de Souza
(orientador)
_________________________________________________
Professora
(Examinadora)
____________________________________________________
Professora
(Examinadora)
Senhor do Bonfim, março de 2010.
Ao meu querido pai, Sr. Antônio Sancho
Portela, autodidata, professor leigo, meu
primeiro exemplo de responsabilidade
sinceridade, honestidade, dignidade
humana, enfim, de vida.
AGRADECIMENTOS
Ao Único, Grande e Eterno Deus,
Jesus Cristo, meu amado Senhor e Rei.
* * *
A todos os professores
do Curso de Pedagogia da Uneb-Campus VII.
E, de forma especial
A Claudia Maísa, Jader Rocha,
Pascoal Eron e Sandra Fabiana.
Pois, dentre os demais com os quais tive o prazer de aprender, durante a
trajetória dessa graduação, esses foram capazes de marcar positivamente a
minha vida de forma indelével.
* * *
À Janileide, minha querida esposa
e aos meus rebentos, Hudson e David. Pela paciência e compreensão diante
das minhas ausências e aparente perda de valores quando, muitas vezes
priorizei esse trabalho em detrimento da atenção que lhes devo
como esposo e pai.
* * *
Ao querido orientador,
Prof. Pascoal Eron Santos de Souza
Incansável educador, colaborador e amigo
* * *
Aos meus queridos colegas da turma 2006.1,
amizades que jamais serão esquecidas!
* * *
―A avaliação não é tudo; não deve ser o todo, nem na escola nem fora dela; e se o frenesi avaliativo se apoderar dos
espíritos, absorver e destruir as práticas, paralisar a imaginação, desencorajar o desejo, então a patologia
espreita-nos e a falta de perspectivas, também‖. Meirieu
RESUMO
O presente trabalho discute sobre as reações dos estudantes ao ato avaliativo, à luz de sua própria história, buscando identificar origens e causas, tomando como base alguns fundamentos da teoria psicanalítica, realçando a importante relação existente entre a pedagogia e a psicanálise. As reflexões são feitas com base em pesquisa qualitativa, realizada com 10 estudantes de ensino médio, aos quais foram aplicados dois instrumentos de coleta de dados – questionários fechados e entrevistas semi-estruturadas. Os dados foram analisados após selecionados e ou agrupados de acordo com os objetivos da pesquisa, bem como, através do cruzamentos das informações. Discute as concepções e praticas avaliativas e os seus efeitos sobre o comportamento dos estudantes trazendo autores como Hoffmann(1988, 2001), Luckesi (2003, 2005) Vasconcelos (2000) e outros. Foram encontradas diversas reações ao momento avaliativo tais como: estados de dor de cabeça, cólicas, sudorese, ansiedade, esquecimento, palpitações, que aqui são discutidas sob um viés psicanalítico, apoiando-se em autores como Freud(1912, 1913), Jung(1946), Winnicott(1971) entre outros.
Palavras-Chave: Avaliação. Tensão pré-Avaliação. Relação Transferencial
LISTA DE FIGURAS
Gráfico 01. Gênero dos sujeitos ............................................................................... 38
Gráfico 02. Idade dos sujeitos .................................................................................. 38
Gráfico 03. Escolaridade dos sujeitos ...................................................................... 39
Gráfico 04. Sistema de ensino em que concluíram a Ed. básica ............................. 39
Gráfico 05. Taxa de desemprego ........................................................................... 39
Gráfico 06. Quando surgiram os sintomas .......................................................... ....30
Gráfico 07. Demosntrativo dos sintomas por sujeito ............................................... ..40
Gráfico 08. média dos sintomas por pessoa .......................................................... ..41
Gráfico 09. quantos já sofreram do ―branco total‖? ................................................... 42
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
CAPÍTULO I
O MOMENTO AVALIATIVO ......................................................................................13
1.1. Avaliação e natureza humana ...............................................................13 1.2. O caráter estigmatizador da avaliação...................................................15 1.3. As reações do aluno ao ato avaliativo................................................... 20
CAPÍTULO II
FUNDAMENTANDO O PENSAMENTO................................................................... 22
2.1. Incoerências do processo avaliativo ...................................................... 22
2.2. Influências de reminiscências ................................................................ 26
2.3. A relação transferencial na prática educativa ........................................ 28
2.4. A educação e a psicanálise – convergência de objetivos ......................33
CAPÍTULO III
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................36
3.1. A natureza da pesquisa .......................................................................... 35
3.2. Lócus da pesquisa .................................................................................. 37
3.3. Sujeitos ................................................................................................... 37
3.4. Instrumentos de coleta ........................................................................... 38
3.4.1. Questionário fechado ................................................................ 38
3.4.2. Entrevista semi-estruturada ...................................................... 38
3.5. Análise dos dados ...................................................................................38
CAPÍTULO IV
INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS ..................................................................39
4. 1. Observações sobre o instrumento A .................................................... 39
4.1.1 - O perfil dos sujeitos ..................................................................39
4.1.1.1 – Gênero e idade dos sujeitos ................................................ 39
4.1.1.2 – Escolaridade dos sujeitos .................................................... 40
4.1.1.3 – Condições sociais dos sujeitos ............................................ 40
4.1.2 – Observação dos sintomas ............................................................... 41
4.1.2.1 – O tempo das reações ........................................................... 41
4.1.2.2 – A variedade de sintomas .......................................................42
4.1.2.2 – Diferença da incidência de sintomas moças e rapazes........ 43
4.2. Observações sobre o instrumento B ..................................................... 45
4.2.1 – Relatos que ligam os fatos........................................................45
4.2.2 – Sobre a disciplina doméstica ................................................... 45
4.2.3 – Sobre a disciplina escolar ........................................................ 46
4.2.4 – Concepções e experiências com avaliação escolar ................ 47
4.2.5. – Relacionamento com os professores ..................................... 48
4.2.6 – Relacionamento familiar .......................................................... 49
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 51
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 53
ANEXOS .................................................................................................................. 55
11
INTRODUÇÃO
Sempre encontramos estudantes que têm grandes dificuldades diante das
avaliações escolares. Dificuldades, não simplesmente no âmbito da competência
para responder acertadamente às questões. Essas, dizem respeito aos alunos que
por alguma razão não adquiriu o domínio mínimo sobre os conteúdos. A referência
aqui é à que comumente se vê – pessoas que têm reações diversas e alterações no
comportamento diante do momento avaliativo ou ao se aproximar do mesmo. Para
muitos, a situação é tão estressante, que chegam a reações psicossomáticas,
desenvolvendo estados de dor de cabeça, alergias, cólicas, sudorese, e outras
formas mal estar. Para outros, o mal estar se limita ao aspecto emocional e
cognitivo: ansiedade, angústia e fobia resultando em perda da concentração e
esquecimento.
A avaliação escolar tem sido discutida sob diversos aspectos. Quase sempre
questionando a sua validade levando em consideração que os bons ou maus
resultados no desempenho dos estudantes nas avaliações possivelmente sejam
decorrentes das correntes epistemológicas adotadas, do tipo de instrumento
utilizado, das concepções e posturas dos educadores/avaliadores, e, muitas outras
variantes. Sempre colocando a escola, os educadores e os métodos sob perspectiva
numa abordagem sociológica e didático/metodológica. No entanto, percebe-se uma
lacuna, uma carência de material mais especificamente voltado para as reações
psicológicas dos estudantes frente ao ato e momento avaliativo.
Este trabalho discute o momento avaliativo na perspectiva do aluno. As suas
reações a esse ato à luz de sua própria história, buscando identificar origens e
causas, tomando como base alguns fundamentos da teoria psicanalítica. Realçando
a importante, embora ainda não satisfatoriamente explorada, relação existente entre
a pedagogia e a psicanálise já que, nos textos psicanalíticos, desde os mais
originais como os de Freud e Jung, encontra-se a preocupação com os efeitos que a
educação exerce sobe a formação da personalidade do indivíduo e, contribuições
12
importantes sobre os aspectos afetivos das relações que se manifestam no
ambiente escolar e nos demais ambientes a partir do início da escolarização.
As reflexões são feitas com base em pesquisa realizada com estudantes de ensino
médio, participantes do curso Técnico em Enfermagem de mesmo nível, da Escola
de Formação Técnica de Saúde, Valquiria Saturnino, de iniciativa privada, localizada
na cidade de senhor do Bonfim, no semi-árido baiano. Como requisito obrigatório
para a formação em pedagogia da Universidade do Estado da Bahia. Campus VII,
também na cidade de Senhor do Bonfim-Ba.
13
CAPÍTULO I
O MOMENTO AVALIATIVO
1.1. Avaliação e natureza humana
A necessidade de avaliar parece estar implícita nos princípios que regem o
Universo, O livro bíblico do Gênesis no seu primeiro capítulo, narra a criação do
mundo e diz que Deus ao final de cada período da criação, a contemplava e dava
um parecer conceituando à própria obra. Assim, narra por quatro vezes o autor: ―e
Deus viu que o que havia feito era bom‖ (Gn. 1,10,12,18,21), e conclui o capítulo no
com a frase: ―Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom‖ (Gn.1, 31).
Ainda no Gênesis, está registrado o episódio da torre de babel que os homens de
Ninrode tentavam construir, contrariando a ordem de Deus de se espalharem pela
Terra, e mais uma vez aparece a avaliação divina: ―Então, desceu o SENHOR para
ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam‖ (Gênesis 11,5-8).
Segundo a narrativa, O Criador corrigiu os rumos que a humanidade estava
tomando, confundindo as línguas daquela geração e forçando-a a se dividir e se
espalhar pela dificuldade de entendimento entre os indivíduos.
A proposição socrática ―conhece-te a ti mesmo‖, inscrição da entrada do templo de
Delfos, denota o reconhecimento de que é necessário ao ser humano pensar sobre
si mesmo, avaliar-se, medir-se, pesar-se e conceituar-se para tomar consciência da
própria humanidade. É no auto-conhecimento que o homem toma consciência dos
próprios saberes e ignorâncias, virtudes e erros. Portanto, conhecer-se é avaliar-se.
O pensamento cristão primitivo sugere a auto-avaliação periódica, ―examine-se pois
o homem a si mesmo‖ Paulo de Tarso (I Co,11,28). Culturas do oriente, onde
acredita-se, encontrar-se o berço da humanidade e do conhecimento filosófico, têm
na busca do auto-conhecimento, o centro dos seus princípios mais fundamentais.
Portanto, avaliar é uma necessidade constante na vida humana, desde os tempos
mais remotos as sociedades tribais já possuíam critérios avaliativos nos cerimoniais
de inserção na vida adulta, bem como para selecionar seus guerreiros e seus
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governantes. Alguns fatos narrados na história dos hebreus comprovam essa
pratica: - a rainha Ester, na Babilônia, passou por exame de seleção dentre muitas
outras moças para ser considerada digna do casamento real; (Et. 2) Gideão, Juiz
hebreu, selecionou 300 guerreiros num universo de trinta e dois mil voluntários onde
o teste mais importante foi a postura adotada pelos recrutas ao beber água no rio
(Jz. 7).
O instinto de preservação da espécie, presente em todos os animais, é para os
irracionais um fator a vulnerabilizar os indivíduos frente ao processo de seleção
natural, que determina a sobrevivência daqueles que melhor convivem com o meio
externo e mais resistem na luta entre as espécies. Assim, admitida a teoria da
evolução das espécies, reconheceríamos nos irracionais a submissão a um princípio
avaliativo exercido pela própria natureza. Aos racionais, no entanto, é inerente a
capacidade da avaliação e da auto-avaliação, de experimentação e do juízo – o
próprio raciocínio já se configura como um exercício de juízo. Mesmo o ser humano
moderno, herda das culturas mais primitivas a crença numa supremacia – poder
(dado pelo Criador) de dominar todos os demais seres, como mencionam os mitos e
as antigas narrativas da criação (Gn 1, 26-28). Poder de dominar, pressupõe poder
de avaliar, verificar, testar, julgar e sentenciar, aprovar, reprovar, condenar, e
executar. Assim, todo investimento de autoridade tende a ser exercido com certo
arbítrio que se instala naturalmente como reprodução de uma cultura universal. É
como se o instinto preservacionista se estivesse instalado num inconsciente coletivo
da espécie racional (humana) onde sobreviverá sempre o mais forte, mas não em
relação ao meio e sim aos seus semelhantes. Aqui e assim se estabelece o embrião
das relações de poder. É essa autoridade de avaliar o outro, conferida aos pais, ao
irmão mais velho, ao líder tribal, ao rabino, ao sacerdote, ao professor, pala própria
natureza das relações, como na história do rato Romão narrada por Lewis Carrol,
citada por Vasconcelos(2000):
Romão disse a um ratinho que ia passando por perto dele: ―Pare aí. Temos
já de ir ao juiz. Quero te acusar‖. ―Vamos‖, respondeu o ratinho. ―A
consciência de nada me acusa e saberei defender-me‖. ―Muito bem‖, disse
o gato. ―Aqui estamos diante do senhor juiz‖. ―Não o vejo‖, disse o ratinho.
15
―O juiz sou eu‖, disse o gato. ―E o júri?‖, perguntou o ratinho. ―O júri também
sou eu‖, disse o gato. ―E o promotor?‖, perguntou o ratinho. ―O promotor
também sou eu‖. ―Então você é tudo?‖, disse o ratinho. Sim, porque sou o
gato. Vou acusar você, julgar você, e comer você‖.(p.25)
Não é, portanto, exagero considerar a pratica avaliativa algo instintivo, arraigado
inconscientemente no comportamento humano, por isso, carente de profundas
reflexões afim de torná-la compreensível e aceitável num contexto de relações
civilizadas de uma geração que estamos aprendendo a chamar de pós-moderna. No
entanto, como algo inerente a natureza, o ato e a forma de avaliar tende a ocorrer
sem o exercício da compreensão, da reflexão. Conforma-se facilmente a uma visão
monocular e monodimensionada, vulnerável a preconceitos e pressentimentos, onde
se fazem presentes de forma muito significativas, as condições psicológicas do
avaliador. Por isso, ele precisa ser muito criterioso, reflexivo, conhecedor da
existência e importância das contingências Idiossincráticas que envolvem a prática
educacional/avaliativa.
1.2. O caráter estigmatizador da avaliação
Entretanto, por mais natural, necessária e imprescindível que seja a avaliação, o ser
humano raramente a encara com naturalidade. O momento avaliativo, na forma
como ocorre tradicionalmente na escola, é enfrentado pela grande maioria dos
estudantes com muita ansiedade. Certamente, a maneira como as instituições
educativas tratam esses momentos, tem contribuído significativamente para essa
situação estressante. Pois, em muitas escolas, a avaliação além de ocorrer
dissociada do processo de ensino/aprendizagem, é cercada por um cerimonial
próprio que faz com que todos os envolvidos a considerem como a coisa mais
importante dentro do sistema educativo. Ela tem um tempo próprio para justificar
uma atenção exclusiva. Em seu favor toda e qualquer alteração no tempo e espaço
escolar é, obviamente, admitida. São nos aspectos que lhe dizem respeito que as
regras cerimoniais e disciplinares da instituição merecem e recebem maior atenção e
obediência. No seu dia, a freqüência escolar merece maior atenção; até o mobiliário
da sala de aula recebe um formato de arrumação diferenciado; o comportamento de
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professores e alunos transfigura-se; a escola inteira é contagiada por um clima
próprio.
Diante disso, os alunos ao serem avaliados, sentem-se como ―ovelhas a caminho do
matadouro‖. Por mais que se preparem, sabem que podem ser surpreendidos
negativamente com questões que deixaram de considerar durante essa preparação.
Muitos rezam, fazem orações e simpatias, apelam para a torcida dos familiares e
dos colegas e, mutuamente desejam-se sorte, como se dela dependesse a proeza
de não serem supliciados. E, faz sentido até o próprios ―professores desejarem ―boa
sorte‖ na prova, já que freqüentemente as questões são irrelevantes e arbitrárias,
sem contar as vezes em que esta expressão tem um sentido velado de vingança...‖
(VASCONCELOS 2000 p. 16).
Some-se a tudo isso, a demanda de poder que se configura nesse momento.
Quando o ato avaliativo disponibiliza aos professores as mais incontestáveis
possibilidades de favorecer ou prejudicar a turma ou algum aluno em particular.
Muitos, inescrupulosamente, fazem ameaças de usarem desse recurso como
punição ou vingança diante de alguma antipatia aos docentes. Bem como, ocorre os
favorecimentos tanto na elaboração do instrumento de avaliação como na aplicação
dos critérios de correção dos mesmos.
À guisa de ilustração considere-se que em pleno século XXI, num curso de
Pedagogia, ainda é possível ouvir de um professor inconformado com o
comportamento da turma: – eu não iria aplicar prova, mas vou aplicar para ―ferrar‖
vocês. E aplicou, e ferrou alguns mesmo!
Não é incomum, ouvirmos expressões, quase sempre partindo de estudantes,
envolvendo o verbo ―ferrar‖ fazendo referência à avaliação, Do tipo: – ―me ferrei
nessa prova‖; – ―vou me ferrar‖; – ―Tô ferrado‖ Qual seria o significado dessas
expressões? Claramente se percebe que o uso do verbo ferrar aqui ganha um
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significado simbólico. Quem conhece a vida camponesa, de onde procedem grande
parte das significações simbólicas do nosso vocabulário, viu, ouviu e aprendeu a
usar o verbo ferrar, para se referir à quatro situações:
Primeiro, a marcação que proprietários pecuaristas fazem nos seus animais para
garantir a propriedade sobre eles, evitando serem confundidos ao se misturarem a
outros de outras propriedades. É, por assim dizer, um ato extremamente autoritário,
praticado com um objetivo estigmatizador. Uma vez ―ferrado‖, o animal jamais se
livrará daquela cicatriz que é operada por um ferro quente sobre a pele, geralmente
contendo as iniciais do nome do proprietário ou a logomarca da fazenda. O
fazendeiro pode até não ser um patrão muito presente na labuta daquela
propriedade mas, no dia de ferrar o gado ele vem, geralmente cercado de alguns
amigos para operarem aquele ato vitorioso regado a bebidas e etc. é o fim de um
processo é o registro dos resultados dos acordos com os vaqueiro conforme o tipo
de regime administrativo da fazenda.
Segundo, o verbo ferrar exprime a ação de fixar ferraduras (chapas de ferro) nas
patas dos animais usados para montaria com a intenção de torná-los mais
equilibrados ao transitarem por terrenos escorregadios. Trata-se de uma atividade
penosa para os animais, pois tais ferraduras são fixadas com cravos de metal que
transfixam as patas dos animais, por vezes causando graves prejuízos à saúde dos
mesmos. Assim, simbolicamente, ferrar poderia significar impor aos alunos de forma
autoritária, algum recurso que o professor julga necessário ao equilíbrio dos
mesmos, mas não se importando com o risco de deixá-los mascados definitivamente
pela implantação e pelo uso desse instrumento.
Terceiro; outra possibilidade, é que o termo ―ferrar‖ tenha sido tomado do uso do
ferrão, instrumento também utilizado na lida com o gado, que se constitui de uma
vara com ponta de ferro onde são presas algumas argolas que produzem um ruído
característico ao ser balançado pelo vaqueiro. Depois de ser atingido por este
instrumento algumas vezes, os animais obedecem ao simples ruídos das argolas,
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fenômeno facilmente compreendido à luz da psicologia behaviorista. Neste caso,
ferrar significaria estabelecer um mecanismo de controle sobre o rebanho (a turma).
Por último; ferrar viria de ―ferrão‖ inspirado nos recursos de defesa de algumas
espécies de insetos e de peixes que possuem dardos ou espinhos ditos venenosos
como as abelhas, os escorpiões, etc. Tomado daqui, o termo ferrar através de ato
avaliativo, simbolizaria mesmo a intenção de provocar dor, de repelir os alunos.
Educadores e educandos estariam em lados opostos de uma luta pela
sobrevivência. Os alunos se não fossem avaliados(ferrados), se constituiriam numa
ameaça ao professor, ferrá-los seria um forma de mantê-los distantes, de expulsá-
los, excluí-los.
Talvez não seja possível determinar qual a real origem do termo, pois ―ferrar‖ sendo
derivado de ferro, pode vir de outras vertentes. Mas é muito difícil imaginar como
esse termo, poderia ser aplicado nas circunstâncias de uma sala de aula, sem soar
como um calão repudiável, cheio de significações traumatizantes, estigmatizantes,
ameaçadoras e apavorantes.
A inquietação de que resulta este trabalho, brota da percepção de que é urgente a
necessidade de uma reflexão mais profunda pois a concepção de avaliação que hoje
predomina, valoriza o ato avaliativo acima do processo e a nota acima da
aprendizagem. Educadores e educandos, consciente ou inconscientemente,
exercem ou são vítimas de seu caráter traumatizador. Entretanto, o nível de
envolvimento emocional de ambos no processo educativo, em especial no momento
avaliativo; a intensidade em que ocorrem as relações no ambiente e no fazer
educacional, possivelmente, lhes dificulte encontrar um ângulo de visão que permita
perceber o momento em que os traumas se implantam e se estabelecem.
Um grande senão o maior desafio na prática avaliativa é como exercê-la sem
estigmatizar os indivíduos atribuindo-lhes conceitos não revelados, mas
19
convencionados e muitas vezes tão assumidos e admitidos pelos próprios alunos
que acabam formando grupos comuns. Essa realidade pode ser facilmente
verificada nos momentos de formação de equipes para o trabalho em sala de aula.
Há sempre a necessidade de interferência do professor empregando algum critério
que equilibre essa composição, pois os próprios alunos se avaliam mutuamente e
elegem os mais e os menos ―capazes‖ preferindo-os e evitando-os respectivamente.
E isso acontece em todos os níveis de ensino.
A necessidade de se afirmarem ou de serem reconhecidos como ―capazes‖ gera um
clima de competitividade entre os membros da classe, e entre os grupos que se
formam não apenas por afeição relacional, mas principalmente pelas características
que indiquem ―competência‖. Receber uma nota ou conceito baixo pode não ter
grande significação para a maioria das pessoas se esse mesmo conceito for
atribuído a todos da classe. Todavia, quando o indivíduo se destaca, seja por um
conceito superior ou inferior, isso sem dúvida traz conseqüências psico-formativas
tanto para ele como para o grupo. O educador vê-se, muitas vezes provocando a
emulação nos seus alunos e reforçando o espírito de competitividade, certamente
sem se dar conta dos possíveis prejuízos para a saúde psíquica das crianças
quando isso ocorre dentro do processo de avaliação. Jacques Delors (1996, p. 48)
desaconselha essa prática. Pois:
O princípio de emulação, propício em certos casos, ao desenvolvimento intelectual pode […] ser pervertido e traduzir-se numa prática excessivamente seletiva, baseada nos resultados escolares. Então, o insucesso escolar surge como irreversível, e dá origem, frequentemente, à marginalização e exclusão sociais.
Percebe-se na opinião do autor, um sequência de resultados danosos iniciada por
uma ação ingênua – estimular a competição entre os estudantes. É, praticamente,
impossível prever e mensurar todas as conseqüências das práticas adotadas numa
sala de aula. Mas algumas delas têm resultados tão imediatos e diretos que podem
ser seguramente previstos. Cabe ao educador refletir sobre a sua prática.
20
1.3. As reações do aluno ao ato avaliativo
Estudantes de modo geral, parecem reagir de forma negativista diante do ato
avaliativo. Esse negativismo é expressado de diversas formas. Quase todos sentem
certo nervosismo, considerado normal que acreditam, não chega a atrapalhar no
desempenho mas, grande parte, talvez a maioria reconhece que sofre grande
tensão emocional que aqui está sendo chamada de TPA(tensão pré-avaliação). São
muitos os que reconhecem que o preparo adquiridos em dias semanas ou mesmo
meses de estudo, como é o caso daqueles que se preparam para vestibulares e
concursos públicos, é tremendamente comprometido, às vezes, quase anulado por
essa tensão nervosa que se antecipa ao momento avaliativo.
Há pessoas que não conseguem dormir na véspera da prova, muitos sentem fortes
dores de cabeça, outros suam bastante, há os que sofrem da amnésia momentânea
o famoso ―branco total‖. O inegável é que o momento avaliativo dificilmente é
encarado por alguém sem nenhuma reação adversa. O que torna essas reações
fator ainda mais curioso é que mesmo aquelas pessoas que estudam muito, e,
principalmente elas, são atingidas a despeito do preparo.
Assim, é conveniente estudar as causas desta TPA. Já observamos que algumas
concepções de educação levam a práticas avaliativas, controversas se analisadas
numa perspectiva mais crítica, à luz da psicologia. É claro, que essas práticas
devem ter resultados diretos no comportamento do aluno, afinal, é para isso que são
pensadas e exercidas. Resta saber se as próprias práticas e os seus efeitos
psicológicos na personalidade do estudante chega a influenciá-lo de forma a gerar
fixações e traumas a acompanhá-lo por toda a vida estudantil, uma vez que as TPAs
são observadas também em alunos universitários e muitos secundaristas lhes
atribuem o status de dificuldade principal no aceso à universidade.
Como fruto dessas reflexões, justifica-se a inquietação que gera a questão
fundamental dessa pesquisa – busca-se conhecer se a tensão pré-avaliação – TPA
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é resultado de fatores apenas circunstanciais inerentes ao próprio fenômeno
avaliativo, ou também de contingências de caráter individual. Pergunta-se: a que os
estudantes atribuem as causas dessa tensão. Obviamente, aqui o momento
avaliativo passa a ser observado sob um olhar psicanalítico, na tentativa de entender
as mudanças de comportamento dos estudantes diante desse ato. Presume-se que
as respostas a essas indagações possam ser encontradas nas discussões de
estudiosos do comportamento humano, mas, não sem levar em consideração as
falas e impressões que os próprios estudantes possam ter a respeito do que sentem.
Por isso mesmo, esta pesquisa não se limita a investigação bibliográfica, mas
debruça-se sobre a análise do objeto através de um contato direto com os sujeitos.
De modo geral, este trabalho objetiva promover uma reflexão mais específica sobre
o fenômeno avaliativo focalizando as causas e conseqüências das reações
emocionais dos estudantes quando a ele submetido. O que, se desdobra em duas
pretensões mais específicas:
Refletir sobre o ato avaliativo tendo como perspectiva as reações emocionais
dos estudantes.
Discutir as possíveis relações entre a tensão emocional percebida no
comportamento do estudante diante das avaliações e as suas vivências
escolares e familiares.
Essas pretensões se estabelecem na expectativa de que através do conhecimento,
da compreensão e da reflexão, vislumbram-se as possibilidades de mudança e
concebem-se os ideais renovadores capazes de gerar novas concepções e novas
práticas.
22
CAPÍTULO II
FUNDAMENTANDO O PENSAMENTO
A intenção, neste capítulo não é de uma exausta conceituação de termos e nem de
estabelecer um posicionamento ao lado de uma concepção de avaliação, embora
alguns sejam mencionados, mesmo porque, cada termo (prova, exame, verificação,
teste, avaliação, etc.) pode representar uma diferença de concepção quando
analisado teoricamente. ―Uma avaliação espelha um juízo de valor, uma dada
concepção de mundo e de educação, e por isso vem impregnada de um olhar
absolutamente intencional que revela quem é o educador quando interpreta os
eventos da cena pedagógica‖. (SORDI 2001 p.173). Contudo, não é fácil perceber
essas diferenças, se é que elas existem, de fato, na prática avaliativa. Para os
alunos, a diferença entre um teste e uma prova, na grande maioria das vezes, se
restringe ao peso da nota em relação à média da unidade. Nem na educação
superior de ensino, se vê a discussão – prova X avaliação, não entre os alunos e,
raramente, entre professores.
2.1. Incoerências do processo avaliativo
Autores como Luckesi (1996), Hoffmann (2001), Hadji (2001), Vasconcelos (1994,
2000), entre outros, realizam estudos sobre a avaliação numa perspectiva crítica,
para eles as práticas avaliativas necessitam passar por mudanças substanciais
quanto às concepções métodos, instrumentos, ocasião, etc. de modo a deixar de ser
apenas uma suposta mensuração da aprendizagem capaz de resumi-la a notas ou
conceitos quantitativos. ―A avaliação escolar está imbuída de noções como
―competência‖, ―capacidade‖, ou seja, critérios exigidos para que um indivíduo possa
dar conta de um rol de informações e destrezas próprias da situação ensino-
aprendizagem.‖ (ASSIS, 1993, p.10).
É inquietante a constatação de que os processos de avaliação na educação
brasileira ocorrem, geralmente, de forma fragmentada, dissociado do processo de
23
ensino aprendizagem. ―Os educadores percebem a ação de educar e a ação de
avaliar como dois momentos distintos e não relacionados‖ (HOFFMANN 2001, p. 15)
Possivelmente, essa ocorrência tenha se tornado uma realidade tão geral porque no
fenômeno educativo, como em muitos outros aspectos da vida, a prática precede a
teoria, muitas são as atividades que desenvolvemos cujo ―modus operandis‖ tem
como única justificativa a práxis, que, por sua vez, é indulgenciada no propiciatório
do ―sempre se fez assim‖. Em muitos trabalhos publicados, questiona-se a qualidade
da formação do educador, quanto ao domínio dos processos didáticos considerando
esses processos como meios de transmissão dos conteúdos predeterminados.
Questiona-se a eficácia de modelos epistemológicos frente aos índices de
reprovação. Muitas vezes chega-se a questionar os resultados das avaliações. Mas,
pouco se questiona o ato, e o momento avaliativo as contingências que o envolvem,
sobretudo, do ponto de vista psico-relacional e de sua importância no conjunto das
ações educativas e principalmente sua intrínseca relação com todo o processo
educativo.
Hoffmann(2001) salienta:
A dicotomia educação e avaliação é uma grande falácia. São necessárias a
tomada de consciência e a reflexão a respeito desta compreensão
equivocada de avaliação como julgamento de resultados, porque ela veio se
transformando numa perigosa prática educativa.( p. 16 )
É necessário aprofundar a discussão da questão, sobretudo, buscando compreender
a avaliação dentro do processo e não como um processo à parte. A dimensão dessa
abordagem não é, ou não deve ser, meramente abstrata e conceitual, precisa
ganhar abrangência de concretude pois o fenômeno a que se refere é genuinamente
pragmático palpável. Qualquer que seja a concepção educacional ou a postura
didática. Mesmo o mau professor, descomprometido com seu papel, desprovido de
quaisquer interesses educacionais, ainda que não eduque no mais nobre sentido do
termo, que seja desleal quanto ao cumprimento da carga horária, mesmo que não
ofereça acesso aos conteúdos mínimos da disciplina, dará sempre um jeito de
―avaliar‖, de ―arranjar‖ notas ou conceitos para selecionar os seus alunos. Nada é
mais prático no contexto educacional em geral que a avaliação. Raramente se busca
24
o resultado da educação no comportamento, na fala, nas decisões e escolhas, nas
mudanças de gestos e atitudes dos educandos, e quando se percebe isso, não se
lhe dá nenhum valor em comparação com as notas.
Concebida como o ato de mensurar as competências adquiridas ou desenvolvidas
pelo processo educativo, a avaliação torna-se a preocupação principal de todos os
envolvidos no ensino/aprendizagem. Atrai para si a atenção dos pais de alunos e da
sociedade que a consideram legítima e suficientemente capaz de mensurar e
referendar os resultados do processo.
Independente da concepção de avaliação, não importando o nível de consciência do
educador, qualquer que seja a linha epistemológica da instituição, sob todas as
propostas pedagógicas, quer sejam modernas ou conservadoras, a avaliação, o
modo de avaliar, o momento avaliativo, o tipo de expectativa que ela causa, o nível
que ela atinge na escala de valores dos entes envolvidos, tudo isso influencia
substancialmente no ensino/aprendizagem.
É possível constatar, em pleno Século XXI, a prática, de uma educação conteudista,
autoritária, docêntrica como a instituída e praticada pelos jesuítas durante
aproximadamente quatrocentos anos, sob a qual foi educada grande, senão a maior
parte dos educadores da geração atual. É, portanto, razoável a dificuldade
encontrada pela maioria de vivenciar uma nova proposta pedagógica, porque é difícil
desvincular a história que ele faz, da história de que é produto. Mesmo que tenha
recebido uma formação pedagógica fundada nos princípios reacionários, críticos e
libertadores, da busca da autonomia, e do exercício da cidadania. Prevalece, na
prática, a prática. A prática sofrida em tempos autoritários da sua formação básica,
quando a crítica era reprimida e a discordância recalcada, é agora impensada e até
inconscientemente, reproduzida por muitos que não conseguem se desvencilhar das
marcas empiricamente adquiridas enquanto se encontravam do outro lado no
processo educativo, aos quais não era concedido o direito de opinar e de ser sujeito
ativo de seu próprio aprendizado.
25
Para Luckesi (2003, 18) a maneira como a avaliação é compreendida por todos os
envolvidos no processo de ensino/aprendizagem, coloca-a como o centro do
processo,
Pois, sistema de ensino, profissionais de educação, professores e alunos, todos tem em suas atenções centradas na promoção,,ou não, do estudante de uma série de escolaridade para outra. O siatema de ensino está interessado nos percentuais de aprovação/reprovação do total dos educandos: os pais estão desejosos de que seus filhos avancem nas séries de escolaridade; os professores se utilizam permanentemente dos procedimentos de avaliação como elementos motivadores dos estudantes, por meio de ameaça; os estudantes estão sempre na expectativa de virem a ser aprovados ou reprovados e, para isso, servem-se dos mais variados expedientes. (LUCKESI, 2005, P. 29)
O autor expõe dizendo que essa mentalidade caracteriza esse modelo pedagógico
como a ―pedagogia do exame‖, que visa quase que exclusivamente o vestibular.
Qual será a pedagogia que está por detrás da atividade escolar que se centra na preparação dos estudantes quase que exclusivamente para o vestibular, que é um exame? Óbvio que é uma pedagogia que não investe no educando como um ser histórico, inacabado, como dizia Paulo Freire, mas somente como um ser que deve apresentar produtos, segundo os parâmetros esperados por aquela escola. Para o educador atuar centrado na avaliação, necessita conceber o educando como um ser em movimento, em formação e agir coerentemente a partir dessa concepção. Então, não vamos preparar nossos educandos para o vestibular? Claro que sim; contudo o vestibular permanece como ―uma‖ das atenções da prática educativa escolar, não a única. Para treinar para o vestibular, podemos fazer simulados na escola e não exames que ameaçam e geram excessivas ansiedades em nossas crianças e nossos adolescentes. Deixemos os exames para as situações de exames (concursos); na sala de aulas, sirvamo-nos da avaliação; Luckesi (2005, 29)
O argumento de que a avaliação escolar deve incorporar aspectos metodológicos do
vestibular para preparar os alunos é, no mínimo controverso, porque o que ocorre é,
que no vestibular, os estudantes apenas reproduzem um comportamento com o qual
se acostumaram no decorrer da vida escolar. Vão enfrentar o vestibular com a
concepção de avaliação que construíram na escola. O estudante precisaria aprender
separar avaliação de exame. Na escola ele deve ser avaliado e, em momento
propicio, preparado, treinado para o vestibular para isso, o autor acima citado sugere
que a escola faça simulados.
26
Entendendo que a concepção de avaliação é, por extensão, conseqüente da
concepção de educação, e que os métodos e instrumentos avaliativos são
representações concretas de como a comunidade escolar concebe a avaliação
voltamos o olhar para as reações expressadas pelos estudantes frente ao ato
avaliativo, aqui restringindo ao ato que se utiliza de provas como instrumento,
embora haja muito o que se observar na aplicação de outros instrumentos.
Sendo a ―prova‖ o mais tradicional meio de avaliar muitas vezes ela é confundida
com avaliação. Freqüentemente, o processo avaliativo em um determinado período
letivo se utiliza de vários instrumentos, mas, somente a prova é chamada e
reconhecida como avaliação, tanto pelos alunos como pelos educadores. Aliás, elas
muitas vezes trazem o termo como título, ―AVALIAÇÃO DA...‖ exposto em
maiúsculas, fixando no inconsciente de todos os envolvidos que ―avaliação é isto‖.
De modo que ao ouvir o termo ―avaliação‖ todos de imediato interpretam ―prova‖.
2.2. Influências de reminiscências
A reação do aluno frente ao ato avaliativo expressa sua compreensão adquirida ao
longo do seu desenvolvimento pessoal sob influências de diversos fatores. Sua
reação ao ato avaliativo é determinada, portanto, entre outras coisas, pela forma
como ele percebe a compreensão dos professores e das escolas sobre esse ato; a
cultura geral, da sociedade sobre a avaliação; as suas condições emocionais no
momento; etc.. Contudo, o mais importante é a sua bagagem psíquica acumulada
até então na ―história que cada um fez e história de que cada um é produto‖ (
NORA, 1987 p. 11). Inúmeros fatos experienciados, presenciados, ou que, por
alguma razão ele simplesmente acredita, estão guardados em sua memória
consciente ou inconsciente a influenciá-lo em cada momento da vida presente.
Cada pessoa tem uma imagem da realidade influenciada pela ciência e a ideologia de seu tempo, mas também tem uma imagem do que ela é, que se foi formando através das experiências vividas, que constituem um marco de referencia do eu. Tudo o que fazemos, pensamos, fantasiamos, falamos, sonhamos, está influenciado pela imagem que temos de nós mesmos. Só que essa imagem não surge do nada, é construída a partir dos modelos que
27
nos oferece a sociedade e esta determina como devemos ser, comportarmos, quais são nossas possibilidades e nossos limites, e o que se espera de cada um de nós (CANDAU1997, p. 259).
Sobre a maneira de o estudante ver o ato avaliativo, pesam as reminiscências da
forma como foi educado na família, os métodos e critérios adotados na avaliação e
disciplina familiar; as formas de avaliação a que foi submetido no início da vida
escolar; a própria maneira como a família encarava a avaliação escolar ainda que
essas reminiscências se tenham tornado inconscientes pelo tempo ou pela
sublimação. Isso tudo faz do momento avaliativo, uma experiência própria e peculiar
para cada indivíduo, o que, de certa forma, o torna bastante incoerente numa prática
educativa homogenizada e homgenizadora como ocorre comumente, hoje em dia.
Os métodos e práticas educacionais, vão se tornando cada vez mais padronizados.
Na busca por um trabalho mais funcional, tenta-se alcançar o maior nivelamento
possível. Nos processos de seriação ou ciclonização, busca-se cada vez mais
classificar os alunos, e o ensino tende a torná-los cada vez mais iguais, em
detrimento do respeito à bagagem cultural e emocional de cada indivíduo.
A abordagem voltada para os aspectos psicológicos, não pretende desfavorecer o
foco nos processos pedagógicos, nos aspectos sociológicos e éticos, nem absolver
qualquer dos envolvidos de todas as censuras que as mais diversas abordagens têm
levantado. Mas, ampliar o universo dessa discussão, adicionando um novo olhar,
também importante, no bojo das reflexões sobre a questão. Se o educador passa a
observar as mudanças de comportamento frente ao ato avaliativo, e as reações
negativas que os estudantes sofrem diante desse momento como resultantes de
reminiscências de uma vivência mais remota, esse educador toma consciência da
abrangência e durabilidade dos efeitos de suas práticas sobre as individualidades de
seus alunos. Compreende que aquilo que os seus alunos assimilam de suas
práticas, e pela convivência consigo poderá acompanhá-los durante toda a sua vida.
E que, como educadores, proporcionam aos alunos, experiências que ficam
guardadas no recôndito de cada individualidade, assimilações inconscientes
capazes de alterar os comportamentos diante das novas experiências que a vida
lhes oferecer.
28
A capacidade de influenciar os alunos é imensurável, assim como é imensurável a
capacidade de ser influenciados por eles. É claro que o professor leva vantagem
nessa disputa, pelo fator hierárquico que lhe favorece tanto pela idade como pela
posição. A verdade é que não é possível determinar o momento e a quantidade da
influência, ela ocorre no âmbito das relações, não necessita de intencionalidade,
todos os seres humanos são influenciados pelas relações com as quais se
envolveram ou foram envolvidos. Ocorre que na escola as relações são em grande
quantidade e intensidade pela própria natureza e objetividade das relações
pedagógicas, elas são sem dúvida, as maiores mais intensas de todas as
constituídas na vida depois da família, às vezes, nessa sociedade contemporânea,
as relações escolares superam ao menos quantitativamente as relações familiares.
O que está em questão são os efeitos dessa influencia, pois, assim como da relação
com os pais, os estudantes podem adquirir traumas psíquicos na relação como os
professores e a escola, visto que essa relação acontece numa fase do
desenvolvimento psíquico onde se estabelecem as principais marcas da
personalidade. Por esta razão, este trabalho recorre às reminiscências da infância
dos estudantes para ―garimpar‖ possíveis fatos vivenciados ou presenciados na
família e na escola aos quais se possa atribuir a ansiedade com que hoje reagem
aos momentos avaliativos.
Sendo que as crianças se iniciam na escolaridade na faixa etária dos cinco aos sete
anos, fase denominada na psicanálise como edipiana, ou seja, fase em que a
criança vivencia a turbulência do Complexo de Édipo. Muitas inferências podem se
feitas sobre a própria fase em que essas relações ocorrem.
2.3. A relação transferencial na prática educativa
Embora não aprofundando aqui a discussão numa perspectiva terapêutica optando
por um olhar voltado para o fenômeno didático/pedagógico, é indispensável
mencionar o enfoque dado ao tema na teoria psicanalítica e nas citações de seus
principais doutrinadores que, embora não tratem diretamente sobre a avaliação
29
educacional, apresentam princípios e fundamentos perfeitamente aplicáveis à essa
circunstância do fazer educativo em geral.
Encontra-se na teoria psicanalítica, diversas abordagens à educação, à escola e aos
educadores, o que muito auxiliam no garimpo das respostas à questão em pauta.
Reconhecendo a complexidade da questão e, ao mesmo tempo, buscando evitar o
simplismo e a desconsideração de fatores relevantes da psicologia analítica e da
psicanálise que, sem dúvida, se forem conhecidos e considerados pelos educadores
se constituirão em importantes instrumentos para aplicação na educação apesar da
sua complexidade. Como lembra Jung(1972):
...no que tange à psicologia analítica, cumpre dizer que se trata tanto de um
método como de um modo de conceber. Não se pode pressupor nem que
ela seja conhecida de todos, nem que possa ser aplicada com facilidade
aos problemas da educação.(p. 43)
Embora reconheça a dificuldade de aplicação dos conhecimentos da psicologia
analítica à educação, Jung (1972), orienta o uso desse conhecimento para gerar
uma compreensão maior por parte do educador no trato com os alunos
O conhecimento psíquico mais aprofundado, por parte do professor, não
deveria jamais ser descarregado diretamente sobre o aluno, como
lamentavelmente talvez aconteça. Tal conhecimento deve em primeiro lugar
ajudar o professor a conseguir uma atitude mais compreensiva em relação
à vida psíquica da criança. Esse conhecimento está destinado às pessoas
adultas e não às crianças, que por enquanto necessitam apenas de coisas
elementares. (p.55)
Uma das bases fundamentais nos conceitos psicanalíticos é a transferência,
fenômeno que ocorre positiva ou negativamente quando o indivíduo estabelece
novas relações para as quais são transferidas considerações, afetos e desafetos,
empatias e antipatias de relacionamentos anteriores. Na compreensão do próprio
30
Freud (1996), A relação com os pais é substituída no início da fase escolar pela
relação pelos professores, segundo ele,
É nessa fase do desenvolvimento de um jovem que ele entra em contato
com os professores, de maneira que agora podemos entender a nossa
relação com eles. Estes homens, nem todos pais na realidade, tornaram-se
nossos pais substitutos. Foi por isso que, embora ainda bastante jovens,
impressionaram-nos como tão maduros e tão inatingivelmente adultos.
Transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas ao pai
onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como
tratávamos nossos pais em casa. Confrontamo-los com a ambivalência que
tínhamos adquirido em nossas próprias famílias,(p. 249)
Jung(1980), também pensa assim:
O jovem que consegue livrar-se do passado vai transferindo as imagens dos pais a figuras que os substituam mais adequadamente: o sentimento de apego à mãe passa para a mulher, e a autoridade do pai, a professores e superiores que merecem seu respeito, ou então a instituições. Não é uma solução fundamental, mas um caminho prático, que também é percorrido pela pessoa normal, inconscientemente e, por isso mesmo, sem inibições ou resistências consideráveis. (JUNG, 1980 pg. 55)
Aos educadores cabe, obviamente, dedicar muito maior atenção aos aspectos
cognitivos que aos afetivos porque aqueles subentendidamente são mais
importantes nos processos educativos. Todavia, é importante refletir sobre as
influências da afetividade no comportamento e mesmo na aprendizagem. Outrossim,
o quanto a fase escolar, sobretudo o seu início, influencia na construção da
personalidade de cada indivíduo. Freud(1996) fala do relacionamento com os
professores como algo tão importante em sua formação tal como ou mais as que
aulas que eles ministravam.
Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola adverte-me de que antes de tudo, devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo, que esta segunda preocupação constituía uma corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam apenas através de nossos professores. Alguns detiveram-se a meio caminho dessa estrada e para uns poucos - porque
31
não admitir outros tantos? - ela foi por causa disso definitivamente bloqueada. (p. 248)
A personalidade do aluno não é formada apenas de acordo com os conteúdos e
estratégias propositadamente planejados e ministrados pelos educadores. Ela é
―formada ou deformada‖ na convivência, no dia a dia, na construção dos
relacionamentos, enquanto o aluno contempla e absorve desintencionada e
inconscientemente, admirando ou criticando seus mestres. Freud(1996) descreve
suas próprias impressões dos relacionamentos com os mestres nos tempos
acadêmicos como profundamente intensas e marcantes para a formação de sua
personalidade e de seus colegas.
Nós os cortejávamos ou lhes virávamos as costas; imaginávamos neles simpatias e antipatias que provavelmente não existiam; estudávamos seus caráteres e sobre estes formávamos ou deformávamos os nossos. Eles provocavam nossa mais enérgica oposição e forçavam-nos a uma submissão completa; bisbilhotávamos suas pequenas fraquezas e orgulhávamos-nos de sua excelência, seu conhecimento e sua justiça. (FREUD, 1996, p. 248)
No educar, as relações não ocorrem num campo e dimensão meramente
profissionais. Elas ganham caráter de pessoalidade onde as individualidades se
revelam e intercambiam ações e re-ações, respeitadas as regras do ―contrato
simbólico‖, cada um na sua posição, não podem eximir-se de envolverem-se, é
natural, espontâneo e inevitável. Isso é sério. Porque as relações marcam, positiva
ou negativamente. Seria melhor que todos se apercebessem dessa realidade e
tomassem consciência de sua importância na vida daqueles com quem desenvolve
relacionamentos. Sobre isso Freud(1996) acrescenta:
No fundo, sentíamos grande afeição por eles, se nos davam algum fundamento para ela, embora não possa dizer quantos se davam conta disso. Mas não se pode negar que nossa posição em relação a eles era notável, uma posição que bem pode ter tido suas inconveniências para os interessados. Estávamos, desde o princípio, igualmente inclinados a amá-los e a odiá-los, a criticá-los e a respeitá-los. (p. 248)
32
Se por um lado a intensidade dessas relações proporcionam uma ambiência mais
propícia ao aprendizado, dado o clima de cumplicidade, e comprometimento que se
estabelece. Por outro, também se estabelece uma atmosfera de confrontos
consequentes do teor transferencial em que a figura do professor é vista pelo aluno,
num plano inconsciente, como a figura do pai, nele projetada e, nem sempre,
agradável e muitas vezes responsável pelos seus traumas, como discorre o
psiquiatra Içami Tiba:
Quando o professor pede à classe: ―Silêncio, por favor‖, o aluno neurótico pode reagir: ―Você não é meu pai para mandar em mim‖. Uma das explicações para essa resposta é que o aluno não viu o professor à sua frente, mas o pai projetado nele; assim sendo, respondeu ao pai. A figura projetada é a que ele traz dentro de si, um pai autoritário que lhe causou muitos traumas. Esse aluno tem problemas com o pai, não com o professor em si, e, enquanto não os resolver, continuará utilizando o mecanismo neurótico de projetar a figura internalizada do pai em qualquer pessoa que o faça lembrar-se dele. (TIBA, 1996, p.120)
Esse fator é, por demais, importante, porque cria na sala de aula uma ambiência
onde se reproduzem possibilidades do ambiente familiar, ou seja, o ambiente onde
ocorrem os traumas, principalmente, se tratando de crianças em fase edipiana.
Note-se que na compreensão freudiana, os traumas da infância estão muito
relacionados à figura do pai que é transferida para o professor no ambiente escolar.
Portanto, sendo que “o mesmo papel é desempenhado pelo pai tanto no complexo
de Édipo quanto no complexo de castração, ou seja, o papel de um inimigo temível
dos interesses sexuais da infância‖ (FREUD 1996, p. 135), então, o professor pode
estar assumindo o lugar de depositário protagonista de muitas das situações
traumáticas vivenciadas pela criança. É claro que tudo que com variações de acordo
com grau das suas neuroses. O que é preciso deixar claro é que tanto com relação à
fase, como às condições relacionais, a escola é para as crianças um lugar propenso
à geração ou ao agravamento de traumas.
Cordié (1996, p. 23), afirma que para que uma criança aprenda é necessário que
tenha o desejo de aprender, e que nada e ninguém pode obrigar alguém a desejar.
O desejo é parte importante na compreensão da teoria edipiana e, se manifesta na
relação tranferencial e ―a idéia de transferência mostra que aquele professor em
33
especial foi investido pelo desejo daquele aluno‖ (KUPFER, 1992, 92) substituindo o
pai, neste caso, trata-se de uma transferência positiva. Isto, sem dúvida facilita a
aprendizagem. Entretanto, Morgado (1995), adverte que o professor deve
compreender esse fenômeno do inconsciente, com certo cuidado. Para a autora,
O professor trabalhará para que o aluno cresça intelectualmente e não para que se transforme num filho ideal. Para isso. O professor deve identificar os sentimentos transferenciais que o aluno lhe dirige, sem no entanto corresponder a eles... (113)
Isto posto e admitido, convém conhecer quais as situações em que essa
transferência se torna mais evidenciada no ambiente escolar, onde traumas possam
se estabelecer. E não há dúvida de que o momento avaliativo é um dos, senão o
principal, em que no cotidiano escolar o professor assume uma postura mais
equivalente à do pai. E, é necessário muito cuidado para que esse momento não
ocorra numa atitude autoritária, impositora, repressora, repreensiva, vingativa,
julgadora, crítica, porque essas atitudes o fazem se identificar mais facilmente com o
lado mais negativo relação pai/filho. Podem ser inevitáveis a relação transferencial e
as projeções. Porem, resta ao professor, conscientizar-se disso e buscar torná-las
positivas na formação da criança. Caso contrário a criança irá relacioná-lo à imagem
do pai violento, agressivo de quem ela tem fugido inconscientemente.
2.4. A educação e a psicanálise – convergência de objetivos
A educação e a psicanálise, conquanto sejam ramos distintos enquanto áreas do
conhecimento, possuem uma objetivação comum – auxiliar o indivíduo na
construção de sua autonomia. Isto é posto e admitido, quando se postula e se
admite a educação, não como um mero meio de concretização de interesses
estatais ou mesmo sociais. Mas, numa perspectiva freireana, sabendo que ―ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria
produção ou a sua construção‖ (FREIRE, 1996, p. 47). Sendo assim, a educação
visa gerar competência nos indivíduos para que ―andem com as próprias pernas‖,
tornem-se senhores de si mesmos, alcançando independência existencial, cívica,
intelectual e moral. A educação cumpre o seu papel quando promove essa
34
libertação do indivíduo ensinando-o a olhar o mundo e outro de maneira
independente, não alienada, nem subjugada. Isso não prescinde nem anula os
princípios do respeito e valorização do outro. A liberdade é limitada, obviamente,
pela consideração do outro como um ser igualmente livre e do interesse coletivo
como superior e prioritário ao particular. Diante dos quais todo ser humano se torna
interdependente. Sobre isso, afirma Perdigão(1995):
O Outro me faz um Ser indefeso perante uma consciência que me julga. A transcendência alheia supera minha transcendência. Diante do Outro sou uma ‗transcendência-transcendida‘. De certo modo, somos escravos do Outro que é nosso juiz e nosso senhor. Não temos para onde fugir. Para onde quer que vá, o que quer que faça, o Outro estará presente, mesmo em meu quarto fechado, porque o Outro está encravado no meu próprio miolo (sou um ‗Ser-Para-Outro‘). (p. 145).
Não obstante o grande teor de subjetividade dessa discussão, não é difícil
compreender que a liberdade não isola o ser humano da convivência social que só é
harmônica quando se desenvolve princípios de interdependência.
De outra forma, a psicanálise também busca levar o indivíduo a conquistar a própria
autonomia e liberdade. Pois, cria possibilidades de autoconhecimento, de auto-
compreensão e de auto-indulgenciamento.
Neste sentido, Winnicott(1971) descreve esse estado e autonomia dizendo que:
O essencial é que o homem ou a mulher se sintam vivendo sua própria vida, responsabilizando-se por suas ações ou inações, sentindo-se capazes de atribuírem a si o mérito de um sucesso ou a responsabilidade de um fracasso. Pode-se dizer, em suma, que o indivíduo saiu da dependência para entrar na independência ou autonomia (p. 30).
Se a educação liberta porque possibilita uma visão crítica do mundo. A psicanálise
complementa essa liberdade proporcionando ao indivíduo, uma visão profunda de si.
Portanto, ambas convergem para que o indivíduo atinja o princípio sartreano de
35
liberdade, porque buscam habilitar o ser humano a decidir o que fazer com o que
fizeram dele. ―sou, desse modo, responsável por mim mesmo e por todos e crio
determinada imagem do homem por mim mesmo escolhido; por outras palavras:
escolhendo-me, escolho o homem‖ (SARTRE,1987 apud BORGES, 2008 p.111).
36
CAPÍTULO III
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1. A natureza da pesquisa
Tratando-se de um tema que diz respeito a todos os seres humano que freqüentam
ou freqüentaram escola, é preciso, antes de tudo, salientar que este trabalho
expressa muitas impressões da própria experiência do pesquisador, que desenvolve
simultaneamente a formação pedagógica e psicanalítica, e que é inquietado pelas
narrativas que ouve de estudantes, muitos até mesmo do nível superior de ensino,
sobre suas reações ao ato avaliativo. Não deixa de relacionar tais situações com as
vivenciadas por si mesmo, às quais, em auto análise, atribui as causas de suas
próprias reações que somente foram controladas depois que as trabalhou num plano
consciente.
Sendo assim, as impressões colhidas pelo autor durante toda a sua vida acadêmica
e as experiências com o ensino de crianças e adultos, ainda que como professor
leigo, servem à sua inquietação, uma vez refletidas à luz dos conhecimentos
recentemente auferidos na formação pedagógica e psicanalítica, o que prolonga
significativa e positivamente o seu contato com a ambiência e a questão pesquisada
transcendendo as observações colhidas no lócus desse trabalho. Para Bogdan e
Biklen (1982, p. 110), ―a pesquisa qualitativa supõe o contato prolongado com o
ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra, através do trabalho
intensivo de campo‖, neste caso, as próprias memórias do pesquisador conquanto
não sejam apresentadas diretamente, se constituem um referencial no campo da
pesquisa, não sendo, portanto, possível ao pesquisador nem proveitoso á pesquisa,
ignorar ou desconsiderar as bagagens de suas vivências próprias no conteúdo
dessas discussões.
37
3.2. Lócus da pesquisa
A pesquisa foi realizada na Escola de Formação Técnica de Saúde Dra. Valquíria
Saturnino, localizada na Rua Santos Dumont, centro, na cidade de Senhor do
Bonfim/Ba. A escola faz parte da rede privada de ensino de nível médio, e trabalha
especificamente com formação de profissionais na área técnica de saúde. Possui
aproximadamente, cem alunos e oito professores todos graduados, na área de
saúde, trabalhando no turno noturno. O nome Dra. Valquíria Saturnino, homenageia
uma médica da família dos proprietários da escola.
3.3 Sujeitos
A pesquisa toma como sujeitos, voluntários, alunos secundaristas da turma E, do
Curso Técnico de Enfermagem da Escola de Formação Técnica de Saúde Dra.
Valquíria Saturnino. A turma possui 35 alunos, dos quais, 10 se voluntariaram a
colaborar com a pesquisa. Obviamente, sujeitos do nível médio de ensino, já
possuem uma trajetória estudantil mais longa, com mais vivências a compartilhar,
alem de terem maior facilidade de expressar-se nas narrativas de suas próprias
histórias infanto-juvenis e experiências da vida familiar e acadêmica.
A escolha dos sujeitos deveu-se, principalmente ao fato de tratar-se de estudantes
em plena formação profissional, que obviamente, não estudam para satisfazerem a
interesses de terceiros. Dessa forma buscava-se amenizar o efeito que o possível
desinteresse pela aprendizagem que talvez atinja os alunos do ensino regular, possa
ter sobre as próprias reações emocionais diante do ato avaliativo, e,
conseqüentemente, sobre os resultados da pesquisa.
38
3.4. Instrumentos de coleta
3.4.1. Questionário fechado
O questionário utilizado em forma de formulário de formato fechado (marcar com
―x‖), possível de ser respondido em apenas três a cinco minutos, pois, ―um
questionário deve ser simples, direto e rápido de responder, devendo assegurar aos
utilizadores que os dados recolhidos serão preservados e não serão cedidos a
terceiros‖ (GRESSLER 1989). Embora, simples o questionário é muito importante
para traçar o perfil dos candidatos e a sua relação com o problema em questão.
3.4.2. Entrevista semi-estruturada
A entrevista aberta semi-estruturada possibilitará respostas que permitam avançar
nas investigações. este instrumento permite maior acesso as informações de
relevância para a pesquisa. Como bem observam Bogdan e Biklen (1994, p. 134),
―...a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio
sujeito, permitindo ao investigador desenvolver uma idéia sobre a maneira como os
sujeitos interpretam aspectos do mundo‖. O pesquisador utilizou de um gravador de
voz, que possibilitou a captura de 100% das falas dos entrevistados permitindo uma
análise mais completa dos resultados.
3.5. Análise dos dados
A análise de dados, neste trabalho se dá pela observação cuidadosa das
informações colhidas através dos instrumentos de coleta que são selecionadas e ou
agrupadas de acordo com os objetivos aqui propostos. Bem como, através do
cruzamentos das informações. Procurando resguardar a privacidade dos sujeitos e a
imparcialidade investigativa. ―O pesquisador procura revelar a multiplicidade de
dimensões presentes numa determinada situação ou problema, focalizando-o como
um todo‖, (LUDKE E ANDRÉ 1986, p.19), estabelecendo um novo olhar e
vislumbrando novas perspectivas dentro da especificidade emergente.
39
1
6
21
abaixo de 20 anos 20 a 25 anos 25 a 30 anos acima de trinta anos
Faixa etária
CAPÍTULO IV
INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
Essa análise encontra-se dividida em duas partes, considerando a utilização de dois
instrumentos de coleta de dados, O instrumento A, um questionário fechado,
aplicado a 10 sujeitos e, o Instrumento B, entrevista semi-estruturada aplicada a seis
deles que se voluntariaram para colaborar. Para preservar a identidade dos sujeitos,
o tratamento aqui se dá a partir da atribuição de pseudônimos – foram atribuídos
nomes fictícios aos entrevistados respeitando apenas o critério de gênero, nenhuma
relação deverá ser feita entre as pessoas entrevistadas e pessoas reais ou
personagens de qualquer ou trabalho.
4. 1. Observações sobre o instrumento A
Inicialmente, convém observar alguns dados gerais, tomando por base os resultados
colhidas através do questionário fechado que servem para traçar o perfil social dos
sujeitos e relacionar alguns fatores importantes na reflexão do tema em estudo.
4.1.1 - O perfil dos sujeitos
4.1.1.1 – Gênero e idade dos sujeitos
Dos dez voluntários que responderam ao questionário, três são do sexo masculino e
possuem entre vinte e vinte e seis anos de idade; os demais, do sexo feminino,
possuem entre 18 e 37 anos de idade conforme figura – 02, abaixo.
Figura – 01 Figura – 02
30%
70%
Gênero masculino
feminino
40
60%
40%
Trabalho
empregados
desempregados80%
20%
Sistema de ensino onde concluíram a educação básica
rede pública
rede privada
4.1.1.2 – Escolaridade dos sujeitos
Trata se de alunos que cursaram formação geral no ensino médio e agora fazem o
Curso Técnico de Enfermagem como alternativa profissionalizante. Apenas um está
fazendo essa formação sem ter concluído o ensino médio antes.
Figura – 03
4.1.1.3 – Condições sociais dos sujeitos
Dos dez sujeitos que responderam ao questionário, apenas dois cursaram o ensino
fundamental e secundário em escola privada. Sessenta por cento deles, estão
inseridos no mercado de trabalho, alguns já na área de saúde. Quarenta por cento
estão desempregados. Todos buscam essa formação pela possibilidade de emprego
que se abre nessa área com a perspectiva de ampliação da rede clínica-hospitalar
nessa região.
Figura – 04 Figura – 05
Dos dados acima, podemos inferir que os sujeitos pesquisados são estudantes que
buscam uma formação profissional e, portanto, estudam por estarem interessados e
70%
20%
10%
Escolaridade dos sujeitos
Completaram o ensino médio-Formação Geral
Completaram o ensino médio -Magistério
Não cursou o ensino médio antes
41
40%
60%
Quando surgiram os sintomas?Percebe os sintomas desde o ensino fundamental
Passou a perceber os sintomas já no ensino médio
acreditarem que através dessa formação poderão melhorar as condições de vida do
ponto de vista social. Essa inferência é pertinente, não só por estarem cursando
uma formação profissionalizante, mas, principalmente porque, na sua grande
maioria, o fazem depois de terem concluído o ensino médio. Dado notável – fazem
numa instituição privada um curso que não trará nenhuma elevação em termos de
nível acadêmico, apenas pela possibilidade de conseguirem uma colocação no
mercado de trabalho. Essa observação é bastante importante no bojo dessas
reflexões, porque esse profundo interesse na aprovação, centrado na necessidade
social, por parte do aluno, é uma contingência adicional a ser considerada no
contexto das reações emocionais dos sujeitos ao ato e momento avaliativo.
4.1.2 – Observação dos sintomas
4.1.2.1 – O tempo das reações
Também é importante observar que apenas quarenta por cento dos sujeitos afirmam
sofrerem dessas tensões desde a infância, isso denota que o problema surge ou se
agrava no decorrer da vida acadêmica, Por outro lado, não deixa de ser grave que
um percentual tão alto (40%) de crianças, tomando esse dado por base, estariam
sofrendo de alguma forma de TPA –(tensão pré-avaliação) já no ensino
fundamental.
Figura – 06
42
4.1.2.2 – A variedade de sintomas
A figura 07, abaixo, revela a variedade de reações negativas sofridas pelos sujeitos,
que não foge daquelas que corriqueiramente ouvimos relatos nos meios escolares.
Observa-se na figura, que apenas um dos sintomas investigados (chega a chorar)
não foi assinalado por nenhum dos sujeitos.
Figura – 07
Incidência de sintomas nas moças Nos rapazes
Você chega a sentir dor de cabeça?
Deu “branco”(esquecer tud) na hora da prova?
Ocorre de sentir cólicas,
Voce sente insônia na noite anterior à prova?
Sente alteração no apetite diante de provas?
Você sua muito durante as avaliações?
Chega a chorar?
Fica de mau humor( Se irrita facilmente)?
Fica agressivo(a)?
Sente palpitações?
Sonha com a prova
Alunos pesquisados (pseudônimos) Márcia Léia Flávia Maria Raquel Silvia Suely Lucas Mateus João
Percebe-se que um mesmo estudante pode ser acometido por várias reações nem
sempre com consciência de que são originadas da situação de estresse que está
vivenciando na iminência da avaliação. A figura a seguir, mostra que há situações
que podem ser consideradas patológicas pois o estresse chega a um estado de
exaustão ―quando o organismo capitula os efeitos do estresse levando à instalação
de doenças físicas ou psíquicas‖(BERNIK 2009). Não sabemos se uma pessoa pode
chegar a esse estado apenas pelo quadro de ansiedade gerado pela TPA – tensão
pré-avaliação, mas sem dúvida os sintomas manifestados nos momentos avaliativos,
em muitos estudantes, são preocupantes. Sobre isto, Capra (1997) citado por
Amenábar (2006),
...relata que o estresse é um desequilíbrio do organismo em resposta a influências ambientais. Temporariamente e em quantidades moderadas, o estresse é um aspecto necessário à vida, porém quando prolongado ou crônico, pode ser altamente prejudicial, contribuindo para o desenvolvimento de doenças e até a morte. O estresse prolongado provoca um desequilíbrio permanente no indivíduo, podendo gerar sinais e sintomas
43
físicos e psicológicos, como tensão nos músculos, ansiedade, dispepsia e insônia, os quais são responsáveis pelo aparecimento de doenças. (p. 29).
A variedade na incidência dos sintomas evidencia a diversidade do comportamento
humano que se torna um fator importante na sala de aula. Pessoas de mesma
classe, do mesmo sexo, e faixa etária vivendo as mesmas circunstâncias, reagem de
forma diferente, porque sua maneira de ver o mundo está subordinada às
experiências anteriores e as diferentes expectativas de vida. Observa-se claramente
no gráfico que apenas um sintoma (o famoso ―branco‖) acomete setenta por cento
dos sujeitos e que nenhum outro ultrapassa os cinqüenta por cento.
4.1.2.2 – Diferença da incidência de sintomas moças e rapazes.
Embora haja um desequilíbrio entre a quantidade de sujeitos do sexo feminino e
masculino no universo da pesquisa, fica evidenciada uma diferença significativa
entre os gêneros quanto á quantidade de sintomas revelados. As moças revelam
possuir muito mais sintomas que os rapazes. A moça mais tensa apresenta nove
sintomas, enquanto que o rapaz mais acometido revela apenas três sintomas, que é
o menor número de reações encontrado nas moças.
Possivelmente, haja nesses dados, um reflexo da cultura machista que ainda
predomina nessa região. Talvez os rapazes sintam dificuldade em admitir certas
reações que seriam interpretadas como fragilidade da personalidade masculina que
numa perspectiva machista deve estar preparado, como se diz num jargão próprio,
―para o que der e vier‖.
A média de sintomas encontrados nas mulheres é de 4,4 sintomas por pessoa,
enquanto que entre os homens é de 2,3 sintomas por pessoa, conforme mostra a
figura a seguir.
44
70%
30%
Quantos já sofreram do famoso "branco total"
Dizem já terem sido vitimas de um "branco total"
dizem não terem sido vitimas de um "branco total"
Figura - 08
O sintoma ou reação mais comum que acomete 70% dos respondentes e, sem
dúvida, é o que mais influencia nos resultados avaliativos é o famoso ―branco total‖,
espécie de amnésia instantânea que faz com que o avaliando esqueça tudo ou
quase tudo o que estudou do assunto da prova. Essa reação que traz um efeito
direto e imediato sobre o desempenho do estudante na avaliação é uma reação do
organismo à TPA se configurando um quadro de estresse.
Figura – 09 ―Branco total‖
Na verdade, estamos lidando com uma síndrome – um ―estado mórbido
caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas, e que pode ser produzido por
mais de uma causa‖ (Ferreira 1989, p. 677). Porém, do ponto de vista biológico,
sabemos que todos esses sintomas são desencadeados à partir da exposição do
indivíduo a uma situação de estresse.
2,3
4,4
Quantidade média de sintomas por pessoa
média de sintomas por pessoa entre os rapazes
média de sintomas por pessoa entre as moças
45
O estresse não chega a ser uma doença é uma forma de adaptação e proteção do
corpo contra agentes externos e internos. Especialistas afirmam que sob certa
medida o estresse é salutar e necessário para produzir estimulo à produção e à
criação, sem ele a vida se tornaria monótona. Na verdade, o aumento do estresse é
um mal da civilização que atinge grande parte da população mundial.
4.2. Observações sobre o instrumento B
As entrevistas foram elaboradas com o objetivo de colher informações que ajudem
descobrir se há traços nas falas dos estudantes que possam indicar a existência de
alguma relação entre as suas reações ao ato avaliativo e as suas histórias de vida
familiar e acadêmica. Buscando ―as conexões entre a história que cada um vive ou
viveu e a história da qual cada um também é produto‖ (MAUÉS, 2003 p.5).
4.2.1 – Relatos que ligam os fatos
A partir da análise das entrevistas, realizadas com seis dos dez estudantes que
responderam ao questionário, algumas inferências podem ser feitas bastante
elucidativas nessa discussão. constata-se fatos como: violência doméstica e
também no ambiente escolar, abuso de autoridade por parte de professores
mudança de cidade com grandes alterações no padrão de vida, e outras cujos
relatos, quando comparados aos respectivos questionários, servem para demonstrar
inequivocamente uma concomitância importante entre alguns fatos relatados nas
histórias dos sujeitos e o surgimento e ou agravamento das TPAs (tensões pré-
avaliativas).
4.2.2 – Sobre a disciplina doméstica
Nota-se que aqueles alunos que afirmaram possuírem menores dificuldades
emocionais diante do ato avaliativo, também responderam que são oriundos de
famílias onde receberam uma disciplina sob certos princípios de autoridade mas,
sem muita rigidez, agressão ou castigos físicos. Considere-se aqui que tratamos
46
com estudantes de uma faixa etária, na grande maioria (90%), acima de 20 anos,
portanto viveram a suas infâncias durante as décadas de oitenta e noventa. Quando
a forma de criação ainda preservava muito mais ranços do tradicionalismo e
autoritarismo que caracterizavam as gerações anteriores. Portanto, muitos pais
ainda conservavam o habito de disciplinar através da violência. Isto é através de
castigos físicos e batendo nos filhos. Quatro, dos seis entrevistados admitem que
seus pais tinham uma disciplina rígida, três destes, dizem que chegavam a apanhar.
Embora, 100% deles afirmassem que jamais apanharam por causa de resultados
negativos nas avaliações escolares.
4.2.3 – Sobre a disciplina escolar
A disciplina na escola também era rígida e adotava métodos constrangedores e até
violentos. Mesmo entre os mais jovens, encontramos falas como de Lucas, de 20
anos, e começou o Ensino Fundamental nos anos 90, que afirma:
―...la tinha esse castigo de botar de joelhos, dar umas palmadas. ...eu sempre ficava lá de pé atrás da porta, de joelhos de frente o quadro ou vestido de palhaço na frente. ...eu não tinha ódio sentia mau, sentia com vergonha. ...eu não contava porque se chegasse contar, chegava em casa e podia apanha uma surra...‖
Uma equivalência de padrão entre a escola e família se percebe na experiência
desse aluno, de acordo com as discussões tecidas, facilmente possibilitando a
transferência e a projeção dos sentimentos da criança da figura do pai para o
professor que, nesse caso, é reforçada por ser do sexo masculino e assumir uma
postura bastante autoritária. Um detalhe da fala de Lucas revela a concepção da
sociedade sobre a disciplina: ―...o que o professor fazia, a comunidade sabia‖.
Outro fato marcante lembrado por Lucas aconteceu com sua irmã quando ele e a
irmã estudavam na zona rural na mesma sala, embora ele na primeira série e ela na
quarta. Lucas conta que viu sua irmã ser colocada para fora da sala porque havia
conversado com uma colega durante a aula. Isso foi um fato frustrante para ele. Ele
diz que jamais esqueceu.
47
Por esse episódio, fica claro que, muitas das coisas que geram frustrações, não
envolvem necessária e diretamente o aluno, mas as que ele presencia no ambiente
escolar. Provavelmente, essa experiência o tenha marcado tanto por se tratar de sua
irmã, a quem ele sentia-se no dever de proteger, dentro de uma visão inconsciente
inspirada no machismo da sociedade e por quem ele talvez se sentisse protegido
por ser de menor idade em relação a ela.
4.2.4 – Concepções e experiências com avaliação escolar
As falas dos estudantes confirmam a concepção de avaliação que comumente se
percebe na escola e na sociedade. Por exemplo: um diz que só se sente mal diante
da prova se não tiver cumprido a obrigação de estudar para ela; outro, diz que
receber um zero depois de ter respondido toda a prova e esperar um dez, aconteceu
por mera displicência, precipitação, ou falta de atenção; outra atribui suas reações
às dificuldades com a disciplina; Quando perguntado a que atribui a ansiedade dos
estudantes diante das avaliações? Mateus, respondeu diretamente: a – ―quem fica
ansioso é porque não estudou para a prova‖ nenhum deles possui qualquer postura
reflexiva sobre o processo avaliativo embora já estejam fazendo um segundo curso
de nível médio.
Perguntados sobre uma experiência de avaliação que mais marcou os entrevistados,
apenas uma moça contou uma experiência positiva. Flavia, de 37 anos, relatou que
sentiu-se desafiada por um professor que se gabava de nunca ter dado um dez a um
aluno. Topou o desafio, estudou e tirou um dez com ele. Interessante que ela disse
ser a única experiência de avaliação de que tem lembrança, com exceção da última
que havia acontecido na noite da entrevista. Note-se, como aparece nesse relato a
concepção de avaliação do professor, que se gaba de nunca ter dado um dez a um
aluno. Assim como não é incomum, ouvirmos de alguns que orgulham de ―dar pau‖,
isto é, reprovar a maior parte dos estudantes.
Maria, de 21 anos, relatou que na 5ª série fez uma avaliação de matemática em que
respondeu todas as questões e tirou zero. Explicou que o professor desconsiderou
48
todos os cálculos certos que ela fez, porque ela não registrou corretamente os
resultados. Confirmando a concepção de avaliação firmada nos princípios
cartesianos que desconsidera a evolução do aluno pois está muito mais voltada para
os aspectos quantitativos de mensuração, e aferimento com o fim de aprovar ou
reprovar.
Lucas conta que ainda na segunda série tinha se preparado para ―colar‖ numa prova
recortou os apontamentos e colocou-os no bolso. Foi então surpreendido pelo
professor que liberou para responderem á prova consultando os apontamentos. Ora,
ele havia transformado os apontamentos em cola e agora não tinha como consultar
sem revelar sua trama. Foi pego então, colando numa prova de consulta. O
professor tomou a prova e deu zero. Aí, a nota aparece como um instrumento de
punição, visto que a criança não estava colando, tentaria colar, se a prova não fosse
de consulta. O professor usou da sua ―inquestionável autoridade‖ para punir o aluno
pelo erro que o mesmo pretendeu praticar. Lucas foi julgado, condenado,
sentenciado e executado num só ato. Ele não considera isso algo que lhe traga
qualquer prejuízo posterior, mas é único fato que lembra sobre avaliação, não
sabemos de que forma Lucas assimilou isso no plano inconsciente.
4.2.5. – Relacionamento com os professores
Dificuldades de relacionamento com os professores aparecem na fala dos
estudantes como um bloqueador da aprendizagem como se expressa Raquel, 23
anos, que se refere á professora da 2ª série como uma bruxa. Indagada sobre a
origem dessa figura – ―a bruxa‖, disse que dos contos de fadas. Disse que foi difícil
passar de ano na segunda série por causa da professora. Raquel acredita que
aquele relacionamento difícil com a professora ainda hoje influencia em seu
desempenho escolar ―...a professora era... eu posso fazer ligação com uma bruxa‖.
Sobre o que de tão mau existia na professora? Ela responde: – ―tudo dela era
insuportável até a voz da mulher era insuportável‖. Possivelmente, aqui esteja um
caso de transferência bastante negativa, pois ela não menciona qualquer ato imoral,
reprovável por parte da professora, apenas a compara com uma bruxa.
49
Léia, de 21 anos, que afirmou sentir onze dos sintomas da TPA apontados na
pesquisa, merece uma atenção especial nessa análise. Possivelmente trate-se de
um caso patológico.
Ente as diversas reações de Léia na iminência das avaliações, estão: não dormir
nas vésperas, e depois, quando consegue dormir, sonha com fazendo a prova,
enquanto não recebe os resultados; freqüentemente acontece de esquecer tudo que
estuda no momento da prova, e, só se lembra minutos depois que termina; dores de
cabeça, cólicas, perda de apetite, sudorese, alterações no humor e palpitações
cardíacas. O caso de Léia ganhou clareza quando ela foi entrevistada.
Não tinha problema com as avaliações até a adolescência, enquanto fazia o ensino
fundamental no estado de São Paulo. Todas as dificuldades surgiram a partir do
ensino médio, depois que mudou para a Bahia.
4.2.6 – Relacionamento familiar
Afirma que a relação com os pais é boa apesar de o pai ser uma pessoa um tanto
―ignorante‖ (agressiva). A disciplina em casa era à base das surras, nunca castigo.
Contudo tinham uma relação de muito afeto, de muito carinho, abraços, beijos.
Recebia muitos elogios do pai por causa do seu desempenho nas avaliações até a
oitava série. Um relacionamento perfeito até que mudou de cidade.
Ocorre que Com a mudança, para Bahia sua relação com o pai sofreu grande abalo.
Ele manteve o estilo grosseiro apesar de ela estar ficando mocinha. Em São Paulo,
tinha uma rotina caseira por questão de segurança, e o pai manteve esse estilo de
vida depois de mudarem para cá. Não permitia que ela saísse nem na calçada de
casa, atravessou a adolescência sem fazer amizades por conta das proibições que
sofria, chegou a apanhar algumas vezes por não satisfazer aos caprichos do pai que
a mantinha presa a cadeados. Isso desencadeou um ódio pelo pai e frustrou
completamente a relação entre eles. Concomitantemente, ela começou o ensino
médio, e, se descobre cheia de insegurança e medo. Sendo que ela teve a carga de
50
repressão aumentada justamente no momento em que deveria começar a conquista
da própria independência. Isso obviamente resultou em grandes alterações no seu
comportamento, bloqueando o seu desenvolvimento pessoal no aspecto social.
Aqui se encontra um caso onde a relação familiar influencia significantemente na
vida escolar. A insegurança resultante do mau relacionamento com o pai, pode estar
sendo projetada para a vida escolar da garota. Hoje ainda, Léia continua tendo
dificuldade de demonstrar afeto pelo pai e vice versa. O que demonstra que a
situação ainda não foi devidamente tratada. É claro que a pesquisa poderia se
aprofundar mais no estudo desse e outros casos pesquisados, todavia, convém que
as análises se mantenham na dimensão pedagógica. Numa perspectiva
psicanalítica, possivelmente se constatasse que o problema de Léia com as
avaliações, estaria relacionado à suas frustrações na relação familiar. Restando
conhecer, obviamente, os pontos que foram ocultados no seu inconsciente onde
podem se encontrar as origens dos traumas.
Fica evidente, a partir da observação desses dados que estamos lidando com um
grave problema educacional, que em alguns casos podem ser considerados
problemas de saúde. Que as TPAs atingem em diferentes níveis a quase todos os
estudantes. E em níveis mais altos a mais de cinqüenta por cento deles. Fica claro
também, que os estudantes não têm se dado conta da causa dessas reações e,
sequer são capazes de relacioná-las diretamente ao ato avaliativo ou à concepção
que têm do mesmo. Portanto, embora não se feche questão de forma dogmática ou
contundente, percebe-se que os dados apelam para a reflexão.
51
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, é preciso dizer que a primeira e a maior das conclusões aqui
encontrada, é a inconclusão. Pois, dado a complexidade do tema, e à necessidade
de um maior aprofundamento, esse trabalho se configura apenas como o acender
de uma pequena fagulha.
Entretanto, as reflexões aqui discutidas, com o auxílio de teorias já consagradas e
do registro de experiências já publicadas, permitem tecer algumas considerações,
ainda que em caráter sugestivo, a fim de fomentar o aprofundamento da discussão e
a investigação mais profunda. Desta forma, é que se enumeram as inconclusas
considerações desta pesquisa:
Primeiro, que as reações dos alunos ao momento avaliativo, conquanto aparentem
meras manifestações de nervosismo, escondem fatores relacionados á concepção
do próprio ato, de caráter emocional e sócio-relacional, possivelmente conseqüentes
das experiências vivenciadas em outros momentos de sua trajetória de vida inclusive
na escola.
Segundo, se o Dr. Freud e outros expoentes da psicanálise têm razão, e o ambiente
escolar realmente se configura, do ponto de vista relacional, como um lugar onde
ocorrem contingências transferenciais, há grandes possibilidades do inconsciente do
aluno estar carregado com uma grande bagagem psíquica adquirida na experiência
escolar. Portanto, suas reações ao ato avaliativo podem ter origem também na
própria escola.
Terceiro, a mais importante consideração a que podemos chegar, é que a
compreensão fenomenológica do ato avaliativo, sobretudo, do ponto de vista das
reações do estudante, para ser satisfatória, necessita passar também pelo viés
psicanalítico; justificando-se a necessidade de a formação pedagógica já tão eclética
e diversificada, incorporar também elementos que possibilitem ao professor
52
reconhecer as situações que obrigatoriamente envolvem o processo de ensino
aprendizagem e que extrapolam os limites didáticos pedagógicos nas relação
professor/aluno, aluno/aluno.
Por último, mas não em ordem de importância, é válido considerar que alguns casos
de reação do estudante ao ato avaliativo, pela quantidade de sintomas e também
pela intensidade deles, às vezes, independentemente das concepções avaliativas
adotadas pelos educadores, devem ser pensados como problemas dentro do campo
educacional. A educação não deve vendar aos próprios olhos diante de algo que
pode estar influenciando significantemente nos índices de reprovação e colocando
em cheque a eficiência das instituições e sistemas educacionais.
A defesa aqui, não é de que educadores devam ser ou portar-se como psicólogos ou
psicanalistas, mas reconhecerem o quanto os aspectos psico-relacionais são
importantes dentro de seu campo de atuação. E estarem aptos a identificar
situações em que se justifique, a consulta ou o encaminhamento àqueles
especialistas, na busca de compreenderem, evitarem e ou tratarem possíveis
patologias nessa área.
53
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ANEXOS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS VII SENHOR DO BONFIM-BAHIA
TURMA: PEDAGOGIA 2006.1
Aluno: Erivaldo Costa Portela
Pesquisa sobre as reações do estudante ao momento avaliativo
Sujeitos: ____________________________________________________________
Turma:______________________________________________________________
QUESTIONÁRIO
Nome: _________________________________________________________________
Sexo: (M) ( F ) Idade ____________ Tem emprego? _________
Instrução: ____________________________
Estudou em escola: pública ou privada?
Pré-escola – pública ( ) privada ( ) Fundamental I – pública ( ) privada ( )
Fundamental II – pública ( ) privada ( ) Médio – pública ( ) privada ( )
Superior - pública ( ) privada ( )
Nº QUESTÕES SIM NÃO
1 Você reconhece sentir algum mal-estar quando se encontra diante de alguma avaliação?
2 Seu mal-estar relacionado ao ato avaliativo começou ainda na infância?
3 Você chega a sentir dor de cabeça?
4 Já lhe ocorreu de dar um “branco”(esquecer tudo que estudou) na hora da prova?
5 Ocorre consigo de sentir cólicas, freqüentemente?
6 Você sente insônia na noite anterior à prova?
7 Você sofre de alteração no apetite na iminência de fazer provas?
8 Você sua muito durante as avaliações?
9 Chora?
10 Fica de mau humor( Se irrita facilmente)?
11 Fica agressivo(a)?
12 Sente palpitações?
13 Foi reprovada em alguma série?
14
15
16
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS VII SENHOR DO BONFIM-BAHIA
TURMA: PEDAGOGIA 2006.1
Aluno: Erivaldo Costa Portela
Pesquisa sobre reações ao ato avaliativo
ENTREVISTA
1. COMO SE SENTE DIANTE DAS AVALIAÇÕES?
2. A QUE VOCE ATRIBUI SEU MODO DE SE COMPORTAR DIANTE DAS PROVAS?
3. COMO VC FOI EDUCADO EM CASA, RIGIDAMENTE, DEMOCRÁTICAMENTE,
LIBERALMENTE?
4. CONSEGUE LEMBRAR-SE DO INÍCIO DA SUA ESCOLARIDADE?
5. COMO FORAM SEUS PRIMEIROS PROFESSORES?
6. LEMBRA-SE DE SEU PRIMEIRO CONTATO COM A AVALIAÇÃO?
7. _________________________________________________
_________________________________________________
8. _________________________________________________
_________________________________________________
9. _________________________________________________
_________________________________________________
10. _____________________________________________
_________________________________________________