monitoraÇÃo eletrÔnica na execuÇÃo penal … · símbolo de poder do estado como forma de...

27
1 MONITORAÇÃO ELETRÔNICA NA EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA E SUA ALTERNATIVA À PRISÃO ELECTRONIC MONITORING IMPLEMENTATION IN CRIMINAL AND ITS BRAZILIAN ALTERNATIVE TO PRISON Leonardo Carvalho Colares 1 Saulo de Medeiros Torres 2 RESUMO A percepção do fracasso da pena privativa de liberdade como instrumento de readaptação, ainda associado às despesas imensas na manutenção do sistema penitenciário, emerge para o Estado a criação de novas sanções alternativas. Cuida o presente estudo de uma análise sobre o monitoramento eletrônico de presos e a forma de manter a vigilância do apenado fora dos limites do presídio. Abordam-se as inovações legislativas trazidas com a lei 12.258/10, introduzindo no Ordenamento Jurídico brasileiro a monitoração, e a lei 12.403/11 que trata da vigilância eletrônica como medida cautelar. A pesquisa tem como objetivo tratar de forma geral o instituto da monitoração, demonstrando o sucesso das experiências internacionais, a sua viabilidade como meio de controle social alternativo à prisão e medida auxiliar na execução penal. Desenvolveu-se o trabalho através de pesquisas bibliográficas, exames de legislação, artigos pertinentes ao tema e da internet. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujo método adotado foi o dedutivo. Dessa maneira, constatou-se que o uso da tecnologia como meio alternativo - apesar de algumas críticas e supostas falhas apontadas ao longo desse trabalho - é capaz de reduzir a população carcerária e os gastos do Estado, assim como, uma maior ressocialização e a sua, consequente, redução da reincidência. Palavras chave: Monitoramento Eletrônico. Execução Penal. Lei 12.258/10. Lei 12.403/11. 1 INTRODUÇÃO O sistema penitenciário brasileiro tem sido alvo de muitas críticas no meio político, jurídico e social, alcançando nível internacional com os desrespeitos e violações aos direitos humanos. Internamente, estudiosos do assunto têm criticado a contradição existente entre a legislação em vigor e a realidade prática prisional aplicada. Diante do aumento da criminalidade e da percepção do fracasso da pena privativa de liberdade como instrumento de readaptação, ainda associado às despesas imensas na manutenção do sistema penitenciário, emerge para o Estado a criação de novas sanções alternativas. 1 Aluno graduando do 10º período do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 2 Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN; Pós Graduado em Direito Constitucional e Tributário pela Universidade Potiguar.

Upload: dinhxuyen

Post on 06-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

MONITORAÇÃO ELETRÔNICA NA EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA E SUA

ALTERNATIVA À PRISÃO

ELECTRONIC MONITORING IMPLEMENTATION IN CRIMINAL AND ITS

BRAZILIAN ALTERNATIVE TO PRISON

Leonardo Carvalho Colares1

Saulo de Medeiros Torres2

RESUMO

A percepção do fracasso da pena privativa de liberdade como instrumento de readaptação,

ainda associado às despesas imensas na manutenção do sistema penitenciário, emerge para o

Estado a criação de novas sanções alternativas. Cuida o presente estudo de uma análise sobre

o monitoramento eletrônico de presos e a forma de manter a vigilância do apenado fora dos

limites do presídio. Abordam-se as inovações legislativas trazidas com a lei 12.258/10,

introduzindo no Ordenamento Jurídico brasileiro a monitoração, e a lei 12.403/11 que trata da

vigilância eletrônica como medida cautelar. A pesquisa tem como objetivo tratar de forma

geral o instituto da monitoração, demonstrando o sucesso das experiências internacionais, a

sua viabilidade como meio de controle social alternativo à prisão e medida auxiliar na

execução penal. Desenvolveu-se o trabalho através de pesquisas bibliográficas, exames de

legislação, artigos pertinentes ao tema e da internet. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujo

método adotado foi o dedutivo. Dessa maneira, constatou-se que o uso da tecnologia como

meio alternativo - apesar de algumas críticas e supostas falhas apontadas ao longo desse

trabalho - é capaz de reduzir a população carcerária e os gastos do Estado, assim como, uma

maior ressocialização e a sua, consequente, redução da reincidência.

Palavras chave: Monitoramento Eletrônico. Execução Penal. Lei 12.258/10. Lei 12.403/11.

1 INTRODUÇÃO

O sistema penitenciário brasileiro tem sido alvo de muitas críticas no meio político,

jurídico e social, alcançando nível internacional com os desrespeitos e violações aos direitos

humanos. Internamente, estudiosos do assunto têm criticado a contradição existente entre a

legislação em vigor e a realidade prática prisional aplicada. Diante do aumento da

criminalidade e da percepção do fracasso da pena privativa de liberdade como instrumento de

readaptação, ainda associado às despesas imensas na manutenção do sistema penitenciário,

emerge para o Estado a criação de novas sanções alternativas.

1 Aluno graduando do 10º período do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

2 Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN; Pós Graduado em

Direito Constitucional e Tributário pela Universidade Potiguar.

2

Desse modo, faz-se uma alternativa a ideia de monitorar aqueles que se encontram

condenados por delitos de menor gravidade, tornando na prática a prisão como exceção,

destinados aos criminosos que representam um verdadeiro risco à sociedade. Assim, em 15 de

junho de 2010 foi sancionada a Lei 12.258, que prevê a possibilidade de utilização de

equipamento de vigilância indireta no ordenamento brasileiro pelo condenado, nas hipóteses

de autorização de saída temporária no regime semiaberto e na prisão domiciliar. Quase um

ano após a positivação, surgi à Lei 12.403 de 04 de maio de 2011, alterando o Código de

Processo Penal, trazendo a monitoração eletrônica como medida cautelar diversa da prisão.

Nesse contexto, nos propomos a fazer uma abordagem completa do instituto da

monitoração eletrônica, posto que seja pouquíssimos os trabalhos dessa área no Brasil.

Enfocaremos as leis supra e as possibilidades de utilizações na legislação pátria, sejam como

medida auxiliar a execução penal ou alternativa à prisão. Destarte, em um sistema

penitenciário falido, a unidade prisional virtual torna-se uma alternativa à prisão, garantindo,

o controle social sem discriminar os direitos e garantias fundamentais, a devida

individualização da pena, sua proporcionalidade, a intervenção penal mínima do Estado, bem

como, resguardando as finalidades das penas.

O presente trabalho tem como objetivo tratar de forma geral o instituto ora

mencionado, demonstrando o sucesso das experiências internacionais, a viabilidade do

monitoramento eletrônico como meio de controle social alternativo à prisão e como medida

auxiliar na execução penal, além da sua adequação ao Ordenamento Jurídico atual. Para a

consecução deste fim, utilizar-se-á da pesquisa através da abordagem bibliográfica,

consistente na leitura e no exame de legislações, livros, artigos pertinentes ao tema e o uso da

internet. O trabalho será desenvolvido por meio do método dedutivo. A estrutura do trabalho

será desenvolvida em três capítulos, a saber: Breve reflexão sobre as penas; Aspectos gerais

do Monitoramento eletrônico; e Monitoração eletrônica na execução penal brasileira.

2 BREVE REFLEXÃO SOBRE AS PENAS

Ao longo da história humana, passou a existir necessidade de se criar formas de

penalidade, a fim de possibilitar a continuidade pacífica da ordem social. Conforme Rogério

Greco (2007, p. 483) a “pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém

prática uma infração penal”. O Estado faz valer o seu ius puniendi ao agente infrator. Antes

de adentrar-se a temática da monitoração eletrônica de presos, analisar-se-á, sucintamente, a

3

origem e evolução histórica das penas, as teorias que a fundamentam, o surgimento das

prisões e por último uma abordagem.

2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO

A história do Direito Penal esta ligada a história das penas. “A primeira pena da

história da humanidade foi aplicada a Adão e Eva no paraíso, razão pela qual foram expulsos

do Jardim do Éden” (GRECO, 2007, p. 484). Primitivamente, a pena tinha um caráter de

defesa em caso de uma iminente ameaça, era uma questão de sobrevivência. O homem ao se

organizar em comunidade passou a adotar regras e aplicar penas aos violadores.

As penas variaram de povo para povo, de cultura para cultura, no entanto, do período

da Antiguidade ao anterior ao Iluminismo, as mesmas possuíam um caráter, extremamente,

aflitivo e corporal. Após este período, as penas passaram a ser mais humanitárias, defendendo

a liberdade do indivíduo. Destarte, vários tipos de sanções foram aplicadas em diferentes

épocas e lugares. Porém, na seção ora exposta, as penas foram divididas por período, quais

sejam: em vingança privada, vingança divina, vingança pública, período humanitário da pena

e período criminológico. Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 29) sobre a evolução das penas e

suas diferentes épocas e lugares, menciona:

As diversas fases da evolução da vingança penal deixam claro que não se trata de

uma progressão sistemática, com princípios, períodos e épocas caracterizadores de

cada um de seus estágios. A doutrina mais aceita tem adotado uma tríplice divisão,

que é representada pela vingança privada, vingança divina e vingança pública, todas

elas sempre profundamente marcadas por forte sentimento religioso/espiritual. As

características da legislação criminal na Europa em meados do século XVIII –

século das luzes – vão justificar a reação de alguns pensadores agrupados em torno

de um movimento de ideias que têm por fundamento a razão e a humanidade. As leis

em vigor inspiravam-se em ideias e procedimentos de excessiva crueldade,

prodigalizando os castigos corporais e a pena capital (BITENCOURT, 2009, p. 29).

Já no século XIX, no período criminológico ou científico, foram estudados os motivos

que levam o homem a delinquir pelo aspecto antropológico, sociológico e jurídico. A

vingança privada consistia em uma forma de defesa, de reação da vítima ou seus parentes, que

agiam de forma totalmente desproporcional a ação do ofensor, podendo, na maioria das vezes,

atingir membros familiares, posto que não existia regramento ou Estado constituído.

Imperava-se a lei do mais forte. “Não raro a vingança do sangue provocava a retaliação contra

grupos familiares inteiros, dizimando-os e destruindo tudo aquilo que lhes pertencesse”

4

(PIMENTEL, 1999, p. 21). A pena não tinha nenhuma preocupação com o caráter de

retribuição proporcional à ofensa. Com uma nova organização social e a figura de um

soberano, surge a pena de talião, consistindo em aplicar ao agressor um dano idêntico ao que

ele causara à sua vítima. Representou um avanço à época sobre a questão da

proporcionalidade da pena.

Com a evolução social, para evitar a dizimação das tribos, surge a lei de talião,

determinando a reação proporcional ao mal praticado: olho por olho, dente por

dente. Esse foi o maior exemplo de tratamento igualitário entre infrator e vítima,

representando, de certa forma, a primeira tentativa de humanização da sanção

criminal (grifo do autor) (BITENCOURT, 2009, p. 30).

A pena de talião apesar de significar um avanço à época, por outro lado, enfraquecia o

próprio grupo, ficando este à mercê de grupos rivais. Gradativamente, em virtude das

sequelas, a pena de talião foi sendo substituída por novas formas de punir. Surgi assim, o

instituto da composição, sistema pelo qual o infrator comprava a sua liberdade e,

consequentemente, livrava-se do castigo. Com o surgimento de novas formas de punição e a

forte influência dos deuses, o delito passou a ser dominado pela religião. A fase da vingança

divina é influenciada pela religião na vida dos povos antigos. A pena guardava relação com o

Deus ofendido, do qual era castigado o ofensor para satisfazer a divindade ofendida pelo

crime. As repressões eram severas, desumanas e públicas, tendo como objetivo a intimidação

e afirmação da invencibilidade do Estado. Assim explica Foucault (2004, p. 31):

O suplício deve ser ostentoso, deve ser constatado por todos, um pouco como seu

triunfo. O próprio excesso das violências cometidas é uma das peças de sua glória: o

fato de o culpado gemer ou gritar com os golpes não constitui algo de acessório e

vergonhoso, mas é o próprio cerimonial da justiça que se manifesta em sua força.

Por isso, sem dúvida é que os suplícios se prolongam ainda depois da morte:

cadáveres queimados, cinzas jogadas ao vento, corpos arrastados na grade, expostos

a beira das estradas. A justiça persegue o corpo além de qualquer sofrimento

possível.

A vingança divina sucedeu à pública, sendo importante ressaltar que o período de

transição não ocorreu de forma uniforme, nas diversas civilizações linearmente. Com uma

melhor organização social, a vingança pública, retira do particular a possibilidade do direito

de punir e o entrega ao Estado na figura de seu soberano. Ainda nessa época, a pena

continuava ligada a ideia de religião, este como fundamento do príncipe em agir em nome da

divindade. Ela continuava a ser severa e cruel, totalmente desumana, pois demonstrava o

5

símbolo de poder do Estado como forma de amedrontar os opositores aos interesses do

governo (BITENCOURT, 2009).

O Estado respondia a transgressão da lei com repressão, a fim de proteger a

coletividade. As penas, na maioria das vezes, eram expostas ao público em praças e com

obrigação da população assistir aos suplícios. Penas capitais, mutilações e dilacerações eram

formas de demonstrar o poder absoluto do soberano. Com o poder excessivo nas mãos da

autoridade suprema, a população sentia-se insegura, uma vez que o soberano dizia a seu

entender qual conduta deveria ser criminosa, gerando um grande número de atrocidades

cometidas e injustiças. O soberano aproveitava-se da religião e de seu poder ilimitado para

utilizar penas que causavam muita dor e sofrimento, com várias modalidades de suplícios.

Quase todas culminavam a uma pena de morte.

A pena, quando é suplicante, não se abate sobre o corpo ao acaso ou em bloco; ela é

calculada de acordo com regras detalhadas: número de golpes de açoite, localização

do ferrete em brasa, tempo de agonia na fogueira ou na roda (o tribunal decide se é o

caso de estrangular o paciente imediatamente, em vez de deixá-lo morrer, e ao fim

de quanto tempo esse gesto de piedade deve intervir), tipo de mutilação a impor

(mão decepada, lábios ou língua furados) (FOUCAULT, 2004, p. 30).

O suplício foi durante muito tempo o modelo punitivo adotado pelas sociedades

antigas. Por ser um sistema cruel e injusto, no decorrer do século XVIII, inúmeros pensadores

manifestaram-se contra a manutenção desse regime. Com o Iluminismo, inicia o período

humanitário, a modificação na forma de punição e a proporcionalidade na pena. “O

Iluminismo logo há de desqualificar os suplícios reprovando-lhes a „atrocidade‟”

(FOUCAULT, 2004, p. 46). No período humanitário iniciou-se a reforma das leis e da justiça

penal. Na era do Iluminismo surgiram grandes filósofos como Rosseau, Montesquieu e John

Locke, no entanto, os maiores expoentes na área penal foi Cesar Bonesana, também chamado

Marquês de Beccaria e John Howard.

Beccaria, aos seus 27 anos, publicou a obra “Dos Delitos e das Penas”, um verdadeiro

marco na história das penas e uma reação à desumanidade das sanções. A obra influenciada

pelos princípios pregados por Rosseau e Montesquieu, criticou o sistema de pena de morte, a

tortura, a desproporcionalidade dos delitos e as sanções aplicadas e, ainda, defendeu a

separação da justiça divina e da justiça humana. O marquês sustentou, sobremaneira, a

proporcionalidade da pena, sua humanização e a prevenção dos delitos, do qual não era

preciso ser obtido através do terror, mas sim, com a eficácia e certeza da punição

(BITENCOURT, 2009). É interessante observar que além dos dois expoentes supra, tivemos

6

outros pensadores, nada obstante, aqueles foram os mais repercutidos à época. Como forma

de intimidar o cidadão e o recuperá-lo, defendeu o princípio da legalidade, disse:

Com leis penais executadas à letra, cada cidadão pode calcular exatamente os

inconvenientes de uma ação reprovável; e isso é útil, porque tal conhecimento

poderá desviá-lo do crime. Gozará com segurança de sua liberdade e dos seus bens;

e isso é justo, porque é esse o fim da reunião dos homens em sociedade

(BECCARIA, 1997, p. 3).

John Howard, considerado o pai da ciência penitenciária, teve contato direto com as

precariedades das prisões em seu país, na Inglaterra. Escreveu o livro “the state of prision in

Ingland end Wales”, estudou as prisões e viajou pela Europa para aprofundar-se no tema.

Percebeu a situação caótica dos presídios e tratou em sua obra de abordar por um tratamento

mais digno ao preso. Suas ideias tiveram importâncias à construção de presídios mais

adequados a pena privativa de liberdade e para um processo de humanização das penas. Os

pensamentos de Howard foram muito avançados para o seu tempo, até hoje, é repercutido e

levado em consideração seus tratamentos penitenciários. Com ele nasce a busca por uma

humanização e reforma perene das prisões (BITENCOURT, 2009).

Em meados do século XVIII, a legislação criminal na Europa recebia severas críticas

aos seus métodos excessivos e imperantes no combate a opressões. Surge uma reação por

parte de alguns pensadores voltados aos ideais do movimento iluminista e humanitário,

atingindo seu apogeu com a Revolução Francesa. As críticas eram baseadas no sistema penal

vigente, propondo a individualização da pena, a sua proporcionalidade e a diminuição da

crueldade na aplicação das mesmas (BITENCOURT, 2009).

O Estado Absolutista transforma-se em um Estado Liberal com amparo no

Iluminismo. Uma reforma do sistema penal se fazia urgente. No século XIX, inúmeras

correntes de pensamento humanista, denominadas Escolas Penais, surgiram com o intuito de

estudar a natureza do crime, do criminoso e da pena. Podem-se dividir as Escolas Penais em:

Escola Clássica, Escola Positiva e Técnico-Jurídica. Na Escola Clássica, vários autores

escreveram sobre Direito Penal, inspirados na ideia do Iluminismo e, sobretudo, sobre a obra

do Marquês de Beccaria. Pode-se dividi-la em dois períodos, o nascimento da escola, com

forte influência do Iluminismo, do qual já abordamos o principal pensador da época na figura

de Beccaria e, o outro período, baseado na ética da retribuição representada pela sanção penal,

teve como maior destaque Francesco Carrara.

7

Carrara (1971 apud BITENCOURT, 2009) afirma que o fundamento da punibilidade

esta no livre-arbítrio do ser humano. A pena tem a finalidade de retribuição da culpa e o crime

é um ente jurídico, uma vez que sua essência consiste na violação de um direito. O autor

defendeu o princípio da reserva legal, afirmando que uma ação só é considera crime, se

chocada com uma lei (CARRARA, 1971 apud BITENCOURT, 2009). A escola atribuía a

pena como sanção necessária para retribuição ao mal causado à sociedade, caráter retributivo,

na proporção do dano causado e com finalidade de impedir novos delitos, sem se preocupar

com a pessoa do criminoso.

No fim do século XIX, a Escola Positiva, também chamada de Científica devido ao

grande avanço das ciências sociais, surge com a ineficácia das concepções clássicas em

relação à diminuição da criminalidade e a difusão do pensamento positivista no campo da

filosofia. É caracterizada pela busca dos motivos quem levam o ser humano a delinquir. De

início, pretendeu aplicar métodos de observação e investigação que se utilizava de outras

disciplinas como, por exemplo, a Biologia. Porém, concluíram que a noção jurídica do delito

fosse substituída por uma sociologia ou antropologia do delinquente. Destacam-se como

grandes pensadores da época: Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo.

Cesare Lombroso conceituou o crime como uma manifestação biológica, partindo da

ideia de um criminoso nato. Deste modo, características morfológicas e de personalidade

eram fundamentais na percepção do reconhecimento de um delinquente. Apesar de suas ideias

sobre o homem delinquente nato, com características impeditivas de sua adaptação social, a

sua teoria fracassou, na medida em que não condizia com a realidade. No entanto, esse

pensamento fundou a Antropologia Criminal como tentativa de explicar a causa do

comportamento antissocial.

Enrico Ferri inaugurou dentro da Escola Positiva a Sociologia Criminal, sustentando

que para conhecer as causas do crime devem levar em conta além dos fatores antropológicos,

os fatores sociais e as condições do meio em que o delinquente vive. Assim sendo, negou a

teoria defendida pelos classistas, opondo-se ao livre arbítrio. A fase jurídica da Escola

Positiva coube a Rafael Garofalo, em sua obra “Criminologia” aborda o crime dotado de

fatores antropológicos (Lombroso), fatores do meio físico ou social (Ferri) e como fator

jurídico. Como os demais autores positivistas, recebeu influências do darwinismo. A sua

grande contribuição foi dar uma sistematização jurídica a escola, abordando a periculosidade

no fundamento da responsabilidade do delinquente, o direito de punir com a teoria da defesa

social.

8

Garofalo justificava ações radicais para a necessidade de eliminação do criminoso que

não tivesse capacidade de adaptação (BITENCOURT, 2009). A Escola Positivista se baseou

na concepção do crime como fenômeno natural e social estudado pelo método experimental.

Estuda a pessoa do criminoso, e não o aspecto da figura jurídica e abstrata do crime em suas

origens e seus efeitos.

A Escola Técnico-Jurídica renovou metodologicamente a confusão criada pela Escola

Positivista e teve como mérito apontar o verdadeiro objeto do Direito Penal, qual seja, o crime

como fenômeno jurídico, afastando a importância dada pelos positivistas aos aspectos

antropológicos e sociológicos do crime, em prejuízo do jurídico. Arturo Rocco, principal

filósofo dessa escola, sustentou a Ciência Penal autônoma, com objeto, método e fins

próprios, não podendo ser confundida com outras ciências causal-explicativas, sendo o Direito

uma ciência normativa com método de estudo técnico-jurídico.

As principais peculiaridades da escola foram: a concepção do delito como pura relação

jurídica, de conteúdo individual e social; a pena não é nada mais do que uma reação e uma

consequência do crime; a recusa do emprego da filosofia no campo penal e a função

preventiva geral e especial da pena (BITENCOURT, 2009).

3 ASPECTOS GERAIS DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO

A ciência tecnológica aparece cada vez mais no mundo do Direito, o ordenamento

jurídico se torna mais moderno seguindo o ritmo do avanço tecnológico. Sendo o Direito uma

Ciência Social estará sempre em movimento, acompanhando as mudanças e as necessidades

sociais. Conforme já apresentado, o instituto da prisão segue sua marcha decadencial,

refletindo a exigência de institutos alternativos. Diante disto, a monitoração eletrônica é o

assunto da vez, na medida em que a regra é a liberdade, evitando o uso excessivo da clausura.

A tecnologia do monitoramento eletrônico vem atenuar a dicotomia entre cárcere e liberdade,

propondo uma alternativa ao Direito Penal e, naturalmente, a pena privativa de liberdade.

É preciso buscar opções para determinados casos em que a pena aplicada ou crime

cometido, até mesmo antes da condenação, faça com que o sujeito responda em liberdade,

sem apresentar riscos à sociedade. Vislumbra-se na vigilância eletrônica essa alternativa.

Dessa forma, pensa-se no cumprimento da pena à distância, além de modificar as condições

deploráveis em que encontra o sistema penitenciário.

Com o monitoramento eletrônico procura-se reduzir a superpopulação carcerária,

diminuindo os gastos financeiros com o detento e a alta taxa de reincidência, além de mantê-

9

lo junto a sua família e trabalhando, evitando assim, o contato com as mazelas do sistema.

Esse sistema tecnológico já é difundido em alguns países e com taxas de sucesso no seu uso.

Garantiu ao apenado uma maior humanização na execução penal e a individualização da pena,

com um controle mais individualizado sobre o condenado. Para um melhor entendimento

sobre o instituto, foram desenvolvidas algumas considerações de conceito, origem,

finalidades, sistemas de tecnologia da monitoração, o uso em outros países, a positivação da

matéria no Brasil e as vantagens e críticas a respeito da tecnologia.

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com o absurdo aumento da população carcerária, o elevado custo penitenciário e o

fracasso da ressocialização, no final da década de 1970, começaram a ser discutida uma nova

política criminal alternativa à prisão. Nesse ponto, surgem vários debates sobre a

possibilidade de controle eletrônico no âmbito penal e penitenciário, o chamado “Direito

Penal do Futuro”, termo utilizado por Eduardo Oliveira em sua obra: direito penal do futuro: a

prisão virtual.

As primeiras experiências que se tem notícia sobre a monitoração eletrônica, é que

começaram a ser usado a partir da década de 1960, pelos irmãos Ralph e Robert

Schwitzgebel, considerado os pais da prisão virtual. Eles eram membros do Science

Committee on Psychological Experimentation, Universidade de Haward, nos EUA e

Desenvolveram um mecanismo capaz de captar o conjunto de sinais físicos e neurológicos da

presença humana em determinado lugar (OLIVEIRA, 2007). A “máquina de Schwitzgebel”,

como era chamada, constituía em um transmissor portátil Behavior Transmiter-Reinforcer -

BT-R, que permitia de longe controlar a conduta de reincidentes crônicos, a fim de reformá-

los e curá-los.

O BT-R permitia localizar e transmitir informações sobre quem o portasse através de

sinais de tons. Era composto por uma unidade de cinturão e outra de pulso, a primeira incluía

uma bateria e um transmissor onde eram recolhidos sinais em uma estação, permitindo a

localização através de gráficos. A pulseira era um sensor que transmitia o pulso da pessoa

portadora. Assim, podiam-se registrar condutas relevantes de certa pessoa ou grupos

(VITORES; DOMÈNECH, 2012). Apesar de ter sido inventado e patenteado pelo Dr.

Schwitzgebel, o uso do aparelho eletrônico em infratores só se deu a partir da década de 80. O

precursor da ideia que vem sendo utilizado em vários países do mundo foi o juiz Jack Love,

ex-defensor público federal, nascido em Albuquerque, no Estado do Novo México – EUA.

10

A inspiração do dito juiz veio ao ler uma edição do Homem-Aranha (Spiderman),

onde o vilão fixava um bracelete eletrônico no herói permitindo monitorar seus

deslocamentos. Com isso, achou que a ideia poderia ser aplicada nos presos. Pediu ao

engenheiro eletrônico Michael Goss que desenvolvesse o sistema de monitoramento igual a

da revista em quadrinhos. Em 1983, o próprio magistrado testou o bracelete, em si mesmo,

durante três semanas antes de aplicá-lo em cinco delinquentes da sua cidade (CÉRÉ, 2006).

A primeira pulseira denominou-se Gosslink, da união da palavra link e do sobrenome

do engenheiro. Nessa mesma época, em 1986, surge a National Incarceration Monitor and

Control Services, primeira empresa a produzir controles eletrônicos para seres humanos

(OLIVEIRA, 2007). A partir disso, originaram-se vários projetos pilotos em Washington,

Virgínia e Flórida, e depois de um ano, 26 Estados americanos já utilizavam a tecnologia.

Logo, se espalhou por diversos países, aparecendo na Europa, primeiramente, na Inglaterra

(1989), Suécia (1994) e Holanda (1995). De início, a maioria adotava a monitoração como

modalidade de execução da pena privativa de liberdade.

O monitoramento eletrônico consiste na utilização de dispositivos, como pulseiras,

chips, tornozeleiras, cintos, que servem para localizar e controlar presos que respondem a

processo penal ou já estão em fase de cumprimento de pena. Pode-se considerar uma “prisão

virtual” com rastreamento via satélite que acompanha o custodiado e seu posicionamento.

Nesse sentido, Japiassú (2007) conceitua como uso de um dispositivo eletrônico pelo infrator

que passa a ter sua liberdade mitigada ou condicionada, evitando que se distancie ou se

aproxime de locais impostos pela justiça. Esse dispositivo emite um sinal, que passará por um

receptor e através do telefone ou via satélite indica a posição exata do infrator, através de um

centro de vigilância.

Desde o seu primeiro uso, o monitoramento eletrônico passou por diversas finalidades,

no entanto, atualmente tem como principais objetivos básicos o combate à sobrecarga

carcerária, redução dos custos do encarceramento e diminuição na reincidência criminal.

Entre as características da tecnologia, pode-se dizer que é composto por dois dispositivos:

uma tornozeleira, pulseira ou bracelete usada 24 horas, além do rastreamento por meio de

Global Positioning System – GPS, que transmite as coordenadas do usuário até uma central de

comando da execução penal.

Cada vez mais se desenvolve o controle eletrônico. Podemos classificá-lo em sistemas,

a saber: sistema ativo, passivo e mediante GPS. O sistema ativo ou de radiofrequência

consiste no uso do bracelete que envia sinais contínuos a um receptor dentro da casa do

vigiado, que por sua vez, transmite sinais a um computador central, identificando o inicio do

11

sinal e seu fim. Deste modo, o responsável pela vigilância saberá o horário que o preso esta

em casa ou não.

Nesse sistema é utilizado um transmissor acoplado no corpo do indivíduo,

transmitindo sinais para um receptor (situado na casa ou trabalho), e esses sinais são enviados

para um computador central. Tem como vantagem permitir uma maior mobilidade ao infrator,

sendo um dos melhores sistemas, visto que não precisa de telefone, nem de chamadas

aleatórias a casa do observado. É importante também frisar que o bracelete detecta se foi

posto de forma errado ou se foi danificado, como também o receptor avisa quando houver

manipulação ou mudanças em suas configurações. O sistema passivo ou contato programado

supervisiona o indivíduo por uma central interligado a um telefone, a partir daí o contato,

acontece de modo aleatório, a qualquer hora do dia ou da noite, com o objetivo de verificar se

o preso encontra-se no local e hora programada pelo juiz.

Sua identificação poderá ocorrer através da voz, pelo escaneamento da retina ou por

uma senha. É muito utilizado na prisão domiciliar, tendo como desvantagem as perturbações

ocasionadas pelas chamadas telefônicas, em especial no horário noturno. O monitoramento

realizado pelo GPS controla os passos em tempo real do usuário através de um satélite e um

computador, através de um dispositivo móvel acoplado ao corpo. Sobre os sistemas e

tecnologias, pode-se agregar:

O sistema passivo, também chamado sistema de contato programado, consiste na

utilização de um telefone a fim de verificar se a pessoa submetida aos monitores

eletrônicos está no endereço designado, no horário previsto. Uma pessoa

escolhida para tal fim faz chamadas telefônicas aleatórias para o local onde se

espera que o condenado se encontre, devendo o monitorado respondê-las

pessoalmente. Os meios empregados para comprovar sua identidade incluem o

fornecimento de uma senha ou de um código previamente estabelecido, o

reconhecimento de impressões digitais, da íris do olho ou da voz, assim como a

introdução de um objeto preso a ele de forma inamovível num decodificador.

(JAPIASSÚ; MACEDO, 2008, p. 14).

Ainda acerca dos sistemas e tecnologias, os autores supracitados prosseguem o raciocínio,

apontando ainda que:

O sistema ativo, conhecido como sistema de monitoramento contínuo e o mais

correntemente utilizado, sobretudo na França, permite saber a localização do

indivíduo de maneira ininterrupta, sem necessitar de sua colaboração. Assim,

impõe restrições à locomoção do sujeito submetido à vigilância, permitindo-lhe

dirigir-se a locais onde possa ser encontrado. Além disso, tal sistema pode ser

usado para impedir o acesso do condenado a determinadas pessoas – potenciais

vítimas – ou lugares. Para funcionar, este procedimento exige vários elementos:

um bracelete transmissor, um receptor-transmissor, um centro de vigilância e um

terminal de controle (JAPIASSÚ; MACEDO, 2008, p. 14).

12

Há várias classificações sobre o instituto. Do momento de sua aplicação, podem-se

destacar as formas de detenção, restrição e vigilância. A mais comum é a que o monitorado

permanece em lugar predeterminado, essa é a detenção. A restrição é aplicada para que o

indivíduo não frequente determinados locais ou se aproxime de determinadas pessoas como,

por exemplo, testemunhas e vítimas. A vigilância é a manutenção da supervisão contínua,

sem restringir movimentação. Poderá ser aplicada na fase anterior ao julgamento, como forma

de prisão provisória; na fase posterior ao julgamento, muito parecido com a restrição; e por

último, no estágio da pós-prisão, como forma de readaptação e transição da prisão para a

liberdade.

3.2 EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS

Atualmente, dentre os países que acolheram a Vigilância Eletrônica, citam-se o

Canadá, Inglaterra, Escócia, Suécia, Holanda, França, Bélgica, Itália, Alemanha, China,

Japão, Dinamarca, Espanha, Tailândia, Hungria, Portugal, Suíça, Andorra, Austrália,

Noruega, Nova Zelândia, Argentina, Israel, Singapura, África do Sul, Chile, Colômbia,

Panamá, República Dominicana, México e Ilhas Açores. Muito dos países supra já algum

tempo usam a tecnologia. Cada país usa da forma melhor a sua legislação, em variados

programas, sempre atualizando, diversificando e ampliando seu rol de possibilidades.

Os Estados Unidos possui a maior população carcerária mundial com,

aproximadamente, 2,2 milhões de presidiários. Sob vigilância monitorada possui cerca de 250

mil pessoas sendo monitoradas anualmente em mais de 40 Estados. Os estadunidenses

aplicam o monitoramento em todas as fases do processo penal, inclusive aos presos que

aguardam julgamentos (JAPIASSÚ; MACEDO, 2008).

Aplicam também na liberdade condicional, suspensão condicional da pena e como

forma de detenção domiciliar. O dispositivo mais utilizado é a tornozeleira, porém aplicam-se

pulseiras, cintos e colares. Outra curiosidade, é que, geralmente, os usuários assumem parte

dos custos com o equipamento. Os crimes que preveem a prisão virtual nos EUA são

amplamente variados, vai desde infrações de trânsito, dirigir sob o efeito de álcool, posse de

drogas e violência de todos os tipos, sobretudo, a doméstica. Em alguns Estados há o

consentimento do indivíduo e em outros não.

13

No Estado da Flórida emprega-se com os estupradores para o resto de suas vidas, uma

legislação muito criticada devido à perpetuidade e desestímulo a recuperação, enquanto outros

defensores aceitam o uso devido não acreditar nas hipóteses de cura nesses casos. Atualmente,

em Illinois, um projeto mais arrojado começou a ser implantado. Determinados detentos

utilizam a pulseira eletrônica dentro do estabelecimento penal, com a meta de identificar e

responsabilizar os presos que se envolvem em tumultos, fugas e até rebeliões.

Recentemente, uma estatística feita no Colorado, aprovou com grandes méritos o

sistema de vigilância telemática, pois desde a sua implantação por volta de 1992, 24.978

pessoas submeteram-se ao monitoramento. Dessas mais de 93% terminaram suas sentenças,

mais de 78% permanecem empregados ou passaram a trabalhar em alguma atividade

qualquer. Nesse estado, para a manutenção do monitoramento, era cobrada uma taxa mínima

ao apenado (JAPIASSÚ, 2007).

Na Suécia, como alternativa ao encarceramento, foi elaborada a lei que trata sobre o

monitoramento eletrônico no ano de 1994. Esta lei tratava sobre crimes no trânsito, taxado

como crime grave naquele país. Já no ano de 2001, foi ampliado o rol para tráfico de drogas,

fraudes e sonegação fiscal, onde os sentenciados a dois ou mais anos de prisão poderá ser

controlado eletronicamente por um período máximo de quatro meses. Os condenados a crimes

sexuais e violentos não tem direito a tal sistema. Os beneficiados com a medida não podem

ingerir bebidas alcoólicas e fazer uso de drogas, sob pena de perder o benefício, além de

participar de programas de recuperação. Há visitas periódicas a casas dos beneficiados com a

retirada de amostras e testes de urina como forma de controle.

O próprio condenado arca com os custos do aparelho, sem falar que tem que ter

domicílio, com luz elétrica e um telefone fixo (o que não deve ser difícil nesse país). Segundo

Mariath, o sistema logrou muito êxito até então, estima-se que tenha substituído,

aproximadamente, 17 mil penas privativas de liberdade, fechando dez pequenas unidades com

capacidade para 400 presos (MARIATH, 2007).

Portugal começou a utilizar em 2002 como alternativa à prisão preventiva. O sistema

português prevê, expressamente, o uso de monitoramento nos casos de violência doméstica.

Apesar de ainda haver muitas discussões a respeito da sua validade como opção ao cárcere ou

modalidade de controle social, os bons resultados sobre a operacionalidade e custos inferiores

ao sistema penitenciário, levam o governo português a expandir por todo o país. Na Inglaterra

usava-se no começo o sistema front-door, posto que o juiz adotasse a medida em lugar da

pena privativa de liberdade.

14

Em 1999, foi utilizado também como back-door, dessa forma facilitava a transição dos

apenados encarcerados para a sociedade antes do término da pena privativa sob rastreamento

eletrônico, esse programa ficou conhecido como Home Detention curfew – HDC (REIS,

2004). O programa HDC foi um sucesso nessa transição (94% terminaram o HDC com

sucesso), alcançando uma economia significante para o sistema prisional, porém, obteve

pouco impacto sobre a reincidência (DODGSON, 199 apud MARIATH, 2007).

Segundo Reis (2004) ainda existia outra forma de controle que era chamado de curfew

orders, que se baseava em ordens proibindo a frequência de alguns lugares ou restrição para

não sair de certo lugar determinado, bem como era utilizado em indivíduos sob fiança e

reincidentes em crimes de menor gravidade. O número total de participantes gira em torno de

70 mil.

O primeiro relato da surveillance électronique na França foi em 1997, a lei no

momento prestigiava o uso nas condenações de penas privativas de liberdade que não

excedessem a um ano ou, quando no resto da pena privativa, não excedesse a um ano. Nessa

mesma legislação existia a possibilidade no livramento condicional com duração de no

máximo um ano também. Após uma reforma legislativa, em 2002 começou a se usar em todo

o país, e em 2005 foi introduzido o sistema de GPS para os condenados perigosos, a fim de

assegurar a não reincidência. Mais de dez mil pessoas utilizaram o equipamento em 2009 e

com pouquíssimos casos registrados de transgressões.

O primeiro país a adotar na América Latina foi a Argentina, em 1997 como reforço a

prisão domiciliar. Logo depois empregou nas hipóteses de prisão preventiva e como

alternativa à prisão antes da sua liberação. O sistema imposto é o ativo e passivo, usado em

inúmeros crimes. Caso o monitorado necessite afastar de determinada área, deverá solicitar a

permissão ao pessoal de controle. O custo operacional, testado em 300 presos, do programa

gira em torno de 50% do valor gasto com um preso no sistema (REIS, 2004).

3.3 MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO BRASIL

O mal do cárcere, a superpopulação carcerária, o seu custeio, os altos índices de

reincidência e, por outro lado, os êxitos obtidos com o monitoramento eletrônico em países

diferentes, percebe-se que o sistema de penas privativas de liberdade passa por um período de

decadência. Com o sucesso da unidade prisional virtual, o Brasil vê nesse sistema uma

possibilidade auxiliadora e alternativa à prisão. Desde 2001, o Congresso Nacional discute a

15

respeito da utilização do monitoramento na justiça criminal. Deste modo, Mariath (2007, p. 2,

grifo nosso) aduz:

Nesse contexto, surgiram os Projetos de Lei nº 4.342/01 – Deputado Marcus

Vicente; e nº 4.834/01 - Deputado Vittorio Medioli. Ambos apresentavam como

solução o uso de dispositivo eletrônico como controle de acusados ou condenados,

acreditando que o mesmo seria capaz de reduzir o número de presos, além de

potencializar a ressocialização dos condenados à sociedade, uma vez que tal

equipamento permitiria o trabalho, o convívio familiar e a participação de cursos e

atividades educativas [...]. Em 2007, várias propostas se sucederam (PL 337/2007 –

Deputado Ciro Pedrosa; PL 510/2007 – Deputado Carlos Manato; PL 641/2007 –

Deputado Édio Lopes; PLS 165/2007 – Senador Aloísio Mercadante emendado pelo

Senador Demóstenes Torres (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania); e PLS

175/2007 – Senador Magno Malta), todas, ainda que separadamente, perseguem dois

objetivos: a) redução da população carcerária, seja pela substituição da prisão

preventiva pelo monitoramento eletrônico, seja pelo não recolhimento do preso, nos

casos em que o mesmo se encontra cumprindo pena no regime aberto; e b) retorno

harmônico do preso ao meio social, ainda durante o cumprimento de pena, sem a

perda do poder de vigilância do Estado.

A partir do ano de 2007, houve algumas experiências locais antes da regulamentação

no ordenamento nacional. No Brasil, o Estado da Paraíba foi o primogênito do uso da

tecnologia, nasceu em um ambiente acadêmico e de discussões em sala de aula, quando o Juiz

da Vara de Execuções Penais da comarca de Guarabira, o Dr. Bruno César Azevedo Isidoro,

resolveu experimentar em apenados. Outra experiência local aconteceu em São Paulo, com a

Lei Paulista de nº 12.906, de 14 de abril de 2008 (MARCÃO, 2009). A vigilância seria de

responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária – SAP, com oitiva do

Ministério Público e permissão do condenado.

A legislação previa a utilização nos seguintes casos: prisão em residência particular,

combinado com a proibição de frequência a certos lugares; nas decisões que conceda o

livramento condicional; autorização para saída temporária; e prestação de trabalho externo.

Permitia o uso nas condenações por tortura, trafico ilícito de drogas, terrorismo, crimes

decorrentes de ações de quadrilha, bando, organizações ou associações criminosas, como

também nos casos de latrocínio, extorsão qualificada pela morte ou mediante sequestro e na

forma qualificada, estupro entre outros.

Os deveres impostos ao vigiado seria: receber visitas do servidor responsável pela

vigilância e responder a seus contatos e orientações; não causar dano ao equipamento ou ao

seu funcionamento; informar a entidade responsável falhas no equipamento.

Caso acontecesse alguma irregularidade por parte do beneficiado, haveria que apresentar as

justificativas pelo comportamento contrário á decisão judicial.

16

No Rio Grande do Sul, foi publicado em 1º de outubro de 2008, a Lei Estadual 13.044,

que estabeleceu normas de direito penitenciário e controle eletrônico de presos. Previram as

seguintes situações com uso da vigilância: fiscalização do cumprimento das decisões judiciais

que determinassem a prisão em residência particular; aplicação nos casos de proibição de

frequência em determinado lugar; nas concessões de livramento condicional; nas progressões

para o regime semiaberto e aberto; saídas temporárias; e trabalho externo (OLIVEIRA;

AZEVEDO, 2012). As mesmas condenações previstas para o uso do equipamento eletrônico

no Estado de São Paulo, igualmente, se aplica no Rio Grande do Sul.

O Estado de Goiás fez sua experiência em dez reclusos do regime semiaberto e aberto

do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, que aceitaram a monitoração através de usos

de braceletes e unidades portáteis GPS. De acordo com a Superintendência do Sistema de

Execução Penal – Susepe, da Secretaria de Segurança Pública – SSP do Estado, a economia

apresentou 50% em comparação ao custo com um encarcerado. Além dos já citados, podemos

incluir experiências no Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas e Mato Grosso,

todos com alguma utilização prática antes do advento da regulamentação da lei de

monitoração eletrônica.

3.3.1 Regulamentação: Lei 12.258/10

Foi sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após intensos debates no

Congresso Nacional, a Lei nº 12.258 de 15 de junho de 2010. O Brasil aprova a vigilância à

distância após 27 anos das primeiras experiências pelo mundo. O Monitoramento Eletrônico

foi inserido no ordenamento jurídico alterando a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984).

Introduziu no Título V (da Execução das Penas em Espécie), Capítulo I (Das Penas Privativas

de Liberdade), Seção VI da LEP, a possibilidade de utilização da vigilância a distância.

O projeto que deu origem à lei tinha contornos mais amplos, permitindo o controle em

relação a condenados no regime aberto, penas restritivas de direito, livramento condicional e

suspensão condicional da pena. Entretanto, com os vetos sofridos, foi aprovado o

monitoramento apenas nos casos de beneficiados com saídas temporárias no regime

semiaberto e aos que se encontrar em prisão domiciliar. Segue in verbis:

Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica

quando: [...]

II - autorizar a saída temporária no regime semiaberto; [...]

IV - determinar a prisão domiciliar.

17

As saídas temporárias encontram previsão legal nos artigos 122 a 125 da LEP. Visão

auxiliar o condenado na reinserção da vida em sociedade e também para analisar sua conduta.

Estão assim dispostas:

Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter

autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos

seguintes casos:

I - visita à família;

II - frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º

grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Parágrafo único. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de

equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o

juiz da execução (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010).

Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução,

ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da

satisfação dos seguintes requisitos:

I - comportamento adequado;

II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e

1/4 (um quarto), se reincidente;

III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Art. 124. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias,

podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano.

Parágrafo único. Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante, de

instrução de 2º grau ou superior, o tempo de saída será o necessário para o

cumprimento das atividades discentes.

§ 1º Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes

condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a

situação pessoal do condenado: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010).

I - fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser

encontrado durante o gozo do benefício; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010).

II - recolhimento à residência visitada, no período noturno; (Incluído pela Lei nº

12.258, de 2010).

III - proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres.

(Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010).

§ 2º Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante, de instrução de ensino

médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das

atividades discentes. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.258, de 2010).

§ 3º Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas

com prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de intervalo entre uma e outra.

(Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010).

Art. 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar

fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições

impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.

Parágrafo único. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da

absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da

demonstração do merecimento do condenado.

Aqui já podem ser notadas as modificações dadas pela lei nº 12.258/10, que versa

sobre o sistema de monitoramento eletrônico. Em vista do descumprimento das condições

impostas aos sentenciados, em especial, das inúmeras reincidências, para o fim de garantir a

18

segurança pública, entendeu o legislador, justificadamente, por bem em instituir o controle

eletrônico dos presos em gozo de saída temporária.

O benefício da saída temporária é importante no cumprimento da execução penal, ela

prepara a reintegração do preso ao convívio sócio/familiar. Apesar de certa forma, ser

invasiva, faz necessário para preservação da ordem pública, sem considerar que não trata de

obstáculo ao preso, já que não é obrigado a usufruir de saídas temporárias. Dessa forma, caso

o preso em saída temporária, não concorde em sair para um período de trabalho externo com a

fiscalização eletrônica, o julgador poderá revogar sua autorização para atividade laborativa

externa, consoante se observa através do julgado colacionado abaixo:

Habeas-corpus - Execução Penal - Revogação da permissão para da saída temporária

para fins de trabalho - Pleito de suspensão dos efeitos da r. decisão bem como

obtenção de salvo conduto ao paciente para que ele não seja submetido à

fiscalização por monitoramento eletrônico durante a realização de atividade

laborativa externa - Alega irretroatividade da Lei 12.258/2010 - Impossibilidade -

Habeas-corpus, ante o seu restrito âmbito de cognição, não é meio idôneo para a

análise de pedidos concernentes a incidentes de execução - Ordem não conhecida

TJSP. HC, nº 0078311-88.2012.8.26.0000, 5ª Câmara Criminal, Rel. Des. Sérgio

Ribas, j. 26.07.2012.

Embora beneficiado com o cumprimento de pena em regime menos vigiado, continua

preso sob a custódia do Estado, que também é responsável pela segurança pública, assim,

necessário que se saiba onde se encontra o detento quando fora das instalações prisionais. A

tecnologia empregada no monitoramento eletrônico será semelhante a dos Estados Unidos,

com equipamentos da empresa israelita Elmo-Tech. O equipamento é composto por uma

pulseira e um transmissor semelhante a um telefone celular, permitindo uma vigilância

constante. No Brasil, a empresa é representada pela Seek Tecnologia que atua desde 1989 em

29 países e abarcando mais de 100 mil monitorados (PEREIRA, 2010). Deste modo, o

vigiado deverá ter cuidado e deveres ao usar o equipamento. O artigo 146-C prevê que:

Art. 146-C. O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com

o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres:

I - receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder

aos seus contatos e cumprir suas orientações;

II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o

dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça;

Caso haja descumprimento de uma das medidas apontadas, o condenado sofrerá

consequências graves ao destino da sua execução penal, incluindo a possibilidade de

19

regressão ao regime prisional. Dessa forma, o parágrafo único do artigo em questão traça as

consequências da violação comprovada:

Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá

acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa:

I - a regressão do regime;

II - a revogação da autorização de saída temporária; [...]

VI - a revogação da prisão domiciliar;

VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida

não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.

A violação comprovada dos deveres terá que ser submetida ao contraditório e a ampla

defesa, no devido processo legal, sendo a decisão fundamentada e baseada em critérios de

legalidade, razoabilidade e proporcionalidade. Antes da decisão deverá haver os pareceres do

Ministério Público e da defesa, sob pena de nulidade da decisão (MARCÃO, 2009). Como,

por exemplo, o rompimento da tornozeleira eletrônica fará com que o vigiado receba uma

mensagem mandando procurar o controle de execução da pena, caso não faça isso, será

considerado foragido e poderá retornar a prisão (MARCÃO, 2009). Além das situações

abordadas, a Lei de Execução Penal em seu art. 146-D, expressa que poderá ser revogado o

monitoramento:

Art. 146-D. A monitoração eletrônica poderá ser revogada:

I - quando se tornar desnecessária ou inadequada;

II - se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua

vigência ou cometer falta grave.

Para que ocorra a revogação nos casos dos artigos 146-C, parágrafo único e 146-D,

deverá haver anteriormente a decisão uma audiência de justificação, como forma de reinar as

garantias constitucionais. Embora a lei não tenha tocado no assunto, o dispositivo eletrônico

só poderá ser aplicado aos presos que assim o desejar se submeter voluntariamente, como

poderá desistir a qualquer momento. Com a expressa autorização estará respeitando a

autonomia moral e o titular de direitos fundamentais (PRUDENTE, 2012).

A Lei n. 12.258/10 apesar de inovar e introduzir o sistema de vigilância telemática no

sistema jurídico brasileiro, não foi poupado de críticas. A principal delas esta relacionada aos

seus objetivos não alcançados, uma vez que só atingirá presos condenados que se encontram

fora do sistema carcerário, não havendo a redução da população prisional, e sim, mais uma

forma de controle auxiliar e fiscalizatória por parte do Estado. Quem possui o direito da saída

temporária, continuará gozando do benefício, no entanto, com uma responsabilidade a mais da

20

vigilância monitorada. No caso da prisão domiciliar, da mesma forma, será monitorado.

Percebemos que o equipamento aumentou a rigidez no controle dos condenados bem como

ficou mais dispendioso a execução criminal (REALE JÚNIOR, 2009).

Outra censura de grande relevo foi as incoerentes razões de veto presidencial para o

monitoramento no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e

na suspensão condicional da pena. Já que se, nos casos em tela, foi vetado em virtude dos

“custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez

que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva

ser preso” (BRASIL, 2010) do mesmo modo era para ter vetado os aprovados pelo Congresso

Nacional, já que apenas acresce no rigor da pena. Assim sendo, nas palavras de Luís Carlos

Valois (2012, p. 130):

Se a intenção do legislador era realmente que a prisão ficasse reservada somente

para casos extremamente necessários, assumindo como parâmetro legislativo a

realidade do sistema prisional, o monitoramento, na forma como foi pensado, seria

descartável.

O veto nos institutos colacionados, realmente, só faz aumentar os custos da execução

penal, todavia auxiliaria, e muito, na autodisciplina e senso de responsabilidade, além de uma

fiscalização sobre os apenados.

3.3.2 Monitoração como medida cautelar: Lei 12.403/11

Apesar da inovação e regulamentação no Brasil da lei 12.258/10, a sua atribuição

ainda é tênue, meramente auxiliar e fiscalizatória no controle dos apenados, devendo avançar

a um patamar maior. Deste modo, quase um ano após a positivação da tecnologia, foi editada

a lei 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal - CPP, em respeito à prisão

processual, fiança, liberdade provisória e outras medidas cautelares, abordando a vigilância

eletrônica como medida cautelar diversa da prisão.

O órgão legislativo ampliou o uso aos agentes em processo criminal, não condenados,

sistematizando com o princípio da Presunção de Inocência e Dignidade da Pessoa Humana,

como uma medida alternativa e protetora. A lei, datada de 04 de maio de 2011, modificou o

Título IX, do Livro I, do CPP, passando a denominar “Da Prisão, Das Medidas Cautelares e

da Liberdade Provisória”. Inseriram diversas medidas cautelares alternativas à prisão

provisória, dentre elas a monitoração eletrônica. Dessa forma, o sistema eletrônico está

21

expressamente inserido como medida cautelar processual, podendo ser aplicada antes mesmo

da sentença condenatória, desde que obedecidos os requisitos legais. É uma alternativa à

prisão preventiva, sendo esta a ultima ratio.

A vigilância indireta começa a cumprir sua premissa principal, qual seja uma autêntica

substituição da prisão, figurando com instrumento capaz de reduzir a população carcerária,

gerando com isso, a diminuição dos custos decorrentes do encarceramento e uma potencial

redução da prática de novos delitos por parte do agente que se encontra monitorado.

A prisão processual é um meio necessário para garantir a efetividade do processo

criminal, figurando aqui a presunção da inocência até a sentença judicial. Logo se percebe seu

caráter instrumental, com o fim de resguardar e garantir a ordem pública ou econômica, por

conveniência, instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Não obstante,

existem outras formas de garantia da efetividade do processo, sem necessariamente a privação

da liberdade, assim, acertadamente, incluiu o legislador a monitoração eletrônica.

A lei em comento inova ao autorizar a aplicação da localização eletrônica aos

indiciados ou acusados e não, apenas, aos condenados. “A prisão preventiva será determinada

quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar” (64 Art. 282, § 6º do

CPP), nesse contexto, antes de decretar a prisão preventiva, faz-se imprescindível analisar a

possibilidade de aplicação de medidas cautelares.

De acordo com o mesmo artigo, incisos I e II, na aplicação das medidas cautelares

deverá observar a necessidade da aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução

criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. Além

desses pressupostos, a medida deve se adequar à gravidade do crime, circunstâncias do fato e

condições pessoais do indiciado ou acusado.

É interessante observar que com a nova possibilidade de medida processual, se

cumprirá a risca a adequação à gravidade do crime, as circunstâncias fáticas e condições

pessoais do indiciado, evitando excessos na implementação de prisão às pessoas que, em caso

de condenação, sofrerão penas restritivas de direito ou evitar que o condenado a pena de curta

duração, fique preso a mais do que o imposto judicialmente. As medidas cautelares foram

previstas no art. 319 do atual CPP:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz,

para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por

circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante

desses locais para evitar o risco de novas infrações;

22

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por

circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer

distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente

ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o

investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza

econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática

de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com

violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-

imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos

do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência

injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica (grifo nosso).

Na fase da investigação criminal, somente o Ministério Público e a autoridade policial

estão legitimados a promover tais medidas, já na instrução, o juiz poderá decretar a medida de

ofício ou ainda fazê-lo a requerimento das partes, inclusive pelo assistente de acusação

(RIBEIRO, 2011). As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.

Nos casos de descumprimento, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em

último caso, decretar a prisão preventiva. Ainda, poderá revogar a medida ou substituí-la

quando verificar a falta de motivo, bem como voltar a decretá-la caso razões a justifiquem

(Art. 282, §§ 1º, 4º e 5º, CPP).

Destarte, em caso de descumprimento de medida, que não seja a vigilância eletrônica,

poderá ser decretada outra medida ou mais uma, do qual será a monitoração eletrônica,

ficando mais rígida a fiscalização. Ainda, poderá por em acúmulos com outras, do inciso I a

VI do art. 319, CPP, como forma de garantir a execução delas. Outra novidade trazida com a

lei, apesar de já vindo sendo adotado nos tribunais e com inspiração no art. 117 da LEP, foi a

prisão preventiva domiciliar.

Positivada no art. 317 e 318 do CPP, poderemos abarcar essa prisão residencial

juntamente com o uso do equipamento eletrônico. Mais de um mês após a edição da Lei

12.403/11, é aprovada a lei 12.433 de 29 de junho de 2011, alterando a Lei de Execução

Penal. Trouxe como benefício ao preso provisório, a remição de parte da pena através do

estudo, expresso no art. 126, §7º da LEP. Dessa maneira, afirma que suas disposições se

aplicam as hipóteses de prisão cautelar, remindo parte de sua pena com frequência a cursos.

Vislumbramos o uso da tornozeleira eletrônica nessa conjetura.

Portanto, com a introdução do monitoramento como medida cautelar, teremos uma

significativa redução da população carcerária e de seu aprisionamento, posto que será bem

23

menor a quantidade de presos provisórios, já que hoje, a população provisória corresponde a

mais de 40% do total de presos. Consequentemente, facilitará para o Estado a separação dos

condenados e provisórios, tonando possível à individualização da pena e proporcionando um

maior contato com sua família, evitando a dessocialização da prisão.

A prisão preventiva não possui prazo certo para durar, sendo o Princípio da

Razoabilidade usado como parâmetro a fim de obter uma duração razoável da prisão cautelar.

Porém, na prática notamos um uso exagerado no tempo pelo magistrado, que aliado à

morosidade da justiça, faz a cadeia virar um tormento ao acusado e sua família. A liberdade

vigiada acabará com a banalização das prisões preventivas, as dúvidas do magistrado em

deixar o acusado solto ou preso, os excessos temporais da pessoa na prisão ou nos casos em

que não caiba mais a preventiva.

A nova alteração legislativa dará um novo panorama às prisões brasileiras. Como

regra, deixa-se solto, caso não possa ficar solto, emprega-se uma ou mais medidas cautelares,

e, se mesmo assim, não poder estar em liberdade, será aplicada a prisão preventiva. Conclui-

se que o legislador brasileiro acertou em programar medidas cautelares diversas da prisão,

sendo esta a ultima racio no ordenamento interno, estando em plena conformidade com o

Princípio Constitucional da Presunção de Inocência.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude do quadro atual do sistema penitenciário brasileiro, o Brasil instituiu a

monitoração eletrônica baseado em experiências internacionais, foi positivado no Direito

Federal brasileiro com a Lei 12.258/10, mas antes disso, leis e experiências locais já vinham

prevendo a utilização. A lei em comento aprovou o monitoramento apenas nos casos de

beneficiados com saídas temporárias no regime semiaberto e aos que se encontrar em prisão

domiciliar. Apesar da inovação e regulamentação no Brasil, a sua atribuição ainda é tênue,

meramente auxiliar e fiscalizatória no controle dos apenados, devendo avançar a um patamar

maior, como observado em outros países.

Deste modo, quase um ano após a positivação da tecnologia, foi editada a lei

12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal, em respeito à prisão processual, fiança,

liberdade provisória e outras medidas cautelares, abordando a monitoração eletrônica como

medida cautelar diversa da prisão. O órgão legislativo ampliou o uso aos agentes em processo

criminal, não condenados, sistematizando com o princípio da Presunção de Inocência e

Dignidade da Pessoa Humana, como uma medida alternativa e protetora.

24

A tecnologia consiste na utilização de dispositivos eletrônicos, como pulseiras, chips,

tornozeleiras, cintos, que servem para localizar e controlar presos que respondem a processo

penal ou já estão em fase de cumprimento de pena. Importante ferramenta para o Estado

fiscalizar o cumprimento das decisões judiciais e evitar o desnecessário encarceramento. O

monitoramento se enquadra na concepção repressivo-preventiva da pena. O instrumento visa

proporcionar o cumprimento de reprimendas próximo à sociedade, satisfazendo a teoria mista

adotada pelo Brasil e atendendo as normas da Lei de Execução Penal que busca a

reincorporação do apenado à comunidade.

A implementação da vigilância à distância propõe alcançar uma pena mais humana,

permitindo ao monitorado a presença ao lado da família, atendendo aos preceitos do Estado

Democrático de Direito. Apresenta-se como um meio a colaborar com o Estado na busca por

soluções aos grandes desafios como, por exemplo, as mazelas provocadas pelo cárcere, seu

alto custo, a superpopulação e a reincidência criminal.

Apesar das críticas, já aqui demonstradas, restou evidenciado que diante de vantagens

e prejuízos advindos do sistema tecnológico, é altamente favorável o uso da monitoração. O

monitoramento eletrônico de presos ou qualquer outra solução que venha ser colocada a

disposição, no lugar do encarceramento, é digno de ser estudado ou até mesmo usado como

experimento.

É importante frisar as experiências locais bem sucedidas em projetos pilotos e já com a

nova lei no Brasil, como também as taxas de sucessos obtidos em vários países com o uso da

tecnologia, sendo responsável pela redução do número da população carcerária, diminuição

dos gastos com o sistema penitenciário, redução da reincidência e do número de fugas. Desta

forma, observando o sucesso da monitoração eletrônica em outros países, é de se esperar que

essa medida se torne uma válvula de escape para o falido sistema penitenciário brasileiro,

possibilitando que o preso possa cumprir efetivamente a sua pena total com um pouco de

dignidade. Ao longo deste estudo, podemos perceber que apesar da pouca utilização no

Brasil, a tecnologia poderá abranger ainda mais possibilidades, além dos casos expressos nas

Leis 12.258/10 e 12.403/11.

25

ELECTRONIC MONITORING IMPLEMENTATION IN CRIMINAL AND ITS

BRAZILIAN ALTERNATIVE TO PRISON

ABSTRACT

The perceived failure of the custodial sentence as a tool for rehabilitation, yet immense costs

associated with the maintenance of the prison system, the state emerges for the creation of

new alternative sanctions. Take care of the present study an analysis of the electronic

monitoring of inmates and how to maintain surveillance outside the boundaries of the

convict's prison. It addresses the legislative innovations brought to the law 12.258/10,

introducing the Brazilian legal system monitoring, and law 12.403/11 which deals with

electronic surveillance as a precautionary measure. The research aims to address in detail the

monitoring institute, demonstrating the success of international experiences, its viability as a

means of social control as an alternative to prison and assist in criminal enforcement. Does

the work developed through literature searches, examinations of legislation, articles relevant

to the topic and the internet. Thus, it was found that the use of technology as an alternative

means - despite some criticism and alleged flaws pointed out throughout this work - is

capable of reducing the prison population and state spending, as well as greater and their

rehabilitation, consequently, reducing recidivism.

Keywords: Electronic Monitoring. Criminal Enforcement. Law 12.258/10. Law 12.403/11.

REFERÊNCIAS

BECCARIA, CESARE. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

1997.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Decreto Lei 2848 de 07 de dezembro de 1940.

________. Decreto Lei nº 3.689 de 3 de Outubro de 1941.

________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado; 1988.

CAIADO, Nuno. Monitoramento eletrônico e ética – um olhar de um prático, in

Monitoramento eletrônico em debate. Coleção judiciário do futuro, v.1. Ed. Lumen Juris:

Rio de Janeiro, 2012.

CAITANO, Adriana. Morte de irmãs põe em xeque saída temporária de presos. Veja, 03 de

abril de 2011.

CAPEZ, Fernando. Monitoramento eletrônico em face do advento da Lei n. 12.403, de 04

de maio de 2011. Postado no dia 26/09/2011. Disponível em:

<http://www.fatonotorio.com.br/artigos/ver/87/advento-da-lei-n-12403-de-04-de-maio-de-

2011 > Acesso em: set. 2015.

26

______. Curso de Direito Penal, volume I, parte geral. 15. ed.- São Paulo: Saraiva, 2011.

CÉRÉ, Jean-Paul. La Surveillance Électronique: Une réelle innovation dans le procés penal?.

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, ano VII, n. 08, p.

107, jun. 2006.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 29. ed. Petrópolis: vozes, 2004.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

______. Site oficial. Artigos. Monitoramento Eletrônico. Disponível em:

<http://www.rogeriogreco.com.br/?p=1397> Acesso em: set. 2015.

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo A. A crise do sistema penitenciário: a experiência da vigilância

eletrônica. Boletim IBCCrim, São Paulo, ano 14, n. 170, ps. 2-3, jan. 2007.

_________, Carlos Eduardo Adriano e MACEDO, Celina Maria. O Brasil e o Monitoramento

Eletrônico, In Monitoramento Eletrônico: Uma Alternativa à Prisão? Experiências

Internacionais e Perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e

penitenciária, Ministério da Justiça, 2008.

MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MARIATH, Carlos Roberto. Monitoramento eletrônico: liberdade vigiada. 2007. Disponível

em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team=%7BF8BD547DF317C888%7D.. Acesso em: set.

2015.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

OLIVEIRA, Edmundo. Direito Penal do Futuro: a prisão virtual. Rio de Janeiro: Forense,

2007.

PEREIRA, Jaime Cassimiro. Monitoramento Eletrônico em Presos: Uma Alternativa à

Prisão? 19 de junho de 2010. Disponível em: http://www.jaimepereira.adv.br/artigos/55-

monitoramento-eletronico-em-presos.html. Acesso em: set. 2015.

PRUDENTE, Neemias Moretti. Sozinho mas não esquecido: uma análise sobre o sistema de

monitoramento eletrônico de infratores, in: Monitoramento eletrônico em debate. Coleção

judiciário do futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

REALE JÚNIOR, Miguel. A história do direito penal é a história de um largo processo de

humanização da repressão. In: Instituições de direito penal: parte geral. 3. Ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2009.

REIS, Fábio André Silva. Monitoramento Eletrônico de Prisioneiros: breve análise

comparativa entre as experiências inglesa e sueca. 2004. Disponível em:

<http://www.lfg.com.br/artigos/Blog/.pdf>. Acesso em: set. 2015.

REIS, Gisela Barbosa dos. A vigilância Eletrônica de Condenados como Opção ao Cárcere. In

Revista do Conselho de Criminologia e Política Criminal. Belo Horizonte, v.9, dez. 2006.

27

VALOIS, Luís Carlos. Ensaio sobre o monitoramento eletrônico (Lei 12.258/10), in

Monitoramento eletrônico em debate. Coleção judiciário do futuro. Rio de Janeiro: Lumen

Juris 2012.

VIANNA, Túlio. Do rastreamento eletrônico como alternativa à pena de prisão, in

Monitoramento eletrônico em debate. Coleção judiciário do futuro, Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2012.

VITORES, Anna e DOMÈNECH, Miguel. Tecnology y Poder: Un Análisis Foucaultiano de

los Discursos acerca de la Monitorización Electrônica. Forum Qualitative Social Research.

v. 8, n. 2. 2012.

WEIS, Carlos. Estudo sobre o Monitoramento Eletrônico de Pessoas Processadas ou

Condenadas Criminalmente, in Monitoramento Eletrônico: Uma Alternativa à prisão?

Experiências Internacionais e Perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária, Ministério da Justiça, 2008.