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Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 1 Módulo 1 • Unidade 2 Intolerância e Alteridade Para início de conversa... Se alguém perguntar sobre sua identidade, é bem provável que você mostre sua Carteira de Identidade, pois lá existem informações que são únicas e que identificam você diferenciando-o, ao mesmo tempo, dos demais. Todavia, há uma série de informações sobre você que revelam coi- sas a seu respeito e que não estão lá contida. Por exemplo: lá não consta sua orientação sexual, profissão, religião, endereço, grau de instrução, clas- se social ou clubes e associações dos quais você participa. Todas essas informações sinalizam a sua participação ou não em determinados grupos sociais, constituídos a partir de várias características como idade, gênero (masculino, feminino), orientação sexual, profissão, religião, lugar de moradia, grau de instrução entre outros. Nosso engajamento no mundo depende não apenas do que somos, de nossos valores e nossas ações, mas também de nossa interação com os outros, que são muitas vezes diferentes de nós, com valores e ações de que, eventualmente, não gostamos. Como você reage ao encontro com pessoas que possuem características físicas e culturais diferentes das suas? Essa é uma boa reflexão para começarmos o nosso estudo! Nesta unidade, vamos refletir sobre como essa relação com o outro pode ser de intolerância, gerando uma situação em que as diferenças levam à discriminação negativa, ou de alteridade, uma situação em que ocorre o reconhecimento e o acolhimento das diferenças.

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Page 1: Módulo 1 • Unidade 2 Intolerância e Alteridadeªncias_Humanas_Unidada 2... · seja imediatamente útil ou que possa romper sua relação de harmonia com a Natureza. Ou seja, não

Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 1

Módulo 1 • Unidade 2

Intolerância e AlteridadePara início de conversa...

Se alguém perguntar sobre sua identidade, é bem provável que

você mostre sua Carteira de Identidade, pois lá existem informações que

são únicas e que identificam você diferenciando-o, ao mesmo tempo, dos

demais. Todavia, há uma série de informações sobre você que revelam coi-

sas a seu respeito e que não estão lá contida. Por exemplo: lá não consta

sua orientação sexual, profissão, religião, endereço, grau de instrução, clas-

se social ou clubes e associações dos quais você participa.

Todas essas informações sinalizam a sua participação ou não em

determinados grupos sociais, constituídos a partir de várias características

como idade, gênero (masculino, feminino), orientação sexual, profissão,

religião, lugar de moradia, grau de instrução entre outros.

Nosso engajamento no mundo depende não apenas do que somos,

de nossos valores e nossas ações, mas também de nossa interação com os

outros, que são muitas vezes diferentes de nós, com valores e ações de

que, eventualmente, não gostamos.

Como você reage ao encontro com pessoas que possuem características físicas e culturais diferentes

das suas? Essa é uma boa reflexão para começarmos o nosso estudo!

Nesta unidade, vamos refletir sobre como essa relação com o outro pode ser de intolerância, gerando

uma situação em que as diferenças levam à discriminação negativa, ou de alteridade, uma situação em que

ocorre o reconhecimento e o acolhimento das diferenças.

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Módulo 1 • Unidade 22

Objetivos de aprendizagem � Compreender como a interação com o outro expressa relações de intolerância ou alteri-

dade.

� Analisar as relações discriminatórias da cultura europeia com os indígenas brasileiros, no processo de colonização.

� Caracterizar situações de alteridade.

Seção 1A intolerância e a discriminação

Embora sejam seres da mesma espécie, muitas vezes, na história da humanidade, en-

contramos situações em que alguns humanos subjugam, dominam e eliminam outros, sob

as mais diferentes motivações. Os “outros”, não fazendo parte do mesmo grupo, são consi-

derados diferentes e, como tais, não detinham o mesmo direito e condição de existência.

As diferenças estavam centradas em alguns traços físicos secundários e, sobretudo, em seus

traços culturais ou pessoais, expressando os mais diferentes costumes e hábitos. A intolerân-

cia é uma constante na nossa história. Temos pessoas que não toleram outras em função de

diferenças políticas, religiosas, econômicas, étnicas, sociais e culturais em geral.

A palavra discriminação em si não tem nenhuma conotação positiva ou negativa. Sig-

nifica simplesmente fazer distinção ou caracterizar, identificar aquelas características ou qua-

lidades que identificam alguma coisa, ou um animal, ou uma pessoa ou grupo social e que os

diferenciam de outros.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 3

Figura 1: Discriminação: agrupamento de características semelhantes que diferenciam um grupo de outros.

No entanto, tradicionalmente, temos usado discriminação num uso sociológico, signi-

ficando uma discriminação negativa, ou seja, uma distinção que nega a alguns os direitos e a

dignidade que são oferecidos ou garantidos a outros. Assim temos, por exemplo:

a) Discriminação racial ou étnica: quando a distinção negativa ocorre em função de diferenças étnicas.

b) Discriminação cultural: quando ocorre uma valoração diferenciada de uma deter-minada cultura. Como não existem culturas mais e menos evoluídas, ou melhores e piores, pode-se, em função de valores estéticos, morais ou outros, não gostar dessa ou daquela cultura ou de determinados traços de uma cultura. Aqui, a discri-minação tanto pode estar relacionada a culturas de povos, como ocorre nas discri-minações étnicas, quanto estar relacionada a subculturas, dentro de uma cultura, como, por exemplo, pelo fato de se pertencer a um grupo de hip hop, roqueiros, skatistas, Emo etc.

c) Discriminação religiosa: quando se manifesta em função do pertencimento ou participação em uma religião ou igreja.

d) Discriminação de gênero: quando se privilegia ou se nega a igualdade de condi-ções em função da pessoa ser do sexo masculino ou feminino.

e) Discriminação de orientação sexual: quando a discriminação ocorre pelo reconhe-cimento de apenas uma forma de expressão de afetividade ou sexualidade de al-

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Módulo 1 • Unidade 24

guém. No Brasil, por exemplo, o padrão tradicional e publicamente aceito tem sido a heterossexualidade e, muitos, injustamente usaram e usam disso como pretexto para a discriminação de gays, lésbicas, bisexuais e transgêneros.

f ) Discriminação etária: quando a discriminação ocorre em função da idade. Nega- se, sobretudo, a crianças e idosos determinados direitos que outros de meia idade teriam.

g) Discriminação econômica: quando a discriminação se dá em função de a pessoa ter renda baixa ou não ter renda, moradia ou outros bens econômicos.

h) Discriminação instrucional: quando a discriminação ocorre em função do nível de instrução ou escolaridade. Relaciona-se a quantos anos de escola alguém frequen-tou, se concluiu Ensino Médio, Superior ou pós-graduação, ou se é analfabeto. Há determinadas atividades que exigem graus de estudo diferenciados, mas há inú-meras situações em que o nível instrucional pouco importa e que é usado injusta-mente para justificar o privilégio de uns sobre outros. Podemos citar, como exem-plo, a discriminação que sofria o ex-presidente Lula quando muitos oposicionistas usavam a sua falta de estudos superiores como justificativa para desqualificar sua capacidade de governar. Ele pode ter feito ou não um bom governo, dependendo de quem faz a avaliação, mas qualquer crítica não pode estar fundamentada no fato de ele não ter cursado uma faculdade.

i) Discriminação de condição física: quando a discriminação ocorre pelo fato de não se dar condições de acesso, mobilidade, permanência, comunicação ou outras ações a indivíduos com alguma necessidade especial. Geralmente as pessoas não defendem essa discriminação, mas ela é grande no Brasil. É só ver como as condi-ções necessárias para a acessibilidade, por exemplo, de surdos, mudos, cegos e ca-deirantes são praticamente inexistentes em inúmeros espaços da sociedade. Nesse caso, a omissão da maioria da sociedade e das autoridades públicas é que revela a força desse tipo de discriminação.

j) Discriminação geográfica: quando a discriminação relaciona-se a quem tem ori-gem em determinada região, cidade ou estado. Por exemplo, em algumas localida-des do sudeste brasileiro, há preconceitos quanto aos nordestinos.

Podemos continuar essa lista com outras formas de discriminação. No Brasil, parte da

violência urbana se dá justamente pelo uso da força contra quem possui diferente orientação

sexual, time de futebol, gosto musical ou grupo social, muitas vezes, sem nenhuma outra

motivação aparente.

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1. Em seu bairro ou cidade, que tipos de intolerância mais ocorrem? Quais seriam as causas dessas intolerâncias?Faça uma breve análise da presença da intolerância e da discriminação que é mais comum no lugar aonde você vive destacando 03 tipos mais presentes.

Seção 2O Encontro com o diferente: analisando o caso da cultura europeia diante dos indígenas brasileiros

Imagine que você fosse convidado a embarcar numa espaçonave para visitar o planeta

Vênus e, lá chegando, encontrasse uma comunidade alienígena formada por seres muito pa-

recidos com os humanos, mas com um modo de vida absolutamente diferente... Foi mais ou

menos isso que aconteceu com os europeus, nos séculos XV e XVI, quando eles saíram pelos

oceanos à procura de riquezas.

Com as grandes navegações, a Europa entrou em contato com outros povos do mun-

do. Aqui, nas Américas, portugueses, franceses e holandeses encontraram os índios e esse

encontro gerou reações das mais diversas. Para alguns, os índios eram selvagens que viviam

em pecado e não conheciam Deus. Para outros, eles eram puros e viviam num estado de har-

monia com a Natureza, como Adão e Eva.

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Módulo 1 • Unidade 26

Como, até hoje, ninguém conseguiu inventar uma máquina para viajar no tempo, nós

podemos apenas imaginar, a partir do relato dos viajantes, dos filósofos e dos historiadores, a

violência desse encontro dos europeus com os índios brasileiros.

Só para se ter uma ideia: quando os europeus aqui chegaram, existiam mais de cinco

milhões de índios no território que hoje é o Brasil. Atualmente, eles são cerca de 400 mil.

Mas, apesar desse extermínio, a cultura indígena sobreviveu, ajudou e ajuda a formar

a cultura do nosso país.

Michel de Montaigne (1533-1592), filósofo francês, foi um dos que reagiram à forma

discriminatória como eram tratados os indígenas. Para Montaigne, os verdadeiros "bárbaros"

eram os europeus, que matavam por motivos religiosos e de modo cruel, enquanto os índios

matavam apenas por bravura e com dignidade. Narrando as impressões de índios levados à

Europa, Montaigne afirma que eles

haviam percebido que existiam entre nós homens repletos e empanturrados de toda espécie de regalias, e que suas metades estavam mendigando-lhes nas portas, descarnados de fome e pobreza; e achavam estranho como essas meta-des aqui necessitadas podiam suportar tal injustiça sem agarrar os outros pelo pescoço ou atear fogo em suas casas (Ensaios, Livro I, Cap. XXXI, trad. Rosemary C. Abílio, São Paulo: Martins Fontes, 2002).

1. No parágrafo anterior, os povos que se acreditavam mais civilizados – os europeus do século XVI – são retratados como "mais bárbaros" em comparação com os ín-dios. Reflita sobre as duas razões que o parágrafo apresenta para fazer essa com-paração. Depois, pensando nos dias de hoje e na nossa própria sociedade, escreva um pequeno texto dizendo se você concorda ou não com essas razões, explicando o porquê de sua resposta.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 7

2. No parágrafo anterior, os povos que se acreditavam mais civilizados - os europeus do século XVI - são retratados como "mais bárbaros" em comparação com os ín-dios. Reflita sobre as duas razões que o parágrafo apresenta para fazer essa com-paração. Depois, pensando nos dias de hoje e na nossa própria sociedade, escreva um pequeno texto dizendo se você concorda ou não com essas razões, explicando o porquê de sua resposta.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi outro filósofo francês que viu os índios da

América, em especial aqueles da América do Sul, como fonte para uma crítica ao modo de

vida europeu. Segundo um dos maiores antropólogos do século XX, Claude-Lévi Strauss

(1908-2009), Rousseau foi o "fundador das ciências do homem". Ele teria formulado, já no

século XVIII, o princípio fundamental da Antropologia, ciência que pode ser definida como o

estudo do homem a partir da observação e análise dos seus modos de vida.

O princípio que Rousseau formulou, e que Lévi-Strauss acredita ser um dos fundamen-

tos da Antropologia, é:

Quando se quer estudar os homens, é preciso olhar para perto de si; mas para estudar o homem, é preciso olhar mais para longe; é preciso, primeiramente, ob-servar as diferenças, para descobrir as particularidades (Ensaio sobre a origem das línguas, cap. VIII, trad. Fulvia M.L. Moretto, Campinas: Editora Unicamp, 2003).

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Rousseau busca, na idealização da figura dos índios americanos, a inspiração para ima-

ginar um estado de natureza que seria anterior ao das civilizações, tanto europeias quanto

antigas, como o Egito ou a Mesopotâmia. Rousseau chama o homem em estado de natureza

de "bom selvagem".

No estado de natureza, o ser humano não é mais um mero animal lutando pela sua

sobrevivência, ele vive em sociedade. Mas ele não tem necessidade de produzir nada que não

seja imediatamente útil ou que possa romper sua relação de harmonia com a Natureza. Ou

seja, não tem necessidade ou interesse no acúmulo de riquezas.

Essa crítica ao modo de vida ocidental, na Época Moderna, deu-se a partir do encontro

com o "outro", o índio, o “não civilizado”. Ela derruba a superioridade da "cultura ocidental".

Para muitos, essa superioridade residiria, essencialmente, no progresso advindo do avanço

das ciências, do uso da razão e da busca pelo aperfeiçoamento das instituições que regulam

a vida em sociedade. Mas, dadas as dificuldades de conciliar progresso, justiça e qualidade de

vida para todos, essa noção de progresso não parece ser assim tão evidente ou defensável.

Figura 2: A cultura indígena não é inferior, é apenas diferente da cultura europeia.

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Figura 3: A ciência e a tecnologia não tornam uma cultura superior à outra.

Não se pode afirmar que uma sociedade é ou não mais evoluída que outra, em função do de-

senvolvimento econômico ou do domínio de tecnologias, pois ambos, tanto podem servir para

a construção do bem comum e da preservação da Natureza, como o inverso, sua destruição e a

criação de maiores desigualdades entre as pessoas.

Um eminente sociólogo escreveu, em 2008, contra a política de criação das re-

servas indígenas do Governo Federal, nos seguintes termos: "As populações civilizadas

do mundo são descendentes de populações tribais, que seguiram, em todos os países,

o secular caminho que leva paleolíticos a se transformarem em neolíticos e estes, em

civilizados. Criar um 'jardim antropológico', à semelhança de um jardim zoológico, é

uma insensatez." (Hélio Jaguaribe, Folha de São Paulo, 26 de abril de 2008).

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1. Diga se você concorda ou discorda desta opinião, explicando o porquê, com base no que você leu nesta unidade.

Seção 3Relativizando a própria identidade

O estranhamento e a discriminação com relação a alguém ou grupo cultural ou etnica-

mente diferente podem ser influenciados por uma visão equivocada sobre a constituição da

própria identidade. Como se ela fosse “pura” e não fosse o resultado dos processos históricos de

interação com outros povos ou grupos. Algo que poderia contribuir para uma visão mais crítica

da própria identidade é a tomada de consciência de como ela é constituída. No texto a seguir,

Ralph Linton(1959) narra, numa linguagem bastante acessível, o que seria uma manhã típica de um

norte-americano. Observe a origem de cada detalhe de seus hábitos e dos materiais que faz uso:

O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário

do Oriente Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à Amé-

rica. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou

de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados no Oriente Próximo; ou de seda, cujo

emprego foi descoberto na China. Todos estes materiais foram fiados e tecidos por processos

inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso dos "mocassins" que foram inven-

tados pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos

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aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas. Tira o pijama, que é

vestiário inventado na Índia e lava-se com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, faz a

barba que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do antigo Egito.

Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo

europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele

originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por

um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das ci-

vilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que amarra ao pescoço é

sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do século XVII. Antes de ir tomar o

seu breakfast, ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e, se estiver

chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central e toma um

guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado

nas estepes asiáticas.

De caminho para o breakfast, pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas,

invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de emprésti-

mo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço,

liga feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher

vem de um original romano. Começa o seu breakfast com uma laranja vinda do Mediterrâneo

Oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abissí-

nia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a idéia de aproveitar o seu leite são

originárias do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia. De-

pois das frutas e do café vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica

escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou planta doméstica na

Ásia Menor. Rega-se com xarope de maple, inventado pelos índios das florestas do Leste dos

Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo de uma espécie de ave domesticada

na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salga-

da e defumada por um processo desenvolvido no Norte da Europa.

Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos ín-

dios americanos e que consome uma planta originária do Brasil; fuma cachimbo, que procede

dos índios da Virgínia, ou cigarro, proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser

que fume mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio

da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres inventados pelos

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antigos semitas, em material inventado na China e por um processo inventado na Alemanha.

Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conservador,

agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser cem por

cento americano.

O texto trata com bastante humor as seguintes questões: é possível dizer que existam

raças ou culturas “puras”? Será que o que você entende como “sua identidade” não é, na ver-

dade, uma identidade construída em um longo processo histórico, a partir de adaptações e

contribuições de outros grupos sociais? Para bem responder a essas perguntas poderíamos

começar com outras mais concretas: que bebida você toma no “café da manhã” e qual a ori-

gem dela? A roupa que você está usando agora, foi inventada em qual cultura? E o tecido

usado era de que origem? A forma de cumprimentar as pessoas é característica herdada de

qual cultura? As perguntas poderiam continuar sobre o conjunto de nossos hábitos e dos ma-

teriais que usamos no cotidiano. As respostas revelariam as origens de ambos e sinalizariam a

diversidade de contribuições no processo de formação de nossa cultura.

1. Tente fazer um levantamento de seus hábitos, dos utensílios que utiliza e a respecti-va origem dos mesmos. Construa um pequeno texto que siga, um pouco, o modelo do texto do Ralph Linton. Compartilhe com colegas e outras pessoas o resultado que conseguiu e o que o exercício fez você pensar sobre sua identidade cultural.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 13

Seção 4É possível vivenciar a alteridade?

É comum dizermos que somos diferentes uns dos outros e que, portanto, não somos

iguais, mas parece que essa não é a melhor forma de usar esses conceitos. Um conceito não é

o contrário do outro. Podemos ser diferentes e iguais

ao mesmo tempo. O que isso quer dizer? Uma pes-

soa será sempre diferente de outra, pois somos seres

singulares, todavia somos seres iguais, no sentido de

que não há justificativa para uns terem privilégios

em detrimento de outros, ou seja, não somos idênti-

cos uns aos outros, mas nossas diferenças não justifi-

cam injustiças e discriminações negativas.

Uma segunda reflexão é que também poderí-

amos usar os conceitos de igualdade e desigualdade

para falar das condições de acesso aos bens e serviços colocados à disposição da sociedade.

Nesse sentido, podemos dizer que teremos de dar tratamento desigual às pessoas que pos-

suem condições desiguais ou necessidades especiais para que elas tenham respeitados seus

direitos. Uma pessoa que é cadeirante precisa ter um tratamento em ônibus, em edifícios, em

atendimentos diversos diferente daquele que é dado às pessoas sem necessidades especiais,

pois ,para ter acesso em igualdade com os demais, é necessário que existam condições espe-

ciais de acesso, permanência e mobilidade.

A partir dessas reflexões podemos propor a alteridade como uma postura que é o in-

verso da intolerância, ou seja, como um valor positivo no processo de construção das relações

com qualquer “outro” diferente de nós. Somos, em alguma medida, diferente de qualquer

outra pessoa, pois mesmo sendo de uma classe social, herdeiro de uma cultura, morador de

uma mesma cidade ou bairro, somos a expressão de uma singularidade. O que significa isso?

Que apesar dos aspectos que me fazem pertencer a um ou outro grupo e que formam a

minha identidade, sou também uma experiência única na existência. Nunca, na história da

humanidade houve ou haverá alguém como eu, idêntico a mim .

A identidade e diferença estariam

no nível das características pesso-

ais e da diversidade de costumes

e hábitos que desenvolvemos

dentro da grande comunidade

humana e a igualdade e desigual-

dade referem-se ao fato de ter-

mos ou não os mesmos direitos,

deveres e dignidade.

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A alteridade é justamente esse comportamento, essa atitude de reconhecimento da

singularidade do outro e reconhecimento da dignidade de sua existência como ela se dá.

Ele não é melhor e nem pior que eu mesmo, apenas

diferente. Além desse reconhecimento da diferença,

acrescente-se o reconhecimento de que, como minha

experiência de vida é sempre finita e limitada, a convi-

vência com o diferente contribui no enriquecimento

de minha experiência de vida. Muda-se a postura: de

uma visão do outro como um estranho que me amea-

ça, passa-se a uma visão do outro como um diferente

que contribui para minha identidade.

Quanto à convivência com pessoas de diferen-

tes idades, é necessária uma postura de compreensão

que todos os coetâneos, ou seja, os que vivem em

uma mesma época, mesmo sendo de gerações diferentes podem conviver e enfrentar seus

conflitos, valorizando a contribuição da experiência dos mais velhos e a novidade que pode

emergir dos mais novos.

Atuar com alteridade quanto à orientação sexual pode implicar em várias atitudes,

desde não efetuar ações de intolerância, como lutar para que setores diversos na sociedade

não discriminem quem tem orientação sexual diferente. A esses que possuem outras orienta-

ções sexuais devem ser garantidos os mesmos direitos dos demais.

Observamos que, muitas vezes, as relações entre religiões e entre igrejas na mesma re-

ligião são conflituosas pois umas procuram crescer na medida em que desqualificam outras.

É apresentando-se como a portadora da verdade e mostrando as imperfeições e limites das

demais que algumas religiões buscam se afirmar e conseguir adesões. Faz-se inclusive ações

de proselitismo, ou seja, de tentar converter os membros de outras igrejas para “salvá-los”.

O Ecumenismo é um termo usado com diferentes sentidos que possuem proximidade.

Vem de uma palavra grega que designava casa, no sentido da Terra como casa onde habita-

mos. No sentido que nos interessa aqui, ecumenismo se refere a um movimento ou a um pro-

cesso de aproximação entre igrejas cristãs na busca de pontos em comum ou de cooperação

em ações em que se tem posições semelhantes. O ecumenismo é um tipo de ação que só é

possível quando membros de uma determinada igreja deixam uma postura de autoconsi-

A alteridade, como reconhecimen-

to da dignidade, da diferença com

relação ao outros de outras cultu-

ras, implica em assumir o multicul-

turalismo, ou seja, assumir que o

mundo é formado por uma diver-

sidade de culturas que, cada uma,

com seus costumes, hábitos e valo-

res contribuem para conhecermos

diferentes possibilidades de como

ocorre a experiência humana.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 15

deração como sendo “a melhor” ou “a única verdadeira”,a mais perfeita e acolhe outras com

suas diferenças em igualdade de dignidade. O reconhecimento da outra como uma igreja

diferente, com seus valores e crenças é expressão de alteridade.

Poderíamos citar como alteridade o reconhecimento de qualquer um diferente de nós.

Mas a ideia de alteridade não se resume ao simples reconhecimento. Ela enfatiza ainda a

necessidade de reconhecer o outro sempre como tendo igualdade de dignidade e direitos,

mesmo tendo diferenças em relação a nós.

Nos últimos anos tem crescido a compreen-

são de que o “outro” com o qual nossa postura deva

ser de alteridade não se restringe aos seres huma-

nos. A alteridade deve alcançar os animais, os vege-

tais e a Natureza como um todo (água, terra e ar).

Se pensarmos que nossas ações no mundo

têm consequências em nossas vidas, cada um de nós

também se constitui em um outro de nós mesmos. A

poluição que geramos acaba por prejudicar a quali-

dade da vida de todos, incluindo as nossas.

Nesta unidade em que trabalhamos com os conceitos de intolerância, preconceito,

discriminação, diferença e alteridade, não estamos afirmando que temos de nos relacionar

com alteridade e que não podemos cultivar a intolerância. Não é papel das ciências ou da

filosofia dizer o que devemos fazer nesse campo. Apenas tentamos analisar o que seja uma

postura e outra mostrando que a nossa existência no mundo implica em interagir com o

“outro” que, em alguma medida, é diferente de mim, seja por questões físicas, orientações

sexuais, religiosas, políticas e culturais. A opção por tolerância e alteridade deve ser fruto do

cultivo de valores que tenham essa compreensão de mundo como lugar da diversidade que

enriquece cada experiência singular.

Assim, o conceito de alteridade

atualmente pode abranger toda

nossa vida no planeta, de tal

modo que, o que ocorre em qual-

quer parte do mundo, no sentido

de proteger e promover a vida ou,

ao contrário, de destruir, deve ser

objeto de nosso pensar e agir.

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Módulo 1 • Unidade 216

Determinada tribo/nação indígena na América do Sul, que não possuía conta-

to com a civilização ocidental, tinha o costume de só aceitar que cada mãe tivesse 03

filhos. Esse costume tinha relação com a dificuldade de se obter alimento caso a popu-

lação crescesse muito. Assim, sempre que nascia o quarto filho, esse era, ainda bebê,

levado pela mãe para a mata e largado onde acabava morrendo de fome ou devorado

por outros animais. Ao ter contato com essa tribo, determinado missionário empreen-

deu um esforço enorme para mudar esse costume local.

1. Considerando o que estudamos nessa unidade sobre intolerância e alteridade e outros conhecimentos que você adquiriu em seus estudos, analise as afirmativas, a seguir, se estão certas ou erradas:

a) ( ) O comportamento das mães que levavam esses seus filhos para a mata e os largava lá estava de acordo com a cultura de sua tribo.

b) ( ) O que o missionário fez, certamente, foi uma demonstração de intolerân-cia e desrespeito à cultura da tribo.

c) ( ) A alteridade pressupõe aceitar tudo que outra cultura traz na interação com a nossa.

d) ( ) Se a tribo não aceitar a influência do missionário, estará sendo intolerante.

2. Comente sobre a postura do missionário que procurou modificar a cultura da tribo, buscando que eles adotassem seus valores quanto ao que fazer com essas crianças que eram largadas na floresta.

� Encontramos na música popular brasileira muitas canções sobre a temática do sentimen-to de “superioridade” da civilização ocidental, em relação a outros povos, em razão do pro-gresso científico e tecnológico. Em "Século do Progresso", nos anos 30, Noel Rosa cantava: "No século do progresso, o revólver teve ingresso para acabar com a valentia". E, na déca-

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 17

da de 1970, na letra de "O Progresso", Roberto e Erasmo Carlos expressavam sua revolta contra a destruição do planeta: "Eu queria não ver todo o verde da terra morrendo / E das águas dos rios os peixes desaparecendo / Eu queria gritar que esse tal de ouro negro / Não passa de um negro veneno / E sabemos que por tudo isso vivemos bem menos".

� Na Internet há muitas páginas interessantes sobre progresso e alteridade. Um livro de domí-nio público, "Os Índios no Brasil: alteridade, diversidade e diálogo cultural", organizado por Luís Donisete Grupiani, pode ser baixado no endereço: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/ DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=26749&co_midia=2

� Um outro texto pertinente e acessível na Internet é o artigo de Boaventura de Souza San-tos, "O fim das descobertas imperiais – As descobertas dos lugares": http://www.antro-posmoderno.com/textos/ofim.shtml

� Pode ser interessante também depois de ler essa unidade ver o clip da música They Don't Care About Us Brazil com Michael Jackson gravada no Brasil. Pode ser lida como uma de-núncia contra governos que não enxergam parcelas importantes da população. A parti-cipação do Olodum deu um tom de valorização da cultura negra muito interessante. É disponível no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=UTAGN1OsOPw

� Outro clip do Michael Jackson que pode ajudar a pensar sobre o modelo de sociedade ca-pitalista e fazer refletirmos sobre a necessidade de valorizar outras formas de relação com o mundo e com o diferente é Earth Song, disponível no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=LkXK9nsTiNk

Seção 1 – A intolerância e a discriminação

Atividade 1

1. Resposta pessoal. O esperado é que você possa apontar três situações ou três tipos de discriminação negativa presentes em sua comunidade ou cidade.

Seção 2 – O Encontro com o diferente: analisando o caso da cultura

europeia diante dos indígenas brasileiros

Atividade 2

1. Resposta pessoal, porém há que se verificar se houve coerência com o apresentado no texto, ou seja, há que se verificar tanto a compreensão do texto, como a capacida-de de ir além dele e argumentar sobre a percepção quanto à sociedade atual.

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Módulo 1 • Unidade 218

Atividade 3

1. Resposta pessoal, todavia parece que deveríamos esperar uma discordância com relação ao que escreveu o sociólogo. Essa postura do sociólogo Hélio Jaguaribe parece conformar-se com as posturas que acreditavam que o processo evolutivo é linear e que as sociedades chamadas “primitivas” ou autóctones necessariamente passaram, passariam e passarão pelo mesmo processo de “civilização”. Atualmen-te, o meio acadêmico trabalha muito mais com a tese de que o processo de cada cultura é diferente e que uma cultura não é mais ou menos evoluída que outras. Assim faz, sim, sentido que se criem reservas para as nações indígenas que dese-jam manter seus costumes, hábitos e valores.

Seção 3 – Relativizando a própria identidade

Atividade 4

1. Resposta bastante pessoal. O resultado é importante, mas mais ainda a tentativa de fazê-lo. Acreditamos que os estudantes tenham dificuldade de fazer algo assim, mas essa percepção de que não temos noção de como se deu e de onde herdamos nossos costumes e valores já é em si um aprendizado interessante. A percepção de si se dá ao mesmo tempo que cresce a percepção dos outros diferentes de nós. Pode dar margem para muita conversa e análise das relações com o diferente e da construção da identidade cultural dos povos em geral.

Seção 4 – É possível vivenciar a alteridade?

Atividade 5

1.

a) Certo – o costume pode ser muito estranho aos nossos olhos, mas, confor-me o trecho do texto, isso era o costume.

b) Errado – não é por ter lutado para modificar que podemos dizer que foi fruto de intolerância e desrespeito. Poderia até ter sido, mas o texto não nos dá essa informação. Aqui o erro da afirmativa é que coloca o “certamente” sem que o texto nos dê essa certeza. O relato não deixa claro, portanto, deixa dúvidas. Se deixa dúvidas, não podemos afirmar tão categoricamente como ocorreu na afirmativa.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 19

c) Errado – se assim fosse não seria postura de alteridade, mas sim de total submissão e assimilação da cultura do outro. A alteridade só ocorre quan-do temos as identidades de ambos interlocutores e aceita-se que o outro é diferente, mas não é melhor nem pior em suas orientações e costumes que nós com as nossas. Ele é diferente apenas. O encontro com o diferente pode enriquecer nossa cultura fazendo-nos mudar, mas isso não é assimilar toda a cultura do outro.

d) Errado – a tribo pode não aceitar a influência do missionário por estarem convencidos de que a sua forma de fazer o controle populacional da tribo é a melhor forma. Intolerante poderia ser se ela não aceitasse que alguém pudesse pensar diferente e o discriminasse por isso.

2. Resposta pessoal. Espera-se que possa ocorrer tanto argumentações no sentido de condenar como de apoiar a postura do missionário. O foco deverá ser mais na argu-mentação, ou seja, se o que defende um e outro encontra um argumento devida-mente construído e que produza sentido no que afirma e na forma como justifica sua conclusão. O que se pretende é que tendo a temática como pano de fundo, se exercite a argumentação.

Referências

Bibliografia Consultada

� LINTON, Ralph - O homem: Uma introdução à antropologia. 3a ed., 1959, São Paulo, Livra-ria Martins Editora. Páginas 355-356.

Imagens

  •  http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=view&id=992762  •  Majoros Attila.

  •  Fonte: http://www.flickr.com/photos/carlos-smith/5378528068/.

  •  Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ift00054vb00.jpg.

  •  Fonte: http://www.flickr.com/photos/buck82/13617328/.

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Módulo 1 • Unidade 220

  •  http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1220957  •  Ivan Prole.

  •  http://www.sxc.hu/985516_96035528.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 21

Anexo • Módulo 1 • Unidade 2

O que perguntam por aí?

(ENEM 2010, Ciências Humanas e suas Tecnologias, Questão 27)

O artigo 402 do Código penal Brasileiro de 1890 dizia: Fazer nas ruas e praças públicas

exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecidos pela denominação de capoeiragem:

andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal,

provocando tumultos e desordens.

Pena: Prisão de dois a seis meses.

SOARES C. E. L, A Negregada Instituição: os capoeristas no Rio de Janeiro: 1850 –

1890. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1994 (adaptado).

O artigo do primeiro Código Penal Republicano naturaliza medidas excludentes. Nes-

te contexto, tal regulamento expressava:

a) a manutenção de parte da legislação do Império com vistas ao controle da crimi-nalidade urbana;

b) a defesa do retorno do cativeiro e escravidão pelos primeiros governos do perío-do republicano;

c) o caráter disciplinador de uma sociedade industrializada, desejosa de um equilí-brio entre progresso e civilização;

d) a criminalização de práticas culturais e a persistência de valores que vinculavam certos grupos ao passado de escravidão;

e) o poder do regime escravista, que mantinha os negros como categoria social in-ferior, discriminada e segregada.

A alternativa correta é a “d”.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 23

Anexo • Módulo 1 • Unidade 2

Caia na Rede!

David Wark Griffith foi um dos cineastas mais importantes da história do cinema.

Você provavelmente nunca ouviu falar nele, uma vez que ele é um diretor muito antigo, um

dos precursores do cinema. Ele foi o diretor que realizou o primeiro longa-metragem ameri-

cano, isto é, o primeiro filme com mais de uma hora de duração.

Este filme chama-se O Nascimento de uma Nação. Sabia que você pode assisti-lo na

íntegra no youtube? Basta acessar o link abaixo:

� http://www.youtube.com/watch?v=2YmiE_rcFfo

A não ser que você queira ser cineasta ou tenha realmente um amor incondicional

pelo cinema, dificilmente vai querer assistir ao filme todo, que tem três horas de duração. No

entanto, vale à pena assistir um pouquinho dele.

Comece a assistir precisamente do ponto 2:21:40h. A partir dele você vai ver uma

cena absolutamente chocante e impensável nos dias de hoje. Os “heróis” do filme são os

membros da Ku Klux Klan, isto é, membros da organização que atacavam os negros! A cena

em questão os mostra encapuzados, fazendo “justiça” ao assassinar um negro.

Este filme, além de um marco na história do cinema, é a prova documental da intole-

rância racial. Ironicamente, o filme seguinte deste mesmo diretor chama-se Intolerância, no

qual apresenta casos clássicos de discriminação.