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Políticas públicas de turismo no Brasil: uma análise do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
Resumo: O artigo tem como objetivo analisar os impactos do Programa do Desenvolvimento do Turismo no Nordeste I (PRODETUR/NE I), no Brasil. Para tanto, foram analisados o Relatório Oficial do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) denominado Programa de Desenvolvimento Turístico do Nordeste do Brasil - 841/OC-BR- PRODETUR/NE/NE-I - Resultados e Lições Aprendidas, bem como diferentes estudos de caso, que problematizaram, através de suas escalas, parte dos resultados do PRODETUR/NE I. Os resultados evidenciaram que de forma global, o Programa atingiu seu objetivo, uma vez que percebe-se melhoria na qualidade de vida na maioria da população atingida. Entretanto, questões relacionadas ao meio ambiente mostraram-se como a principal fragilidade do Programa, o que requer um debate mais aprofundado sobre os desdobramentos dessas políticas públicas no Brasil.Palavras-chave: PRODETUR/NE; turismo sustentável; política pública.
PUBLIC POLICIES OF TOURISM IN BRAZIL: AN ANALYSISOF TOURISM DEVELOPMENT IN THE NORTHEAST PROGRAM
Abstract: This paper aims to analyze the impacts of the Tourism Development in the Northeast Program I (PRODETUR/NE I), in Brazil. For this, it was analyzed the Official Report of the Inter-American Development Bank (BID) called Tourism Development Program of Northeast Brazil - 841 / OC-BR PRODETUR / NE / NE-I - Results and Lessons Learned, as well as different case studies, which problematized, of their ranges, part of the results of PRODETUR / NE I. The results tell that in global shape, the Program achieved its propose, considering that is noticeable the improvement of the quality of life in most of the population examined. However, questions related to the environment show a weakness of the Program, which requires further debate on the consequences of these policies in Brazil.Key words: PRODETUR/NE; sustainable tourism; public policy.
Introdução
Com o declínio da chamada era industrial, o século XX foi marcado pela ascensão do
vasto setor de serviços. Neste contexto, insere-se a participação do turismo, ramo da economia
que tem crescido continumamente e é considerada hoje, a principal atividade econômica mundial
(DIAS, 2013). O fenômeno turístico se destacou, também, na América Latina, enquanto atividade
de massa, a partir década de 1950. O crescente no interesse na atividade esteve vinculado ao
pressuposto de que o turismo é um potente indutor de desenvolvimento em todos os níveis: local,
regional, nacional e global (DIAS, 2005). A busca pelo desenvolvimento econômico de um
determinado território é constante, posto que uma vez a prosperidade econômica estabelecida,
por conseguinte, observa-se a melhororia na qualidade de vida dos habitantes, compreendendo
aspectos econômicos e sociais, tais como redução da pobreza, desemprego, desigualdade,
melhoria nas condições de saúde, alimentação, educação e moradia (CARVALHO e
VASCONCELOS, 2005).
Partindo da premissa de que o turismo era um fenômeno essencialmente positivo, a
atividade foi amplamente incentivada por orgaos internacionais durante a década de 1960. Tal
pensamento perdurou por anos, no entanto, a partir de 1970 essa visão unilateral passou a ser
estuda mais profundamente, quando diversos estudos apontaram intercorrências ocasionadas
pelo turismo nas esferas econômicas, ambietais, sociais e culturais.
É claro que não se pode descartar as potencialidades do turismo, enquanto vetor de
desenvolvimento, mas se deve observar também seus diferentes resultados, em especial nas
regiões diretamente impactadas pelo seu desenvolvimento. A fim de suprimir ou reduzir os
impactos adversos, se torna imprescidível o planejamento detalhado da atividade turística (DIAS,
2005).
Para minimizar as intercorrências ocosionadas pelo turismo e potencializar os impactos
positivos, é necessário conhecer profundamente as comunidades emissoras e receptoras.
(BARRETO, 2003). Neste sentido, autores como Vargas (1998), Coriolano e Neide (2006),
afirmam que existe a necessidade de um planejamento estratégico, adotando políticas públicas
que atendam primeiramente aos interesses dos moradores locais, para que a atividade possa
acontecer de maneira adequada, abrangendo desde a melhoria na infraestrutura e serviços para
atender a demanda turística, quanto à preservação do patrimônio histórico, do ambiente e a
qualidade de vida dos autóctones.
Neste contexto, torna-se imprescindível a adoção uma estrutura de planejamento e de
políticas públicas razoavelmente articuladas para o turismo (MINISTÉRIO DO TURISMO e
CGEE). Assim, de uma maneira geral, a política do turismo esta inserida na política econômica
mais ampla de um país, com seus desdobramentos regionais e locais (DIAS, 2008).
No Brasil, a década de 1990 se caracterizou pela intensificação da indução do Estado no
setor turístico. A partir do governo Collor de Mello começa a ser atribuída maior importância à
atividade econômica do turismo, criando-se as condições necessárias à sua expansão (CRUZ,
2005). Desde então o Brasil tem investido na criação de políticas públicas para os mais diversos
setores econômicos, inclusive para o turismo. (SILVA, COSTA e CARVALHO, 2013).
Nesta conjuntura, idealizou-se em 1994 o Programa do Desenvolvimento do Turismo no
Nordeste (PRODETUR/NE), com a finalidade de fomentar o turismo enquanto estratégia para o
desenvolvimento da região nordestina brasileira. A primeira etapa do Programa foi aprovada em
1994 e os últimos desenbolsos ocorreram em 2005. Já a segunda fase do programa foi encerrada
em 2012.
Tendo esse contexto como ponto de partida para nossa análise, o objetivo do estudo é
analisar os principais impactos e entraves Programa do Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
I (PRODETUR/NE I). Nessa perspectiva, iremos também nos valer de fontes de dados
secundários, que permitirão melhor compreender a articulação do Programa do Desenvolvimento
do Turismo no Nordeste. Assim, explorou-se o relatório Relatório Oficial do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) denominado Programa de Desenvolvimento Turístico do Nordeste do
Brasil - 841/OC-BR- PRODETUR/NE/NE-I - Resultados e Lições Aprendidas. O documento foi
elaborado em 2002 por Maria Claudia Perazza (RE1/EN1) e Raul Tuazon (RE1/EN1) e objetivou
apresentar os principais impactos e recomendações do PRODETUR/NE I, com vistas a melhorar o
desempenho e a excecução da segunda parte do programa.
Vale lembrar que o referido documento foi apresentado ao BID no momento de apreciação
da Proposta de Empréstimo para a operação do Programa PRODETUR/NE II. O relatório
compreende uma avaliação extensiva do PRODETUR na Bahia, uma avaliação dos impactos de
uma mostra representativa de projetos financiados pelo programa em toda a região, e ainda uma
avaliação de projetos nos pólos de amostragem para preparação do PRODETUR NE II, Ceará,
Rio Grande do Norte e Sergipe (MENDES, 2012).
Buscando relacionar estas questões com as conclusões apresentadas pelo relatório
identificado acima, procuramos discutir os resultados de cinco estudos de casos referentes ao
PRODETUR/NE I: (i) Sustainable Tourism and Eradication of Poverty (Step): impact assessment
of a tourism development program in Brazil (NERI e SOARES, 2011); (ii) Efeitos do Programa de
Desenvolvimento do Turismo no Nordeste do Brasil – PRODETUR/NE na qualidade de vida da
população de baixa renda no distrito de Lagoinha, município de Paraipaba (CE) (ROLIM, 2005);
(iii) Impactos del turismo de sol y playa en el litoral sur de Sergipe, Brasil (LIMA, 2013) ; (iv) As
ações do PRODETUR/NE I e suas implicações para o desenvolvimento da Paraíba com base no
turismo (DELGADO, 2009) e; (v) Turismo como Vetor de Desenvolvimento Local: um olhar através
das ideias de Theodor Adorno e Max Horkheimer (LOPES, TINÔCO e ARAÚJO, 2012).
Num momento seguinte, procuramos reunir dados e informações acerca da segunda parte
do referido Programa. No entanto, o relatório final do PRODETUR/NE II não está disponível para
consulta, carecendo. Portanto, de análises mais apuradas sobre os resultados da segunda parte
do Programa.
Percorrendo os caminhos das políticas públicas e do turismo
Iniciamos a discussão com as ideias apresentadas por Souza (2006), que argumenta que
existem diversas definições sobre políticas públicas. No entanto, a autora destaca a acepção
trazida por Laswell, que de acordo com sua opinião apresenta uma definição bastante adequada
sobre a análise das políticas públicas, uma vez que “decisões e análises sobre política pública
implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz”
(SOUZA, 2006, p.24).
Concordamos com a proposição apresentada por Dias (2003, p.121), para quem “política
pública é o conjunto de ações executadas pelo Estado, enquanto sujeito, dirigidas a atender às
necessidades de toda a sociedade.” O autor explica que o poder do Estado é manifestado
fortemente na elaboração do planejamento, posto que através deste se torna possível escolher
dentre múltiplos cenários, o que pode alterar uma tendência previamente estabelecida, afetando
diretamente a sociedade.
Neste sentido, as políticas públicas têm como objetivo atender ou nortear ações de
demandas advindas da sociedade, resumidamente, conforme afirma Souza (2006, p.26) “pode-se,
então, resumir política pública como o campo do conhecimento que visa, simultaneamente
‘colocar o governo em ação’ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando
necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente)”.
No que se refere ao turismo, a relação entre o setor público e a atividade turística parece
ser ainda mais estreita e fundamental, uma vez que, segundo Dias (2003), o vínculo entre ambos
é tão acentuado que a qualidade do produto turístico é diretamente dependente do setor público.
O autor defende que, por ser uma atividade que envolve diversos atores privados,
interdependentes, que unidos formam o produto turístico, remete à possiblidade de maior
participação da sociedade no que se refere à implantação de políticas de desenvolvimento.
Pereira (1999), por sua vez, corrobora com esta afirmação, uma vez que, segundo ele,
devido à interação entre diversos segmentos da sociedade, as políticas públicas do setor turístico
são necessárias, sendo fundamental se estabelecer regras para a definição de atribuições do
Poder Público e dos diversos segmentos envolvidos. Quanto à justificativa acerca da importância
das políticas públicas no turismo, Dias (2003) destaca o vínculo entre a atividade e os recursos
naturais, econômicos, culturais e históricos das sociedades receptoras, que são, essencialmente,
matéria-prima do turismo e em caso de utilização desordenada pode inviabilizar o
desenvolvimento sustentável do turismo. Além disso, segundo o autor, a intervenção pública na
atividade turística é fundamental visto que além dos bens públicos serem essenciais para a
atividade, é a administração pública que irá se encarregar da acessibilidade, da limpeza, do
embelezamento, da preservação e da utilização dos bens públicos.
Frente à dimensão do turismo – enquanto agente propulsor do desenvolvimento de um
núcleo – a consolidação de políticas públicas é considerada a primeira manifestação de
conscientização do Estado quanto ao poder do turismo no sentido de crescimento econômico e
consequentemente à melhoria de vida dos autóctones da localidade receptora (Pereira, 1999).
Assim, o setor público deve atuar – ante de tudo – como agente facilitador, indutor e organizar da
atividade turística (Dias, 2003).
Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), o turismo
exige planejamento integral, abarcando diversos campos: econômico; social; ambiental; territorial,
infraestrutura; saúde; segurança, entre outras. Tais responsabilidades devem ser distribuídas
entre outras instituições públicas, envolvendo inclusive coordenação interestadual. Segundo a
referida entidade, no que se refere à totalidade, as políticas de turismo têm como objetivos:
(a) Melhorar a balança de pagamentos nacional através da entrada de divisas; (b) fomentar o desenvolvimento regional; (c) diversificar a economia nacional; (d) aumentar a arrecadação pública (impostos, taxas, etc.); (e) aumentar a renda dos habitantes nas zonas turisticas; (f) manter, melhorar e ampliar o
emprego no setor turistico; (g) criar valor agregado aos recursos naturais, culturais e históricos para assegurar sua proteção ao longo do tempo; (h) implementar uma atividade econômica nos marcos da sustentabilidade (CEPAL, 2003, p. 43, tradução nossa).
No caso específico do Brasil, estudos mais recentes (BECKER, 2001; HENZ, LEITE e
ANJOS, 2010) apontam as primeiras movimentações do setor público em relação ao turismo,
entre as décadas de 1930 e 1950. No entanto, as primeiras políticas públicas voltadas à atividade
turística rementem à decada de 1960. O principal marco no planejamento da atividade turística
aconteceu em 1966, com a criação do Conselho Nacional do Turismo (CNTUR) e da Empresa
Brasileira de Turismo (EMBRATUR). Tais órgãos eram responsáveis por fomentar o turismo como
uma “indústria nacional” (BECKER, 2001). Posteriormente, a EMBRATUR sofreu alterações,
passando de empresa pública para autarquia, passando a se chamar de Instituto Brasileiro de
Turismo (PEREIRA, 1999). É somente com o Decreto-Lei nº 60.224, que é criado o Sistema
Nacional do Turismo, constituído pelo CNTUR, pela EMBRATUR e pelo Ministério das Relações
Exteriores.
Contudo, as primeiras políticas públicas não atenderam exatamente as expectativas
ambicionadas. De acordo com Pereira (1999), o setor turístico carecia de uma política pública em
âmbito nacional que articulasse ações entre o público e o privado. Delgado (2009), por seu turno,
aponta outra lacuna das políticas públicas introdutórias. De acordo com a autora, o objetivo era
atrair investimento externo, visando provisão de equipamentos de hospedagem de médio e
grande porte, no entanto, não obstante, o número de investimos foi muito aquém do acreditado.
Até a década de 1990, a articulação das ações no processo de desenolvimento turístico
ainda era deficitária. Somente a partir do ano de 1992 é que a atividade turística passou a ser
efetivamente valorizada. Neste período institucionaliza-se o Plano Nacional de Turismo
(PLANTUR), que de acordo com Becker (2001, p. 5) é alicerçado na distribuição de infraestrutura
turistica que estava concentrada no sul e no sudeste do Brasil. O turismo passou a ser entendido
como ferramenta para o desenvolvimento regional, passível de minimizar desiguladades regionais
(CRUZ, 2005).
Neste contexto instaura-se o Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
(PRODETUR/NE), através da Portaria Conjunta nº 1, de 29 de novembro de 1991 (DELGADO
2009). De acordo com Carvalho (2016), devido à instabilidade política do período, o
PRODETUR/NE foi essencialmente o único programa executado pelo Plantur. Devido ao seu
litoral, a região Nordeste já era um forte destino turístico, entretanto, a organização institucional e
operacional no setor era deficiente. Além disso, a paisagem natural, apresentada como principal
produto turístico (praias, dunas, lagoas, entre outros), carecia, ainda, de mecanismos de
preservação (WHITING e FARIA, 2001; PERAZZA e TUAZON, 2002).
O PRODETUR/NE I foi pioneiro em uma série de políticas públicas direcionadas ao
turismo, tendo em vista que antes de 1990, somente os governos estaduais planejavam e
priorizavam esta atividade como uma das mais importantes para a econômia. Após este período,
com o início do programa, o governo federal passou a direcionar recursos para este segmento.
Neste caso, especialmente o litoral do nordeste brasileiro foi contemplado (ARAÚJO e PEREIRA,
2011).
Conforme problematiza Viana (2010), o Programa foi resultado de uma pesquisa realizada
pelo Bananco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) em parceria com Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). De acordo com a autora, o objetivo do mencionado
estudo era verificar a viabilidade de investimento no turismo na região Nordeste. Neste sentido, o
governo passou a também a autorizar o Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB) a contratar
operação de crédito externo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
(CARVALHO, 2016). O Contrato de Empréstimo para o Programa foi firmado entre o BID e o BNB
e se tornou pioneiro, se caracterizando como um Programa Global de Investimento de inicitiva
regional, com execução descentralizada e sem participação ds União (PERAZZA e TUAZON,
2002).
Cabe considerar que o PRODETUR/NE se subordinava a quatro níveis de gestão: nacional
(EMBRATUR), regional (SUDENE, CTI-NE e BNB), estadual e municipal. Assim, se percebe
novamente que o Banco do Nordeste do Brasil funcionou como uma agência captadora de capital
transnacional em nível regional, por meio desse programa (VASCONCELOS, 2005, p.52).
A primeira fase do Programa, aprovada no ano de 1994, visava contribuir para o
desenvolvimento socioeconomico da região, e para tanto, apresentava – enquanto estratégia
fomentar o turismo – fortalecer a capacidade turística da região Nordeste através da ampliação
de infraestrutura e serviços públicos em áreas com potencial turístico, no qual o setor público
muitas vezes não conseguia acompanhar a demanda (WHITING e FARIA, 2001).
Destaca-se, nesse contexto de análise, a diferença entre as dimensões de crescimento e
de desenvolvimento econômico sustentado por Carvalho e Vasconcelos (2005). Enquanto a
primeira está relacionada a uma medida estatística, indicando crescimento contínuo da renda per
capita ao longo do tempo, o segundo promove o aumento do produto nacional, simultaneamente
com a melhoria de vida da população. Portanto, no desenvolvimento econômico, estão incluídas
alterações da composição do produto e alocação dos recursos pelos diferentes setores da
economia, visando melhorar os indicadores de bem-estar econômico e social, dentre eles:
desigualdade social, pobreza, desemprego, condições de saúde, alimentação, educação e
moradia.
Pautado pela atividade turística, o PRODETUR/NE objetivava, desde sua criação, articular
a área econômica – com vistas ao crescimento de renda e empregos – e a área social, visando a
melhoria da qualidade de vida da população residente. De acordo com a nota técnica, Estudos da
Competitividade do Turismo Brasileiro apontam que o PRODETUR/NE “é um programa de crédito
para o setor público tanto no nível estadual quanto no municipal, que foi concebido para criar
condições favoráveis à expansão e melhoria da qualidade da atividade turística na Região
Nordeste” (MINISTÉRIO DO TURISMO, p. 10).
Assim, o PRODETUR/NE foi construído para financiar projetos que incentivassem a
atividade turística, englobando múltiplas obras, que segundo Peraza e Tuazzon (2001) incluíam
diversas intervenções em infraestrutura básica e serviços públicos; cinco projetos de expansão de
aeroportos e projetos de desenvolvimento institucionais considerados prioritários para a
dinamização do turismo na região. Além disso, as obras compreendiam a construção de rodovias,
de esgoto sanitário, de redes de abastecimento de água, de drenagem, de urbanização, de
preservação do patrimônio histórico, de preservação e restauração ambiental, entre outros
projetos considerados essenciais para desenvolvimento do turismo.
Nesse contexto de transformações, Cruz (2005) destaca o considerável número de obras,
chamando a atenção, entretanto, para o irresponsável do território. A autora afirma que visando
prospectar o turismo de massa internacionalizado, o Programa transformou o litoral do Nordeste
em um grande “canteiro de obras”, uma vez que o Programa é articulado em ciclos, que preveem
a preparação, a aprovação, a execução, a conclusão e os relatórios finais.
Inicialmente foram realizadas pesquisas e diagnósticos, tendo em vista os objetivos eleitos
pelo governo brasileiro e pelo BID, que definiram os processos de desenvolvimento das ações. Na
segunda etapa, se apresenta a Proposta Preliminar de Empréstimo e através do documento, O
BID aprova o projeto e o Contrato de Empréstimo. A seguir, o projeto começa a ser executado e,
finalmente, mediante supervisão e monitoramento, são elaborados os relatórios com vistas à
avaliação dos resultados (MENDES, 2012).
A autora acrescenta que, no que se refere ao documento de Proposta de Empréstimo (BR-
0204) para o PRODETUR/NE NODESTE I, se enfatizou a pobreza dos estados nordestinos e
aponta para a necessidade de se realizar ações para diminuir as desigualdades sociais. Nesse
cenário, o turismo foi identificado como a melhor alternativa para o desenvolvimento
socioeconômico da região.
Outra perspectiva a ser analisada é o campo funcional do programa. Sob a interpretação
do planejamento estratégico, Paiva (2010) traz à luz as macro estratégias do PRODETUR/NE: (i)
captação de agentes imobiliários internacionais; (ii) de manter fluxos de viajantes estrangeiros que
garantam a ocupação; (iii) uso da infraestrutura já disponível e, conforme já citado, (iv) melhoria
na infraestrutura urbana. De acordo com a autora, o delineamento do PRODETUR/NE está
embasado no planejamento estratégico e com mecanismos de participação direta.
A segunda parte do Programa, denominada PRODETUR/NE II foi executada entre 2000 e
2012. De acordo com Paiva (2010) foram os resultados satisfatórios do PRODETUR/NE I que
suscitou a segunda parte do programa. Após análises e observações referentes ao
PRODETUR/NE I, o programa sofreu algumas alterações e reformulações que, conforme afirma
Paiva (2010), estabeleceram estratégias mais racionais.
Inicialmente, o PRODETUR/NE compreendia os nove estados nordestinos e a área da
SUDENE, nos estados de Minas Gerais (WHITING e FARIA, 2001). Na segunda fase, foram
acrescidos a região norte dos estados de Minas Gerais e do Espirito Santo (DELGADO, 2009).
Além da expansão do campo de atuação, o enfoque do programa foi realinhado, segundo o BID,
substituindo conjuntos de investimentos isolados para um planejamento integrado. Para tanto, a
nova fase esteve marcada pela definição de Pólos Turísticos1.
O objetivo macro do PRODETUR/NE II, de acordo com o Banco do Nordeste é melhorar a
qualidade de vida da população que reside nos pólos turísticos situados nos Estados participantes
do Programa, a instituição financeira ainda cita os objetivos específicos, de maneira resumida,
pode-se elencar: (i) Suscitar o aumento das receitas provenientes da atividade turística; (ii)
melhorar a capacidade de gestão dessas receitas por parte dos estados e municípios; (iii) garantir
o desenvolvimento turístico mediante auto sustentabilidade e responsabilidade nas áreas a serem
beneficiadas pelo Programa; (iv) melhorar a qualidade de vida dos autóctones das áreas a serem
beneficiados, compreendendo o incremento dos postos de trabalho e renda, aumento da
acessibilidade da população aos serviços urbanos e melhoria da gestão municipal sobre o uso e
ocupação do solo, o meio ambiente e o crescimento da atividade turística; (v) conferir
sustentabilidade às ações realizadas no âmbito da primeira fase do PRODETUR/NE, antes de
expandir a atuação para novas áreas turística.
Analisando a estrutura do Programa, é inexorável sua grandiosidade e relevância para o
país. Conforme afirma Delgado (2009), no campo das políticas públicas de turismo, o
PRODETUR/NE foi a primeira a inferir a relevância de infraestrutura adequada para o fomento da
atividade turística no Brasil. A concepção do Programa pode ser considerada inovadora também
quanto à sua gestão, uma vez que está formulado com base no planejamento estratégico (PAIVA,
2010).
A aplicabilidade do programa em sua escala regional
A partir de uma análise do Relatório Programa de Desenvolvimento Turístico do Nordeste
do Brasil - 841/OC-BR- PRODETUR/NEI - Resultados e Lições Aprendidas, elaborado por Maria
Claudia Perazza (RE1/EN1) e Raul Tuazon (RE1/EN1), percebemos que o PRODETUR/NE visa
financiar projetos que incrementassem o setor do turismo em distintos estados nordestinos, este
em diferentes estágios de desenvolvimento em que já existisse uma atividade turística crescente.
A primeira fase do PRODETUR/NEI teve seu período de execução e desembolsos concluídos em
junho de 2005. O Programa envolveu investimentos no montante de US$ 626 milhões, na
execução de 264 projetos (BNB)
O relatório assegura, ainda, que o programa impactou efetivamente na melhoria da
infraestrutura referente a saneamento básico e transportes, bem como obteve sucesso no objetivo
de incrementar o fluxo turístico para a Região Nordeste, sendo assim, o documento argumenta
que dentro de algumas limitações, o PRODETUR/NEI obteve êxito no objetivo econômico.1Os pólos turísticos compreendem grupos de munícipios contíguos e com atrativos semelhantes ou complementares. Para participarem do polo e do Programa, os municípios devem se comprometerem a atender um nível de capacidade adequado para administrar a atividade turística em seu território de maneira sustentável. (PEZAZZA e TUAZON, 2002, p.18).
No que tange as melhorias de infraestrutura da região, foram investidos proximamente
84% do valor total do programa em saneamento básico e transporte (rodoviário e aéreo). Já no
que se refere ao incremento do fluxo turístico, se verificou que após 1997 – período que coincide
com a época de criação do PRODETUR/NE – houve um crescimento anual do fluxo de turistas, na
casa de 17,3%. Para melhor compreendermos o impacto destes investimentos, devemos lembrar
que no período anterior à sua execução, o crescimento era de 4,8% ao ano.
O relatório afirma que uma série de variáveis pode ter influência no aumento do fluxo
turístico, não sendo possível isolar o êxito do PRODETUR/NE I neste desempenho. A primeira
delas foi o fomento da atividade, devido ao período de estabilidade econômica após 1994,
conjuntamente, com a ampliação de ações promocionais desenvolvidas pelas secretarias
estaduais de turismo e também a desvalorização cambial, que consequentemente estimulou o
turismo interno.
Outro aspecto importante na pesquisa é perceber que, a partir dos dados disponibilizados
pelo Banco do Nordeste, os investimentos do PRODETUR/NE I e II priorizaram os estados da
Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco (Gráfico 1).
Gráfico 1 - Valores aplicados por estado, envolvendo somatório dos recursos do BID e da
Contrapartida Local (US$ milhões).
MARANHÃOPIAUÍ
CEARÁ
RIO GRANDE D
O NORTE
PARAÍBA
PERNAMBUCO
ALAGOAS
Mun. MACEIÓ
SERGIPE
BAHIA
MINAS GER
AIS0
50,000
100,000
150,000
200,000
250,000
PRODETUR IPRODETUR II
Fonte: adaptado de Banco do Nordeste, Relatório Final do Prodetur / NE I e PCR Prodetur/NE II.
Conforme o Gráfico 1, entre investimentos do PRODETUR/NE I e II, o estado da Bahia
recebeu mais de US$300 milhões, seguido do estado do Ceará, onde foram investidos mais de
US$ 229 milhões. O estado do Rio Grande do Norte recebeu US$ 75 milhões enquanto que o
estado de Pernambuco recebeu US$ 42 milhões. Para nos melhor compreendermos esta divisão,
tomamos a proposição de Delgado (2009), para quem esses valores revelam para uma tipologia
de turismo. A autora sustenta, ainda, que o PRODETUR/NE I priorizou investimentos em
conhecidos núcleos receptores de turismo, fomentando a atividade turística de massa em
detrimento de turismo rural, por exemplo – que seria menos impactante e alavancaria a economia
dos municípios menos desenvolvidos.
Enquanto uma atividade inserida no sistema capitalista contemporâneo, o turismo
apresenta determinadas características, como por exemplo a tendência à concentração, em que
áreas que já tenham abundante fluxo turístico, consequentemente atraem mais capital. Daí se
observa que estas áreas atraem, cada vez mais turistas, até atingirem o ponto de saturação,
especialmente no que se refere ao meio ambiente. Ainda assim, investimentos em sítios turísticos
que já detenham considerável demanda turística, podem ser uma alternativa viável de
desenvolvimento. No entanto, deve haver planejamento para que áreas vizinhas periféricas
também recebam investimentos e incentivos (DELGADO, 2009).
O turismo de massa, por sua vez, é considerado o maior agressor dos espaços naturais,
posto que este se caracteriza por um grande número de pessoas que viajam para os mesmos
destinos e normalmente nos mesmos períodos. Com isso, o turismo massificado demanda
infraestrutura que ocupa grandes espaços. Além disso, o comportamento deste tipo de visitante
deixa a desejar no que se refere à utilização do espaço (RUSCHMANN, 1992).
Apesar do aumento do turismo nas últimas décadas,este “modelo de produção de serviços
turísticos” privilegia o lucro imediato e em larga escala, e vem declinando, uma vez que não está
de acordo com o que parte do mercado procura. A demanda turística atual se tornou mais
exigente, tendendo a valorizar a qualidade do destino turístico e se conscientizando acerca da
cultura e do meio ambiente local (ZAOUAL, 2008).
Sobre esta questão, Rolim (2005) avaliou os efeitos das ações do PRODETUR/NE I na
qualidade de vida da população de baixa renda residente no distrito de Lagoinha, município de
Paraipaba (CE). Para tal análise, o autor utilizou o Índice de Qualidade de Vida (IQV) formado
pelos indicadores de saúde, de condições sanitárias, de educação, de condições de moradia, de
acesso a bens duráveis e de recreação ou lazer.
Constatou-se que, em todas as situações, houve melhorias significativas nos níveis de
qualidade de vida, sendo observadas alterações nas variáveis já mencionadas – e que compõem
os indicadores que compõem o IQV. Ainda, segundo o autor, as ações do PRODETUR/NE I
refletiram mais diretamente no indicador das condições sanitárias (abastecimento de água e
esgoto sanitário), seguido do indicador de condições de moradia.
Entretanto, Rolim (2005), pondera que, com exceção de alguns empregos ofertados no
ramo da construção civil, até a data do estudo não se observou incremento significativo nas
oportunidades de emprego da população estudada. Além disso, afirma que não se pode afirmar
se tais vagas oportunizadas são significantes, uma vez que a mão-de-obra na localidade é, em
grande parte, desqualificada, seja para atuar na construção civil, quanto para trabalhar em
equipamentos turísticos. Por outro lado, se percebe que a atividade turística estimulou a
importação de pessoas de outros municípios para trabalhar nas áreas de maior carência na
localidade.
Quanto à geração de emprego e renda, o relatório menciona que foram criados 46.311
empregos diretos e indiretos. Entretanto, de acordo com Mendes (2012) a avaliação da primeira
etapa do programa evidencia que a maioria dos ocupantes dos cargos especializados no turismo
não são residentes (nativos) da própria região. Verifica-se, portanto, que os moradores são – em
grande parte – excluídos do mercado de trabalho, dado sua baixa qualificação ou ocupam as
vagas de trabalho menos qualificadas e, consequentemente, com menor remuneração. Tal
exclusão do mercado de trabalho vai ao encontro de outro dado informado no relatório, o de que
não se realizaram os projetos de desenvolvimento institucional, como previa originalmente o
Programa. Este aspecto se evidencia, de forma mais visível, quando se refere à capacitação dos
recursos humanos nos municípios.
Já, de acordo com os estudos realizados por Neri e Soares (2012) e Lima (2013) se
identificou um aumento na oferta de emprego, após a inserção do Programa PRODETUR/NE I.
Entretanto, não há especificação do tipo de emprego gerado. Além disso, Lima (2013)
complementa essa questão, afirmando que não foi possível identificar se os melhores postos de
trabalho estão ocupados por autóctones ou por pessoas de outras cidades.
No que diz respeito à dinâmica do mercado de trabalho da atividade turística, os
trabalhadores locais podem ser prejudicados, uma vez que, se considerando a carência de
capacitação, são submetidos a empregos operacionais de baixos salários, enquanto que os
cargos almejados nas organizações, com remuneração mais elevada, são ocupados por gestores
externos, dotados de maior qualificação profissional (LOPES, TINÔCO E ARAÚJO, 2012).
Uma leitura mais complexa dessas relações locais pode ser vista nos estudos realizados
por Delgado (2009), que aponta para a tipologia de emprego que o turismo pode estimular.
Respaldada em dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a autora descreve
que no setor turístico da Paraíba, por exemplo, a informalidade é maior do que a média geral de
empregos, onde cerca de 78% dos empregos gerados são informais. Concordando com esta
afirmação, Coriolano e Neide (2006, p.372), ponderam a alegação do turismo enquanto gerador
de emprego, reafirmando que o turismo máscara, muitas vezes, diversas formas de exploração
trabalhistas. Segundo Dias (2005) estes postos de trabalhos informais, gerados normalmente por
microempresas que se proliferam nas regiões turísticas, são altamente significativos, uma vez que
expressam uma nova realidade na economia.
Outro aspecto a ser considerado na análise é aquele que trata dos impactos do turismo
nas dimensões ambientais e sociais. De acordo com o mesmo relatório, tal resultado negativo se
deve a falta de um marco de compromisso de planejamento e gestão territorial urbana, resultando
em problemas de gestão e articulação entre os atores. Conciliar os interesses entre os diversos
atores sociais envolvidos na atividade turística é um impasse em qualquer território. O turismo
envolve diversos sujeitos, moradores, turistas, agentes de mercado e poder público, e
naturalmente estes possuem expectativas diferentes, quando não totalmente divergentes.
Harmonizar esses interesses para o turismo deve ser um paradigma norteador do planejamento
governamental e de suas políticas públicas (CRUZ, 2005).
No caso específico do PRODETUR/NE, a maioria dos impactos diretos está associada à
falta de consulta e transparências nas decisões acerca dos projetos do Programa. Tal descuido
originou conflitos com parte da população local, que contestou a inexistência de participação no
processo de execução dos projetos. Exemplos disso, segundo o relatório, é que em vários
projetos em que foi dispensado o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), os moradores mostraram
divergências, resultando em alteração na localização das obras. Outro contratempo foi a
indisposição de usuários em se conectar ao sistema de saneamento, seja por exiguidade de
resursos ou por falta de informação. Nestes dois casos se compremeteu a viabildade econômica,
gerando custos extras e desnecessários.
Na proposta original do PRODETUR/NE II, que considera as lições apreendidas por meio
de avaliações da etapa anterior do programa, se percebe um delineamento de ações, visando
aumentar a transparência e participação da sociedade no planejamento e monitoramento das
ações do Programa. No relatório proposto por Peraza e Tuazon (2001) se defende o planejamento
sustentável e se sugere um processo participativo de planejamento, em que se possa garantir a
transparência e a participação efetiva de todos os atores envolvidos na atividade turística. Dentre
as condições para liberação dos recursos do PRODETUR/NE II, cada pólo deveria ficar
responsável pela criação de um Conselho Turístico e então, aprovar seu Plano de
Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS) (MENDES, 2012).
Mendes (2012) reafirma que na proposta de empréstimo concedida através do
PRODETUR/NEII, consta que o BNB criou conselhos turísticos em sua estrutura, sendo que tais
conselhos teriam a função de debater e validar os PDITSs. Entre suas ações estariam, revisar e
atualizar os referidos planos, divulgar informação sobre o desenvolvimento do PRODETUR/NE
para a população local e facilitar as consultas públicas, para tanto, BNB estipulou, dentre outros, a
possibilidade do uso de seu portal na internet para divulgar informações e coletar sugestões.
Entretanto, a própria autora menciona que em diversos momentos de sua pesquisa, identificou
restrições de acesso à informação, se percebendo, por parte do órgão competente, certo receio
em fornecer as informações aos cidadãos.
Além da falta de transparência, o Programa apresentou outros problemas. De acordo com
o relatório, tais impactos foram observados em todos os estados analisados e seriam resultados
indiretos, decorrentes do crescimento urbano suscitado pela atividade turística, como o aumento
da migração interna no estado, ocasionando crescimento de favelas, prostituição, aumento de
criminalidade, entre outras consequências negativas para o desenvolvimento.
Sobre estas consequências, Cofré (2007) concorda que o aumento de crimes e outros atos
ilegais estão relacionados à segregação socioespacial, suscitadas pelo turismo desordenado.
Neste panorama, as lutas de classes aumentam, enfraquecendo as relações sociais, uma vez que
tende a ser mais aparente a desigualdade social. A periferia é afastada do centro da cidade, onde
os empregos, a cultura e as oportunidades econômicas se concentram. Assim, a exclusão do
mercado e constante ameaça à vida e a saúde, pressiona a população a satisfazer suas
necessidades materiais, buscando fontes informais ou ilegais para gerar recursos.
Apesar do PRODETUR/NE pautar suas ações dentro do conceito de sustentabilidade, se
observa que nas intervenções realizadas em Porto de Galinhas, litoral de Pernambuco, não se
conseguiu minimizar os impactos decorrentes da atividade turística. Dentre outras intercorrências,
o turismo estimulou a migração de pessoas de municípios contíguos, atraídas pelas oportunidades
de emprego. Esse processo acarretou na formação de três comunidades de baixa renda, onde
mais de 2000 mil pessoas vivem em condições hipossuficientes (LOPES, TINÔCO E ARAÚJO,
2012).
Efetivamente a maior parte da migração de pessoas para cidades turísticas é ocasionada
devido ao destino turístico ser um núcleo de mercado de trabalho dinâmico (PÉREZ-
CAMPUZANO, 2010). Essa geração de emprego pode ocorrer em duas instâncias. A primeira são
os chamados “serviços front line”, que visam atender diretamente a demanda turística; a segunda
configuração de geração de emprego acontece, segundo Barbosa, (2002) devido ao efeito
cascata destes serviços, que serão propagados para o restante da economia.
Em Jaraguá, bairro do município de Maceió (AL), que também foi alvo de investimentos do
Programa, se constatou que a turistificação2 e a revitalização do bairro ocorreram de forma
excludente para a população local, além de não obter êxito no aumento de fluxo de turistas.
Outras deficiências ainda persistem no local, como a infraestrutura básica, a carência de
educação, a participação política, entre outras (VASCONCELOS, 2005).
Ampliando o dabate, buscamos em Lopes, Tinôco e Araújo (2012) a discussão sobre as
orientações gerais para a atividade turística, propostas pela Organização Mundial do Turismo.
Segundo os autores, estas estão embasadas nas necessidadesdos atóctones, afirmando que o
turismo deve desenvolver-se beneficiando, principalmente, a comunidade local. A comunidade
deve estar inserida nas discussões no tocante às decisões acerca da atividade turística, para
então decidir em consonância sobre as alternativas a serem adotadas.
Relativo às intercorrências ambientais, mesmo com o Programa financiando projetos de
conservação ambiental e planejamento regional, que prevê recursos dos municípios para o
planejamento e o zoneamento ambiental, se percebe que estes foram corriqueiras durante a
execução do PRODETUR/NE I. Neste caso específico, Segundo Perazza e Tuazon (2002), em
diversos casos os empreiteiros das obras não cumpriram com as exigências estabelecidas nos
EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e RIMA (Relatório de Impacto Ambiental). Além disso, em
praticamente todos os projetos não foram executadas as devidas recuperações das áreas
degradadas pelas obras, como áreas de empréstimo, jazidas, canteiros, caminhos de acesso. Em
alguns projetos, nem mesmo foram previstos recursos financeiros para esta finalidade.
2 Considera-se "turistificação" o (re)ordenamento ou a(re)adequação espacial em função do interesse turístico (Vasconcelos, 2005, p. 49).
O relatório ainda menciona que o não cumprimento parece indicar que o processo de
monitoramento pelas autoridades estaduais não é eficiente ou eficaz. A ocupação desordenada e
inadequada de áreas costeiras são exemplos dos prejuízos para zonas frágeis, que deveriam ser
protegidas. Outro aspecto que pode comprometer as áreas naturais é a proliferação de
loteamentos e a especulação imobiliária, decorrentes da intensificação do turismo sem controle.
Diversas Áreas de Proteção Ambiental (APA) foram criadas, visando suprir as deficiências
da falta de instrumentos de planejamento territorial dos municípios. Porém, muitas delas sofreram
pressões por parte de grupos locais, que resultaram em uma urbanização sem controle,
acarretando em atividades impróprias, como minerações, disposição de lixo e desmatamentos.
Unidades de conservação ambiental foram criadas na tentativa de compensar as perdas
ecológicas causadas por projetos de estradas. Entretanto, não houve recursos ou interesse do
poder público em finalizar os planos de manejo e operação (PERAZZA e TUAZON, 2002).
Analisando os impactos sociais do PRODETUR/NE em Porto Seguro (BA), Neri e Soares
(2012) perceberam que ocorreram avanços, no sentido de amenizar a pobreza. Apesar dos
investimentos da primeira fase do Programa priorizarem obras sanitárias, houve uma piora relativa
que, de acordo com os autores, se configura como um grave problema ambiental de médio e
longo prazo. Neste contexto, o Programa mais uma vez apresenta uma lógica dicotômica, uma
vez que tal consequência é devido ao aumento da demanda turística fomentada pelo próprio
PRODETUR/NE.
Fundamentados no relatório da Agência Estadual de Meio Ambiente do Estado de
Pernambuco – CPRH, 2003, Lopes, Tinôco e Araújo (2012) destacam alguns problemas de Porto
de Galinhas, a partir do aumento do fluxo turístico. Dentre as intercorrências ambientais, estão a
utilização descontrolada dos recifes de coral, o abastecimento de água precário, a falta de
saneamento, a coleta de lixo insuficiente na alta estação e a disposição inadequada dos resíduos.
Devido ao crescimento do turismo estimulado pela facilitação de acesso e redução dos
custos de transporte, atualmente se tornou corriqueira – nos núcleos turísticos – a renovação da
paisagem, bem como o desenvolvimento de empreendimentos e a execução de melhorias na
infraestrutura. Isto se justifica em razão dos destinos necessitarem se manter competitivos no
mercado turístico, procrastinando os cuidados cos recursos naturais (AGUILAR, MUÑOZ, ORTIZ,
2015). Tais alterações podem se caracterizar como um agente de degradação do meio ambiente,
levando à saturação de um destino turístico, fazendo com que turistas busquem novos destinos
(BORGES, ZAINE e RUSCHMANN, 2006).
Outro fenômeno desencadeado pelo fomento da atividade turística é a ocupação
desordenada do solo, suscitando a especulação imobiliária. As imobiliárias compram as terras e
depois vendem para grupos de investimentos internacionais. Essas terras se destinam à
implantação de unidades hoteleiras e a construção de imóveis, frequentemente para uso de
segunda residência (PAIVA, 2010).
Cofré (2007) nos mostra que o turismo valoriza de maneira desigual o solo urbano. Essa
valorização fomenta a especulação imobiliária e, por consequência, a segregação residencial. Em
destinos turísticos, comumente, este encarecimento do solo e, consequentemente, da habitação,
tem ligação direta com a aquisição de imóveis para fins de segunda residência (GONZÁLES e
MANTECON, 2014). A especulação imobiliária é fomentada devido à liberação dos mercados de
uso de solo, excesso de flexibilidade ou de existência de instrumentos de gestão territorial. Tal
processo contribuiu para a construção de habitações para classes alta e médio-alta, em áreas
tradicionalmente populares (COFRÉ, 2007).
Sobre a segregação urbana, Lima (2013) diz que tal panorâma apresenta uma lógica
dicotômica, uma vez que na percepção dos autóctones a venda dos espaços para segunda
residência ou outros fins, gera empregos temporários, uma vez que comumente são necessárias
reformas e requalificações, aumentando a demanda por mão-de obra. Por outro lado, o morador
local propõe a venda de seu único patrimônio, seja para atender aos interesses do grupo de
segunda residência, ou simplesmente por não conseguir manter sua habitação, em razão do
aumento de impostos suscitado pela valorização do espaço.
Paiva (2010) destaca que dadas às circunstâncias, é necessária uma visão estratégica
mais aguçada. É preciso conhecer o negócio e os ambientes interno e externo, identificando
oportunidades, ameaças, pontos fortes e fracos, mas com clareza quanto aos objetivos e valores
do Programa.
Considerações finais
Este artigo analisou os impactos e entraves do Programa do Desenvolvimento do Turismo
no Nordeste I (PRODETUR/NE). Para tanto, analisamos, de forma aprofundada o Relatório Oficial
do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – dos resultados e lições aprendidas com o
PRODETUR/NE I. A partir do documento, procuramos estabelecr possíveis leituras da execução e
dos desdobramentos desta política pública voltada para o desenvolvimento do turismo.
A análise revelou que em âmbito geral, o PRODETUR/NE I obteve impactos bastante
positivos – no que se refere ao aumento da demanda turística – na Região Nordeste do Brasil.
Ademais, nos estudos de casos avaliados, a percepção da população local, de maneira geral é,
de que a qualidade de vida melhorou – ainda que de forma parcial – após a implantação do
Programa.
Entretanto, alguns aspectos negativos foram evidenciados. Estes parecem estar
associados à falta de avaliação prévia acerca das limitações dos municípios, para enfrentar os
desdobramentos do aumento dos fluxos turísticos e poder, efetivamente, governar os territórios,
se respeitando em primeira instância o aspecto da sustentabilidade. Dentre as principais
limitações do PRODETUR/NE I, evidenciou-se, ainda, a falta de transparência para com a
população e demais atores sociais pertencentes à dinâmica da atividade turística. Tal limitação é
deveras preocupante, uma vez que as intercorrências suscitadas pelo turismo são absorvidas
essencialmente pela comunidade receptora e, portanto, deveria estar diretamente inserida nas
decisões inerentes à atividade.
Outra fragilidade do Programa, que foi amplamente observada na pesquisa, se refere à
manutenção do capital natural nas regiões que foram “contempladas” com as obras do Programa.
Questões como a falta de recuperação das áreas degradadas pelas obras, a erosão, os aterros
nos rios e a destruição – não necessária – de áreas naturais, são alguns dos impactos
mencionados.
Relacionando os impactos expostos no Relatório Oficial do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) dos resultados e lições aprendidas com o PRODETUR/NE I com os
impactos evidenciados nos estudos de caso – que traduzem formas de ver e perceber a execução
desdta política pública em menor escala – percebe-se que na maioria, existe consonância acerca
das consequências, especialmente no que se refere às adversidades suscitadas pelo Programa.
As estratégias construídas pelo próprio sistema capitalista contemporâneo argumentam
que a atividade turística é desencadeadora de processos de desenvolvimento regional e que
assim se poderia reduzir as desigualdades sociais. Entretanto, se mal planejado e/ou direcionado,
o turismo pode intensificar essas desigualdades previamente existentes, uma vez que seus
benefícios não são distribuídos de forma equitativa (LOPES, TINÔCO e ARAÚJO, 2012).
Por fim, se torna evidente a complexidade do fenômeno turístico, bem como a importância
da articulação das políticas públicas para o desenvolvimento de uma região. A exploração do
turismo, por vezes, resulta no negligenciamento do território – priorizando territórios previamente
selecionados com obras e normalizações de uso – concomitantemente, desconsiderando e
negligenciando outras porções de territórios. Paradoxalmente, como nos ensina Cruz (2005, p.39)
o próprio território utilizado para fins do turismo é também negligenciado, uma vez que está sujeito
ao uso abusivo, negligenciando a “sua condição primeira de lugar de reprodução da vida.”
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