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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros JAMBEIRO, O., et al. Introdução. In: Tempos de Vargas: o rádio e o controle da informação [online]. Salvador: EDUFBA, 2004, pp. 8-22. ISBN 978-85-232-1241-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Introdução Othon Jambeiro Amanda Mota Andrea Ribeiro Clarissa Amaral Cassiano Simões Eliane Costa Fabiano Brito Sandro Ferreira Suzy dos Santos

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros JAMBEIRO, O., et al. Introdução. In: Tempos de Vargas: o rádio e o controle da informação [online]. Salvador: EDUFBA, 2004, pp. 8-22. ISBN 978-85-232-1241-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Introdução

Othon Jambeiro Amanda Mota Andrea Ribeiro Clarissa Amaral Cassiano Simões

Eliane Costa Fabiano Brito

Sandro Ferreira Suzy dos Santos

Introdução

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Até o final dos anos 20, o Estado brasileiro se consti-tuía de poderes políticos regionais, estabelecidos em cadaunidade da federação, estados e territórios, que se preo-cupavam apenas com seu próprio destino. O governo cen-tral era visto principalmente como a entidade encarrega-da das relações externas, a defesa nacional e uma fonte derecursos financeiros para negociações em troca de apoiopolítico regional. A base do Estado brasileiro contempo-râneo só foi estabelecida pela Revolução de 30, que alémde criar novos valores ideológicos, na relação entre go-verno e sociedade, impôs uma visão do Brasil como umpaís uno, através, inclusive, de planos nacionais de de-senvolvimento.

Marco inicial da Segunda República no Brasil, a Revo-lução de 30 foi um movimento realizado em função, pois,da construção de um novo Estado nacional, do desenvol-vimento econômico, da modernização do país e do esta-belecimento de novas relações entre o cidadão, o governoe a sociedade. Seu líder, Getúlio Vargas, foi, sem dúvida, afigura chave da política do país no século XX. A revolu-ção que liderou e conduziu durante 15 anos, pode ser con-siderada como o ponto de partida da emergência do Esta-do contemporâneo brasileiro, entendido doutrinariamentecomo o espaço institucional onde a sociedade articula,negocia, gerencia e efetiva os interesses de todos os gru-pos e categorias sociais e profissionais nela contidos.

Embora os ideais revolucionários estivessem em estadoembrionário em movimentos de rebeldia militar ocorri-dos em 1922, 1924 e 1926, sua ideologia somente come-çou a tomar corpo quando Vargas assumiu o comando doGoverno Provisório, em 1930. Sete anos depois, parcial-mente realizada, a revolução que se pretendia democráti-ca sofreu seu definitivo desvio e enveredou pelo caminho

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autoritário. Em 10 de novembro de 1937, o já então presi-dente constitucional Getúlio Vargas consolidou uma ali-ança com os militares, assegurando, assim, a implantaçãoda ditadura do Estado Novo.

Como todo evento histórico que se pretende mostrarcomo revolucionário precisa destacar seus aspectos denovidade, valorizar sua criação e justificar-se historica-mente, os doutrinadores do novo regime produziramuma reinterpretação do movimento de 30, segundo a qual�30 só se completou em 37�. Ou seja, o Estado Novosignificava a realização do projeto revolucionário inicia-do sete anos antes. Essa versão, no entanto, apresentavaa Revolução de 30 e o Golpe de 37 como se tivessem acon-tecido em uma simultaneidade temporal imediata eminimizava fatos importantes, ocorridos entre um e ou-tro (Oliveira, 2001: 5003).

De 1930 a 1937 sucessivas ações políticas puseram emcheque o caráter do novo regime. Em 1932, o Estado deSão Paulo tentou realizar uma revolução dentro da revo-lução, embora com caráter contra-revolucionário � a Re-volução Constitucionalista � clamando por uma consti-tuição nacional e por mais poderes independentes e auto-nomia política para os estados, mas o movimento foi der-rotado. Em 1934, uma democrática assembléia nacionalconstituinte redigiu uma nova constituição � a mais libe-ral que o Brasil já havia experimentado � e elegeu GetúlioVargas � que continuava no poder � como presidente cons-titucional para um mandato de quatro anos (1934-1938).Em 1935, o Partido Comunista tentou um golpe de Esta-do, planejado a partir de Moscou, com a participação derevolucionários profissionais estrangeiros treinados noexterior, mas o movimento foi esmagado, sendo a maioriados seus líderes presos ou mortos.

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A definição do governo revolucionário veio em novem-bro de 1937, quando Getúlio Vargas mentiu ao povo bra-sileiro, afirmando que um golpe, denominado PlanoCohen, estava sendo preparado pelos comunistas e que oBrasil não seria nem fascista nem comunista. Para tanto,os militares e ele próprio estavam assumindo todos ospoderes do Estado para proteger a nação e estimular seucrescimento econômico e social. Estava estabelecida a di-tadura do Estado Novo.

Com o apoio dos militares e fundamentado na novaConstituição, promulgada no mesmo 10 de novembro,Vargas estabeleceu no Brasil um regime corporativista editatorial, baseado na idéia fascista do papel hegemônicodo Estado sobre o indivíduo e as instituições sociais. Foinesse contexto que as elites brasileiras, inspiradas nesteparadigma ideológico, formaram sua identidade políticae construíram o desenvolvimento econômico que o paísexperimentou até o final do século XX.

Sob a influência de condições objetivas � a situação deguerra internacional e a emergência de regimes autoritári-os � os ideólogos do Estado Novo elaboraram um bem ar-ticulado projeto político, visando estabelecer uma novaordem fundada no fortalecimento do Estado e do Nacio-nalismo. O esteio legal do regime estava na nova Consti-tuição, conhecida como Polaca, por ter sido baseada naautoritária Carta polonesa, de Pilsudzki (Chacon, 2001:1567), embora o nome do regime recém-instaurado se ins-pirasse na ditadura salazarista de Portugal (Bueno, 2003:334).

A constituição de uma sociedade corporativa, a ênfasena objetividade tecnocrata, e o autoritário-paternalísticotratamento dos conflitos sociais, eram também alguns dosaspectos centrais da nova ideologia. Cidadania era defini-

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da como a capacidade de integração do indivíduo nas po-líticas do governo. Como o regime buscava legitimaçãoatravés de consenso, mas também de coerção, o Estadotinha de ser dirigido por uma presidência forte, que deve-ria prevalecer sobre os poderes legislativo e judiciário.

A cultura passou a ser entendida como um instrumen-to de organização política e disseminação ideológica. Emconseqüência, o governo criou aparatos culturais na es-trutura do Estado, destinados à produção e publicizaçãoda ideologia do Estado Novo na sociedade. O relaciona-mento do governo com os produtores culturais tornou-semultidimensional, aí incluídos a coerção e o apoio às ati-vidades de cultura. Da mesma forma que punia e prendiaintelectuais e artistas, Vargas freqüentemente os apoiava elhes dava sinecuras, doações e prêmios.

Respaldado pela nova ordem jurídica, ao assumir o co-mando da nação com poderes totais, Getúlio Vargas deuinício à estratégia que os ditadores das décadas de 30 e 40estavam tornando comum: o culto à própria personalida-de. Os motores dessa política de �fabricação� e consolida-ção da imagem do ditador brasileiro eram o Departamen-to de Imprensa e Propaganda (DIP) e o Ministério daEducação.

Comandado por Gustavo Capanema, esse Ministériodesempenhou um papel mais brando no processo demitificação de Vargas. Ainda assim, seguiu a ideologiaautoritária e nacionalista do Estado Novo. Através de de-creto de 8 de março de 1940, instituiu a uniformização doensino e criou a disciplina Educação Moral e Cívica. Osalunos eram obrigados a participar de desfiles, as chama-das �paradas da raça�. Cartilhas e livros de adoção obriga-tória em todas as escolas apresentavam versão altamentesectária da história do Brasil e saudavam não só o ditador

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como também o surgimento do Estado Novo (Bueno,2003: 336).

A política de disseminação da ideologia estado-novistaadotada pelo DIP, porém, era muito mais efetiva. Criadoem dezembro de 1939, substituiu o Departamento Naci-onal de Propaganda e Difusão Cultural, que em 1934 ha-via ocupado o lugar do Departamento Oficial de Propa-ganda (DOP), formado em 1931. Diretamente subordi-nado à Presidência da República, o órgão tinha o objetivode �centralizar, coordenar, orientar, superintender a pro-paganda oficial interna e externa (...), fazer censura doteatro, do cinema, de funções recreativas e esportivas, daradiodifusão, da literatura e da imprensa� (Decreto-lei1915, de 27.12.1939).

Com suas cartilhas para crianças, seus �jornais nacio-nais�, de exibição obrigatória em todos os cinemas, com aHora do Brasil, que a partir de 1938 passa a ser transmiti-do para todo o país, e seus cartazes, o DIP se encarregoude divulgar a imagem e a ideologia de Vargas em todas asinstâncias da vida nacional. Por outro lado, censurava to-das as manifestações artísticas, ainda que apenas de levecontrariassem o regime. Numa de suas investidas maisousadas, decretou, em março de 1940, a intervenção dojornal O Estado de São Paulo, que teve sua direção desti-tuída e ficou sob a direção do governo até 1945. Para con-trolar a mídia, o DIP lançava mão tanto do poder de polí-cia � cada jornal tinha um censor � como do econômico,pois o papel de imprensa era importado pelo governo, quedecidia a cota de cada jornal (Araújo, 2001: 1832).

O desenvolvimento da radiodifusão, assim como ocor-ria com jornais, revistas e outras publicações, sofria rigo-roso controle do governo Vargas. O modelo de funciona-mento do rádio foi então estabelecido ao estilo brasileiro:

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severo controle do conteúdo, particularmente notícias;implantação de algumas emissoras estatais, a exemplo daRádio Nacional, e estímulo ao desenvolvimento de emis-soras comerciais. Como o novo regime político tenciona-va ser �nacional�, o DIP também criou um sistema para ocontrole das comunicações, da cultura e das artes em todoo país. O rádio, os jornais e as revistas eram instrumentospara a promoção dos novos valores que o Estado Novoqueria que os brasileiros assimilassem: uma ideologianacionalista dedicada à construção de um capitalismourbano-industrial, num país defendido contra influenci-as estrangeiras, e voltado para sua própria cultura e seusvalores tradicionais.

Os mesmos veículos eram também utilizados pelo re-gime de Vargas para ajudar a articular os interesses de to-dos os grupos sociais, o Estado sendo tomado como o cen-tro de poder e juiz supremo de todas as causas; e paraimpor como dever irrecusável tudo que fosse consideradocomo de interesse nacional. Ainda assim, a versão brasilei-ra do fascismo � o Partido Integralista, um partido políti-co fundado no Brasil sob inspiração do partido de BenitoMussolini, da Itália � tentou um golpe de Estado no ini-cio de 1938, mas, à semelhança da chamada IntentonaComunista de 1935, foi rapidamente rechaçado.

Com a instauração do novo regime, em 1937, profun-das mudanças ocorreram então no Brasil. O Estado, enri-quecido com órgãos tecnocráticos e ideológicos oficial-mente estabelecidos na sua estrutura, tornou-se uma for-te presença na vida brasileira, através de leis e regulamen-tos. Além disso, foi instituído um sistema policial espa-lhado por todo o país, com o objetivo de controlar o com-portamento político da população. O governo criou seto-res de planejamento, e � livre do inconveniente Congresso

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Nacional, fechado por Vargas � começou a formular polí-ticas públicas, particularmente para a economia.

Exploração de petróleo, indústria petroquímica, metalur-gia, rodovias e ferrovias de impacto nacional, entre outrosprojetos, foram objeto de estudos feitos pelos novos órgãoscriados por Vargas. A economia teve grande crescimento, es-pecificamente o setor industrial, intensivamente concentra-do no centro-sul do país, que experimentou um notável de-senvolvimento. A regulação das relações de trabalho, a cria-ção de mecanismos de importação e exportação, e o aumen-to do volume de investimentos de infra-estrutura tiveramcomo objetivo a expansão e o fortalecimento desse setor.

O esforço do Estado Novo na construção de uma soci-edade urbano-industrial possibilitou avanços extraordiná-rios na economia do país. Após o final da segunda guerramundial e a queda do regime ditatorial de Vargas, os efei-tos desse esforço continuaram repercutindo, notadamenteno desenvolvimento industrial. Este setor da economiarapidamente tornou-se o mais dinâmico dos setores econô-micos do país: �Entre 1946 e 1955 a produção industrialcresceu em torno de 122 por cento, ou a taxas anuais de8,9 por cento (1946-1950), e 8,1 por cento (1951-1955)�(Diniz, 1989: 108).

Como veremos posteriormente, o rádio, que desde mea-dos dos anos 30 tinha se tornado um aliado dependente dosistema industrial e comercial da economia, transformou-se numa importante ligação entre a produção e o consumode bens, através, principalmente, da publicidade. A televi-são, que começou suas atividades em 1950, somente nosanos 60 iria ocupar o lugar do rádio como o melhor aliadodos setores comercial e industrial da economia.

A partir da inauguração da Rádio Sociedade do Rio deJaneiro, em 1923, várias outras emissoras entraram em

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operação. No Nordeste, as primeiras foram a Rádio Clu-be de Pernambuco e a Rádio Sociedade da Bahia. Instala-da em São Paulo, em 1926, a Sociedade Rádio Educadorase estabeleceu como a mais poderosa emissora de rádio daAmérica Latina. Operando comercialmente, tinha umtransmissor de 1.000 watts e uma antena de 70 metros,posta no topo de uma torre de aço galvanizado de 55metros de altura. O crescimento do número de emissorasfoi significativo. Em 1930 o país tinha 19 delas funcio-nando regularmente. Oito anos mais tarde, somavam 41,a maioria como empresas comerciais, isto é, vendendoanúncios (Federico, 1982: 47).

Até meados da década de 30, radiodifusão, radiotelegra-fia e radiotelefonia eram consideradas atividades similares,utilizadas principalmente pelas elites econômicas, sociais eintelectuais. O rádio tinha como audiência, para seus pro-gramas de literatura, ciência e música clássica, famílias daalta sociedade, artistas e intelectuais.

Com a industrialização do centro sul brasileiro, o merca-do para bens de consumo expandiu-se gradualmente paraoutras partes do país. Com isso, as emissoras de rádio co-meçaram a ter patrocinadores e tornaram-se bem sucedi-das comercialmente. A programação que antes enfatizavanotícias e alta cultura, dirigida apenas àquelas camadas composses suficientes para adquirir um aparelho de rádio, foisendo mudada com a introdução de programas de entrete-nimento, destinados a atender às novas camadas de consu-midores, situadas nas classes média e baixa.

Amparado por decretos emitidos por Vargas, em 1931 e1932, estabelecendo o espectro magnético como seu privi-légio, o Estado se colocou como o agente responsável pelaconcessão de canais, por tempo determinado, para compa-nhias privadas que quisessem estabelecer emissoras comer-

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ciais. Adotava-se, assim, como modelo para a radiodifusãobrasileira, o trusteeship model, fundamento doutrinário dalegislação dos Estados Unidos.

O crescimento da radiodifusão, aliada ao desenvolvimen-to industrial e urbano, provocou o interesse das agências depropaganda americanas no mercado consumidor brasilei-ro. Entre 1928 e 1935, diversas delas se estabeleceram noBrasil, a exemplo de J.Walter Thompson, McCann Erickson,Lintas e Standard. Vieram, na verdade, acompanhando in-vestimentos industriais de empresas transnacionais para asquais já trabalhavam nos Estados Unidos e em outros paí-ses. Essas agências tiveram um importante papel no desen-volvimento da radiodifusão no Brasil, notadamente porqueforam elas que passaram a desviar verbas de propagandade jornais e revistas para aplicação no rádio.

Convencendo seus clientes a veicular anúncios no novomeio, e ao mesmo tempo estimulando o rádio a usar umaprogramação mais popular, eles se constituíram num dosmais importantes fatores para a consolidação das emisso-ras. Mais que isso, na verdade, essas agências estrangeirastiveram um decisivo papel na elaboração e sedimentaçãode uma economia para o rádio: elas produziam ou ajuda-vam a produzir programas voltados para as novas massasconsumidoras e, em seguida, negociavam a venda das au-diências a seus anunciantes. Carreavam, assim, verbaspublicitárias para o rádio, moldando a radiodifusão brasi-leira à imagem do sistema comercial americano.

Esse modelo importado e implantado no Brasil se ca-racterizava por um estilo dinâmico e eclético de progra-mação, dirigido para audiências as mais amplas possíveis,tudo com base em anúncios de produtos de largo consu-mo. A nova proposta exigiu investimento das emissoras,que tiveram de montar orquestras e conjuntos musicais,

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além de contratar atores, cantores, speakers, humoristas,programadores e produtores criativos. Ao tempo em quese estruturaram tecnicamente para atender às novas de-mandas, as principais emissoras brasileiras criaram tam-bém departamentos comerciais, com poder decisório so-bre a programação. Por seu intermédio é que elas se rela-cionavam com as agencias de publicidade.

A expansão das atividades econômicas, no final dos anos30, provocou grande crescimento na inserção de publici-dade nos meios de comunicação de massa. O rádio tor-nou-se um poderoso competidor pelas verbas publicitári-as disponíveis no mercado. Isto levou os proprietários dejornais e revistas a vê-lo como um concorrente a ser en-frentado, eliminado ou comprado. Como as duas primei-ras soluções se mostraram impossíveis, eles passaram adisputar concessões para exploração do novo meio e a pres-sionar concessionários amadores a vender as concessõespara interesses comerciais. Na disputa, desaparecem osrádio-clubes, que são substituídos por empresas, muitasdelas de propriedade dos mesmos grupos econômicos epolíticos que controlavam os meios impressos.

É exatamente nesse processo que surge, em 1938, o pri-meiro conglomerado brasileiro de veículos de comunica-ção de massa: a corporação, organizada como condomí-nio fechado, Emissoras e Diários Associados, criada pelojornalista e empresário Assis Chateaubriand e que dura-ria cerca de quarenta anos. Iniciado com a posse de cincoemissoras de rádio, 12 jornais diários e uma revista, o im-pério chegou ao auge 20 anos depois, em 1958, entãocontabilizando 36 emissoras de rádio, 34 jornais diários,18 emissoras de televisão e várias revistas, entre as quais ade maior circulação do país, O Cruzeiro, com quase ummilhão de exemplares vendidos semanalmente.

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No início dos anos 40, como resultado da estratégia ame-ricana na segunda grande guerra mundial, o Brasil � comode resto toda a América Latina � passou a ser objeto de ope-rações culturais, sociais e de informação por parte de agên-cias governamentais americanas. A intenção dos EstadosUnidos era manter a hegemonia de valores democráticosno país e restringir ao máximo a influencia alemã, vez queexistia no sul do Brasil uma relativamente ativa colôniagermânica. O país foi, então, invadido por filmes, discos,livros e revistas americanas, o que vinha a se somar à jáexistente invasão de produtos industrializados anunciadosnos existentes meios de comunicação de massa. A mensa-gem política se constituía na exaltação das conquistas domundo livre e na condenação das atrocidades nazistas.

O Brasil entrou na guerra em 1942, ao lado dos aliados,recebeu em troca a Companhia Siderúrgica Nacional eoutros auxílios financeiros dos americanos, ao mesmo tem-po em que a ditadura começou a ruir. Em 1945, derrota-do o nazi-fascismo na Europa, as tropas brasileirasretornam ao país com idéias democráticas em grau sufici-ente para juntar-se aos opositores civis ao regime de Vargase tirá-lo do poder. Uma assembléia constituinte foi eleitae a nova constituição, promulgada em 1946, eliminou acensura prévia, o controle do governo sobre os meios decomunicação de massa e instituiu a liberdade de expres-são. Reafirmados como bens públicos, os canais de radio-difusão continuaram a ser concedidos exclusivamente peloPoder Executivo Federal. As emissoras estatais, particu-larmente a Rádio Nacional, continuaram a funcionar nor-malmente, disputando audiência e contas publicitárias emcondições de igualdade com as emissoras comerciais.

Seguindo o modelo implantado por Vargas e mantidopor seus sucessores, a radiodifusão continuou se expandin-

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do. Inicialmente, estabelecidas nas capitais dos estados, fo-ram aos poucos se instalando em outras cidades do interiordo país. Em 1940 eram 70, passando a 243, em 1950.

Durante todo o governo Vargas a regulação das ativi-dades de radiotelefonia, telefonia e radiotelegrafia conti-nuaram nas mesmas bases iniciais, variando apenas osconstrangimentos técnicos impostos ao exercício das ati-vidades. Na radiodifusão, aqueles constrangimentos pas-saram a ser significativamente mais rigorosos. As conces-sões abrangiam tanto aspectos técnicos de produção etransmissão, quanto a natureza e o conteúdo da progra-mação a ser oferecida ao público. Padrões técnicos relati-vos aos equipamentos utilizados eram considerados im-portantes porque deles depende o uso correto do espectrona prestação do serviço e a não-interferência nas emissõesdos concorrentes.

Outro argumento para a existência de regulação espe-cífica dizia respeito ao caráter intrusivo da radiodifusão,particularmente no que se refere às crianças e adolescen-tes. A partir dessa preocupação passaram a ser estabeleci-dos rigorosos regulamentos relativos à decência, violên-cia, sexo, bebidas alcoólicas, drogas, produtos tóxicos etc.,além, evidentemente, de tudo o que se referisse à política,à economia e à ideologia.

Uma terceira justificativa levava em consideração a uni-versalidade da influência da radiodifusão para estabelecerregulamentos visando evitar incitamento aos ódios racial,de classe, de etnia, de religião etc. Nesse contexto, foiinstitucionalizado também o direito de resposta.

A regulação da radiodifusão tornara-se, então, um pro-cesso pelo qual o Estado, por meio de seu poder executi-vo, estabelecia o modo em que ela se organizava e opera-va, criando os meios para fiscalizar o cumprimento das

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normas, coibir e punir os abusos. Tanto a distribuiçãoquanto o conteúdo passaram a ser relativamente contro-lados pelo Estado.

O controle da radiodifusão pelo Estado Novo ocorriade duas formas principais: a) exercido parcialmente atra-vés da concessão de emissoras de rádio e de licença paraimportação de equipamentos; e b) diretamente, exercidopelo DIP, através de censura e da distribuição da propa-ganda estatal. Apesar disso, o período é marcado pela as-censão do rádio, cujo apogeu ocorre com os programas deauditório e radionovelas, financiados pela publicidade, li-berada desde o Decreto no 21.111 de 1932, seguindo mo-delo privado semelhante ao norte-americano. O DIP, con-tudo, a partir de sua criação, em 1939, manteve-se semprevigilante. Para se ter idéia da dimensão do controle exer-cido pelo órgão, apenas em 1943, ele examinou 27.396programas de rádio e 5.678 músicas populares (CulturaPolítica, n.47, dez/1944, p. 231).

Enfim, todo o processo de concessão e fiscalização daradiodifusão, no Brasil, ficou centralizado no Poder Exe-cutivo e, por conseqüência, sob direto controle do Presi-dente da República. Iniciado por Getúlio, por Decreto de1931, este modelo persiste até os dias de hoje.

Este livro busca analisar o pensamento e o comporta-mento de Getúlio Vargas no processo de implantação econsolidação da radiodifusão no Brasil. A concepção doprojeto, o levantamento de informações, sua análise e in-terpretação foram orientados por um quadro de referên-cia conceitual fundado em estudos próprios ou correlatosdo campo da economia política da informação e das co-municações. Trata-se, portanto, de um trabalho que rele-va o conhecimento sobre as bases políticas e econômicasdas decisões tomadas a respeito do tema em estudo, as

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formas legais que estas decisões assumem e suas conse-qüências para a sociedade e a radiodifusão.

As análises feitas procuram demonstrar que o rádio foiinicialmente operado no país como um instrumento cul-tural, educacional e de entretenimento, e logo em seguida� a rigor, 10 anos depois de criada a primeira emissora �transformado num meio de comunicação de massa decaráter comercial. A TV, ao contrário, já surgiu no Brasilungida por este último caráter, tendo como inspiraçõesnão só o padrão já estabelecido pelo rádio, como tambémo modelo americano de uso comercial dos meios de co-municação de massa.

Mostra-se igualmente neste livro que os primeiros atosregulatórios da radiodifusão deram uma direção estru-turada ao desenvolvimento e consolidação da indústriabrasileira de radiodifusão e seu ambiente regulador. Ar-gumenta-se aqui que esses atos, particularmente osdecretos no 20.047 e no 21.111, de 1931 e 1932, respectiva-mente, instituíram os princípios que têm norteado a re-gulamentação da indústria do rádio e da TV no Brasil, asaber: (1) Reserva da atividade para brasileiros; (2)Conceituação da radiodifusão como serviço de interessepúblico, a ser utilizado com finalidades educacionais; (3)Centralização do processo decisório e do controle da ati-vidade no poder executivo; (4) Exploração predominan-temente privada da indústria.

Aprofundaremos estas questões no decorrer dos capí-tulos que se seguem.

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