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PGR-00067898/2017
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA
Parecer Técnico/SEAP/6ªCCR/PFDC Nº 208/2017
Referência IC 1.32.000.001321/2016-38
Unidades Solicitantes PFDC, 6ª CCR e PR/RR
Requerentes João Akira Omoto e José Gladston Viana Correia
Ementa Sobre a situação dos indígenas da etnia Warao, daregião do delta do Orinoco, nas cidades de BoaVista e Pacaraima.
Temática Populações Indígenas; Direitos Humanos;Cidadania Indígena em Fronteiras Nacionais.
Guia Sistema Pericial SEAP 004297/2016
Peritos responsáveis Luciana Ramos, Emília Botelho e EduardoTarragó
1. INTRODUÇÃO
O presente Parecer foi originalmente demandado em reunião1 ocorrida na Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão, em 14 de dezembro de 2016, com o objetivo de tratar da situação
migratória de venezuelanos(as) no Brasil e, em particular, a dos índios Warao, dada a recente
tentativa de deportação coletiva, não efetivada por ação da Defensoria Pública da União em
Roraima. A contribuição antropológica se tornou necessária porque os conhecimentos sobre o povo
indígena Warao eram, naquelas circunstâncias, insuficientes para se poder oferecer informações
qualificadas para a proteção de seus direitos.
Para a realização deste trabalho foram obtidas informações de fontes bibliográficas2, de
1 Nesta reunião participaram representantes da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério PúblicoFederal (PFCD-MPF), da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (6ª CCR-MPF), da Procuradoria da República emRoraima (PRRR-MPF) e de diversos órgãos governamentais e da sociedade civil que participam do Comitê Nacionalpara Refugiados (CONARE) e do Conselho Nacional de Imigração (CNIG), ou que com estes contribuem.2 Referenciadas ao final deste documento.
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entrevistas3 e de trabalho de campo, este realizado entre os dias 08 e 16 de janeiro de 2017, no
Centro de Referência do Imigrante (CRI), em Boa Vista, onde está abrigada a maior parte dos
Warao, assim como nas vias públicas da cidade de Pacaraima, onde também se concentram
integrantes desta etnia.
Este texto tem seu desenvolvimento dividido em duas partes: na primeira é oferecida, com
base nas referências bibliográficas, uma síntese etnográfica da etnia Warao; e na segunda parte é
feita a análise das observações e entrevistas realizadas por meio do trabalho de campo. Por fim, são
apresentadas as considerações finais e sugestões que podem contribuir às iniciativas de proteção dos
direitos dos Warao em território brasileiro.
3 As entrevistas foram realizadas com os próprios Warao, com autoridades da Polícia Federal, com servidores daFUNAI, com representantes do Conselho Indígena de Roraima, com membros da Fraternidade Federação HumanitáriaInternacional e com moradores de Boa Vista e Pacaraima.
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2. PARTE I: OS WARAO
2.1 – LOCALIZAÇÃO
Na Venezuela há, aproximadamente, quarenta povos indígenas. A distribuição aproximada
de suas principais etnias no território venezuelano é ilustrada da Figura 1. Algumas dessas etnias
têm seus territórios de uso e ocupação tradicional divididos por fronteiras internacionais. Os Warao
são a segunda maior população indígena deste país, somando cerca de 49.000 indivíduos e
encontram-se distribuídos em centenas de comunidades situadas na região caribenha do delta do
Rio Orinoco, no litoral venezuelano, e em diversas cidades do entorno deste delta, em uma região
que abrange todo o estado de Delta Amacuro e zonas dos estados de Monagas e Sucre. (García
Castro & Heinen, 1999; Venezuela, 2016).
Figura 1 – Distribuição aproximada dos povos indígenas na Venezuela, comdestaque para a localização dos Warao.
Fonte: Verbete “Pueblos originários de Venezuela” (Wikipedia, 2017)
O Delta do Rio Orinoco compreende uma área de cerca de 40.000 km², composta por
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centenas de ilhas e ilhotas entrecortadas por inúmeros rios, o que lhes oferece uma distribuição
espacial específica em um ecossistema de grande diversidade que resulta, em parte, do encontro de
uma ampla rede fluvial com as correntes marítimas caribenhas. Estas características fazem com que
a maior parte da região seja formada por solos inundáveis, uma vez que são impactados pelas cheias
anuais do Orinoco, bem como pelas marés diárias da costa (García Castro & Heinen, 1999).
O estado de Delta Amacuro é dividido em quatro municípios: Tucupita (a capital),
Pedernales, Antônio Díaz e Casacoima. Em todos eles há presença Warao, tanto em áreas urbanas
quanto rurais, ribeirinhas e litorâneas. Além da Venezuela, há comunidades da etnia na Guiana e no
Suriname, indicando um deslocamento pelo mar em períodos pré-coloniais, por serem secularmente
hábeis canoeiros (Frías, 2013).4
2.2 – A HETEROGENEIDADE CULTURAL WARAO E SUA UNIDADE LINGUÍSTICA NUMA
PERSPECTIVA ESPAÇO-TEMPORAL
Os dados arqueológicos apontam que os ancestrais dos Warao podem ter tido uma
territorialidade e mobilidade5 bem mais amplas em tempos pré-coloniais, baseando-se em
informações sobre os padrões de enterramento de mortos Warao6. Resultados de pesquisas em
antropologia linguística também apontam na mesma direção, demonstrando a presença do léxico
Warao por toda a extensa região das Antilhas no período pré-colonial, bem como o farto uso de
palavras de origem Aruak e Caribe pelos seus falantes atuais, de modo que embora se trate de uma
língua que compõe um tronco linguístico isolado, ela influenciou e foi fortemente influenciada por
outras línguas ameríndias. Este processo foi resultante das convivências e trocas estabelecidas entre
os vários grupos que, no curso do tempo, se estabeleceram no delta do Rio Orinoco (Kirchhoff,
1950; Sanoja e Vargas, 1974; Wilbert, 1993; Granberry e Vescelius, 2004; Frías, 2013; Heinen &
4 Dos próprios Warao entrevistados no Brasil soube-se que há comunidades da etnia que são ribeirinhas e outras que selocalizam em cidades nos três Estados venezuelanos citados e na Guiana. Também foi encontrada uma única referênciaà presença de comunidades Warao no estado Venezuelano de Bolívar, feita por Escalante (2011): “Los warao, también
conocidos como guaraúnos, habitan en los estados Delta Amacuro Sucre, Monagas, Bolívar, así como también en la
República de Guyana. (...). Su idioma es el warao, clasificado como independiente por algunos autores, mientras otros
intentan emparentarlo con el tronco chibcha”). 5Neste parecer “migração” e “mobilidade” são adotados às vezes como sinônimos, outras como categorias de análisediferentes entre si, mas de modo geral optamos por utilizar com mais frequência o termo “mobilidade”, por entendê-locomo noção que permite tanto abordar os modos específicos e “locais” de espacialidade, quanto os processos demobilidade mais gerais ou globalizados, muito embora o que as abordagens antropológicas recomendem seja o uso dascategorias próprias das pessoas e coletivos em mobilidade (as categorias nativas), por meio da etnografia (mas semperder de vista o exame dos procedimentos de Estado na construção das suas categorias jurídico-administrativas) o que,no reduzido tempo deste estudo, não foi possível realizar e atingir.6 As práticas funerárias de alguns segmentos Warao implicavam em acender fogueiras sobre as tumbas dos mortos,fazendo-as durar dias e até semanas. Observou-se padrão parecido nos agrupamentos humanos da cultura Ciboney -correspondente aos grupos pré-agrícolas das Antilhas, no que atualmente corresponde ao território cubano (Frías, 2013).
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García Castro, 2013).
Enquanto a antiguidade da ocupação Warao no delta remonta a período não inferior a 6.000
a.c., os documentos com registros históricos sobre a região datam de pouco mais de 500 anos. Estes
habitantes do delta foram inicialmente registrados pelo nome de tibitibes7 pelos colonizadores
espanhóis, partilhando espaço com outros grupos ameríndios (Sanoja e Vargas, 1974; García Castro
& Heinen, 2000; Granberry e Vascelius, 2004; Frías, 2013).
Os Warao originalmente se alimentavam da caça e da coleta, orientando-se sazonalmente
pelo território. A sedentarização de grupos Warao teria ocorrido como o resultado das relações de
trocas com outras populações caribenhas, que dispunham de horticultura mais sofisticada e de
conhecimentos sobre as formas de processamento da mandioca. Este processo de conversão dos
Warao em agricultores teria se dado na periferia do delta do Orinoco, nas Guianas Holandesa e
Britânica.8 Também teria provindo das trocas e convivências com demais grupos caribenhos9 o
conhecimento dos Warao acerca da construção de canoas10 (García Castro, 2012).
A multiplicidade de povos no delta do Rio Orinoco e suas adjacências, no período pré-
colonial, levou alguns pesquisadores à proposição de sistemas de complexas redes de alianças
sociais ali existentes. Uma das hipóteses sobre as possíveis alianças ameríndias no baixo Rio
Orinoco é de Whitehead (1998), que propõe a existência de um “macrossistema ameríndio” ou de
“confederações multiétnicas”, compostas por sistemas hierárquicos estabelecidos nos rios
Amazonas e Orinoco, para controle territorial e das trocas de artefatos de ouro e algodão, controle
dos recursos naturais e utilização da mão de obra indígena. Outros, como Heinen, Garcia Castro,
Gasson entendem que a dinâmica da interação desses grupos teve caráter mais temporário e
informal11. Estes etnógrafos ressaltam, cabe frisar, que os Warao do passado não podem ser
7 Os Tibilibes foram localizados inicialmente no noroeste do delta (noroccidental), nas áreas alagadas e canais do rioGuarapiche. Eles eram aliados de índios falantes de línguas Caribe (García Castro, 2000). Para García Castro (2000)também foram descritos como Tibilibes ou Tiuitiues, os Siawani (também chamados pelos espanhóis de Chaguanes),que eram guerreiros que dominavam o Rio Manamo e seus arredores, referidos também como exímios construtores decanoas. Estes Siawani ocupavam uma região chamada Hororotomaka, situada no norte do delta e, a partir dali,controlavam a principal via de acesso entre o interior e a ilha de Trinidad. Também constam registros da presença, nodelta, dos Waraweere - que em Warao significa “habitantes das terras baixas” ou “de pântanos” - que guerreavam comos Siawani e que vieram a se unir com estes para enfrentarem um inimigo comum: os colonizadores espanhóis.8 Sabe-se que as sociedades indígenas agricultoras penetraram pelas zonas adjacentes ao delta e que se dispersaramsobre extensas áreas, graças a seu sistema de transporte, tendo trazido o processo de produção e preparo da mandioca(yuca) (García Castro, 2012).9 O hábito de adotar percursos que envolvem longas distâncias, comum entre os povos de línguas pertencente ao TroncoCaribe visando realizar seu sistema de troca e comércio interétnico (gerando territorialidades como a descrita como“cinturão caribe”), foi o que levou estas populações a também povoarem as regiões periféricas do delta do Rio Orinoco,colocando-os em contato com os Warao.10 Sobre os grupos Caribe, sabe-se que historicamente apresentam grande mobilidade e que seus deslocamentos cobremimensas extensões: como no conhecido “cinturão caribe”, que atinge hoje regiões situadas na Venezuela, Guiana eBrasil (no Estado do Amazonas, mas também além dele).11“(...) existencia de organizaciones políticas relativamente flexibes, de caudillos temporales em posiciones a corto
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confundidos com os do presente.
Taipa (2007, 2008) por meio da reconstrução e da análise dos sistemas indígenas em todo o
oriente venezuelano, identificou a existência de onze sistemas interétnicos pré-coloniais nos quais
indígenas de diferentes troncos linguísticos coexistiam – sendo estes sistemas estruturados por meio
de redes de comunicação e de intercâmbios comerciais próprios. Esta situação foi progressivamente
transformada pela imposição de novas formas de organização dos seus territórios e espaços sociais
pela presença do colonizador europeu, em especial, por meio da implantação de missões
religiosas12.
Para Taipa (2008), no caso dos Warao, foi justamente pelas suas características culturais e
pela ecologia própria do seu território que eles puderam reunir outros grupos que fugiam da
inserção missionária, tornando a região um centro de atração para sedentarização e agregação.
Assevera este autor que foram as características do território dos Warao que permitiram que eles
fossem dos poucos entre os grupos indígenas do período que nunca foram conquistados nem
submetidos na sua totalidade ao regime de missões. Isto teria se dado porque para os missionários
era praticamente impossível fundar e manter missões naquelas áreas inundáveis onde eles viviam,
de modo que tinham que transferir os Warao de suas áreas de origem para outras, em terra firme.
Este teria sido o motivo pelo qual apenas uma pequena parte das comunidades da etnia esteve
envolvida em empreendimentos missionários.
Ainda da constatação das diferenciações culturais, em face da unidade linguística, merece
destaque um estudo elaborado Wilbert (1979), onde o autor busca explicar, por meio de um círculo
(Figura 2), como os próprios Warao interpretam sua diversidade interna. Deste esquema explicativo
resulta uma compreensão dos Warao acerca de si mesmos como grupo, cuja melhor imagem seria a
de um mosaico composto por quatro formas que podem assumir as suas práticas culturais e
simbólicas: 1) o delta Central: cuja especificidade é serem pescadores, caçadores e terem vida
sazonal; 2) a área central do Amacuro ou o sudoeste do delta (Suroriental), onde eles são
caracterizados como horticultores (de milho e mandioca), dispondo de residências fixas instaladas
nas bordas dos grandes rios e utilizando-se dos butirizais situados na zona mais próxima dos rios; 3)
o delta Noroccidental: onde são caracterizados como pescadores, fabricantes de canoa, onde o buriti
(morichaleros) tem grande importância e a horticultura é incipiente, e 4) a “boca do Orinoco”:
plazo, circunstanciales o temporales, com funciones religiosas y rituales, en el senso de un sistema interregional
basado en el intercâmbio a grandes distancias y celebraciones rituales” e que desta rede “participaban muchos grupos
linguísticos, ente ellos, hablantes de lenguas Warao, Arawak, y Caribe, incluyendo los Nepoyo, Chaima,
Parogoto/Guayanos, Siawani (Chaguanaes), Kariña, Verotiani ([Farautes] Waraotu) y Guaiaquery (Wikiri)” (Heinen,Gasson & Gacia Castro 2012: 122).12 Os Warao estão presentes em dois destes sistemas analíticos: o Paria, que se desenvolveu entre o século XVI e XVIIIe que envolvia os Chaima e os Warao, e o sistema deltano, estruturado desde o século XVI e atuante até o presente eintegrado pelos Warao do delta com os Kari'ña e os Paria.
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região de marismas e pântanos, onde os Warao também são caracterizados como pescadores e
buritizeiros (morichaleros), mas sem qualquer forma de agricultura (García Castro, 2000)13.
Com este breve esforço descritivo visou-se destacar a espacialidade e mobilidade da etnia
Warao, bem como a multiplicidade e as diferenças culturais internas que a caracterizam. Nos
tópicos que se seguem buscamos avançar um pouco mais na etnografia Warao, visando
compreender as influências do seu ambiente e dos processos colonial e pós-colonial na construção
dos sujeitos Warao.
Figura 2 – Diversidade interna Warao, segundo sua cosmologia
Fonte: Wilbert, 1993
13 Conforme advertem os autores que se utilizam desse recurso analítico-explicativo dos quadrantes, os atuais Waraonão habitam os quadrantes originais dos tempos pré-hispânicos. Desde os primeiros tempos da colônia até o séculoXVIII, muitos ameríndios se refugiaram nas áreas dos Waraowitu e seus buritizais (morichales), alterando a composiçãoe localização das populações. Além disso, as frentes de expansão e expropriação colonial e neocolonial tambémentraram posteriormente neste território promovendo alteração da localização das populações originárias. De todomodo, ainda hoje o sistema de quadrantes teria expressão nos mundos Warao, se considerados como mosaicos, comsuas particularidades: com rituais (mare mare), festas (naha namu) e instrumentos musicais (seke seke) próprios. Algunsetnógrafos dos warao observam que as maiores diferenças se encontram entre os “morichaleros”, basicamente os Waraosem canoas (“curiaras”) e os construtores artesanais de embarcações (ou carpinteros de ribera) (García Castro, 2012).
8
2.3 – A INTERAÇÃO COM OS COLONIZADORES EUROPEUS
Quando da chegada dos espanhóis à região caribenha, os Warao já ocupavam todo o
território do delta do Rio Orinoco e áreas insulares do caribe, com economia baseada na caça, pesca
e coleta. Eles também já praticavam uma agricultura incipiente e possuíam conhecimentos
avançados e sofisticados sobre embarcações. De fato, tudo indica que as canoas se tornaram uma
espécie de referência da etnia. Uma das primeiras referências históricas de contato com os Warao é
do próprio navegador Cristóvão Colombo, sendo que ele descreve esse encontro com os Warao em
uma canoa muito bem construída, em 1498. A habilidade para a construção de canoas também foi
observada pelo explorador inglês William Hilhouse, em 1834, que se surpreendeu com a sua
qualidade, registrando que algumas tinham a capacidade de até cem pessoas e que serviam não
apenas como meio de transporte das pessoas, como também eram fundamentais para as relações de
trocas materiais e intercâmbios sociais deles com povos da Guiana Inglesa (Frías, 2013).
Como dito, a região do delta do Orinoco, pelas próprias dificuldades de acesso, interpôs-se
ao rápido estabelecimento das missões religiosas, embora elas tenham sido reiteradamente tentadas
ali: sabe-se de uma em 1659, do sacerdote Pedro de Berja, que teve curta duração, e outra de 1745,
do sacerdote Joseph Gumilla. Mais recentemente, nas décadas iniciais do século 1920, missões
ainda eram fundadas entre eles visando “discipliná-los” como trabalhadores nas plantações que se
ampliavam na região. A presença das missões em outras regiões próximas também fomentou novos
contatos e mobilidades, sendo este o caso dos habitantes de Murako, que não vivem no território de
seus antepassados porque foram transferidos por Capuchinos (García Castro, 2013)14.
Deste modo, o delta do Orinoco, em que pese à existência de sucessivas ocupações
históricas por diversos grupos humanos, constitui-se em um ambiente que, assim como seus
habitantes indígenas, resistiu por séculos. Recentes mudanças afetaram o modo de vida dos Warao
ao deixá-los totalmente à margem de projetos governamentais de “desenvolvimento” ali
implementados. Destas alterações destacam-se duas que costumam ser apontadas como
particularmente prejudiciais para o grupo e para a sua territorialidade: a introdução do cultivo de
ocumo chino, nas décadas de 1920-40, e a construção do dique-estrada no rio Manano, na década de
1960. Estas e outras pressões que se acumularam ao longo do último século se refletem nas
condições de vida dos Warao na atualidade, em suas localidades de origem, jogando as famílias e
pessoas da etnia para fora da espacialidade do delta e as obrigando a criarem alternativas que
14 Um relato sobre os habitantes de Murako afirma que eles “son descendientes de otros Warao e Caribes de las
misiones de los P. Capuchinhos Catalanes de Guayana a donde fueron llevados durante El siglo XVII, para emprender
el regresso en el siglo XX” (García Castro, 2013, p. 18). O autor deste trecho afirma que neste grupo Warao, asmulheres possuem o hábito de usarem grossos colares, o que as diferem de outras.
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passam pelos contextos urbanos da Venezuela e, mais recentemente, também por outros países.15
Foi somente a partir da década de 1960 que os Warao foram descritos como dependentes dos
recursos e empregos externos para complementar a sua subsistência, incluindo as cidades na sua
territorialidade, o que coincide com o fechamento do Rio Manamo; um movimento para as cidades
próximas do delta também foi identificado na década de 1950, o que se dá logo após a inserção do
cultivo do ocumo chino em substituição aos buritizais. Na década de 1990, novos empreendimentos
do setor petroleiro são implantados na região, momento em que novamente é registrada uma
intensificação dos deslocamentos e migrações dos Warao para contextos urbanos (García Castro,
2013); por fim, a situação econômica do país vizinho gerou perdas de programas ou do valor de
benefícios sociais, desencadeando aumento da migração para cidades.
2.4 – O OCUMO CHINO16: 1920-1940
Inicialmente importante para as transformações processadas na vida dos Warao foi o fato de,
na década de 1920, ter ocorrido a introdução do cultivo do ocumo chino na área de Merehina-
Sabobana e, mais tarde, também nas do interior da região Arawao-Winikina e nas ilhas de Mariusa,
nos rios Macareo e Araguao. Com este cultivo, os antigos setores onde os Warao exploravam a
palma de buriti (ou “moriche”, como dizem em espanhol) no delta central foram tomados. Assim os
Warao, devido à escassez de alimentos pela não exclusividade do uso de seu território, foram
obrigados a estabelecer processos migratórios em direção às regiões mais ao sul (Guayo, Merehina
e Curiaco) ou rio acima para junto de populações não indígenas nas cidades de Barrancas ou
Tucupita (Heinen et al., 2012). Vê-se, assim, que foi a necessidade de abandono das áreas de
buritizais que gerou a relação inicial de forte dependência econômica da etnia em relação à
sociedade envolvente .
Quando já não contam com farta disposição de alimentos provenientes das florestas dos
buritizais (mel, caranguejo, frutas, palmitos e outros), houve também o fechamento de fábricas de
palmito, onde havia empregos, o que fez com que mais segmentos das populações locais
migrassem, desta vez, especialmente para o município de Antônio Díaz e para ilhas do delta, onde
também encontraram problemas com a escassez de alimentos. Pouco mais tarde, já na década de
15 No curso deste século eles também estiveram inseridos em plantações de não indígenas, na prospecção de petróleo eno comércio com outros grupos indígenas (especialmente da Guiana), com os criollos de Trinidad e com as populaçõesvenezuelanas, mas sempre suas atividades tradicionais.16 “Ocumo” é uma das denominações das plantas do gênero Xanthosoma, composta por cerca de cinquenta espécies. Serve de alimento em várias regiões do continente americano.
10
1970, muitas das plantações em que os Warao trabalharam deixaram de existir, dado o fechamento
do Manamo, que gerou acidificação do solo e uma série de outros problemas para o cultivo na
região (Heinen et al., 2012; Gassón & Heinen, 2012).
2.5 – O BARRAMENTO DO RIO MANAMO
O Rio Manamo foi barrado por um dique/estrada em 1965 pela Corporación Venezoelana de
Guayana (CVG) com a finalidade de aumentar as terras aptas às atividades agropecuárias, afetando
áreas situadas no estado delta Amacuro e Monaga, e para dar acesso por terra à capital Tucupita. O
Manamo constitui-se em um braço ou afluente do Rio Orinoco. Está situado a oeste do delta e seu
nome, que é derivado de uma palavra Warao, significa “dois”, pois se trata de rio que bifurca. O
fechamento teve início pela margem esquerda. Esta estrada sobre o dique, finalizada em 1967, ligou
Maturín a Tucupita17, permitindo que os carros entrassem por terra, pela primeira vez, nesta cidade
(García Castro, 2012). Consta que apesar da presença massiva dos Warao na região, eles não foram
ouvidos ou consultados sobre este projeto que, no entanto, gerou de imediato a remoção forçada de
parcialidades da etnia e o impedimento de acesso às áreas anteriormente em uso, além de passar
suas áreas para populações não indígenas, incentivando estas a empreender em agricultura familiar
ou empresa agrícola18 (Heinen & García Castro, 2000).
Os principais efeitos ambientais adversos que fizeram fracassar o projeto de tornar o delta
em uma “grande granja” foram a salinização das águas, a acidificação do solo, a elevação do nível
das águas nas ilhas e o surgimento de doenças nas áreas onde as águas ficaram paradas.19 Com a
construção do dique houve a afetação simultânea de todas as atividades de subsistência dos Warao:
a pesca (devido ao aumento da salinidade na estação seca no rio abaixo), a agricultura (acidificação
dos solos) e a disputa por recursos naturais em partes do território20 (García Castro & Heinen,
17 Tucupita, capital do estado de delta do Amacuro desde 1905, foi construída sobre áreas que eram dos Siawani do RioAmana (hoje Manamo).18 Este projeto era parte de um maior, que incluía o fechamento em dique também de outros rios formadores do delta doOrinoco: um no rio Macareo e outro no próprio rio Orinoco, no que resultaria no fechamento da quase totalidade daságuas do delta. Estes projetos compunham as intenções de desenvolvimento nacional governamental na Venezuela nadécada de 1960, que previam tornar o delta do Orinoco no grande fornecedor de alimentos para a GuayanaVenezuelana, que crescia demográfica e industrialmente, sendo que inicialmente no delta foram implantadosmonocultivos de milho, arroz, banana, cacau, assim como a criação de gado e, depois, de búfalos, por falta de pastoscom os devidos nutrientes para a manutenção do gado (García Castro & Heinen, 1999).19 Outros impactos socioambientais causados pelo dique e apontados na literatura consultada: desmatamento, poluiçãode rios, epidemias (como o cólera), facilitação para redes de narcotráfico na região, dentre outros (García Castro &Heinen, 1999).20 Isto se deu porque o fechamento em dique afetou o sistema de cheias anuais tanto do próprio rio Monagua, comotambém do grande rio Orinoco, o que obrigou muitas parcialidades Warao que viviam especialmente da pesca amigrarem rio acima (caso dos de Dauwaha e de Morocoto) e de alterarem a sua atividade principal de subsistência;como no caso das comunidades que praticavam a horticultura em Playa Sucia e Santo Domingo de Wakaharita, e que
11
2000).
Assim, se por um lado este projeto promoveu o crescimento regional e da cidade de
Tucupita, por outro, afetou negativamente e de modo decisivo as populações falantes do Warao do
oeste do baixo delta, de modo que muitas das comunidades da região viram seus membros partirem
para os centros urbanos próximos (em especial para Tucupita, La Horqueta, San Félix, Barrancas,
Maturín, Valência e Maracaibo), onde se instalaram em busca de recursos adicionais em
substituição às atividades anteriores, como pesca, coleta e horticultura. Também como
consequências dos danos posteriores do projeto, consta que houve a necessidade de realocar mais
habitantes no baixo delta. Nestes assentamentos, o padrão habitacional imposto foi o da família
nuclear, sendo que cada povoado contava com escola, galpão comunal e terras comunais para
cultivo familiar. No ano de 1976 houve uma enchente desproporcional, possivelmente relacionada
com os efeitos adversos do fechamento do Manamo (porque impediu e/ou dificultou a água de
passar), que gerou a morte de entre mil e três mil indígenas (García Castro & Heinen, 1999). 21
Nestas migrações – temporárias ou permanentes - para as cidades da própria Venezuela, os
Warao passaram a se inserir no setor terciário, como mão de obra de baixa qualificação, ou como
pedintes, embora tenham mantido, em ambos os casos, os processos de significação próprios e as
redes de relações. Quando ocorre a necessidade de se “tornarem pedintes”, eles passam a viver
temporariamente (porque também retornam periodicamente aos seus locais de origem) em situação
de rua e, consequentemente, os problemas próprios deste contexto, sobretudo quando em centros
maiores. Apesar de riscos da vida urbana, eles têm conseguido se garantir economicamente e se
manter enquanto grupo, realizando as expedições sempre de modo coletivo e com características
próprias (García Castro, 2000b).
2.6 – SOBRE A INSTITUIÇÃO DA “PRÁTICA DO PEDIR”
As perdas de territórios e recursos, forçadas por agentes externos, levaram os Warao a
depender da “mendicância” em contextos urbanos como atividade complementar, mas estes
desenvolveram um modo Warao de fazê-lo: nele, as mulheres respondem pelas atividades de coleta,
cabendo a elas também um papel importante na repartição e distribuição dos alimentos e demais
ficaram impedidos desta prática depois da implantação do dique no Manamo (García Castro & Heinen, 1999).21 Outras alterações graves para os Warao: restrição de acesso a partes do território, quebra do sistema de reciprocidade,assalariamento, monetarização de parte da sua economia até então voltada para a subsistência (inserção do gado),perdas territoriais, ecológicas e de saberes; mudança no padrão habitacional e o estabelecimento de grande número degranjeiros em suas áreas e aumento da ocupação crioula (García Castro & Heinen, 1999).
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produtos. O deslocamento para as cidades é feito por grande parte da população indígena na
Venezuela e não só pelos Warao, mas com suas próprias singularidades. Nas últimas décadas, por
múltiplas razões, de cada dez indígenas, sete vivem em zonas urbanas (García Castro, 2000a).
Os contextos urbanos geraram, por um lado, uma solução precária à economia Warao, altera-
da pelos danos socioambientais em seu território, mas, por outro lado, lhes acarreta problemas rela-
cionados à saúde, estranhos ao universo indígena (tuberculose, diabetes, DSTs) e que normalmente
estão associados à pobreza, desnutrição e desamparo social. Estes problemas se somaram a outros
decorrentes de questões sanitárias surgidas como consequência das alterações ambientais nas suas
áreas de origem (como a malária, a febra amarela, dentre outras). Assim, as questões de saneamento
e saúde também passaram a motivar o deslocamento em busca de tratamento nas cidades (García
Castro, 2000a, 2000b).
No caso dos Warao, e para citar apenas os eventos recentes com repercussões sobre a saúde
coletiva do grupo, tem-se uma epidemia de cólera em 1992-1993 (que gerou a morte de centenas de
Warao) e a morte, em 2007-2008, de 38 pessoas da etnia, devido a uma enfermidade que demorou a
ser diagnosticada pelas autoridades de saúde. Consta que neste último episódio, as principais víti-
mas foram crianças. Chama a atenção o fato de que os esforços dos Warao têm aumentado em torno
das questões de saúde, de modo que estas tornaram-se questões centrais do movimento social Wa-
rao. A saúde indígena chegou a receber, no curso do governo Chaves, atenção especial, mas tudo in-
dica que no momento ela não é uma das prioridades do atual governo (García Castro, 2000a,
2000b).
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3. PARTE II: OS WARAO NO BRASIL
3.1 – COMO OS PRÓPRIOS WARAO SE DEFINEM
As etnografias sobre os Warao, apesar de destacarem as diferenciações culturais internas,
históricas e atuais, também os descreve sinteticamente como um grupo étnico com práticas
sazonais, que tem como alimentos básicos no ambiente deltaico o pescado, o mel silvestre e o sagu
de fécula de Ohidu aru ou de palma de Moriti, ou como: “los habitantes del Delta Central, tierra
de marismas y ciénagas, pescadores, cazadores y morichaleros y de vida trashumante entre los
morichales y las riberas de los caños” (Garcia Castro 2000:1 e 2).
Os Warao com os quais mantivemos contato no Brasil referem-se a estas mesmas
características e práticas, acrescentando a agricultura e a criação de animais22, assim como o hábito
de saírem de seus locais de origem para comercializar o artesanato e outros produtos, como o mel;
como eles afirmam: “Somos viajeros”. De fato, além de hábeis canoeiros e dos deslocamentos
pelos caños23, o que a maioria dentre os que conversamos relatam é que integram parcialidades
que, na Venezuela, deslocam-se entre comunidades e cidades e viajam para obtenção de recursos
adicionais de subsistência, em algumas épocas do ano.
Em relação à pesca, esta é realizada – a depender da localização da comunidade – tanto em
vias fluviais quanto marinhas, o que inclui a captura de moluscos, caranguejos e quelônios. Em
relação ao aproveitamento do buriti, foi destacada a sua importância como alimento (como para a
produção de farinha yuruma), para recobrir as suas habitações palafíticas, como item de cestaria e
para o fabrico de arpões utilizados na pesca. Relatam que embora parte significativa da região tenha
se tornado imprópria à agricultura e que encontrem dificuldade para realizar a prática sem o apoio
das instituições venezuelanas, que ela permanece importante em algumas das comunidades de onde
provêm.
O modo como referem-se a si mesmo indica que formam unidades endogâmicas, com
estrutura social relativamente igualitária, sendo a liderança em cada comunidade exercida pelo mais
velho, um Aidamo, que é uma posição social hereditária e vitalícia ligada à figura masculina e à
chefia de um grupo familiar formador da comunidade (ou seja, o sogro). A residência descrita como
regra ideal é a matrilocal, onde o papel da mulher costuma ser fundamental na composição da
unidade do grupo (elas permanecem e os homens circulam) e na redistribuição dos alimentos e
outros recursos adquiridos entre os integrantes da família extensa. Nos contextos públicos, observa-
22 Uma das senhoras que está em Boa Vista deu notícias da introdução do gado, ela vive numa localidade em Monagas, região de pecuária, em que se cria gado nas comunidades pequenas, de modo coletivo.23 Braços ou ribeiras do Orinoco, no Delta.
14
se que as manifestações são majoritariamente dos membros masculinos. Nos relatos, destacam o
acervo de cantos antigos (rituais, curativos, festivos), que alguns lembram mais do que outros -
justamente por haver comunidades onde estes cantos tem maior relevância que em outras -, e
descrevem festas e rituais.
Os Warao nomeiam as crianças quando já estão um pouco maiores. Esta prática pode estar
tanto ligada a fatores próprios da onomástica da etnia, quanto estar relacionada aos altos índices de
mortalidade infantil, especialmente se comparado aos padrões urbanos, pois tivemos contato com
algumas mulheres Warao que relatam terem perdido mais da metade dos filhos que tiveram ao
longo da vida, quando estes ainda se encontravam na infância, o que bem traduz o contexto de
origem das famílias que hoje se encontram no Brasil.
Possuem clara divisão sexual do trabalho quando em suas comunidades, competindo aos
homens a pesca e construção de canoas e às mulheres a elaboração da farinha e a cestaria. Quando
em expedição pelas cidades, algumas regras sobre divisão sexual podem se apresentar invertidas,
com os homens cozinhando enquanto as mulheres trabalham fora “pedindo” em vias públicas
(García Castro, 2000a)24.
Eles narram que alguns vivem em comunidades situadas nas beiradas dos rios, mas praticam
um ir-e-vir entre estas e as cidades, em viagens para vendas, trocas, trabalhos temporários, obtenção
de dinheiro de doações nas ruas e acesso a serviços públicos de saúde, dentre outros motivos.
Muitos dos que já vivem em bairros urbanos das cidades em Delta Amacuro e Monagas, de acordo
com o que nos relataram, mantém vínculos sociais com suas comunidades ribeirinhas. Assim, os
recursos conseguidos nas cidades, seja quando se deslocam temporariamente ou se nelas vivem,
podem ser compartilhados nas comunidades.
3.2 – DE ONDE VEM
Na região do delta do Orinoco os Warao relatam não dispor do uso exclusivo de seu
território histórico e do qual necessitam, pois ele está partilhado com os que eles chamam os
Hotarao (habitantes das terras altas: crioulos e estrangeiros). Considerando-se as informações até o
momento encontradas, pode-se dizer que não há ainda titulação de um território contínuo do povo
indígena Warao; encontrou-se dados, apenas, de titulação territorial para comunidades específicas
24 Entre os que estavam em Pacaraima vimos apenas mulheres cozinhando e, na feira do passarão, em Boa Vista, foi-nos narrado que também eram elas as contratadas nas barracas da feira.
15
(Marin, 2013; Arias, 2016; Venezuela, 2016).
Das sete unidades familiares que estavam no CRI, seus representantes informaram as
seguintes procedências: um (1) grupo familiar da Cidade de La Baba (Estado Sucre, próxima a
Maturin e à divisa com Monagas), dois (2) grupos oriundos da comunidade Araguabisi, no canal
(caño) de mesmo nome, no município de Antônio Diaz, em Delta Amacuro, um (1) da Comunidade
Espanha, em Monagas, um (1) da Comunidade de Peso, entre os municípios de Barrancas do
Orinoco e Antônio Diaz e um (1) da Comunidade de Nabasanuka, entre os municípios de Tucupita e
Antônio Diaz, no Delta Amacuro. Assim, entre os que se encontram no Brasil, há famílias
provenientes dos três Estados mais mencionados na literatura consultada, de distintas regiões
deltaicas, sendo que o município de Antônio Diaz apresenta pequeno número a mais de famílias do
que os demais.
A seguir apresentamos os mapas produzidos pelos próprios Warao no curso do trabalho de
campo e que descrevem suas áreas de origem com as comunidades da etnia de acordo com a
memória, os principais caños, suas rotas e outros aspectos que ali aparecem retratados:
Figura 3 - Desenho feito por um Sr. Warao de Mariusa.
16
Figura 4 - Desenho feito por um Sr. Warao de Araguabisi.
Legenda: “Ilhas de Antônio Diaz”.Tucupita. Caños: 1. Boca Grande. 2. Orinoco. 3. Macareo. 4barra Cocuiña. 5. Caño Manamo(Rodeia Tucupita). 6. Rio Araguayto. 7. Caño Araguao. 8. Caño Coboyna (pata la Boca Coboyna). 9. Caño Araguabise. 10. CñoJaruguara. 11. Caño (Grande) Winikina. 12. Caño Joribujo. Cidades, Bairros e Comunidades: 1. Los Barrancos. 2. CiudadGuayana. 3. Barranca del Orinoco. 4 Tucupita – Bairro La Horqueta. 5. Pedernalles.6. Comunidad Sto Domingo. 7. ComunidadWinamorena. 8. El Consejo (Criollos). 9. Cantico. 10. Tortuga – comunidade indígena. 11. Tortuga-comunidad criolla. 12.Cruzero Araguao. 14. Araguaymujo. 15. – 16. Bonoina. 17. Navasanuca (Marias). 18. Jubasojuro. 19. San Francisco de Guayo.20. Curiapo (capital de Antonio Diaz). 21. Remanso Sacupana. 22. Serro Sacupana. 23. El Toro. 24. Orocoyuna. 25. Manoa. 26.Paloma de Toro. 27. Araguarice. 28. Tacarejoro. 29. Baracaro. 30. Vulcán de Araguao.31. Coboyna.32. Winikina. 33. Cocal. 34.Janakojobaro.35. Ajunaburo. 36. Barranquilla. 37. Morichito. 38. Jojene. 39. Espanha. 40. Cuberuna. 41. Joibitoro (tem umalaguna grande). 42. Mariusa. 43. Macareo (barra de Cocuina), 44. Pedernalles.
3.3 – CARACTERÍSTICAS DA MOBILIDADE DOS WARAO NO BRASIL
Os indígenas Warao que se dirigem para o Brasil o fazem em grupos familiares. Muitos dos
que aqui se encontram já se conheciam nas suas regiões de origem; outros se conheceram no trajeto
ou quando já se encontravam nas cidades no Brasil (Pacaraima, Boas Vista e Manaus). No decorrer
deste trabalho, soube-se também da presença de famílias Warao na cidade de Manaus e que estas,
antes de se dirigirem à capital amazonense, já haviam passado por Pacaraima e Boa Vista. Este dado
indica o dinamismo dos processos de mobilidade Warao que, no contexto brasileiro, se encontram
em pleno curso.
Constatou-se que famílias extensas se dividem entre Brasil e Venezuela nesse processo de
17
mobilidade: uma parte viaja e a outra aguarda o retorno ou, se assim for decidido, fazem o mesmo
percurso para se juntar aos demais. Os familiares mais velhos raramente saem das comunidades
para vir ao Brasil, mas pudemos observar uns poucos que acompanhavam suas famílias no CRI
(Centro de Referência do Imigrante) em Boa Vista. Geralmente permanecem nas comunidades de
origem também os aposentados e funcionários assalariados, como os professores. Os entrevistados
relatam que as comunidades Warao atualmente possuem um Cacique, um Conselho Comunal e um
Conselho Indígena.
Conforme as narrativas que ouvimos, diante da fome, do corte e das limitações nos
programas sociais, na atual conjuntura em seu país, e sabendo de notícias de outros Warao que
vieram para o Brasil, decidiram viajar em busca das possibilidades de acesso aos gêneros
alimentícios que rarearam ou encareceram agudamente, assim como para venderem artesanatos,
pedir roupas e dinheiro. Dentre os homens e mulheres Warao com quem conversamos, no Centro de
Referência ao Imigrante, há quem já viajou para Maturin, Ciudad Bolivar, Valência, Maracaibo e
Caracas. Eles esperam poder retornar com algum dinheiro, roupas e gêneros alimentícios e, se a
situação venezuelana não mudar, trazer os filhos e demais membros para o Brasil. Compreendemos,
das conversas com eles estabelecidas que, no momento, a perspectiva é poder ir e vir, embora
permanecer também seja uma possibilidade considerada. Certo é que nada podem prever neste
momento que acabam de chegar, saindo de situações que relatam como muito dolorosas.
3.3.1 – Dinâmica populacional
A presença dos Warao nas cidades brasileiras é registrada desde 2014, tendo-se observado,
desde então que a quantidade de membros da etnia oscila ao longo do ano, o que se pode ser
atribuído a diversos fatores, dentre os quais: o fechamento/abertura das fronteiras pela Venezuela, a
sazonalidade ou alternância das práticas de pesca, agricultura e coleta nas comunidades que beiram
os rios e canais do Delta do Orinoco e a dinâmica de formação das redes de relações sociais entre os
Warao que estão no Brasil e destes com os que permanecem na Venezuela.
Constata-se, por exemplo, a intensificação desse movimento e do número de pessoas e
famílias no segundo semestre de 2015 e no mesmo período no ano seguinte, ou seja, entre outubro e
dezembro de 2016. Do mesmo modo, foi possível saber que no mês de janeiro houve redução
significativa no número de pessoas que chegam em relação a dezembro, mas deve-se considerar
também na análise deste dado que as fronteiras ficaram temporariamente fechadas e que houve o
incidente da tentativa de deportação, o que pode ter desestimulado os que pretendiam vir pela
18
primeira vez (e desistiram) e/ou os que já desejavam retornar, mas ficaram no Brasil por medo da
restrição ao direito de ir e vir em um possível retorno.
É provável ainda que o período natalino, enquanto um tempo de doações onde as pessoas
costumam ficar mais generosas, tenha permitido às mulheres Warao - que contavam com a doação
em dinheiro nos principais cruzamentos das avenidas de maior movimento, ou na feira do Passarão
e outros lugares comerciais - reunir os recursos para redistribuição dentro da sua rede de
parentesco, nas comunidades de origem. Além de dinheiro e mantimentos, os Warao também levam
as roupas usadas que ganham.
É possível pensar, como hipótese a ser explorada e nos casos das unidades familiares
provenientes das comunidades nos caños, numa relação entre a mobilidade para o Brasil, a
sazonalidade das atividades no Delta e as condições atuais de algumas delas. Nas conversas no
Centro de Referência ao Imigrante25, os Warao contaram que janeiro é tempo de semear o ocumo,
que é colhido seis meses depois. Entre julho e agosto, é a vez de saírem para os locais de pesca
(caso dos caranguejos, em Laguna de Mariusa). Para estas atividades, deslocam-se sempre em
grupo familiar, sendo que em muitos casos precisam permanecer nos locais, em habitações
provisórias. Também soubemos que a pesca, embora reduzida, é muito importante como fonte de
alimento e para o comércio, e que muitos dos que se encontravam no Brasil estavam deixando de
praticá-la para fins comerciais desde o início da crise na Venezuela, em virtude dos altos preços e de
não haver compradores. Assim, a intensificação dos deslocamentos ao Brasil no período que
realizavam a pesca pode indicar que, como esta não está cumprindo o papel de gerar renda, ela está
sendo substituída pelas “viagens” em busca de recursos. O contrário se passa com a coleta e plantio
voltados para a subsistência: devido à importância destas atividades para a nutrição familiar, pode
ser que tenham retornado após o mês de dezembro ao delta para auxiliarem suas famílias nestas
atividades, reduzindo assim o seu número no Brasil. Sugere-se que estas ponderações venham a ser
avaliadas, de modo a que se compreenda as oscilações nos registros da presença dos Warao no
Brasil, acima mencionadas.
3.3.2 – Os motivos alegados para estarem no Brasil
Os Warao afirmam que estão se deslocando ao Brasil em busca de alimentos (“porque aqui
tem muito e lá não tem!”), de trabalho, fixo ou temporário e de dinheiro (que buscam auferir por
meio da venda de artesanato, dos pedidos de doações e de pequenos serviços – como engraxates ou
25 O local e as condições em que nos aproximamos dos Warao não nos permitiu conhecer as condições em que estavamantes, nas cidades. Também não foi possível acompanhá-los em suas idas ao centro de Boa Vista para suas vendas eoutras atividades.
19
vendedores de picolé, no caso dos homens). Eles buscam também acesso à saúde, pois muitos
chegam machucados e/ou com crianças doentes ou após perda de filhos, ao mesmo tempo em que
parecem temer e resistir à aproximação de médicos e enfermeiras, como nos foi narrado em
Pacaraima.
Eles lastimam muito a perda de benefícios sociais no país de origem e mencionam
preocupações com os filhos e demais familiares que ficaram na Venezuela (Eu estou aqui comendo,
mas e eles?), especialmente pela falta de alimentos nos mercados locais e de dinheiro para adquirir
o pouco que têm e que se tornou muito caro para eles. Dentre os problemas enfrentados no país de
origem destacam a hiperinflação, baixa produção econômica, altos níveis de desemprego e,
sobretudo, escassez de alimentos.
Pelo que ouvimos, a falta de alimentos mostra-se como fator essencial para o atual processo
migratório porque impacta todas as dimensões da sua vida e porque tem sido uma constante em
algumas particularidades da etnia. Sabemos que a comida, para todos os povos, é mais do que a
satisfação da fome; no caso dos warao, isso se expressa, inclusive, na oferta cerimonial de alimentos
aos mortos (guayaba) (Vaquero, 2000).
Os Warao relataram que no governo de Hugo Chávez havia projetos governamentais que
incentivavam a construção de casas, a compra e reforma de barcos, com atividades produtivas
definidas com a participação das comunidades e com incentivo para contratação em sistema de
rodízio (garantia de uma semana de trabalho por mês para todos os indígenas26). Relataram também
que tais incentivos e benefícios foram reduzidos ou extintos, sem previsão de retomada. Seu
principal produto para relações comerciais com as cidades venezuelanas, o pescado, passou a ter
baixa procura. Além disso, com a economia hiperinflacionada, os produtos dos quais dependem por
meio da compra, estão com o preço muito alto.
A situação crítica recente remonta a limitações e restrições pelas quais os Warao vêm
atravessando há, pelo menos, cinquenta anos, com momentos críticos, quando a situação se agrava e
ocorrem mortes repetidas e surtos de doenças não identificadas. Nestes momentos, as migrações
para fora do delta se intensificam. Algumas das famílias ainda recebem o chamado “soldo mínimo”,
provavelmente tal como uma renda de cidadania e outras oriundas de políticas semelhantes em
vários países, porém o valor é irrisório diante de uma economia hiperinflacionada.
26 “Havia trabalho e alimentos”, mencionou um deles, referindo-se a contratos de trabalho de quatro meses com um
mês adiantado.
20
3.4 – SOBRE COMO SÃO PERCEBIDOS NO BRASIL
No Brasil, os Warao realizam suas atividades econômicas por meio da venda de artesanato
(tais como chapéus, colares de seda de buriti, miçangas, cestarias, redes de dormir), itens que eles
têm particular interesse de continuar a produzir, assim como arrecadar recursos por meio dos
pedidos de doação em dinheiro nas cidades por onde circulam.
As formas escolhidas de inserção produtiva e sócio-reprodutiva nos contextos urbanos, faz
com que sejam vistos onde se encontram como “mendicantes”, termo que evitamos por
compreender que com estas formas os Warao visam garantir a sua autonomia - no sentido de que
foram soluções construídas por eles próprios-, não sendo o ato pedir, para eles, depreciativo.
Notamos que se referem ao ato de sair para pedir nas ruas e receber doações como um tipo de
trabalho (no abrigo, quando perguntávamos por alguém que estava nas ruas em atividade de pedir,
relatavam que a pessoa estava trabalhando). Esta atividade é preferencialmente realizada por
mulheres, com suas roupas de rica variedade de cores por elas feitas à mão. Andam sempre com
suas crianças, especialmente as menores. As crianças participam da vida familiar e coletiva, o que
inclui as práticas que ocorrem no contexto urbano e de rua.
A forma como o pedido de doações é feito – por mulheres e quase sempre junto de suas
crianças – fez com que os Warao fossem logo notados em Boa Vista e Pacaraima. Em pouco tempo
a população local passou a exigir providências do setor público: via imprensa e redes sociais. Fez-
se, assim, em torno de um número relativamente pequeno de pessoas um alarde que gerou
visibilidade desproporcional ao seu número efetivo e que teve como uma de suas consequências
mais imediatas as deportações ou as tentativas de deportação.
A preocupação com a presença das crianças Warao, com suas mães, nos locais onde há
maior movimento de pessoas que podem retribuir os pedidos de comida e dinheiro, assim como nas
áreas insalubres em que todos dormiam, chegou ao Ministério Público Estadual, que agiu
judicialmente. A decisão do Juízo determinou a assistência social às famílias (alimentação, abrigo,
saúde) pelos governos estadual e municipal. Os Warao que estavam em Boa Vista foram, então,
abrigados em um ginásio situado em um bairro afastado do centro da cidade, serviço que passou a
ser designado como Centro de Referência ao Imigrante (CIR). Na decisão judicial está claro que as
crianças não deveriam ser separadas de suas famílias e que estas não poderiam ser consideradas
negligentes.
Embora abrigados em local distante das ruas centrais e dos mercados, os Warao
continuavam realizando suas atividades. Preocupam-se com os familiares que ficaram nas cidades e
comunidades de origem, razão pela qual guardam o que podem, seja para compartilhar, no retorno,
21
seja para fazer frente às dificuldades que permanecem, onde quer que estejam. No CIR, as mães são
orientadas a não levarem as crianças quando saem e para estas há algumas atividades recreativas.
Notamos que tudo isto gerou uma preocupação entre os Warao de terem que se explicar, de
afirmar todo o tempo que são trabalhadores, que as mães não mais saem para pedir e que quando o
fazem não levam as crianças. Sobre esta temática dos cuidados, algumas ponderações devem ser
feitas, para que se garanta o atendimento respeitoso pretendido. Embora pela temporalidade do
presente trabalho não tenha sido possível conhecer de modo mais detido a noção de pessoa Warao e
os modos de socialização a esta vinculados (o que recomendamos para os trabalhos futuros sobre a
etnia), já se sabe, com base na literatura antropológica, que há distintas formas de cuidado e de
participação da criança na vida social (Cohn,2000) e que a história colonial e neocolonial está
repleta de exemplos do caráter violento das socializações forçadas e apartadas promovidas pelos
colonizadores e missionários, em nome da “correção de comportamentos”. Assim, alerta-se aqui
para a necessidade de que as políticas de abrigamento, assim como outras que se dirijam aos Warao
no Brasil, busquem compreender e considerar os modos próprios de socialização da etnia, de modo
a garantir o respeito à sua forma de ser (diferente da não indígena) e à sua autonomia no cuidado
com os filhos e filhas27.
Assim, a participação das Instituições Públicas Federais que respondem pelos direitos
indígenas no campo da educação, da cultura e da saúde, além da FUNAI, se mostram importantes,
uma vez que, como lembra Amoroso, as práticas coloniais de educação e assimilação já guardam
uma enorme distância da forma como hoje compreendemos a escola indígena, ou seja, como uma
instituição integrada ao próprio projeto de autonomia dos povos indígenas (Amoroso, 1998).
Vale novamente mencionar o fato dos Warao serem em torno de 49 mil na Venezuela e, no
Brasil, ter chegado uma parcela mínima desta população, pois sabe-se que até o momento a
população da etnia não ultrapassou 600 pessoas simultaneamente no Brasil. Nota-se, assim, a
percepção negativa e nem sempre pautadas na realidade das avaliações que se tem feito dos Warao.
Não obstante a importância da proteção das crianças, ações protetivas podem ser construídas pela
via do diálogo intercultural. Mas o que se nota, no entanto, não são tentativas de melhorar as
condições Warao, mas de tirá-los da vista, de preferência mandando-os de volta a seus locais de
origem, sem considerar a atual falta de condições mínimas, assim como sua autonomia na garantia
de sua subsistência e reprodução cultural.
27Recente Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, CONANDA, mostra que estapreocupação de garantia do direito de respeito à diversidade mereceu atenção do Conselho. Vide Resolução Nº 181,2016.
22
3.5 – OS CAMINHOS SEGUIDOS
Todos os Warao com os quais conversamos são falantes da sua língua nativa e do espanhol,
mas alguns, os mais velhos, têm dificuldades na fluência deste último idioma. O português ainda se
constitui em uma barreira para eles, motivo pelo qual enfrentam dificuldades ao passar ao Brasil,
mas como são acostumados aos contextos citadinos (residência ou viagens), acabam por se saírem
bem. Nesse sentido há que se destacar o empenho de comunicação dos Warao quando assim o
desejam, bem como a recusa em fazê-lo quando seus interlocutores deles se aproximam apenas para
dizer o que não podem fazer, como ficar no sinal, estar com crianças na rua e ao sol, dentre outras
“advertências”. Esta recusa se expressa por meio da simulação de não entendimento em absoluto da
pessoa por só se comunicarem na sua língua nativa.
Para chegar ao Brasil os Warao percorrem um longo trecho: uma parte fluvial e uma parte
rodoviária. Tucupita é o ponto de partida da maioria, que lá chegam por via fluvial e de lá
continuam por rodovia. Há distâncias fluviais que demandam até dois dias de deslocamento para se
chegar a Tucupita. A partir de Tucupita até a última cidade Venezuelana, que é Santa Elena de
Uairén, levam mais um dia. A Figura 5 mostra o percurso realizado pelo Warao desde o estado delta
Amacuro até Boa Vista, o que perfaz um total de cerca de 925 km.
Já no Brasil, muitos dos Warao que chegam a Boa Vista a partir de Pacaraima fazem a
trajetória ao longo de três dias de caminhada exaustiva, ou por meio de pagamento pelo transporte,
cujo valor pode variar, a depender do modo como as pessoas entraram no Brasil, se pela rodovia,
passando pelos postos de fiscalização, ou pelo sierro, caminhos existentes entre Santa Elena de
Uairén e Pacaraima. Disseram que têm de avaliar a escolha, uma vez que na passagem pelo posto da
Polícia Federal podem ser impedidos ou lhes serem concedidas permanências muito curtas, algumas
de apenas três dias, o que é incompatível com as necessidades e expectativas que os trazem.
Houve menção à cobrança, caracterizada como forma de corrupção de agentes
venezuelanos, no trajeto de retorno para suas terras, de modo que, além dos gastos com transporte,
os ganhos são reduzidos quando lá chegam de volta. Eles afirmam que com a venda dos produtos de
artesanato e com o que adquirem pedindo doações, obtêm o suficiente para apoiarem os parentes na
Venezuela, seja em espécie, seja por meio de alimento e outros produtos adquiridos aqui,
notadamente alimentícios.
23
Figura 5 – Caminho percorrido entre o delta do Rio Orinoco e Boa Vista
Fonte:
Amazoniareal, 2016
3.6 – AS DEPORTAÇÕES E O ABRIGAMENTO
Em Roraima, os Warao passaram a viver inicialmente em terrenos baldios, rodoviárias e
feiras públicas. Todo o processo de abrigamento dos Warao que se encontravam na cidade de Boa
Vista passa a ser gestado após a tentativa de deportação coletiva de cerca de 450 deles, em 09 de
dezembro de 2016, e em decorrência da decisão judicial anteriormente mencionada. Outras
deportações anteriores efetivamente ocorreram, sendo uma das primeiras de que se tem notícia, a
ocorrida ainda no primeiro semestre de 2014, e que envolveu cerca de sessenta pessoas. De fato, em
entrevista realizada com o Delegado da Polícia Federal em Pacaraima, obtivemos a informação de
que somente vinham ocorrendo deportações coletivas dos indígenas Warao.
Com a interrupção da deportação em dezembro de 2016 por ação judicial proposta pela
Defensoria Pública da União em Roraima, cerca de metade dos indígenas retornaram a Boa Vista e
a outra parte seguiu, por opção, para a Venezuela. De acordo com avaliação de um dos Warao que
conversamos, os que preferiram voltar para a Venezuela provavelmente levaram em conta o fato de
que já haviam conseguido dinheiro e alimentos suficientes para o trajeto de volta e para os levarem
aos familiares. Permaneceram em Roraima aqueles que chegaram mais recentemente e que não
24
tinham ainda alimentos e dinheiro para o retorno às suas comunidades. Os Warao também avaliaram
que alguns permaneceram no Brasil por temor de adentrarem novamente a Venezuela e não
poderem mais voltar para cá, pois uma questão que muito os preocupava é se havia garantias do
direito de ir e vir através da fronteira Brasil/Venezuela que, naquele momento do trabalho de
campo, estava recorrentemente sendo fechada.
Em decorrência desta tentativa de deportação, a maioria foi retirada dos espaços onde
estavam concentrados em Boa Vista, em especial na Feria do Passarão – local de atividade
comercial popular de produtos alimentícios – e levados para Pacaraima, na fronteira com a
Venezuela, sob a justificativa oficial de não possuírem a documentação necessária. Os que voltaram
para Boa Vista ainda passaram um tempo na Feira do Passarão, mas recebendo comida em um
sindicato e, no final de dezembro, foram levados para o abrigo do CRI, onde os encontramos.
Consta que antes mesmo de saírem da Feira do passarão que a Federação Fraternidade Humanitária
Internacional, instituição não governamental com sede em Minas Gerais que vem coordenando as
atividade no CRI, já atuava junto a eles.
Em Pacaraima, onde não havia abrigamento, ainda os encontramos em um terreno vazio,
próximo à rodoviária. Estavam em cerca de três grupos familiares de aproximadamente trinta
pessoas, incluindo as crianças. Neste local eles preparam o próprio alimento de forma precária e
com baixo teor nutricional: estavam consumindo, naquele momento, apenas arroz branco e uma
espécie de pão preparado com trigo e água. À noite se acomodam no espaço coberto da rodoviária,
sobre papelões e juntos a vários outros imigrantes venezuelanos, este últimos geralmente em
trânsito para Boa Vista. Moradores de Pacaraima reclamaram do uso de bebida alcoólica e da
formação de lixo em áreas públicas.
Em Boa Vista, inicialmente os Warao passaram a se posicionar nos semáforos dos principais
cruzamentos, especialmente as mulheres. O governo e sociedade locais, desde então, reagem de
maneira ambígua em relação aos Warao: por um lado, comovem-se com a situação, sobretudo das
crianças, mas por outro lado desejam vê-los distantes, de modo que estimulam as pessoas a não
darem “esmolas”, uma vez que existe acolhimento no CRI28. Este discurso apenas camufla as
verdadeiras condições do CRI e a real assistência oferecida pelo poder público, sem oferecer
condições mínimas de segurança alimentar.
O CRI é o local onde atualmente a maior parte dos Warao em território brasileiro se abriga.
Trata-se de um ginásio do Governo de Roraima, localizado no bairro Pintolândia. Neste abrigo, as
famílias estão incompletas e encontram dificuldades de comunicação com os que ficara na
28Soubemos que circulou na internet uma campanha, de autoria desconhecida, mediante uma fotografia de uma senhoraWarao segurando uma caixa de suco com os dizeres: “não alimente esta cultura na nossa sociedade”. Ouvimos, também,observações tais como: “são diferentes dos “nossos índios”, pois ficam nas ruas pedindo esmolas”.
25
Venezuela. Uma senhora relatou que naqueles dias tinha conseguido se comunicar com sua filha,
que se encontra cuidando de sua casa, em sua comunidade. Ela disse que tem “moradia digna”, mas
estavam passando fome e necessidades. Por esta situação, a comunidade, conforme lhe informou a
filha, por decisão de seu Conselho, havia recentemente deliberado vender as cinco cabeças de gado
criado coletivamente. Quando da repartição do dinheiro obtido, a filha e netos não receberiam sua
parte, em razão da ausência da mãe. A filha protestou e, não sem muita tensão, obteve decisão
favorável, recebendo 25 mil bolívares, já gasto com comida. Esta situação, disse-nos na ocasião, a
preocupava muito.
A assistência por parte do governo estadual no CRI se faz presente, na ocasião que lá
estivemos, pela Defesa Civil, que é representada pelo Corpo de Bombeiros. Alimentos não
perecíveis foram fornecidos por esta via, mas apenas alguns produtos que haviam sido apreendidos
pela Polícia Rodoviária Federal, dentre eles, arroz, macarrão e óleo. São os missionários e
voluntários da Federação Fraternidade Humanitária Internacional que, como dito, estão prestando
assistência no CRI: administram as rotinas, e todos os dias buscam doações de alimentos com os
comerciantes da cidade, prestando cuidados de enfermaria, organizando atividades com as crianças,
providenciando transporte para acesso a atendimento de saúde etc. A Fraternidade, como é
conhecida, vem articulando diversas ações para promover a melhoria das condições dos Warao no
CRI e em Boa Vista.
No abrigo são os próprios indígenas que preparam e servem os alimentos, mas sob o
controle de quantidades, modos e formas definidos pelos integrantes da Fraternidade. Desde que
chegaram ao abrigo, os Warao estão organizados em nove líderes e concordaram em serem referidos
como Aidamos, em referência à organização sociopolítica Warao, nas comunidades. Estes ficam
responsáveis por falar pelas famílias, mas as mulheres têm seu papel, ainda que de modo reservado,
na interação ali estabelecida.
Há vários problemas de estrutura no CRI: saneamento por fossas rudimentares, sendo que
estas não estão ligadas a uma rede de esgoto e, com o uso frequente, elas enchem e transbordam;
alimentação insuficiente, pois depende de doações arrecadadas pela Fraternidade; grande
quantidade de insetos; a acomodação conjunta no espaço da quadra de esportes com imigrantes não
indígenas, o que pode ocasionar desentendimentos; assistência insuficiente ao atendimento de suas
necessidades; impossibilidade de reproduzirem adequadamente seu modo de vida tradicional.
Destaca-se neste conjunto, a inapropriada substituição de responsabilidades, pois a entidade
humanitária que vêm prestando seu apoio, tem seus limites e cumpre do modo como lhe é possível e
específico o papel que é do poder público.
26
3.7 – A ATUAÇÃO ESTATAL E DA SOCIEDADE CIVIL
Durante o trabalho de campo, membros da Secretaria Social do Estado de Roraima
estiveram no abrigo e médicos do exército visitaram o local. Neste mesmo período, um caminhão
da Secretaria de Segurança Pública para ações de saúde ficou estacionado no abrigo. A Assistência
Social do Estado, por meio do CETRAB/SINE, tem buscado auxiliar no encaminhamento dos
migrantes, em geral, para empregos ou em projetos com o fim de gerar trabalho e renda,
especialmente por meio do artesanato.
O CIR (Conselho Indígena de Roraima) manifestou-se solidário à questão Warao, mas em
função do posicionamento das lideranças locais, entende não lhes caber quaisquer soluções para
acolhimento aos Warao. Isto teria sido cogitado no âmbito do governo do Estado.
A atuação da FUNAI tem sido insuficiente: buscou apoio junto ao consulado da Venezuela,
mas obteve para o grupo somente mais uma deportação; tentou colocá-los na CASAI (Casa de
Apoio à Saúde Indígena), sem sucesso; procurou articular a inserção dos Warao em aldeias de
Roraima, proposta que não foi aceita pelas lideranças indígenas locais; e houve tentativas de acionar
o governo da Venezuela por meio da Diretoria Internacional da Funai, mas também sem êxito.
Confrontando os dados de campo com os recebidos posteriormente, constata-se que o
abrigamento não gerou um efeito imediato no aumento de indígenas, mas, ao contrário, manteve a
tendência de redução anotada acima. No Centro de Referência do Imigrante encontravam-se, na
ocasião do campo, 154 pessoas da etnia Warao e 34 Venezuelanos não indígenas (neste último
grupo havia apenas uma mulher), perfazendo um total de 198. No mês de fevereiro, conforme
atualização encaminhada por membros da Fraternidade, o número total de abrigados aumentou para
209 pessoas no Centro de Referência, no entanto, houve uma redução no número de indígenas: de
154 para 143 indígenas (54 mulheres, 38 homens e 51 crianças Warao) e o aumento para 66 dos não
indígenas. Assim, apesar de sensível aumento no número total de atendidos no CRI e dos indígenas
permanecerem como maioria numérica, observa-se uma progressiva saída de famílias do local,
movimento observado desde o início do ano de 2017.
As possíveis causas seriam as dificuldades em realizar suas atividades junto às vias públicas
centrais, pela distância ao CRI; surgimento de rotas de comércio novas, como Manaus; atingimento
temporário dos objetivos que os trazem ao Brasil; práticas sazonais em seus locais de origem, dentre
outras. De todo modo, a redução do número de migrantes indígenas ocorre justamente no momento
em que é fundado um espaço para servir de abrigamento, o que demonstra que a vinda dos Warao
não é apenas para comer e se acomodar a uma realidade institucionalmente “fornecida”, mas para
poder escapar aos graves problemas sociais em seu país de origem e poder, de modo autônomo e
28
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A síntese apresentada na primeira parte deste parecer buscou demonstrar que:
1) Na história de longa duração, os Warao são descritos em uma espacialidade definida - o
Delta do Orinoco e ilhas do mar do Caribe (já tendo estado nas Antilhas) - e que a sua
territorialidade e mobilidade neste amplo ambiente decorre tanto de processos de sínteses culturais
próprias, como das relações geradas pela presença do conquistador europeu nos períodos colonial e
pós-colonial;
2) Não há uma homogeneidade nas formas de ser Warao (ou nas suas práticas culturais)29 –
nem no presente e nem no passado –, mas eles se constituem em uma unidade étnica diferenciada,
verificável nos planos linguísticos e das relações sociais intra e interétnicas, formando uma unidade
sociológica mais ampla;
3) O ambiente ecológico no qual estiveram historicamente inseridos os poupou da presença de
algumas frentes de expansão colonial, mas os colocou em contatos interétnicos com outros grupos
ameríndios das terras baixas sul-americanas (em especial os dos troncos Aruak e Caribe), gerando
novas sínteses e processos de troca no interior desta unidade étnica;
4) O ambiente ecológico no qual ainda hoje vivem parte dos Warao manteve-se relativamente
preservado até as décadas iniciais do século XX, quando ocorreram as primeiras intervenções
governamentais significativas, com graves consequências sobre os territórios de uso e o modo de
vida Warao no delta;
5) Apesar das intervenções anteriores à segunda metade do século XX pouco terem afetado seu
meio de existência, as que ocorrem depois, com o fechamento do Rio Manamo e a exploração
petroleira, tiveram consequências mais danosas sobre a vida e a cultura das populações Warao;
6) Dentre as consequências destas intervenções se destaca a remoção forçada e alterações
ambientais que levaram ao abandono de seus lugares de origem, para se inserirem nas cidades do
entorno do delta, de modo temporário ou definitivo (como no caso da fundação de comunidades
urbanas da etnia) e, destas, para cidades cada vez mais distantes do delta, como no caso de Caracas;
7) Esses deslocamentos para os contextos urbanos visavam complementar a subsistência dos
grupos familiares, não mais possível em seus territórios de origem.
8) Nas cidades desenvolveram práticas específicas para a complementação da subsistência, em
especial a do “pedir”, o que, por colocá-los em situação de rua, desencadeia novos processos de
29 O que contesta a ideia de senso comum - e algumas vezes afirmada também na antropologia, mas para povos específicos – de que um povo corresponde a uma cultura bem definida, circunscrita, isolada e homogenia.
29
danos e de migração de suas áreas de origem para ter acesso aos recursos de saúde, por exemplo.
9) É importante não sobredimensionar o processo de migração em tela, a população indígena
Warao na Venezuela chega a cerca de 49.000 pessoas e os dados aproximados da migração ao Brasil
ainda não ultrapassou a cifra de 600 pessoas, simultaneamente, desde 2014.
10) O Centro de Atendimento ao Imigrante, em que pesem os dedicados esforços ali
demonstradas pela Defesa Civil e a Fraternidade, não é local apropriado para acolhida aos Warao
que se dirigem para as cidades brasileiras.
11) Os serviços a serem prestados, de saúde, educação, ações para autonomia econômica e
atividades culturais requerem participação das instituições públicas federais responsáveis pelos
direitos indígenas nos campos da saúde, educação e cultura, além da FUNAI.
O trabalho realizado permite um entendimento preliminar dos processos de mobilidade
Warao e a constatação de que ele se dá dentro de uma lógica etnicamente orientada e já observada
nos contextos urbanos da Venezuela. Também permite apontar que as famílias que realizam o
trânsito para o Brasil provém de regiões do território Warao afetadas pelos eventos narrados na
primeira parte do trabalho, sendo a crise econômica e de desabastecimento reincidente na Venezuela
nos últimos anos, assim como a perda de programas sociais voltados para as populações indígenas,
os principais motivos apresentados pelos Warao para que necessitem expandir as suas fronteiras de
atuação em busca de alimentos, dinheiro, saúde, trabalho e de outros recursos, chegando até as
cidades brasileiras citadas.
Nesse sentido, destaca-se que o presente parecer constitui-se em uma primeira aproximação
em relação à etnia, e que permanece a necessidade de pesquisas mais aprofundadas visando à
compreensão das “situações históricas” Warao no decurso do tempo. Estas pesquisas também
devem alcançar as comunidades Warao em seus contextos locais de existência (ou seja, no delta do
Orinoco e regiões adjacentes), e privilegiar a observação da mobilidade, da significação e das
particularidades dos modos e condições de vida, sobretudo naquelas comunidades de onde provêm
as parcialidades em trânsito no Brasil.30 As pesquisas também devem promover o diálogo com os
indígenas e envolver pesquisadores venezuelanos que já trabalham com os Warao, além de
universidades brasileiras, especialmente os departamentos e institutos de antropologia que já30 Dentre os Warao que conhecemos, poucos já se deslocaram para além das fronteiras nacionais, alguns já foram paraTrinidad e Guiana, mas consta informação da pesquisadora Lusi Videla Núñez - que trabalha com as mudanças depadrões de assentamentos dos Warao e sobre os impactos destas mudanças nas práticas culturais e no manejo dadiversidade das zonas ribeirinhas e ilhas litorâneas do Alto delta (em Pedernales, Jacao, Guanipa e Isla Misteriosa) - querecentemente esteve com os Warao de Barrancas do Orinoco (estes procedentes de Winikina e Mariusa) e que entre eleshá os que tem se deslocado também para a Colômbia. Esta informação foi repassada por esta pesquisadora, via e-mail,datada de 01 de março de 2017, às antropólogas Bibiana Bilbao e Elaine Moreira. As informações prestadas pelosWarao em Boas Vista indicam que viagens para Trinidad y Tobago e Guiana são opções mais difíceis. Provavelmentepor barreiras linguísticas, entre outras.
30
estudam os processos de mobilidade indígena através de fronteiras nacionais e que tenham interesse
em projetos colaborativos e de extensão.
31
5. SUGESTÕES
Sugerimos, a título de contribuição para as questões em pauta no âmbito dos trabalhos dos
membros do MPF que solicitaram o presente parecer, as seguintes ações:
1. A construção de uma política migratória para os Warao que garanta o direito de ir e vir;
2. Que sejam ouvidos, de modo livre e informado, sobre as decisões e políticas de acolhimento,
trabalho, educação, saúde ou quaisquer outras medidas que lhes afetem, tomadas por autoridades
brasileiras;
3. Que se estabeleça um protocolo para um processo de consulta sobre políticas junto a eles e
com sua ampla participação na construção do instrumento, considerando a mobilidade dos Warao, o
que faz com que nem sempre os que participarão da consulta poderão retornar e outros chegarem;
4. Que os diálogos, consultas e a prestação de serviços públicos atentem para efetiva
comunicação, uma vez que poucos compreendem o português, pois têm como primeira língua o
Warao e, como a segunda, o espanhol;
5. Que a rede de instituições públicas e da sociedade civil responsáveis e envolvidas na política
migratória brasileira monitore a efetiva execução das políticas públicas definidas para os Warao na
audiência;
6. Que se desenvolva uma metodologia para que os responsáveis pelo abrigo possam registrar
de forma periódica, sistemática e permanente os dados sobre a entrada e de saída de indígenas
Warao no CRI, de modo que os dados possam ser utilizados nas pesquisas acadêmicas e nas
políticas públicas voltadas para a etnia;
7. Que o MPF e a rede de instituições envolvidas na política migratória estimulem as
Universidades (Federais e Estaduais) brasileiras e venezuelanas que já pesquisam migrações
indígenas através de fronteiras nacionais (especialmente nas áreas de antropologia, sociologia,
relações internacionais e afins) a desenvolver projetos de pesquisa e extensão com os Warao,
visando melhor compreender o processo de mobilidade da etnia no Brasil, assim como aprofundar
os estudos sobre danos socioambientais no território histórico de origem e que podem estar na base
dos processos migratórios da etnia, conforme argumentamos neste parecer;
8. Que sejam construídas, em conjunto com os Warao, propostas de ações e políticas cultural
ou etnicamente orientadas de atenção, em especial, nas seguintes áreas:
a) Saúde: especialmente a saúde das mulheres e crianças, que considere as principais
doenças que acometem a etnia, que identifique as vulnerabilidades próprias do contexto
brasileiro, que incorporem os saberes e práticas médicas da etnia no seu escopo;
32
b) Educação: que seja, no mínimo, bilíngue, e inclua o português, e que seja de acordo
com interesses específicos dos Warao;
c) Políticas culturais: incentivo à valorização e produção artesanal que procure garantir
autonomia econômica para os Warao;
9. Que contem com a atenção do órgão indigenista brasileiro e que este se qualifique para lidar
com a etnia, uma vez que ela é pouco conhecida no Brasil;
10. Que a regulamentação da permanência não exija taxas ou documentos que os indígenas não
dispõem ou que inviabilizem o acolhimento de qualquer outro modo;
11. Que se promovam ações de esclarecimento social sobre os Warao, com a participação destes
e de especialistas, de modo a promover uma comunicação pública e social respeitosa,
antidiscriminatória e afirmativa, visando se contrapor as versões equivocadas que se divulgam sobre
os Warao;
12. Que se criem espaços de abrigamento específicos para as famílias Warao como uma
alternativa para a permanência noturna em rodoviárias e espaços públicos (Pacaraima, Boa Vista e
Manaus), e que nestes haja a garantia ao direito à alimentação adequada e etnicamente orientada.
Brasília, 14 de março de 2017
LUCIANA MARIA DE MOURA RAMOS Analista do MPU/Perícia/Antropologia/6ªCCR
EDUARDO TARRAGO Analista do MPU/Perícia/Antropologia/PR-RR
EMILIA ULHOA BOTELHO Analista do MPU/Perícia/Antropologia/PFDC
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Foto 1 – Atividade de elaboração de mapas pelos Warao, no CRI
Foto 2 – Apresentação de dança tradicional Warao, no CRI
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Foto 5 – Desenho de criança Warao, no CRI: detalhe para a centralidade da “canoa”, elemento marcante da cultura