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  • CENTRO EVANGLICO DE MISSES

    ESCOLA DE MISSES TRANSCULTURAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MISSIOLOGIA

    MINAS INDGENA

    Levantamento Sociocultural e Possibilidades de Abordagens

    Missionrias nos Grupos Indgenas de Minas Gerais

    Por

    CCIO EVANGELISTA DA SILVA

    VIOSA MG

    Outubro de 2002

  • Minas Indgena

    MINAS INDGENA

    Levantamento Sociocultural e Possibilidades de Abordagens

    Missionrias nos Grupos Indgenas de Minas Gerais

    Por

    CCIO EVANGELISTA DA SILVA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Missiologia da Escola de Misses Transculturais do Centro Evanglico de Misses, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Missiologia.

    Orientador: Ronaldo Almeida Lidrio (Ph.D)

    VIOSA MG

    Outubro de 2002

    ii

  • Minas Indgena

    PGINA DE APROVAO

    A Dissertao MINAS INDGENA Levantamento Sociocultural e

    Possibilidades de Abordagens Missionrias nos

    Grupos Indgenas de Minas Gerais

    De Autoria de CCIO EVANGELISTA DA SILVA

    Aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo Curso de Mestrado em Missiologia como requisito parcial obteno do ttulo de

    MESTRE EM MISSIOLOGIA

    Viosa, 28 de Outubro de 2002.

    Banca Examinadora

    Dr. Ronaldo Almeida Lidrio (Ph.D) - RLU

    Dr. Sebastio Lcio Guimares (Th.D) CEM

    Profa. Antnia Leonora van der Meer (MT) CEM

    iii

  • Minas Indgena

    DEDICATRIA

    Elisngela, minha amada esposa, fiel e doce companheira, minha principal

    incentivadora e parceira ministerial.

    Aos missionrios Harold e Frances Popovich, Ronaldo e Ktia Lima, Adair e Zilene

    Gomes, Marlene Martins, Joo Maria Silva, Agustinho e Nelice Cipriano, e todos os

    demais fieis servos do Senhor que no anonimato ministerial dedicaram ou dedicam suas

    vidas para que o reino de Deus seja expandido na Minas Indgena.

    iv

  • Minas Indgena

    AGRADECIMENTOS

    Ao Deus trino, Senhor da seara e dos obreiros, criador e redentor das naes.

    Elisngela, minha fiel e amada esposa, por sua constante presena, incansvel apoio, encorajamento, participao nas pesquisas de campo e imensa compreenso ao privar-se s vezes da minha companhia.

    Ao Rev. Ronaldo Lidrio, pela atenciosa orientao, incentivo, e principalmente pelo exemplo de vida, desafiando-me a um ministrio onde o carter transpe a habilidade, e a piedade precede a erudio.

    Ao Rev. Carlos Ribeiro Caldas Filho, por ter me desafiado a escrever sobre indgenas.

    Ao Pr. Alcir Almeida, pela reviso e valiosas sugestes.

    Ao Pr. Sebastio Lcio Guimares, pelas crticas e sugestes.

    A Francisco e Rose, pela amizade, prestatividade e auxlios mecanogrficos.

    Oitava Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte, pelo sustento, apoio, encorajamento e incansvel desejo de alcanar os povos com o evangelho.

    Comunidade Presbiteriana de Viosa, por ter se tornado nossa famlia, encorajando, em tudo apoiando e nos dando o privilgio de servir.

    Ao Centro Evanglico de Misses, por ser um exemplo de paixo pelos povos.

    A todos os missionrios e lderes indgenas, que me receberam nas vrias viagens de pesquisa, fornecendo informaes preciosas nas entrevistas, sem as quais este texto no estaria completo.

    A Jos e Maria Silva, meus queridos pais, pelo exemplo de vida, formao de carter e constantes oraes.

    A Elviro e Maria das Dores de Oliveira, meus queridos sogros, pelo incentivo e tambm constantes oraes.

    A todos os nossos intercessores, que tem nos apoiado em orao.

    v

  • Minas Indgena

    SILVA, Ccio Evangelista da. Minas Indgena Levantamento Sociocultural e Possibilidades de Abordagens Missionrias nos Grupos Indgenas de Minas Gerais. Viosa: Centro Evanglico de Misses, 2002.

    RESUMO

    Dentro das perspectivas histrica, sociocultural e missiolgica, os oito grupos indgenas de

    Minas Gerais so aqui apresentados, numa tentativa de apontar a sua real e atual situao

    enquanto grupos sociais etnicamente distintos, as causas que os levaram a esta situao, o

    que j foi feito em termos missionrios, e o que pode ser feito a partir desta mesma

    realidade. Durante sculos estes grupos sofreram uma forte ao exterminadora por parte

    dos conquistadores do territrio mineiro, iniciada com os primeiros bandeirantes paulistas

    que vieram para estas regies procura de tesouros minerais, sucedidos pelos militares que

    a partir dos quartis praticavam o genocdio exterminando ou militarizando indgenas, e

    pelos religiosos catlicos que nos aldeamentos cometiam o etnocdio ao proibirem a lngua

    materna e tradies religiosas de cada tribo, bem como, ao fomentarem o casamento de

    indgenas com negros. O resultado foi a reduo dos mais de cem grupos indgenas aqui

    presentes no sculo XVI a apenas oito grupos que hoje lutam pela reafirmao tnica. Com

    uma populao aproximada de nove mil pessoas, que preservaram trs lnguas indgenas,

    estes grupos vivem uma realidade cultural de grande descaracterizao; uma realidade

    religiosa de forte sincretismo animista-catlico romano; apresentam um quadro tnico de

    acentuada miscigenao; e um quadro social de marginalizao. Trs principais

    abordagens missionrias com diferentes frentes de atuao foram constatadas em quatro

    dos oito grupos lingstica, kerygmtica e scio-assistencial restando assim, ainda

    quatro grupos sem qualquer presena evanglica. Entretanto, pelo menos sete destes

    grupos carecem com urgncia de um trabalho missionrio relevante.

    vi

  • Minas Indgena

    SILVA, Ccio Evangelista da. Minas Indgena Levantamiento Sociocultural y Possibilidades de Aproximacines Misioneras en los Grupos Indgenas de Minas Gerais. Centro Evanglico de Misses, 2002.

    RESUMEN

    Dentro de las perspectivas histrica, socio-cultural y misiolgicas, los ocho grupos

    indgenas de Minas Gerais son presentados aqu, en una tentativa de apuntar a su real

    situacin en cuanto grupos sociales etnicamente diferentes, las causas que los llevaran a

    esta situacin, lo que ya fue echo en trminos misioneros, y lo que se puede hacer a partir

    de esta misma realidad. Durante siglos estos grupos sufrieron una fuerte accin

    exterminadora por parte de los conquistadores del territorio minero, iniciado con los

    primeros conquistadores paulistas que vinieron para estas regiones en busca de tesoros

    minerales, seguidos por los militares que de los cuarteles praticaban el genocidio

    exterminando o militarizando los indgenas, y tambin por los religiosos catlicos que en

    los aldeamentos cometan el etnocidio al prohibirles su lengua materna y tradiciones

    religiosas de cada tribu, como tambin, al fomentar el casamiento de indgenas con negros.

    El resultado fue la reduccin de los mas de cien grupos indgenas aqu presentes en lo siglo

    XVI, a solamente ocho grupos que hoy luchan por la reafirmacin tnica. Con una

    populacin aproximadamente de nueve mil personas, que preservaron tres lenguas

    indgenas, estos grupos viven una realidad cultural de grande pedida de caractersticas; una

    realidad religiosa de fuerte sincretismo animista-catlico romano; presentan un cuadro

    tnico de acentuada miscegenacin; y un cuadro social de marginalizacin. Tres

    principales aproximaciones misioneras con diferentes frentes de actuaciones fueron

    constatadas en cuatro de los ocho grupos lingstica, kerigmtica y socio-asistencial

    quedando as, todava cuatro grupos sin presencia evanglica. Sin embargo, por lo menos

    siete de estos grupos necesitan con urgencia de un trabajo misionero relevante.

    vii

  • Minas Indgena

    SILVA, Ccio Evangelista da. Indian Minas Socio-cultural Survey and the Possibilities of Missionary Approximation with the Indigenous Groups of Minas Gerais. Viosa: Centro Evanglico de Misses, 2002.

    ABSTRACT

    Within historical, social, cultural and missiological perspectives the eight indigenous

    groups of the State of Minas Gerais are presented here in an attempt to point out their

    actual situation as distinct social groups, the reasons which led them to be in this situation,

    what has been done in missionary outreach and what can be done in the face of this reality.

    For many centuries these groups have been almost exterminated by those who conquered

    these regions, starting with the first explorers from the State of So Paulo who came to this

    region in search of precious minerals, followed by the military who from their bases

    committed genocide exterminating or militarizing Indians and also by the Catholic priests

    who in the villages committed ethnocide by prohibiting the use of their mother tongue and

    the religious traditions of each tribe, as for example forcing the marriage of Indians with

    the Negroes. The result was a reduction of more than a hundred indigenous groups present

    here in the sixteenth century to only eight groups, whose today are struggling for their

    ethnic identity. With a population of about nine thousand persons, who preserved three

    indigenous languages, these groups live a cultural reality of losing their identity; a religious

    reality of a strong Roman Catholic and animist syncretism; they present an ethnic picture

    of accentuated miscegenation and a social situation of being marginalized. Three principal

    missionary approaches with different fronts of action were discovered in four of the eight

    groups linguistic, kerygmatic and social assistance, leaving the other remaining groups

    without any evangelical presence. However at least seven of these groups need urgently to

    receive a relevant missionary thrust.

    viii

  • Minas Indgena

    SIGLAS E ABREVIATURAS

    ABA Associao Brasileira de Antroplogos

    AD Assemblias de Deus

    AIS Agente Indgena de Sade

    AMTB Associao de Misses Transculturais Brasileiras

    APOINME Associao dos Povos Indgenas do Nordeste, Minas Gerais e Esprito Santo

    CEDEFES Centro de Documentao Eloy Ferreira da Silva

    CESE Coordenao Ecumnica de Servios

    CIMI Conselho Indigenista Missionrio

    CNBB Confederao Nacional dos Bispos do Brasil

    CPT Comisso Pastoral de Terras

    FUNAI Fundao Nacional do ndio

    FUNASA Fundao Nacional de Sade

    GRIN Guarda Rural Indgena

    GTME Grupo de Trabalho Missionrio Evanglico

    IEF Instituto Estadual de Florestas

    IEPHA Instituto Estadual do Patrimnio Histrico e Artstico

    ISA Instituto Socioambiental

    MEC Ministrio de Educao e Cultura

    MNTB Misso Novas Tribos do Brasil

    ONG Organizao No-Governamental

    PDIA Projeto de Desenvolvimento, Integrao e Assimilao

    SEE/MG Secretaria de Estado da Educao de Minas Gerais

    SIL Sociedade Internacional de Lingstica

    SPI Servio de Proteo ao ndio

    UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora

    UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

    UHITUP Curso de Formao de Professores Indgenas de Minas Gerais

    ix

  • Minas Indgena

    CONTEDO

    PGINA DE APROVAO............................................................................................. ii

    DEDICATRIA................................................................................................................. iii

    AGRADECIMENTOS....................................................................................................... iv

    RESUMO.............................................................................................................................. v

    RESUMEN.......................................................................................................................... vi

    ABSTRACT....................................................................................................................... vii

    SIGLAS E ABREVIATURAS......................................................................................... viii

    CONTEDO....................................................................................................................... ix

    INTRODUO................................................................................................................... 1

    PRIMEIRA PARTEMinas Indgena: Uma Perspectiva Histrica

    1. ORIGEM DOS AMERNDIOS................................................................................... 41.1. O Povoamento das Amricas1.2. O Povoamento do Brasil

    2. MINAS INDGENA NO PERODO PRE-COLONIAL........................................... 72.1. Civilizaes dos Abrigos (Cavernas)2.2. Civilizaes das Aldeias2.3. Civilizaes da poca do Contato

    3. MINAS INDGENA NO PERODO COLONIAL................................................... 113.1. O Contato Com os Grupos do Norte3.2. O Contato Com os Grupos do Leste

    4. MINAS INDGENA NO PERODO IMPERIAL.................................................. 17

    x

  • Minas Indgena

    4.1. Declarada a Guerra Justa4.2. A Poltica da Boa Vizinhana4.3. As Frentes de Expanso Territorial4.3. O Aldeamento de Itambacuri5. MINAS INDGENA NA REPBLICA................................................................... 235.1. SPI Servio de Proteo ao ndio5.2. GRIN Guarda Rural Indgena5.1. FUNAI Fundao Nacional do ndio5.2. Desfecho Histrico dos Grupos Mineiros5.3. O Processo de Migrao5.4. O Processo de Emergncia

    SEGUNDA PARTEMinas Indgena: Uma Perspectiva Sociocultural

    1. CONSIDERAES PRELIMINARES...................................................................... 371.1. Troncos Lingsticos1.2. Classificao da Origem tno-Geogrfica1.3. O Mito do ndio Puro1.4. Programas Assistenciais

    2. OS XACRIAB............................................................................................................. 452.1. Situao Sociocultural2.2. Possibilidades de Abordagens Missionrias

    3. OS MAXAKALI............................................................................................................ 613.1. Situao Sociocultural3.2. Possibilidades de Abordagens Missionrias

    4. OS KRENAK................................................................................................................. 774.1. Situao Sociocultural4.2. Possibilidades de Abordagens Missionrias

    5. OS PATAX.................................................................................................................. 935.1. Situao Sociocultural5.2. Possibilidades de Abordagens Missionrias

    6. OS PANKARARU....................................................................................................... 1086.1. Situao Sociocultural6.2. Possibilidades de Abordagens Missionrias

    7. OS XUKURU-KARIRI............................................................................................... 1207.1. Situao Sociocultural7.2. Possibilidades de Abordagens Missionrias

    8. OS KAXIX................................................................................................................ 1328.1. Situao Sociocultural8.2. Possibilidades de Abordagens Missionrias

    xi

  • Minas Indgena

    9. OS ARAN.................................................................................................................. 1479.1. Situao Sociocultural9.2. Possibilidades de Abordagens Missionrias

    TERCEIRA PARTEUma Anlise Missiolgica das Abordagens

    Missionrias na Minas Indgena

    1. ABORDAGENS MISSIONRIAS.......................................................................... 161

    2. ABORDAGEM LINGSTICA.............................................................................. 1622.1. reas de Atuao2.2. Efeitos Positivos 2.3. Efeitos Negativos2.4. Algumas Sugestes

    3. ABORDAGEM KERYGMTICA............................................................................ 1693.1. reas de Atuao3.3. Efeitos Positivos3.4. Efeitos Negativos3.5. Algumas Sugestes

    4. ABORDAGEM SOCIO-ASSISTENCIAL................................................................ 1794.1. Efeitos Positivos5.5. Pontos Negativos5.6. Algumas Sugestes

    5. AS TRADIES MISSIONRIAS.......................................................................... 1835.1.Tradio Catlica5.2.Tradio Ecumnica5.3.Tradio Evangelical5.4.Tradio Pentecostal

    CONCLUSO................................................................................................................. 185

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................................... 192

    ANEXO 01: Mitos e Lendas da Minas Indgena.......................................................... 201

    ANEXO 02: Mapa da Minas Indgena.......................................................................... 209

    ANEXO 03: Quadro de Visualizao da Minas Indgena........................................... 210

    ANEXO 04: Carta Rgia de 13/05/1808 Declarao de Guerra Justa................ 212

    ANEXO 05: lbum da Minas Indgena........................................................................ 215

    xii

  • Minas Indgena

    INTRODUO

    Apenas um dos oito grupos indgenas de Minas tem sido alvo de projetos

    missionrios. Trs deles tm sido abordados por igrejas locais de cidades prximas, porm

    sem um direcionamento missiolgico, com objetivos e mtodos pouco definidos. Quatro

    permanecem no esquecimento sem qualquer trabalho de evangelizao ou plantio de

    igrejas. Qual a real situao destes grupos? Quais abordagens missionrias j foram

    adotadas entre eles? Quais abordagens seriam mais relevantes? Este trabalho uma

    tentativa de dar respostas a estas perguntas, objetivando disponibilizar material de pesquisa

    e informaes suficientes para a elaborao de futuras abordagens missionrias

    direcionadas a estes grupos.

    Para tanto, foi realizada uma criteriosa e extensa pesquisa bibliogrfica1 em

    literatura especfica sobre os grupos indgenas de Minas Gerais, em literatura especializada

    de antropologia cultural, social e etnologia, bem como, em literatura missiolgica

    relacionada ao tema, valendo ressaltar que esta ltima bastante escassa. Foi tambm

    realizada pesquisa de campo in locu em todos os oito grupos em foco, envolvendo

    observao e entrevistas com lderes indgenas, missionrios que trabalham e j

    trabalharam com eles, comunidades vizinhas e entidades relacionadas. Foi ainda realizado

    um curso sobre a histria indgena de Minas, oferecido pelo CEDEFES Centro de

    Documentao Eloy Ferreira da Silva.

    Esta a primeira pesquisa de cunho missiolgico e carter multi-tnico realizada

    junto aos indgenas de Minas Gerais, e por isto se reveste de certa relevncia,

    principalmente para a crescente pesquisa missiolgica de povos no-alcanados, mas

    tambm para a igreja mineira e brasileira na sua prtica missionria, por duas razes

    principais: primeiro, devido a inexistncia de dados precisos sobre estes grupos indgenas,

    o que contribui para a omisso dos mesmos no movimento de expanso da igreja; e

    segundo, por analisar e sugerir abordagens missionrias para grupos indgenas, pois ainda

    nfimo o material missiolgico disponvel sobre esta questo.

    1 A lista bibliogrfica do final deste relatrio, trata apenas das fontes efetivamente citadas no mesmo.

    1

  • Minas Indgena

    No primeiro captulo procura-se apresentar uma perspectiva histrica da Minas

    Indgena, comeando com algumas consideraes sobre o surgimento dos amerndios e

    prosseguindo com os j convencionados perodos da histria geral do Brasil pr-colonial,

    colonial, imperial e repblica cobrindo cerca de quinhentos anos de histria, at a

    presente data. Assim sendo, fica claro se tratar apenas de um ensaio histrico, visando

    apontar as principais causas da situao atual, como base para a pauta do prximo captulo.

    Uma perspectiva sociocultural da Minas Indgena apresentada no segundo

    captulo, onde so registrados os principais resultados das pesquisas de campo e

    bibliogrfica. Aps algumas breves consideraes sobre assuntos bem genricos, mas

    importantes, cada grupo descrito com dados precisos como localizao, populao,

    etnicidade, religiosidade e problemas sociais, seguidos de algumas sugestes de

    abordagens missionrias com base nos dados anteriores.

    O terceiro captulo apresenta uma perspectiva missiolgica das diversas abordagens

    missionrias que j foram e esto sendo adotadas na Minas Indgena. Aps uma breve

    descrio de cada uma com suas respectivas nfases e frentes de atuao, feita uma

    anlise da relevncia das mesmas, procurando apontar os principais efeitos positivos e

    negativos. Por fim, tecido um rpido comentrio destas abordagens sob a tica das

    tradies missionrias, apontando as evidncias das principais tendncias teolgicas aqui

    presentes.

    2

  • Minas Indgena

    PRIMEIRA PARTE

    Minas Indgena: Uma Perspectiva Histrica

    3

  • Minas Indgena

    1. ORIGEM DOS AMERNDIOS

    1.1. O POVOAMENTO DAS AMRICAS

    Teorias arqueolgicas afirmam que o povoamento das Amricas teria ocorrido h

    cerca de 12 mil anos AP2, no final da chamada Era Glacial, atravs de povos oriundos da

    sia mongolides que seguindo a caa de grande porte teriam atravessado o Estreito de

    Bering, que nessa poca estaria congelado, formando uma passagem terrestre que existiu

    entre a Sibria Oriental e o Alasca a Berngia chegando assim ao atual Estado do

    Alasca (E.U.A.). Assentaram-se primeiramente nos planaltos norte-americanos, em torno

    de 11.500 anos AP, e continuaram em direo ao sul, atravs da Amrica Central at

    chegar aos Andes por volta de 10.500 anos AP. A colonizao completa at o extremo da

    Amrica do Sul teria se dado por volta de 10 mil anos AP. Devido a questes climticas e

    caa excessiva, os animais de grande porte foram diminuindo e forando a migrao destes

    povos caadores. Esta a chamada Teoria da Migrao Clovis (Roosevelt, 1999.35).

    Tal teoria foi, entretanto, questionada por antroplogos que criam na possibilidade

    de caadores-coletores generalizados com instrumentos menos sofisticados e um modo de

    subsistncia baseado na coleta de plantas, na caa de animais menores e na pesca

    (Roosevelt, 1999.37) terem chegado e se espalhado pelas Amricas antes dos caadores

    especializados em animais de grande porte. Esta teoria pr-Clovis foi comprovada por

    vrias descobertas arqueolgicas, sendo hoje hiptese altamente aceitvel no meio

    arqueolgico a povoao das Amricas em pelo menos 40 mil anos AP. Tal concluso se

    reveste de maiores evidncias se considerarmos que geologicamente comprovado um

    grande resfriamento no planeta por volta de 50 mil anos AP, no chamado Perodo Glacial,

    forando a migrao dos animais e caadores do Velho para o Novo Mundo.

    2 AP significa Antes do Presente (ou em ingls BP Before Present) e uma expresso usada para a datao de perodos arqueolgicos, tendo convencionado como data inicial para o incio do Presente o ano de 1950. A indicao a.C. (Antes de Cristo) continua a ser utilizada, porm em dataes de cunho histrico-documental.

    4

  • Minas Indgena

    Foi questionado tambm o Estreito de Bering como nico canal de migrao destes

    povos pr-coloniais, pois evidncias apontam a migrao de grupos menores atravs das

    ilhas do Pacfico. Apesar desta hiptese no ser to bem comprovada como a teoria pr-

    Clovis, hoje tambm aceitvel, pois a mesma no lana por terra a teoria de migrao

    pelo Estreito de Bering, ou seja, possvel que o povoamento das Amricas tenha se dado

    por mais de um canal.

    A teoria das primeiras levas migratrias terem sido de mongolides raas da sia

    tambm foi questionada. Abundantes descobertas arqueolgicas evidenciaram a presena

    de negrides raas da frica e Pacfico Sul em perodos bem remotos aqui nas

    Amricas. Uma das principais descobertas foi nas escavaes de Lagoa Santa, nas

    proximidades de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Nas dcadas de 1950 e 70, mais de

    cinqenta esqueletos foram escavados nesta regio, revelando a existncia da raa de

    Lagoa Santa, sobre a qual, o pesquisador Andr Prous3 (1999.102), da UFMG, que

    inclusive participou de algumas destas escavaes, d as seguintes informaes:

    Trata-se de uma populao muito homognea, com feies bastantes peculiares, e que se parecia muito menos com os asiticos do que com os ndios americanos atuais ou com os grupos pr-histricos documentados arqueologicamente nos ltimos oito milnios. Segundo a teoria recente de alguns antroplogos, seriam aparentados aos ancestrais das populaes australianas, que teriam habitado a sia continental e migrado tanto para o norte (Berngia e Amrica) quanto para o sul (Austrlia), antes de serem substitudos na sia pelas atuais raas amarelas.

    Tal descoberta se reveste de maior importncia, quando considerado o fato desta

    raa de Lagoa Santa ser tipicamente de pintores, deixando uma quantidade enorme de

    pinturas rupestres espalhadas pela regio, e os aborgenes da Austrlia so at hoje

    conhecidos como pintores das paredes. A pesquisadora Roosevelt (1999.42), comenta:

    As importantes colees de esqueletos da Lagoa Santa, em Minas Gerais, foram datadas pelo carbono 14 e tambm analisadas por antroplogos fsicos. Os resultados revelam que h 10 mil anos AP teria existido na regio uma populao de asiticos no mongolides generalizados (...) diferentes dos amerndios mongolides posteriores.

    A esta raa pertence o crnio encontrado em Lagoa Santa em 1998, pelo

    antroplogo Walter Neves. Datado de pelo menos 12 mil anos AP, se tornou famoso em

    todo o mundo e recebeu o nome de Luzia, pois se trata do crnio de uma mulher. Nele foi 3 O cientista Andr Prous, participou, em 1971, da Emperaire - Misso Arqueolgica chefiada por A. Lamaing encarregada de reconstruir o paleoambiente de Lagoa Santa, obtendo dataes muito antigas e descobrindo grandes animais extintos. Em 1976, foi convidado para montar a primeira equipe profissional do Estado e logo iniciou pesquisas na Serra do Cip e no norte de Minas. Foi responsvel pelo Setor de Arqueologia da UFMG e pela Mission Archologique de Minas Gerais. Certamente uma das maiores autoridades na arqueologia mineira.

    5

  • Minas Indgena

    realizado um srio trabalho de reconstituio fisionmica na Alemanha, concluindo

    terminantemente que o mesmo pertencia famlia dos negrides (Prezia4, 2000.24).

    1.2. O POVOAMENTO DO BRASIL

    As pesquisas interdisciplinares realizadas em vrias regies do Brasil,

    especialmente no campo da arqueologia, paleontologia, antropologia e espeleologia, tm

    revelado a existncia de variadas civilizaes, bem como diversificadas culturas, em

    perodos bastante remotos no territrio do nosso pas. Interessante que as civilizaes que

    habitaram o solo brasileiro, assim como de basicamente toda Amrica do Sul, deixaram

    evidentes indcios de no serem descendentes das civilizaes norte-americanas. Na

    floresta amaznica, por exemplo, isto claro, pois as pinturas, as pontas de lana bifaciais

    triangulares e as ferramentas unifaciais, encontradas nos stios, indicam uma cultura

    distinta das culturas norte-americanas (Roosevelt, 1999.47). Enquanto os paleondios

    norte-americanos eram tipicamente caadores de grande porte, os do Brasil eram caadores

    de pequenos animais, pescadores e coletores. Na Amaznia, nozes, frutas e pequenos

    peixes eram os alimentos mais comuns, de acordo com o estudo dos restos alimentcios

    encontrados.

    No Brasil esto os stios que oferecem os dados mais abundantes sobre os

    paleondios sul-americanos, e segundo Roosevelt (1999.41), vrios destes, com arte

    rupestre e a cu aberto, apresentando pedras lascadas, paredes de pintura rupestre foges,

    tm numerosas e consistentes dataes radiocarbnicas pr-Clovis que remontam a 50 mil

    anos AP. Como estas informaes so da paleontologia5, a presena humana em datas to

    recuadas assim tem sido questionada, mas fato praticamente indiscutvel a presena

    humana no Brasil h pelo menos 20 mil anos AP.

    4 Mineiro de Poos de Caldas, Benedito Prezia trabalhou como enfermeiro junto a populaes pobres de So Paulo e em 1983 tornou-se funcionrio do CIMI em Braslia, no setor de publicaes. Foi editor do Suplemento Cultural do jornal indigenista Porantim, para o qual escreve at hoje. Em 1977 terminou seu mestrado em semitica e lingustica geral na USP, com dissertao sobre as populaes indgenas do planalto paulista nos sculos XVI e XVII. Publicou vrios livros paradidticos, sendo o mais recente, e certamente mais importante, Brasil Indgena 500 Anos de Resistencia. 5 A Paleontologia concentra seus estudos em fsseis de animais, espcies desaparecidas, lidando assim com milhes de anos, enquanto a Arqueologia, trabalha com fsseis humanos, antigas civilizaes, lidando assim com milhares de anos.

    6

  • Minas Indgena

    2. MINAS INDGENA NO PERODO PR-COLONIAL6

    2.1. CIVILIZAES DOS ABRIGOS (CAVERNAS)

    Os estudos arqueolgicos em Minas Gerais se concentram em duas regies

    principais, onde foram encontrados stios com grande quantidade de informaes das

    civilizaes que habitavam as cavernas: Lagoa Santa e Serra do Cip, nas proximidades de

    Belo Horizonte, e os vales dos rios Peruau e Coch, afluentes do mdio curso do Rio So

    Francisco, ao norte do Estado, na regio da cidade de Januria. Na primeira, h importantes

    informaes sobre as caractersticas biolgicas e ritualsticas das populaes que aqui

    habitaram, j na segunda, predominam informaes sobre a tecnologia das mesmas.

    Os mais de cinqenta esqueletos da raa de Lagoa Santa foram encontrados na

    regio de Lagoa Santa, e sobre eles o pesquisador Prous (1991.214), acrescenta:

    (...) uma populao muito homognea fisicamente era endogmica, ou seja, os membros do grupo local casavam-se essencialmente entre si (...) eram pessoas relativamente pouco robustas, que sofriam de cries dentrias fato raro entre os homens pr-histricos e de inflamaes sseas. Sepultavam os mortos em covas, embrulhando-os numa rede revestida de entrecasca, por vezes adornados com colares de sementes; despejavam p vermelho de xido de ferro na cova, que era fechada com pequenos blocos de pedra amontoadas;

    H indcios de populaes habitando o territrio mineiro de at 20 mil anos AP,

    mas a presena humana em Minas Gerais (e no Brasil) s claramente atestada a partir de

    um perodo datado entre 11 mil e 12 mil anos atrs (Prous, 1999.102). Apesar da grande

    quantidade de informaes existentes sobre esta raa, difcil sugerir de onde a mesma

    teria migrado para Minas Gerais. H indcios da presena humana no Piau em datas

    anteriores a 30 mil anos AP. Assim, a populao de Minas pode ter migrado do Nordeste,

    mas de qualquer forma, isto difcil de ser comprovado.

    6 A maioria dos livros de histria e afins se referem a este perodo como pr-histrico. Neste relatrio, entretanto, ser usado pr-colonial por entender que a expresso pr-histrico carregada de pr-conceito, pois sugere que a histria teve incio com a chegada dos colonizadores, o que um grande engano.

    7

  • Minas Indgena

    A menina dos olhos da arqueologia mineira a pintura rupestre, que por demais

    abundante. Na regio do centro mineiro Lagoa Santa e Serra do Cip predomina a

    chamada Tradio Planalto, caracterizada por grandes representaes de animais e

    peixes. Esta tradio se estendeu desde o Paran at parte da Bahia.

    Na regio norte do Estado, da mesma forma, h indcios de ocupao entre 11 e 12

    mil anos AP, embora no tenham sido encontrados sepultamentos to antigos. As

    informaes mais precisas vem das regies de Montalvnia e Januria/Itacarambi. A

    despeito dos poucos fsseis humanos, uma enorme quantidade de objetos, principalmente

    de caa, foi encontrada nesta regio. Pontas de flechas, instrumentos de pedra lascada, na

    sua maioria robustos e espessos, e lascas compridas e delgadas. Esptulas de osso de veado

    e vrias bolas de pigmento vermelho foram encontrados, alm de grandes fogueiras cheias

    de coquinhos queimados e de valvas de moluscos de gua doce. Encontraram ainda, blocos

    de calcrio usados como bigornas para quebrar os coquinhos (Prous, 1999.110). Tudo isto

    nos d algumas dicas da tecnologia, principalmente de caa, destas antigas civilizaes.

    Neste perodo mais remoto h algumas evidncias da presena do homem de

    Lagoa Santa no sul da Bahia regio de Jacobina nas proximidades do norte de Minas.

    Entretanto, por volta de 7 mil anos AP, h evidncias de uma populao bem diferente

    daquela de Lagoa Santa, com feies bem mais semelhantes aos indgenas modernos, o

    que indica uma circulao de civilizaes nesta regio. Quanto s pinturas rupestres,

    predomina a chamada Tradio So Francisco, caracterizada por representaes

    geomtricas e de instrumentos, que se estendeu at o Piau, Gois e Mato Grosso.

    2.2. CIVILIZAES DAS ALDEIAS

    Por volta de 3 a 2 mil anos AP, os abrigos (cavernas) comeam lentamente a serem

    substitudos por acampamentos a cu aberto. Ao contrrio do que se pensa, as informaes

    tornam-se menos abundantes, pois os fsseis de stios a cu aberto so mais vulnerveis.

    No ltimo milnio, duas tradies de aldeias se tornam bem evidentes e distintas uma da

    outra. A primeira chamada de Tradio Sapuca, sobre a qual Prous (1991.216) tece o

    seguinte comentrio:

    (..) multiplicam-se, em todo o Estado, as aldeias de uma cultura que raramente utiliza os abrigos (...) as aldeias eram formadas por grandes habitaes coletivas dispostas em crculo ao redor de uma praa central (...) a cermica no era decorada, mas os vasos menores recebiam, s vezes, um banho (engobo) de tinta vermelha (...) o lascamento da pedra, em compensao, era praticado e sem maiores

    8

  • Minas Indgena

    requintes: estes grupos deviam utilizar muito mais a madeira como matria para instrumentos. Algumas destas aldeias contavam at com dezoito casas, agregando possivelmente,

    centenas de pessoas. A partir de vestgios como estes, pode-se atribuir este grupo aos

    ancestrais dos indgenas J, que at hoje mantm padres de aldeamento parecidos.

    Os grupos da outra tradio, chamada de Tupi-Guarani, no tiveram tempo de se

    tornarem numerosos no Estado de Minas, e por isto deixaram pouqussimos stios

    arqueolgicos. Estes vieram da regio litornea, atravs dos principais rios navegveis

    Rio Doce e Rio Jequitinhonha subiram seus principais afluentes e adentraram assim o

    territrio mineiro. Ao menos em parte so ancestrais dos Tupi histricos e sobre eles,

    novamente Prous (1991.217) quem comenta:

    Grupos canoeiros e cultivadores de mandioca ocupavam essencialmente ambientes de mata ciliar onde podiam praticar a agricultura de coivara e a pesca, suas principais atividade de subsistncia. As aldeias tupi-guarani eram tambm a cu aberto e compostas por vrias grandes malocas (habitaes coletivas de forma oval) cuja ocupao poderia ser por vrios anos. diferena dos Sapucas, decoravam suas cermicas com relevos feitos na pasta fresca (corrugaes feitas pinando o barro, impresso de unhas) ou com desenhos geomtricos muito delicados pintados em preto e vermelho sobre um fundo branco.

    2.3. CIVILIZAES DA POCA DO CONTATO

    Quando os colonizadores europeus aqui chegaram no incio do sculo XVI, o

    territrio que hoje forma o Estado de Minas Gerais era habitado por um nmero superior a

    cem grupos indgenas. Oiliam Jos (1965), conseguiu listar setenta e uma tribos que aqui

    viviam na segunda metade do sculo XVI:

    1. Abaet

    2. Ababas

    3. Abatinguara

    4. Abatira

    5. Aimors

    6. Aiurs

    7. Akro

    8. Aran

    9. Arari

    25. Guanh

    26. Guarachus

    27. Imbur

    28. Ins

    29. Kaet

    30. Kamak

    31. Kapox

    32. Kaxins

    33. Korop

    49. Monox

    50. Moxots

    51. Mutuns

    52. Nachenuques

    53. Nacknenuck

    54. Naminiquins

    55. Panane

    56. Parutuns

    57. Pojichs

    9

  • Minas Indgena

    10. Arax

    11. Borros

    12. Caiaps

    13. Caramonas

    14. Cariris

    15. Catagus

    16. Catiguus

    17. Coroados

    18. Coroxops

    19. Crops

    20. Cururus

    21. Formigas

    22. Giropoques

    23. Goians

    24. Guanas

    34. Korot

    35. Kotox

    36. Krakat

    37. Krakmun

    38. Krenaques

    39. Kumanox

    40. Maconis

    41. Malalis

    42. Mandimboias

    43. Mapox

    44. Mariquits

    45. Maxakalis

    46. Menin

    47. Miritis

    48. Mongoy

    58. Ponhames

    59. Pot

    60. Puriass

    61. Purimirins

    62. Puris

    63. Purupi

    64. Samixums

    65. Teminin

    66. Tocois

    67. Tongar

    68. Tupinikin

    69. Xonin

    70. Xopot

    71. Zamplans

    Sendo todos grafos, no possvel fazer um levantamento preciso, mas bvio

    que os acima listados so apenas alguns dos muitos povos que aqui viviam. Em textos

    sobre a presena indgena na poca da colonizao, outros nomes vo surgindo, como no

    trabalho de Ribeiro (s.d.180-197), do indgena Domingos Pac (s.d.198-211) e outros:

    72. Bacun

    73. Baen

    74. Cnmri

    75. Comox

    76. Cumanox

    77. Cujn

    78. Cutax

    79. Hn

    80. Jeruhim

    81. Jukjt

    82. Kroato

    83. Mocuri

    84. Nerinhin

    85. Nhnhn

    86. Patax

    87. Pmcjiru

    88. Remr

    Ao contrrio do que se pensa, estes povos no viviam aqui em perfeita paz e

    harmonia, como que num paraso. Alm das dificuldades naturais como a ameaa de

    doenas e animais ferozes, eles viviam em clima de tenso e conflitos intertribais, inclusive

    formando confederaes de guerra, como o caso dos famosos e temidos Botocudos.

    10

  • Minas Indgena

    3. PERODO COLONIAL

    No possvel generalizar o contato dos vrios grupos indgenas de Minas com os

    colonizadores europeus, pois enquanto alguns foram contactados j no sculo XVI, para

    outros o contato s veio a acontecer no sculo XIX. Podemos porm estabelecer a partir de

    quando eles comearam a ser contactados.

    J nos dias da chegada ao Brasil, os europeus ouviam histrias dos indgenas do

    litoral sobre os grandes tesouros minerais que haviam no interior. Uma destas histrias era

    sobre Sabarabussu7 (Serra Resplandecente) que seria riqussima em prata e ouro. A partir

    de 1553, expedies so enviadas em busca dos tesouros do interior incluindo

    Sabarabussu formando assim as famosas bandeiras, compostas por grupos de at mil

    pessoas (CEDEFES, 1987.22). Entretanto, a colonizao de Minas comeou efetivamente

    s no final do sculo XVII, com os paulistas que penetraram o serto dos Cataguases

    (Moreno, 2001.19), dentre os quais o mais conhecido Ferno Dias Paes Leme, que foi

    nomeado pelo Rei de Portugal para apossar-se do famoso tesouro de Sabarabussu, sendo

    atribudo sua bandeira o povoamento de Minas Gerais em 1674.

    Ciente da forte presena indgena nesta regio, Ferno Dias leva consigo os

    melhores matadores de indgenas, como seu filho Matias Cardoso e o seu genro Manuel

    Borba Gato que guerrearam com os Xacriab. Inicia-se assim efetivamente o sanguinolento

    contato dos indgenas de Minas com homens que nos livros de histria do Brasil so

    chamados de heris, desbravadores do serto, fundadores de cidades, hoje homenageados,

    dando a ruas, bairros e cidades8 os seus nomes, mas que para os indgenas do sculo XVII

    foram, na verdade, cruis assassinos e invasores das suas terras.

    medida que iam adentrando o interior, algumas tribos fugiam do contato, outras

    resistiam aos exploradores. As que fugiam, se uniam a outras tribos ou acabavam se

    envolvendo em conflitos intertribais devido a questo de territrio, principalmente com os

    7 Expresso indgena que viria posteriormente dar nome a atual cidade de Sabar, da grande Belo Horizonte.8 Inclusive, uma pequena cidade do norte de Minas, nas proximidades da reserva Xacriab, at hoje se chama Matias Cardoso, em homenagem quele que lutou com os Xacriab.

    11

  • Minas Indgena

    Botocudos do leste que j vinham recuando do litoral tambm devido ao contato. As tribos

    que resistiam eram, muitas vezes, massacradas ou escravizadas. Um grande contingente de

    indgenas foi empregado como mo-de-obra escrava pelos conquistadores.

    Faltam-nos informaes histricas sobre a maioria dos grupos que foram extintos,

    principalmente dos que habitavam o oeste do Estado. Infelizmente, podemos dizer que

    neste caso, a histria no necessariamente dos indgenas de Minas, mas sim dos

    sobreviventes indgenas de Minas.

    3.1. O CONTATO COM OS GRUPOS DO NORTE

    O principal interesse dos bandeirantes em Minas era exatamente a sua riqueza

    mineral e assim a explorao seguiu a rota sul-norte, com algumas ramificaes para o

    oeste. J em 1554, sai uma expedio de Porto Seguro, que aps percorrer os rios

    Jequitinhonha e Pardo em busca da Sabarabussu, seguem por terra at alcanarem o Rio

    So Francisco, quando tambm optam pela rota norte, subindo este rio at a regio dos

    ndios Xacriab. No foram bem sucedidos, mas abriram caminho para uma sucesso de

    exploradores, tanto caadores de ouro e prata, como caadores de indgenas e criadores de

    gado (Paraso9, 1987.16).

    O norte do atual Estado de Minas, bem como o norte de Tocantins e sul da Bahia,

    era habitado por vrios grupos indgenas alm do Xacriab. Dado aos constantes

    enfrentamentos com os bandeirantes, os mais referidos so os Kayap, mas, segundo

    Paraso (1987.16), outras referncias falam dos Xerente, Xavante, Akwn, Bororo, Pareci,

    Karaj, Akroa, Kiriri, Kururu, Guariba, Amoipira, Rodela e Java. A presena dos

    exploradores intensificou os conflitos intertribais, e assim comearam a surgir alianas

    entre os grupos indgenas, bem como, alianas com os bandeirantes como mecanismo de

    sobrevivncia, que foi o caso dos Xacriab.

    A figura que mais se destacou nesta regio foi Matias Cardoso, filho de Ferno

    Dias, que concentra seus esforos na criao de gado nas margens do So Francisco. Em

    1690, cada um dos dezenove companheiros de Matias Cardoso recebem 80 lguas10 de

    sesmaria na regio, e a ocupao destas sesmarias marcada por violentos combates entre 9 A Dr Maria Hilda Baqueiro Paraso uma profunda conhecedora da histria indgena da Bahia, Esprito Santo e leste de Minas, pois sua pesquisa de mestrado foi sobre os grupos que habitavam esta regio. Professora da Universidade Federal da Bahia, mestra em cincias sociais, doutora em histria social e etnohistria indgena, com dezessete trabalhos publicados e responsvel pela elaborao de cinco laudos periciais antropolgicos.10 Uma lgua eqivale a 6 km.

    12

  • Minas Indgena

    indgenas e exploradores. O primeiro grande embate aconteceu no mesmo ano, ou um ano

    depois, quando uma aldeia inteira foi destruda e apesar de no haver referncia etnia,

    pela localizao provvel que se tratava ou dos Xacriab ou dos Kayap. Paraso

    (1987.19) informa que Matias Cardoso atacou e escravizou os Anay, Kiriri, Pimenteira,

    Piac, Jandui e Ic.

    Os Kayap eram resistentes e arredios, atacando tanto as fazendas de gado como as

    aldeias Xacriab, sua tribo rival. Como mecanismo de sobrevivncia, os Xacriab fizeram

    aliana com Janurio Cardoso de Almeida Brando11, filho e sucessor de Matias Cardoso,

    na campanha deste ltimo contra os Kayap. Como resultado desta aliana, Janurio

    Cardoso concedeu, em 1728, liberdade e terras aos Xacriab:

    Dei terra com sobra para no andarem nas fasenda alheia do Riaxo do Itacaramby acima at as cabiceiras e vertentes e descanso extremado na Cerra Geral para a parte do perua extremado na Boa Vista onde desagua para l e para c e por isso deilhe Terra com Ordi da nossa Magestade (...) j assim no podem andarem pelas fasendas alheias incomodando os a fazendeiros misses para morada o brejo para trabalharem Fora os gerais para a suas cassadas e meladas. Arraial de Morrinhos 10 de fevereiro de 1728. Adiministrador Januario Cardoso de Almeida Brando (Schettino, 1999.27).

    H notcias de outros grupos Xacriab em Gois nesta poca, mas o destino destes

    desconhecido. O grupo que recebeu terras de Janurio Cardoso passou a viver em clima

    mais pacfico em suas terras, mas sofreu um forte processo de miscigenao tnica com

    escravos fugitivos e campesinos vindos da Bahia a procura de terras para cultivar. Desta

    forma, a ateno dos historiadores passou a ser concentrada na regio leste, onde

    habitavam os grupos mais resistentes, os famosos Botocudos.

    3.2. O CONTATO COM OS GRUPOS DO LESTE

    3.2.1. OS BOTOCUDOS

    Por volta de 1760, a minerao comeou a entrar em decadncia, levando a

    metrpole a voltar sua ateno para a lavoura, propondo para isto a colonizao dos sertes

    do leste mineiro, que tinham como limites a Mata Atlntica habitada pelos Botocudos.

    Os Botocudos no eram um povo, mas sim uma confederao de povos que

    habitavam a Mata Atlntica concentrados principalmente na Zona da Mata e Vale do Rio

    Doce em Minas Gerais, Esprito Santo e Bahia. Cada povo tinha seu nome prprio, mas

    todos falavam a mesma lngua do Tronco Macro-J com pequenas variaes, 11 Uma das mais influentes cidades do norte de Minas, recebeu o nome de Januria, em sua homenagem.

    13

  • Minas Indgena

    compartilhando a mesma cultura. Ao que parece, a maioria destes grupos eram distintos

    etnicamente, mas se uniram para somar foras na defesa e expanso do seu territrio.

    As primeiras notcias dos Botocudos datam de 1505, quando uma grande expedio

    chefiada por Francisco Espinoza, tendo como companheiro o padre Azpilcueta Navarro,

    subiu os rios Buranhm, Jequitinhonha e So Mateus, encontrando um povo numeroso

    entre os rios Pardo e Jequitinhonha, (...) que se enfeita com grandes rodelas de madeira nas

    orelhas e no lbio inferior (Soares12, 1992.23), e os primeiros contatos belicosos se deram

    ainda no sculo XVI, quando da instalao das capitanias de Ilhus e Porto Seguro, onde

    por fim, grupos Botocudos acabaram sendo aldeados, em 1602, com o trabalho do Padre

    Domingues Rodrigues (Paraso, 1998.414).

    Nos registros histricos, vrios nomes so dados aos Botocudos. Durante boa parte

    do perodo colonial, eles so chamados de Aimor nome dado pelos Tupi aos povos que

    no viviam no litoral e no eram do seu grupo. Parece que inicialmente eram chamados de

    Tapuias os povos que moravam no interior. Aparecem ainda outros nomes menos

    freqentes, como Aim-Pore habitante das brenhas; Aim-Bor malfeitor; Aim-Bur

    os que usam botoques de embar; Aim-Bir nome do chefe indgena que se aliou aos

    franceses e que citado por Padre Anchieta no poema Confederao dos Tamoios; e Guai-

    Mur gente de nao diferente. Em documentos do sculo XVII, aparecem os nomes

    Guerm e Gren-Kren. No sculo XVIII, passam a ser chamados de Botocudos, sendo

    esta a forma mais usada para se referir a eles at hoje. Entretanto, Botocudos um termo

    pejorativo, inventado pelos portugueses, dado ao fato deles usarem botoques como enfeites

    labiais e auriculares. Botoque para os portugueses a rolha com que se fecha o barril de

    cachaa. No sculo XIX, os grupos do Vale do Rio Doce, se autodenominavam

    Engrekum, que significa andarilho (Soares, 1992.40-41). Parece que esta confederao

    no dava um nome a si prpria, ou se dava, este no foi registrado. Cada grupo tinha a sua

    autodenominao que em geral seguia o nome do lder que o fundara, atravs de ciso

    com o originrio, ou de uma caracterstica geogrfica que identificava o territrio de caa

    exclusivo dos agrupamentos (Mattos13, 1996.65). Os nicos remanescentes Botocudos, 12 Desde 1979 diretamente envolvida com a questo indgena de Minas Gerais, Geralda Chaves Soares se tornou uma das principais indigenistas do Estado. Profunda conhecedora da histria indgena de Minas, e em particular dos Botocudos, bem como da histria e cultura Maxakali, pois morou com eles durante oito anos. Fez parte ativa da comisso organizadora da Campanha Internacional pela Regularizao do Territrio Maxakali. Liderou o processo de obteno de terras para os Pankararu e agora lidera a luta pelo reconhecimento tnico dos Aran. Autora de vrios trabalhos na rea, entre eles, Os Boruns do Watu Os ndios do Rio Doce.13 Izabel Missagia Mattos uma grande conhecedora da histria indgena de Minas, em particular dos Botocudos, pois sobre eles fez sua pesquisa de mestrado. Atualmente est pesquisando novamente sobre a histria indgena de Minas para a sua tese de doutorado em antropologia social na UNICAMP. J escreveu

    14

  • Minas Indgena

    por exemplo, se autodenominam Krenak, que o nome do antigo lder deste grupo, e se

    identificam como Borun os ndios, em contraste com Kra homem branco.

    Paraso (1998.419) lista nomes de alguns subgrupos Botocudos, como os

    Naknenuk, Krakmun, Pejaerum, Jiporok, Pojix, Nakreh, Etwet, Takruk-Krak, Nep-Nep,

    Gutkrak, Nak-Nhapm e Miajirum.

    Os Botocudos foram os povos mais bem documentados de todos os perodos da

    histria indgena de Minas, dada a sua forte resistncia aos exploradores. Enquanto muitos

    grupos desapareceram rapidamente, frente a invaso colonial, os Botocudos se mantiveram

    firmes no seu territrio at tempos bem mais recentes. Eram temidos no apenas pelos

    colonizadores, mas tambm pelos grupos menores que pleiteavam um territrio nesta

    regio da Mata Atlntica. Os colonizadores aproveitaram com muita astcia este clima de

    tenso intertribal que j existia, incentivando os conflitos entre os demais grupos com os

    Botocudos, para no se exporem na guerra.

    3.2.2. OS MAXAKALI

    J os Maxakali, refugiados nas florestas dos vales do Jequitinhonha e Mucuri

    foram contactados bem posteriormente. Em 1719, eles se encontravam aldeados em Lorena

    dos Tocois atualmente municpio de Coronel Murta no Vale do Jequitinhonha

    (Soares, 1995.38). O primeiro contato com os colonizadores ocorreu em 1734

    (Nimuendaj14, 1958.54), quando o mestre de campo Joo da Silva Guimares, ao

    organizar uma bandeira para conquistar as cabeceiras do So Mateus, lutou com esse povo

    na regio dos afluentes do Mucuri, na margem norte provavelmente nas proximidades do

    rio Todos os Santos perdendo seu irmo e muitos membros da bandeira (Paraso,

    1992.5). Ao notar a resistncia desses indgenas desistiu de seu intento e foi para as

    cabeceiras do Rio Doce (Rubinger15, 1963.243).

    Na segunda metade deste sculo os Botocudos que habitavam o Vale do Rio Doce,

    tradicionalmente inimigos dos Maxakali, ao sofrerem a ao dos colonizadores na regio

    comearam a se deslocar rumo ao nordeste de Minas Gerais. Fugindo da guerra com esses

    mais de cinco textos relacionados ao assunto.14 Conhecido etnlogo alemo, por vrios anos atuando aqui no Brasil entre grupos indgenas, falecido em 1945, Nimuendaj esteve entre muitas tribos brasileiras, dentre as quais os Maxakali e Krenak, coletando dados que foram encaminhados ao Servio de Proteo ao ndio. Suas observaes se tornaram o primeiro documento de cunho antropolgico escrito sobre os Maxakali.15 Professor da UFMG, Marcos Rubinger visitou os Maxakali em julho de 1962 e janeiro de 1963, envolvido com o Projeto de Pesquisa Maxakali. Desta forma, foi o segundo a pr em papel um texto antropolgico sobre os mesmos. Na segunda visita, se fez acompanhar de uma estagiria do Museu Nacional, professora Maria Stella Alves de Faria, que veio tambm a escrever um documento sobre os Maxakali.

    15

  • Minas Indgena

    povos, parte dos Maxakali recuou para a beira-mar e foz do Mucuri. Outros grupos

    menores se dispersaram por outras regies e alguns se uniram novamente. Algum tempo

    depois, retornaram da costa para o interior, reaparecendo em Lorena dos Tocois em

    1801, onde permaneceram at 1804. Ali a situao de misria era tanta que praticavam a

    geofagia e a taxa de mortalidade era altssima. A cmara de Minas Novas decidiu distribui-

    los entre os colonos e lavradores para servirem de mo-de-obra gratuita.

    Em 1804, o alferes Julio Fernandes Taborna Leo criou a 7 Diviso Militar,

    sediando suas tropas em So Miguel atual Jequitinhonha e transferiu os Maxakali de

    Lorena dos Tocois para aquele quartel, para que compusessem suas tropas na guerra

    contra os Botocudos. Ali foram tambm aproveitados como canoeiros, transportadores de

    sal entre Calhau Araua e o Quartel do Salto Salto da Divisa e fornecedores de

    objetos utilitrios de cermica para os colonos. Em todo perodo imperial os Maxakali

    peregrinaram, geralmente em grupos pequenos, na tradicional regio do Jequitinhonha e

    Mucuri, do leste de Minas ao litoral, numa tentativa desesperada de sobrevivncia.

    16

  • Minas Indgena

    4. MINAS INDGENA NO PERODO IMPERIAL

    4.1. DECLARADA A GUERRA JUSTA

    Com a chegada de D. Joo VI ao Brasil em 1808, fugindo dos franceses, houve

    necessidade de mais terras para a Corte Imperial e a expanso se intensificou nas regies

    dos rios Mucuri, Doce, Jequitinhonha e So Mateus, onde se concentravam os grupos

    Botocudos. Chegam a D. Joo VI informaes da impossibilidade de conquistar estas reas

    dada a resistncia dos belicosos Botocudos. Documentos da poca se referem a eles

    dizendo que so brbaros, traioeiros, vingativos, antropfagos, sem alma, sanguinrios,

    preguiosos, bestiais, quase animais, no falam o portugus, no so nem cristos! E no se

    submetem aos brancos! (Soares, 1987.26). Em resposta, D. Joo VI declara oficialmente

    guerra justa aos antropfagos Botocudos, autorizando a formao de milcias armadas

    para atacar os ndios, a diviso entre os oficias das terras indgenas conquistadas, o

    aprisionamento e escravizao de ndios subjugados, maior salrio para quem matasse mais

    indgenas, iseno de tributos para quem invadisse mais terras, e vrias outras regalias16.

    Esta guerra no se limitou aos grupos Botocudos, mas se estendeu a todos os grupos

    indgenas do pas, mesmo porque, na prtica ela j existia, sendo aqui apenas oficializada.

    4.2. A POLTICA DA BOA VIZINHANA

    Quase paralelo a esta sangrenta e brbara guerra, comea surgir um novo mtodo de

    pacificao dos indgenas e posse de suas terras. Um militar francs chamado Guido

    Marlire, percebe que o massacre no seria o caminho ideal para conquistar estas terras,

    pois mesmo frente a tamanha opresso e terrveis ataques, os indgenas resistiam, ainda

    que o preo desta resistncia fosse suas prprias vidas. Marlire comea ento a usar a

    poltica da boa vizinhana, ganhando a amizade dos indgenas com presentes.

    16 Ver Anexo 04: Carta Rgia de 13/05/1808 Declarao de Guerra Justa.

    17

  • Minas Indgena

    Em 1813, ele enviado pelo Governo aos Vales dos Rios Pomba e Peixe, onde a

    violncia contra indgenas estava tomando propores gigantescas. Bem sucedido nesta

    regio com seu novo mtodo de pacificao, Marlire enviado aos Vales dos Rios Doce e

    So Mateus, em 1819, com a misso de obter a rendio dos Botocudos. Novamente bem

    sucedido, e assim, em 1824 nomeado Diretor dos ndios de Minas. Sua estratgia era

    oferecer amizade e proteo aos indgenas, com a sua poderosa organizao militar,

    espalhada por toda parte. Intensifica assim o surgimento de quartis e aldeamentos.

    4.2.1. OS QUARTIS

    Os quartis eram bases militares que ofereciam proteo aos colonos e indgenas

    subjugados. Os caciques passaram a ser chamados de capites. Marlire dizia que o modo

    mais fcil de pacificar uma tribo era entregar um uniforme a seu cacique, nomeando-o

    Capito (Ribeiro, s.d.187). Geralmente ficavam na borda da mata e assim recebiam as

    tribos que perdiam a guerra para outras, sendo expulsas pela fome e pelos inimigos.

    O treinamento dos soldados indgenas era mnimo. Durante as guerras ofensivas,

    que se davam geralmente no perodo das secas, eles serviam como soldados contra seus

    prprios irmos. Nas outras pocas, sua misso era plantar lavouras.

    4.2.2. OS ALDEAMENTOS

    J os aldeamentos, eram locais construdos pelos padres ou por funcionrios do

    Governo, para onde eram levados os indgenas atrados pelos presentes, promessas ou pela

    falta de condies de permanecer na mata (CEDEFES, 1998.36). Nestes aldeamentos, os

    padres e freiras levavam os indgenas a se converterem ao catolicismo, inclusive

    batizando-os, ensinavam o portugus e promoviam casamentos com negros, visando

    deliberadamente destruir suas culturas pags. Somente no perodo compreendido entre

    1800 e 1850, na rea entre os rios Pardo e Doce, estabeleceram-se 73 aldeamentos e 87

    quartis (Paraso, 1998.418), em torno dos quais iam juntando-se famlias de soldados,

    indgenas mansos e artesos, surgindo assim vilas e povoados, que na sua maioria se

    tornaram cidades hoje conhecidas e algumas at prsperas. s margens dos rios Doce,

    Suassu e Jequitinhonha, somente Marlire organizou aos menos treze aldeamentos.

    A poltica da boa vizinhana, entretanto, perdurou apenas durante o trabalho de

    Marlire, pois depois da sua aposentadoria e reforma, a violncia contra os indgenas

    voltou a mesma barbrie de antes. Inclusive, o Vale do Rio Doce se tornou novamente

    palco de invases e massacres.

    18

  • Minas Indgena

    4.3. AS FRENTES DE EXPANSO TERRITORIAL

    A dominao do Estado de Minas se deu a partir de trs principais frentes de

    expanso, que seguiam respectivamente o curso dos rios Doce, Jequitinhonha e Mucuri, os

    quais ligavam o territrio mineiro ao litoral. s margens e proximidades destes rios e seus

    afluentes se deram os principais massacres de indgenas.

    4.3.1. VALE DO RIO DOCE

    Ainda no ano de 1808, foi criada a Junta Militar de Civilizao dos ndios,

    Conquista e Comrcio do Rio Doce, estabelecendo seis quartis ao longo deste rio com

    fins de servir como ponto de apoio guerra de extermnio dos indgenas. Os Botocudos,

    profundos conhecedores da selva, resistiram e venceram os soldados desta Companhia,

    mas ainda assim, aldeias inteiras foram contaminadas com vrus de varola e sarampo

    (CEDEFES, 1987.32). Apesar desta tamanha resistncia inicial, a regio do Rio Doce e

    seus afluentes mineiros, foi a segunda a ser considerada sob controle, atravs do trabalho

    de Guido Marlire (Paraso, 1998.418). Desta regio, os nicos sobreviventes de guerra

    hoje so os Krenak, descendentes dos Botocudos, que mesmo perdendo sua lngua e

    grande parte dos seus costumes culturais, no perderam a conscincia da sua indianidade.

    4.3.2. VALE DO RIO JEQUITINHONHA

    Esta frente de expanso foi comandada por Julio Taborda Fernandes Leo, chefe

    da 7 Diviso Militar, que fundou quatro quartis militares os quais acabaram se tornando

    cidades ainda hoje existentes Jequitinhonha, Almenara, Joama e Salto da Divisa.

    Aventureiros, assassinos, traficantes e bbados so alistados nos destacamentos

    militares, e desta forma, os aliados na captura dos indgenas foram os piores elementos da

    regio. O territrio diminua e por isto os temidos Botocudos se voltavam contra os grupos

    indgenas menores, levando grupos como os Malali, Maxakali e Makuni a buscarem

    proteo nos brancos. Julio Taborda usa-os na guerra contra os Botocudos, como j fazia

    com os demais ndios aprisionados (CEDEFES, 1987.33). O Vale do Jequitinhonha foi a

    primeira rea a ser considerada pelo Governo como pacificada, apesar de alguns grupos

    desta regio continuarem arredios, evitando o contato, e para isto, se deslocando

    constantemente pelas matas (Paraso, 1998.418). Desta regio, os nicos sobreviventes de

    guerra hoje so os Maxakali, que quase extintos, se reestruturaram novamente conseguindo

    preservar sua lngua e cultura, atravs de um esforo quase sobre-humano.

    19

  • Minas Indgena

    4.3.3. VALE DO MUCURI

    O Vale do Mucuri o ltimo a ser dominado pelos exploradores e isto se d

    somente a partir da segunda metade do sculo XIX. A partir de 1847, chega no Vale a

    Companhia do Mucuri, chefiada por Tefilo Otoni que pretende ligar Minas Gerais ao

    litoral, pois este territrio ainda era isolado do mar por uma enorme cadeia de montanhas.

    Seu sonho conseguir exportar produtos mineiros para o exterior.

    Tefilo Otoni possua uma filosofia de conquista semelhante a de Guido Marlire.

    Seu mtodo no inclua massacres aos indgenas, mas posse de suas terras pela amizade.

    Sua primeira tentativa de ligar Minas ao mar, foi atravs da navegao no Rio Mucuri e

    para isto construiu dois navios, mas descobriu por fim que o rio no era navegvel. Decidiu

    ento construir uma estrada, o que fez atravs de braos de mestios, indgenas e negros,

    mas a mesma se tornou invivel devido a doenas, como a malria, que eram muito

    comuns na regio, bem como, ataques indgenas. No alcanando seus objetivos, Tefilo

    Otoni se retirou do Vale no final da dcada de 1950, mas deixou para trs colonos,

    catadores de poaia, e uma guerra brutal contra os indgenas marcada por invases de terras,

    matana indiscriminada, epidemias de sarampo, varola e gripe, provocadas de propsito

    atravs de roupas contaminadas e comidas envenenadas (CEDEFES, 1987.42).

    4.4. O ALDEAMENTO DE ITAMBACURI

    Em 1841, os padres Capuchinhos so contratados pelo Imperador do Brasil para

    civilizarem os indgenas (Soares, 1992.73), que tanto resistiam aos colonizadores. Em

    1873, Frei Serafim de Gorzia e Frei ngelo de Sassoferrado chegam ao Vale do Mucuri e

    fundam o aldeamento de Nossa Senhora da Imaculada Conceio, onde hoje a cidade de

    Itambacuri. Eles so chamados de Ink-Jak de Tupan irmos de Deus. Este aldeamento

    visava catequizar principalmente os ndios Botocudos na verdade, o grupo Pojix do

    Vale do So Mateus que eram os mais belicosos e resistentes. De todos os aldeamentos

    de Minas, este foi o mais influente e consequentemente o mais bem documentado.

    O mais detalhado e fiel relato sobre este aldeamento foi deixado pelo indgena

    Domingos Ramos Pac, filho do lngua (tradutor) Flix Ramos da Cruz, que foi

    catequizado por estes padres, se tornou professor neste aldeamento e em 1918 escreveu um

    dos mais raros documentos escrito por um indgena brasileiro do sculo XIX17.

    17 Hmbric Anhamprn ti Malt Nhichopn? 1918. In: RIBEIRO, Eduardo Magalhes (org). Lembranas da Terra Histrias do Mucuri e Jequitinhonha. Contagem: CEDEFES, s.d.

    20

  • Minas Indgena

    Segundo Pac (s.d.198), as tribos Nocuri e Nhnhn, que somavam oitocentos

    homens, sem contar mulheres e crianas, chefiadas pelo Capito (cacique) Pohc, seu av

    materno, habitavam o local quando da chegada dos Freis Serafim e ngelo, que realizam

    ali a primeira missa no dia 13 de abril de 1873. Auxiliados principalmente pelo lngua

    Flix Ramos, Frei Serafim e ngelo, contactaram vrias tribos do Vale e foram

    conduzindo-as ao aldeamento, como os Kraccat, Cujn, Jeruhim, Nerinhin, Hn, Jukjt,

    Remr, Krermum, Nhn-Nhn, Cnmri, Pmcjirum, e outras (Pac, s.d.201).

    Os capuchinhos no pararam por a. Continuaram atraindo mais tribos para o

    aldeamento. Trouxeram tribos como os Aran e at os temidos Pojixs, mencionados como

    o terror e assombro destas zonas (Pac, s.d.202), e que na verdade eram os principais

    alvos. Assim, chegaram a ter trs mil indgenas, de aproximadamente quinze tribos

    diferentes, aldeados em Itambacuri.

    Este aldeamento j foi criado sob a regncia do Regimento das Misses, elaborado

    em 1845 para estabelecer como deveria ser o trabalho dos missionrios entre os ndios.

    Segundo este, as responsabilidades dos capuchinhos era atrair, aldear, pacificar e

    catequizar os ndios (Soares, 1992.74). Assim, o dia-a-dia deste aldeamento foi se

    tornando enfadonho para os indgenas aldeados, pois no era nem um pouco semelhante ao

    dia-a-dia nas aldeias. O fato de vrios povos estarem ali misturados j no agradava aos

    indgenas. Havia leis que os obrigavam a casar-se com negros e brancos, para se

    misturarem e se tornarem um s povo. Deveriam tornar-se cristos, abandonando seus

    rituais, pois a nica religio do aldeamento era a dos padres. Aos meninos era ensinado a

    lngua portuguesa, e com a chegada das Irms Clarissas em 1907, foi criada uma grande

    escola, incluindo as meninas que ali eram internadas, junto com brancas, negras e mestias.

    Este ambiente aliengena e opressor rapidamente gerou revolta por parte dos

    indgenas que sempre fugiam embrenhando-se nas matas ou retornando para suas aldeias.

    Estes eram caados e alguns retornavam para o aldeamento. Alguns retornavam, devido a

    saudade da famlia ou filhos que haviam deixado para trs. Outros desapareciam e nunca

    mais eram vistos. Brigas e protestos se tornaram comuns principalmente provocados pelos

    Pojixs que eram os mais arredios e tinham uma liderana muito forte. Quando uma

    epidemia de sarampo provocou grande mortandade entre os aldeados, os Pojixs acusaram

    os padres de feitiaria e se revoltaram, queimando o aldeamento e matando alguns padres

    (Paraso, 1998.420). Pac (s.d.208) lista cinco principais revoltas que aconteceram ali, das

    quais a mais grave foi quando em 24 de maio de 1893, Querino Grande, cacique dos Potn,

    21

  • Minas Indgena

    liderou setecentos indgenas numa revolta, na qual, os padres Manuel Pequeno e Valentim,

    foram flechados, sobrevivendo por pouco.

    Com os bandeirantes, os indgenas mineiros foram vtimas de um terrvel

    genocdio, atravs da guerra aberta, armas ou doenas intencionalmente provocadas,

    levando tribos inteiras extino. Com os militares e polticos da boa vizinhana, bem

    como com os religiosos, eles foram vtimas de um terrvel etnocdio, destruindo tambm

    intencionalmente suas culturas e lnguas.

    Na tentativa de fazer aqui uma abordagem no apenas factual, mas tambm

    ideolgica da histria indgena de Minas, preciso dizer que na sua maioria, estes padres

    foram homens que se gastaram e se doaram, a uma causa que criam ardentemente se tratar

    da obra de Deus. Entretanto, foram tambm manipulados pelo Estado e poderosos, na

    ganncia de adquirirem uma terra que no lhes pertencia.

    4.4.1. DOMINGOS RAMOS PAC

    Na histria dos indgenas de Minas, e principalmente do Vale do Mucuri,

    Domingos Ramos Pac digno de meno especial, pois muitas informaes que

    chegaram at ns vm do documento que ele mesmo redigiu em 1918. Como o mesmo

    relata (Pac, s.d.201,203), Pac nasceu no aldeamento de Itambacuri em 1869, filho da

    ndia Umbelina, com o lngua Flix Ramos da Cruz, neto materno de Pohc, cacique das

    tribos Mucuri e Nhnhn. Educado pelos padres capuchinhos, se tornou sacristo e aos

    quatorze anos de idade professor das primeiras letras, cargo este que exerceu por dezoito

    anos. Trabalhou tambm como secretrio econmico no aldeamento.

    No fim do sculo XIX, desentendendo-se com os padres, deixou o aldeamento e

    passou a viver peregrinando na mata por alguns anos em busca de sinais de Nossa

    Senhora, que indicavam muita riqueza em pedras preciosas. No achou nenhuma fortuna

    e ainda perdeu um dos olhos. Retornou s cidades se tornando professor em Igreja Nova,

    atual Campanrio. Encorajado pelo historiador Reinaldo Porto, escreveu sua histria em

    1918 e por volta de 1930 morreu nesta ltima cidade. Seu texto um dos mais importantes

    para a histria indgena de Minas Gerais, pois vem das mos de um indgena do sculo

    XIX, sendo o testemunho mais gritante do massacre cultural feito aos indgenas do Vale do

    Mucuri, inclusive sua prpria tribo, que desapareceu sem deixar nenhum sobrevivente.

    22

  • Minas Indgena

    5. MINAS INDGENA NA REPBLICA

    Com a constituio de 1891, a questo indgena deixa de ser uma responsabilidade

    da Unio, ficando os Estados incumbidos de lidar com esta problemtica, mas as lutas e

    massacres continuam em Minas Gerais, principalmente no Vale do Mucuri onde estavam o

    mais resistentes.

    Logo surge no palco nacional um novo personagem que acabaria se envolvendo

    diretamente com a questo indgena: a pessoa do Coronel Cndido Mariano da Silva

    Rondon. Em 1892, Rondon assumiu a chefia da Comisso de Linhas Telegrficas,

    passando assim a trabalhar nos interiores mais remotos do pas. Nestes trabalhos de

    instalao de linhas fez contatos com vrias tribos indgenas, ainda no contactadas, como

    os Nambikuara, sempre num clima de paz e dilogo (Gomes, 1991.85). Na sua formao

    militar, foi fortemente influenciado pela filosofia positivista de Augusto Comte,

    apresentando assim uma nova maneira de lidar com o problema indgena. Seu lema era:

    morrer, se preciso for; matar, nunca (Prezia, 2000.197).

    5.1. SPI SERVIO DE PROTEO AO NDIO

    Quando em 1910, sob presses de intelectuais e personalidades estrangeiras, o

    governo criou o SPI Servio de Proteo ao ndio, Rondon foi indicado Diretor do

    mesmo. Imbudo de um sentimento paternalista, o SPI assume a proteo e tutela dos

    indgenas, considerando estes como menores de idade.

    Devido construo das estradas de ferro Bahia-Minas e Vitria-Minas, o sul da

    Bahia, o norte do Esprito Santo e a regio do Rio Doce em Minas Gerais, tornaram-se as

    principais reas de atuao do recm criado SPI. Os Xacriab do Norte, por serem

    considerados ndios aculturados do Nordeste, foram totalmente ignorados.

    23

  • Minas Indgena

    5.1.1. OS POSTOS DE ATRAO

    Os postos de atrao eram uma nova verso dos aldeamentos. Neles, eram

    concentrados um determinado nmero de indgenas, para a utilizao do restante de suas

    terras. As estradas de ferro penetraram no territrio dos ltimos Botocudos, em Minas, e

    para evitar conflitos entre estes, j famosos pela sua belicosidade, e os operrios, o SPI

    criou cinco postos de atrao: (1) Posto da Ermida, no trecho baiano do Jequitinhonha;

    (2) Posto do Rio Pepinuque, para o grupo dos ndios Jiporok; (3) Posto do Rio Pancas,

    no Esprito Santo, para os Miajirum; (4) Outro no Rio Pancas, para os Gutkrak; e o (5)

    Posto do Rio Eme, em Minas, para os Krenak (Paraso, 1998.420). Em decorrncia do

    contato, uma grande quantidade de doenas infecto-contagiosas dizimaram a populao

    indgena destes postos, e aos poucos o SPI foi desativando os mesmos, sob a alegao da

    drstica reduo populacional, restando apenas o Posto do Rio Eme, destinado aos Krenak,

    para onde foram transferidos os sobreviventes dos demais postos (Soares, 1992.131).

    5.1.2. ARRENDAMENTO DE TERRAS INDGENAS

    Em 1920, o governador de Minas Gerais, Arthur Bernardes, decide doar terras aos

    indgenas do Estado. A esta altura, os mais de cem grupos que aqui viviam no sculo XVI,

    estavam reduzidos a trs apenas Xacriab, Maxakali e Krenak. A maioria foi totalmente

    extinta e alguns fugiram para outros estados. Os Xacriab permaneciam com suas terras no

    norte, sendo crescentemente invadidas por campesinos e fazendeiros. Assim, Arthur

    Bernardes entrega aos Maxakali 4 mil ha. e aos Krenak 2 mil ha., ampliando

    posteriormente para 4 mil ha. tambm. Entretanto, alegando que os indgenas eram

    nmades e sua incipiente agricultura insuficiente para sustent-los, funcionrios do SPI

    comearam em 1921 a arrendar terras indgenas Maxakali e Krenak para trabalhadores

    nacionais, que deveriam pagar com alimento para os indgenas (Paraso, 1998.421).

    Desta forma, tem incio efetivo a intruso de agricultores e fazendeiros nestas

    terras, que com o passar do tempo foram se tornando donos das terras cultivadas. Para a

    criao de bovinos, estas terras, principalmente a dos Maxakali, so desmatadas

    transformando-se em pasto, o que acaba com a caa e coleta. Com o desmatamento, os rios

    diminuem, desaparecendo tambm a pesca. Sem suas principais fontes de subsistncia, os

    ndios comeam a arrebatar animais dos intrusos de suas terras, bem como, da populao

    vizinha. O sentimento de dio e repulsa por parte da populao dominante em relao aos

    indgenas aumenta ascendentemente. Este conflito entre os inicialmente arrendatrios, mas

    posteriormente declarados intrusos, perdura at o final do sculo XX.

    24

  • Minas Indgena

    Quando em 1940 decide-se demarcar as terras Maxakali vrias aldeias ficam fora.

    Um grande corredor de fazendas separa as duas aldeias e os fazendeiros intrusos no so

    removidos, permanecendo nas terras mais de cinqenta anos ainda. Nesta mesma data

    aumentado o arrendamento das terras Krenak e o pagamento passa a ser feito ao SPI.

    Como se percebe, o SPI se transforma numa mquina oficial, invadida pela

    corrupo e violncia (Prezia, 2000.198). O sonho de um rgo oficial de proteo aos

    ndios, torna-se num pesadelo real de um rgo oficial de opresso aos indgenas. O

    idealismo de Rondon frustrado pela ambio de uma sociedade exploradora, governada

    por polticos obcecados pela posse de mais e mais terras.

    5.2. GRIN GUARDA RURAL INDGENA

    Com o golpe de 1964, quando se instalou o regime militar no pas, o SPI foi

    extinto, com a destituio de toda sua diretoria. Dois anos depois, em 1966, foi criada a

    GRIN Guarda Rural Indgena, com o objetivo de transformar os indgenas em militares,

    sob o comando do Capito Pinheiro.

    Indgenas de toda parte do pas foram transportados para Belo Horizonte, onde

    receberam treinamento militar, para reprimir seus prprios irmos. Xerente, Pankararu,

    Urubu Kaapor, Gavio, Patax, Maxakali (Soares, 1992.138) so apenas alguns dos

    muitos povos representados na GRIN. Como j era de se esperar, este treinamento no

    levou em considerao questes tnicas e culturais. Acontece ento um grande etnocdio e

    acelera o processo de destruio cultural. Muitos ndios revoltados fogem, ou tentam fugir,

    e so duramente reprimidos.

    5.2.1. COLNIA PENAL INDGENA

    No mesmo ano que criada a GRIN, cria-se tambm uma Colnia Penal Indgena,

    e o local escolhido para sedi-la o territrio Krenak, do Vale do Rio Doce. Para l so

    levados em regime de deteno indgenas acusados de crimes, tachados como rebeldes e

    infratores. O Centro de Reeducao Indgena funciona no velho esquema militar: trabalho

    forado, solitria, violncia e assassinatos (Soares, 1992.140-141).

    Segundo Paraso (1998.422), o presdio chegou a abrigar entre sessenta e oitenta

    indivduos, em mdia, com representantes das tribos Karaj, Kampa, Maw, Xerente,

    Kayap, Baen, Kadiwu, Bororo, Kaiw, Kanela e Pankararu. Os principais motivos de

    25

  • Minas Indgena

    deteno ali registrados, foram roubo, homicdio, embriaguez e vadiagem. Em 1971, este

    presdio foi transferido para a Fazenda Guarani, no municpio de Carmsia, e com ele os

    seus detentos, juntamente com os anfitries compulsrios Krenak, e l se juntou a eles

    um grupo dos Patax da Bahia. Esta colnia penal funcionou apenas at 1972, mas foi

    tempo suficiente para provocar a morte, sofrimento, exlio e fuga de vrios indgenas,

    principalmente Krenak.

    5.3. FUNAI FUNDAO NACIONAL DO NDIO

    Em dezembro de 1967 foi criada a FUNAI Fundao Nacional do ndio,

    substituindo assim o extinto SPI. Enquanto o SPI tinha como principal objetivo civilizar

    os indgenas e torn-los teis sociedade dominante, a FUNAI tem o objetivo de

    integrar os indgenas sociedade dominante. Desenvolvendo trabalho em parceria com

    entidades religiosas e ONGs, tem em Minas como principais parceiros o CIMI Conselho

    Indigenista Missionrio, com forte atuao principalmente entre os Maxakali a partir da

    dcada de 1980, e o CEDEFES Centro e Documentao Eloy Ferreira da Silva, que at

    hoje lidera a luta pelos direitos indgenas no Estado. Surge assim um movimento de

    articulao, sendo um marco deste a Primeira Assemblia Indgena do Leste, realizada em

    Itambacuri, em 1979 (Ribeiro, s.d.7). Na dcada de 1980, os indgenas de Minas obtm

    apoio de sindicatos de trabalhadores e em 1989 acontece em Governador Valadares, o 1

    Encontro de Lideranas Indgenas de Minas Gerais e Esprito Santo (Soares, 1992.15).

    5.4. DESFECHO HISTRICO DOS GRUPOS MINEIROS

    O sculo XX foi marcado por uma intensa resistncia e luta dos grupos Xacriab,

    Maxakali e Krenak pela sobrevivncia e posse de suas terras. Mesmo neste sculo, muito

    sangue indgena foi derramado e o leste e norte do Estado foram palco de aes brutais por

    parte do governo, fazendeiros e poderosos contra os indgenas.

    5.4.1. A LUTA DOS XACRIAB

    Devido a sua forte miscigenao tnica e elevado grau de descaracterizao

    cultural, os Xacriab permaneceram basicamente sem nenhuma assistncia at bem

    recente. No incio do sculo XIX, os Xacriab de So Joo das Misses estavam

    abandonados pelo poder da provncia (...) sem missionrio ou diretor (Paraso, 1987.22), e

    26

  • Minas Indgena

    esta situao se estendeu at a segunda metade do sculo XX. Apesar de no serem mais

    vtimas das elites pioneiras, portugueses e paulistas, foram vitimados por outro tipo de

    invaso. Levas de baianos pobres, sertanejos, retirantes do serto baiano em funo das

    secas, migraram para Minas em busca de terras para cultivo (Schettino, 1999.28).

    A primeira gerao de retirantes acolhidos pelos Xacriab em suas terras,

    entenderam o princpio de uso da terra no como propriedade privada mas comunitria,

    entretanto, os filhos destes retirantes, que na sua maioria nasceram ali, passaram a se sentir

    donos das terras. Muitos desses retirantes se casaram com indgenas tornando o

    relacionamento intertnico tolervel, mas com o passar do tempo, a situao foi se

    tornando conflitiva. Esses casamentos intertnicos provocaram tambm uma forte

    miscigenao que hoje bem visvel. A populao Xacriab bem morena e de cabelos

    crespos, dada grande quantidade de casamentos com negros forros, ou baianos. Vale

    lembrar, que isto se deu principalmente entre a segunda metade do sculo XIX e primeira

    do sculo XX, perodo de transio do Imprio Repblica e promulgao da Lei urea,

    quando a tendncia dos ndios foi de acolher dentro dos seus limites (...) contingentes

    marginalizados da sociedade nacional, retirantes baianos pauperizados e negros forros ou

    fugidos que encontraram no territrio indgena condies mnimas de sobrevivncia e

    sociabilidade (Schettino, 1999.31).

    Mas a invaso se deu no apenas por retirantes. Fazendeiros da regio,

    ambicionando aumentar suas propriedades, exerceram tambm forte presso sobre os

    Xacriab, expandindo seus limites para dentro da reserva indgena.

    Quando o SPI foi criado em 1910, se dedicou apenas aos ndios isolados, ignorando

    os aculturados do Nordeste. Somente em dezembro de 1973 foi criado o Posto Indgena

    Xacriab e em 1979 seu territrio foi homologado, com 46.414,92 ha. sendo na verdade

    uma reduo da rea doada por Janurio Cardoso, que por sua vez constitua-se numa

    pequena parcela do territrio original. Um lugarejo chamado Rancharia, considerado por

    eles parte do seu territrio ficou fora desta homologao, o que gerou certa insatisfao.

    Suas terras, entretanto, permaneceram infestadas de posseiros que os oprimiam e

    limitavam seu territrio. A partir da homologao a tenso com estes posseiros se

    intensificou, tomando uma dimenso de agressividade. No dia 14 de maio de 1986, o

    indgena Jos Pereira Lopes, conhecido como Z de Benvinda, foi assassinado, pela ao

    de pistoleiros, ficando feridos os indgenas Manuel Fiuza Filho e o homnimo do morto,

    Jos Pereira Lopes, na aldeia de Sumar (Paraso, 1987.25).

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  • Minas Indgena

    Conseqentemente, instaurou-se um clima de revolta e medo na reserva,

    aumentando drasticamente a tenso. Por volta das duas horas da madrugada, do dia 12 de

    fevereiro de 1987, na aldeia Sap, a casa do vice-cacique Rosalino Gomes de Oliveira foi

    cercada por dezesseis pistoleiros que dispararam tiros impiedosamente contra todos que

    estavam na residncia. Naquele dia foram mortos os indgenas Rosalino, Jos Teixeira e

    Manuel Fiuza da Silva, que ainda se recuperava dos ferimentos do ultimo ataque. Ansia

    Nunes, esposa de Rosalino, grvida de dois meses, abraando a filha Rosalina, de apenas

    dois anos, tambm foi ferida no brao. Seu filho Jos Nunes, hoje um dos professores

    Xacriab, naquela poca apenas com dez anos de idade, foi obrigado a arrastar o corpo

    ensangentado do pai at o terreiro, para os pistoleiros verificarem se realmente estava

    morto. Seu irmo, Domingos Nunes, conseguiu fugir sob tiros em sua direo, e o

    prprio que relata esta drstica e revoltante chacina (Oliveira, 1997.35,36).

    Com esta chacina o processo foi levado a srio e assim, ainda em 1987, finalmente

    foi processada a expulso dos posseiros da reserva Xacriab. No entanto, dois fatos ainda

    os incomodavam. Seu territrio permaneceu ligado ao municpio de Itacarambi, onde o

    prefeito no era nem um pouco simpatizante dos indgenas, alis, foi um dos mandantes

    desta ltima chacina. Desta forma, continuam lutando at que em 1996 So Joo das

    Misses foi emancipado municpio, se desligando assim de Itacarambi, e o cacique

    Rodrigo foi eleito e reeleito vice-prefeito (Dutra, 1998.36-38). Outro fato, era o vilarejo

    de Rancharia, que com aproximadamente setenta famlias, somando cerca de seiscentas

    pessoas, permanecia no homologado como territrio indgena. Em 1996, entraram com

    uma reivindicao oficial junto FUNAI solicitando a regularizao de Rancharia com

    6.600 ha., o que aconteceu no incio de 2001, ampliando assim o territrio total dos

    Xacriab para 53.014,92 ha. Assim, finalmente reina paz na reserva Xacriab.

    5.4.2. A LUTA DOS KRENAK

    Apesar de receberem terras do governo em 1920, os Krenak no tomaram posse

    efetiva das mesmas to cedo. Com a prtica do arrendamento de terras indgenas, os reais

    proprietrios foram sendo compulsoriamente expulsos. J em 1923 acontece um terrvel

    massacre em Cuparaque, municpio de Resplendor, quando vrios homens, mulheres e

    crianas Krenak foram assassinados. Em 1930, o SPI transfere outros povos indgenas para

    o Posto Indgena Krenak o que resulta numa bvia miscigenao tnica.

    Em 1942 seu territrio foi demarcado com uma rea de 3.983.09 ha., mas em 1956

    so exilados para as terras dos seus antigos inimigos Maxakali e o Posto Indgena

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  • Minas Indgena

    declarado extinto. Como j era de se esperar, o contato com os Maxakali resultou em

    conflitos, ocasionando o retorno do grupo, p, dois anos depois, para suas antigas terras,

    que nesta altura estavam invadidas (Faria, 1992.12). Caminharam noventa e cinco dias.

    Os Krenak passam a conviver de forma forada com os fazendeiros que haviam se

    apoderado das suas terras, convivncia esta que agravada com a criao da Colnia Penal

    em 1966 ao introduzir indgenas de vrias outras etnias no mesmo ambiente.

    Em 1972, so novamente exilados, s que desta vez na Fazenda Guarani, municpio

    de Carmsia, para onde foi transferida a Colnia Penal. Os que se recusaram a sair da terra

    foram algemados e levados pela polcia. Alguns foram para o Posto Indgena de Vanure,

    em So Paulo, viver com os Kaygang, enquanto outros se dispersaram e foram viver

    clandestinamente em Colatina, no Esprito Santo. Mas ainda na dcada de 1970, comeam

    a se organizar na luta pela terra, fazendo contatos com autoridades em Belo Horizonte e

    Braslia. Recebem apoio do CIMI, antroplogos e outras entidades.

    Em 1979, o Rio Doce enche e transborda, devastando as plantaes dos fazendeiros

    que ocupavam as terras. Nesta altura, a articulao dos Krenak pela posse das terras j

    estava bem avanada e eles entendem esta enchente como um sinal de que estava na hora

    do retorno. Os fazendeiros se mobilizam, mas eles recebem apoio de trabalhadores rurais,

    sindicatos, imprensa e vrias outras entidades e retornam novamente s suas terras.

    Seguem-se ento duas dcadas de demanda judicial. Mesmo sendo despejados por

    vrias vezes, os Krenak persistem sempre retornando novamente. Em 1989 um grupo dos

    Krenak que estava vivendo em Vanure retornou, aumentando assim a fora indgena.

    Vrios encontros so realizados, no apenas entre os indgenas de Minas, mas tambm com

    os do Esprito Santo e Bahia. Destaca-se neste perodo o apoio da Igreja Metodista de

    Colatina e Belo Horizonte, atravs do trabalho do GTME - Grupo de Trabalho Missionrio

    Evanglico (Soares, 1992.191-193). Houve uma grande mobilizao, at que finalmente

    obtiveram a reintegrao do seu territrio, com 3.983,09 ha., sendo os posseiros retirados

    pela ao da Polcia Federal, em abril de 1997 (Dutra, 1998.18).

    5.4.3. A LUTA DOS MAXAKALI

    Somente depois da visita de Curt Nimuendaju aos Maxakali em 1939, quando

    registrou a existncia de duas aldeias apenas