mina da boa fé - riscos industriais e economicos

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Mina da boa Fé - riscos industriais e seus efeitos ambientais, humanos e económicos 1/11 José Rodrigues dos Santos / Évora Mina da boa Fé - riscos industriais, riscos económicos e seus efeitos ambientais e humanos Síntese Numa análise preliminar dos documentos disponibilizados pela empresa, detectamos as seguintes lacunas e imprecisões quanto aos riscos causados pela eventual mina da Boa Fé, quanto aos custos da sua prevenção, mitigação e reparação e quanto às responsabilidades dos diferentes agentes envolvidos. 1. Lacunas no que respeita à identificação dos riscos de acidentes 2. Ausência de elementos que permitam fundamentar a “avaliação” da “probabilidade” e da “gravidade” dos riscos de acidentes que é proposta no EIA; 3. Ausência total de avaliação quantitativa dos custos associados a cada risco e de orçamento da sua prevenção, mitigação e/ou reparação; 4. Imprecisão quanto às responsabilidades respeitantes aos riscos no longo prazo; 5. Ausência de elementos quantitativos precisos quanto aos custos de monitorização, de manutenção e de substituição das estruturas tornadas inoperantes ou degradadas no longo prazo, para controlo dos riscos, que ficarão a cargo das colectividades; 6. Ausência total de garantias financeiras correspondentes a todas as fases e operações anunciadas (garantias de respeito do caderno de encargos). A proponente, Soc. Unipessoal de Responsabilidade Limitada, tem um capital social de 5000€. 7. Ausência total de garantias financeiras correspondentes a cada risco (e a todos eles), e à obrigação de reparação dos efeitos “normais” da laboração, e não só de acidentes e/ou incidentes. 8. Seguro de responsabilidade civil : exclui os riscos maiores (poluição, acidentes graves, danos ambientais, etc.), invocando o custo elevado desse seguro. Concluimos que no estado actual da documentação, as colectividades correm riscos enormes, sem contrapartida em ganhos equivalentes (nem de muito longe). JRdS, 25 de março de 2013.

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estudo sobre a exploração mineira na Boa Fé

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Mina da boa Fé - riscos industriais e seus efeitos ambientais, humanos e económicos 1/11

José Rodrigues dos Santos / Évora

Mina da boa Fé - riscos industriais, riscos económicos

e seus efeitos ambientais e humanos

Síntese

Numa análise preliminar dos documentos disponibilizados pela empresa, detectamos as seguintes lacunas e imprecisões quanto aos riscos causados pela eventual mina da Boa Fé, quanto aos custos da sua prevenção, mitigação e reparação e quanto às responsabilidades dos diferentes agentes envolvidos.

1. Lacunas no que respeita à identificação dos riscos de acidentes

2. Ausência de elementos que permitam fundamentar a “avaliação” da “probabilidade” e da “gravidade” dos riscos de acidentes que é proposta no EIA;

3. Ausência total de avaliação quantitativa dos custos associados a cada risco e de orçamento da sua prevenção, mitigação e/ou reparação;

4. Imprecisão quanto às responsabilidades respeitantes aos riscos no longo prazo;

5. Ausência de elementos quantitativos precisos quanto aos custos de monitorização, de manutenção e de substituição das estruturas tornadas inoperantes ou degradadas no longo prazo, para controlo dos riscos, que ficarão a cargo das colectividades;

6. Ausência total de garantias financeiras correspondentes a todas as fases e operações anunciadas (garantias de respeito do caderno de encargos). A proponente, Soc. Unipessoal de Responsabilidade Limitada, tem um capital social de 5000€.

7. Ausência total de garantias financeiras correspondentes a cada risco (e a todos eles), e à obrigação de reparação dos efeitos “normais” da laboração, e não só de acidentes e/ou incidentes.

8. Seguro de responsabilidade civil: exclui os riscos maiores (poluição, acidentes graves, danos ambientais, etc.), invocando o custo elevado desse seguro.

Concluimos que no estado actual da documentação, as colectividades correm riscos enormes, sem contrapartida em ganhos equivalentes (nem de muito longe).

JRdS, 25 de março de 2013.

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Mina da boa Fé - riscos industriais, riscos económicos e seus efeitos ambientais e humanos

Introdução

Numa classificação quanto às causas, todos os riscos decorrentes da eventual Mina da Boa Fé são riscos industriais, por resultarem duma actividade industrial – mineira neste caso, ou económicos, por resultarem de alterações dos parâmetros económicos e financeiros. Esta nomenclatura tem a vantagem de realçar as responsabilidades pela produção dos riscos: neste caso, uma actividade industrial, mineira, e o seu contexto empresarial. È aliás assim que procede a UE.

Enquanto tais distinguem-se portanto dos riscos naturais (sismos, tsunamis, erupções vulcânicas, furacões, etc.).

A actividade mineira projectada terá um impacto - que se trata de avaliar - sobre o ambiente (“riscos para o ambiente”: águas, fauna, flora…), riscos (directos e indirectos) para a saúde pública, riscos para os bens económicos (propriedades, construções…), riscos para o património imaterial e material (arqueologia, beleza das paisagens, etc.).

Existe ainda uma classe de recursos que pode ser seriamente afectada por este projecto industrial, que é a dos recursos financeiros das pessoas e das colectividades, na medida em que estas podem ter que utilizar recursos próprios para mitigar ou reparar certos riscos.

Convém distinguir, em virtude da enorme diferença quanto ao impacto e aos custos associados, e portanto quanto ao modo de tratamento, os riscos de curto e de longo prazo1.

Devemos manter bem presente também a distinção entre os riscos de acidentes (e as suas consequências), e os riscos resultantes da laboração normal durante a actividade mineira, assim como os riscos de médio e longo prazo decorrentes de situações normais ligadas à vida das instalações e dos seus elementos estruturais (monitorização, manutenção, substituição de elementos tornados obsoletos ou desgastados) e os seus custos.

No que concerne aos riscos económicos, eles distribuem-se igualmente pelo curto, pelo médio e pelo longo prazo.

A. Riscos de curto prazo

Os riscos industriais de curto prazo são todos aqueles que resultam da possibilidade e da probabilidade de ocorrência de acidentes directamente ligados à actividade mineira, desde a instalação dos equipamentos à extracção, aos transportes e ao armazenamento dos diversos produtos da laboração mineira. Estando associados à laboração,

1 Esta distinção guia igualmente o Report of the International Task Force for Assessing the Baia Mare Accident, December 2000. http://viso.jrc.ec.europa.eu/pecomines_ext/docs/bmtf_report.pdf

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extinguem-se me princípio num prazo mais ou menos curto após a cessação da actividade (no caso do projecto MBF: cinco anos).

Estes incluem:

a) Todos os riscos laborais cuja definição é comum a toda a actividade industrial e que concernem à segurança no trabalho e às suas eventuais falhas (acidentes laborais), assim como à higiene do trabalho (qualidade do ar, níveis sonoros e de vibrações, manipulação de substâncias tóxicas e/ou perigosas, explosivos, etc.).

b) Todos os riscos precedentes quando incidem em pessoas não directamente ligadas à actividade industrial (vizinhos, população das zonas atravessadas pelos transportes, especialmente os de substâncias perigosas, etc.): qualidade do ar (poeiras, fumos, emanações), poluição sonora, riscos de derrames de substâncias tóxicas durantes os transportes, etc.

c) Os riscos ligados às fases de laboração mineira cuja realização se prevê noutros locais: tratamento dos “concentrados” produzidos na lavaria da Boa Fé e transportados para outros sítios mineiros, onde seriam tratados utilizando, nomeadamente, os cianetos. Evoca-se Aljustrel, mas nada é dito quanto à capacidade dessas instalações nem quanto aos riscos adicionais que esse tratamento iria causar.

B. Riscos de médio e longo prazo

Os riscos de médio e longo prazo são aqueles que, resultando directa ou indirectamente da actividade mineira, concernem a efeitos que se prolongam para além da duração da mina durante períodos mais ou menos longos e dos que podem resultar de eventos susceptíveis de se produzir muito tempo depois do “encerramento” da mina.2 Embora seja impossível, em rigor, separar completamente os riscos para o ambiente e os riscos para as populações (saúde, bem-estar, bens económicos ou outros patrimónios), porque os primeiros se repercutem nos segundos, é cómodo distingui-los e tratá-los sucessivamente.

O impacte negativo das cortas e do conjunto das operações a jusante sobre o ambiente incide desde logo na cobertura arbórea, ao pressuporem o arranque dum enorme volume de vegetais que, para além de pertencerem a espécies protegidas, são constituídas por árvores seculares, cujo porte e arquitectura excepcionais as distinguem como património de impossível substituição no curto e no médio prazo. A reconstituição do sobral secular exigiria entre pelo menos 60 e 100 anos e sem dúvida sucessivas replantações antes de ser conseguida.

Outros efeitos sobre a flora e a fauna serão, porventura, mais sensíveis no curto e médio prazos, e o restabelecimento de outras componentes do ecossistema poderá não ser tão demorado.

Os efeitos sobre a qualidade das águas distribuem-se pelo curto, médio e longo prazo.

No caso da Mina da Boa Fé, todavia, os riscos de longo prazo para o ambiente são sobretudo de ordem ecotoxicológica, visto que resultam da libertação no ambiente de substâncias tóxicas resultantes da actividade mineira, mas não devem ser ignorados os

2 Efeitos de longo prazo dos riscos de ruptura dos diques mineiros, ver especialmente o capítulo 7 (pp. 144 e seg.) do Relatório sobre Ajka- Kolontar http://engineeringfailures.org/files/Kolontar-report.pdf .

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riscos físicos para a população (caso se produza o desmoronamento dum “paredão” e consequente inundação, com uma vaga de vários metros de altura, cf. EIA).

Estas substâncias são todas as provenientes dos próprios minerais extraídos (ou mobilizados), quer elas sejam presentes enquanto tais (por exemplo: arsénico, metais pesados…), quer resultem de processos de decomposição ou de combinação com outros elementos (por exemplo, da lixiviação das rochas, estéreis ou minérios, como no caso da oxidação dos sulfuretos, etc.). A lista dessas substâncias é fornecida, em parte, pela própria empresa e é amplamente suficiente para justificar a preocupação com os riscos que representam.

Entre os elementos tóxicos cuja presença em grandes quantidades é assinalada no EIA, contam-se os metais (entre outros, alumínio, prata, cobre, chumbo, níquel, crómio), o enxofre e, mais abundante que todos os outros, o arsénico (quantidade prevista: entre 7kg/T e 9kg/T, ou seja entre 7 e 9.000 toneladas de Arsénio).

A essa lista acresce aquela que enumera as substâncias químicas utilizadas como “reagentes” (termo da empresa) e que, não estando presentes nas rochas exploradas, são introduzidas pela empresa em diversas fases do processo de laboração (nomeadamente: sulfato de cobre, amil-xantato de e IF-563.

I. Riscos Industriais

1. Lacunas quanto à identificação dos riscos de médio e longo prazo pela empresa, no EIA

A libertação de substâncias tóxicas para o ambiente vai poder produzir-se principalmente em três pontos: as cortas, a escombreira (barragem de estéreis) e a barragem de rejeitados.

1.1 Riscos derivados da acumulação de rochas estéreis nas cortas

As cortas abrigarão enormes volumes de rochas “estéreis”, que serão dispostas em “bancadas” à medida que avança a laboração mineira. Mas estas rochas têm uma composição que tudo leva a crer, será semelhante, em média, à das rochas armazenadas na barragem de escombros, contendo importantes volumes de metais pesados, de enxofre e sobretudo de arsénico (um documento da empresa avaliava o teor em arsénico entre 7000 e 9000 g/ tonelada (ou seja, repitamos, 7 a 9kg/T), o que é enorme.

Dado que nas crateras deixadas pelas cortas ficarão alguns milhões de toneladas de rochas mobilizadas mas não transportadas para a escombreira (o volume / massa total não aparece, salvo erro, em nenhum documento), é muito provável que as águas das lagoas residuais que se formarão nas cortas serão fortemente poluídas4.

3 Os consumos anuais previstos são de 216 T de sulfato de cobre, 50,5 T de amilxantato de potássio e 11 T de IF-16, ou seja no total dos 5 anos, 1080T de sulfato de cobre, 252,5 T de amilxantato e 55T de IF-56. 4 Bianchini 2011, cita o estudo sobre a cratera deixada pela mina a céu aberto de Berkeley: Berkeley Pit History. Colorado State University, Department of Biology. Available at: http://rydberg.biology.colostate.edu/Phytoremediation/2003/Boczon/Berkeley_Pit_History.html Accessed: 17/11/2010. Eu acedi em 13 de Março de 2013.

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Não são mencionadas quaisquer previsões sobre o nível que atingirão as águas contaminadas das cortas. Mas prevê-se que as “lagoas” formadas nas cortas possam transbordar, vertendo-se o excesso no meio ambiente. Nada está previsto para medir, mitigar e/ou reparar os efeitos da migração dos elementos tóxicos pelas linhas de águas subterrâneas (sendo estas, aliás, confessadamente mal conhecidas), com as quais as cortas interferirão. Nestas condições, qualquer reutilização dessas águas está fortemente comprometida.

1.2 Lacunas quanto aos riscos e custos de longo prazo: a escombreira

A escombreira (cerca de dez milhões de metros cúbicos distribuídos por 37 ha) libertará substâncias tóxicas durante um período muito longo, duração cuja avaliação não é nunca mencionada no EIA, e que poderá ir de várias décadas a séculos (a julgar pelos exemplos conhecidos de minas mais antigas), ao ser lixiviada pelas águas de infiltração (pluviais ou outras)5.

Os produtos dessa lixiviação (frequentemente resumidos sob a denominação de “Drenagem Ácida das Rochas”, ARD na sigla inglesa, para Acid rock Drainage6) são (i) muito tóxicos e (ii) abundantes (Carvalho, 2011). A sua composição é mal conhecida, e o EIA confessa que é obrigado a fazer suposições. O projecto da MBF “recomenda” a instalação duma “pequena” barragem a jusante da escombreira (cerca de 2000 m3) para recolha desses efluentes tóxicos, mas o projecto apenas indica a presença duma bacia com uma capacidade muito pequena (uma piscina), na base da escombreira.

Nada garante que as águas resultantes da lixiviação da escombreira se escoem apenas à superfície, de modo a serem recolhidas pela bacia de retenção, e não se infiltrem mais profundamente, escoando-se a jusante em linhas de água não superficiais.

Prevê-se que o seu excesso da bacia de retenção seja dirigido para a barragem de rejeitados, por um canal aberto. Produzindo-se a saturação desta última, prevê-se a descarga pura e simples do excesso para as linhas de água existentes. É mencionada a eventual necessidade de construção duma ETAR especialmente consagrada à descontaminação destas águas, mas não se calculam custos nem se indicam responsabilidades (subentende-se que será “a entidade que for proprietária da barragem” após fecho da mina: leia-se, a colectividade).

Não são avaliados os volumes de águas de lixiviação recolhidas pela escombreira e os seus destinos.

O “plano de contingência” apresentado para apreciação pública para a gestão dos riscos causados pelo armazenamento de “estéreis” (“Waste rock”) na “escombreira” é portanto notoriamente insuficente. A denominação de “estéreis” (como a de “inertes”) pode induzir em erro: é uma denominação comercial (e industrial) para as rochas extraídas cujo teor mineral é considerado não rentável. Mas a sua composição mineralógica inclui elementos ou compostos susceptíveis de produzir graves impactos no ambiente.

1.3 Lacunas quanto aos riscos e custos de longo prazo: a barragem de rejeitados

5 Não evocamos aqui a poluição pelas poeiras tóxicas arrastadas pelos ventos, que poderá diminuir fortemente a médio prazo mediante a cobertura vegetal, mas vai contaminná-la. 6 Um dos produtos dessa drenagem ácida, é o ácido sulfúrico, por oxidação dos sulfuretos postos em contacto com o ar (e as águas). Mas o arsénico os metaloides e os metais pesados também são exportados.

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A barragem de rejeitados conterá um volume considerável (entre dois e três milhões de metros cúbicos) de matérias (sólidos e líquidos) altamente tóxicas7, que resultam do tratamento físico e químico do minério, que serão retidas por dois diques de respectivamente cerca de 400 e 500 metros de comprimento. Na base de cada um dos diques (“paredões” W e SE) dessa barragem está prevista uma pequena bacia de recolha de efluentes. No texto do EIA recomenda-se uma capacidade de 2000 m3, mas a escala dos desenhos do projecto sugere que serão muito mais pequenas e manifestamente insuficientes mesmo no curto e no médio prazo. Em paralelo à recolha das infiltrações nas bacias, está previsto um sistema de escoamento do excesso de águas contaminadas caso se verifiquem precipitações excepcionais. Destinado a prevenir o transbordamento da barragem por cima do dique (com risco de ruptura ou danos neste), este canal de escoamento conduzirá as águas contaminadas directamente para as linhas de água e portanto para o ambiente.

Prevê-se a instalação dum sistema de “retorno das águas” contaminadas dessas bacias para a barragem de rejeitados. Este “retorno” exige a instalação dum sistema de bombagem que deverá ser muito potente, deverá ser objecto duma manutenção permanente devido à agressividade das substâncias contidas nas bacias, e deverá ficar operacional durante o próximo século pelo menos, o que acarreta custos que não foram discriminados, nem avaliados8.

A supressão (desmontagem) desse equipamento, que pode estar incluído no Plano de Encerramento (PE, que nada especifica sobre este ponto) exporia de imediato o vale e as suas linhas de água à contaminação pelos excedentes das bacias de recolha. O plano de encerramento não discrimina todas as acções e respectivos custos (assinala apenas uma previsão global de 1,4M€, ±40% (o que dá entre 1 e 2M€).

2. Lacunas quanto à avaliação da “probabilidade” e da “gravidade” dos riscos

Uma análise pormenorizada, e ainda assim certamente incompleta por se fundamentar apenas nos dados da empresa, das substâncias tóxicas libertadas pelas duas barragens é necessária para nos darmos conta dos enormes encargos que estes riscos acarretam para a colectividade. O próprio EIA assinala que a composição química dos resíduos a depositar não é conhecida, procedendo por extrapolação dos dados (previstos, não medidos) quanto à composição dos estéreis.

2.1 O “Plano de contingência da barragem de rejeitados”

No “Plano de contingência da barragem de rejeitados” que consta do aditamento exigido pela APA ao projecto mineiro são identificados 14 tipos de incidentes e/ou acidentes9 susceptíveis de causar danos significativos ao ambiente e às populações. A tabela de síntese dos riscos identificados contém:

(i) A nomenclatura dos riscos

7 2155,5 Toneladas/ano de Arsénio, 1,8 T /ano de Chumbo, 19,3 T/ano de Cobre, 12,6T/ano de Zinco (números do EIA_Relatório Síntese da empresa, vol.II). 8 Nos EUA prevê-se um prazo de… mil anos para as questões de drenagens tóxicas das isntalações mineiras. No Projecto avalia-se a cerca de 1,4 milhões de euros (com incerteza entre 1 e 2 M€) o custo das operações de encerramento da barragem de rejeitados. 9 Mais uma categoria genérica de riscos com características “variáveis”, não avaliados.

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(ii) Uma “avaliação” da probabilidade de cada incidente que materializa um risco

(iii) Uma “avaliação” do grau de “gravidade” dos efeitos de cada incidente (ou risco)

(iv) Uma “avaliação” dos custos da remediação dos efeitos de cada incidente (ou risco)

(v) A designação das entidades responsáveis pela prevenção dos riscos e pela remediação dos efeitos de cada um deles.

(vi) O regime jurídico aplicável aos resíduos (rochas estéreis e rejeitados), enquanto matérias tóxicas, perigosas para o ambiente (seres vivos).

3.2 Observações:

(i) A enumeração dos riscos está incompleta

(ii) “Probabilidade do risco”: Não é explicitado o método de cálculo dessa probabilidade, nem os dados a partir dos quais esse método é aplicado.

(iii) “Gravidade do risco”: idem.

(iv) O tempo: falta a avaliação do período durante o qual subsistirão os riscos e a a evolução temporal dos mesmos (diminuição, estabilidade, agravamento). Significativamente, num relatório que se quer “técnico” e abunda em referências técnicas, a única menção a este apecto limita-se a enunciar: “Uma vez encerrada a mina, o perigo de ruptura da barragem permanece e o risco que envolve perdurará por muitos anos.”

(v) O regime jurídico aplicável aos resíduos (rochas estéreis e rejeitados), enquanto matérias tóxicas, perigosas para o ambiente (seres vivos). O projecto pretende ser abrangido pelo regime geral, por estar a sua actividade “excepcionada” na alínea e) do nº3 do artº3º do DL 254/2007. Esta pretensão é errada, visto que a própria alínea (que faz parte duma lista de excepções), contém uma excepção (à excepção genérica), referente às matérias tóxicas da categora a que pertencem os resíduos “rejeitados”. (Ver em anexo).

3. Lacunas quanto à avaliação dos custos derivados dos riscos

(i) Custos: Falta a indicação dos dados que terão servido de base de cálculo e e dos métodos de cálculo que levam a declarar que os custos gerados por um incidente / acidente são “altos”, “médios”, etc.;

(ii) Faltam estimativas em números absolutos dos referidos custos de mitigação e/ou reparação: o que representa, em euros, ou em M€ um “custo moderado”, ou “alto”?

(iii) Independentemente da ocorrência de qualquer acidente, falta a estimativa dos custos das acções de prevenção: monitorização, manutenção das estruturas e seus sistemas anexos, substituição de componentes, etc., que segundo se indica no PE, e é normal nestes casos, deverão correr durante um período muito longo, indeterminado.

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3. Análise do tratamento dos riscos (exemplos retirado da tabela do “Plano de contingência”)

3.1 O risco de desmoronamento do dique (“paredão”)

Descrição: “ risco… uma vaga de dois a três metros de altura percorreria o vale, inundando uma área de 23 km2 no caso do paredão E e de 27Km2 no caso do paredão W. Uma camada de matérias tóxicas de 10 cm de espessura recobriria os solos. As águas dos poços e nascentes seriam poluídas e deveriam ser proibidas durante pelo menos 3 meses. “

“Probabilidade: Baixa

Gravidade: Alta”

Custos: “Médios”

Medidas de “remediação” (reparação):

Remoção das lamas tóxicas e dos solos contaminados (relembrar: 10cm de espessura de lamas + camada de solos)

Preparação dum local e construção duma barragem para armazenamento das lamas tóxicas e solos contaminados e respectivo transporte.

Responsabilidade: Durante o período de laboração da mina (5 anos): responsabilidade da empresa; Após o encerramento da mina: “da entidade que será proprietária da barrragem de rejeitados”.

Observações:

(i) A designação da estrutura de retenção das lamas tóxicas como “paredão”, se bem que habitual, é enganadora por gerar uma falsa ideia de segurança. Com efeito, entende-se por “paredão” também a estrutura pesada de betão armado, construída com fundações profundas, solidamente ancorada nas rochas das encostas, como nas barragens hidroeléctricas (ex.: Alqueva). Esses “paredões” têm um grau de segurança incomparavelmente superior. No caso da “barragem de rejeitados” os “paredões” são tecnicamente apenas diques, dos quais um com mais de 500 metros de comprimento e 21 metros ade altura (equivalente a um imóvel de oito andares) e o outro com cerca de 400 metros de comprimento e com 14 metros de altura. Os diques não terão fundações em alvenaria, sendo construídos após simples escavação superficial por acumulação de rochas e terras compactadas, sem ancoragem nas vertentes laterais. O risco de “desmoronamento” é mal descrito. O acidente tanto pode resultar duma rotura parcial dos diques, como do deslizamento do conjunto sobre a base lisa do mesmo. Esta eventualidade é tornada mais provável pela própria impermeabiliação da barragem com a geomembrana.

(ii) A probabilidade do acidente é considerada “baixa”: já dissémos que não são fornecidas as bases estatísticas (os dados) que conduziriam ao cálculo dessa “probabilidade”. Mas os numerosos acidentes que têm ocorrido com “barragens” deste tipo (alguns deles mencionados na resenha doAnexo IX), como recentemente na Roménia (Baia Mare) e na Andaluzia (Doñana), devido à ruptura dos diques de contenção indicam que a “probabilidade” não pode ser considerada “baixa” sem demonstração conveniente.

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A estes exemplos de ruptura dos diques nas barragens de regeitados deveriam ser acrescentados muitos outros, entre outros, por ser recente (Outubro de 2010) e próximo de nós (Hungria, UE), o acidente da mina de alumínio de Ajka, Veszprém. A ruptura do dique libertou cerca de um milhão de metros cúbicos de resíduos líquidos (lamas tóxicas). Nos dias seguintes ao acidente, o primeiro-ministro húngaro evocou uma “multa de 70 M€” a aplicar à empresa. Note-se que para cobrir os custos, não sendo a empresa capaz de os assumir, o Estado húngaro nacionalizou a companhia (MAL Zrt) proprietária da mina: transfere-se para o público o risco privado e os seus custos, avaliados pelo governo húngaro em “dezenas de milhões de dólares”.

(iii) A gravidade deste risco é “alta”. Com efeito, prevê-se que tal acidente provocaria segundo o EIA, a inundação de “uma área de 23 km2 no caso do paredão E e de 27Km2 no caso do paredão W.” Ora “inundação” é um termo insuficiente. Com efeito, trata-se dum processo complexo de derrame, inundação, depósito de lamas tóxicas na superfície de 23 ou de 27 Km2, contaminação dos solos e águas subterrâneas e seu derramamento nas linhas de água, sobretudo na ribeira de São Brissos. O EIA não tem em conta os efeitos do transporte pelas ribeiras das lamas para jusante, contaminando também pelo menos o rio Sado.

(iv) Os custos são considerados “moderados”. Esta “avaliação qualitativa” (sic), não permite saber qual a equivalência de cada um dos graus da escala (Baixo, Moderado, Alto, Extremo) a uma ordem de grandeza dos custos em números absolutos, ou seja, do orçamento a prever em caso de acidente.

Esta determinação é indispensável, pois só ela permitiria a previsão dos orçamentos necessários e, por via de consequência, da avaliação da relação custos/benefícios do projecto mineiro.

Podemos contudo obter uma aproximação dos custos em números absolutos, se considerarmos os exemplos citados no “Plano de emergência”. Se os custos de remediação do acidente de Baia Mare (Roménia, 2000) provocados pelo aluimento do dique de contenção das lamas tóxicas forem considerados “extremos” e os da ruptura do dique de Doñana (Andaluzia, 1998), “altos”, teremos dois pontos de referência.

Na Roménia, Sérvia, Hungria (Baia Mare atingiu estes três países e milhões de pessoas), os custos terão sido da ordem das várias centenas de milhões de euros10. Na Andaluzia, o Estado Espanhol e a Autonomia Andaluza reclamam à empresa (sucursal de Rio Tinto) uma indemnização dos custos à altura de 185 milhões de euros e os cientistas avaliam os custos em 240 M€11. Ver também o caso de Ajka-Kolontar 2010 (custos avaliados num primero tempo em pelo menos 70 M€ e um ano depois em 472 M€12).

10 E estes custos foram causados por um derrame de “apenas” 100.000 m3 de água e 20.000 toneladas de lamas tóxicas. Na barragem de rejeitados prevista para a Boa Fé, o volume é de mais de 2 MILHÕES de metros cúbicos de lamas. Evan Vince et al. avaliam em “centenas de milhões de euros” os custos de Baia Mare.. Evan Vince, ed., 2008. Major Accidents to the Environment . A Practical Guide to the Seveso II Directive and COMAH Regulations. 2008 Elsevier Ltd. 11 Mas a avaliação pelos cientistas da Univ. de Granada é de 240 milhões de euros: Aguilar J., Dorronsoro C., Fernández E., Fernández J., García I, Martín F, Ortiz I., Simón M. El desastre ecológico de Aznalcóllar, University of Granada. Citado por Bianchini 2011. 12 Segundo “The Atlantic”: “One year later, damaged buildings have been razed, much of the land has been cleaned up, and MAL Hungarian Aluminum has been fined $647 million (472 million euros) for environmental damages.” http://www.theatlantic.com/infocus/2011/09/a-flood-of-red-sludge-one-year-later/100158/

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É lícito pensar que os custos “médios” podem encontrar-se num intervalo entre 45 e 90 milhões de euros (entre cerca de um quarto e cerca de metade dos custos “altos” de Doñana).

Quer seja esse o montante calculado ou outro próximo, trata-se de custos consideráveis, se atentarmos no facto que no estado actual do projecto, seria a colectividade a ter que arcar com a responsabilidade, visto que a empresa delcara que este risco não estará

coberto porque um seguro para estes riscos seria demasiado caro (ver abaixo, II. 5.2).

3.2 O risco de saturação da barragem de rejeitados e derramamento de substâncias tóxicas para jusante

O circuito de tratamento dos minérios na Boa Fé prevê uma reutilização duma parte dos efluentes que são vertidos na barragem de rejeitados, o que tem por objectivo alguma poupança de águas frescas. Sendo o objectivo “meritório”, este método acentua o risco de “overflow” da barragem no caso ocorrerem fortes precipitações. Foi esta a conjugação de factores que esteve na origem da ruptura da barragem de rejeitados de Baia Mare, e que a Taskforce europeia critica no seu relatório13. A barragem de rejeitados receberá directamente, durante a laboração da mina (5 anos) e nas décadas (na realidade, nos séculos) seguintes, enormes volumes de águas pluviais. A estas águas acrescentam-se:

- As águas que escorrerão pelas vertentes das margens dessa barragem, apesar da existência de drenos de desvio;

- As águas pluviais que, depois de atravessarem a barragem de estéreis (a montante) e depois de terem saturado a capacidade da bacia de recuperação da drenagem dessa barragem, serão enviadas para a barragem de rejeitados. Os volumes das águas pluviais que atingirão cada ano as duas barragens são enormes.

Dado que a área prevista da barragem de estéreis é de cerca de 37 Ha e a da barragem de rejeitados é de 32 Ha, obtemos uma superfície receptora de 79 Ha. Podemos referir-nos com mais propriedade a uma área total a 100 Ha (superfície estimada da bacia receptora das barragens), porque as superfícies adjacentes dificilmente poderão ser perfeitamente drenadas e desviadas das barragens.

Tomando como base uma estimativa prudente de 650mm14 anuais de precipitações, as duas barragens receberão cerca de 650 litros de água / metro quadrado / ano, ou seja, para 80 ha: 1.000.000 m2 X 65 = 650.000 m3 de água cada ano. Mesmo deduzindo a perda devida à evaporação (que o estudo avalia a 45%, mas este cálculo não é válido para fortes precipitações em curto espaço de tempo, nem para superfícies de escombros muito porosas em que a infiltração é imediata), estes volumes garantem uma rápida saturação da capacidade das bacias de retenção e da barragem.

Os próprios efluentes (resultantes de falhas de vedação ou infiltrações, refere o estudo), que serão recolhidos nos drenos previstos debaixo da geomembrana da barragem de regeitados (drenos de britas calibradas) serão enviados para a bacia de recolha.

13 Report of the International Task Force for Assessing the Baia Mare Accident, December 2000 14 O estudo refere 750mm / ano. Mas a repartição desta precipitação total no tempo é crucial, visto que a longos períodos de seca podem seguir-se episódios de chuvas torrenciais e saturação dos sistemas de escoamento, e uma evaporação mínima.

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Um “Canal de descarga”:

Os excedentes serão inevitavelmente vertidos para o ambiente (linhas de água e solos adjacentes, aquíferos), arrastando importantes quantidades de substâncias tóxicas. Está previsto no estudo da Golder Associates que assim seja, através da escavação dum canal de descarga directa, o que é inaceitável15, porque pressupõe o envio directo, sem tratamento, das águas contaminadas da barragem de rejeitados para as linhas de água a jusante.

Nada é referido quanto à estrutura (construção), dimensão exacta e inserção no conjunto do sistema, destas duas bacias de recolha (uma a jusante de cada dique da barragem de estéreis), nem da bacia a jusante da barragem de regeitados.

Acresce que está previsto que, aparentemente, apenas uma das duas bacias de retenção dos efluentes da escombreira seja equipada com um sistema de bombagem para retorno dos efluentes para a barragem de rejeitados. A bacia de retenção que se encontra a jusante do dique SE não parece ser tratada.

Previsão de incidentes: o EIA considera “baixa” a probabilidade de extravasamento da barragem de rejeitados, sem o demonstrar. Já em Baia Mare, a entidade responsável pelo ambiente, no respectivo Estudo de Impacte Ambiental avaliava tal ocorrência como totalmente improvável:

“The initial Environmental Impact Study carried out by ICIM2 on the AURUL project, stated that ‘the danger of the dam overflowing the embankment…in the event of heavy rainfalls is out of the question’. (Report TF Baia Mare 2000).

A ligeireza com que se afirma “improvável” uma ocorrência que apesar de tudo é muito provável, tem sido causa de numerosos acidentes. A sua frequência indica alta probabilidade (o que encarece os eventuais seguros).

Já o Comissário Europeu sublinhava: “Even if the rate of accidents is declining, every accident is one accident too many. We receive reports of some 20 to 35 major accidents

every year; and this is 20 to 35 too many.16” (Itálico meu).

15 “5.2.7 Spillway: A spillway will be excavated in the abutment of the main embankment to ensure that overtopping of the dam is avoided at all times. A spillway is to be designed to evacuate the peak flow induced by storm event assuming, in the long term, that all other water management features such as floating barge and diversion works are inoperative. The spillway is not expected to be used during the life of the facility as the tailings pond will be located away from the spillway intake structure and because the tailings beach will be slowly grading down from the embankment crest towards the tailings pond.” Girard, R. Golder Associates. 2008 - 14 - 07514150215/2 B.0 Golder Associates: 37. Itálicos meus. 16 http://europa.eu/rapid/press-release_SPEECH-11-325_en.htm : Janez POTOČNIK EU Commissioner for Environment: “Industrial disasters can be prevented by better implementation of EU law”. Budapest, 6 May 2011 Civic Seminar in the Shadow of Industrial Catastrophe. Estimativa corroborada por Martin T.E. & Davies M.P. (2000). Trends in the stewardship of tailings dams. AGRA Earth & Environmental Limited, Burnaby, B.C. Canada. Available at: http://www.infomine.com/publications/docs/Martin2000.pdf . Accessed: 17/11/2010. Citado por Bianchini, Flaviano. Mining industry and his impact on environment and health http://www.source-international.org/wp-content/uploads/2012/11/Mining-impact-on-envronment.pdf

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3.3 O risco de degradação da estrutura de impermeabilização da barragem de rejeitados

O projecto prevê a impermeabilização da barragem de rejeitados (relembremos: cerca de 2,5 milhões de metros cúbicos de lamas tóxicas), através da instalação duma “geomembrana” no fundo da barragem. Esta “geomembrana” seria protegida do contacto com as rochas subjacentes por um têxtil. A dupla estrutura deveria, teoricamente, garantir a ausência de infiltrações das substâncias tóxicas na base da barragem e a consequente contaminação das águas subterrâneas e/ou superficiais.

Todavia, as geomembranas não são eternas, enquanto as lamas tóxicas o são.

Os peritos reconhecem que ainda não existem elementos suficientes para fundamentar estimativas da durabilidade das geomembranas, mas alguns (Pons, Thèse Univ. Paris-Est, 11-03-2013) avançam com uma estimativa de 25 a 40 anos de vida útil dessas membranas17. Pons sublinha que a legislação francesa obriga as empresas a uma vigilância de trinta anos, mesmo tratando-se de armazenamento de resíduos “não perigosos” (ISDND)18. Quatro tipos de causas estão geralmente na origem da ruptura das geomembranas: - Defeitos das soldaduras das folhas (aqui, para cobrir cerca de 370.000 m2). - Perfuração por contacto com fragmentos agressivos de rochas; - Degradação por ataque pelas substâncias químicas encerradas nas barragens (ataque químico do PE e lixiviação). - Degradação devida à acção de agentes biológicos (biodegradação). - Degradação pela acção das radiações solares nas partes emersas, não recobertas pelas lamas tóxicas. As próprias geomembranas, ao degradarem-se, libertam substâncias ecotóxicas (Farcas et al., 2011).

Independentemente de qualquer acidente que possa ocorrer entretanto, existe portanto a expectativa de que a geomembrana deva ser substituída ao fim dum período mais ou menos longo. Ora, a substituição in situ é impossível, pelo que será com toda a certeza necessário construir uma nova barragem, a jusante da primeira, para recolher as lamas

17 “Les avancées de la recherche sont incontestables. Pourtant, ces matériaux dont la fonction principale est l’étanchéité, de manière durable et face à toutes sortes de sollicitations, sont encore incomplètement connus, en particulier sur le plan de l’estimation de leur durée de vie réelle.” [31] […] “Actuellement, la durabilité des géomembranes ne peut être appréciée précisément. En effet, les études sur ce point essentiel sont longues et on manque pour l’instant de résultats d’expériences, en laboratoire ou sur site. Le vieillissement des géomembranes est dû à de nombreux facteurs tels que la température, le rayonnement UV, les produits chimiques, et les contraintes mécaniques, dont la prédominance varie considérablement d’un ouvrage à l’autre. De plus, la résistance à ces agents vieillissants dépend à la fois du type et de la formulation (composition en polymères, adjuvants...) de la géomembrane. (…) Certes de nombreux ouvrages, hydrauliques notamment, ne présentent pas de signes de désordre après plus de 20 ans de service. Quelques-uns ont cependant mis en évidence un vieillissement inattendu de la géomembrane.” Lambert, 1997. [38] Sublinhado meu. 18 “Il est à souligner qu’après la fin de l’exploitation des ISDND, il existe une obligation réglementaire (arrêté ministériel du 09/09/97 modifié) de suivi du site sur une période d’au moins trente ans. Cependant, dans la dynamique du développement durable, l’obligation de suivi ne dispense pas de se poser la question du devenir post-trentenaire de ces ouvrages.” (p. 6). A autora sublinha que na sua tese de doutoramento está a examinar o comportamento das geomembranas em Polietileno Alta Densidade apenas nos casos de armazenamento de “resíduos não perigosos” (Déchets Non Dangereux) Pons, Carlota, 2012. A prudência exigida pelo armazenamento de produtos altamente perigosos é obviamente muito maior ainda, porque estes são muito mais agressivos.

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tóxicas da barragem de rejeitados que prevê o projecto. A incerteza concerne exclusivamente ao prazo dentro do qual essa obra deverá ser efectuada19.

A realização da nova barragem e do transvase das lamas ficaria, se o projecto fosse avante e conforme nele se afirma, a cargo das futuras “entidades proprietárias da barragem de rejeitados”, após o encerramento da mina, ou seja, das colectividades. Uma obra desta envergadura (e comportando o tipo de riscos toxicológicos que vimos) custaria sem dúvida vários milhões de euros. Seria necessário dispor duma avaliação antes do início do projecto.

3.4 Custos directos dos riscos industriais

A monitorização e a manutenção das estruturas

O EIA enumera com algum pormenor um conjunto de acções que devem ser empreendidas pela empresa mineira durante a laboração e pelas colectividades durante esse mesmo período e apenas pelas colectividades durante o período pós-encerramento (pelo menos um século e sem dúvida mais, cf. Exemplos nos EUA).

As acções de monitorização são enumeradas no EIA, mas não são comunicados quaisquer cálculos dos custos a elas associados.

Quanto à manutenção, que consiste em remediar aos problemas decorrentes do envelhecimento e desgaste das estruturas, inclui um conjunto de obrigações cuja incidência é certa e os custos elevados. Entre as acções sumariamente indicadas no EIA, estão:

- O desentupimento e restauração dos canais de drenagem das águas pluviais a montante das barragens e dos canais de escoamento dos efluentes para as bacias de recepção,

- O controlo do nível das águas contaminadas nestas bacias e sua eventual transferência para centros de descontaminação,

- O tratamento das águas e dos efluentes que existirão até na ausência de acidente de grande dimensão, tal como será exigido pelas medidas efectuadas.

A avaliação destes custos é absolutamente crucial para termos uma base objectiva para decidir do interesse e até da viabilidade deste projecto para as colectividades.

Para este projecto, seria essencial que os custos de monitorização e de manutenção fossem claramente avaliados e que fossem designadas sem ambiguidade as entidades responsáveis que devem assumi-los.

Isto porque os custos de manutenção têm-se revelado de tal modo elevados, que certas colectividades, após terem sido obrigadas a suportar esses custos em certas minas, começaram e exigir que os futuros projectos sejam garantidos de modo a serem sem custos de manutenção para a colectividade, o que tem motivado certos Estados dos

19 Escrevem Farcas et al. (2011): “Malgré les nombreux travaux menés sur la dégradation des géosynthétiques dans les ISDND, aujourd’hui, il n’existe pas d’outil de prédiction de leur durée de vie. Cette lacune s’explique par le fait que la plupart des études qui portent sur la durabilité des géosynthétiques d’une part n’intègrent pas l’ensemble des mécanismes de vieillissement (physicochimique, mécanique et biologique) et d’autre part se basent sur des méthodes empiriques (loi d'Arrhenius ou utilisation d’un facteur d’accélération,...) qui peuvent conduire à des extrapolations hasardeuses. De plus, la quantification des paramètres de transfert dans les géosynthétiques n'a été effectuée jusqu'ici que pour des matériaux vierges.” Farcas F. et al. 2011.

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EUA para exigirem que as companhias mineiras subscrevam apólices de seguros completas e suficientes.

3.5 Conclusão: falta a transparência dos interesses dos autores dos estudos

Todos os “cálculos” de probabilidade e de gravidade dos riscos de que decorrem as observações que fizemos são da autoria duma empresa contratada pela empresa mineira, ou de técnicos a quem a empresa encomendou estudos. O problema é flagrante no EIA, nos planos de contingência, etc. Sem pôr em causa directamente a idoneidade dos autores, é legítimo constatar que não fizeram a devida declaração de interesses e que os dados podem estar enviesados no sentido de minimizar probabilidade ou gravidade dos riscos, a fim de não comprometer a viabilidade económica e política do projecto mineiro que lhes paga os trabalhos. Esta dúvida é reforçada se atentarmos no que a seguir se verá quanto à relação rsicos / custo dos seguros.

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II. Riscos económicos da Mina da Boa Fé

Síntese

Definimos como “riscos económicos” do projecto de mina na Boa Fé todos os riscos cuja causa é um acontecimento económico: mudança dum parâmetro financeiro ou comercial que põe em perigo a laboração, a continuidade do projecto ou a sua adequada conclusão.

É perfeitamente óbvio que a interrupção do projecto mineiro em qualquer momento após o início dos trabalhos por motivos económicos deixaria o ambiente gravemente danificado, e as colectividades perante a impossibilidade de reclamar responsabilidades a empresas que entretanto teriam falido.

Todas as operações previstas acarretam riscos específicos, graves cuja remediação, a ser possível, seria extremamente cara: remoção do sobral e dos solos, escavação das cortas; depósito de escombros, e na fase de laboração, de resíduos tóxicos, etc., comportam enormes riscos.

Quanto ao cumprimento dos compromissos ambientais, nomeadamente o encerramento correcto da mina e reposição ambiental (PARP), eles só poderiam ser cumpridos se a empresa continuar activa e solvente até à conclusão total do ciclo (dois anos após encerramento da mina).

As garantias que a empresa dá quanto à fiabilidade dos compromissos assumidos são claramente insuficientes, para não dizer inexistentes. São as próprias declarações oficiais da empresa que o provam.

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II. Riscos económicos da Mina da Boa Fé

Tal como dissémos para os riscos industriais, os riscos económicos têm repercussões sobre um conjunto alargado de domínios: ambientais, de saúde pública, sociais, etc.

Vale a pena destacar as causas económicas de riscos porque os fenómenos económicos têm a sua lógica própria, e um projecto que pode estar controlado do ponto de vista técnico pode entrar em colapso por razões económicas, causando danos graves ao ambiente e às populações, como é o caso nas dezenas de abandonos de minas em Portugal (Mirão J. e Candeias, A. 2007; Carvalho D. 2011).

Num esquema simplificado, vamos destacar os riscos financeiros, a montante do processo de laboração e os riscos comerciais, a jusante desse mesmo processo.

1. Riscos financeiros

Os “Riscos financeiros” são os que resultam da incapacidade eventual da empresa para angariar os recursos financeiros necessários para o lançamento do projecto, e para a sua sustentação até ao encerramento20. Tal incapacidade poria em causa o respeito pela empresa dos seus compromissos.21

Estes riscos avaliam-se tendo em conta dois parâmetros que se referem aos mercados financeiros: a capacidade para praticar aumentos de capital (necessários para assegurar o lançamento e o funcionamento do projecto industrial), e a valorização na Bolsa dos activos existentes.

a) Angariar novos fundos

No que concerne à capacidade da empresa Colt Resources (a seguir: “Colt”) para angariar novos fundos, as auditorias externas que têm vindo a ser feitas a fim de respeitar a obrigação de transparência imposta às empresas canadianas cotadas em Bolsa afirmam reiteradamente que existe um forte grau de incerteza, considerando que se trata duma actividade que “deve ser considerada especulativa” (ver nota 19). Esta

20 “RISK MANAGEMENT : This MD&A and the Company’s financial statements have been prepared in accordance to International Finance Reporting Standards (IFRS) as applicable to going concerns. However, certain facts and circumstances may cause a significant doubt on the reasonableness of this assumption. The Company is currently pursuing financing alternatives to fund its operations and to continue as a going concern. Although there are no assurances that the Company will be successful in these actions, management is confident that it will be able to secure the necessary funding. Exploration : Exploration and mining involve a high degree of risk and as such, the Company and the securities of the Company should be considered to be speculative in terms of their investment risk assessment. The development of a resource property is subject to many factors, including the cost of mining, variations in the quality of the material mined, fluctuations in the commodity and currency markets, the cost of processing equipment and others, such as aboriginal claims and government regulations, including regulations regarding royalties, authorized production, import and export of natural resources and environmental protection.” Colt Resources, SUMMARY OF QUARTERLY RESULTS / December 31, 2012. (Itálicos meus). 21 Os relatórios financeiros da Colt distinguem de modo mais técnico, no âmbito dos riscos financeiros os Riscos de crédito, Riscos de liquidez, e Riscos de mercado (ver Anexo). Aqui simplificamos.

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dúvida é enunciada em todos os documentos na síntese de abertura, e é fundamentada em Notas específicas nos relatórios de auditoria22.

b) Valorizar as acções da empresa na Bolsa

A valorização das acções da empresa Colt na Bolsa tem um duplo significado: primeiro, ela garante, ou não, a salvaguarda dos valores investidos pelos accionistas; segundo, ela incita, ou não, novos investidores a investir na empresa, dando boas ou más perspectivas de conservação dos activos e de valorização positiva.

A Colt está, a este respeito, numa situação difícil. As acções da Colt perderam 24,6% do seu valor nas 52 semanas que antecedem Agosto de 2012; e perderam 46,2% do seu valor nas 52 semanas que antecedem Março de 201323.

A situação da Colt Resources é portanto bastante difícil. Uma ruptura do financiamento não seria surpreendente, como se depreende dos textos da empresa já citados nas notas 21 e 22 e do que transcrevemos na seguinte nota24. Extraiamos uma curta citação que não dispensa a leitura da nota:

“These recurring losses and the need for continued financing to further successful exploration raises substantial doubt as to the Company’s ability to continue as a going concern”. Colt Resources, Setembro de 2012. (Sublinho).

Conclusão: os textos das auditorias não são susceptíveis de outra interpretação: o risco de ruptura financeira é óbvio… e anunciado.

2. Riscos comerciais

Os riscos comerciais derivam da incerteza quanto ao valor de mercado do produto da actividade da empresa que é, no presente caso (MBF), o ouro.

Os documentos da empresa que fundamentam a viabilidade e a rentabilidade do projecto adoptam como valor de referência para a onça de ouro 1500€ /Oz.

22 Colt Resources, Nov.28, 2012.“LIQUIDITY AND CAPITAL RESOURCES. The Company does not

have sufficient liquidity to meet its exploration, evaluation and development plans is currently incurring operating losses. Additional capital will be required to continue exploration and evaluation activities on the properties.” http://www.coltresources.com/sites/default/files/gtp-093012_q3_mda.pdf 23 As duas séries de perdas não podem ser adicionadas directamente, porque entre os dois períodos há sobreposição parcial (de seis meses). Mas a tendência constatada não só se manteve como se agravou numa medida inquietante. A fonte destes números é o “Comparador Canadiano”, uma ferramenta de acompanhamento da evolução do valor da empresa na Bolsa de Toronto, que se encontra disponível na página oficial da Colt. 24 “Mineral exploration and development is highly speculative and involves inherent risks. While the rewards if an ore body is discovered can be substantial, few properties that are explored are ultimately developed into producing mines. There can be no assurance that current exploration programs will result in the discovery of economically viable quantities of ore. The Company’s ability to continue as a going concern is further dependent on being able to obtain the necessary financing to satisfy its liabilities as they become due. Management believes that the Company has the ability to raise sufficient funds to pay for its ongoing operating expenditures, meet its liabilities for the ensuing year as they fall due, and to fund cash payments for planned exploration programs. There can be no assurances that management will be

successful in securing adequate financing. The Company reported net losses for the nine-month periods ended September 30, 2012 and September 30, 2011 of $6,550,321 and $6,296,670 respectively. These recurring losses and the need for continued financing to further successful exploration raises substantial doubt as to the Company’s ability to continue as a going concern”. Colt Resources, Condensed Interim Consolidated Financial Statements, September 30, 2012. (Itálicos meus).

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Como se tem verificado com alguma frequência, a actividade de extracção mineira de matérias-primas está fortemente dependente das variações das cotações dessas matérias. Em períodos de preços altos (com perspectiva de aumento), a actividade torna-se rentável e atraente. O contrário se produz caso a tendência se inverta. A inversão da tendência para a baixa dos preços pode comprometer a viabilidade das minas.

O período que precede o presente assinala um forte crescimento do valor do ouro no mercado e apresenta alguma analogia com o início da década de oitenta. A crise asiática provocou incerteza quanto à estabilidade dos valores mobiliários, as perdas bolsistas foram importantes, e o ouro actuou como valor-refúgio. Num período de dois anos o valor do ouro praticamente duplicou. Mas logo a seguir, com o regresso de alguma confiança nos valores mobiliários (e o crescimento da economia real), em menos de ois anos o ouro vai perder quase metade do seu valor, anulando a precedente subida espectacular25.

Enquanto a subida tinha lançado novos projectos de minas, a descida vai provocar falências e abandono de numerosas minas, o que em si nada tem de estranho: é a lógica comercial (do mercado do ouro) que o determina com toda a normalidade.

No caso da MBF, a incerteza resulta da evolução, fundamentalmente imprevisível, das cotações do ouro. Ora, a Colt construiu o seu projecto sobre uma hipótese muito optimista, visto que adopta como valor de venda do ouro eventualmente produzido 1500€/Oz, ou seja, utilizando a taxa de conversão que o estudo utiliza (1US$= 1,338€), um valor de 2007US$/Oz.

A cotação actual (23 de Março de 2013) é de 1608$/Oz (ou seja, 1238,45 euros), o equivale a apenas 80% do valor de venda previsto no projecto e tem estado a baixar: 4% em doze meses, 10% nos últimos seis meses26.

Sendo os empreendimentos mineiros de ouro muito sensíveis às variações das cotações, a pergunta incontornável é a seguinte: qual é o nível de valor do ouro abaixo do qual a exploração deixa de ser rentável, e as minas devem fechar?27

O carácter altamente “especulativo” (cf. Notas 20 e 24) da actividade e a sua relação com os riscos financeiros é aliás relembrado em vários relatórios emitidos pela empresa, de que vale a pena ler um longo excerto.28

3. A fiabilidade das empresas, e as garantias financeiras

3.1 A estrutura empresarial e as garantias de capital

As empresas que tiveram nos dois anos passados (Eurocolt Resources, Unipessoal L.da) ou têm na actualidade29 a propriedade da concessão da Boa Fé (Aurmont Resources, Unipessoal L.da), são filiais detidas a 100% pela empresa canadiana Colt Resources Inc.

25 Ver gráfico em anexo. 26 Fonte: http://france-inflation.com/cours_de_l_or_historique_et_actuel.php Em 2-04-2013: 1598$ /Oz 27

“Depending on the price of the natural resource produced, the Company may decide not to undertake

or continue commercial production. There can be no assurance that the expenses incurred by the Company to explore its properties will result in the discovery of a commercial quantity of ore. Most exploration projects do not result in the discovery of commercially viable mineral deposits.“ Colt Resources, SUMMARY OF QUARTERLY RESULTS / December 31 2012. (Itálicos meus). 28 Ver nota 19. 29 A Eurocolt obteve a concessão mineira da Boa Fé e vendeu-a à Aurmont (a outra filial da mesma empresa-mãe) nos meses que seguiram a obtenção da concessão.

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Estas empresas de “responsabilidade limitada” têm, cada uma, um capital de 5.000€: este é o limite da sua “liability”, ou seja da responsabilidade que lhes pode ser imputada, tanto no caso das consequências “normais” neste tipo de projectos, como em caso de acidente.

Em caso algum a sociedade-mãe pode ser responsabilizada por qualquer consequência da actividade de qualquer uma das suas filiais30.

Ainda assim, a auditoria efectuada em 2011 à Colt Resources por entidades independentes (para garantia dos investidores na Bolsa de Toronto), exprime liminarmente o “going concern” (a preocupação actual) de que a Colt, enquanto “Junior entreprise” (pequena empresa) não seja capaz de angariar os fundos de que vai precisar para continuar em actividade.

Na estrutura empresarial surge uma dúvida quanto ao estatuto (financeiro, comercial e fiscal) dos fundos que têm sido utilizados para pagar os trabalhos de prospecção e seriam investidos se o projecto mineiro viesse a realizar-se.

Como é que uma empresa com 5000€ de capital social pode dar entrada a centenas de milhares de euros e gastá-los em seu próprio nome?

Quem paga e como é que esse dinheiro dá entrada na contabilidade da filial portuguesa (Aurmont), e quem será proprietário dos equipamentos (50M€?) e das instalações?

Uma lacuna preocupante é a de excluir dos relatórios financeiros a publicação das contas (transferências, pagamentos, créditos) entre a Colt empresa-mãe canadiana e as suas filiais “portuguesas” (Eurocolt e Aurmont)31.

A quem pertencerá a mina, nestas condições? Quem será responsável pelas barragens?

Estas questões terão que ser colocadas à empresa.

A questão essencial é a da confiança que merecem as promessas da empresa, contidas em todos os documentos de apoio ao pedido de licenciamento, em todos os aspectos da actividade (laboração “normal” e seus riscos, riscos de acidentes, execução efectiva do “caderno de encargos” do PARP, custos de longo prazo após encerramento da mina).

Estas dúvidas são tanto mais justificadas que a Colt está ligada às empresas de que são os últimos avatares duma longa série de falências de empresas relacionadas com elas (Tamaya, Iberian, etc.). Essas empresas desaparecem sem deixar rasto (caso, em Portugal, da falência da Iberian Resources32).

30 O recente julgamento da queixa dos habitantes da região do delta do Niger (na Nigéria) contra a Dutch Shell na Holanda confirma essa doutrina: é apenas a (minúscula) filial local da Shell que pode ser responsabilizada. 31 “Balances and transactions between Colt Resources Inc. and its subsidiaries, which are related parties of Colt Resources Inc. have been eliminated on consolidation and are not disclosed in this note. Details of transactions between the Group and other related parties are disclosed below.” Colt Resources, 2011. Audited Consolidated Financial Statements December 31, 2011 and March 31, 2011.[39] (Sublinho). http://www.coltresources.com/sites/default/files/123111_ifrs_audited_fs_december_2011_final.pdf 32 Ela própria era uma sociedade Unipessoal de responsabilidade limitada, com capital social de 5000€. O esquema actual é precisamente o mesmo.

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4. Responsabilidades, seguros

Duas noções essenciais têm vindo a impor-se quanto aos riscos industriais, entre os quais, em primeira linha, os derivados da actividade mineira:

- A primeira é a de que as companhias devem subscrever seguros que cubram todos os riscos que provocam. Esta noção impôs-se primeiro nos EUA e está a ser adoptada pela União europeia.

- A segunda é a de que as companhias privadas que exploram as minas devem ter a responsabilidade total de todos os riscos que a sua actvidade causa. O que encontra o obstáculo da fraca duração das companhias (falências, restruturações, extinção) e incita a exigir cauções financeiras a priori.

Mas como veremos, nem a primeira é fácil de realizar, nem a segunda resolve de modo total os riscos de incidentes ou acidentes.

4.1 Obrigatoriedade de seguros para qualquer projecto mineiro

Seguem-se alguns exemplos e referências quanto à tomada de consciência e adopção de medidas de obrigatoriedade de seguros.

“Closure costs for a mine fall into two separate categories. The first is the cost of reclamation of the site. This involves filling in holes, planting vegetation, and attempting to restore the land to its pre-mining state as much as possible. The second is the cost of long-term water monitoring and treatment at the site. This second cost is likely to be much larger and more difficult to calculate. Some researchers who study mines across the country warn state regulatory agencies against permitting projects that will require long-term or perpetual water treatment. “…The financial risk to the public involved with permitting a mine that calls for treatment of water in perpetuity is poor public policy.33”(Itálicos meus).

Por conseguinte, o aumento das garantias pelos seguros, mesmo tendo sido considerável, não liberta as comunidades de todos os custos de manutenção: “Some states are pursuing higher levels of financial assurance to adequately address water pollution problems and long-term water treatment. New Mexico, after experiencing significant pollution problems from two of its sulfide mines, increased financial assurance for the two mines to roughly $400 million each. Montana is another state that, after significant mining pollution experiences and financial liabilities, increased financial assurance amounts that ranged from 50 to more than 10,000 percent.

While these are large sums of money, they sometimes still do not cover the full amount of the calculated liability. In other words, pollution issues could be to such a degree that even these sums of money cannot adequately clean them up. For example, while the New Mexico mines mentioned above have a combined financial assurance of about $820 million, estimates of the collective liability for these mines suggest an amount greater than $1.5 billion.34” (Itálicos meus). A Mining Truth Report, Minnesota Center for Environmental Advocacy, May 2012: 27.35

33 Chambers, D.M., 2013. O autor acrescenta: “The best policy for an agency with the responsibility for water protection is to deny any application for a mine that includes a requirement for long-term water treatment. If a prediction of an end date on which treatment will no longer be required cannot be made with a reasonable degree of certainty, then a discharge should not be allowed to begin. The long-term risk to the public, who is the ultimate guarantor for any long-term cleanup, is too great.” (Itálicos meus). 34 KUIPERS, Jim. 2003. March 2003. 35 http://www.miningtruth.org/faq-sulfide-mining-minnesota-truth-report.pdf

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Por seu turno o Relatório da Task-Force Internacional, Lessons Learnt from industrial accidents36 indica, como uma das “lições aprendidas” depois de Ajka-Kolontar 2010: “In order to better avoid the problems resulting from such an accident, the Hungarian government realised it must be compulsory for all companies who are dealing with hazardous material to have insurance covering for such incidents as well.” (Itálicos meus).

No mesmo sentido, citemos de novo o Comissário Europeu: “Next, liability issues: The 'polluter pays' principle is guiding our decision-making with regard to the liability issues. This means that the owner or operator of an industrial installation should be held liable for any damage caused by that installation independent of any possible personal responsibilities or insurance coverage. The Commission is therefore concerned to make sure that the affected population and the industry at risk is covered by appropriate insurance schemes. Can you insure against accidents of this scale? Yes, industrial accidents are insurable, even severe accidents on the scale of the Hungarian case, or the BP incident in the Gulf of Mexico. This is what the insurance companies tell us. The products they offer in the markets are not capped, so they could cover extreme or severe losses. Having said that, this does not prevent the insurance company checking afterwards into whether the company applied good management, and whether it followed all the risk protocols. Our environmental liability directive in its current form does not impose financial schemes to cover for damage due to such accidents. But to be clear the environmental liabilities are generally insurable. Any company has to face its potential liabilities and must therefore purchase the right product, to be covered.”37

4.2 As garantias pelas provas dadas

Outro exemplo de implementação do princípio de precaução é o da lei dita “Prove primeiro [que a empresa é capaz de gerir uma mina que não polua]”: “The public awareness raised over the Crandon Mine in the late 1990s helped bring about the passage of a law in Wisconsin that some have dubbed the “Prove It First Law.” In 1998, Wisconsin passed a moratorium for opening new sulfide mines until a similar mine could be demonstrated elsewhere that had been operating for ten years and closed for ten years without having created acid mine drainage. Before the Crandon mine was defeated, the mine company sought to meet this burden of proof, providing three example mines.

The Wisconsin Department of Natural Resources found two of the mines did not meet the requirement for having been open and closed for ten years. The third mine was rejected for failing to show it had not operated without creating pollution.

Since that time, no new sulfide mines have been proposed.” (ibid.: 28). A Mina da Boa Fé também é uma mina de sulfuretos…

Em conclusão, a obrigatoriedade da detenção pela empresa mineira duma apólice de seguros que cubra o maior leque possível de riscos e garanta danos de grande ou muito

36 IMPEL Seminar, Aix-en-Provence, 16 and 17 November 2011. IMPEL- French Ministry for Sustainable Development - BARPI – DREAL Rhône-Alpes & DDPP Loire 37 http://europa.eu/rapid/press-release_SPEECH-11-325_en.htm Reference: SPEECH/11/325 Event Date: 06/05/2011.

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grande imortância (que podem atingir as centenas de milhões de euros), sendo indispensável, só é realmente efectiva enquanto a empresa existir e… pagar o seguro.

Caso vá à falência (como é frequente), o custo do seguro e os riscos deixam de lhe poder ser imputados. Deixa de haver interlocutor a quem imputar os custos, que assim revertem para as colectividades.

5. Seguros: a posição da empresa Colt Resources

5.1 Riscos que seriam cobertos por seguros

Os dados fornecidos pelos documentos da Colt são parcos, mas elucidativos. São mencionados como devendo vir a ser cobretos por seguros específicos, os seguntes riscos (seguem citações literais):

“14.2.8 Fretes / Seguros sobre o Frete Os gastos com frete e seguro de frete para os equipamentos mecânicos, equipamentos de mina, elétricos caldeirarias e estruturas metálicas foram estimados com base em um percentual calculado sobre o valor do fornecimento, considerando 3,5% sobre o fornecimento de equipamentos e materiais previstos.

23 Fretes e Seguros de Fretes % 3.5% 773.743€” Nota: enquanto a soma dedicada a este seguro é relativamente importante, a descrição omite os riscos derivados do transporte de matérias tóxicas e perigosas (reagentes químicos da origem – porto de? – para a BF, “concentrado de ouro” da BF para Aljustrel, e ainda o transporte dos explosivos).

“14.2.9 Seguros de Risco de Engenharia Adotou-se o valor correspondente a 0,5% do custo total do empreendimento, excetuando-se apenas as contingências, valor este baseado em projetos similares.

31 Seguro de Risco de Engenharia % 0.50% 195,858 [35]”

“14.2.13 Seguros de Riscos de Engenharia O seguro de risco de engenharia é destinado a garantir, até ao valor definido como “Limite Máximo de Indenização”, o pagamento de indenização decorrente dos prejuízos sofridos durante a construção, assim como os danos que possam ser causados a terceiros. Foi adotado para essa rúbrica o valor correspondente a 0,5% do custo total do empreendimento.” [34]

São, aparentemente os riscos de laboração, sem especificação. Mas a referência a “danos a terceiros” torna o montante previsto (0,5% do total) absolutamente desadequado38. Para um custo total (mencionado nos documentos da Colt) de cerca de 100M€, 0,5% seria igual a 500.000€.

38 Veja-se ainda a afirmação seguinte: “The Company or its Portuguese subsidiaries may be required to compensate those suffering loss or damage by reason of its mineral exploration and mining activities and may have civil or criminal fines or penalties imposed for violations of such laws, regulations and permits. The Company is not currently covered by any form of environmental liability insurance. See “Insurance and Uninsured Risks”, below.” (Sublinho; Ref.: Ver nota 39).

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5.2 Riscos não cobertos pelos seguros

Embora seja pouco cómodo para os leitores portugueses ter que ler o texto em inglês, enquanto não temos tempo para o traduzir na integralidade, aqui vai, extensivamente citado, o original.

“Risks not covered by insurance

The Company’s business is subject to a number of risks and hazards generally, including adverse environmental conditions, industrial accidents, labour disputes, unusual or unexpected geological conditions, ground or slope failures, cave-ins, changes in the regulatory environment and natural phenomena such as inclement weather conditions, floods and earthquakes. Such occurrences could result in damage to mineral properties or production facilities, personal injury or death, environmental damage to the Company’s properties or the properties of others, delays in mining, monetary losses and possible legal liability.

Although the Company maintains insurance to protect against certain risks in such amounts as it considers reasonable, its insurance will not cover all the potential risks associated with a mining company’s operations.

The Company may also be unable to maintain insurance to cover these risks at economically feasible premiums. Insurance coverage may not continue to be available or may not be adequate to cover any resulting liability.

Moreover, insurance against risks such as environmental pollution or other hazards as a result of exploration and production is not generally available to the Company or to other companies in the mining industry on acceptable terms. The Company might also become subject to liability for pollution or other hazards which may not be insured against or which the Company may elect not to insure against because of premium costs or other reasons. Losses from these events may cause the Company to incur significant costs that could have a material adverse effect upon its financial performance and results of operations. [19]”

39

Destaco particularmente (traduzindo):

“A empresa poderá também ser incapaz de sustentar seguros para cobrir estes riscos [próprios da indústria mineira] a preços economicamente viáveis. A cobertura por seguros pode deixar de estar disponível ou poderá não ser adequada para cobrir todos os custos que podem ocorrer”.

Acresce que o seguro contra riscos tais que poluição ambiental ou outros danos resultantes da prospecção e da produção não está, em geral, disponível em termos aceitáveis para a Empresa ou para outras empresas da indústria mineira.”

“A empresa poderá também ser responsabilizada pelos custos de poluição ou outros perigos contra os quais não terá seguros, ou contra os quais a Empresa pode decidir não ter seguros por causa [dos custos] dos prémios dos seguros, ou por outras razões”.

Este texto deve ser lido em quatro planos:

a) Sendo destinado aos investidores, ele cumpre uma obrigação legal (canadiana) de transparência em relação aos investidores actuais e potenciais: ficam prevenidos;

b) Ele reconhece claramente que os grandes riscos existem, que não são tão improváveis como o sugere o EIA, e que a eventualidade da sua efectivação teria dimensão catastrófica (excedendo a capacidade da companhia e dos seus seguros);

c) Reconhece-se que a exclusão dos seguros para este tipo de riscos deriva directamente dum cálculo económico perfeitamente racional: o risco tem probabilidade alta e gravidade extrema (por isso os seguros seriam excessivamente

39 COLT RESOURCES INC. MANAGEMENT’S DISCUSSION & ANALYSIS OF THE FINANCIAL CONDITION AND RESULTS FROM OPERATIONS. Management’s Discussion & Analysis For The Three and Nine Months Period Ended September 30, 2012 and September 30, 2011. (Page 14 of 21); Colt Resources, SUMMARY OF QUARTERLY RESULTS / December 31 2012. Itálicos meus.

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caros, pelos critérios da empresa). O que nos obriga a reler as “avaliações” da probabilidade e da gravidade dos riscos elencados como acima vimos40.

d) Estando ausente dos projectos submetidos ao Estado e ao público portugueses, ele omite um aspecto que é ainda mais essencial para a sociedade local do que para os investidores: é recusada a cobertura pelos seguros dos riscos mais graves (ver n. 38).

5.3 Garantias financeiras

Uma modalidade complementar (e não alternativa) em relação à obrigatoriedade do seguro é a garantia financeira através do depósito de capitais em nome das autoridades (Estado, ou outras colectividades territoriais). Estes depósitos, cativados como garantias de boa execução dos projectos (normas de laboração, plano de encerramento, planno de reposição ambiental, etc.), e garantias contra custos devidos a acidentes.

No médio e longo prazo (neste projecto, após os cinco anos de laboração da mina), a garantia deve servir para acautelar os custos de monitorização e de manutenção das estruturas restantes, de construção de estruturas que venham a ser necessárias por causa da existência da mina encerrada (nova barragem de rejeitados, ETAR, etc.).

Só assim se previne o efeito perverso de transferência dos elevados custos derivados da existência da mina encerrada, para as colectividades. A informação que temos é imprecisa e duvidosa: o depósito de garantia efectuado pela empresa junto do Estado português seria dum montante compreendido entre 300 e 400.000€: uma soma absurdamente insuficiente, face ao que acima demonstrámos.

Um montante mais correcto partiria do cálculo dos custos de manutenção normal do sítio da mina nos próximos 40 anos. Esse orçamento não foi calculado. A esse montante, conviria adicionar um montante de garantia contra os riscos de acidente, no caso de falência da empresa (risco financeiro → risco de acidente).

O EIA afirma: “o perigo de ruptura da barragem permanece e o risco que envolve perdurará por muitos anos”41. Mas não se calcula nem esse risco, nem os custos que envolvem a sua presença e os seus efeitos caso o acidente se verifique. O que se diz é que a responsabilidade recairá na “entidade que for proprietária da barragem”42, remetendo a “decisão” sobre o que fazer para a “entidade licenciadora”43

Mas quem quer ser o proprietário de semelhante bomba ecológica?

40 O cálculo do preço da apólice de seguros segue a fórmula seguinte: Probabilidade*Gravidade do risco. Ou seja, Custo do seguro = f(PR*GR). Se as seguradoras exigem preços elevados, é porque na sua própria avaliação a probabilidade do acidente e/ou a gravidade dos danos são mais elevadas do que pretende A Colt. 41 "Dams are like baby boomers," the University of Wisconsin's Stanley said. "They get old, they age, and they begin to show signs of deterioration. Without inspection and regular repairs and maintenance, I think it's highly likely that we'll see more of these [failures] in the future." http://news.nationalgeographic.com/news/2010/10/101012-toxic-spill-hungary-danube-river-water/ 42 Esta expressão levanta uma dúvida de natureza jurídica: a quem pertencem os terrenos das barragens, e para quem será “transferida a propriedade” desses terrenos – e das barragens – após encerramento da mina? Questões para as quais não temos actualmente qualquer resposta. 43 “Relativamente às matérias que se relacionam com a escombreira e com a barragem de rejeitados, competirá à entidade licenciadora destas duas infra-estruturas, decidir sobre a continuidade dos procedimentos técnicos de controlo e monitorização, após o encerramento, no cumprimento de exigências ambientais, conforme o disposto no DL 10/2010, de 4 de Fevereiro.” Ibidem, [145]. Diferente mas mais claro, afirma o RNT-Vol_I “O Plano de Monitorização será implementado durante a vida útil da mina e após a sua desactivação, durante o prazo que as entidades públicas competentes considerarem necessário.” EIA_BOA FÉ_vol.I_RELATÓRIO SÍNTESE [35].

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Conclusão geral 1. Quanto aos riscos industriais, provocados pela instalação, pela laboração e pelo encerramento da mina e com impacte no ambiente e na saúde humana, detectámos:

(i) Lacunas quanto à identificação dos riscos

(ii)- Imprecisões e erros na avaliação das respectivas probabilidades e gravidade

(iii) Uma avaliação insuficiente dos custos da reparação dos efeitos esperados na ausência de acidentes e das consequências dos acidentes possíveis.

(iv) A ausência de medidas satisfatórias de garantia dos danos (“normais” e decorrentes de acidentes): seguros e depósitos de garantia.

As observações que referimos são plenamente confirmadas pela política de seguros da Colt, que declara não contratar seguros para os riscos ambientais e de saúde pública, por estes comportarem custos excessivos. Ora, como vimos, o cálculo do custo da apólice de seguros (e o seu custo para as empresas) resulta da relação entre probabilidade e gravidade do risco. O que significa que as seguradoras desmentem as “avaliações” que os documentos da Colt indicam.

Riscos com probabilidade baixa e gravidade baixa podem ser segurados com custo acessível. As seguradoras desmentem a empresa Colt R.

2. Quanto aos riscos “económicos”, que têm que ver com as consequências da perda de viabilidade da empresa, constatámos com base nas auditorias:

(i) Que a empresa tem dificuldade em garantir o financiamento da sua actividade e existem dúvidas quanto à sua continuidade

(ii) Que a empresa tem registado perdas contínuas, tanto em contabilidade como no seu valor na bolsa (perda de 46,2 % nas últimas 52 semanas).

(iii) Que a empresa Colt Resources, canadiana, age em Portugal por intermédio de filiais que são “Sociedades Unipessoais de Responsabilidade Limitada”, com capital social de 5000€, entre as quais a actual detentora da concessão mineira (Aurmont Resources Ld.ª).

(iv) Que a responsabilidade de danos ambientais devidos á laboração normal ou a acidentes ultrapassa de muito longe a capacidade destas empresas (Colt e filiais) para fazer frente às suas responsabilidades.

José Rodrigues dos Santos, Évora, 25 de Março de 2013.

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Referências “The Atlantic”: “One year later, damaged buildings have been razed, much of the land has been cleaned up, and MAL Hungarian Aluminum has been fined $647 million (472 million euros) for environmental damages.” http://www.theatlantic.com/infocus/2011/09/a-flood-of-red-sludge-one-year-later/100158/

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Farcas F. et al. 2011. “DURAGEOS. DURABILITÉ DES GÉOSYNTHÉTIQUES DANS LES INSTALLATIONS DE STOCKAGE DE DÉCHETS”. Par Fabienne FARCAS1, Théodore BOUCHEZ2, Claude DURRIEU3, Bruno FAYOLLE4, Marie LANOË5, Jean MARTINS6, Laurent MAZÉAS2, Jacques MÉRY2, Patrick PIERSON6, Carlota PONS1, Emmanuel RICHAUD4, Fethi SAIDI7, Nathalie TOUZE-FOLTZ2. Rencontres Géosynthétiques 2011. 1 IFSTTAR (LCPC), Paris, France; 2 Cemagref, Antony, France; 3 ENTPE, Lyon, France; 4 PIMM – Arts et Métiers Paris Tech, Paris, France; 5 Véolia Propreté, Nanterre, France; 6 UJF- LTHE, Grenoble, France; 7 Cirsee - Suez-Environnement, Le Pecq, France Girard, Romain. 2008. REPORT ON CONCEPTUAL DESIGN TAILINGS MANAGEMENT FACILITY, MONTEMOR GOLD PROJECT, PORTUGAL. Golder Associates (UK) Limited. Submitted to: Iberian Resources Portugal Minerais Unipessoal Lda. / 07514150215/2

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Anexo I

O regime jurídico aplicável às matérias a transportar (“concentrados”) aos escombros e “rejeitados”

O DL 254/2007 de 12 de Julho fixa no seu artº 3º o domínio de aplicação da legislação portuguesa que transpõe a Directiva 2003/105/CE (Directiva Seveso II), com alterações por Regulamento (CE) 1882/2003.

O Projecto pretende beneficiar da “Excepção deste regime por se inserir na alínea e) do nº 2 do artº 3º: “a prospecção de processamento de minerais e minas, pedreiras ou por meio de furos de sondagem, com excepção das operações de processamento químico e térmico e correspndente armazenagem que envolvem substâncias perigosas, nos termos do anexo I ao presente decreto-lei”.

Continua o Projecto:

“De notar que neste projecto, entendido na sua globalidade, desde a exploração das cortas até à armazenagem dos resíduos da extracção, passando pelo processamento mineral na lavaria, não envolve quaisquer operações de processamento químico ou térmico, nomeadamente na lavaria onde todo o processo é físico, realizado numa primeira fase por via seca (cominuição) e numa segunda fase por via húmida (flutuação), sem aplicar quaisquer alterações químicas das substâncias intervenientes.

Assim, quer a escombreira de estéreis, quer a barragem de rejeitados, do projecto em apreço, sendo excluídas do DL 254/2007 de 12 de Julho, aplica-se-lhes o disposto no capítulo III – Prevenção de acidentes graves – do DL 10/2010 de 4 de Fevereiro.”

Ora , o que diz o art.º 3.º? Vejam-se as alíneas e) e g)

“Artigo 3.º Âmbito de aplicação

1 — O presente decreto-lei aplica-se aos estabelecimentos onde estejam presentes substâncias perigosas em quantidades iguais ou superiores às quantidades indicadas no anexo I ao presente decreto-lei.

2 — Excluem-se do âmbito de aplicação do presente decreto-lei:

a) Os estabelecimentos, as instalações ou as áreas de armazenagem militares, bem como das forças de segurança pública;

b) Os perigos associados às radiações ionizantes;

c) O transporte e a armazenagem temporária intermédia de substâncias perigosas por via rodoviária, ferroviária, aérea, vias navegáveis interiores e marítimas, incluindo as actividades de carga e descarga e a transferência para e a partir de outro meio de transporte nas docas, cais e estações ferroviárias de triagem, no exterior dos estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei;

d) O transporte de substâncias perigosas em condutas, incluindo as estações de bombagem, no exterior dos estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei;

e) A prospecção, extracção e processamento de minerais em minas, pedreiras ou por meio de furos de sondagem, com excepção das operações de processamento químico e térmico e correspondente armazenagem que envolvem substâncias perigosas, nos termos do anexo I ao presente decreto-lei;

f) A prospecção e exploração offshore de minerais, incluindo de hidrocarbonetos;

g) As descargas de resíduos, com excepção das instalações operacionais de eliminação de estéreis, incluindo bacias e represas de decantação que contenham substâncias perigosas, nos termos do anexo I ao presente decreto-lei, em especial quando utilizadas em associação com o processamento químico e térmico de minerais.

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3 — Os artigos 10.o a 20º do presente decreto-lei aplicam-se apenas aos estabelecimentos de nível superior de perigosidade.

4 — O disposto no presente decreto-lei não prejudica a aplicação das disposições relativas a higiene e segurança no trabalho.”

(Todos os itálicos e negritos são meus. JRdS).

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Anexo II – Evolução do preço da onça de ouro desde 1970: bolhas especulativas e sucessivas quedas

http://france-inflation.com/cours_de_l_or_historique_et_actuel.php