meu nome é ridván

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Esta é a história de como um jovem bahá’í descobre uma maneira de enfrentar o problema de ser diferente e como aprende algo sobre si mesmo e sua religião ao mesmo tempo.

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Wendi Moomem

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Título original: Call me Ridván

2000Todos os direitos reservados:

Editora Bahá´í do BrasilC.P. 198

13800-970 - Mogi Mirim - SP

www.bahai.org.br/editora

ISBN: 85-320-0051-7

1ª. EDIÇÃO: 2001

Tradução: Celestino A. Gonçalves Filho eChristina Reynolds Gonçalves

Capa: Gustavo Pallone de Figueiredo

Impressão: R. Vieira Gráfica e Editora LtdaCampinas

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Para Sahdrat e Carmel

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or que será que eles tiveram que medar este nome horrível”, pensouRidván Silva pela décima vez

naquele dia. Ele estava a caminho de casa e teriaque passar por um grupo de meninos que estavamna série seguinte. À medida que se aproximava,um menino chamado Eduardo, que morava na suarua, gritou: “Oi, Divã!”

Os outros o acompanhavam no cânt ico:“Ridván, Divã, Ridván, Divã!” Ridván ficouvermelho de vergonha, o que só serviu para osmeninos gozarem mais ainda dele. Isto vinhaacontecendo desde que perceberam ter dificuldadesem pronunciar o nome dele do jeito que ele mesmodizia: “Rez – van”. Ele os olhou com raiva ecaminhou um pouco mais rapidamente a téultrapassá-los. Mas ao se aproximar de casa, elecomeçou a andar cada vez mais devagar, chutandoa calçada com a ponta do tênis enquanto pensava.

Ridván e sua família tinham se mudado paraRouxinol há apenas dois meses e ele e seu irmãomais velho tiveram que ser transferidos para outraescola bem no meio do segundo semestre. Isto jáera problema suficiente, Ridván pensava, mas comeste nome, puxa!

Rouxinol era uma cidade a uns 60 km deColibri, onde Ridván e sua família sempre tinhammorado. Não era um lugar muito agradável – nemsequer cinema tinha. “Pensando bem, mais pareceuma aldeia do que uma cidade de verdade”,resmungou Ridván. Sua família tinha se mudadopara lá porque era uma “meta”, seja lá o que fosse

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isto, e por nenhum outro motivo que Ridvánpudesse perceber. Haviam alugado uma casa menorque a antiga e agora Ridván tinha que repartir umquarto com seu irmão, o que decididamente nãomelhorou coisa alguma. E seu pai continuava nomesmo emprego, tendo que sair cedinho para pegaro ônibus que ia até Colibri e chegar mais tarde emcasa do que o costume. E todos os amigos deRidván ainda moravam em Colibri. E – puxa –tantas outras coisa! A mudança não tinha trazidonenhuma vantagem que Ridván pudesse ver, e aochegar em casa ele pensava: “Porque será, afinalde contas, nos mudamos?

“Oi!”, disse a mãe, que estava dobrando roupana cozinha. Ela era uma senhora miúda, de cabelosescuros, cujo rosto sorridente não conseguiaesconder por completo o cansaço. “Foi umdia agradável?”

“Oi”, disse Ridván, meio desenxabido. “Tudobem”. E ele subiu para o seu quarto. Por sorte, seuirmão ainda não tinha chegado; portanto, Ridvántirou o uniforme e os sapatos e se deitou na cama.Olhando as rachaduras do teto, ele começou apensar.

idván tinha 9 anos de idade. Seu irmão,Pedro, tinha 11. Ridván pensava que isto era muitoinjusto, já que aqueles dois anos de diferençasignificavam que Pedro tinha recebido um nomedecente, enquanto ele, Ridván, recebera este nomehorrível. Pois foi no intervalo entre os nascimentos

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dos dois meninos que seus pais tinham se tornadobahá‘ís. “Eles se empolgaram”, ele pensou – emesmo que não fosse necessário, eles quiseram darao seu bebê recém-nascido um nome bahá’í. “Éclaro!” – pensou Ridván, aborrecido. Deram-lhe onome do Dia Sagrado, por ter nascido pertodo Ridván.

Não era tão ruim no começo. Naturalmente,quando ele era bebê nem tinha percebido. E àmedida que crescia havia outras crianças comnomes estranhos. Colibri era uma cidade grandecom gente de todas as partes do mundo. Semprehavia algumas crianças com nomes como Alí ouMamadou; portanto, Ridván nem aparecia muito.E em Colibri havia uma porção de bahá’ís ,especialmente depois que três famílias iranianasse mudaram para lá. Todos achavam que o nomede Ridván era maravilhoso. É claro que no começoalgumas de suas professoras tiveram dificuldadesem pronunciar seu nome, mas es tavam tãoacostumadas com nomes que não eram brasileirosque aprenderam rapidamente. De fato, Ridván nãotinha se incomodado quase nada com o nome, atése mudarem para Rouxinol.

o ano passado, quando ele tinha 8 anos deidade, Ridván começou a prestar atenção nas Festasde Dezenove Dias, em vez de ficar pensandoquando é que iam parar de tanto falar e começar acomer. Ele sempre ouvia alguma coisa sobre “oplano”, mas ele não entendia muito bem o quesignificava, exceto que tinha algo a ver com

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“metas”. Seus pais pareciam falar disto o tempotodo – o que podiam fazer para ajudar e assim pordiante. Foi mais ou menos nesta época quecomeçaram a falar em “sair como pioneiros”. Bem,Ridván sabia o que era um pioneiro porque, duranteas férias, uma menina mais ou menos da sua idadetinha vindo para Colibri fazer uma visita de duassemanas. Ela disse que era pioneira. Sua famíliahavia sido pioneira na África desde que ela era bebêe ela amava aquele continente. Giovana contou aRidván sobre as viagens de ensino por estradasesburacadas, andando de jipe, para visitar osbahá’ís em aldeias de cabanas de barro.

idván achou que ser pioneiro deveria seremocionante ; por tanto , quando seus paiscomeçaram a fa lar em pioneir ismo, f icavaesperando ansiosamente o dia de partir. E entãoele começou a entender devagarinho o que aGiovana queria dizer com pioneirismo e o que seuspais quer iam dizer eram duas coisas bemdiferentes. Seus pais não estavam falando em jipese cabanas de barro e coisas assim – estavamdiscutindo quanto tempo levaria para o pai deRidván ir e voltar de trabalho e sobre mudançasde escolas e se deveriam alugar ou comprar umacasa. E assim, logo antes dele fazer nove anos,“saíram como pioneiros” – para Rouxinol e nãoÁfrica, coisa alguma! Pedro dizia que sabia otempo todo, mas Ridván estava terrivelmentedesapontado. Aparentemente , es te t ipo depioneirismo tinha algo a ver com o “plano” de que

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ele tanto ouvira falar – não havia bahá’ís emRouxinol, portanto era uma “meta”. Quando suafamília saiu como pioneira para Rouxinol, istoajudava a cumprir o plano. Isto parecia deixar ospais de Ridván muito felizes, mas Ridván achavaque era um substituto muito mixuruca para estradasde terra e aldeias africanas.

“De fato” – pensava Ridván – “é muito piorque isto”. Em Rouxinol nem sequer há outrosbahá’ís com crianças que poderiam compreenderseus sentimentos sobre o nome. Esta cidade pareciafeita de pessoas que sempre viveram aqui – nãohavia nenhum Alí na escola! Nem mesmo asprofessoras aqui conseguiam se lembrar dapronúncia certa do seu nome. A Srta. Clara aindao chamava de Rid – van e o Sr. Paulo, o inspetor,não se aproximava de novas pessoas – e olha quechegavam quase todo dia, assim sendo ele quasenão conhecia ninguém em Rouxinol. A única coisaboa parecia ser que esta escola pelo menos opermitiria faltar nos Dias Sagrados Bahá’ís, coisaque a escola antiga não aprovava. De fato, um diasagrado estava se aproximando, portanto, isto seriaótimo. O problema é que já que não havia outrosbahá’ís por perto, não haveria festa como no anopassado, quando todos trouxeram seus amigos ecomeram à vontade. Mesmo assim, era um diasem escola.

nquanto ele estava deitado na cama pensandoem tudo isto, ele ouviu seu irmão bater a porta dafrente e subir a escada. Ridván deu um pulo,

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fingindo ler quando Pedro abriu a porta.“Oi! Por que você não tirou o uniforme ainda?”,

Pedro indagou ao jogar sua pasta sobre a cama.“Eu tinha que ler um pouco”, replicou Ridván,

guardando o livro e se dirigindo sem pressa aoguarda-roupa.

“Pois apresse-se! Estão formando os times devôlei no ginásio de esportes hoje e queremoschegar cedo”, disse Pedro. Ele arrancou o uniformee agarrou a roupa de vôlei.

Ridván começou a trocar de roupa, mas aindaestava sentido com as gozações anteriores. “Achoque não vou hoje”, ele disse.

“Ah, vamos!” disse o irmão. “Se você não forhoje, não será escalado para nenhum time e nãovai ter nada para fazer nas férias.”

“Não, acho que não”, disse Ridván.“Ouça aqui, vou me atrasar. Vamos de uma vez,

faça o favor!”, disse Pedro, tentando vestir acamisa e amarrar o tênis na mesma hora.

“Não, vá você. Nem gosto tanto assim devôlei mesmo.”

Pedro olhou para Ridván sem acreditar, masapenas resmungou ao sair do quarto. Ridván ouviuo “tchau” que ele gritou para a mãe. Ele terminoude se trocar e deitou de novo na cama.

Na verdade, Ridván adorava vôlei. “Por que nãofui?” Por um lado, provavelmente haveria muitosmeninos mais velhos lá – os amigos de Pedro – eletinha feito tantas amizades – e talvez seriam muitomelhores jogadores do que e le . E era boacaminhada até o ginásio de desportos – ele não

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tinha certeza que queria andar tudo isto todos osdias. Mas ele sabia que estas não eram as razõesverdadeiras. Ele não agüentaria mais gozação.

Ridván ficou deitado algum tempo, pensandonos seus problemas e como tudo era tão injusto. Eentão ele ouviu uma batida suave na porta. Ele sesentou rapidamente e agarrou um livro escolar,dizendo desanimadamente: “Entra!”

A mãe abriu a porta e ficou parada ali. Ela fezcara feia para Ridván, dizendo: “Pensei que vocêsiam jogar vôlei hoje.”

“Resolvi não ir” – Ridván resmungou.“Pedro foi”, a Sra. Silva comentou, embora isto

não fosse necessário.“Sei” – disse Ridván – “alguns dos seus amigos

estarão lá.”“Você podia ir assim mesmo”, insistiu a mãe.

“Poderia conhecer outros garotos.” E aí parou edisse usando uma voz bondosa: “É difícil quandoa gente se muda para uma cidade diferente.”

Ridván olhou para sua mãe. “Ela acha queentende” – ele pensou – “acha que eu só precisode mais amizades. Mas está errada – ela nãocompreende nada”. Em voz alta ele disse, meiogrosseiramente: “Já tenho amigos de sobra!”

Sua mãe olhou para ele em desespero e disse:“Você poderia tentar um pouco mais ser alegre,Ridván. Afinal de contas, nos mudamos paraRouxinol para ensinar as pessoas sobre a Fé Bahá’í.Não vão ter uma impressão muito boa sobre ela sevocê anda por aí com esta cara o tempo todo.”

Ridván ficou pensando por que será que toda

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vez que alguém na família se aborrecia ou ficavabravo ou ficava só um pouquinho triste, sua mãecomeçava a apoquentar sobre ensinar a Fé Bahá’í.Ele não conseguia enxergar qualquer relação entreas duas coisas. No entanto, ela tinha razão: elerealmente estava infeliz desde que deixaramColibri. Ele teria que pelo menos parecer maisalegre, senão ela o perturbaria o tempo todo sobreisto. Mas ele ainda se sentia infeliz e agora estavachateado com a mãe também, portanto disse: “Estábem, está bem! Vou tentar ser um pouco maisalegre.” E deu um sorriso ridículo.

“Você, hein!”, disse a mãe, com voz cansada.Ela se virou e saiu do quarto.

os dias seguintes, Ridván não se sentiu nadamelhor, mas tentava não dar muita demonstraçãodisto em casa. Relutantemente, acompanhou Pedroao ginásio de desportos um dia e descobriu quenenhum dos meninos que gozavam dele tinha seinscrito, a maioria estava no futebol. Resolveucontinuar indo. De fato, enquanto estava jogandovôlei, ele realmente se sentia melhor, mas não pormuito tempo. Logo que ele saía para a escola demanhã era obr igado a se lembrar de suasdificuldades. Eduardo sempre estava lá, esperandopara gritar, “Olá, Divã!”, à medida que ele passava.Ridván gostaria de poder ir à escola com Pedro,mas ele ajudava a mãe a entregar os salgadinhosque ela fazia para vender e ia direto à escola, debicicleta, em cima da hora.

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O fim-de-semana era melhor porque ele nãotinha que ver o pessoal da escola. Também porqueseu pai estava em casa e, independentemente doresto, a atenção da mãe se voltava para o marido enão mais para Ridván. Domingo ficava um poucovazio – era o dia em que sempre iam às “aulasbahá’í” quando viviam em Colibri, mas o Sr. Silvadisse que agora era longe demais para só uma horade aula, pois ele já viajava cinco dias por semanae chega! No começo, este dia livre tinha sido ótimo,mas agora o dia não parecia ter mais fim. Ridvánaté se admirou ao sentir falta das aulas bahá’ís,pois ele não gostava muito dela e era obrigado aparticipar todo fim-de-semana.

uando a aula começou de novo na segunda-feira, havia uma menina nova na sala. Srta. Claraa apresentou como Alessandra. Quando esta sorriupara a turma e disse “Oi!”, ficou óbvio que ela eranordestina. Seu sotaque era diferente e ela atépronunciava o próprio nome de maneira diferente:com “ss” e não “x”; ela corrigiu, rindo, enquantoas outras crianças a cercavam na hora do recreiopara perguntar tudo sobre as praias e os costumesdiferentes. Mas ninguém conseguia se lembrar dapronúncia certa e todos continuavam a chamá-lade Alessandra com “x” mesmo.

Ridván gostou de Alessandra. Ela tinha umrosto agradável e ria enquanto falava. Pareciasempre ter algo interessante para dizer ou algumaidéia nova. E ela também era nova, como ele.

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a quarta-feira, Ridván e Pedro levarambilhetes para a escola explicando que faltariam nodia seguinte por causa do Dia Sagrado. A Srta.Clara sorriu quando leu o bilhete e pediu a Ridvánque quando voltasse à aula na sexta-feira, contasseà turma sobre o que era o Dia Sagrado. Istopreocupou Ridván um pouco, porque ele não tinhacontado para ninguém que ele era bahá’í. Alémdisto, ele sabia que quinta-feira era a Declaraçãodo Báb e pra t icamente nada maisalém disto.

aquela noite, Pedro e ele puderam ficaracordados até bem mais tarde. Ridván achou queisto era porque não teriam aula no dia seguinte,mas Pedro o lembrou que o dia bahá’í começa aopôr-do-sol e por tanto a comemoração ser ianaquela noite.

Depois do jantar, Ridván e Pedro fizeram al ição enquanto esperavam o in íc io dacomemoração. Em Colibri, a maioria das reuniõesbahá’í começava às 19:00h, mas já eram 19:30hquando terminaram a lição e o Sr. e a Sra. Silvaainda es tavam sentados à mesa do jantar,conversando e tomando café.

“Não vamos começar logo?”,perguntou Ridván.

“Já são sete e meia”, acrescentou Pedro.“Pois é” – respondeu o Sr. Silva – “mas vocês

não se lembram que o Báb se declarou mais oumenos duas horas após o pôr-do-sol? É nesta horaque os bahá’ís festejam. Isto será aproximadamente

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oito e meia da noite.”“Convidamos a lguns dos v iz inhos para

participar” – disse a Sra. Silva – “e deverão chegarlá pelas oito. Vocês dois gostariam de arrumar asxícaras para podermos tomar chá e biscoitosdepois? Vamos lá para a sala enquanto vocêsarrumam tudo.”

Os meninos resmungaram, mas a Sra. Silvaergueu as sobrancelhas em sinal de aviso, portanto,tiraram as xícaras usadas da mesa e pegaram aslimpas. Quando terminaram, o pai perguntou:“Vocês gostariam de escolher uma oração para lerhoje à noite ou preferem dizer uma daquelas quejá sabem?”

Pedro resolveu dizer uma que tinha decorado,mas Ridván não tinha certeza de que seria capazde dizer uma oração inteira, sem errar. Faziam maisde dois meses desde que havia freqüentado a últimaaula bahá’í, onde tinha que recitar e decorarorações toda semana, e ele estava meio forade forma.

Ridván subiu para o quarto e abriu o livro deorações, procurando pela qual queria dizer. Durantemeia hora, ele se sentou em silêncio na beirada dacama, lendo várias orações, à procura de uma quefosse apropriada. Na verdade, ele não tinha olhadomuitas vezes o l ivro de orações desde quechegaram em Rouxinol e realmente t inha seesquecido de quantas orações diferentes havia. Derepente, encontrou a oração perfeita. Pareciaexprimir exatamente os seus sentimentos – solidão.Ele a leu várias vezes para ter certeza que poderia

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pronunciar todas as palavras – afinal não queria seatrapalhar na frente dos vizinhos!

Ainda havia bastante tempo antes de começara reunião e os pensamentos de Ridván se voltaramnovamente ao seu problema. Ele se deitou na cama.Se ele conseguisse “bolar” um jeito de se livrar doproblema... Talvez pudesse voltar para Colibritodos os dias com o pai, para a escola antiga, outalvez desistir da escola por completo... Ele nãoteria que ir à escola se fosse para a África comaquela menina... como era mesmo o nome dela?Alexandra? Não, Giovana... Alessandra! Talvez elapudesse a judar. . . a menina nova, sempresorridente... “ss” e não “x”...

idván, acorde! Todos já chegaram.” EraPedro, sacudindo-o. Ele havia adormecido.

“Que horas são?”, bocejou Ridván. Ele seespreguiçou sobre a cama, pensou em ficar alimesmo e depois, mudando de idéia, levantou-se.

“Quase oito e meia; anda! Estamos esperandopor você.”

Pedro saiu enquanto Ridván arrumava a roupa.Ele estava no alto da escada quando se lembrou dolivro de orações. Teve que voltar para pegá-lo. Eleprocurou por toda a cama que já es tavadesarrumada e finalmente o achou enfiado entre ocolchão e a cabeceira. Umas poucas pétalas secas,frágeis, caíram – eram pétalas que seus paist rouxeram da Terra Santa quando f izeramperegrinação alguns anos antes. Ele se ajoelhou eestava tentado alcançá-las debaixo da cama,

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quando ouviu a mãe chamar, “Ridván! Puxa vida,anda logo! Estamos todos esperando. Venha já!”

“Tô indo”, ele respondeu. Uma das pétalasestava rasgada e a outra ainda estava em baixo dacama, mas não dava para gastar mais tempo nistoagora. Depressa, ele limpou a poeira dos joelhosdas calças e correu escada abaixo.

Ao ouvir vozes na sala, de repente ele se sentiuenvergonhado. “Não posso dizer uma oração nafrente de estranhos”, pensou, hesitante ao lado daporta. Ele estava quase voltando lá para cimaquando a porta se abriu e o pai o enxergou.

“Ah! Taí! Entre. Estamos começando.”Ridván entrou relutantemente e deu uma olhada

na sala. Parecia lotada – havia umas dez ou dozepessoas, o que o surpreendeu. Em Colibri, ele teriaesperado uma porção de gente, mas não aqui. Elese pegou em f lagrante quase dizendo“Alláh’u’Abhá!” e mudou depressa para “Boanoite”. Lembrou-se de que estas pessoas não erambahá’ís e poderiam estranhar a saudação bahá’í’.

“Olá!”, disse uma voz inconfundível. “Eu nãosabia que esta era sua casa!”

Ridván focou pasmo!

ra Alessandra – a menina nova da escola.Sua boca abria e fechava, mas ele tinha perdido avoz, de tão grande que era a surpresa. Finalmente,conseguiu dizer um “oi” meio rouco e Alessandrasoltou aquela risada gostosa dela. Todos os outrosriram também. O Sr. Silva pigarreou.

“Bem, já que ele chegou, podemos começar e

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depois continuaremos a conversar.”Ridván encostou-se à cadeira, já entediado. Seu

pai era um homem simpático, não muito velho, masquando ele começava a falar em reuniões, nãoparava mais.

O pai de Ridván estava apenas fazendo aintrodução. “Minha família e eu gostaríamos de daras boas vindas a todos vocês esta noite para acomemoração da Declaração do Báb. Em 1844...”

O Sr. Silva falou sobre a noite em que o Bábdeclarou Sua Missão a Mullá Husayn e explicouquem eram os bahá’ís, mas Ridván mal o ouvia.Ele estava quebrando a cabeça sobre porqueAlessandra tinha vindo. Será que ele era bahá’í?Não, a mãe lhe teria contado se outros bahá’ístivessem se mudado para Rouxinol. Seria vizinha?Talvez, mas não de muito perto, senão ele a teriavisto no caminho da escola. O quê, então?

Um cutucão de Pedro em suas costelas trouxesua atenção de volta ao que estava acontecendo. Opai já estava quase acabando.

“E assim, podem ver porque esta noite é tãoimportante para os bahá’ís.”

Será que ele tinha perdido tanto, ou será que opai tinha falado menos do que o costume. Elerealmente precisava parar de tanto divagar e tentarse concentrar.

“Agora teremos algumas orações e depoishaverá chá e algo mais para comer. Ridván, vocêpoderia começar, depois Pedro, João, Bárbara, daíFrancisco e terminamos com Carolina. Podecomeçar, Ridván.”

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Ridván abriu o livro de orações e começou aler cuidadosamente: “Ó meu Senhor, meu Bem-Amado, meu Desejo! Sê um amigo para mim emminha solidão, e acompanha-me no exílio...”excelente, ele pensou. É bem assim que me sinto erealmente quero que Deus me ajude... Oh! Não!Ridván corou profundamente ao ler o final daoração. “... Torna-me uma de Tuas servas queatingiram a Tua aprovação. Em verdade, és oBenévolo, o Generoso!” Ele deu uma pequenatossida no final. Como é que ele não tinha vistoisto antes? Ele tinha lido várias vezes, lá no quarto.Era uma oração para meninas! Ele sentia Pedro secontorcendo em silêncio na cadeira ao lado,tentando não rir em voz alta. Ele lançou uma olhadana direção de Alessandra e dos outros na sala.Todos estavam sentados com os olhos fechados –ninguém parecia ter percebido, exceto Pedro.Agora este estava começando a recitar sua oração.“Ó meu Deus! Une os corações de Teus servos...”

urante o resto das orações, Ridván manteveseus olhos bem fechados e concentrou-se no queestavam lendo. Na verdade, ele os abriu por uminstante quando ouviu um sotaque nordestino lendo“Ó Deus, refresca e alegra meu espírito...” e umpensamento lhe passou pela cabeça: a mãe deAlessandra... talvez sejam bahá’ís, sim...

Sua mãe iria ler a última oração, uma bemcomprida, e todos se levantaram. Pedro se mexiaum pouco, mas Ridván ficou bem quietinho,realmente tentando ouvir as palavras. A oração

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falava dos problemas do Báb – muito mais do queele mesmo tinha, Ridván pensou.

Quando a oração terminou, o Sr. Silva disse:“Se quiserem ir para a sala ao lado, vamos servirchá e alguma coisinha para comer. Meninos,querem ajudar a servir?” Todos entraram na salade jantar. Ridván começou a passar travessas desalgadinhos, enquanto Pedro perguntava quemqueria chá e quem queria café. Depois que ele tinhacontado e se retirado para a cozinha, Alessandrase aproximou de Ridván.

“Gosto da sua casa”, ela disse. “Faz tempo quevocê mora aqui?”

“Não” – Ridván respondeu – “só alguns meses.Morávamos em Colibri.”

“Ah, é?,” disse Alessandra. “Onde fica isso? Élonge daqui?”

“Mais ou menos”, respondeu Ridván. “Umahora.” Ele descansou a travessa na mesa e se serviude uns salgadinhos.

“Isto não é longe! ‘Longe’ é que nem China oua Austrália. O Nordeste realmente fica longe daqui:É de lá que eu venho.” Alessandra riu novamenteenquanto falava e Ridván podia perceber que elaestava brincando.

“Como você chegou aqui es ta noi te?” ,ele perguntou.

“Bom, primeiro entramos no carro e depois umaesquina à esquerda e outra à direita... Não, naverdade, você quer saber por que estou aqui,não é?”

A Sra. Silva entrou naquele instante com o chá

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e Ridván tinha de segui-la com o açucareiro,portanto, demorou um pouco até poder conversarcom Alessandra outra vez. Quando todos estavamservidos, os dois voltaram para a sala e se sentaram,cada um tentando equilibrar um pratinho de bolo euma xícara.

“Muito bem, o que é que você está fazendoaqui? Quero dizer...” Ridván estava tropeçando naspalavras. Ele não queria ofendê-la. “É só queeu não esperava...”

Alessandra interrompeu “Pois nós conhecíamosos bahá’ís em Maracatu. Já assisti uma porção dereuniões lá. Acho que mamãe procurou por vocêsna lista telefônica e aqui estamos.”

“Ridván sabia que isto era impossível: nãoestavam ainda na lista telefônica. Mas ele tinha deperguntar: “Então vocês são bahá’ís também?”

Pela primeira vez, Alessandra pareceu seatrapalhar um pouco. Ela corou ligeiramente edisse, com alguma hesitação: “Bem, ah, não, nãoexatamente... sabe...”

“Tudo bem”, Ridván interrompeu. “Eu sóqueria saber, você compreende, não é? Já que vocêsparticipam de reuniões bahá’ís. Quero dizer, quaseninguém participa exceto os próprios bahá’ís.”

“Não, não lá donde eu venho”, d isseAlessandra, recuperando a calma. “Muita genteparticipa das reuniões bahá’ís lá. São divertidas,geralmente”, ela acrescentou. Houve uma pausa eentão ela disse: “Não, não somos bahá’ís. Estamospesquisando.”

“O quê?” perguntou Ridván. Pois não entendia

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o que ela queria dizer.“Você sabe – que nem pesquisa independente

da verdade.” Ele ainda parecia confuso. “Estamosprocurando – somos contatos.”

“Ah!”, disse Ridván. Então era isto. Tanto tinhaouvido falar em contato e eis uma bem aqui na suafrente. Mas esta menina parecia saber mais de suareligião do ele mesmo. Pelo menos, ela usava todasas palavras certas. “Bem, está gostando da escola?”Ele achou melhor mudar o assunto. Não queria queela usasse mais palavras que ele não entendia –pensaria que ele era bobo.

Antes que Alessandra pudesse responder, umasenhora se aproximou dos dois. “Olá, sou a mãede Alessandra – Bárbara Moreti. Estou contentepor vocês já se conhecerem.”

“Estamos na mesma turma na escola, mamãe”,Alessandra respondeu. “Já nos conhecíamosantes.”

“Pois, vejam só”, disse a Sra. Moreti. “Nempensávamos encontrar bahá’í algum aqui e agoravejo que minha filha está na mesma turma com um!Não é maravilhoso?”

A Sra. Moreti não parecia se dirigir a ninguémem particular, portanto, Ridván não respondeu. Elesó pensou como o mundo era engraçado, pois suafamília também se mudara para Rouxinol bem naépoca em que a família de Alessandra, e queriamencontrar bahá’ís. E então pensou: “Talvez não sejatão engraçado; ta lvez Deus quer ia queestivéssemos aqui por este mesmo motivo; talvezEle tinha algum tipo de plano.” Plano. Será que é

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isto que os bahá’ís queriam dizer quando discutiamo “plano”? Estar num certo lugar bem na hora quealguém naquele lugar quer saber sobre a Fé? Eleprecisava se lembrar de perguntar à mãe sobre isto.

s pessoas es tavam começando a sedespedir. Alessandra se levantou e estendeu a mão,dizendo: “Tchau. Obrigado pela reunião bacana.Te vejo na escola amanhã. Quero dizer,sexta-feira.”

Apertaram as mãos, coisa que Ridván nuncafazia com alguém de sua idade. “De certo fazemas coisas de maneira diferente no Nordeste”, elepensou, enquanto se despedia , pr imeiro deAlessandra e seus pais e depois dos outrosconvidados. Ele entrou na sala de jantar para ajudara tirar as coisas do chá. Estava com muito sono –devia ser mais de dez e meia da noite.

Neste momento, Pedro cochichou no seuouvido: “Que oração boba você escolheu! Nãotinha nada a ver com a Declaração do Báb – e, alémdisto, você não é menina!”

“Pedro!” A voz do Sr. Silva estava áspera.“Chega!”

“Não vamos estragar esta linda noite, querido”.Então, a Sra. Silva disse ao filho: “A oração deRidván era muito bonita, e a sua também. Falarammuito bem. Estou orgulhosa dos dois.”

“Mas não era a oração certa para dizer”,protestava Pedro. “Ele não é menina.”

O Sr. Silva olhou bravo para Pedro, mas a Sra.Si lva disse com suavidade: “Estamos todos

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cansados agora. Por que não vamos dormir agorae falamos disto pela manhã?”

Os olhos de Ridván ardiam de lágrimas. Tinhaaté se esquecido do seu erro enquanto conversavacom a Alessandra. Agora teria de conversar sobreisto amanhã e estragar o novo dia também. “Não”,ele gritou, batendo o pé. “Se temos que falar sobreo assunto, que seja agora.”

Seus pais o olharam espantados, entreolharam-se e então olharam para Pedro com desaprovação.“Muito bem” – suspirou a Sra. Silva – “devemosacabar com o assunto mesmo.” Ela foi para a salae se sentou. Os outros a seguiram.

“Vejam bem” – disse o pai – “cada oração quehá no livro de orações é a palavra de Deus, nãoimporta quem você é . Pode dizer a oraçãoque quiser.”

Ridván sentiu-se um pouco aliviado com isto,mas Pedro disse: “Tudo bem, mas vocês têm queadmitir que algumas orações são para certas horase algumas para outras ocasiões.” Ele fez sinal depouco caso para Ridván.

“Em primeiro lugar” – disse a Sra. Silva –“embora algumas orações realmente pareçamencaixar melhor em certas ocasiões do que emoutras, cada um precisa decidir por si qual a oraçãoque ele quer fazer. Afinal de contas, é ele que estáorando. Em segundo lugar” – ela começou a falarcom a voz mais séria – “ninguém deveria criticara escolha do outro ou fazer gracinhas no meio dealguma oração; isto é ser mal-educado e cruel. Emterceiro lugar, tenho certeza que Ridván tinha um

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bom motivo para escolher aquela oração.”“E em quarto lugar” – bocejava o Sr. Silva –

“estou cansado e quero dormir.” Ele se levantou efoi lá pra cima, dizendo “boa noite” à medidaque saía.

ais tarde naquela noite, Ridván se torciae se batia na cama. Dava pra ver que Pedro estavadormindo, devido à respi ração vagarosa ecompassada, mas, embora ele realmente estivessecansado, não conseguia re laxar. Vár iospensamentos cruzavam sua mente: a Declaração doBáb há mais de um século; como era estanho queAlessandra tivesse vindo a sua casa; como ele eratolo de ter escolhido uma oração para uma menina;a palestra que ele teria de dar na sexta-feira – algoque ele tinha esquecido; algo sobre Alessandra queera a resposta ao seu problema...

Finalmente, os pensamentos se embolaram eele adormeceu.

a manhã seguinte, a Sra. Silva deixou osmeninos dormirem um pouco mais que o normal.Quando acordaram, Ridván percebeu que seu paitambém tinha faltado ao serviço porque era um Diasagrado. Antes do café , cada um fezuma oração.

“Este é outro aspecto de nossas vidas quemudou desde que nos mudamos para Rouxinol”,Ridván pensou. Em Colibri, sempre faziam asorações matinais em família, reunidos, quase todosos dias. Atualmente, o Sr. Silva tinha de sair tão

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cedo que havia mais tempo. Ridván sabia que ospais esperavam que os meninos fizessem as oraçõesmatinais sozinhos, mas ele geralmente ficava nacama até muito tarde ou se esquecia por completo.Então, de repente, ele se lembrava na escola, nomeio da manhã, e prometia a si mesmo quelevantaria mais cedo no dia seguinte – massempre esquecia.

o café de manhã, a família discutia osplanos para o dia. A Sra. Silva já tinha arrumado acomida para um piquenique; portanto, era só umaquestão de decidir para onde iriam. Pedro queriair ao shopping, em Colibri, mas o Sr. Silva achouque deviam ir para um lugar onde tivesse natureza.A Sra. Silva achava que um passeio no parque dacidade seria ótimo, mas os meninos não queriamporque não tinha graça. Ridván finalmente sugeriuque andassem de barco numa represa, que haviamvisitado uma vez.

“Se o tempo esquentar, podemos nadar” – eledisse a Pedro – “e sempre seria um passeio numgrande parque”, ele acrescentou, olhando paraa mãe.

Todos gostaram da idéia. Os meninos forambuscar os ca lções de banho e agasalhos , ecomeçaram a subir a escada, quando o telefonetocou. Era a Sra. Moreti, a mãe de Alessandra.

la agradeceu a Sra. Silva pela noite passadae acrescentou que decidira não mandar a filha paraa escola naquele dia, em parte devido ao horário e

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em parte devido ao Dia Sagrado em si.“Por algum motivo parecia errado” – ela

explicou à Sra. Silva no telefone – “mandarAlessandra para a escola num Dia Sagrado. Sei quenão somos bahá’ís, mas, ora... não parecia certo.”

“Nós vamos fazer um passeio de barco e umpiquenique”, disse a mãe de Ridván. “Por quevocês duas não vêm juntas? Há bastante espaço eposso fazer mais alguns sanduíches.”

“Puxa, eu adoraria, mas infelizmente nãopodemos. É que estamos esperando um telefonemade meus parentes hoje. Mas agradeço o convite,assim mesmo.”

“Então, porque não deixa a Alessandra vir? Nóspoderíamos apanhá-la e levá-la para casa depois”,disse a Sra. Silva, interrogando seu marido com oolhar. Ele fez que “sim” com a cabeça.

A mãe de Alessandra pensou um pouco e entãorespondeu: “É claro, seria ótimo para ela – se vocêstêm certeza que não iria atrapalhá-los. Posso fazeruns sanduíches para ela.”

“Não, não” – disse a Sra. Silva ao telefone –“já fiz bastante. Ela vai precisar de um maiô e deuma toalha. Podemos passar por aí daqui uns20 minutos.”

As duas mulheres se despediram e a Sra. Silvadesligou o telefone.

Ridván ficou contente com as novidades, masPedro não gostou muito. “Ia ser um dia de família”,ele resmungou. Agora está tudo estragado –e por uma menina!”

“Pedro” – disse o pai – “você anda reclamando

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muito ul t imamente . Ontem à noi te , agora ,novamente. Relaxe – divirta-se.”

“Além dis to”, acrescentou a mãe, “DiasSagrados não são simplesmente feriados, vocêsabe. Também são oportunidades para ensinar a Féaos outros – a Alessandra, por exemplo.”

“Lá vai ela outra vez”, pensou Ridván, juntandoo azedume de Pedro ao ensino. Mas ele estavaestranhando a reação de seu irmão e lhe ocorreuque realmente seu irmão estava mesmo maisirritadiço que o normal nestas últimas semanas.Será que vir a Rouxinol também tinha apresentadoalgum problema para Pedro? E de repente, Ridvánpercebeu que pela primeira vez em muito tempoele estava se preocupando com alguém que nãofosse ele mesmo. Ele olhou para seu irmão comuma nova compreensão – talvez tinham mais emcomum do que ele pensara.

dia esquentou mais do que o Sr. Silva tinhaesperado. Quando chegaram à represa estavam sós,exceto o dono dos barcos de aluguel, e ele sesurpreendeu ao ver as crianças, já que era dia deaula. A Sra. Silva explicou que era um Dia Sagradobahá’í e que os bahá’ís não trabalham nem vão àescola em Dias Sagrados.

“Bahá’ís?” o homem refletiu. “Onde foi queouvi este nome antes?” Ele parou para pensar,franzindo a testa. De repente, sua fisionomia seiluminou. “É uma religião, não é? Vocês são deColibri? Lembro-me de ter ouvido algo assim lá.”

Ridván se surpreendeu. Ele não encontrara

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muitas pessoas que tinham ouvido falar da FéBahá’í antes e, de repente, numa semana, eleencontra a família Moreti e este homem.

O Sr. Silva explicou que a família havia semudado recentemente de Colibri para Rouxinol eperguntou se o homem havia participado de algumareunião em Colibri.

“Não” – respondeu – “não tenho tempo paraeste tipo de coisa. Nem sei mesmo se acreditonestas coisas ou não. Deus e coisas assim...”

Ridván levou um choque. Ele sabia que muitaspessoas não sabiam sobre Bahá’u’lláh e, portanto,não eram bahá’ís; mas não acreditar em Deus! Semrefletir, ele falou: “Mas todos acreditam em Deus!”

O homem sorriu e a Sra. Silva disse suavementeao filho: “Nem todos, querido.”

O Sr. Silva sorriu também e disse ao dono dosbarcos: “Acho melhor já lhe pagar pelo barco. Ecomo não há muita gente por aí, talvez o senhorpossa nos acompanhar para o almoço mais tarde epoderemos conversar mais.”

O homem disse que teria de ver como as coisasestariam mais tarde e o Sr. Silva o pagou.

odos colocaram coletes salva-vidas eentraram no barco a remo. Alessandra deu umpequeno tropeço quando entrou e o barco balançoude leve, mas Ridván a agarrou pelo braço para nãocair. “Teremos que sentar bem quietinhos nobarco”, disse o pai dos meninos. “Não podem pularou se levantar de repente, senão o barco vira.”

Todos fizeram sinal que concordavam e, quando

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já estavam acomodados, o Sr. Silva pegou os remose, sem esforço maior, partiu remando.

emaram pela represa por algum tempo edepois Pedro disse que gostaria de tentar remar. Eletrocou de lugar com o pai cuidadosamente e segurouos remos da mesma maneira. Embora estivessempresos nas beiradas do barco, o remo escorregou emdireção à água e o cabo pulou da mão de Pedro derepente. Enquanto ele tentava alcançá-la, deixouescapar o outro, o qual o golpeou no estômago. OSr. Silva deu uma risadinha – Pedro não estavarealmente machucado, só assustado. Finalmente, eleconseguiu segurar ambos os remos ao mesmo tempo.Seu pai lhe mostrou como mergulhar os remos naágua enquanto empurrava os cabos para longe. Apósalgumas tentat ivas, Pedro começou a remarvagarosamente, embora de uma maneira nãomuito suave.

“Não enxergo para onde estou indo!”, exclamou.O Sr. Silva riu. “Sinto muito, mas isto faz parte

de remar.”Pedro remou por mais uns minutos, com o pai

lhe dando orientação às vezes. Ridván e a mãeconversavam com Alessandra. E então Pedro paroude remar.

“Puxa! Cansei. Remar é serviço pesado – meusbraços estão doendo.”

“Querem que eu reme um pouco?” perguntoua mãe.

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idván estivera sentado quietinho olhando oirmão. Ele sabia que podia fazer melhor. Agoraesquecera de ficar parado. Pulou de repente,bradando: “Não, deixem pra mim, deixempra mim!”

O barco balançou violentamente e Ridvánperdeu o equilíbrio. Na tentativa de evitar que oirmão caísse, Pedro estendeu de repente os braçose os remos foram puxados para trás, batendo-os naboca do estômago. Pedro tentou afastá-los, mas nãoconseguia e bateu outra vez, bem no peito. Todosgritavam ordens para os outros. Ridván balançavaloucamente os braços, tentando o equilíbrio. A Sra.Silva se inclinou para frente para tentar segurarRidván e enquanto fazia isto, o braço passou pelorosto, derrubando os óculos-de-sol na água.

As pernas de Ridván se dobraram debaixo delee ele sentou abruptamente no fundo do barco. Estejá balançou de maneira um pouco mais suave etodos olharam para o lado. Lá estavam os óculos-de-sol da Sra. Si lva, afundando lentamentena represa.

“Sra . Si lva” – exclamou Alessandra –“os óculos!”

“Foram-se”, disse melancolicamente a mãedos meninos.

“Você deveria ter tido mais cuidado”, gritouPedro com ra iva . “Por que teve que pulardaquele jeito?”

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idván sentia-se miserável. Tudo o que faziaestava errado.

“Sabe Pedro, você f icou tão engraçado,tentando afastar aqueles remos.”

“Você também ficou um tanto engraçado” –disse o Sr. Silva à esposa, em tom de brincadeira –“quando se jogou pra frente daquele jeito. Não épra menos que perdeu os óculos!”

Então Alessandra descreveu Ridván, que ficouengraçado, balançando os braços e pulando de umpé para o outro. “Tem sorte de não ter caídon’água”, ela disse.

Ridván ficou um pouco mais à vontade. Emseguida, Pedro deu uma gargalhada e logo todosestavam rindo.

Depois o Sr. Silva disse: “Daqui a pouco, vamossair d’água. Além disto, estou com fome. Vamosver se o barqueiro quer almoçar conosco.” Etrocando de lugar com Pedro novamente, ele pegouos remos e remou em direção ao ancoradouro. Obarqueiro, no entanto, disse que agora estava muitoocupado – havia chegado mais gente – portanto, oSr. Silva remou até o outro lado da represa, ondehavia um bosque. Pedro e Ridván amarraram obarco a uma árvore e a Sra. Silva arrumou o lancheque havia trazido.

epois do almoço, o Sr. Silva cochilou e aSra. Silva e Pedro foram passear no bosque. Ridváne Alessandra permaneceram na margem da represa,comendo o finzinho dos brigadeiros e tentandofazer pedras pular pela superfície da água.

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“Fiquei muito contente que você me convidoupara vir junto hoje”, disse Alessandra.

“Pois é, você tem sorte que a sua mãe deixouvocê faltar à aula, já que você não é bahá’í.” Ridvánjogou uma pedra n’água.

“Quase sou”, disse Alessandra, enquantoprocurava uma pedra achatada na areia. “Acreditoem Bahá’u’lláh e acho que isto é a parte maisimportante, não é?”

Ridván não sabia o que dizer. Nunca discutiaeste tipo de coisas com os outros – pelo menos,não com pessoas que não eram bahá’ís. Às vezes,nas aulas bahá’ís, o professor pedia a cada um queescrevesse os motivos pelos quais eram bahá’ís.Quando ele era mais novo, Ridván não podia veroutro motivo exceto o fato de seus pais serembahá’ís, portanto, é claro que ele também era. Ámedida que crescia, ele percebeu que não bastavasó seguir seus pais – ele tinha de saber e entenderpor si mesmo. Ele sentia que agora ele sabia, sim,sobre Bahá’u’lláh – porque Ele viera, toda históriae tudo aquilo – bem, sabia mais ou menos – maisque qualquer outra criança de sua idade, pelomenos! Mas acreditar em Bahá’u’l láh? Quepergunta! Bahá’u’lláh viera e pronto. Uma vez quevocê descobria sobre Ele, você se declarava,assinava um cartão e pronto – você era um bahá’í.

Em voz alta, indagou: “O que você quer dizerpor acreditar em Bahá’u’lláh?” Ele jogou umapedra, que pulou duas vezes.

Alessandra pensou por um momento e então elatambém jogou uma pedra. Afundou.

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“Bem” – disse ela – “ minha família é católica,de uma certa maneira. Não vamos à igreja nemnada, mas acreditamos em Deus. Quando minhamãe ouviu falar da Fé Bahá’í, resolveu descobriro que era .” Ela jogou outra pedra , a qualtambém afundou.

“Você tem que pegar uma pedra mais achatada,”disse Ridván.

“Então ela foi falar com alguns bahá’ís, paradescobrir do que se tratava e começou a freqüentaras reuniões bahá’ís. Aprendi bastante.” A terceirapedra também afundou.

“Olhe! Assim!” Ridván mostrou como se jogaa pedra com a mão estendida para fazê-la pular.“Muito bem, então vocês descobriram a Fé Bahá’í.Mas o que tem is to a ver com ‘acredi tar ’em Bahá’u’lláh?”

Alessandra jogou outra pedra do jeito queRidván mostrara. Pulou uma vez antes de afundar.

“Ei! Consegui! ... o quê?”Ridván repetiu a pergunta.Alessandra respondeu: “Bem, nós, quero dizer,

meus pais , não têm cer teza se Bahá’u’ l láhrealmente foi enviado por Deus ou não. Mas eutenho. Acho que isto faz de mim uma bahá’í,não é?”

idván refletiu. Ele nunca encontrara alguémcomo Alessandra. Todas as crianças bahá’ís queele conhecia tinham pais bahá’ís e sabiam sobreBahá’u’lláh a vida inteira. Nenhum dos amigos daescola jamais quis falar de Deus ou religião. E eis

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aqui Alessandra, falando de Deus e de Bahá’u’lláh,sem se encabular. E decidiu que ela era bahá’í,mesmo que os pais não fossem. Como ele estavaabismado! Mesmo assim, pensou se ela tinha razão:“Se você aceita Bahá’u’lláh, você é bahá’í. Afinalde contas, o que mais há?”

Em voz alta, comentou: “É, acho que sim.”Os dois permaneceram em pé, em silêncio, na

margem do lago, jogando pedras na água.Alessandra praticava fazer as pedras pularem, masa maioria afundava. Ela batia palmas e soltava umgritinho de alegria cada vez que uma dava umpulinho. Ridván tinha mais experiência e faziatodas as pedras pularem. Ele estava perdidonos pensamentos.

“Esta menina é realmente diferente”, refletia.Não tinha medo de dizer o que pensava e pareciaestar completamente à vontade num ambientenovo. Afinal, ela só estava naquela cidade há umasemana e pouco! Ela fazia amizade com facilidade– todos na escola gostavam dela. E havia mais umaoutra coisa.

lessandra?”, disse Ridván, quebrando osilêncio. Ele pronunciou seu nome com cuidado,com o som de “ss” que ela usava.

“Sim?” e la respondeu dis t ra idamente ,concentrando toda a atenção numa pedra quejogava n’água e que também afundara.

“Você não se incomoda quando os outrospronunciam seu nome errado?” Finalmente,descobria o que havia nela que tanto o intrigava.

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“Não”, respondeu com s impl ic idade.“Deveria?”

“Bem, quero dizer, como é – dizem ‘Alexandra’em vez de ‘Alessandra’. Isto não a incomoda?”

“Não”, e la repet iu . “Acho a té umpouco engraçado.”

“Engraçado!” exclamou Ridván. “Como podeser engraçado?”

Alessandra o olhou com curiosidade. “Porqueé”, respondeu. “Sei que sou diferente de todas asoutras crianças por aqui. Vim de outro estado, falocom sotaque diferente, uso nomes diferentes paraas coisas. Como isto por exemplo”, disse tocandoo moletom. “Eu o chamo de abr igo. Achoengraçado ouvir você dizer moletom. E tantasoutras coisas têm nomes diferentes por aqui!Estava vendo com a ‘mãinha’ – aí, ‘mãinha’, emvez de mãe. De qualquer forma, outro dia, na loja,‘mãinha’ disse ‘fecho ecler’ e vocês chamam de‘zíper’; vocês chamam de mandioca a macaxeira;bala, pra nós é queimado. A bala toffee que outrodia me deu, chamo de bombom. Nós nos cobrimoscom ‘acolchoado’ , que vocês chamam de‘edredom’. Meu pai usa ‘peixeira’, que seu paichama de ‘facão’. Você não acha engraçado?” eela riu enquanto fazia uma pedra pular.

idván refletiu. Dava pra entender seu pontode vista. Realmente eram bastante engraçadas aspalavras nordestinas. Mas isto não era igual a tero próprio nome como motivo de gozação.

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“Mas o seu nome”, ele disse. “Você não seimporta que todos pronunciem errado?”

“Não” – ela respondeu – “porque eu sei comodeveria ser pronunciado. Sei algo que ninguémmais sabe! Por que deveria me incomodar se todosos outros estão errados? O problema é deles, nãomeu. Além disso, qualquer dia aprenderão apronúncia certa e aí eles serão o motivo de riso.Mas nem me preocupo muito com isto.”

Ela parou e então perguntou com suavidade: “Éporque a Sra. Clara pronuncia o seu nome erradoque está me fazendo todas estas perguntas?”

Ridván hesitou. De certo ela não sabia quantoele era motivo de gozação dos meninos por causadisto. Deveria lhe contar?

“Bem...”, ele começou.“Ou é por causa dos meninos que fazem

tanta gozação?”Então e la sabia! Ele sent iu um al ív io!

Finalmente, poderia conversar com alguém que ocompreendia. Ela teria pena dele, estaria dolado dele.

“É” – ele exclamou – “é isto mesmo. E odeio omeu nome. Não acho nem um pouco engraçado.”

“Hum...”, disse Alessandra, pensativamente.Ela se sentou e começou a brincar com algumas‘plantas-dorminhocas’. Quando as tocava, elas sefechavam. Ridván se sentou ao seu lado.

“Posso entender seu problema” – ela disse –“mas, sabe , de cer to modo você convidaessa provocação.”

Ridván a olhou, irado. Ela deveria estar do lado

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dele. Que é que estava acontecendo? Ele nuncadeveria ter levantado o assunto.

Alessandra percebeu seu olhar e sorriu. “Nãoquero parecer grosseira, mas alguma vez vocêexplicou aos outros como pronunciar seu nome ouparticipou da brincadeira? Eles só fazem isto, sabe,porque sabem que você vai ficar encabuladoou bravo.”

idván começou a entender o que Alessandraqueria dizer. Não, de fato ele nunca contara comoera a pronúncia correta de seu nome. Desde oprimeiro dia, a Srta. Clara dissera errado e eletentara só uma vez corrigi-la, antes de desistir. Nointervalo, naquele primeiro dia, algumas criançasda turma tinham se reunido em torno dele, assimcomo fizeram com a Alessandra no primeiro diadela. É claro que perguntaram o seu nome, mas oacharam estranho e difícil de pronunciar. Mas, emvez de tomar parte na brincadeira, rindo junto comofez Alessandra quando pronunciaram o nome delaincorretamente, ele ficara encabulado e vermelho.

Alessandra ainda estava falando. “Você tem queajudar as pessoas, tá entendendo? Nunca ouviramum nome como o seu. E é claro que não percebemo que ele significa – suponho que você nunca lhescontou, não é?” ela perguntou, em tom de acusação.

“O quê? Contar que meu nome significa DiaSagrado? Aí sim que iriam rir de mim!”

Alessandra o olhou bem e então deu umagargalhada. Ridvánparecia incomodado.

“Se você pensa que é só isto que significa seu

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nome, é melhor ficar contente que não deram nomeem homenagem ao dia de hoje! Imagine se vocêfosse ‘Declaração-do-Báb-Silva’!”

Ridván achou graça da idéia. Logo viu a mãe eo irmão saindo do bosque, vindo em direção a eles.Acenaram.

“Vamos nadar”, Pedro gritou e durante a meiahora seguinte, mais ou menos, os três nadaram ebrincaram na represa. Não se falou mais a respeitode nomes ou problemas.

inalmente, chegou a hora de sair e seenxugar. Esfregaram-se com as toalhas enquanto aSra. Silva servia chá quente de uma garrafatérmica. Quando estavam mais ou menos secos, oSr. Silva olhou o relógio e disse que achava queestava na hora de se arrumarem para voltar.Colocaram as coisas na cesta de piquenique e astolhas no barco, puseram novamente os coletessalva-vidas e partiram para o outro lado do lago.

Depois de alguns minutos, o Sr. Silva parou deremar e dirigiu-se a Ridván: “Se você prometer nãosaltar por todos os lados, pode vir aqui e remar umpouco, se quiser.”

Ridván trocou cuidadosamente de lugar com opai. Pegou os remos – eram mais pesados do queimaginava. Ele tentou fazer o que o pai mostrara aPedro, mas por algum motivo os braços nãoqueriam trabalhar juntos. Quando ele puxava oremo direito o barco saía numa direção. Quandopuxava o esquerdo, de repente, saía na outra.

“Juntos, puxe-os juntos”, gritava o pai. Ridván

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tentava, mas os remos pareciam ter vida própria.Era muito difícil sequer puxá-los pela água, quantomais ao mesmo tempo!

O Sr. Silva orientava: “Para dentro, dois, três;para fora, dois, três”, mas os remos se mexiamquase que sozinhos. Ridván os segurava comfirmeza – não queria levar um soco no estômago,como seu irmão levara antes.

Finalmente , e le conseguiu fazer ambosfuncionarem mais ou menos ao mesmo tempo.

Como seu braço direito era mais forte que oesquerdo, ele puxava mais o remo direito. O barcocomeçou a girar.

“Endireite o barco, filho, endireite o barco”, opai gritava. Ridván se confundia e puxou mais forteainda no remo direito. O barco começou a rodarem círculo.

“O esquerdo, o esquerdo! Puxe o esquerdo!”,o Sr. Silva dizia.

Ridván ainda puxava o direito. À medida queo barco girava em círculo na água, Pedro eAlessandra começaram a dar risada baixinho. O Sr.Silva ainda orientava: “Puxe o esquerdo, Ridván,o remo esquerdo.”

Na tentativa de seguir as instruções do pai,Ridván empurrou o remo esquerdo na água – e obarco deu outra volta. Todos estavam gargalhandoagora. Ele ergueu ambos os remos e suspirou. Obarco parou.

“Tente de novo”, o pai falou. “Puxe os dois namesma hora.”

Ridván deu de ombro, fez que sim com a cabeça

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e começou de novo. Desta vez parecia estar dandocerto, pois o barco partiu numa linha mais oumenos reta, em direção à margem.

Após alguns minutos, Ridván percebeu quePedro tinha razão. Era serviço pesado mesmo! Eletrocou de lugar com a mãe, de muita boa vontade,depois que Alessandra recusou um convite paratentar remar também.

“Afinal de contas, quero chegar em casa aindahoje!”, ela disse.

epois de todo esforço, conseguiram chegarao ancoradouro. A Sra. Silva ajeitou as criançasno carro, enquanto o Sr. Silva amarrava o barco.Ele parecia demorar toda vida.

“Desculpem, pessoal”, ele disse, quandoretornou. “Eu só estava trocando uma palavrinhacom o barqueiro. Dei o número do nosso telefone,caso ele quisesse falar sobre a Fé.”

Não conversaram muito no caminho de casa –estavam cansados demais. A Sra. Silva distribuiumaçãs. Ridván mastigava a sua enquanto pensavasobre os acontecimentos do dia. Que será queAlessandra queria dizer quando comentou que seunome tinha um significado? Ele remoía o assuntodurante todo o caminho de casa , mas nãoconseguia compreender.

arde naquela noite, após deixar a Alessandraem casa, jantar e lavar a louça, Ridván de repentese lembrou que no dia seguinte teria de contar na

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aula sobre o Dia Sagrado. Ele não gostava de fazerpalestras na frente da turma, mas não via maneirade escapar. A Srta. Clara fazia todo mundo falar,cedo ou tarde. O que será que ele poderia dizer?

Pedro es tava ocupado na suaescrivaninha, escrevendo.

“O que você está fazendo?”, Ridván indagou,sem muito interesse.

“É só uma coisa que tenho de aprender paraamanhã”, Pedro respondeu.

“Lição de casa, né?”, Ridván comentou,solidariamente. Sempre havia tanta lição!

“Não é bem isso”, Pedro respondeu. “Fiquei decontar à minha turma por que não fui à escola hoje.Pensei que seria melhor escrever um esquema doque queria falar.”

“Eu também tenho de fazer isto”, Ridván disse,começando a se interessar. “O que você vai dizer?”

“Tá, leia você mesmo”, Pedro disse, ao entregaro papel ao irmão.

Ridván olhou com cur ios idade. Era sóuma lista:

1) Báb – quem Ele era;2) Mullá Husayn – o que ele fez;3) A noite de 22 de maio de 1844;4) Por que o Báb veio;5) Bahá’u’lláh;6) Ridván;7) Os princípios – um só Deus, um só povo,

uma só religião.

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idván levou um susto ao ver o seu nome nal is ta . “Por que is to es tá aqui?” perguntou,apontando para o sexto item da lista.

“Ridván. Você sabe, a Declaração deBahá’u’lláh. Você não pensou que era você,pensou?”, Pedro disse, mexendo com o irmão.

“Mas o que isto tem a ver com a Declaração doBáb?” Ridván perguntou.

Seu irmão disse: “Pensei que seria boa idéiacontar um pouco sobre a Fé Bahá’í, também. Se oBáb veio para contar às pessoas que Bahá’u’lláhviria em seguida, eu não poderia deixar de contarà turma sobre o Báb, sem falar de Bahá’u’lláh,poderia?”

Ridván começou a ficar impaciente. “Mas porque Ridván?”, ele gritou. “O que isto tem a vercom Ridván?”

“Meninos! Que barulheira é essa, aí em cima?”,o Sr. Silva gritou lá da sala, no andar de baixo.

Pedro olhou seu irmão com curiosidade. “Nãoprecisa gr i tar, né”, e le disse , um pouco nadefensiva. Houve uma pausa e ele começou denovo. “Como eu estava dizendo, Ridván é a dataem que Bahá’u’lláh declarou que era o Prometido.Os dozes dias no jardim de Ridván. Pelo menosisto você deve ter aprendido na aula bahá’í!” Sendomais velho, Pedro sempre estivera em turmadiferente de Ridván.

Ridván sacudiu a cabeça. Tinha certeza quenunca tinha ouvido isto antes. Mentalmente, elerepassou as coisas que aprendera na aula bahá’í:orações, é... uma porção de orações; os Reinos de

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Deus – quantas vezes ele aprendera sobre osdiferentes reinos e os diferentes Manifestantes; umem seguida do outro, até Bahá’u’lláh. E erapraticamente só isso. Bom, havia os princípiostambém. E o calendár io . Ah, e a lgumascanções bahá’ís.

“Não”, e le respondeu. “Acho que nuncachegaram lá.”

“Você quer dizer que durante todo este tempo,você nunca soube da Declaração de Bahá’u’lláh?”,Pedro perguntou.

“É claro que isso eu sabia”, Ridván respondeu.“Sei que Ridván é um Dia Sagrado, também. Sónão sabia que os dois eram a mesma coisa.”

“Mas você não pres ta a tenção nascomemorações dos Dias Sagrados?” Pedroperguntou. “Você já assistiu muitas comemoraçõesde Ridván!”

Ridván corou – ainda ontem à noite estavapensando que deveria prestar mais atenção nasreuniões. “Nem sempre”, ele sussurrou.

“Pois deveria”, Pedro retorquiu. “Poderiaaprender alguma coisa.” Ele se debruçou naescrivaninha e começou a escrever novamente.

idván começou a pensar que talvez seuirmão pudesse lhe ajudar com a pergunta que oestava atormentando. Alessandra tinha dito à tardeque o nome dele tinha um significado. Será quePedro sabia qual era? Ele resolveu tentar.

“Você poderia... você poderia me contar o quesignifica ‘Ridván’.. .?” Ele engoliu em seco.“... por favor?”

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Pedro se virou para o irmão. Parecia que ia darrisada, mas ele deve ter refletido melhor, pois dissenuma voz suave: “Ridván é um jardim perto deBagdá, onde Bahá’u’lláh ficou por dez anos quandofoi exilado da Pérsia. Ele havia sido mandado paraoutro lugar, mas, antes de sair de Bagdá, Ele ficouneste jardim por doze dias. Foi lá que Ele disse atodos que era Aquele que o Báb dissera que viria.”Pedro parou e olhou seu irmão. Ridván estava como olhar fixo na distância, tentando se concentrarno que o irmão dizia.

Pedro continuou: “isto foi Sua Declaração,entende? O jardim era um lugar muito bonito, umparaíso, por isto é chamado Ridván. Isto quer dizerpara íso . Suponho que você sabe o que éparaíso, né?”

Ridván fez que sim com a cabeça – isso tinhaaprendido na escola. Ele se manteve em silêncio.De repente, toda sua visão mudara. Remoía namente o que o irmão dissera. Embora seu nomefosse muito diferente, sem dúvida era um nomeespecial. Então era isto que Alessandra queria dizerquando comentou que seu nome t inha umsignificado. Agora ele compreendia porque ela riuquando ele disse que era simplesmente um DiaSagrado – era muito mais que isto!

Ridván se sentia mais feliz do que jamaisestivera desde que chegara a Rouxinol. Queriacontar a Pedro todos os seus problemas comEduardo e os outros meninos, mas Pedro estavaabsorto na sua tarefa. E então Ridván se lembroude Eduardo! Ele nem se importaria que Ridván

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fosse um nome bahá’í especial – Eduardo nem erabahá’í. Ridván se entristeceu outra vez. Mesmo queseu nome tivesse um significado maravilhoso,Eduardo e seus amigos ainda gozariam dele. Naverdade, nada realmente tinha mudado.

Então Ridván se lembrou de a lgo queAlessandra dissera: ela não se incomodava que achamassem de ‘Alexandra’ em vez de ‘Alessandra’,porque ela mesma sabia a pronúncia certa do seunome. Eram os outros que estavam errados – e eladissera que um dia eles aprenderiam o certo everiam que eles mesmos eram motivo de piada, masAlessandra também dissera que era preciso ‘daruma mão’ para as pessoas. De fato, ele refletiu,não podia esperar que soubessem pronunciar certoseu nome ou compreender seu significado, se elenunca havia contado. Mas ele poderia contar agora,depois de tanta gozação? Talvez ele pudesseabordar o assunto de alguma maneira na suapalestra amanhã. Isso mesmo! Ele faria o mesmoque Pedro – falaria do Báb e Bahá’u’lláh juntos edepois expl icar ia como seu nome es tavano assunto.

or um instante, Ridván se sentia satisfeito.Pegou um lápis e papel e começou a escreverrapidamente uma lista como a de Pedro. Derepente, deixou o lápis cair e bateu na testa com amão. Eduardo nem estava na turma dele! Nemouviria a palestra de Ridván.

Ridván se sentia miserável. Sentou na beiradada cama, olhando o chão fixamente. Os olhos

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focalizaram numa mancha rósea no chão – o queseria? Ele se dobrou para apanhá-la. Era uma daspétalas que caíram do seu livro de orações na noiteanterior – aquela que ele não alcançara. Deve tersaído debaixo da cama. Ridván alcançou o livrode orações. Havia um marcador e o livro abriunaquele lugar, Ridván colocou a pétala entre aspáginas e deu uma olhada na oração da páginamarcada. Era aquela que ele lera na noite anterior.Ele estremeceu à lembrança de seu erro, mas leu aoração novamente: “... remove meu pesar, faze-meadorar Tua Beleza , afas ta-me de tudo,salvo de Ti...”

Se ele se concentrasse em se aproximar deDeus, talvez a gozação cessaria. Mas ele duvidava– Eduardo era assim mesmo. Se ele tentasse serum bahá’ í melhor ta lvez as coisas não oincomodariam tanto. Ele simplesmente tentaria sercorajoso ao compreender que Deus o ajudaria – nãoera assim que todas estas orações diziam? Ele selembrou que uma das orações que decorara erajustamente para este propósito – pedir ajuda aDeus. Na verdade, era uma oração do Báb. Elefechou os olhos e recitou: “Há quem remova asdificuldades a não ser Deus? Dize: Louvado sejaDeus! Ele é Deus. Todos são Seus servos e todosobedecem a Seu Mandamento.”

Já estava se sentindo melhor. “Amanhã” – eledisse para si mesmo, à medida que se arrumavapara dormir – “farei isto amanhã mesmo.”

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aquela noite, Ridván não dormiu muitobem. Duas vezes acordou de sobressalto ao selembrar do suplício que o aguardava. A palestrana sala de aula seria relativamente fácil, já quePedro tinha lhe dado a idéia de fazer a lista. Masconfrontar Eduardo e seus amigos... Só de pensarnisto, Ridván se arrepiava. Ele se preocupava muitocom isto. Mas cada vez que acordava acabavafinalmente se lembrando da decisão que tomara deconfiar em Deus e recitava novamente a oração doBáb. Is to o acalmava e por f im adormecia,sonhando com represas e óculos-de-sol e remando,barcos cheios de nordestinos...

o dia seguinte, Ridván acordou mais cedoque de costume; ele murmurou a oração do Báb àmedida que se levantava, contente consigo mesmopor ter se lembrado das orações mat inais ,finalmente. Ele deu “tchau” para a mãe ao sair paraa escola. Caminhando pela rua, ele pensava nadecisão da noite anterior e na palestra que darianaquele dia. Mas como o tempo estava legal, seuspensamentos logo vagavam para outras coisas:vôlei naquela tarde, férias na semana seguinte,quando poderia visitar seus amigos em Colibri,uma viagem ao litoral, se o tempo continuasse bom.E então ele viu Eduardo sentado num muro com osoutros meninos. Todo o pensamento das férias quese aproximavam desapareceu. O coração de Ridvánbatia cada vez mais depressa, à medida que seaproximava do grupo. Ele queria sair correndo –sabia que gozariam dele outra vez. Dito e feito! Aí

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vinha Eduardo, que já descera do muro.“Oi Divã”, ele gritou.Um menino fez uma care ta e gr i tou:

“Divã, Divã.”Outro entrou no cântico conhecido: “Divã, pã,

pã, pã, Divã!”Ridván sentia a cor tomar conta de seu rosto.

Talvez devesse passar como sempre fizera. Entãodecidiu que não. Tinha de acabar com isto de umavez por todas. Lembrou-se da noite anterior erepetiu a pequena oração do Báb em silêncio.Respirou fundo. E então ele sorriu, dirigiu-sediretamente ao Eduardo e disse numa voz amigávele calma: “Oi, Eduardo. Meu nome é ‘Rez-van’.”

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