metabolismo de medicamentos

10

Upload: cgmoraes

Post on 11-Jul-2015

203 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Metabolismo de medicamentos

5/11/2018 Metabolismo de medicamentos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/metabolismo-de-medicamentos 1/10

REVISAo

NO(:OES BAsICAS DO METABOLISMO DE FARMACOS*

Eliezer J. Barreiro*, Joaquim Fernando M. da Silva e Carlos Alberto M. Fraga

Faculdade de Farrnacia - Universidade Federal do Rio de Janeiro - CP 68006 - 21944-390 - Rio de Janeiro - RJ

Recebido em 9/10/95; aceito em 19/1/96

BASIC NOTIONS OF DRUG METABOLISM. Drugs are biochemical unstable entities that elicit

the required pharmacological response and thereafter are excreted. The absorption, distribution

and elimination of a drug are complex and interrelated, in which the chemical changes in the

original structure, induced by enzymes of the liver and other organs, play an important role. The

study of metabolic transformation of drugs can permit the prediction of the major structural

alterations in the nature of the pharmacological profile, their duration of action and their toxicity,

representing an important tool to the complete understanding of the complex relationships be-

tween the physicochemical properties of a substance and its biological activity.

Keywords: medicinal chemistry; metabolism of drugs; enzymatic induction.

INTRODU(:AO

o emprego da expressao metabolismo de farmacos comporta

alguma polemica na literatura '. Alguns autores consideram

como metabolismo 0 estudo do destino total do farmaco na

biofase, incluindo-se as etapas de absorcao, distribuicao,

biotransfomacao e excrecao '. Outros consideram como metabo-

lismo apenas a biotransformacao do farrnaco, compreendendo

as modificacoes qufmicas, enzimaticamente promovidas, que 0

farmaco sofre na biofase", distinguindo, portanto, 0 aspecto

farmacocinetico que envolve os fenomenos de absorcao/

distribuicao do farmacc nos diferentes compartimentos da

biofase. Atualmente, 0 termo metabolismo e empregado para

descrever as transforrnacoes enzimaticas de substancias

end6genas (e.g., acetilcolina), enquanto biotransformacao

compreende a metabolizacao de xenobi6ticos (e.g., famiacosr'",

Neste trabalho, consideraremos como metabolismo dos farma-cos os processos enzimaticamente catalisados capazes de

produzir modif icacoes estruturais no farmaco. Neste contexto,

a classificacao de Williams, de 19593, para as fases do

metabolismo, sera adotada. Este autor denominou biotransfor-

macae, a primeira fase do metabolismo (fase 1) de urn farmaco

na biofase, englobando reacoes de oxidacoes, reducoes e

hidr6lises. A fase 2 do metabolismo compreende, segundo este

autor, a etapa de conjugacao, envolvendo reacoes de glicu-

ronidacao, sulfatacao, acilacao, metilacao e a formacao de

adutos com glutationa.

Raramente uma substancia organica, farmaco ou nao,

sobrevive a a9ao catalftica dos diversos sistemas enzimaticos

presentes nas celulas dos organismos vivos. Considerando-se

que 0 arsenal terapeutico atual compreende uma expressiva

maioria de substancias organicas, pode-se antecipar que dificil-mente urn medicamento, sintetico ou nao, de natureza organic a,

resistira a a9ao das enzimas da biofase",

Urn farmaco tern sua utili dade terapeutica medida em funcao

da a9ao benefica que exerce sobre urn dado sistema biol6gico.

Esta, por sua vez, depende da quanti dade do farmaco adminis-

trada capaz de atingir, na concentracao necessaria, 0 sftio de

a9ao desejado. Portanto, 0 estudo do metabolismo dos farmacos

se torna essencial para 0 completo conhecimento de fatores

farrnacocineticos relevantes ao uso adequado e segura dos

*Contribui~ao #10 do LASSBio - Laborat6rio de Avaliacao e Slntesede Substfincias Bioativas

QUiMICA NOVA, 19(6) (1996)

farmacos. Em termos experimentais, 0 estudo do metabolismo

de farmacos exige 0 emprego de tecnicas analfticas sensfveis eeficazes, aliadas a procedimentos de extracao eficientes e

quantitativos, de fnfimas quantidades de substancias de flufdos

biol6gicos, de maneira a permitir a elucidacao inambfgua da

estrutura qufmica dos metab6litos de urn farmaco, inclusive

quanta a definicao de centros estereogenicos, quando presentes.

Estes metab6litos, para serem adequadamente isolados e terem

suas estruturas elucidadas, precisam ser teoricamente previstos,

em termos estruturais, antecipando inf'orrnacoes sobre as

propriedades fisico-qufmicas, de maneira a permitir a

racionalizacao da escolha do metodo de isolamento quali- e

quantitativamente adequado'', Por outro lado, 0 conhecimento

previo das provaveis mudancas estruturais que urn determinado

farmaco pode sofrer na biofase permite que se antecipem dados

sobre sua provavel estabilidade frente ao metodo de isolamento

escolhido, garantindo sua eficacia em termos quantitativos.Nesta 6tica, 0 conhecimento das bases te6ricas das etapas de

biotransfomacao e conjugacao, fases I e 2, que compreendem

o metabolismo dos Iarmacos, em termos moleculares, se torna

prioritario e essencial. Neste trabalho sera dada enfase aos

aspectos moleculares do metabolismo dos farmacos.

As transformacoes enzimaticamente promovidas na estrutura

qufmica dos farmacos podem acarretar profundas alteracoes na

resposta biol6gica, uma vez que modificacoes moleculares,

ainda que singelas, podem alterar significativamente 0 farm a-

coforo, dificultando sua interacao com 0 biorreceptor original,

ou ainda, favorecendo novas interacoes com outras biomacro-

moleculas, correspondendo a novos e distintos efeitos biolo-

gicos, algumas vezes responsaveis pelos efeitos deleterios de

urn farmaco", Neste sentido, a Organizacao Mundial da Saiide

(OMS) recomenda que os estudos do metabolismo dos farmacosconstituam parte obrigatoriamente integrante dos programas de

avaliacao pre-clfnica e cifnica de quaisquer novos medicamentos 7.

Em termos estruturais, os farmacos, em sua grande maioria,

podem ser considerados como micrornoleculas organicas,

lipossohiveis, polifuncionalizadas. Estas caracterfsticas contri-

buem para que apresentem diferentes sftios reativos frente as

imimeras enzimas da biofase. Como consequencia desta plurir-

reatividade, urn determinado farmaco produz, nao raramente,

distintos metab6litos, visto a diferenca na cinetica relati va das

diferentes enzimas envolvidas no metabolismo. 0 estudo

molecular do metabolismo dos farmaccs permite que se

antecipe, a luz das diferencas de reatividade qufmica dos

distintos sftios metabolicamente labels, urn nfvel de

641

Page 2: Metabolismo de medicamentos

5/11/2018 Metabolismo de medicamentos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/metabolismo-de-medicamentos 2/10

hierarquizacao na formacao destes diferentes metab6Iitos,prevendo-se, antecipadamente, aqueles rnajoritarios. Por outrolado, 0 conhecimento das bases moleculares do metabolismo

dos farmacos permite que se introduzam, racionalmente,determinadas modificacoes estruturais de maneira a aprimorarsua biodisponibilidade ou eficacia (pro-farrnacos)",

FASES DO METABOLISMO: FASE I.

o quadro I ilustra as principais possibilidades que urnfarmacc pode sofrer nas transformacoes metab6licas. 0primeiro caso ilustra que 0 farmaco originalmente inativo (pr6-farmaco) sofreu ativacao metab6lica fornecendo, ap6s suabiotransforrnacao, a substiincia terapeuticamente util", 0segundo caso ilustra a possibilidade de 0 farmaco originalmenteadministrado produzir metab6lito de estrutura similar, biolo-gicamente ativo, porern com propriedades farmacol6gicasdistintas do farmaco-rnae, geralmente responsavel pelos efeitost6xicos observados com 0 seu emprego. Esta situacao dependeenormemente da estrutura original do farmaco administrado,que em funcao disto pode sofrer biotransforrnacoes queproduzam especies labeis capazes de reagir covalentemente combiornacromoleculas da biofase (exemplos desta situacao seraodiscutidos neste trabalho). No terceiro caso ilustrado no quadro

I, 0 farmaco original conduz a urn metab6lito inativo (i.e.bioinativacao metab6lica) com propriedades adequadas para asua excrecao pela via renal. Esta situacao representa umasituacao ideal, infelizmente rara.

Quadro 1. Metabolismo de farmacos

Farmaco inativo Metab6lito ativotBioativaciios

Farmaco ativo Metab6lito ativo (mesma atividade ou nao)(Toxicidade)

Farmaco ativo Metab6lito inativo(Bioinativacdoy

o estudo do metabolismo dos farmacos permite:

a) estabelecer a cinetica de formacao e as estruturas qufrnicasde seus metab6litos;

b) determinar a velocidade e 0 sftio de absorcao majoritario;

c) determinar os nfveis de concentracao e dep6sito, plasmaticoe tecidual, tanto do farmaco como de seus metab6litos,permitindo estabelecer sua meia-vida na biofase;

d) determinar a principal via de eliminacao;

e) determinar os sftios moleculares metabolicamente vulnera-veis e correlaciona-los com aqueles farmacoforicamentemais relevantes a atividade;

f) compreender as interacoes metab6licas de urn determinadofarmaco com outro, administrado simultaneamente ou em

associacao;g) elucidar as eventuais vias de "reabsorcao" metab6lica,

quando houver;

h) determinar a toxicidade dos metab6litos e correlaciona-loscom a estrutura qufrnica;

i) fornecer novos compostos prot6tipos para atividadesfarmacol6gicas distintas daquela do farmaco original.

Os farmacos, assim como outros agentes qufmicos (solventesindustriais, praguicidas, aditivos de alimentos industrializadosetc.) estranhos ao organismo (i.e., xenobi6ticos) sao metabo-lizados por distintos sistemas enzimaticos, Dentre estes, 0

principal sistema enzimatico envolvido no metabolismo dosfarmacos" compreende as enzimas microssomicas hepaticas, emque se destacam uma hemeprotefna oxidativa denominada

642

citocromo P450 e uma flavoproteina, NADPH-Citocromo credutase, que, associadas a lipfdeos, formam 0 sistema MFO(mixed function oxidases, oxidases de funcao mista). Embora

seja 0 ffgado 0 principal sftio de metabolizacao dos farmacos,outros orgaos e tecidos podem biotransformar farmacos (e.g.,

trato gastrintestinal, pulmoes, rins)".A primeira etapa do metabolismo dos medicamentos - fase

I - se caracteriza por envolver reacoes redox ou hidrolfticas,responsaveis pela conversao do farmaco lipofflico em urn

primeiro metab6lito mais polar', Esta etapa, na maioria dasvezes envolve 0 Cit.P450 hepatico, e compreende, basicamente,a insercao de urn atorno de oxigenio, originario de umamolecula de 02, na estrutura do farrnaco (Figura 1)10.

•'--.

H+= r-H20

~ . + al l/N- _...N -- N 4+ N

N -N" /··cc".------N~N:::-

. . t rms fe r i dos por NADPH -C i t( ) (. TO I llO P 450 redutasc

Figura 1. Mecanisme de monoxigenuciio catal isada P'"' ci tocromo P450.

o sistema citocromo P450 e compos to por diversasisoenzimas, codificadas pela superfamflia de gens CYP.Y Estasuperfamflia e dividida em famflias e subfamilias, sendo que,em humanos, as principais subfamflias envolvidas com 0

metabolismo de farmacos sao as CYP lA, 2A-F e 3A. Abiotransforrnacao oxidativa da cafefna (I), por exemplo, emediada por diferentes isoformas de citocromo P450 (CYP lA2e 3A). A isoforma lA2 e responsavel pela formacao deparaxantina (2), enquanto que a 3A esta envoiv ida com aoxidacao da posicao 8, levando a formacao do acido 1,3,7-trimetihirico (3) (Figura 2)1l.

. .

Figura 2. Metabolismo oxidativo da cafeina (l).

Observa-se ainda a existencia de polimorfismo genetico nestesistema enzimatico, justificando a existencia de indivfduos combaixa taxa de metabolizacaode certos farmacos, enquanto que paraoutros apresentam comportamento normal. Esta diferenca acarreta

QUfMICA NOVA, 19(6) (1996)

Page 3: Metabolismo de medicamentos

5/11/2018 Metabolismo de medicamentos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/metabolismo-de-medicamentos 3/10

variacao individual nas reacoes t6xicas a determinado farmaco.

o complexo enzimatico do citocromo P450 pode ser

encontrado tanto em organismos procari6ticos, na forma de

enzimas sohiveis no citoplasma celular, como em organismos

eucari6ticos, em que se encontra ligado as membranas

celulares. Apesar das diferencas de propriedades entre as

enzimas procari6ticas e as eucari6ticas, verifica-se a existencia,

em ambos os tipos, de duas regioes com alto grau de conserva-

~lio de sequencia de aminoacidos: as regioes de Iigacao com 0

grupo heme (ligado a apoenzima atraves de urn residuo cistefna)

e com 0 oxigenio molecular".

V arias reacces de bioconversao de diferentes grupos

funcionais podem ocorrer na fase 1 do metabolismo. Entre os

processos microssomicos encontram-se aqueles descritos no

quadro 210.12, enquanto que os nao-microssornicos estao

ilustrados no quadro 310.12.

Quadro 2. Processos microssomices de biotransformacao

Oxidacoes catalisadas por citocromo P450

Carbono

Hidroxilacao alifatica R~RJ:

R~ArOR

Hidroxilacao benzflica

R~Ar

OR

Hidroxilacao alflicaR~R'

R~R'

OR

Hidroxilacao exa heteroatomoX~R'

X~R'

Hidroxilacao aromatica ArH ArOH

R' 0

Epoxidacao / / AR R R'

Nitrogenio

Aminas primarias RNH2 RNHOH

Aminas secundarias R1R2NH R1R2NOH

Aminas terciarias R1R2R3N R1R2R3N-O

Amidas RCONHR' RCON(R)OH

Enxofre

Sulfetos RSR' RSOR'

Sulf6xidos RSOR' RS02R'

Reduefies

Azo R-N=N-R' R-NH2 + R'NH2

Nitro R-N02 R-NH2

Cetonas RCOR' RCH(OH)R'

QUiMICA NOVA, 19(6) (1996) 643

Page 4: Metabolismo de medicamentos

5/11/2018 Metabolismo de medicamentos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/metabolismo-de-medicamentos 4/10

Quadro 3. Principais biotransforma~oes niio-microssomicas.

Farmaco Metabolite

RCH20H RCHO

RCHO RC02H

R(CH2hC02H RC02H

RCH2NH

zRCOzH

RCOR' RCH(OH)R'

R'

/-1 RCHzCHzR'

R

Entre os processos oxidativos nao-microssomicos de fase 1,

encontram-se as oxidacoes de alcoois por a'tao de desidroge-

nases hepaticas (LAD) tambem presentes nos pulmoes e rinsl3.

Por a'tao destas enzimas os alcoois primaries (e.g., etanol)

produzem aldefdos, Estudos de cinetica relativa indicaram que

os alcoois primaries sao muito mais rapidamente oxidados que

os alcoois secundarios, que formam compostos cetonicos como

produtos. Este processo e 0 principal caminho de inativacao

metabolica das prostaglandinas (PG) (e.g. PGEz, 4), autacoides

do grupo dos eicosanoides que sofrem a a'tao da prostaglandina-

desidrogenase (PGDH), enzima plasmatica responsavel pela

oxidacao do alcool alflico em C-15, produzindo urn derivado

inativo (5), que por sua vez e substrato de uma segunda enzima

capaz de reduzir a insaturacao em C-l3 fornecendo (6), que

subsequentemente sofre a'tao de oxidases de acidos graxos (vide

infra) e produz 0 principal metabolite de fase 1 desta classe(7) (Figura 3)14.

J._,'~CO'H

~CH3

HO

~'.."'~CO'H

~CH3

HO 0OH

~'''''~CO'H

~CH3

HO 0

~"'~CO'H

~CH3

HO 0

Figura 3. Bioinativaciio de prostaglandinas.

Compostos aldefdicos sao oxidados pelo sistema enzimatico

nao-rnicrossomico denominado aldefdo-desidrogenase (LDD),

produzindo 0 acido carboxflico correspondente.

No plasma ocorrem reacoes de metabolizacao d e acidos

alquil-carboxflicos por a'tao de l3-oxidases. Estas enzimas sao

capazes de promover a cisao oxidativa das ligacoes C-Csp3 das

cadeias alifaticas de acidos graxos produzindo bis-homologos

inferiores (e.g. 7, Figura 3)14.

Urn complexo enzimatico, cobre-dependente, nao-microsso-

mico, capaz de promover a cisao oxidativa da ligacao CoN de

aminas primarias e a monoaminooxidase (MAO). Este complexo

enzimatico e largamente encontrado nas mitocondrias de diversas

celulas de mamfferos (e.g., ffgado, rins, pulmao, vasos sangufneos,

rmisculo cardfaco, mucosa intestinal e plasma), participando da

inativacao de diversas aminas biogenicas, Como exemplo, temos

a serotonina (8), que, sendo substrato da MAO, produz 0 acido 3-

indolilacetico correspondente (9), que e diagnostico, quando

64 4

dosado na urina, para antecipar a fase rsicotica de pacientes com

psicose maniaco-depressiva (Figura 4) 5.

H 1 Q r ) ~ '\H

-Serotonina (ID (2)

Figura 4. Conversdo de serotoninu (8) a dcido 5-liitlroxi-3-

indolacetico (9) pela aciio da MAO.

Reacoes nao-oxidativas que ocorrem nos microssornos

compreendem a reducao de grupamentos nitro (N02) e diazo

(N=N). 0 sistema microssomico responsavel por estas reacoes

nao-oxidarivas e dependente de NADPH-citocromo C redutase!".

Farmacos que possuam grupamento nitro-arornaticos produzem,

por a'tao deste sistema enzimatico, derivados anilfnicos como

ilustra a biotransforrnacao do cloranfenicol (10) (Figura 5)16.

Figura 5. Metabolismo do cloranjenicol (10).

Alguns compostos nitrados podem produzir como principal

metabolite a correspondente hidroxilamina, substrato para

enzimas conjugativas da fase 2 (vide infra) 10. Embora este

produto de rnetabolizacao de substiincias nitro-arornaticas seja

menos frequente, interfere na via metabolic a de alguns agentes

antiftingicos, como 0 derivado nitrofuranico funcionalizado

(nitrofural, 11) mostrado na figura 617.

~NNHCONH'O,N 0 - ~NNHCONH'

HOHN 0

(ll)

Figura 6. Formacao de hidroxilamina (12) durante 0 metabolismo

de nitrofural (11).

A reducao de diazo-cornpostos por a'tao de enzimas micros-

somicas foi descoberta com 0 estudo das propriedades

antibacterianas da sulfamidocrisoidina (13)18. Este compos to

representa 0 primeiro pro-farmaco conhecido, sendo inativo invitro. Esta substancia sofre processo de bioativacao metabolica

por a'tao de azo-redutases produzindo, in vivo, a sulfanilamida

(14), responsavel pela a'tao antibacteriana manifestada por

antagonismo competitivo com 0 acido para-aminobenzoico

(PABA) na biossfntese do acido folico (Figura 7).

H'N-Q-N~N-o-SO'NH'

NH,

H,N-Q-NH, + ~

NHz ¥S02NH2

W)

UJ)

Figura 7. Bioativaciio da sulfamidocrisoidina (13) produzindo a

sulfanilamida (14).

QUiMICA NOVA. 19(6) (1996)

Page 5: Metabolismo de medicamentos

5/11/2018 Metabolismo de medicamentos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/metabolismo-de-medicamentos 5/10

As reducoes nao-microssomicas conhecidas no metabolismo

dos farmacos representam vias secundarias de metabolizacao

em que intervem processos de reducoes de compostos ceto-

nicos e insaturados.

Alem dos processos redox, 0 metabolismo em sua fase I

compreende ainda reacoes hidrolfticas que podem ocorrer tanto

no ffgado quanta no plasma. Estas reacoes sao catalisadas por

hidrolases e transformam esteres, amidas e outras funcoes

derivadas de acidos carboxflicos (e.g., acidos hidroxamicos,

hidrazidas, carbamatos e nitrilas) em metab6litos polares. Alguns

exemplos de farmacos com esses grupos funcionais, como alidocafna (15) e derivado (16) estao ilustrados na figura 810.12.

+

( C H ,

o ~ N I

HC/O~O CH,, 0

OH

o

Figura 8. Exemplos de biotransformaciies pOT hidrolise enzimatica.

As hidrolases de esteres, denominadas esterases, estao

presentes no trato gastrintestinal, plasma, flora microbiana

intestinal e algumas especfficas em determinados tecidos (e.g.,

acetilcolinesterase no sistema nervoso central SNC). As

esterases plasrnaticas tern sido largamente exploradas na

liberacao de formas latentes de farmacos derivados de acidos

carboxflicos (e.g., penicilinas (17), Figura 9)19.

AmpldUna(lJ!)

AntihjOtico

Sul tamkUlna ( .11)

H o q ', I

H O O : ~o

Addu penle ll imko -l iu lfona ( WI ni bi do r d e fJ -taaomase

Figura 9. Conversiio da sultamicilina (17) a ampicilina (18) e dcido

peniciliimico-sulfona (19).

A exemplo das esterases, as amidases, responsaveis pela

hidr6lise enzimatica de amidas, encontram-se largamente

distribufdas no plasma e trato gastrintestinal, onde desempenham

import antes funcoes na digestao. Ambos os tipos de enzimas

hidrolfticas sao sensfveis a efeitos estericos e eletronicos,

permitindo a previsao de hidr6lises cineticamente favorecidas em

funcao, por exemplo, de menores restricoes estericas. 0 estudo da

hidr6lise de esteres da cocafna (20) indicou que se pode prever a

seletividade da reacao enzirnatica em funcao do menor

impedimento esterico existente entre dois esteres de urn mesmo

substrato; estes estudos contribuiram significativamente para 0

desenvolvimento de novos agentes anestesicos (Figura 10)10.18.

QUiMICA NOVA, 19(6) (1996)

Figura 10. Hidrolise dijerenciada da cocaina (20).

A petidina (21), poderoso agente analgesico central sem

propriedades hipno-narc6ticas, foi desenvolvida por modifica-

c;:oes moleculares sucessivas do prot6tipo morfina (22), e

mostrou-se estavel frente a esterases plasmaticas em razao da

natureza neopentflica do ester em sua estrutura'". Em contraste,

este farmaco pode ser facilmente hidrolisado por ac;:ao de

esterases hepaticas inespecfficas, indicando que estas enzimas

sao estericamente menos exigentes do que as isoenzimas

plasmaticas (Figura 11). A hidr6lise de amidas, carbamatos,

hidrazidas, imidas, urefdas e passo de biotransformacao

frequente no metabolismo de farmacos, sendo geralmente mais

lenta que dos correspondentes esteres (cf Figura 8).

Petidina (ll) MorfinaW)

Figura 11. Estruturu da petidina (21) e da morfina (22).

Por outro lado, derivados de acidos hidroxamicos

(RCONHOH) produzem 0 acido carboxflico correspondente

atraves da acao de enzimas hidrolfticas do plasma, deter-

minando para este grupo funcional enorme labilidade

metab6lica que depende, entretanto, do eventual impedimento

esterico em funcao da natureza do substituinte do atomo de

nitrogenio. Diversos derivados de acidos hidroxamicosapresentam propriedades inibidoras da enzima 5-lipoxigenase

(5_LO)21, responsavel pel a bioformacao de leucotrienos, classe

de icosan6ides com importantes propriedades bronco-

constritoras e, consequentemente, com potencial terapeutico

para emprego no tratamento da asma. Entretanto, em funcao da

labilidade metab6lica devido a presenca do grupamento acido

hidroxami-co, essencial no mecanismo de ac;:aodesta classe de

inibidores de 5-LO, 0 interesse dos pesquisadores neste grupo

de substancias foi reduzido=.

HIDROXILA<;:AO DE SISTEMAS AROMATICOS:6XIDOS DE ARENOSIO,12

o estudo do metabolismo de farmacos com unidades

aromaticas, especial mente grupos fenilas, permitiu identificar-se a participacao de uma especie intermediaria labil

denominada 6xido de areno. A participacao destas especies

pode ser exemplificada pelo estudo do metabolismo do

fenobarbital (23). Este derivado barbinirico, largamente

empregado na terapeutica, na primeira etapa de rnetabolizacao

hepatica produz 0 derivado para-hidroxilado (25). Este

metab6lito regiosseletivamente formado origina-se pela oxida-

c;:ao enzimatica do anel arornatico, atraves do sistema MFO,

conduzindo ao 6xido de areno ou ep6xido correspondente (24).

Este intermediario sofre rearranjo regioespecffico de hidreto

("NIH-shift") conduzindo ao composto para-hidroxilado (25)23.

Alem de hidreto, pode ocorrer 0 rearranjo de cloreto ou grupos

nitro em 6xidos de areno. 0 rearranjo NIH e favorecido pel a

645

Page 6: Metabolismo de medicamentos

5/11/2018 Metabolismo de medicamentos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/metabolismo-de-medicamentos 6/10

presenca de substituintes que nao estabilizam 0 carbocation

intermediario formado; por sua vez, substituintes que

estabiJizam 0 carbocation tendem a seguir mecanismo de

hidroxilacao diferente (Figura 12).

Uma reacao competitiva que pode ocorrer com 0 6xido de

o

~ : ~ y J t y :"," .. H

CRt'. +'. H

o

o

~:~OH

~

~)

QOH

Figura 12. Mecanismos e exemp/os deformacao de oxidos de arenos.

areno intermediario comprende 0 ataque de uma hidrolase

sobre 0 anel oxiranico tenso, produzindo 0 diol correspondente,

como ilustrado para 0 benzopireno (26) que produz 0 derivado

(27) (Figura 13).

/'-fi6J ~JOMlQ IQ IQ T - DQ IQ J

o

o o y B &OH

Benzo[a]plrenu (W

Figura 13. Formacao de diois a partir de oxidos de arenas.

ETAPA DE CONJUGA«;AO: FASE 2

DO METABOLISMO

De maneira geral, os metab6litos de fase 1 apresentam

coeficiente de particao inferior ao do farmaco original, depen-

dendo do nfvel de variacao estrutural do farmaco, inclusive

quanta ao peso molecular. Entretanto, a maior polaridade destes

metab6litos de fase I nao e suficiente para assegurar sua

eliminacao pela principal via de excrecao dos farmacos, a renal.

Portanto, estes metab6litos sofrem reacoes subsequentes de

conjugacao com pequenas moleculas end6genas de alta polari-

dade, formando conjugados altamente hidrossohiveis, que sao

excretados pela urina, preferencialmente, ou na bile.

A figura 14 ilustra as principais reacoes de conjugacao

envolvidas no metabolismo dos farmacoslO•12. Cabe aqui

destacar as reacoes de metilacao e acetilacao, que embora nao

aumentem a polaridade do metab6lito, contribuem para a sua

bioinativacao, uma vez que grupos funcionais importantes para

as interacoes farmaco-receptor se encontrarao protegidos. Outra

reacao de fase 2 relevante e a conjugacao com glutationa,

tripeptfdeo sulfidrflico (GSH), que promove reacoes de

bioinativacao de eletr6filos biol6gicos (vide infra)Z4.

Rea~iio de Case 2 Grupo funcional presente noConjugado

metab6lito de Case 1

H02e 0

Glicuronidacao OH, eOOH, NHz, en HO~X-RHO

OH

Sulfatacao OH, NHz R-OSO,H, R-NHSO,H

0

Conjugacao com eOOH R)lN/""'-.C02Hglicina

I

H

~ - < ' 1 : C O ' HConjugacao com Grupos eletrofflicos (6xidos de areno, RS~ 0 NHz

glutationa ep6xidos, carbocations, enonas)o N/"....eOzH

IH

Acetilacao OH, NHz R-OAc, R-NHAc

Metilacao OH, NHz, SH, N heterocfclico R-OMe, R-NHMe

Figura 14. Reaciies de fuse 2.

646 QUiMICA NOVA, 19(6) (1996)

Page 7: Metabolismo de medicamentos

5/11/2018 Metabolismo de medicamentos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/metabolismo-de-medicamentos 7/10

IMPORTANCIA DO METABOLISMO PARA ATOXICIDADE DOS FARMACOS

o estudo do metabolismo das acetanilidas analgesicas (e.g.,

paracetamol (28) e fenacetina (29»25 e bastante representativo

da importancia do conhecimento das etapas de biotransfor-

macae que urn farmaco sofre na biofase em relacao aos efeitos

colaterais que pode causar. Estes analgesicos apresentam efeitos

ad versos distintos no ffgado, embora apresentem enorme

semelhanca estrutural. 0 paracetamol causa necroses agudas e

graves ao tecido hepatico, detectadas desde 1966, e integra af6rmula de cerca de 20 formulacoes farrnaceuticas no Brasil

26.

A fenacetina, embora seja 0 derivado eter correspondente ao

paracetamol, tern sido reponsavel por graves nefropatias,

denominadas "nefrites analgesicas'', razao pel a qual foi

proscrita em alguns pafses. Considerando-se que estes farmacos

sao geralmente empregados por auto-medicacao, em que a dose

e a frequencia de utilizacao nao sao sujeitas 11 posologia

determinada, os efeitos adversos podem se manifestar mais

gravemente. A controversia que se observa no emprego destes

derivados analgesicos resulta das diferentes possibilidades

metab6licas que estes farmacos podem sofrer na biofase. Como

alguns modelos animais empregados para 0 estudo do

metabolismo destas farmacos nao se comparam precisamente

ao metabolismo humano, os resultados destes estudos

continuam nao sendo definitivos+',o estudo do metabolismo destes derivados indica a impor-

tlincia do conhecimento da estrutura e mecanismo de formacao

de todos os intermediaries participantes da biotransformacao

dos farmacos de maneira a permitir determinar-se, no plano

molecular, aqueles responsaveis, eventualmente, por efeitos

benefices e t6xicos. 0 paracetamol ou acetaminofeno (28)

produz, por a~ao do citocromo P450, a iminoquinona (30), cujo

mecanismo de formacao foi objeto de intensa polemic a entre

os especialistas de metabolismo do farmacos+'. Resultados

iniciais do estudo do metabolismo do paracetamol (28) permiti-

ram que inicialmente fosse proposta a transformacao de urn

derivado N-hidroxilado (31) que, por desidratacao subsequente,

produziria (30). Posteriormente verificou-se que esta hip6tese

nao era correta, sendo atualmente aceito que 0 mecanismo para

a formacao de (30) envolve a transferencia de dois eletrons.Este mecanismo explica, tambem, a formacao de outros

metab6litos do paracetamol como 0 catecol (32) (Figura 15).

Mitchell e colaboradores verificaram que a iminoquinona

(30) pode sofrer reacoes de conjugacao envolvendo bionuc1e-

Milos presentes no ffgado, especialmente com 0 glutationa/".

o ataque nuc1eofflico deste sobre as especies eletrofflicas

transit6rias, como a iminoquinona (30) bioformada a partir do

paracetamol (28), conduz 11 formacao do aduto glutationa-

paracetamol, reduzindo consideravelmente sua concentracao na

biofase. Entretanto, a principal razao da toxidez hepatica do

paracetamol reside no "stress" causado nos hepat6citos, condu-

zindo a significativo aumento das reacoes de peroxidacao

lipfdica e alteracao da homeostase de fons Ca'", por reducao

dos nfveis de GSH. Foi ainda observado, com relacao 11

toxidade hepatica do paracetamol, que algumas enzimasenvolvidas na regulacao da concentracao de Ca'" intracelular

podem reagir com a iminoquinona (30), formando adutos

irreversfveis que agravam a toxidez deste farmaco. A com-

preensao deste mecanismo de toxidez permitiu a proposta de

obtencao de novos analogos mais seguros, e.g., 33.

Outro analgesico da c1asse das acetanilidas e a fenacetina

(29), que possui em sua estrutura a funcao para-hidroxila

presente no paracetamol sob a forma do eter etflico corres-

pondente. Esta sutil diferenca estrutural e suficiente para

eliminar a hepatotoxicidade, visto que nao se formam, dire-

tamente, especies reativas transit6rias como a iminoquinona

(30). Entretanto, a protecao do principal sftio de metabolizacao

do analogo paracetamol conduz a que urn novo caminho

QUiMICA NOVA, 19(6) (1996)

Parace tamol (18)

Figura 15. Metabolismo do paracetamoL (28).

metab6lico opere na fenacetina, produzindo agora substancias

extremamente nefrot6xicas, como a para-fenetidina (34)

(Figura 16)27.

--Fenacellna ( Z & )

Figura 16. Metabolismo da fenacetina (29). 9EI

p-Fenetldlna 1M )

Estes exemplos provam que 0 bloqueio de uma via

metab6lica identificada como toxic6fora em urn farmaco nao

as segura, no novo derivado estruturalmente relacionado, sua

inocuidade, indicando que alteracoes estruturais guiadas pelo

metabolismo exigem prudencia quando de seu emprego como

estrategia de modulacao do perfil farrnacoterapeutico de urn

farrnaco. Cabe destacar que a fenacetina (29), conforme

ilustram as reacoes de biotransformacoes do quadro 2, pode

produzir 0 pr6prio paracetamol (28), atraves da reacao de 0-

desetilacao catalisada pelo sistema citocromo P450 , 0 que se

mostrou ser, neste caso, rota minoritaria,

IMPORTANCIA DOS INTERMEDIARIOS REATIVOSNOS ESTUDOS DO METABOLISMO

o estudo do metabolismo da lidocafna (15), farmaco com

propriedades antiarrftmicas e anestesicas locais de largo

emprego terapeutico, evidenciou a importancia do conhecimen-

to do mecanismo de formacao para completa elucidacao

estrutural dos metabolitos'". Este farmaco produz, como

importante metab6lito urinario, 0 derivado conjugado de (35).

Os estudos do metabolismo deste farmaco provaram que a

bioformacao de (35) deve-se ao envolvimento de uma especie

64 7

Page 8: Metabolismo de medicamentos

5/11/2018 Metabolismo de medicamentos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/metabolismo-de-medicamentos 8/10

murnca interrnediaria (36), capaz de sofrer reacao de ciclizacao

nucleofflica intramolecular. A bioformacao da especie imfnica

intermediaria (36) decorre de etapa de a-hidroxilarrao regios-

seletiva da subunidade dietilamina presente na lidocafna (15),

seguindo-se de eliminacao. Cabe observar que a presenca dos

grupamentos bis-orto-metilas na estrutura da lidocaina e

responsavel pel a resistencia deste farmaco a a~ao das amidases

plasmaticas, que ocorre minoritariamente (Figura 17).

L1docalna (ll)

Figura 17. Metabolismo da lidocaina (15).

Uma segunda especie reativa envoi vida no metabolismo dos

farmacos sao os intermediaries do tipo iminoquinonicos, Estes

compostos contribuem para a biodestruicao do pr6prio

citocromo P450 por produzirem radicais-livres reativos, sendo

considerados como autenticas armadilhas de radicais livres("radical scavenger"). Evidencia recente do envolvimento

destas especies reativas no metabolismo de farmacos compre-

ende a mitoxantrona (37), farmaco antitumoral contendo 0

miclec antracenodiona, simetricamente substituido, cujo

principal metab6lito e 0 derivado diidropiperazfnico-cfclico

(38), produto da reacao de adicao nucleofflica intramolecular

do tipo 1,4 do atomo de nitrogenio da cadeia lateral sobre a

especie bis-iminoquinonica transit6ria, formada por desidroge-

nacao enzimatica de (37)29. Como consequencia, felizmente

benefica, desta via metab6lica, observou-se que a formacao de

(38) reduzia consideravelmente 0 efeito hepatot6xico de (37),

comum a muitos quimioterapicos desta classe, sendo este

farmaco menos t6xieo do que outros agentes antineoplasicos

do grupo dos antibi6ticos antraciclinicos (Figura 18).

--Figura 18. Metabolismo de mitoxantrona (37).

o emprego de derivados quinolfnicos substituidos como

agentes antimalaricos pode ser ilustrado pela cloroquina (39).

Este composto da classe das 4-aminoquinolinas tern potente

a~ao antimalarica, contra diferentes cepas de Plasmodium;

entretanto, seu uso permitiu detectar-se reacoes de fotossensi-

bilidade graves, decorrentes da bioformacao de especies

iminoquinonicas transit6rias (40), reativas, produzidas por

prototropia. Estes intermediaries podem interferir com diversos

64 8

sistemas redox da biofase produzindo as reacoes de fotossensibi-

lidade observadas em alguns indivfduos (Figura 19)30.

r ( C H : .

HN~N....._.., . .CHa

0 ;00(2)Figura 19. Cloroquinu (39) e seu metabolito (40).

METABOLISMO E ESTEREOSSELETIVIDADE

o estudo do metabolismo da fenitoina (41)31, introduzida na

terapeutica na decada de 40, como farmaco anticonvulsivante,

largamente empregado para 0 tratamento e controle da epilep-

sia, ilustra a importancia da estereosseletividade enzimatica nos

processos de biotransforrnacao. Este farmaco apresenta urn

atomo de carbono pr6-quiral (C-5), com dois substituintes fenila

que sao substratos para a a~ao hidroxilativa do citocromo P450

produzindo como metab6lito de fase I 0 derivado mono para-hidroxilado (42) correspondente+'. Em razao da quiralidade das

enzimas envolvidas nas etapas de biotransforrnacao dos

farmacos, observa-se processo enantiotopicamente seletivo na

etapa de mono-hidroxilacao enzimatica, com oxidacao preferen-

cial de urn unico substituinte fenila do carbono pr6-quiral da

fenitofna, resultando na producao de metab61itos 6ticamente

ativos. 0 estudo do metabolismo da fenitofna permitiu obser-

var-se, ainda, que no homem 0 processo oxidativo ocorre

preferencialmente no anel pr6-S, com seletividade relativa de

10: I , produzindo como principal metab6lito de fase I 0 S(-)-5-

(4-hidroxifenil)-5-fenilidantoina (S-42), excretado pela urina

sob a forma do glicuronato correspondente. Quando este estudo

foi realizado em caes, verifieou-se distinta enantiosseletividade,

especie dependente, visto que desta vez 0 principal metab6lito

urinario identificado foi 0 glicuronato derivado do R(+)-5-(hidroxifenil)-5-fenilidantoina (R-42) (Figura 20). Outro

exemplo ilustrativo da enantiosseletividade enzirnatica da

biotransforrnacao de farmacos pode ser observado com 0

metoprolol (43), antagonista seletivo de receptores adrenergicos

do tipo 81 empregado para 0 tratamento da hipertensao, Este

farmaco apresenta 0 carbono benzilfco pr6-quiral ( -CHsHR),

sendo empregado terapeuticamente sob a forma racernica.

Produz como metab6litos de fase I, por a~ao do sistema

microssornico hepatico, os correspondentes alcoois secundarios

benzilicos (44) como mistura de diastereoisomeros de mesma

configuracao (l'R,2R) (Figura 20)32.

As enzimas hidrolfticas tambern catalisam reacoes de

biotransformacao de modo estereosseletivo. Yang e colaborado-

res33 descreveram os resultados dos estudos sobre a hidr6lise

estereosseletiva de rac-O-acetil-oxazepam (45) pela acao deesterases de microssomos hepaticos e de cerebro humano, mos-

trando que as enzimas produzem 0 (R)- e 0 (S)-oxazepam (46),

respectivamente, com seletividade oposta, dependendo do te-

cido. Estes resultados sao significativos pois no sistema nervoso

central se forma predominantemente 0 enantiomero (S)-oxa-

zepam, que e 0 eutomero, responsavel pelas propriedades se-

dantes, 0 que justifica 0 emprego terapeutico da forma racemica

do ester de oxazepam como pro-farmaco (Figura 21)33.

A IMPORTANCIA CLINICA DO ESTUDO DOMETABOLISMO DOS FARMACOS

o estudo do metabolismo dos farmacos provou que podem

ocorrer certos desvios metab6licos devido as variacoes diversas

QUfMICA NOVA, 19(6) (1996)

Page 9: Metabolismo de medicamentos

5/11/2018 Metabolismo de medicamentos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/metabolismo-de-medicamentos 9/10

a)

"~H_NyNH

o(:!~

(~H

H_NyNH

o

(R~

($gWNyNH

o

Fenltofna W)

h)CH,

O""Y'7A.CH 3

r A lOH H

!l(~O,CH,

(We loprolol (JJ)

Figura 20. Mctabolismo enantiosseletivo defenitoina (41) e metoprolol (43).

H\ 0 0

~}o~~ f fgado

H\ 0

~H

rac-O-aceti loxazepam ~ (Rl-oxazepam ®

cerebro

H\ 0

~'~H

(S)-oxazepam ®

Figura 21. Metubolismo estereosseletivo de rac-Oracetil-oxarepam (45).

da funcao hepatica, dependendo do estado de saude de cada

paciente. Desta forma, em determinadas infeccoes ou in-

festacoes que causam comprometimento da funcao hepatica do

paciente, 0 uso de quimioterapicos com baixo fndice tera-

peutico deve ser feito criteriosamente, de forma a prevenir 0

seu agravamento.

Por outro lado, 0 emprego cronico de medicamentos,

estrategia terapeutica comum no controle de diversos quadros

patol6gicos, pode induzir alteracoes da funcao hepatica de

determinado paciente, resultando em respostas de inducao

enzimatica'" em que 0 metabolismo torna-se exacerbado, ou

contrariamente na inibicao da funcao enzimatica hepatica'".

Ambas as possibilidades resultam em efeitos indesejaveis, visto

alterarem a fisiologia hepatica, podendo modificar a capacidade

de producao de hormonios ester6ides, essenciais no controle

de diversas funcoes fisiol6gicas, alern de resultarem em

modificacoes imprevisfveis na velocidade de metabolizacao dos

medicamentos, alterando, significativamente, 0 tempo de meia-

vida na biofase. Como ilustracao podemos citar 0 emprego do

fenobarbital (37), usado em certos quadros de epilepsia menor.

Lafont e colaboradores, em 196836, identificaram 0 composto

(47) como metab6lito de pacientes intoxicados pelo uso

continuado do farmaco. Estes auto res racionalizaram a

formacao desta fenilbutirolactona (47) como decorrencia das

propriedades indutoras de enzimas hepaticas que 0 fenobarbital

possui (Figura 22).

Outro indutor enzimatico conhecido e 0 alcool etilfco capaz

de induzir, ativando, diferentes sistemas enzimaticos do ffgado,

QUfMICA NOVA, 19(6) (1996)

-OGlicuronideo

Fenobarbi tal (J!)

Figura 22. Metabolismo defenobarbital (37) em pacientes intoxicadospor este fdrmaco

o que resulta em aceleracao da velocidade de metabolizacao

des medicamentos, reduzindo, em geral, sua meia-vida. Estes

efeitos sao particularmente relevantes quando se empregam

medicamentos que em subdoses plasmaticas podem ter sua

eficacia comprometida. Desta forma, 0 emprego de antibi6ticos,

ou outros quimioterapicos capazes de promoverem respostas

de resistencia, em indivfduos dependentes do alcool, deve ser

feito com criterio, uma vez que, quando em subconcentracoes

plasmaticas eficazes, facilitam 0 desenvolvimento de resistencia

por parte do agente patol6gico. Uma situacao dramatica, que

pode ser considerada, consiste no tratamento de infeccoes em

indivfduos com epilepsia adquirida, e com lesoes hepaticas

causadas pelo abuso do alcool. Este triste quadro, nao raro em

nossa populacao, demonstra a importancia do conhecimento da

funcao hepatica, em determinadas circunstancias, como forma

criteriosa de efetuar-se assistencia farmaceutica eficiente e

adequada as necessidades de saude da populacao,

CONCLUSOES

A tftulo de conclusoes deste trabalho, pode-se ressaltar,

pelos diversos exemplos ilustrados, que 0 estudo do metabolis-

mo dos farmacos. inclusive no plano molecular, contribui de

forma significativa para assegurar 0 emprego correto e seguro

de urn medicamento. Por outro lado, seu conhecimento permite

obter informacoes sobre a bioformacao de especies metab6licas

capazes de apresentar efeitos terapeuticos distintos ou identicos

mas superiores ao farmaco original. Esta particularidade do

estudo do metabolismo dos farmaccs permitiu que novos

medicamentos fossem introduzidos na terapeutica, resultantes

do estudo da atividade de metab6litos principais de alguns

farmacos '" ( inter-alia: oxifembutazona, agente anti-inflamato-

rio nao-esteroide: hicantona, potente agente esquistossomicida).

o conhecimento e a racionalizacao dos efeitos deleterios dos

medicamentos somente podem ser completamente elucidados

pelo estudo do metabolismo, que ganha nova importancia agora

pelo reconhecimento das diferencas terapeuticas de enantio-

meros, denominados eutomeros quando responsaveis pel as

propriedades terapeuticas de mistura racemica e distomero

quando inativos ". Estes fatos influenciaram organismos inter-

nacionais de regulamentacao do uso dos medicamentos a

promoverem campanhas de licenciamento exclusivo dos

_ eutomeros'", exigindo rigorosos estudos de metabolismo dos

novos farmacos, dando nova dimensao da sua importancia

nestas vesperas do seculo 21.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem as bolsas do CNPq (EIB, CAMF) e a

FUIB/UFRJ (JFMS).

REFERENCIAS

1. Korolkovas, A.; Burckhalter, J. H.; "Quimica Farma-ceutica'', Guanabara Dois, Rio de Janeiro, R. J., 1982, p.8.

649

Page 10: Metabolismo de medicamentos

5/11/2018 Metabolismo de medicamentos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/metabolismo-de-medicamentos 10/10

2. Testa, B.; "Burger's Medicinal Chemistry and Drug

Discovery, Vol. I: Principles and Practice", Wolf, M.

E., Ed.; 1. Wiley & Sons Inc., Nova Iorque, EVA, 1995,

p.129 ; b) Benet, L. Z.; Mitchell, 1. R.; Sheiner, L. B.;

"Goodman and Gilman's The Pharmacological Basis of

Therapeutics", Gilman, A. G.; Rail, T. W.; Nies, A. S.;

Taylor, P., Eds, 8a. Ed., Pergamon Press: Nova Iorque,

EVA, 1990, p.13-19

3. Williams, R. T.; "Detoxication Mechanisms: The Metabo-

lism and Detoxication of Drugs, Toxic Substances andOther Organic Compounds", 2a. Ed., J. Wiley & Sons

Inc.: Nova Iorque, EVA, 1959.

4. Llama, E. F.; Avendano, C.; "Introducion a la Quimica

Farmaceutica", Interamericana- McGraw- Hill: Madrid,

Espanha 1993, p. 157.

5. Sadde, W.; Beelen, G. C. M.; "Drug Level Monitoring:

Analytical Techniques, Metabolism and Pharmacoki-

netics", J. Wiley & Sons Inc.: Nova Iorque, EVA, 1980.

6. Nelson, S. D.; J. Med. Chem. 1982, 25, 753.

7. WHO Technical Reports Series n'' 341, Organizacao

Mundial da Saiide, Genebra, 1966.

8. Higuchi, T.; Stella, V.; "Pro-Drugs as Novel Drug

Delivery Systems", ACS, Washington, D.C., EVA, 1975.

9. Testa, B.; "Drug Metabolism" in Wolff, M. E. (Ed.);

"Burger's Medicinal Chemistry and Drug Discovery",v.l, 5a Ed., Nova York, EVA, 1995,p.129-180.

10. Williams, D. A.; "Principles of Medicinal Chemistry",

Foye, W.O., Ed., 3a Ed., Filadelfia, EVA, 1990, p.79.

11. Tassaneeyakul, W.; Birkett, D. J.; McManus, M. E.;

Veronese, M. E.; Andersson, T.; Tukey, R. H.; Miners,

J. 0.; Biochem. Pharmacol. 1994,47, 1767.

12. Armstrong, R.N.; Annu. Rep. Med. Chem. 1988,23,315.

13. Tolf, B-R.; Siddqui, M. T.; Dahlbom, R.; Akeson,A.;

Therell, H.; Eur. J. Med. Chem. 1982, 17, 395.

14. Gibson, K. H.; "Prostaglandins and Thromboxanes";

Roberts, S. M.; Newton, R. F., Eds., Butterworth

Scientific: Londres, 1982, p. 8.

15. Parke, D. V.; Chem. Brit., 1967, 102.

16. Cf. Patrick, G. L.; "An Introduction to Medicinal

Chemistry", Oxford Vniversity Press, 1995, p. 200.17. Silverman, R.; "The Organic Chemistry of Drug Design

and Drug Action", Academic Press, Inc.: San Diego,

EVA, 1992.

18. Sneader, W.; "Drug Discovery: The Evolution of Modem

Medicines", J. Wiley & Sons Inc.: Nova Iorque, EVA, 1985.

19. a) Martin, T. R.; Chem. Brit. 1985,745; b) Godtfredsen,

W.O.; "Chronicles of Drug Discovery", vol. 2, Bindra,

650

J. S.; Lednicer, D., Eds., J. Wiley & Sons Inc.: Nova

Iorque, EVA 1983, p.133.

20. Garret, G. R.; Hirta, J. L., Eds. "Drug Fate and

Metabolism", vol. 2, Karger: Nova Iorque, EUA, 1976.

21. Batt, D. G.; Progr. Med. Chem. 1992, 29, 2.

22. McMillan, R. M.; Walker, E. R. H.; TIPS 1992, 13, 323.

23. a) Miwa, G. T.; Lu, A. Y. H.; Annu. Rep. Med. Chem.

1978, 13, 206; b) Guengerich, F. P.; MacDonald, T. L.;

Acc. Chem. Res. 1984, 17, 9.

24. Hinson, J. A.; Monks, T. J.; Hong, H.; Higuet, R. J.; Pohl,L. R.; Drug Metab. Disp. 1982, 10, 47.

25. a) Thomson, 1. S.; Prescott, L. F.; Brit. Med. 1966, 2,

506; b) Mitchell, J. R.; Jollow, D. J.; Potter, W. Z.; Davis,

D. C.; Gillette, J. R.; Brodie, B. B.; J. Pharmacol. Exp.

Ther. 1973, 187, 185; c) Dahlin, D. C.; Nelson, S. D.; J.

Med. Chem. 1982,25, 885.

26. Korolkovas, A.; Dicionario Terapeutico Guanabara 95/96,

Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, R. J., 1995.

27. Mitchell, J. R.; Jollow, D. J.; Potter, W. Z.; Gillette, J. R.;

Brodie, B. B.; J. Pharmacol. Exp. Ther. 1973, 187, 211.

28. Overton, M.; Hickman, J. A.; Threadgill, M. D.; Vaughan,

K.; Gescher, A.; Biochem. Pharmacol. 1985, 34, 2055.

29. Con, P.; Kettle, A. J.; Phillips, D. R.; Biochem. Pharmacol.

1994, 48, 2223.

30. Roche, E. B.; Kier, L. B.; Foye, W.O., na ref. 10, p. 717.31. Henderson, J. D.; Dayt on, P. G.; Israilli, Z. H.; Mandell,

L.; J. Med. Chem. 1981, 24, 843.

32. Walle, T.; Walle, V. K.; OIanoff, L. S.; Drug Metab. Disp.

1985, 13, 204.

33. Yang, S. K., Huang, A.; Huang, J.; Chirality 1993, 5, 565.

34. ct. Correia, M. A.; Castagnoli Jr., N.; Farmacologia

Bdsica e Clinica, Katzung B. G., Ed.; de Carvalho, F. V.

e Pinho, P. L. V. (trad.), Editora Guanabara: Rio de

Janeiro, R. J., 1982, pAO.

35. Cf. Ortiz de Montelana, P. R.; Annu. Rep. Med. Chem.

1984, 19, 201.

36. Cave, C.; Lafond, 0.; Menager, S.; Lambrey, B.; Miocque,

M.; Eur. J. Med. Chem. 1986, 21, 2231.

37. a) Rosi, D.; Peruzzotti, G.; Dennis, E. W.; Berberian, D.

A.; Freele, H.; Tullar, B. F.; Archer, S.; J. Med. Chem.1967, 10, 867; b) Rosi, D.; Lewis, T. R.; Lorenz, R.;

Freeie, H.; Berberian, D. A.; Archer, S.; J. Med. Chem.

1967, 10, 877.

38. Ferreira, V. F.; Costa, P. R. R.; Barreiro, E. J.; Quim.

Nova, 1996, submetido.

39. Low, L. K.; Castagnoli Jr., N.; Annu. Rep. Med. Chem.

1978, 13, 304.

QUfMICA NOVA, 19(6) (1996)