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MERITÍSSIMO JUÍZO DE DIREITO DE UMA DAS VARAS CÍVEIS DA COMARCA DE TAUBATÉ, ESTADO DE SÃO PAULO
SISENANDO GOMES CALIXTO DE SOUSA –
nacionalidade, estado civil, profissão, portador da Cédula de Identidade registro geral
número ##.###.###-# SSP/UF, inscrito no CPF/MF sob o número ###.###.###-##,
residente no Logradouro, 185, Bairro, cidade de Taubaté, Estado de São Paulo –, pelo
Defensor Público do Estado que esta subscreve – dispensado de apresentar instrumento de
mandato ex vi do artigo 16, parágrafo único, da Lei № 1.060/1950 –, vem, perante Vossa
Excelência, com fulcro no artigo 5º, X, da Constituição da República Federativa do Brasil e
pelos motivos de fato e de direito adiante articulados, propor
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
em face de:
1. JOSÉ LUIZ DATENA – brasileiro, casado, apresentador de programas televisivos,
com endereço profissional na Rua Radiantes, 13, Morumbi, cidade de São
Paulo, Estado de São Paulo, CEP 05614-130;
2. RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA. – pessoa jurídica de direito privado sob
a forma de sociedade empresária limitada, inscrita no CNPJ/MF sob o número
60.509.239/0001-13, com sede e matriz na Rua Radiantes, 13, Morumbi, cidade
de São Paulo, Estado de São Paulo, CEP 05614-130.
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DOS FATOS
Quando você diz que não é religioso, as pessoas olham como se você fosse imoral, como se você não tivesse respeito pela vida, como se você fizesse mal para os outros […].
Eu às vezes recebo e-mails de pessoas dizendo “Eu tinha o senhor em boa conta, achava que o senhor fazia coisas para ajudar os outros, mas soube que o senhor não acredita em deus”… Você vira um criminoso!
DRAUZIO VARELLA1
O autor é ateu convicto desde por volta dos 14 anos de idade,
quando, por persuasão íntima, depois de muito refletir, convenceu-se de que a ele não
faziam sentido os conceitos da religião que lhe fora ensinada – e de certo modo imposta –
pela família, nem de outras doutrinas religiosas.
Pelo mesmo pensamento, o autor não acredita – sem margem a
dúvida – na existência de um deus ou de deuses, anjos, demônios, fadas, ou quaisquer
outras entidades metafísicas equiparadas que sejam detentoras, determinadoras ou
julgadoras de seus atos ou capazes de influenciar suas decisões morais.
Por conseguinte, o autor acredita que não necessita de promessas de
galardões ou ameaças de castigos metafísicos – e nem os almeja ou os teme – para ser uma
pessoa boa, reta, porque, entre outras razões, as pessoas são dotadas de um juízo de
empatia que permite intuitivamente distinguir entre boas e más ações independentemente
de regras atribuídas a divindades.
No dia 27 de julho, pouco depois das 18 horas, quando chegou em
casa depois do trabalho, o autor encontrou a televisão ligada no programa rotulado “Brasil
Urgente”, apresentado pelo primeiro réu, José Luiz Datena, e transmitido pela segunda ré,
pelo canal televisivo BAND, em rede nacional.
Enquanto fazia seu lanche, o autor ouviu – depois de ser apresentado
o caso de um homem de 67 anos de idade assassinado por uma mulher de 29 anos, que o
teria seduzido para roubar-lhe dinheiro investido em aplicação financeira – a seguinte
declaração proferida pelo réu:
“Meu senhor e minha senhora, vocês que estão me assistindo agora, vocês não acham que isso é pura falta de Deus no coração?” (DVD 1, vídeo 01).
1 Médico, humanista, ateu. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=nL4elCXoWyw>.
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Se parasse por aí, a declaração do réu poderia ser tida como mero
comentário emotivo, um desabafo emitido sem pensar, em desapego ao bom senso, diante
dos nefastos casos de violência exibidos em seu programa – algo que pode ser considerado
como dentro dos limites da liberdade de expressão.
Todavia, o que se seguiu foi uma verdadeira cruzada contra ateus
protagonizada pelo réu, que dedicou cerca de uma hora de programa a incitar o público ao
ódio e a lançar as mais pérfidas acusações àqueles que, como o autor, pela mais pura
expressão da liberdade de consciência, amparados pela Constituição, decidiram não seguir
religião alguma, não professar nenhum tipo de fé religiosa, nem adotar como objeto de
adoração nenhum dos deuses criados pela história humana, ainda que algum deles possa
existir e ser “o Criador” – não por serem contra alguns dos princípios dessas doutrinas,
mas por não acreditarem, sinceramente, na existência de um plano metafísico que abrigue
uma entidade onipotente que regeria o Universo e julgaria os homens.
O réu ultrapassou todos os limites da liberdade de expressão ao
declarar e esbravejar, entre muitas outras coisas – mais a seguir transcritas em tópico
específico –, que:
� ateus não precisam assistir seu programa (dito em tom
depreciativo);
� ateus são “pessoas do mal”;
� ateus são pessoas “aliadas do Capeta”;
� ateus são criminosos, egoístas, gananciosos, capazes de
cometer os mais hediondos atos;
� ateus não têm limites;
� ateus são responsáveis pelas barbaridades narradas em seu
programa;
� “quem não acredita em deus não costuma respeitar os limites,
porque se acha o próprio deus”;
� é por causa dos ateus “que o mundo está assim, essa
porcaria”;
� um homem que mata a tiros uma criança de dois anos seria
“um exemplo típico de um sujeito que não acredita em
deus”;
� só pode estar no “caminho certo” quem acredita em deus.
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O réu chegou a lançar uma enquete para “provar para essas pessoas
do mal” que deus existiria e que “o bem é maioria”, com a questão “Você acredita em
Deus?”, cujas respostas “Sim” e “Não” poderiam ser dadas por telefone:
Mas se eu fizer uma pesquisa aqui, se você acredita em deus ou
não, é capaz de aparecer gente que não acredita em deus.
Ao constatar que mais de mil pessoas declararam ser atéias, o réu,
em tom indignado, passou a incitar o público a vencer a enquete, a “dar de lavada nos
ateus”, além de declarar coisas como “tem muito bandido votando do outro lado”, “até
de dentro da cadeia”.
Em demonstrações indefensáveis de discriminação, preconceito e
ódio, disse o réu algumas vezes: “Quem é ateu não precisa me assistir, não”, “Eu não
faço questão NENHUMA de que ateu assista o meu programa. NENHUMA”.
Para facilitar a análise de Vossa Excelência, seguem anexos dois
DVDs:
� o primeiro DVD está dividido em 22 vídeos: do 1º vídeo ao 21º
vídeo cada um apresenta um recorte do programa referente
aos trechos transcritos nesta petição; o 22º vídeo contém a
sequência sem cortes de quase uma hora de programa, para
que os réus não aleguem manipulação ou descontextualização
do conteúdo;
� o segundo DVD contém a resposta dada pelo réu no dia 17 de
agosto aos pedidos de retratação feitos ao programa por ateus
de todo o Brasil.
Quando se esperava que, num programa seguinte, o réu fizesse
algum tipo de retratação – ao menos em respeito à indignação que ele provocou na
comunidade atéia do país com suas acusações caracterizadas pela mais árida
argumentação –, o que ele fez foi debochar e reafirmar todas as suas declarações, baixando
o nível da linguagem e explicitando a sua vontade gratuita de ofender:
HAH… TEM ATÉ UMA ASSOCIAÇÃO DE ATEUS QUE PEDIU DIREITO DE RESPOSTA PARA FALAR AQUI. DISSE QUE EU TERIA METIDO O PAU EM QUEM NÃO ACREDITA EM DEUS… QUE SE LASQUE QUEM NÃO
ACREDITA EM DEUS! (DVD 2)
Antes de se transcrever todas as declarações do réu, no entanto,
convém desvelar algumas informações.
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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE INTOLERÂNCIA, ÉTICA E MORAL
Para nascer um novo Brasil, humano, solidário, democrático, é fundamental que uma nova cultura se estabeleça, que uma nova economia se implante e que um novo poder expresse a sociedade democrática e a democracia no Estado. […] O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, participação, solidariedade e liberdade. […] Democracia serve para todos ou não serve para nada.
HERBERT DE SOUSA, o Betinho2
Uma pesquisa em conjunto entre o Instituto Rosa Luxemburgo e a
Fundação Perseu Abramo, de 2008, revelou que, entre todos os grupos sociais vítimas de
preconceito no Brasil, os mais odiados são os ateus. 3
A pesquisa constatou que 42% dos brasileiros sentem aversão aos
ateus – soma de 17% de pessoas que declaradamente sentem ódio/repulsa e 25% que têm
antipatia por ateus. O outro grupo que conta com rejeição similar é o dos usuários de
drogas: 41%. Em seguida, garotos de programa, 26%; transexuais, 24%; travestis, 22%;
prostitutas, 22%; gays, 20%; lésbicas, 20%; ex-presidiários, 21%; bissexuais, 19%; pessoas
com AIDS, 9%; pobres, 3%.
Pesquisa semelhante havia sido feita um ano antes pela Revista Veja4:
No maior país católico do planeta, no país do sincretismo religioso, no país onde católicos têm benzedeira e evangélicos vão a sessões espíritas, no país que alega, num misto de gracejo e esperança, ser a terra natal de Deus, o Todo-Poderoso, quase nada é pior do que ser ateu.
[…] Pior que isso só o capeta. O levantamento mostra que, entre os grupos populacionais que se convencionou chamar de minorias – racial, sexual ou de gênero –, a minoria mais rejeitada é a religiosa, ou a anti-religiosa. No Brasil de São Frei Galvão, portanto, ser temente a Deus é mais do que uma marca nacional – chega a ser, informa a pesquisa, um imperativo social.
Os números da fé no Brasil talvez sirvam como explicação para dois fenômenos. Explicam a resistência da religiosidade em um mundo marcado pela descrença e, ao mesmo tempo, o notável preconceito da maioria dos brasileiros em relação aos ateus. Faz sentido rejeitar alguém apenas porque não acredita em Deus?
2 Sociólogo, humanista, ateu. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/betinho/frases.htm>. 3 VENTURI, Gustavo. Intolerância à diversidade sexual. Teoria e Debate № 78 – julho/agosto 2008. Fundação Perseu Abramo. Disponível em: <http://fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/intolerancia-diversidade-sexual>. Acesso em 10 de agosto de 2010. 4 PETRY, André. Como a fé resiste à descrença. Revista VEJA. Edição 2040. 26 de dezembro de 2007.
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[…] “O brasileiro ainda entende o ateu como alguém sem caráter, sem ética, sem moral”, afirma a historiadora Eliane Moura Silva, professora da Universidade Estadual de Campinas e especialista em religião, ela própria uma atéia. É um entendimento que parece espalhar-se de modo mais ou menos homogêneo por todas as classes sociais.
Recentemente, a historiadora deu duas aulas sobre ateísmo na Casa do Saber, instituição criada para eliminar lacunas intelectuais dos endinheirados de São Paulo, e a platéia teve uma reação adversa, quase hostil, às idéias ateístas.
Antes, a neurocientista Silvia Helena Cardoso, doutora em psicobiologia pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles, publicou um artigo num jornal de Campinas discutindo se os santos seriam esquizofrênicos, dada a freqüência com que tinham visões – ou alucinações. Recebeu tantas ameaças que resolveu abandonar o assunto. O professor Antônio Flávio Pierucci, da Universidade de São Paulo, especialista em sociologia da religião, explica o fenômeno: “Os brasileiros não estão habituados a se confrontar com a realidade do ateu”. É o que leva os políticos – antes, durante e depois da eleição – a sempre dizer que ninguém é mais temente a Deus do que eles.
A mesma matéria explica:
[…] a moralidade não depende das religiões, e, portanto, um ateu pode ser ético e bom. A favor da tese está a Neurociência, cujas descobertas já provaram que até os chimpanzés têm noções morais, sentimentos de empatia e solidariedade – e não rezam nem crêem em Deus.
Não raras vezes, as acusações de ausência de bases éticas, morais e
de limites imputadas aos ateus são acompanhadas da célebre citação do romance clássico
de Dostoiévski, Irmãos Karamazov: "Se Deus não existe, tudo é permitido".
No entanto, não se pode olvidar que na religião nunca se encerrou o
monopólio dos sistemas éticos.
A título de exemplo – uma vez que não se pretende nesta ação
discutir religiosidade, ou quem está certo ou errado sobre suas crenças –, podemos citar o
diálogo Êutifron, de Platão5, que se inicia com Sócrates contando que estava sendo
processado por supostamente corromper a juventude através da invenção de novos deuses
e da negação da existência dos antigos. Êutifron, então, conta-lhe que estava processando
seu pai por ter aprisionado um assassino que, sem comida e cuidados, morreu em cárcere,
enquanto seu pai se dirigia a Atenas para consultar sobre o que fazer com o criminoso. A
família de Êutifron, indignada, alegava que o homem que processa o próprio pai é
"ímpio", o que, dizia Êutifron, mostraria o quão pouco eles sabiam sobre o que pensavam
5 PLATÃO. Êutifron. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova cultura, 1999.
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os deuses a respeito de ser pio ou ser ímpio, citando o exemplo de Zeus, que mutilara o
seu próprio pai porque este devorava os filhos. Não se contentando com os argumentos de
Êutifron, Sócrates pergunta-lhe o que ele entenderia por ser pio, e recebe a resposta do
jovem: “Aquilo que agrada aos deuses” – ser ímpio seria fazer o que lhes desagrada. Mas
Sócrates anota que os deuses estão em perpétuo desacordo, de modo que, se a conduta de
Êutifron podia ter o assentimento de Zeus, certamente não teria o de Cronos. A discussão,
então, gira acerca da origem dos mandamentos divinos e da própria moralidade: o que,
afinal, torna uma ação pia ou ímpia? Sócrates, com efeito, indaga se o pio ou sagrado é
amado pelos deuses porque é sagrado, ou é sagrado porque é amado pelos deuses – em
termos semelhantes: uma ação é boa porque os deuses assim o determinam, ou os deuses
determinam essa ação porque ela é boa?
A questão proposta por Sócrates é: os deuses reconhecem um padrão
“pré-existente” do que é bom e do que é mau, e então o adotam, ou são os próprios deuses
que criam discricionariamente esse padrão?
Se os deuses criam o padrão de bondade ao seu bel prazer, então eles
poderiam, se assim quisessem, determinar que o estupro e a tortura, por exemplo, seriam
atos bons. No entanto, se eles não querem ou não podem fazê-lo, é porque existe um
padrão de bondade que é extrínseco, anterior e independente dos deuses. Ambas as
alternativas podem ser devastadoras para a proposta de moral baseada em mandamentos
divinos.
Se os padrões morais emanam dos deuses, então nada impediria que
amanhã o estupro fosse subitamente considerado um ato perfeitamente moral devido a
algum comando divino6. Se for admitida tal possibilidade, estaríamos diante de um
sistema moral absolutamente flexível, pelo qual qualquer coisa seria permitida, desde que
ordenada por uma divindade:
Porém se isto for verdadeiro, isto é, que a virgindade não se achou na moça, então levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão, até que morra. (Bíblia Cristã. Livro de Deuteronômio 20:21-22)
Se for admitido que a moral emana de uma divindade, há um
problema adicional: seria uma afirmação sem sentido dizer que a deidade é boa, já que
seria ela própria quem definiria o que é bom e o que não é – estaria na mesma situação de
6 “Agora, pois, matai todo o homem entre as crianças, e matai toda a mulher que conheceu algum homem, deitando-se com ele. Porém, todas as meninas que não conheceram algum homem, deitando-se com ele, deixai-as viver para vós” (Bíblia Cristã. Livro de Números 31:17-18).
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um ditador que decreta que matar opositores é bom, e então os mata, e depois é louvado
por ser bom:
E disse-lhe o Senhor: Passa pelo meio da cidade, pelo meio de Jerusalém, e marca com um sinal as testas dos homens que suspiram e que gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio dela. E aos outros disse ele, ouvindo eu: Passai pela cidade após ele, e feri; não poupe o vosso olho, nem vos compadeçais. Matai velhos, jovens, virgens, meninos e mulheres, até exterminá-los; mas a todo o homem que tiver o sinal não vos chegueis. (Bíblia Cristã, Livro de Ezequiel 9:4-6)
De outra sorte, se os deuses não podem arbitrariamente alterar os
valores morais, pode-se dizer, então, que eles julgariam os mortais pelo exercício do juízo
de bom senso – “faça-se o que for bom” – de que os homens são capazes intuitivamente,
independentemente de um conjunto posto de normas que precisem ser consultadas.
Afinal:
Se as pessoas são boas só por temerem um castigo e almejarem uma
recompensa, então realmente somos um grupo muito desprezível.
(Albert Einstein).
Sendo assim, se uma mudança dos padrões morais não pode ser feita
à arbitrariedade divina, a moral baseada na religião fica adstrita à segunda alternativa:
existe, pois, um padrão de bondade que é extrínseco, anterior e independente dos deuses.
Nesse caso, não há necessidade de deuses para haver padrões morais e éticos comuns a
todos os homens.
Tais considerações já há muito escaparam do plano retórico-
hipotético, e foram confirmadas por muitos estudos científicos, entre os quais destacamos
o mais recente, no qual os autores fazem uma revisão dos estudos já publicados sobre o
tema e concluem que nem a cooperação nem a moralidade dependem da religião para
existir, apesar de poderem ser influenciadas por ela7:
[…] "A cooperação é possível graças a um conjunto de mecanismos mentais que não são específicos da religião. Julgamentos morais dependem desses mecanismos e parecem operar independentemente da formação religiosa individual", escrevem os autores. "A religião é um conjunto de ideias que sobrevive na transmissão cultural porque parasita efetivamente outras estruturas cognitivas evoluídas."
Em entrevista ao Estado, Hauser disse que a religião "fornece apenas regras locais para casos muito específicos" de dilemas morais,
7 ESCOBAR, Herton. Moralidade independe de religião, diz estudo: crença divina seria produto, e não causa, de comportamentos sociais. Estadão. 9 de fevereiro de 2010. Disponível em <http://www.estadao.com.br/e stadaodehoje/20100209/not_imp508375,0.php>. Acesso em 10 de agosto de 2010.
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como posições sobre o aborto ou a eutanásia. Já questões de caráter mais abstrato são definidas com base numa moralidade intuitiva que independe de religião.
Estudos em que pessoas são convidadas a opinar sobre dilemas morais hipotéticos mostram que o padrão de julgamento de religiosos é igual ao de pessoas sem religião ou ateias. Em outras palavras: a capacidade de distinguir entre certo e errado, aceitável e inaceitável, é intuitiva ao ser humano e independe da religião, apesar de ser moldada por ela em questões específicas.
"Isso pode sugerir como é equivocado fazer juízos sobre a moralidade das pessoas com base em suas religiões", disse ao Estado o pesquisador Charbel El-Hani, coordenador do Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas da Universidade Federal da Bahia. "Entre os ateus, assim como entre os religiosos, há a variabilidade usual dos humanos. Há ateus tão altruístas quanto Irmã Dulce, assim como há religiosos tão dados à desonestidade e a faltas éticas quanto pessoas não tão religiosas."
Segundo Hauser, o ser humano não tem uma propensão a ser religioso, mas sim a buscar causas e propósitos para o mundo ao seu redor – o que muitas vezes acaba desembocando em alguma forma de divindade. Nesse caso, a religião seria um produto da evolução cultural, e não da evolução biológica.
Não é, pois, a ausência de crença num deus que torna fácil escolher
violar os imperativos éticos de não fazer o mal, de não desejar o mal, de não fazer ou
desejar a outrem o que não se quer para si, pois eles são inerentes à consciência. Pessoas
sem credo também têm consciência: violar tais imperativos pesa, o que pode torná-las
muito mais observadoras desses mandamentos, porquanto também não contem com
alívios ou perdões metafísicos.
O ser humano comporta-se como um animal doente com superstições, rotinas, preconceitos, de que parece que não somos capazes de libertar-nos. […] A humanidade nunca foi educada para a paz, mas sim para a guerra e para o conflito. O “outro” é sempre potencialmente o inimigo. […] Resulta muito mais fácil educar os povos para a guerra do que para a paz. Para educar no espírito bélico basta apelar aos mais baixos instintos. Educar para a paz implica ensinar a reconhecer o outro, a escutar os seus argumentos, a entender as suas limitações, a negociar com ele, a chegar a acordos. […] As misérias do mundo estão aí, e só há dois modos de reagir diante delas: ou entender que não se tem a culpa e, portanto, encolher os ombros e dizer que não está nas suas mãos remediá-lo, ou, melhor, assumir que, ainda quando não está nas nossas mãos resolvê-lo, devemos comportar-nos como se assim fosse. (José Saramago). 8
8 Escritor, humanista, ateu. Disponível em: <http://caderno.josesaramago.org>.
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DAS DECLARAÇÕES OFENSIVAS DO RÉU
Lei № 7.716/1989
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
§ 2º. Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena reclusão de dois a cinco anos e multa.
Como narrado no início desta petição – convém repetir –, o réu
ultrapassou todos os limites da liberdade de expressão ao declarar, entre muitas outras
coisas que ateus são “pessoas do mal”, “aliadas do Capeta”, criminosas, egoístas,
gananciosas, capazes de cometer os mais hediondos crimes, responsáveis pelas
barbaridades narradas em seu programa; que “quem não acredita em deus não costuma
respeitar os limites, porque se acha o próprio deus”; que é por causa dos ateus “que o
mundo está assim, essa porcaria”; que um homem que mata a tiros uma criança de dois
anos seria “um exemplo típico de um sujeito que não acredita em deus”; que só pode estar
no “caminho certo” quem acredita em deus…
Depois daquela primeira declaração transcrita (página 2), sem que
houvesse qualquer tipo de provocação, sem que aparecesse algum bandido declarando
que cometeu um crime por não acreditar em deus, sem que alguém tivesse feito qualquer
comentário anti-religioso, enfim, gratuitamente, o réu declarou – e reiterou –, em alto e
bom som o seguinte:
Olha, eu continuo dizendo que eu acredito que as pessoas que estão comigo, me assistindo há tanto tempo – 12, 13 anos fazendo esse tipo de jornal –, eu acredito que as pessoas comunguem da mesma crença que eu: deus. Não importa se você é judeu, se você é muçulmano, se você é católico, se você é evangélico, vocês acreditam em deus. Eu parto dessa pressuposição. Quem não acredita em deus não precisa me assistir, não, gente. QUEM É ATEU NÃO PRECISA ME
ASSISTIR, NÃO! (DVD 1, vídeo 02)
A seguir, o réu, em tom e gesto de desdém, acusando os ateus de
serem os culpados pelos casos que ele apresenta em seu programa, de serem gente que
não tem limites, fez a seguinte especulação:
Mas se eu fizer uma pesquisa aqui, se você acredita em deus ou não, é capaz de aparecer gente que não acredita em deus.
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Porque não é possível, cada caso que eu vejo aqui… é gente que
não tem limite! (DVD 1, vídeo 03)
Pouco depois, o réu incita um de seus repórteres a também
desmoralizar os ateus (DVD 1, vídeo 04):
[Datena:] É gente que não acredita no inferno. Esse é o detalhe. Viu, Márcio Campos? É impressionante o caso desse menino de dois anos que foi fuzilado por um pedreiro, que fuzilou e foi dormir. Você prestou atenção nos detalhes do caso da reportagem do Bitencourt? Mataram um velhinho ou não mataram, ou possivelmente enterraram vivo e tomaram cerveja no local. Esse aí fuzilou um garotinho de dois anos de idade. Isso não tem cabimento, isso é uma barbaridade que não tem tamanho. Não é? Olha o garotinho aí, isso é o fim do mundo. Esse é o garoto que foi fuzilado. Então, ô Márcio Campos, é inadmissível. Você também que é muito católico, não é? Não é possível! Isso é ausência de deus. Nada justifica um crime como esses, não, Márcio?
[Márcio Campos:] É, a ausência de deus causa o quê, Datena? O individualismo, o egoísmo, a ganância, né? Tudo isso… […]
[Datena:] Claro! Claro! Só pode ser coisa de gente que não tem deus no coração. De gente que é aliada do capeta! Só pode ser. FAZ A PESQUISA AÍ, BOTA A PESQUISA NO AR! Você acredita em deus? Sim ou não? Eu tenho certeza que vai aparecer gente que diz não. QUER APOSTAR COMIGO!? Mas a grande maioria vai com a gente, não é? Porque esses crimes só podem ter uma explicação: ausência de deus no coração, não é?
E prossegue o réu forjando uma associação entre crimes hediondos e
ausência de crença em deus – de um modo bastante questionável, diga-se:
Olha, no meu modesto ponto de vista, eu sou contra, totalmente contra a pena de morte. Mas em casos como esse, de um sujeito que fuzilou o menino de dois anos de idade, menininho que tinha uma vida inteira pela frente, um sujeito como esses merecia ser no mínimo eletrocutado e eu apertaria o interruptor da cadeira elétrica, rindo, rindo! O sujeito que comete um crime desses não merece viver. Aí eu sou a favor da lei de Talião. Um pouco adaptada, né, porque a lei de Talião é você fazer o que o cara fez, entendeu? E não exagerar. Mas esse cara merecia ser eletrocutado, ter uma injeção letal ou coisa parecida. E eu sou contra a pena de morte. Mas num caso como esse… Ah, Datena, mas você está sendo muito agressivo! Agressivo? O cara é réu confesso, imagina se ele mata um filho seu de dois anos de idade,
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um neto seu de dois anos de idade, qual seria sua posição? Falta de
deus no coração! (DVD 1, vídeo 05)
Sem diminuir o tom das agressões, o irascível réu convoca
novamente o público a votar, a diferenciar-se dos ateus, a provar que “o bem é maioria”,
declarando-se expressamente anti-democrático nessa questão, e, mais uma vez, dizendo
para ateus não assistirem ao programa, sem nenhum pudor com relação à sua
discriminação:
O meu amigo Edgar Ortiz sempre me diz “Deus é maioria, o bem é maioria”. Quer ver? Eu fiz a pergunta “Você acredita em deus?”. E tem 325 pessoas que não acreditam [2573 votavam que
acreditavam]. Vocês que não acreditam, se vocês quiserem assistir outro canal, não tem problema nenhum. Eu não faço questão NENHUMA de que ateu assista o meu programa. Nenhuma. Agora, quem acredita em deus, seja evangélico, seja muçulmano, seja judeu, seja católico, qualquer religião, entendeu, de quem acredita em deus, continue comigo. Quem não acredita não precisa nem votar, não. Não precisa de ateu, não quero assistindo o meu programa. “AH, MAS VOCÊ NÃO É DEMOCRÁTICO”. NESSA QUESTÃO, NÃO SOU, NÃO! O sujeito que é ateu, na minha modesta opinião, não tem limites. É por isso que a gente tem esses crimes aí. Agora, vocês que estão do lado de deus, né, como eu, como eu, podiam dar uma lavada nesses caras que não acreditam em deus. Votem em massa ali no (011) 8080-1155. Pra provar que o bem ainda é maioria. Mas votem, quero ver trinta mil votos das pessoas que acreditam em deus. PORQUE NÃO É POSSÍVEL, QUEM NÃO ACREDITA EM DEUS NÃO TEM LIMITE. NÃO TEM
LIMITE. (DVD 1, vídeo 06)
Não contente com todas as suas agressões, o réu lança o argumento
de um interlocutor imaginário, que ele mesmo cuida de rebater:
“Ah, Datena, mas tem pessoas que não acreditam em deus mas são sérias”. Até tem. Até tem. Mas eu costumo dizer que quem não acredita em deus não costuma respeitar os limites. Porque SE ACHA O PRÓPRIO DEUS. Porque se acha o próprio deus. Esse é o detalhe, entendeu? Então, vamos lá. Por favor, você que acredita em deus, dá uma lavada, vota aí, arrebenta com essa votação aí, se não travar essa pesquisa de tanto voto que vai ter. Quero ver chegar a trinta mil votos pra provar que o bem ainda é maioria. Ô Márcio, o sujeito quando foi pego… DEIXA DIRETO ESSA PESQUISA AÍ, que eu quero ver como as pessoas que são crentes, que são tementes a deus, SÃO
MUITO MAIORES QUE QUEM NÃO TEME A DEUS! MAS QUERO MOSTRAR TAMBÉM QUE TEM GENTE QUE NÃO
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ACREDITA EM DEUS. É POR ISSO QUE O MUNDO ESTÁ ASSIM: ESSA PORCARIA. […] SÃO OS CARAS DO MAL, ENTENDEU? […] Mas o sujeito que não respeita os limites de deus é porque… Não sei, não respeita limite nenhum. Márcio Campos, o sujeito foi pego na casa dele, na maior tranqüilidade […]. E quero ver a votação, hein? Por favor, você que acredita, que confia em deus, que acredita no criador, arrebente com esse telefone aí [...] Vamos botar trinta mil votos aí. Eu queria trinta mil votos aqui. Trinta mil votos eu queria. Por favor. Queria trinta mil votos. Eu queria pedir que você mostre que o bem é maioria, que deus está no nosso coração, e que o mal não vai vencer, não. […] Não tira
não essa pesquisa daí. (DVD 1, vídeo 07)
E continua o réu pedindo que o público vote “para provar que o bem
é maioria”:
[…] Que barbaridade. Ô gente… vamos bater 20, 30 mil votos logo aí. Vamos dar uma demonstração de que nós confiamos no criador! Que é isso? Porque o bem é maioria! Eu acredito nisso, eu professo isso,
eu acordo de manhã pensando nisso. (DVD 1, vídeo 08)
Para angariar mais votos, surpreso e indignado com o fato de quase
mil pessoas declararem que não acreditam em deus, o réu se vale de generalizações
absurdas, dizendo que a pessoa que mata uma criança é um exemplo típico de ateu, e
conclama o público a provar para “essas pessoas do mal que deus existe”:
Isso é um exemplo típico de um sujeito que não acredita em deus: matou um menino de dois anos de idade, tentou fuzilar três ou quatro pessoas. Mas matou com a maior tranquilidade, quer dizer: não é um sujeito temente a deus. Eu pediria a você do Norte, Nordeste do país, você do centro-oeste brasileiro, você aqui de São Paulo, você do Sul, não importa a religião. Se é evangélico, católico, muçulmano, judeu, não importa. Você que acredita em deus mostra aí pra quem não acredita que deus existe na sua opinião e que deus é maioria. Porque o bem é maioria. Tem quase mil pessoas dizendo que não acreditam em deus [15019 a 843]. Gente, vamos bater os 30 mil votos pra mostrar que este é um país que acredita em deus. E que as pessoas, antes de cometerem uma maldade contra a gente, seja qualquer tipo de maldade, desde a corrupção, que é uma maldade terrível, não é? Desde a corrupção, desde os ladrões corruptos que levam dinheiro desse país, colocando as crianças nos semáforos, nas ruas, pedindo esmolas, colocando milhares de pessoas passando fome,
[…], que deus um dia vai acabar com tudo isso. Mas provem isso através da pesquisa, gente. Pediria a vocês que me acompanham há tanto tempo, há tanto tempo, porque hoje, as pessoas, mesmo as que
14
acreditam em deus têm vergonha de dizer “eu acredito em deus”, entendeu? Né? Eu não estou cobrando nada pra você falar isso, não. Pelo amor de deus. Eu só estou pedindo que você diga isso. Pra provar pra essas pessoas do mal que deus existe […]. (DVD 1,
vídeo 09)
É por isso que eu quero 39 mil votos ali. E o mais rápido possível. O mais rápido possível. Os telefones estão congestionando. Vamos mostrar que deus é maioria, você do Brasil inteiro. Não importa a sua religião, eu respeito a sua religião. Entendeu? Ó lá! Tem quase mil ateus ali [18427 a 939]. Quase mil ateus. Quase
mil ateus, gente que não respeita deus. Entendeu? (DVD 1,
vídeo 10)
Depois de quase meia hora de programa, sem dar sinais de trégua, o
réu se supera em suas declarações:
Mas é provável que tenham bandidos votando até de dentro da cadeia! Entendeu? Né? Vou provar pra esses caras que o bem é
maioria. Eu quero ver 30 mil votos ali [...] Eu quero provar que a
maioria acredita disparadamente em deus. (DVD 1, vídeo 11)
Mas olha, veja você, viu, Márcio Campos, que mesmo, mesmo com tanta notícia de violência, com tanta notícia ruim, o brasileiro prova de uma forma definitiva, clara, que tem deus no coração. Quem não tem é quem comete esse tipo de crime, que mata e enterra pessoas vivas, quem mata criancinha, quem estupra, quem
violenta, quem bate nas nossas mulheres… (DVD 1, vídeo 12)
Já, já, vamos chegar a 30 mil votos de pessoas que acreditam em deus
[22358 a 1042], Sabe? “Mas Datena, você está fazendo uma
pesquisa religiosa!?” EU TÔ! (DVD 1, vídeo 12)
AGORA, TEM MUITO BANDIDO VOTANDO DO OUTRO LADO! [23315 a 1072]. Quase 1070 pessoas. Não é? Quem não
acredita em deus geralmente não tem limites. (DVD 1, vídeo 13)
Não importa a religião, os caminhos que levam a deus não me interessam, entendeu? Se acredita em deus, tá no caminho certo.
(DVD 1, vídeo 14)
Bata logo os 50 mil votos aí, para provar para essa gente que não
acredita em deus que deus existe. (DVD 1, vídeo 15)
Deixa a pesquisa aí! Das pessoas que acreditam em deus. Porque tem gente que acredita em deus e tem medo de falar. Vamos bater logo 50 mil votos, 40 mil votos, aí. Tem quase 2 mil que não acreditam
15
[36705 a 1471]. Entendeu? Quase 2 mil que não acreditam. […] Tem gente de bem que não acredita em deus, que acredita que
ele mesmo seja deus. Entendeu? (DVD 1, vídeo 16)
Mas os bandidos que matam, mas que matam com prazer, esses
não acreditam em deus também. Entendeu? (DVD 1, vídeo 17)
Então vamos provar que o bem é maioria e que deus existe!
(DVD 1, vídeo 17)
Quase 40 mil pessoas dizendo que acreditam em deus, quase duas mil dizendo que não acreditam. “Ah, Datena, eu sou ateu mas eu nunca matei ninguém”. É. Se você não acredita em deus, você
acredita em quem? Em você mesmo? (DVD 1, vídeo 18)
Mas quem mata com crueldade, quem enterra vivo, quem estupra, quem violenta criança, também não acredita em deus. Não acredita. Pode até falar que acredita, mas não acredita. Entendeu?
[…] Vamos chegar em 50 mil já, já. (DVD 1, vídeo 19)
Percebendo que o réu havia ultrapassado todos os limites, a
produção do programa sugere que seja retirada do ar a enquete, mas o réu vocifera:
DEIXA A PESQUISA AÍ! TÃO ME PEDINDO PRA TIRAR A PESQUISA POR QUÊ? Eu quero chegar a 50 mil votos de pessoas
que acreditam em deus [42430 a 1679]. Porque mesmo nessa situação que nós vivemos no Brasil e no mundo, o bem é maioria, é isso que eu quero mostrar, mais nada. Que o bem é
maioria. O bem é maioria. (DVD 1, vídeo 20)
Antes de tirar a enquete do ar – passada quase uma hora de
programa –, notadamente porque a produção do programa insistiu para que o réu
mudasse de assunto, este tenta se justificar:
Olha, as pessoas estão me perguntando, quem está ligando agora aqui, por que que eu tô fazendo essa pesquisa “você acredita em deus?”. Porque eu vejo tanta barbaridade há tanto tempo que eu acredito que a maior parte dessa barbaridade seja realmente a ausência de deus no coração. Isso eu acredito mesmo, professo isso. Falo isso e vivo isso. (DVD 1, vídeo 21)
Vinte dias depois, diante do inconformismo de quem o ouviu e do
pedido de resposta de ateus de todo o Brasil, o réu declarou, rindo e debochando (DVD 2):
Hah… Tem até uma associação de ateus que pediu direito de resposta para falar aqui. Disse que eu teria metido o pau em quem não acredita em deus… QUE SE LASQUE QUEM NÃO ACREDITA EM DEUS!
16
DO DIREITO DO AUTOR A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro.
JOSÉ SARAMAGO9
Prescreve a Constituição da República Federativa do Brasil:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 3º. Compete à lei federal:
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
9 Disponível em: <http://caderno.josesaramago.org>.
17
Na mesma esteira, estabelece a Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica):
Artigo 32 - Correlação entre deveres e direitos
1. Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade.
2. Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática.
Acerca da liberdade de consciência e de expressão, especificamente,
prescreve o mesmo Pacto:
Artigo 12 – Liberdade de consciência e de religião
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.
2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.
Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
18
I contend we are both atheists: I just believe in one fewer god than you do. When you understand why you dismiss all the other possible gods, you will understand why I dismiss yours.
STEPHEN F. ROBERTS10
Num país em que 97% da população acredita em Deus ou em
alguma força divina, e 75% acredita na existência do Diabo como personificação do mal11,
acaba sendo fácil deixar-se minimizar ou mesmo apoiar as barbaridades ditas ao vivo, em
rede nacional e horário nobre, pelo réu.
Mas é justamente aí, na possibilidade de opressão contra um grupo
tão minoritário, que devemos ser ainda mais vigilantes e intransigentes quanto à violação
do direito à integridade moral das pessoas.
A democracia se faz e se manifesta no respeito à diversidade e no
reconhecimento do direito do outro, especialmente quando integrante de minorias – senão
teríamos tão somente a ditadura da maioria expurgando de seu meio qualquer grupo
considerado indesejado.
Se houver alguma dificuldade em compreender a amplitude dos
danos morais impingidos ao autor – e compartilhados por todos os ateus que tenham
ouvido as palavras do réu –, consubstanciados em sentimentos de impotência, angústia,
discriminação, sofrimento, diminuição, exclusão, indignidade, entre muitos outros que
vão muito além do que possa ser considerado mero aborrecimento, basta fazer o exercício
de substituição do termo “ateus” nas falas do réu por palavras que representem outras
minorias excluídas ou que ilustrem algumas das legítimas características individuais de
Vossa Excelência ou de outras pessoas, a exemplo de origem, cor de pele ou de cabelo,
compleição física ou escolha pessoal…
Basta este exercício hipotético para se ter idéia do sofrimento moral
sentido pelo autor e ser capaz de imaginar as conseqüências que as palavras do réu podem
alcançar, porque – não esqueçamos de observar – provavelmente nenhuma das hipóteses
imagináveis conte com a mesma rejeição social experimentada pelos ateus.
Alguns exemplos: “Quem não é católico não precisa me assistir, não,
gente; quem é judeu não precisa me assistir, não!” (vídeo 02); “Mas se eu fizer uma pesquisa aqui,
10 Tradução livre: “Eu considero que ambos somos ateístas: eu só acredito em um deus a menos que você. Quando você entender por que você rejeita todos os outros deuses possíveis, entenderá por que rejeito o seu”. 11 DATAFOLHA. 97% dizem acreditar totalmente na existência de deus; 75% acreditam no diabo. Opinião Pública. 2007. Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=446>. Acesso em 10/8/2010.
19
se você é heterossexual ou não, é capaz de aparecer gente que é homossexual; porque não é
possível, cada caso que eu vejo aqui… é gente que não tem limite!” (vídeo 03); “Mulheres, não
quero assistindo o meu programa. ‘Ah, mas você não é democrático’. Nessa questão, não sou, não!
(vídeo 06); “O sujeito que é gay, na minha modesta opinião, não tem limites” (vídeo 06); “Mas
quero mostrar também que tem gente que acredita em Orixás; é por isso que o mundo está assim,
essa porcaria” (vídeo 07). Isso é um exemplo típico de um sujeito que pratica Umbanda: matou
um menino de dois anos de idade, tentou fuzilar três ou quatro pessoas” (vídeo 09); “Você é
palmeirense ou corinthiano? Ó lá! Tem quase mil corinthianos ali. Mas é provável que tenham
bandidos votando até de dentro da cadeia! Vou provar pra esses caras que o bem é maioria. (vídeo
11)
Como demonstram as pesquisas retro mencionadas, os estigmas que
recaem sobre o ateísmo são tão densos, ofensivos e grosseiros, que quase a metade da
população declara abertamente odiar ou não tolerar ateus.
As pechas de “amorais”, “antiéticos”, “maus”, “arrogantes”,
“egoístas”, “gananciosos“, “criminosos em potencial”, “vão para o inferno”, entre muitas
outras de natureza similar (das quais um vislumbre pode ser extraído das declarações do
réu) estão tão arraigadas no imaginário popular, que, curiosamente, aos ateus acaba sendo
imposto o ônus de tolerar a intolerância.
O réu, o apresentador José Luiz Datena, figura entre aqueles
considerados “formadores de opinião” no Brasil, e tem seu programa privilegiadamente
exibido no “horário nobre” – assim chamado porque concentra a maior audiência do dia.
Com efeito, o preconceito e a discriminação externados pelo réu
contra o autor – e os demais brasileiros ateus –, extrapola de tal maneira os limites da
liberdade de expressão, que chega a configurar o ilícito penal tipificado no artigo 20, § 2º,
da Lei № 7.716/1989:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
§ 2º. Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena reclusão de dois a cinco anos e multa.
Não podemos esperar nem permitir que declarações como as do réu
sejam transmitidas para o país cuja Carta Política o constitui em um Estado Democrático
20
destinado a assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a harmonia social e a justiça
como valores supremos de uma sociedade que declara (querer) ser fraterna, pluralista e
sem preconceitos.
Na Constituição do Estado em que vive o autor encontram-se
insculpidos alguns Direitos e Garantias chamados Fundamentais, que visam a construir
uma sociedade livre, justa e solidária, assegurar o desenvolvimento nacional, erradicar a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de
todos, com base, entre outras coisas, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, na
prevalência dos Direitos Humanos, no progresso da humanidade…
Neste contexto, não é difícil compreender a indignação e o
sofrimento moral vivenciados pelo autor ao ouvir as acusações lançadas pelo réu ao incitar
o ódio, ao autorizar o ódio e a discriminação de seu público contra uma parcela da
população já gratuitamente odiada e discriminada.
Uns ainda crêem que a TV “influencia” a platéia, como se ela desse ordens de conduta para a platéia, como se fosse urdida, arquitetada, premeditada, num espaço exterior ao da própria linguagem compartilhada entre os falantes. Não é bem isso. Se a TV ‘influencia’, ela influencia exatamente na medida em que precipita o mito, que já estava lá, na fala roubada, pressuposto. Em outras palavras, a TV não só influencia porque é o elo que industrializa a confecção do mito e o recoloca na comunidade falante. A TV não manda ninguém fazer o que faz; antes autoriza, como espelho premonitório, que seja feito o que é feito. Autoriza e legitima práticas de linguagem que se tornam confortáveis e indiscutíveis para a sociedade, pelo efeito da enorme circulação e da constante repetição que ela promove. A TV sintetiza o mito. 12
A par do preceitos da Constituição Federal que tutelam os danos de
natureza moral, determina o Código Civil (artigo 186) que aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
De toda ilegalidade, emana injustiça, e toda injustiça, quando
experimentada, provoca sofrimento moral (que se convencionou chamar de “dano moral
puro”): “O dano moral (“puro”) é avaliado não pela repercussão no patrimônio do lesado, mas sim
12 BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre televisão. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 19.
21
em razão da importância e pelo fato da ofensa perpetrada, ‘presumindo-se’ assim a existência do
dano” 13.
Por óbvio, toda conduta atentatória contra um direito viola um
direito de alguém.
O direito à igualdade inaugura o rol dos direitos e garantias
fundamentais, que, estatuídos por normas de eficácia plena e aplicação imediata, trazem
consigo o direito ao seu exercício – porque imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis,
invioláveis, efetivos, universais, interdependentes (a violação de um acaba por violar
outros tantos). E esse direito de exercer direitos, decorrente de tais características, possui
íntima relação com a dignidade da pessoa humana, elo entre os direitos que compõem o
chamado núcleo rígido dos direitos humanos14.
A inviolabilidade de tais direitos/garantias não é uma força
inabalável que os garanta por si só, mas um princípio que dita que toda violação a
direito/garantia fundamental é um dano grave que deve ser coibido e, quando ocorrido,
reparado/indenizado (que é uma das formas de se coibir novas violações).
Se o ordenamento jurídico pátrio consagra a dignidade humana
como direito fundamental, e, portanto, inviolável, não há que se cogitar a valoração
pecuniária deste direito; não há dinheiro que pague a dignidade humana – que, tamanha a
sua relevância, sequer pode ser posta à disposição por seu portador, porque, como dito,
inalienável e irrenunciável. Nas palavras do Ínclito Desembargador do Egrégio Tribunal
de Justiça de São Paulo, SÉRGIO CAVALIERI FILHO15:
Dano moral, à luz da Constituição Federal vigente, nada mais é
do que a violação do direito à dignidade. […] Hoje, o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética –, razão pela qual revela-se mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como
ocorre no direito português. […] Em razão dessa natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização.
13 QUIRINO, Arnaldo. Prisão ilegal e responsabilidade civil do Estado. São Paulo : Atlas, 1999. p. 62. 14 Cf. WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006. pp. 109 a 121. 15 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. pp. 85/6
22
Complementa BUZA MACKENZIE MICHELLAZZO16:
O órgão judiciário deverá levar em conta que a indenização pelo dano moral não visa a um ressarcimento, mas a uma compensação, consoante afirmou Yussef Said Cahali. No alvitre de Caio Mário Pereira, quando se cuida de reparar o dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: “caráter punitivo” para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o “caráter ressarcitório” para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.
E endossa FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA17:
Embora o dano moral seja um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, para o qual se não encontra estimação perfeitamente adequada, não é isso a razão para que se lhe recuse uma compensação qualquer. Essa será estabelecida, como e quando possível, por meio de uma soma, que não importando uma exata reparação, todavia representará a única salvação cabível nos limites da forças humanas. O dinheiro não os extinguirá de todo: não se atenuará mesmo por sua própria natureza; mas pelas vantagens que o seu valor permutativo poderá proporcionar, compensando, indiretamente e parcialmente, embora, o suplício moral que os vitimados experimentam.
Também a este respeito, RUBENS LIMONGI FRANÇA faz relevantes
considerações:
Se o dinheiro não paga, de modo específico, o “preço” da dor, sem dúvida enseja ao lesado sensações capazes de amenizar as agruras resultantes do dano não econômico.
Não há exata eqüipolência nem mesmo no terreno dos danos exclusivamente econômicos. A incidência do mesmo óbice, tratando-se de danos morais, não constitui impedimento à indenização.
A alegria é da mesma maneira natureza transcendente da tristeza. “Seriam ambas […] valores da mesma essência e que, por isso mesmo, poderiam ser compensados ou neutralizados, sem maiores complexidades”.
Não se trataria de restaurar os bens lesados do ofendido, mas sim “di fare nascere in lui una nuova sorgente de felicità e de benessere, capace de alleviare le consequenze dei dolore ingiustamente provate” [Alfredo Minozzi].
16 MICHELLAZZO, Buza Mackenzie. Do Dano Moral. Volume I. 4ª ed. São Paulo: LawBook, 2000. p. 58. 17 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo LIII. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. p. 228 e 229. Citando o Ministro Hermenegildo de Barros
23
Finalmente, é de se ressaltar que, a bem dizer, não se trata apenas da dor, senão de qualquer bem jurídico não patrimonial, assim como o crédito, o bom nome, a consideração social, a identidade, a relevância cultural e o próprio interesse ecológico.
A Constituição Brasileira determina que o dano moral será
indenizado, sem firmar um teto para o valor da moral humana.
A Doutrina e a Jurisprudência consolidaram a justa equação que
extrai o valor da indenização por danos morais de duas fontes cumuladas: (I) a extensão
dos danos causados e (II) o grau de responsabilidade do causador dos danos. A primeira
deve ter caráter compensatório para o lesado e a segunda deve ter caráter dissuasivo para
o violador, e ambas devem ser somadas:
A indenização não pode ser inexpressiva ou caracterizada como donativo, nem ser motivo de enriquecimento abrupto e exagerado, como premiação em sorteio, deve possuir poder repressivo, inibidor e formador de cultura ética mais elevada. É o que já se decidiu: “Dano Moral. Indenização. Fixação do quantum que deve atender a “teoria do desestímulo”, segundo a qual a indenização não pode ser fonte de enriquecimento ilícito da vítima, tampouco inexpressiva a ponto de não atingir o objetivo colimado” (TJ/SP, Apelação n 65 593-4, rel. Des. Ruy Camilo). 18
Se, como repisado, por inalienável e inviolável que é, a dignidade
humana do autor não pode ser pecuniariamente valorada, isto não pode se constituir em
óbice capaz de deixar o réu impune e livre para continuar a ferir a dignidade de outros
brasileiros.
Na ausência de critérios quantitativos gerais, pode-se arbitrar um
valor justo de indenização ao autor com base em parâmetros estritamente relacionados ao
caso, tais como lucro da segunda ré com a exibição do programa e salário do segundo réu,
além de fatores agravantes (ou atenuantes, se houvessem), como o fato de até a presente
data não se ter notícia de qualquer retratação feita pelos réus – pelo contrário: quando teve
notícia da indignação que provocou na comunidade atéia do país, o réu se pôs a debochar
e a ofender novamente (DVD 2):
Hah… Tem até uma associação de ateus que pediu direito de resposta para falar aqui. Disse que eu teria metido o pau em quem não acredita em deus… QUE SE LASQUE QUEM NÃO ACREDITA EM DEUS!
18 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível № 7.118.424-4. 13ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Cláudio Padin. 2 de abril de 2008.
24
Pesquisando pela Internet podemos constatar que o primeiro réu é
responsável pela maior audiência da segunda ré.
Do mesmo modo, também podemos encontrar que o salário do
primeiro réu gira em torno de R$ 250.000,00 a R$ 500.000,00. Intuitivo também que o
salário do primeiro réu é apenas uma fração – provavelmente abaixo dos 10% – da
arrecadação da segunda ré.
Dando aos réus o benefício da máxima dúvida, se partirmos do
pressuposto de que o primeiro réu receba como salário R$ 250.000,00, e que este represente
20% da arrecadação da segunda ré com o seu programa, teremos que esta lucre com o
programa em testilha no mínimo R$ 1.250.000,00 por mês, o que equivale a R$ 56.818,00
por programa.
Considerando que o programa “Brasil Urgente” vai ao ar das
17h40m às 18h40m19, temos que este programa lucraria por minuto cerca de R$ 1.000,00:
durante os mais de 50 minutos de programa que o primeiro réu dedicou às agressões aqui
narradas, a segunda ré arrecadou pelo menos R$ 50.000,00.
Posto isso, com fundamento nos critérios de reparação e dissuasão de
danos morais consensuais à Doutrina e Jurisprudência, diante da nítida afronta à
Constituição, à legislação pátria e a instrumentos internacionais de proteção de direitos
humanos praticadas pelos réus sob a forma de violações aos direitos do autor, e
considerando que tais violações não seriam corrigidas sem a tutela judicial (haja vista,
como dito, que até a presente data não se tem notícia de qualquer retratação feita pelos
réus, e que quando o primeiro réu teve notícia da indignação que causou declarou “Que se
lasque quem não acredita em deus!”) –, pleiteia o autor, a título de indenização por danos
morais, o valor da menor arrecadação possível de cinquenta minutos de exibição do
programa televisivo “Brasil Urgente” – R$ 50.000,00 – multiplicado por dois – R$
100.000,00 –, justificando-se esse valor pelo raciocínio de a primeira metade como pura
compensação pelos danos morais sofridos, e a segunda como fator de dissuasão da
conduta abusiva e ilegal dos réus que motivou esta ação.
DOS PEDIDOS
Pelo exposto, requer o autor:
� A concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, por se tratar de
pessoa economicamente hipossuficiente, que não pode arcar
19 Disponível em: <http://www.band.com.br/programacao>.
25
com as custas do processo sem o prejuízo do próprio sustento
e de sua família, consoante Declaração de Situação Econômica
e Financeira anexa;
� A citação dos réus por carta precatória no endereço constante
do preâmbulo desta petição, para, se quiserem, apresentarem
resposta, sob pena de revelia;
� A expedição de ofício ao Ministério Público para apuração do
crime previsto no artigo 20, § 2º, da Lei № 7.716/1989, bem
como a sua oitiva sobre os termos da demanda;
� Seja julgado procedente o pedido para condenar os réus a,
solidariamente, pagarem ao autor indenização por danos
morais no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais);
� Com amparo no artigo 128, I, da Lei Complementar Federal
№ 80/1994 combinado com o artigo 5º, § 5º, da Lei №
1.060/1950, que o Defensor Público subscritor ou quem lhe
faça as vezes seja pessoalmente intimado – junto ao endereço
desta Defensoria Regional de Taubaté, externado no
preâmbulo desta peça – de todos os atos praticados no feito,
contando-se-lhe em dobro os respectivos prazos.
Provar-se-á o alegado por todos os meios de prova em Direito
admitidos, especialmente com os documentos e DVDs que instruem a presente ação – dos
quais o Defensor subscritor declara ser autêntico o teor, conforme artigo 385, VI, do
Código de Processo Civil –, perícias e depoimento pessoal do autor e do primeiro réu, se
imprescindíveis, além de todos os necessários ao deslinde da questão.
Atribui-se à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Pede-se deferimento.
Taubaté, 17 de setembro de 2011.
SISENANDO GOMES CALIXTO DE SOUSA AUTOR
WAGNER GIRON DE LA TORRE
DEFENSOR PÚBLICO