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José de Sousa Mendes Administração e desenvolvimento A Administração, quer se trate das pessoas colectivas de direito público quer das de di reito privado, constitui um poderosíssimo agente económico e uma força indispensável para o impulso e orientação do desenvolvi- mento. Mas há necessidade de aceitar esta nova concepção da Administração para o de- senvolvimento, como muito mais do que um sector novo da organização administrativa, justaposto a sectores já existentes; na ver- dade, trata-se de um novo estilo de trabalho, correspondente a uma Administração que, no seu conjunto, está mentalizada para os objectivos de progresso da sociedade em que se insere. IMPORTÂNCIA DA ADMINISTRAÇÃO NA ECONOMIA NACIONAL 1. Diversos motivos podem justificar o tema deste artigo. Afigura-se-me importante começar por salientar dois: por um lado, o facto de a Administração ser um poderosíssimo agente económico, uma grande empresa, e, por outro, o facto de constituir indispensável alavanca para o impulso e orientação do desenvol- vimento. 2. Quanto ao primeiro aspecto — a Administração como grande empresa—, importa, antes de mais, atentar na dimensão institucional da Administração, pois esta reveste uma multipli- cidade de formas, não apenas so domínio do direito público, mas igualmente no do direito privado. Assim, quando se fala em Administração numa acepção am- pla, além da consideração do Estado e das pessoas colectivas que, existindo nos termos da lei para a prossecução necessária de inte- resses públicos, exercem em nome próprio poderes de autoridade

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Page 1: Mendes Administração e desenvolvimento

Joséde

SousaMendes Administração

e desenvolvimento

A Administração, quer se trate das pessoascolectivas de direito público quer das de direito privado, constitui um poderosíssimoagente económico e uma força indispensávelpara o impulso e orientação do desenvolvi-mento. Mas há necessidade de aceitar estanova concepção da Administração para o de-senvolvimento, como muito mais do que umsector novo da organização administrativa,justaposto a sectores já existentes; na ver-dade, trata-se de um novo estilo de trabalho,correspondente a uma Administração que,no seu conjunto, está mentalizada para osobjectivos de progresso da sociedade em quese insere.

IMPORTÂNCIA DA ADMINISTRAÇÃONA ECONOMIA NACIONAL

1. Diversos motivos podem justificar o tema deste artigo.Afigura-se-me importante começar por salientar dois: por umlado, o facto de a Administração ser um poderosíssimo agenteeconómico, uma grande empresa, e, por outro, o facto de constituirindispensável alavanca para o impulso e orientação do desenvol-vimento.

2. Quanto ao primeiro aspecto — a Administração comogrande empresa—, importa, antes de mais, atentar na dimensãoinstitucional da Administração, pois esta reveste uma multipli-cidade de formas, não apenas so domínio do direito público, masigualmente no do direito privado.

Assim, quando se fala em Administração numa acepção am-pla, além da consideração do Estado e das pessoas colectivas que,existindo nos termos da lei para a prossecução necessária de inte-resses públicos, exercem em nome próprio poderes de autoridade

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(pessoas colectivas de direito público), estão também em causaas associações, fundações e sociedades nascidas da iniciativa dosparticulares e cuja personalidade seja reconhecida nos termos dodireito privado, sempre que incumbidas, pela lei ou por acto oucontrato administrativo, de realizar alguma função de interessepúblico em cujo desempenho exerçam poderes de autoridade oucolaborem no seu exercício (são as pessoas colectivas de direitoprivado e regime administrativo1).

Portanto, uma classificação jurídico-administrativa dos ór-gãos que constituem a Administração pública lato sensu com-preende :

I) Pessoas colectivas de direito público (Administração pú-blica stricto sensu):

a) Estado — entendido como a pessoa colectiva de direitopúblico que tem o Governo por órgão. Engloba o Governoe os serviços administrativos directamente a ele afectospara a preparação e execução das decisões dos Ministros.

b) Provindas ultramarinas — pessoas cujo carácter jurídicose situa entre a autarquia local e o Estado federado.

c) Autarquias locais — categoria que se define pelo agregadode cidadãos residentes em certa circunscrição do territó-rio nacional, cujos interesses comuns são prosseguidos porórgãos próprios dotados de autonomia dentro dos limitesda lei (concelho, freguesia e distrito).

d) Institutos públicos — criados para assegurar a gestão deserviços administrativos determinados. Trata-se, pois, deatribuir personalidade a determinado serviço que se desin-tegra do Estado, de uma província ultramarina ou de umaautarquia local para passar a constituir um centro autó-nomo de poderes e deveres jurídicos. A par dos serviçospersonalizados, de tipo clássico — como a Caixa Geral deDepósitos Crédito e Previdência, a Administração Geraldos Correios Telégrafos e Telefones, as Universidades, etc^há os chamados organismos de coordenação económica,etc. 2

1 Cfr., sobre a dimensão institucional da Administração^ o Manualde Direito Administrativo, 7.a e 8.a edições, do Prof. Marcello! CAETANO eo Relatório do Subgrupo n.° 5 do Grupo de Trabalho n.s 14 — Reforma Admi-nistrativa, da Comissão Interministerial de Planeamento' e Integração Eco-nómica.

2 A grande variedade de institutos públicos existentes exigiria siste-matização adequada dos mesmos. Em princípio, poderá partir-se da seguinteclassificação tripartida: a) — serviços administrativos personalizados —

w

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e) Corporações e organismos corporativos obrigatórios — Alei n.° 2086, de 22 de Agosto de 1958, considera as Corpora-ções como pessoas colectivas de direito público e na mesmacategoria são de incluir os Grémios obrigatórios (decreto--lei n.° 23 049, de 23 de Setembro de 1933) e os demaisorganismos corporativos criados por lei especial e dotadosde funções públicas, como acontece com as Ordens, Consi-deram-se também aqui as instituições de previdência, emque se verifica obrigatoriedade de inscrição por parte dostrabalhadores, nos termos da Lei n.° 2115, de 18 de Junhode 1962, e que promovem a satisfação de uma necessidadecolectiva essencial — a previdência ou segurança social.

f) Cooperativas de interesse público — é o caso das associa-ções de regentes e beneficiários formadas para exploraçãoe conservação das obras de fomento hidroagrícola8.

II) Pessoas colectivas de direito privado (e regime adminis-trativo) — As principais classes destas pessoas colectivas são asseguintes:

a) Organismos corporativos facultativos — são os Grémios,Sindicatos naicionais, Ordens, Casas do Povo e de Pescado-res que não sejam criados por leis especiais, cuja consti-tuição dependa de 'iniciativa dos interessados ou, quandomuito, seja promovida pelo Estado, mas para ter lugarnos termos da lei geral.

b) Pessoas colectiva® de utilidade pública administrativa —são as associações ou fundações que colaboram com aAdministração na realização de alguns dos fins desta, semque os respectivos associados tenham intenção lucrativaou haja reserva de vantagens para o instituidor ou pessoasque a este estejam ligadas. Se o fim prosseguido interessaa todo o país, temos utilidade pública administrativa ge-ral; se só aproveita a certa autarquia, ou aos habitantes

como por exemplo a Junta Autónoma de Estradas; a Emissora Nacional,etc; b) —. fundações públicas — o Fundo de Abastecimento*, por exemplo;c) —• empresas públicas — como sejam a Caixa Geral de Depósitos, os CTT,as Administrações dos portos, etc. Ê de notar, porêjn, que a noção de em-presa pública, segundo estudos recentes, nomeadamente no âmbito do Minis-tério das Comunicações e do capítulo intitulado «Explorações Públicas» dorelatório do Subgrupo n.« 5 do Grupo de Trabalho n.° 14 — Reforma Admi-nistrativa da C.I.P.I.E., parece não esgotar-se nos termos resultantes daclassificação referida. Cfr., ainda, a este respeito, o Manual de Direito Admi-nistrativo, 8.a edição, Tomo I, dia Prof. Marcela CAETANO, págs. 180 e sfegs.e 341 e segs.) <máe a matéria é aprofundada.

s Cfr., Prof. Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo,8.a edição, Tomo I, pág. 360.

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de determinada circunscrição, há utilidade pública admi-nistrativa local. São pessoas colectivas deste tipo as asso-ciações beneficentes ou humanitárias e as fundações comfim de assistência ou educação.

c) Sociedades de interesse colectivo — É esta a terminologiada nossa Constituição (art.0 59.°) que permite abranger associedades comerciais que recebem por lei ou por actoadministrativo o encargo do exercício de certa função pú-blica. As categorias incluídas nesta designação são: em-presas de capitais exclusivamente públicos; empresas deeconomia mista, concessionárias ou não, e empresas decapitais privados concesskmárias (de serviços públicos,obras públicas ou da exploração de coisas de domínio pú-blico) ou a que a lei confira alguma função de interessenacional com os correspondentes poderes e encargos *.

Esta classificação de carácter jurMico-administrativo dosórgãos que integram a Administração, não permite, por si só, quese proceda à avaliação quantitativa do peso da Administração naeconomia do país e dos diferentes sectores que a constituem. E istoporque os elementos proporcionados pela contabilidade nacionalestão agrupados segundo uma classificação económica, não coin-cidente com aquela.

Assim, segundo esta última classificação, fala-se em sectorpúblico para abarcar a Administração central (constituída pelosserviços de carácter não empresarial dependentes dos diversos Mi-nistérios, e incluídos total ou discriminadamente na Conta Geraldo Estado, — ou seja, o Estado «C. G. E.»—, pelos serviços autó-nomos vivendo à margem do Orçamento e Conta Geral do Estadoe pelos fundos autónomos), a administração local (constituídapelas autarquias locais e pelo® serviços autónomos ligados aessas autarquias) e a previdência social (que abrange: CaixasSindicais de Previdência e Caixas de Previdência e Reforma; fede-rações desisas instituições; Caixas de Abono de Família e FundoNacional de Abono de Família; Casas do Povo e respectiva JuntaCentral; Casas dos Pescadores e respectiva Junta Central; Caixasde Previdência de Empregados de Serviços Municipais; e Institui-ções de Previdência dos Funcionários do Estado e dos CorposAdministrativos).

Constituem categoria diferenciada as empresas públicas, que,para efeitos das contas nacionais, são integradas no sector produ-tivo (e não no sector público) e abrangem os serviços da Admi-nistração, autónomos ou não, que tenham por objectivo a produção

4 Cfr. Prof. Marcello CAETANO, obras citadas.

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QUADRO I

Classificação jurídico-administrativa dos órj?ãos da Administração pública «lato-sensu»:

I — Pessoas colectivasde direito público(Administração pú-blica «stricto sen-su»)

II — Pessoas colectivasde direito privado

— Estado

— Províncias Ultramarinas

— Autarquias locais

— Institutos públicos

— Corporações e organismos corporativosobrigatórios

— Cooperativas de interesse público

— Organismos corporativos facultativos

— Pessoas colectivas de utilidade públicaadministrativa

— Sociedades de interesse colectivo

Classificação económica dos órgãos que constituem osector público, segundo a contabilidade nacional:

-Administração central (incluindo serviçosautónomos)

-Administração local

-Previdência social

As empresas públicas não são integradasno sector público, mas no sector produtivo

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de bens e serviços destinados a ser vendidos a um preço que, emprincípio, cubra o respectivo custo de produção.

3. Interessa então dar uma ideia da importância da Admi-nistração na economia nacional. Diversos indicadores macro--económicos podem ser utilizados. Um dos mais expressivos, ecom a possibilidade de ser apresentado à escala do espaço portu-guês, consiste na contribuição da Administração para a formaçãobruta de capital fixo, ou seja, grosso modo, o esforço de investi-mento que a mesma tem realizado em comparação com a totalidadede investimento na economia.

Os números do quadro seguinte mostram bem quão relevanteé a posição do conjunto do sector público e das empresas públicasna economia, sobretudo nas províncias ultramarinas, em que aspercentagens respectivas documentam a extrema importância dopapel que a Administração é ali chamada a desempenhar.

QUADRO II

Participação do sector público e das empresas públicas na economianacional — sua contribuição relativa na formação bruta de capital fixo

(Em percentagens) *

Anos

Territórios1961 1962 1963

Cabo VerdeGuinéS. Tomé e PríncipeAngolaMoçambiqueMacauTimor ...

Total das Províncias Ultrama-rinas

Continente e Ilhas 2

Espaço Económico Nacional ...

87,5138,2788,8151,2639,5635,4982,48

84,2132,0189,4548,4941,6555,3188,65

84,1435,8068,6441,5136,3674,4185,44

47,21 46,47 40,86

18,02 21,12 24,11

26,15 27,65 27,95

(1) No que se refere às províncias ultramarinas, as percentagens foram calculadas apartir de valores abarcando unicamente os circuitos monetários das respectivas economias»

(2) Os números dizem respeito apenas ao Continente.

FONTE — Relatório do Subgrupo n.° 5, já citado.

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Considerando apenas o território do Continente, a participa-ção do conjunto formado pelo sector público e pelas empresas pú-blicas na economia pode exemplificar-se em relação às percenta-gens que detém em algumas variáveis macro-económicas: produtointerno bruto — cerca de 11 %; despesa nacional — cerca de 18 %(incluindo o consumo público e a formação de capital, esta últimajá referida anteriormente e a respeito do conjunto do espaçoeconómico nacional). O quadro anexo é revelador.

QUADRO III

Participação do sector «Estado» na economia

(Percentagens apuradas em algumas variáveis macroecomómicas)

Designação

No produto interno bruto (aocusto dos factores):

V.a.b. do sector públicoadministrativo

V.a.b. das empresas públicas

Na despesa nacional:

Consumo público total . ...(Consumo público civil) ...Consumo mais investimento

público

Na formação bruta de capitalfixo:

Sector público administra-tivo

Empresas públicas

Médias

1953-1956

6,8

1,9

11,1(7,4)

13,5

13,35,2

1957-1960

7,1

2,1

11,3(7,8)

14,3

13,16,3

1961-1964

8,5

2,4

14(7,7)

17,8

14,8 a6,9

(a) Apenas a partir de 1960 se passou a conhecer o investimento público em ma-terial diverso, pois, anteriormente, só eram considerados os investimentos em construçõesde natureza civil.

FONTE: — Contas Nacionais do I.N.E. e Capítulo VI, do vol. I, do III Plano deFomento para 1968-1973.

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Outro aspecto de relevo a frisar é-nos dado pela percentagemde activos que trabalham ma Administração em geral e que mãodeve andar longe de uns 10 % da população total empregada nametrópole (cerca de 3,1 milhões).

4. O incremento da importância da Administração na econo-mia, evidenciado pelos números apresentados, é naturalmente con-sequência do alargamento das funções do Estado e relaciona-seintimamente com a crescente complexidade da estrutura internada máquina administrativa.

Mas, é claro que a análise dos elementos quantitativos refe-ridos, por muito realce que dê à projecção da Administração pú-blica na economia, não deve, porém, fazer esquecer que se trata deum sector que, excluindo as actividades produtivas que dele direc-tamente dependem, é de forma predominantemente indirecta, in-susceptível, pois, de ser perfeitamente traduzida em termos con-tabilísticos, que interfere nos diferentes sectores de actividade,através das múltiplas repercussões das políticas, medidas ou ati-tudes que toma.

É, portanto, indispensável analisar a estrutura da Adminis-tração e as funções a cargo dos vários sectores e órgãos em quea mesma se desdobra, a forma como são desempenhadas e, bemassim, avaliar do seu grau de eficiência para a concretização dosfins e objectivos de progresso económico e social visados.

Em termos globais, podemos dizer que, para além dos seuscampos de acção tradicionais — defesa nacional, representação ex-terna, administração da justiça e outros serviços que correspon-dem às mais antigas das suas atribuições —, o Estado tem vindo aassumir responsabilidades cada vez mais vastas em múltiplosdomínios, tais como o ensino e a investigação, os transportes, asvias de comunicação e outras infra-estruturas, o funcionamentodas organizações sanitárias e mais equipamentos sociais, bemcomo de todos os serviços que os cidadãos, só por si, não poderiamassegurar. Acrescem várias atribuições impostas pela exigênciade relações sociais e económicas cada vez mais complexas, comosejam a regulamentação do uso dos recursos naturais, a disciplinado comércio externo, a fiscalização dos movimentos cambiais, ocontrolo do volume monetário e do crédito, a influência das varia-ções de conjuntura, a defesa da concorrência, a vigilância contrao excessivo poderio económico, a promoção do pleno emprego, aprotecção dos consumidores, a redistribuição dos rendimentos, oequilíbrio das relações de trabalho — tudo com vista à justiçasocial e ao progresso e bem-estar da comunidade, de acordo como preceito constitucional que atribui ao Estado a missão de «coor-denar, impulsionar e dirigir todas as activiades sociais, fazendo

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prevalecer uma justa harmonia de interesses, dentro da legítimasubordinação dos particulares ao geral» 5.

Mas como se encontram distribuídas estas funções pelos di-versos conjuntos institucionais6 abarcados na noção ampla deAdministração ?

O conjunto formado pelos serviços centrais ligados directa-mente ao Governo constitui o fulcro de toda a vida administrativado país, na medida em que o Governo é o órgão supremo dashierarquias da administração do Estado e exerce poderes tutela-res sobre as autarquias locais e institucionais.

Em termos de contas nacionais, corresponde à designação«Estado — C. G. E.», assumindo, nessas contas, preponderânciaem relação a outros subsectores públicos metropolitanos (serviçose fundos autónomos, administração local autárquica e previdênciasocM). Em 1964, cabiam4he 67,7% do somatório das despesascorrentes, mais formação bruta de capital fixo, mais empréstimosconcedidos, menos empréstimos contraídos, de todo o sector pú-blico.

A estrutura interna deste conjunto estende-se por uma gamaextremamente vasta e complexa de serviços e organismos, desdeos competentes nos domínios tradicionais da função pública— tribunais, representação externa, forças armadas, segurança,serviços financeiros, etc. — até aos que mais directamente reflec-tem o alargamento das funções económicas e sociais do Estado,podendo citar-se, a título meramente exemplificativo, alguns demais evidente significado económico: os de planeamento, estatís-tico e de informação afectos à Presidência do Conselho; os dila-tados e primaciais serviços de educação; a extensa orgânica dastrês secretarias de Estado do Ministério da Economia; as estru-turas que disciplinam e orientam o domínio dos transportes ecomunicações; o Ministério do Ultramar, cuja acção se estendepelas mais vastas parcelas do território nacional7.

A «Administração local autárquica» desempenha funções damaior relevância nos domínios social, político e económico, visandoa prossecução dos interesses comuns dos agregados populacionaisincluídos nas respectivas circunscrições teorritoriais em que o ter-ritório nacional se encontra dividido. Dá-se uma ideia da sua im-portância, na metrópole, em termos financeiros, dizendo que asautarquias locais cobram receitas própria® numa proporção queoscila em torno dos 13,5% das receitas correntes do Orçamento

s Cfr. III Plano de Fomento, I vol., cap. VI citado.6 Não há separação absoluta entre muitos dos conjuntos a seguir

referidos, tal como são apresentado ,̂ e isto porque as classificações econó-mica e jurídico-administrativa não estão perfeitamente articuladas. Apenasse pretende sublinhar a importância de cada um, e não evitar sobreposições.

7 Cfr. III Plano de Fomento para 1968-1973, vol. I, eagítub VI, ctado.

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Geral do Estado e as suas despesas totais regulam por cerca de14% das controladas directamente pelo Ministério das Finanças.

No que respeita a «Serviços e Fundos Autónomos», podeapontar-se, só para a metrópole, um número superior a 900, cor-respondente aos que se localizam junto à administração central(abrangendo empresas públicas autónomas, no conceito do Insti-tuto Nacional de Estatística, mas não incluindo os dependentes dosorganismos de coordenação económica e os ligados à administraçãolocal autárquica e à previdência social — o que então, alargariaaquele número para cerca de 1500).

Pois esses 900 serviços e fundos autónomos movimentam ver-bas para cima de 20 milhões de contos, o que dá uma ideia diavastidão e importância desse conjunto na Administração portu-guesa, desempenhando as mais variadas e complexas funções navida nacional.

A categoria dos «Organismos de coordenação económica» êconstituída por serviços públicos personalizados, que a contabi-lidade nacional integra parcialmente no conjunto das empresaspúblicas, encarregados do desempenho de funções que ao Estadocompetem de coordenar e regular superiormente a vida económicae social e com características especiais que os diferenciam dosserviços autónomos tradicionais, derivados de uma autonomia efaculdade de manobra mais amplas e de serem constituídos poragentes do Estado, independentes dos interesses disciplinados epor representantes das próprias actividads económicas, integradasna organização corporativa, a par de entidades públicas ou parti-culares de especial competência — competindo aos primeiros adirecção e gestão dos serviços, mas sendo tomadas em comum asresoluções tendo por fim a regularização ou ordenamento das res-pectivas actividades.

Para se avaliar da importância destes organismos no quadroda nossa Administração, e para além das suas operações de créditoe das de abastecimento e defesa que correspondem a movimentorotativo de capitais, com origem na banca e a ela devolvidos afinal, de ordem superior a 2 milhões de contos anuais; pode dizer--se que o montante das receitas ordinárias destinado a financiaros encargos de funcionamento dos 17 organismos existentes noâmbito da acção do Ministério da Economia8 atinge cerca de250 000 contos — valor este que se confronta com o das receitasordinárias constantes dos orçamentos, para 1966, do Estado e dealguns serviços autónomos: Estado (sem serviços autónomos) —12,5 milhões de contos; Emissora Nacional de Radiodifusão —122mil contos; CIT (receitas de exploração)—1,3 milhões de con-

8 Há ainda a Junta Nacional da Marinha Mercante, que depende doMinistério da Marinha.

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tos; Portos (Administrações e Juntas Autónomas) — 315 milcontos.

A «Previdência Social» constitui outro sector de organizaçãodescentralizada da Administração, com um papel económico esocial da mais alta importância, que se pode aquilatar pelo factode hoje em dia, apenas cerca de *4 da população activa metropoli-tana (praticamente toda ela rural) não estar a coberto do segurosocial em algumas das suas modalidades, o que significa que asinstituições de previdência abrangem cerca de 2 milhões de pes-soas (beneficiários directos, sem contar com os familiares quetambém estão a coberto do esquema e que, se forem consideradosnum cômputo geral, elevarão aquele número para quase 3,1 mi-lhões de pessoas). Mas, para além disso e dos aspectos qualitativosdo esquema de benefícios, pode ainda fazer-se referência ao papelque tem vindo a ser desempenhado pelas instituições de previdênciacomo fontes de financiamento do desenvolvimento económico na-cional, atingindo no fim de 1965 a respectiva massa de bens capita-lizados o elevado montante de cerca de 15,8 milhões de contos.

Quanto &o conjunto das empresas públicas (no sentido dadopela contabilidade nacional), reúne mais de 150 — número esteem que se consideram 77 serviços municipalizados—, cuja parti-cipação nas actividades produtivas assume particular destaqueno que respeita aos ramos «transportes e comunicações» (20,8%),«crédito, seguros e operações sobre imóveis» (17,3%) e «electri-cidade, água, gás e serviços de saneamento» (14,5 %) 9. Por outrolado, há ainda a referir as empresas de economia mista e as con-cessionárias, através das quais o Estado assegura a realização demúltiplos e variados fins de interesse público.

Ê por demais conhecido o papel assinalado à «organizaçãocorporativa» na expressão institucional dos diversos interesses so-ciais, culturais e económicos. Esta organização tem vindo a desen-volver-se e a estruturar-se nos últimos anos e é cada vez maissensível a sua intervenção na vida económica do país, computando--se actualmente as suas despesas totais anuais em mais de 45 %das do subsector «Estado — C. G. E.».

No âmbito das «Pessoas colectivas de utilidade pública admi-nistrativa» assumem principal interesse as instituições com finsde saúde e assistência, pelas funções importantíssimas que lhesincumbem na cobertura sanitária e hospitalar da metrópole, po-dendo avaliar-se da sua posição na administração pública indi-cando que o respectivo valor patrimonial atinge cerca de 4 milhõesde contos e o total das verbas despendidas anualmente na manu-tenção dos seus serviços à volta de 653 mil contos, sabido aindaque destas verbas de manutenção apenas 24% são suportadas

9 Cfr. III Plano de Fomento, I vol., cap. VI citado.

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pela administração central e autarquias locais. Também as asso-ciações humanitárias, que se identificam com as associações debombeiros voluntários, têm a seu cargo papel de relevo na cober-tura dos serviços de extinção de incêndios por todo o territóriometropolitano, visto que de 356 corpos de bombeiros actualmenteexistentes 313 são voluntários, como é de 11 700 o número de bom-beiros voluntários, o qual se confronta com o de cerca de 1700 res-peitante aos bombeiros municipais (incluindo nestes, o dos Bata-lhões de Sapadores Bombeiros) 10.

5. Fica assim evidenciada a importância da Administraçãoris economia nacional, como igualmente se depreende do que foiapontado o papel por ela assumido na orientação e participaçãoactiva no desenvolvimento do país.

Ora, este papel ganha inteiro significado à luz da política dosplanos de fomento que, desde há longos anos, se tem vindo a inten-sificar e a aperfeiçoar entre nós.

Como disse o Ministro de Estado, Doutor Motta Veiga, numacomunicação aos órgãos da informação, em 30 de Junho de 1967,acerca do Projecto do III Plano de Fomento paira 1968-1973 «naconcepção portuguesa, que aliás corresponde à da generalidadedos países ocidentais onde estão em curso experiências análogas,um plano de fomento pode definir-se como um grande programade acção (...) por intermédio do qual se procuram mobilizar, demodo racional e coerente, os recursos humanos e materiais dispo-níveis, as iniciativas oficiais e particulares, tendo em vista inten-sificar, quanto possível, o acréscimo de riqueza do País e aelevação do nível de vida de todos os Portugueses. Trata-se, pois,de um grande quadro orientador da vida económica e social, emordem à consecução de determinados objectwos de expansão eprogresso, deliberadamente fixados como metas a procurar atin-gir. Nesta concepção, um plano de fomento é, acima de tudo, umaafirmação de vontade colectiva, no sentido de que toda a Naçãodeve participar, por forma activa e consciente, na edificação doseu próprio futuro».

Ê à Administração que incumbe naturalmente dar os primeirospassos no sentido da definição e da elaboração dos Planos e deestabelecer com as actividades privadas as fórmulas de colabora-ção convenientes.

6. Para que se atinja um grau de eficácia razoável na exe-cução do planeamento económico e social, exige-se, porém, comocondição necessária, a racionalização da organização administra-

io Cfr., sobre toda esta matéria apresentada no número 4, o relatóriodo Subgrupo n.e 5 já citado.

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tiva em geral e o fortalecimento dos seus instrumentos de actua-ção.

Constitui facto significativo o de, nos últimos 15 anos, teremsido criados, aperfeiçoados e alargados numerosos instrumentosde acção pública, em domínios como o fomento industrial, flores-tal, agrícola e pecuário, a expansão das exportações, o controlofinanceiro e monetário, os transportes e comunicações, a pesca, asaúde, o turismo, a educação, a investigação e assim por diante.Refira-se ainda que chegou mesmo a estimar-se em 70 % o nú-mero de organismos e serviços da Administração central total ouparcialmente remodelados, durante o referido período11.

Mantêm-se, apesar de tudo, extensos e importantes proble-mas inerentes à actual situação da Administração Pública, rele-vem eles da racionalidade das estruturas, da necessidade de actua-lização de métodos e processos de trabalho ou das condições rela-tivas ao chamado «factor humano», que funcionam como verda-deiros estrangulamentos ou entraves administrativos ao desen-volvimento.

Entre eles, e constituindo problemas comuns a diferentes sec-tores em que se desdobra a Administração, podem apontar-se:

1 — O espírito formalista que prevalece, umas vezes na au-sência de adequada preparação do pessoal, outras vezespor imperfeita compreensão da índole e dos objectivosda actuação administrativa, outras ainda como resultadode disposições concebidas em épocas em que o Estado nãotinha as responsabilidades de hoje — quando não por in-fluência conjunta destes e outros factores;

2 — A insuficiência de pessoal, por vezes no aspecto quanti-tativo, mas sobretudo no qualitativo, particularmente nossectores públicos mais exigentes em habilitações. São doconhecimento geral as razões desse estado de coisas(depreciação das retribuições directas e indirectas emrelação ao que se verifica no sector privado, faltas deestímulo, dificuldades de acesso, excessiva rigidez nasrelações de serviço, insuficiência de informação quantoaos fins a atingir, etc.);

3 — Frequente tendência para a centralização dos poderes dedecisão e a concentração dos mesmos nos mais elevadosórgãos da Administração, o que ocasiona enorme acumu-lação de trabalho aos altos funcionários, com prejuízo de

ii Cfr. a Introdução do Relatório' português sobre a «Adaptação dafunção pública à evolução social», apresentado ao congresso do InstitutoInternacional àe Ciências Administrativas, realizado em Dublin, em Setem-bro de 1968.

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exercício de actividades de reflexão, previsão e planea-mento por parte destes;

4 — Isolamento de muitos serviços relativamente ao público;

5 — Apontem-se ainda: insuficiências no controle dos servi-ços, por vezes limitado aos aspectos formais e burocrá-ticos; predomínio da imprevisão sobre o procedimentoprogramado e coordenado; excessiva preferência pelaforma escrita no desenvolvimento do processo adminis-trativo; graituitidade da maior parte dos actos proces-suais; baixo custo de taxas por serviços prestados, etc;

6 — Mencione-se, por fim, o deficiente equipamento mate-rial de numerosos serviços, tanto no tocante a insta-lações (edifícios inadequados, mal situados, ou de rendadispendiosa) como a outros equipamentos, com reflexosno rendimento dos funcionários, na dificuldade de racio-nalizar os serviços, na incomodidade do público e, até,em desperdícios consideráveis12.

Tem-se dito que muitos destes problemas resultam, em grandeparte, do predomínio de concepções adquiridas em épocas de menordinamismo social e em que o Estado não tinha a responsabilidadede «motor do desenvolvimento» que hoje apresenta e parece tendera acentuar-se.

Nessas concepções há muita influência do sistema adminis-trativo francês, parcialmente adoptado no País no século XIX, eque se caracteriza pela autonomia orgânica, especialmente legis-lativa, autoridade para tomar decisões executórias, estrita legali-dade, quase exclusiva dependência em relação ao Governo, altograu de centralização de atribuições no Estado e elevado índicede concentração de competências no topo da hierarquia.

Ora, se tais características de uma administração de legali-dade, que se mantinha neutra em relação aos problemas da econo-mia, de acordo com a concepção liberal então prevalecente, terãopodido ter justificação numa sociedade como aquela em que sevivia há dezenas de anos atrás, o certo é que as transformaçõessociais entretanto operadas, em especial por virtude do desenvol-vimento da ciência, da aceleração do progresso técnico, e da con-sequente alteração do equipamento, e que se inserem nas condiçõesde vida do tempo presente, não se compadecem com os quadrosestruturais — mentais, sociais e económicos — herdados do pas-sado, obrigando a uma profunda reconversão dos mesmos, sob penade não sermos capazes de orientar e tirar o máximo partido dosinstrumentos de progresso que a capacidade do homem forjou,

i2 Cfr. III Plano de Fomento, I vol., cap. VI citado.

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mas, muito pelo contrário, sofrermos os graves inconvenientes deos não poder dominar.

Aprofundando o assunto, para melhor compreender a proble-mática em questão, vale a pena traçar, embora em termos muitogerais, a configuração do género de sociedade que prevaleceu nonosso país até há relativamente poucos anos e reconhecer a fasede transição em que nos encontramos para uma sociedade de tipoindustrial, procurando, paralelamente, pôr em confronto as carac-terísticas mais marcantes da Administração pública, em coerênciacom o tipo de contexto social envolvente.

II

ADMINISTRAÇÃO E SOCIEDADE

7. Consideremos, pois, em primeiro lugar como se pode carac-terizar a sociedade tradicional e quais os traços predominantesde uma sociedade moderna industrializada, para a qual o nossopaís se encaminha.

Em termos muito gerais e esquemáticos, poderemos dizer quea sociedade tradicional se caracterizava:

a) pela existência predominante de uma economia agrícolade subsistência, à base de pequenos produtores individuaisde bens e serviços, fechada sobre si mesma, com poucoscontactos exteriores e, portanto, bastando-se a si própria;

b) pela presença de uma população vivendo predominante-mente em condições de vida e formas de civilização herda-das do passado;

c) pelo fraco grau de densidade de meios urbanos;

d) por um escol cultural pouco numeroso;

e) pelo facto de conservar as formas tradicionais de traba-lhar, de produzir, de viver, de sentir e de conceber a pró-pria vida;

/) pelo facto de o tipo fundamental de pensamento e de ati-tudes considerar como valores supremos a estabilidade daordem social13.

Numa sociedade desse tipo, era compreensível que se conside-

13 Cfr. A. Sedas NUNES, Sociologia e ideologia do desenvolvimento, Mo-raes Editores, 1968, sobretudo págs. 261, 317 e 318.

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rasse que o Estado deveria limitar-se fundamentalmente a velarpela oixlem e a segurança dentro do respeito da lei e das conven-ções livremente estabelecidas, a arrecadar os impostos e a assegu-rar a aplicação da justiça, não lhe competindo intervir directa-mente na vida económica.

Procurando agora salientar alguns traços característicos deuma sociedade industrial, importa reconhecer:

a) a evolução rápida que nela se processa, a contrastar coma lentidão das transformações a que estavam sujeitas associedades ainda não afectadas pelo progresso técnico;

b) a tendência para uma eliminação de barreiras entre asactividades que nela se exercem e entre os grupos, zonase núcleos que compõem a sociedade;

c) a concentração da população em grandes aglomeraçõesurbanas, altamente diferenciadas e solidamente estrutu-radas;

d) o acréscimo de mobilidade demogáfica e de comunicaçãosocial;

e) o desenvolvimento e difusão do conhecimento positivo, dainstrução e da formação;

/) a maior utilização de meios técnicos e a tendência para aexistência de mais tempos livres a dedicar a ocupações nãoutilitárias;

g) a irrupção de novas e sempre mais aspirações nas atitudese comportamentos das pessoas e dos grupos;

h) uma maior projecção para o exterior, implicando o esta-belecimento de relações mais estreitas com outras socie-dades, uma maior dependência da sociedade internacionale um processo de progressiva mundialização;

i) finalmente, a substituição do tipo fundamental de pensa-mento e atitudes tradicionais por princípios cujo pressu-posto fundamental é de que toda a ordem social é suscep-tível de mudança14.

Numa sociedade deste tipo o Estado tende cada vez mais adesempenhar não só papel de regulador e protector dos direitosnas relações entre as pessoas, como sobretudo de propulsor da

14 Idem, idem, págs. 292̂ 293, 318 e 319.

462

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criação de condições económicas, sociais e culturais que permitamo progresso da generalidade dos cidadãos". 15

8. Ê neste enquadramento geral, proporcionado pela carac-terização sumária dos tipos de sociedade tradicional e de socie-dade moderna, que importa agora distinguir as administraçõespúblicas e correspondentes.

Como expõe claramente o sociólogo português Dr. SedasNUNES, «uma administração tradicional é, em primeiro lugar, umapequena administração, composta por um reduzido conjunto deserviços, que só muito lentamente cresce, só muito lentamente sedesenvolve. Em segundo lugar, foi a princípio concebida basica-mente como um instrumento... de centralização do poder e deimposição, a uma dada sociedade, de uma certa ordem jurídico--política. Em terceiro lugar, é uma administração dotada de fun-ções restritas e, sobretudo, de funções que são, principalmente, degestão interna: funções de arrecadação de receitas, de guarda fieldos dinheiros públicos, de escrupulosa utilização desses dinheirosna sustentação dos poucos serviços e no exercício das poucas fun-ções que a administração engloba. A administração é ainda ... umamáquina de execução fiel de decisões políticas preparadas e dis-cutidas a um nível superior ao dela: em rigor, compete-lhe apenasexecutá-las. E é, finalmente, uma administração comandada fun-damentalmente por homens de formação jurídica, tendo ao seuserviço, em posição subordinada, um pequeno número de técnicos,nomeadamente em razão das obras públicas.

Uma administração moderna corresponde a um modelo que ébem o oposto deste, em muitos aspectos.

Em primeiro lugar, é uma grande administração, um imensocorpo de serviços e de organismos, mas um corpo que, não só égrande, como incessantemente se expande. É, pois, uma adminis-tração com uma escala inteiramente diferente: escala de dimensão,escala de ritmo de crescimento. Por outro lado, não é já ... meragarantia de uma ordem política estabelecida e duma regularidadejurídica nas relações entre os indivíduos: é um instrumento depromoção económica e social, uma alavanca essencial do desenvol-vimento. E daqui logo resulta um outro elemento contrastante com

15 Pondo-nos numa posição mais acentuadamente prospectiva, sería-mos levados a considerar, para além da sociedade tradicional (ou pré-indus-trial) e da sociedade industrial, tais como ficaram caracterizadas, outrosestádios mais evoluídos, ou sejam, a sociedade do consumo em massa e asociedade pós-industrial. A estes aspectos se referem estudos tão importantese reveladores como por exemplo 0 Ano 2000 dos Professores HermanKAHN e Anthony WIENER do> Instituto Hadson de Nova Iorque, que forneceamplo campo para especulação sobre o último terço do século XX, findoo qual esses autores prevêem que Portugal Continental terá atingido o está-dio do consumo em massa, numa altura em que os países actualmente maisdesenvolvidos constituirão já sociedades pós-industriais.

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a administração tradicional: é que se trata de uma administraçãoinvestida em muito amplas e essenciais funções de intervenção naeconomia e na sociedade, isto é: exercendo funções de verdadeiragestão nacional e não apenas (ou basicamente) de gestão interna.Mas, por tudo isto, ou seja, pela sua própria dimensão, pela ex-traordinária variedade dos problemas de que se ocupa e pelasfunções de intervenção que adquire, a administração moderna nãopode ser simples máquina institucional de execução: é também, etem de ser, um dispositivo de preparação de decisões. Enquanto aadministração tradicional se limita a executar o que acima dela sediscute e decide, a administração moderna recolhe e elabora elamesma, dentro de si, a informação, os projectos, as alternativasem que se funda a decisão que, depois, acima dela, se toma. Donde,uma última característica: a administração moderna exige sercomandada por verdadeiros administradores e servida por nume-rosas equipas de investigadores e de técnicos» 16

9. Retomando a análise relativa ao nosso País (circunscritaao que se verifica no Continente português na Europa) pode dizer--se que a sociedade portuguesa se encontra numa fase de transiçãode uma sociedade de tipo tradicional para uma sociedade modernaindustrial.

No que respeita à economia, os números disponíveis sobre aevolução do produto nacional são de molde a evidenciar que, se porum lado, a indústria está em expansão, a agricultura se tem man-tido em fase de estagnação.

Este dualismo económico é também de ordem sociológica,visto o crescimento da indústria (e dos serviços) poder ser inter-pretado como expressão e resultante do movimento para o pro-gresso de um dado sector da sociedade portuguesa e a estagnaçãoda agricultura poder ser encarada como indicador de bloqueamentono atraso de um outro sector dessa mesma sociedade. Na verdade,análises feitas às assimetrias económicas distritais do Continentelevaram a concluir pela persistência e dominância, na maior partedo território e da população, de um estilo de vida económica rece-bido do passado e carecente de capacidade para absorver e difun-dir eficazmente as foonas modernas de actividade produtiva.

A par das disparidades regionais de nível de desenvolvi-mento e de formas e estilo de vida económica, sobressaem tambémdesigualdades de condições sociais. Os indicadores disponíveisfazem ressaltar a «imagem de uma sociedade onde, à margem eao redor de algumas restritas áreas socialmente privilegiadas,nas quais os diversos elementos utilitários da civilização modernaatingiram já um grau notável de difusão, perdura e se estende toda

A. Sedas NUNES, ob. c$í., págs. 272 e 273.

Page 19: Mendes Administração e desenvolvimento

ama zona) social muito mais extensa, imersa em condições de vidae formas de civilização tradicionais».

No que respeita ao grau de urbanização das populações, aanálise dos elementos de informação existentes revela forte con-centração urbana em duas zonas restritas, Lisboa e Porto, e largadispersão da restante mancha urbana por cidades e núcleos demodestas dimensões, podendo concluir-se pelo predomínio da civi-lização tradicional numa área geográfica e social bastante maislata que a daquelas zonas.

No que respeita à densidade do escol cultural, são também asáreas do Continente, privilegiadas sob o triplo aspecto social, eco-nómico e urbano, que aparecem «também largamente avantaja-das sob o ponto de vista da capacidade de acolher, procurar, assi-milar e difundir as formas mentais e materiais, as concepções,atitudes e realizações do desenvolvimento económico, social e cul-tural».

Em síntese, pode dizer-se aue coexistem, no Continente por-tuguês, duas áreas sociologicamente distintas: uma área socialmoderna, em espaços geograficamente restritos, e uma área socialtradicional, estendida por todo o mais território e rodeando asgrandes concentrações ou núcleos menores da primeira.

Essa área social tradicional é fortemente rural e agrícola;mas com a agricultura em grande medida estagnada no seu pro-cesso de desenvolvimento. A área social moderna é acentuada-mente urbana, industrial e terciária; mas com indústria e serviçosem franco processo de crescimento.

Assim se exnlica o movimento de abandono mie afecta, asáreas de nítida preponderância tradicional, como resultante do con-fronto da civilização tradicional com a civilização moderna, — enão apenas com a que se incrustou no solo português: também acivilização moderna estrangeira.

Com efeito, no que respeita à intensificação dos contactoscom o exterior, a abertura da sociedade portuguesa à civilizaçãomoderna pode aquilatar-se pela evolução dos movimentos de mer-cadorias e pessoas, das comunicações pessoais à distância, da in-formação colectiva gráfica, e dos meios de informação colectivaaudiovisual, e pela difusão do conhecimento de idiomas estran-geiros, pelo incremento de relações financeiras e técnicas entreempresas e grupos económicos nacionais e estrangeiros17.

Além disso, há todo um conjunto de problemas emergentes dopróprio contexto internacional a solicitar uma correspondência porparte dos órgãos governativos e do País, resultantes da revoluçãocientífica, da divisão do mundo em potências ricas e pobres, nu-

17 Cfr. A. Sedas NUNÍJS, ob. cU., sobretudo págs. 197, 201, 203, 206, 203,209, 214, 217, e 218 a 221, Em relação a toda esta matéria, é de consultaro texto do III Plano de Fomento e os respectivos trabalhos preparatório?.

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cleares, e não nucleares, da explosão demográfica, da ânsia depromoção social dos povos subevoluidos, de novos rumos da pre-sença branca em África e na Ãsia, da época dos grandes impérios(América do Norte, Rússia, China e Índia), da necessidade deorganização da Europa, etc.18.

«Assim, os horizontes sociais de um número crescente de indi-víduos alargam-se para além das fronteiras políticas do país» e«cada vez mais, ou em número cada vez maior, os indivíduos ten-dem a agir, pensar, sentir e projectar, não já em função apenas deestímulos, imagens, oportunidades, solicitações e concepções in-ternas à sociedade onde nasceram e onde estão, mas também emfuncho de estímulos, imagens, oportunidades, solicitações e con-cepções recebidas do exterior, ou nesse exterior apercebidas, atra-vés do contínuo fluxo da informação».

Por outro lado, relativamente à intensificação dos contactose relações, no interior da própria sociedade portuguesa, é de notarque a circulação, sensivelmente aumentada, de pessoas, mercado-rias e mensagens impõe essa intensificação no território em geral.«E assim, tal como sucede na relação entre a sociedade portuguesae o mundo exterior, também a área social tradicional é agora muitomais intensamente posta em presença da área moderna»19.

in

ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO

10. Ora, é neste movimento de mudança, impulsionado pelodesejo e acção de um país no sentido do progresso com vista asair da sua situação tradicional de sociedade predominantementeagrícola e converter-se em sociedade mais industrial, que se situatoda uma nova perspectiva de actuação global para a nossa Adfrii-nistração. Em vez de se dar relevo primacial, — como estaria deacordo com as concepções do «Estadft-Polícia» harmónico com otipo de sociedade tradicional anteriormente existente, — às fun-ções de manutenção da lei e da ordem, trata-se de pôr o acento tó-nico numa atitude globalmente nova que é a de uma Administraçãotoda ela virada para o desenvolvimento, coerente com as exigên-cias dinâmicas de um «Estado-Serviço» ou «Estado do Bem--estar» 20.

!8 Cfr. Alfredo Manuel PIMENTA, «A sucessão Salazar-Marcello Cae-tano», artigo publicado no «Diário de Notícias» de 13 de Outubro de 1968.

is Cfr. A. Sedas NUNHS, ob. <cU., págs. 221 e 224.20 Cfr. o citado Relatório do Subgruipo 5 e os textos das nossas pales-

tras sobre «A administração pública e o desenvolvimento» (proferida em

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aspecto afigura-se-me de particular importância, por-quanto o que está em causa, a meu ver, não é a justaposição deum sector administrativo tradicional e de um sector administra-tivo dito de desenvolvimento.

Assim, põe-se o problema de saber se devem existir serviçosda Administração dedicados a promover o desenvolvimento poroposição aos que se dedicam a manter a lei e a ordem e à arreca-dação de impostos e se há estruturas e processos administrativosque, por se relacionarem intimamente com o processo de desenvol-vimento, exigem uma consideração especial por contraposição aosserviços com competência em domínios tradicionais21.

Afigura-se que não existe diferença de essência e de finali-dade entre as actividades de manutenção da lei e da ordem e dearrecadação de impostos, por um lado, e a actividade do desenvol-vimento, por outro.

Considerem-se, por exemplo, as forças de segurança: normal-mente concebem-se como devendo manter a lei e a ordem, masse forem utilizadas para adquirir ou defender recursos nacionais,como por exemplo a água ou o património florestal, não se duvi-dará de que têm perfeito cabimento na Administração do desen-volvimento.

Além disso, todos poderemos aceitar que é necessário assegu-rar a lei e a ordem antes que qualquer desenvolvimento possarealizar-se.

Por outro lado, reconhece-se que é importante assegurar quea Administração da lei e da ordem se adapte para fazer frenteàs necessidades da Nação em desenvolvimento.

Em suma, crê-se que a manutenção da lei e da ordem e aarrecadação de impostos não podem ser estáticas, como não opodem ser quaisquer outros aspectos da Administração numa erade desenvolvimento.

Mas o que se pretende ainda acentuar é o facto de, mesmoque se considere válido que alguns aspectos da Administração deum país como o nosso devem ter características especiais pelo seupapel no processo de desenvolvimento, não podemos deixar dereconhecer que o próprio conceito de desenvolvimento é tão ex-tenso e complexo^ — e sempre susceptível de aprofundamentos —e as organizações que dele se ocupam dependem de tal forma de

23/IV/68 na abertura do I curso sobre Produtividade Administrativa, pro-movido pelo Secretariado da Reforma Administrativa) e «Concepção do fun-cionário numa Administração para o desenvolvimento» (proferida em 18/X/68no Instituto Português de Ciências Administrativas). Cfr. também, Prof.Marcello CAETANO, «Tendências do Direito Administrativo Europeu», in Re-visto, da Faculdade de Direito da Universidade, de Lisboa, vol. XXI, 1967.

21 Cfr. William WOOD, «Administração do Desenvolvimento: unia objec-ção», in Documentacion Administrativa n.° 120, Dezembro de 1967.

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processos administrativoâ regularão, que é muito mais significa-tivo falar-se da administração de desenvolvimento, não como umtipo especial de administração, mas, num país que quer desenvol-ver-se, como correspondendo a toda a administração, que toda elaé, afinal de contas, «administração de desenvolvimento»<,

Assim, por exemplo, a administração da justiça deve estar emdia, adequar-se a uma situação evolutiva; se não o faz menosprezao progresso ou limita-o.

Ê vulgar, entre nós, considerar o Ministério da Justiça e asorganizações ou serviços dele dependentes como áreas puramentetradicionais da nossa Administração. Mas não podemos ignorar aposição importantíssima que tal conjunto representa para, o desen-volvimento, considerado este pelo prisma das actividades dos cida-dãos em geral e das actividades económicas privadas em parti-cular que, a cada passo, estão a recorrer aos respectivos serviços(para aspectos de identificação, de registo, provas documentaiscprocedimentos vários, etc), com vista a acautelar ou a fazer valerdireitos que têm expressão dinâmica na vida económica de todoo país.

Outro ponto de reflexão diz respeito à polícia. O respectivopapel ou função- evolui à medida que mudam as exigências; assuas características podem modificar-se através da selecção e daformação, porque um polícia pouco culto pode cumprir as suastarefas básicas numa população de baixo nível intelectual, maspouco poderá fazer quando o nível cultural se eleva ou quando umapopulação sofisticada surge como consequência de um programacompleto de desenvolvimento 22.

O sistema de arrecadação de impostos tem de mudar para terem conta novas actividades políticas e económicas. O funcionárioauxiliar — o muitas vezes pouco apreciado burocrata — é básicono processo de desenvolvimento e deverá, ele próprio, ser «desen-volvido» para que esteja em dia com as necessidades que mudam.As práticas gerais administrativas da Administração pública sãopontos chaves da administração do desenvolvimento.

Por tudo isto e em suma, a administração pública deve sertoda ela administrada para o desenvolvimento

22 William WOOD cita um exemplo ocorrido em França. Aos turistasque infringiam as normas de estacionamento enviava-se-lhes um aviso —«Benvindos a França. Por favor, respeite as nossas regras de estaciona-mento» —•, em lugar de aplicar as sanções que lhes corresponderiam sefossem franceses CB infractores. E comenta: «há aqui uma pequena contri-buição da polícia para o desenvolvimento do turismo, o reflexo de uma ati-tude: não pensar que a manutenção da lei e da ordem é algo diferente dodesenvolvimento.!

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IV

REFORMA ADMINISTRATIVA

11. Parece-me que é neste sentido, com vista a conseguir-seuma Administração com características de dinamismo e adaptabi-lidade semelhantes às apontadas e em coerência com a evoluçãoirreversível das realidades sociais circundantes e o imperativo depromoção económica e social que recai sobre o Estado e todo oPaís, que apontam não só os textos fundamentais de orientaçãoda reforma administrativa do desenvolvimento nacional que deveser o III Plano de Fomento, em curso de execução.

Bastará recordar os objectivos que este mesmo Plano directae imperativamente fixa ao sector público em matéria de reformaadministrativa, e referir aqui, como síntese de todos esses objec-tivos, o de se alcançar «maior produtividade dos serviços e orga-nismos públicos, procurando insuflar à Administração um espíritoempresarial harmónico com as características e exigências donosso tempo».

Torna-se, para tanto, imprescindível conseguir, no plano danossa Administração pública, uma infraestrutura racionalmenteorganizada, uma burocracia ágil, eficiente e progressiva — «de-semperrada», como dizem na Administração brasileira—, apta afornecer às actividades públicas e privadas o suporte de que neces-sitam para se desenvolverem e atingirem as suas finalidades pró-prias.

E, embora o respeito da legalidade não esteja em si mesmoposto em causa, são princípios de produtividade, eficiência, previ-são do futuro e planeamento das acções, que passam a •acentuare a caracterizar o exercício das funções da Administração, no seuesforço de se adequar às exigências dinâmicas do moderno «Es-tado-Serviço», não só aberto às influências e à concorrência domeio ambiente, mas também pioneiro e propulsor das transforma-ções socio-económicas.

Ora, a conversão e adaptação permanente da Administraçãopública às finalidades concretas que o Estado lhe propõe priorita-riamente, à evolução do meio social, às inovações introduzidas pelatécnica, constitui precisamente o que se tem vindo a chamar, nageneralidade dos países, de reforma administrativa.

12. Fica, assim, claro que a reforma da Administração pú-blica não surge nem encontra a sua justificação principal em ra»zoes do seu foro interno, em preocupações próprias de tecnicismo«perfeccionista». É antes nos objectivos fixados ao progresso eco-nómico e social, identificados nos planos de desenvolvimento, quedeverá procurar-se a teologia das modificações institucionais, fun-

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cionais e de outra natureza que a hão-de integrar, em orientaçõesque, portanto, transcendem a Administração era si, e que definemum sentido superior e mais amplo às suas actividades, revestindo--as de uma utilidade social tornada indiscutível.

Mas, para além deste entendimento que talvez possa chamar-~se de «filosofia» da nossa reforma administrativa, afigura-se quemuitas e várias razões de ordem sobretudo prática aconselhamuma relação estreita entre o processo de reforma e o de desenvol-vimento económico-social. Bastará aqui apontar que o planea-mento socio-económico constitui um instrumento óptimo para oinventário das necessidades administrativas, quer pelas oportu-nidades que proporciona de reflectir sobre o que e como a Admi-nistração efectivamente faz e deve fazer, quer pela possibilidadede encontro, a nível técnico, de pessoas das mais diversas proce-dências e preocupações, com a consequente e valiosíssima vanta-gem de se enriquecerem as perspectivas de ambos os processos.Por outro lado, certo é que a racionalização da organização admi-nistrativa em geral deixará de influir decisivamente no sentido daobtenção de progressos espectaculares do próprio planeamento dodesenvolvimento.

Vejam-se agora alguns exemplos, de certo modo hipotéticos,mas não afastados da problemática concreta da reforma adminis-trativa.

No domínio financeiro, bem se sabe que a medida reformadoratendo em vista assegurar aos servidores do Estado um aumentosubstancial de vencimentos e de regalias de segurança social im-plica um agravamento de encargos, para o Orçamento Geral doEstado, que não pode ser facilmente suportado. Mas, admitindoque, pelo menos de forma aproximada, podem ser feitas no âmbitodos Planos de Fomento, previsões de médio — se não, de longo—prazo, com base em projecções globais e parcelares que tenhamem conta a expansão do produto nacional, a evolução da capaci-dade tributária da Nação, as alterações previsíveis do sistemafiscal, assim como os dispêndios — correntes e de investimentos —que o erário público será chamado a fazer nos mesmos prazos,talvez não fosse impossível predeterminar ou a oportunidade, ouo ritmo, ou a forma, mais aconselhável de tomar a referida me-dida.

Por outro lado, a inventariação de necessidades financeiraspróprias da reforma administrajtiva pode, pela sua confrontaçãoantecipada com outras necessidades (por exemplo: investimentosdo Estado nas infraestruturas a seu cargo), determinar a medidaem que estes últimos serão inseridos nos Planos de Fomento, coma possível vantagem — no caso de reconhecer-se prioridade adeterminados gastos com a reforma administrativa — de, porexemplo, se acautelarem melhores condições prévias, de carácteradministrativo, à concretização dos referidos investimentos,

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Ainda em relação à actividade financeira do Estado, podeaceitar^se que, havendo, por um lado, certos empreendimentos im-plicando obras de construção civil em dado local e em dada época,e, por outro, prevendo-se que, no âmbito da reforma administra-tiva, haja que construir instalações para serviços públicos nomesmo local, a coincidência das realizações traga ao Estado im-portante economia de recursos, à custa de conveniente ajusta-mento dos vários programas.

No campo social, a situação de dificuldade com que os ser-viços públicos actualmente lutam para conservarem ao seu ser-viço ou recrutarem certos agentes que lhes são indispensáveis,pode servir de exemplo à desejada conexão entre o desenvolvi-mento e a reforma administrativa. Como se sabe, um dos factoresque têm contribuído para a alteração do interesse dos trabalha-dores, ao optarem por actividades privadas ou por empregos doEstado, reside no desenvolvimento dos esquemas de segurança so-cial aplicáveis às primeiras. Ora, parece não oferecer dúvida avantagem que resultaria, para um melhor equilíbrio do mercadodo trabalho, se as respectivas realizações fossem encaradas coor-denadamente, obedecendo a uma planificação conjunta, emboranão necessariamente coincidente quanto às medidas concretasaplicáveis a um e a outro sector.

Praticamente, o mesmo poderá dizer-se quanto às políticasgerais de salários, de redistribuição de rendimentos, de horáriosde trabalho, de regimes especiais (como o do trabalho feminino),etc.

No domínio das estruturas orgânicas, a relação necessáriaentre os dois processos não é menos nítida.

Por exemplo, é evidente que, exigindo o processo de desenvol-vimento certas prioridades a favor da actividade de reorientaçãoagrícola, haverá que contar-se, na reforma administrativa, comidênticas prioridades relativamente às estruturas dos serviçosenvolvidos por aquela actividade — sob pena de poder compro-meter-se a realização dos respectivos objectivos.

Prevendo-se, num Plano, que é importante impulsionar osserviços públicos de apoio à exportação, é igualmente evidenteque a reforma administrativa terá que levar o facto em conta,tanto como prioridade que possivelmente conduza a certas opções,como porque tal preferência pode reflectir-se na reorganizaçãoâe outros serviços com actividades afins ou de algum modo rela-cionadas.

Em sentido contrário, também pode acontecer que o conhe-cimento adquirido no decurso das operações de reforma adminis-trativa proporcione informação a respeito de facilidades (ou difi-culdades) de acção prática em determinado ramo da Administra-ção, que influam em sentido positivo (ou negativo) nas opçõesdo desenvolvimento relativas a esse campo de acção.

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E, se considerarmos os quadros de • pessoal ao serviço deEstado, conforme se encontrem inflacionados ou em situação deinsuficiência, relacionando os respectivos dados com as necessi-dades da actuação pública definidas num Plano de Fomento, ter--se-ão elementos de grande importância para decisões interessandoa reforma administrativa, como, por exemplo, as alterações dese-jáveis nos mesmos quadros, as acções de reconversão do pessoalque haja a empreender, etc.

Numa outra hipótese, se o desenvolvimento regional fizerapelo a uma grande participação das autarquias locais em tarefascomo as de desenvolvimento comunitário, é possível que, na re-forma administrativa, seja necessário considerar ou uma fórmulaatravés da qual as autarquias possam dispor de técnicos habili-tados com os respectivos conhecimentos especializados, a admitirem quadros próprios que seria preciso criar, ou a realização deiniciativas de formação que adaptem o pessoal existente àquelanova necessidade.

Quanto aos métodos administrativos, também é natural quea reforma administrativa possa receber contribuições inestimá-veis para o acerto das suas operações. Assim, admitindo que, emdeterminado sector da Administração, as políticas de desenvolvi-mento viessem a exigir a substituição de controles prévios e direc-tos de carácter administrativo, sobre certas actividades económi-cas de reconhecida importância, por esquemas de actuação apa-rentemente e em princípio miais livres, mas carecidos de controlotécnico e económico «a posteriori», capazes de efectivamente me-direm os resultados de facilidades! concedidas24, torna-se evidenteque muito haveria a alterar na prática corrente dòs respectivosserviços e, até, conforme a extensão das respectivas providências,a reflectir-se em problemas como a estrutura dos quadros e osníveis de formação de pessoal, os regimes de trabalho, a estruturaorgânica, a atribuição' de competências, e assim por diante.

Ainda no domínio dois métodos administrativos, igualmenteparece evidente que as necessidades do planeamento— designada-mente em informação estatística — podem determinar ajustamen-tos a encarar pelos serviços de organização e métodos (O. M.),com vista à racionalização de impressos, da circulação de do-cumentos, etc. — para não referir a solicitação geral que o desen-volvimento faz à reforma administrativa no sentido da agilidadee da certeza das operações1 administrativas estaduais, a qual, só

24 Esta hipótese fundamenta-se: em críticas contidas no estudo daO.C.DJE. sobre Portugal, publicado* em 1966, na orientação preconizada,para o condicionamento industrial, no preâmbulo do Decreto-Lei n.<> 46 666,de 24 de Novembro de K9661, e em aspirações expressas nos trabalho® depreparação do III Plano de Fomenta.

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por si, e a agir-se em total profundidade, poderia bem determinaralterações de vulto em grande parte da Administração 25.

V

NOTA FINAL

13. Estas considerações permitem concluir pela necessidadede todos estarmos psicologicamente integrados na nova concepçãoque deve informar a Administração e os seus agentes, à luz dosfins que a mesma Administração deve prosseguir na senda doprogresso nacional.

A Administração para o desenvolvimento, muito mais que umsector novo da organização administrativa justaposto a sectoresjá existentes, corresponde fundamentalmente a uma Administra-ção que, no seu conjunto, está ou tende a estar mentalizada paraas actividades e objectivos de progresso da sociedade em que seinsere, como obra comum em que todos têm um papel insubsti-tuível a desempenhar. Avulta, assim, o significado de uma orien-tação geral que norteie as actividades dos agentes da Administra-ção e que inculque, nas suas atitudes e comportamentos duranteo exercício das funções de que estejam encarregados, o sentido departiciparem numa Administração empenhada no desenvolvimentodo país, o que constitui, além do mais, o reconhecimento da neces-sidade de as actuações que desenvolvem no cumprimento das suasobrigações serem valorizadas pelo fim último, para cuja realizaçãodevem contribuir, e nunca consideradas como meras acções isola-das, puramente mecânicas e sem projecção vital.

Isto, se, por um lado, vem responsabilizar e exigir um espíritode missão aos agentes da Administração, torna necessário, poroutro, uma preocupação permanente em manter presentes, actuaise devidamente concretizados, para serem compreensíveis aos dife-rentes níveis, os objectivos que se pretendem atingir; por outraspalavras, torna-se necessário traduzir em termos operacionais osgrandes objectivos que a Administração tem de prosseguir na ta-refa do desenvolvimento!, por forma a conseguir-se que qualquerentidade, sector ou secção da Administração possa relacionar astarefas próprias que lhe caibam com essas grandes metas a alcan-çar, e, por conseguinte, com o sentido concreto da sua utilidadesocial.

Nesta ordem de ideias, a Administração, «virada» para o

25 Toda a matéria deste número 12 se baseia, com adaptações, emtextos preparados pelo Sr. Dr. Júlio Augusto Dá Mesquita GONÇALVES,actualmente especialista do Secretariado da Reforma Administrativa, comvista ao citado relatório do Subgrupo n.c 5.

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desenvolvimento, exigirá natural e necessariamente mais elevadosíndices de eficiência e produtividade, o que gerará um clima geralfavorável à aceitação das reorganizações e actualizações que osdiagnósticos sistematicamente aperfeiçoados ponham em relevo,como a maior compreensão e presença dos fins a atingir instilaráa adopção de maior ligeireza nas actuações e procedimentos admi-nistrativos, que fatalmente conduzirá à eliminação de formalismosinúteis e desnecessários, como tenderá a promover uma elevaçãode maturidade e dignidade na Administração e na sociedade emgeral, pela maior responsabilização dos agentes administrativose do próprio público.

Reconhece-se, assim, o transcendente alcance de uma acçãode informação (e formação) geral e contínua do meio administra-tivo no seu conjunto, que o tome mais acessível e receptivo aoespírito e às ideias de reforma. É necessário promover a aproxi-mação e o diálogo entre todos, nomeadamente os chefes e dirigen-tes, e transmitir a todos a consciência da importância dos proble-mas encarados pela reforma, do ponto de vista de rendimento dofactor humano, modernização das estruturas e racionalização dosmétodos de trabalho. É tarefa que recai especialmente sobre osórgãos dinamizadores dos processos de desenvolvimento e de re-forma administrativa, funcionando a um tempo como receptorese emissores das ideias capazes de influir na aceleração do pro-gresso nacional.

Lisboa, Março de 1969