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Ensaio-depoimento e Gravuras: Franklin Maxado Seleção e concepção: Juraci Dórea MA MA MA MA MAXA XA XA XA XADO N DO N DO N DO N DO NORDESTIN ORDESTIN ORDESTIN ORDESTIN ORDESTINO e o Cor e o Cor e o Cor e o Cor e o Cordel em F del em F del em F del em F del em Feir eir eir eir eira de S a de S a de S a de S a de Sant ant ant ant antana ana ana ana ana Franklin Machado é um ator-camaleão da cultura brasileira. Múltiplo nas suas artes e apar- tes no cotidiano da nação, como se lê no texto- depoimento a seguir e nas gravuras de cordel que ilustram este número de Légua & meia; jornalista, poeta, cantador e contador de cordel, com mais de duzentos folhetos editados pelos descaminhos do Brasil. Bacharel em Direito e em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, foi diretor do Museu Casa do Sertão (por ele idealizado) e do Museu Regional de Arte, de Feira de Santana. No início dos anos setenta bombardeou a vida da cidade com peripécias e estripulias que o em- barcaram no último pau-de-arara, com destino a São Paulo. Ao desapear, no centro da metrópole, ali mesmo, na Rua Augusta, levantou sua tenda de milagres. Viveu como poeta de cordel e artista popular durante os delirantes anos da ditadura, sem dispensar estrepitosas intervenções na polí- tica nacional, incluindo a candidatura à presidên- cia da República das bananas e baionetas. Como artista múltiplo, juntou ao nome civil do estudioso o nome de guerra que ganhou nas ban- das do Sul: Maxado Nordestino. Nos seus qua- renta anos de reinações e andanças pelo mundéu de Deus e do Diabo, o filho pródigo está fincado em Feira de Santana, semeando a terra e as artes. Louvado seja. Cid Seixas

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Ensa io -depoimento e Gravuras :

Frank l i n Ma xado

Seleção e concepção:

Juraci Dórea

MAMAMAMAMAXAXAXAXAXADO NDO NDO NDO NDO NORDESTINORDESTINORDESTINORDESTINORDESTINOOOOOe o Core o Core o Core o Core o Cordel em Fdel em Fdel em Fdel em Fdel em Feireireireireira de Sa de Sa de Sa de Sa de Santantantantantanaanaanaanaana

Franklin Machado é um ator-camaleão dacultura brasileira. Múltiplo nas suas artes e apar-tes no cotidiano da nação, como se lê no texto-depoimento a seguir e nas gravuras de cordel queilustram este número de Légua & meia; jornalista,poeta, cantador e contador de cordel, com maisde duzentos folhetos editados pelos descaminhosdo Brasil. Bacharel em Direito e em Jornalismopela Universidade Federal da Bahia, foi diretor doMuseu Casa do Sertão (por ele idealizado) e doMuseu Regional de Arte, de Feira de Santana.

No início dos anos setenta bombardeou a vidada cidade com peripécias e estripulias que o em-barcaram no último pau-de-arara, com destino aSão Paulo. Ao desapear, no centro da metrópole,ali mesmo, na Rua Augusta, levantou sua tendade milagres. Viveu como poeta de cordel e artistapopular durante os delirantes anos da ditadura,sem dispensar estrepitosas intervenções na polí-tica nacional, incluindo a candidatura à presidên-cia da República das bananas e baionetas.

Como artista múltiplo, juntou ao nome civil doestudioso o nome de guerra que ganhou nas ban-das do Sul: Maxado Nordestino. Nos seus qua-renta anos de reinações e andanças pelo mundéude Deus e do Diabo, o filho pródigo está fincadoem Feira de Santana, semeando a terra e as artes.Louvado seja.

Cid Seixas

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O corO corO corO corO cordel como vdel como vdel como vdel como vdel como vozozozozozna bna bna bna bna boooooca do sca do sca do sca do sca do sererererertãotãotãotãotão

Franklin Maxado

Quando o folheteiro ou o vendedor de roman-ces chegava em uma feira livre semanal de povoado,vila, cidadezinha ou até cidade mesmo como Feira deSantana antes de l977, chamava a atenção dos locais,principalmente dos lavradores e vaqueiros, isoladosem suas roças, sem rádio, jornal ou televisão. Eles e apopulação interiorana tinham nessas feiras a opor-tunidade de saber notícias, se divertir e conversarcom colegas e gente de fora.

A feira livre semanal de Feira de Santana, cidadelocalizada entre o Recôncavo litorâneo e o sertão dascaatingas, foi mudada para um Centro de Abasteci-mento que funciona diariamente, mas que perdeumuito do seu encanto como atração dos tabaréusroceiros e de turistas, embora ainda continue sendoconsiderada como a “boca do sertão” porque todo ointerior baiano desemboca nela antes de chegar à ca-pital Salvador. Por isso, muitos também a conside-ram “o meio do mundo” pela posição geográficaentre o Norte e o Sul do país e entre o Leste do mare o Oeste dos campos, ensejando a vinda de viajan-tes e forasteiros.

Nessas feiras livres, os folheteiros, como came-lôs, chegam cedo. Primeiro, marcam o local de exporsuas malas e, mais tarde, abre-as, atraindo uma rodade curiosos. Começam a mostrar as novidades emlivretos de ocasião, geralmente exibidos dependura-dos em barbantes ou mesmo no chão, em cima deum jornal. Há folhetos sobre casos acontecidos quefogem do comum, como crimes bárbaros, ataquesde cangaceiros, sermões de beatos etc.

Como a venda de folhetos mudou! Antigamen-te, o corriqueiro eram os romances de bravura, ou

trágicos, ou de amores difíceis, cheios de enredo desacrifícios, lutas, perigos e obstáculos. No fim, obem vencia o mal, reafirmando a moral da castidade,do companheirismo, da fidelidade e outros valorescristãos.

Quando eles começavam a cantar com o ritmotradicional monocórdio e com a voz empostada,juntava mais gente para ouvir. Se o romance era tris-te, o folheteiro chegava a chorar, contaminando tam-bém a platéia. Até as mulheres casadas e moças, queficavam de fora da roda dos homens, mandavamfilhos ou meninos comprarem emocionadas com osuspense. Não caía bem ficarem misturadas aos ho-mens e rapazes

Se o romance era de bravura, o bom vendedorrepresentava com gestos de luta, prendendo a aten-ção e despertando a curiosidade para o desfecho daestória. Era um verdadeiro artista treinado ou ensai-ado. Chegava a um clímax ou a uma apoteose a serexplorada economicamente, criando o que se cha-mava de “animação”. E tudo isso “a palo seco”, istoé, com a própria voz sem companhia de instrumen-to musical.

“DANDO O TRANCA”

Criada essa expectativa ou conseguido esse climade integração coletiva e inconsciente, o folheteiro,tendo uma psicologia nata, então olhava para a mul-tidão, interrompia a leitura no auge, e fazia uma es-pécie de chantagem, anunciando que só iria continu-ar a ler após vender um certo número de folhetos.

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Ou, quem quisesse que comprasse o folheto paraouvir o fim, deixando todos sequiosos, doidosmesmo, para verem o resultado. Aí, diz-se que sedá uma ruptura de estado de espírito. Muitos eramanalfabetos e estavam ligados ou seduzidos, entãocompravam interessados no desfecho. Podia-se di-zer que estavam enfeitiçados pelo enredo e artes dovendedor.

O público então, como ligado numa energialatente, explodia comprando reação em cadeia. Al-guns vendedores tinham o chamado “janela”, pes-soa cúmplice e experiente que se adiantava aos de-mais e comprava o folheto comentando que erauma boa estória e que já tinha ouvido ou lido emtal lugar antes. O povo, como carneiros, o seguia,metendo a mão no bolso e pedindo às vezes maisde um exemplar para levar para um vizinho oumandar para um parente.

Era o chamado “tranco”. Este é uma paradaestratégica quando todos ansiavam pela continua-ção do enredo ou para saber o seu final. E “anima-ção” aí não é só sinônimo de alegria, mas o mo-mento do climax onde a alma (ânima) coletiva estácom uma energia concentrada num objetivo. Eracomo trancar a estória. Dependendo do interessedespertado e do número de páginas, o folheteiropoderia dar outra parada adiante, explorando umnovo clima criado para outro “tranco”. Quandovendiam tudo, era o chamado “estouro”.

Muitos analfabetos compravam para alguém dafamília ou da vizinhança, que sabia ler, o fizessegeralmente numa sessão ao entardecer ou num diade folga de trabalho. E muitos dessa assistência

foram seduzidos pelo prestígio da leitura, apren-dendo a ler sozinhos com o chamado folheto defeira, principalmente os da modalidade de “abecê”.

FEIRA DE FEIRA NA SEGUNDA-FEIRA

Aragão, o Desmarcado é um folheto de Literaturade Cordel que era vendido secretamente nas feiraslivres das décadas de 1950 e 1960, em Feira de Santana.Não continha o nome do autor. Na capa, apresenta-va um desenho de um homem com um pênis eretoe enorme cujos testículos, tal o tamanho, ele os car-regava em um carrinho de mão. Era vendido escon-dido como os “catecismos”, ou sejam, revistinhasde desenhos eróticos com estórias pornográficas, amaioria de Carlos Zéfiro, pseudônimo de um artis-ta que não queria ser identificado. Os folhetos eróti-cos ou de “putaria” constituem um tipo de Cordelentre outros, como os noticiosos ou até mesmo osde estórias infantis. Embora seja uma arte também,geralmente não trazem a autoria, por causa do pre-conceito. E, quando são assinados, utilizam-se pseu-dônimos como H. Romeu, H. Raminha, K. GayNawara etc.

Na feira livre de Feira de Santana, havia outroslivretos de Cordel que, como o de “Aragão”, talvezfosse de autoria de um poeta local, ou a capa fosseum desenho do autor. Um exemplo foi folhetoJoão Desmarcado. Ele é apógrifo, claro, temendo a cen-sura e a repressão policial. O poeta Antonio Alvesda Silva, que estava em plena atividade na década del950, não sabe informar quem é o autor desses fo-

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lhetos eróticos ou pornográficos. Ele é um famosopoeta nascido em Mata de São João, mas residenteem Feira de Santana desde rapaz, tendo passadouns tempos no Rio de Janeiro onde fez amizadecom o grande poeta paraibano ali radicado, o Azulão.

Antonio Alves foi incentivado a escrever folhe-tos por Rodolfo Coelho Cavalcante. Revelou que,naquele tempo, muitos poetas jovens ainda nãotinham nome e escreviam estórias que vendiam paraoutros colegas publicarem com seu próprio nome.A maioria dos poetas ou editores não tinha noçãode autoria e achava que, procedendo assim, defen-dia a propriedade ou o bem que comprou e publi-cava. Daí, muitos estudiosos, como Sebastião NunesBatista, filho do poeta paraibano Francisco dasChagas Batista, duvidarem de certas autorias assi-nadas por João Martins d´Athayde e por JoséBernardo da Silva.

DIREITOS AUTORAIS& DE PROPRIEDADE

Os direitos autorais era pagos sempre com umcerto número de folhetos os quais podiam ser deoutros autores, a fim de que os poetas tivessemvariedade de títulos para oferecer ao seu público. Adefesa ou prova de autoria fez com que muitosautores se valessem de um expediente que consistiaem escrever um acróstico no final do folheto comoforma de identificação. Por isso, muitos editores,como João Martins d’Athayde e José Bernardo daSilva, tinham o costume de cortar a estrofe final

quando publicavam a estória. Também, toravam onome do autor confundindo os pesquisadores so-bre a paternidade da obra. Tais expedientes erammais uma defesa da propriedade contra editoresclandestinos.

Ainda, há casos de poetas escreverem uma ver-são de romance ou folhetos de sucesso como OPavão Misterioso de José Camelo de Melo Rezende eo outro de João Melquíades sem considerarem plá-gio, uma vez que muitas estórias eram correntes naboca do povo, conseqüentemente pertencendo aoFolclore, à tradição ou ao domínio público. Outrosversavam para o Cordel romances famosos comoO Conde de Monte Cristo, A Dama das Camélias etc.

A noção de autoria nesse tempo não era abso-luta. Importava mesmo era o trabalho de escrever aestória em versos. Daí a existência de várias versões.Houve o caso de um poeta famoso, o FranciscoSalles Areda, ser acusado à boca pequena de plagiadorpor escrever o romance João José e José João comoderivado do de Manoel d’Almeida Filho, Dois Ami-gos Fiéis. Ambos os poetas são paraibanos e falece-ram sem se falarem e sem atentarem para o fato deque a estória não era original de nenhum deles, poisestava no antigo livro do português GonçaloFernandes Trancoso, Histórias de Trancoso. As duasestórias, embora com enredos diferentes, ressaltamos ideais éticos e o valor da amizade e da gratidão,bem como a renúncia por motivos relevantes.

Havia poetas, como João Martins d’Athayde,que gostavam muito de ir ao cinema e, naturalmen-te, se inspiraram nesses filmes, quando não usaramfotos de artistas em suas estórias. Outros foram

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José Soares e João José, em Recife. E ainda outro éo também pernambucano José Costa Leite que, alémdo cinema, gosta de utilizar revistas em quadrinhos.A sua produção tanto de tacos como de folhetos évasta, e, assim, quando não está inspirado para de-senhar, ele decalca figuras de revistas em quadrinhospara cortar em xilogravuras a fim de ilustrar seusfolhetos. Algumas testemunhas dizem que JoãoMartins promovia encontros sabatinos com poetasem sua tipografia dando motes para serem glosa-dos. Anotava alguns, talvez para depois usar ou seinspirar em suas estórias.

VERSÕES & “PLÁGIOS”

Antonio Alves da Silva me informou que ven-deu muitos originais para a Editora Luzeiro, de SãoPaulo, que os publica em formato maior e com ca-pas coloridas. Também escreveu outras versões paravender à Folheteria Santos, do Sr. Waldemar, noPelourinho, de Salvador, cujas publicações imitavamaquelas da Luzeiro. Além disso, vendeu originais aRodolfo Cavalcante, que editava muito. Às vezes,mudava apenas o título das novas versões. AntonioAlves da Silva é muito prolixo e gosta de escrevermuito, preferindo temas de princeses, monstros eromances de 32 ou mais páginas.

A Editora Luzeiro começou sua história aindano início do século XX, em São Paulo, quando imi-grantes portugueses fundaram a familiar TypografiaSouza Ltda, que publicava livretos com casos dePortugal. Depois, mudou o nome para Prelúdio,publicando letras de músicas e folhetos de Cordel já

brasileiros. Nessa fase, o poeta baiano AntonioTeodoro dos Santos muito trabalhou, escrevendoversões de folhetos clássicos, além dos de sua auto-ria. As gerações da família Souza a mantiveram du-rante o século, quando mudou o nome novamente.Falam que um dos motivos foram problemas comdireitos autorais pela publicação dessas versões.

Já como Luzeiro, a editora teve no poeta Manoeld’Almeida Filho o seu maior consultor e publicado.Manuel, a pretexto de revisar a linguagem dos folhe-tos, alterava palavras mexendo no texto. A editorasó publicava depois que ele desse o sim. Seu prestí-gio ali era tanto que a editora chegou a publicar suafoto em contracapa de livreto na década de l980 coma legenda; “Manoel d’Almeida Filho, o maior poetade Literatura de Cordel do mundo de todos os tem-pos”, o que a sua vaidade aceitava. O poeta JotaBarros (João Antonio de Barros) ofereceu o seuLampião e Maria Bonita no Paraíso, já publicado peloautor. O colega maior queria comprar a sua autoriaachando que tinha de reformá-lo, o que Jota recu-sou. Levou tempos para sair mas acabou publicadocom algumas emendas e com o título alterado paraLampião e Maria Bonita Tentados por Satanás. Temposdepois, Manoel d’Almeida Filho publicou outroinspirado no tema: Encontro de Lampião e Adão noParaíso. Assim, talvez seja ele o poeta que mais escre-veu versos de Cordel.

A Editora Luzeiro também explorava estórias epiadas picantes. Assim, sob o pseudônimo deAdam Fialho, ela publicou versões em Cordel decontos do Decameron, de Giovanni Bocaccio, comoA Moça que Meteu o Diabo no Inferno e A Amante do

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Anjo. Essas versões são atribuídas a d’Almeida Fi-lho. A Luzeiro foi vendida no início deste século eestá editando em tamanho tradicional, inclusive al-gumas estórias do baiano Marco Haurélio. Foi a suareação como concorrente de uma nova editora, aTupyananquim, surgida em Fortaleza, que tempublicado bastante mantendo o tamanho tradicional.

Outro bom poeta, incentivado por Rodolfo, foio motorneiro de bonde em Salvador, ErotildesMiranda dos Santos. O seu primeiro folheto, ABCda Dança, foi comprado pelo mestre, que o aperfei-çoou e lançou com seu nome. Erotildes era deCandeal, depois veio morar em Feira de Santana ecomeçou a escrever folhetos maliciosos como A Pa-lestra das Três Donzelas, O Encontro de Chico Tampacom Maria Tampada, O Namoro no Escuro etc. Algu-mas das suas capas foram xilogravadas pelo alagoanoAntonio Avelino de Sá, o Carimbeiro, que tambémmorava em Feira.

Naqueles tempos pudicos, o também alagoanoRodolfo chegou a escrever folhetos pornográficos,que depois ele renegou, achando que sentiu fazermal para a formação dos jovens. Foi ele quem maispublicou folhetos em número (mais de 2.000), es-pecializando-se em biografias de homens célebresou de figuras que lhes pagavam pelo folheto. Elemorava em Salvador e, às vezes, vinha a Feira venderou se apresentar. Aqui, em diversas ocasiões se ins-pirou tendo em uma delas escrito “O Bicho queEstá Aparecendo em Feira de Santana”.

Vado di Namite é outro poeta feirense que escre-veu pouco. Mora no bairro do Tomba e um dosseus folhetos é justamente O Bicho do Tomba.

CORDEL ESCRACHADO

Cuíca de Santo Amaro (José Gomes) era outropoeta que sempre vinha à Feira de Santana naqueletempo. Na sua bibliografia constam Os Criminososde Feira (sobre o caso de rapazes da sociedade queprofanaram túmulos para apanhar caveiras e irembeber vinho de madrugada no meretrício), A Mu-lher que Foi Pegada em Flagrante, entre outros, comtemas da cidade. As ilustrações das suas capas eramretratos, mas quase sempre figuras do grande dese-nhista popular baiano e socialista, Sinézio Alves,que residia em Salvador. Cuíca chamava a atenção,pois se vestia espalhafatosamente com um fraqueroto e uma cartola velha. Levou fama de escreverpornografia porque era irreverente e malicioso. Hoje,se diz escrachado ou de esculhambação. Ou, defuleragem, sendo este um misto de dunúncia,escracho e ironia com emprego de palavras conside-radas chulas, além de explorar empulhações ou si-tuações maliciosas de duplo sentido. Ou, que faziauma espécie de “imprensa marrom”.

O poeta pernambucano, radicado em Feira, JoãoFerreira da Silva também é dessa época. Entretanto,ele só escrevia folhetos de exemplos e conselhosmorais, mesmo quando retratavam fatos aconteci-dos. Mais outro poeta que a cidade tem é o alfaiate J.Carlos, ainda vivo, e hoje funcionário público. Seusfolhetos falam de coisas locais, embora comdesmetrificações. Ainda outro é o Dilson PereiraSilva com uma pequena produção, sendo o seu maisconhecido “A Morte de Paturi”.

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O poeta sonetista Pedro Apóstolo Filho, oidealizador da Academia Feirense de Letras, afirmaque ouviu muito, no início do século XX, o cegoJosé Afonso cantar repentes em Feira. A folcloristaHildegardes Vianna afirma que o cantadorpernambucano Ricardo Laranjeira morou em Feiraantes de 1950, e que foi o incentivador dos primei-ros cantadores baianos. Depois, foi residir em Aracie vivia da profissão. O cantador repentista e violeiroDadinho viera de Serrinha fazendo dupla com seufilho Caboquinho (José Crispim Ramos). Este úl-timo começou, em Feira, a publicar folhetos e re-centemente formou-se em Advocacia, exercendotambém essa atividade. João Crispim Ramos é fi-lho de Dadinho também e em Feira iniciou a pro-fissão de cantador de viola e poeta de folheto. Alémde professor formado pela UEFS ele é mestre deKaratê. Joaquim Gouveia da Gama é um pernam-bucano há anos radicado em Feira que tambémpublica folhetos.

Mais poetas que publicam Cordel em Feira sãoo sergipano Antonio Silva e Asa Filho como ou-tros incentivados pelo editor Edson Machado, doMuseu de Arte Contemporânea da Prefeitura Mu-nicipal. Edson, que é fotógrafo, começou esta outraatividade seduzido pela publicação de folhetos e delivretos, depois que lera o livro O que é Literatura deCordel?” deste autor, segundo revelou publicamen-te. Ele continua publicando, em edições feitas emcomputador, e muitos não são de Feira de Santana.Apenas, de encomenda.

XILOGRAVURA E SUA INFLUÊNCIA

Antigamente, estas publicações eram feitas porencomendas nas tipografias do jornal da “Folha doNorte”, na “Gráfica da Feira”, de Pedro Mascarenhase na do poeta Martiniano Carneiro, entre outrasmenores da cidade. As ilustrações das capas eramfeitas com clichês de desenhos (alguns do próprioAntonio Alves da Silva) e de fotos, além dasxilogravuras de Antonio Carimbeiro e de Pacheco.Este último, segundo o jornalista Hugo Silva, eraum pernambucano exímio na xilogravura e quechegou até a imitar dinheiro e rótulo de aguardentefamosa com perfeição.

Nem a elite feirense e nem os professores liamfolhetos de feira. Suas leituras eram jornais e revis-tas, além de livros até de autores franceses, poisachavam que a coisa do povo não tinha valor e erasubliteratura. Ou, pornografia. Até as revistas emquadrinhos eram condenadas. O mercado do Cor-del era para empregadas domésticas, motoristas,mecânicos, operários, roceiros, tabaréus, vaqueirosdas fazendas de gado e outros populares. Estesliam e emprestavam aos colegas. Assim, os folhe-tos iam ficando desgastados agravados pela máqualidade do papel. Eram dobrados, tomavam sol,chuva, frio, calor, além de ensebados pelo manu-seio com mãos sujas. Estavam logo destruídos,pois seus leitores não tinham os cuidados e a preo-cupação para guardá-los. Por tudo isso, é difícil en-contrar folhetos desse tempo para trás. A não serreedições de folhetos e de romances que se torna-ram clássicos.

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O autor destas linhas leu e ouviu a leitura defolhetos porque os serviçais da sua família compra-vam. Recorda do Estouro da Boiada, de Antonio Alvesda Silva que vendeu muito e fez sucesso porqueretratava um fato verídico acontecido em Feira deSantana. Um boi fugiu do “Campo do Gado” emuitos vaqueiros correram atrás, tendo a rês vindopara os lados da Praça João Pedreira onde se realiza-va a feira livre. Todo mundo correu e o touro acaboumatando dois a chifradas, sendo um na porta daPrefeitura. Foi “um dia de juízo” como costuma-vam dizer os feirenses diante de uma confusão da-quelas.

Antonio Alves diz que o folheto é tão esgotadoque nem ele ficou com o original. Recentemente, eletentou recriá-lo e o publicou, mas não é igual aoanterior. Também afirma que destruiu ou queimououtros originais de folhetos antigos porque entroupara a “lei de crente”, na década de 70, e achava quenão devia fazer mais aquilo e ainda mais mentir parao povo. Talvez, tenham-se salvado alguns exempla-res quando na década de 1950 o professor francês daUniversidade Sorbonne, Raymond Cantel, esteve emFeira, ciceroneado pelo folclorista Fernando Pinto deQueiroz, e o poeta lhe deu alguns exemplares queforam levados para a França. Voltou a publicar nadécada de 1990, incentivado pela repercussão da Li-teratura de Cordel nos meios estudantis e intelectu-ais. Publicou A Segunda Vinda de Cristo à Terra, noqual ele sempre cita o Evangelho nos rodapés depágina. Depois, voltou a publicar normalmente, ten-do a minha ajuda, a do pintor Juraci Dórea, a doeditor Edson Machado, entre outros.

Juraci Dórea Falcão, cuja primeira exposição noMuseu Regional de Arte nos anos 60 foi comenta-da por mim, em matéria assinada, quando militavano jornal A Tarde, depois se interessou mais, nadécada de 1970, pelo Cordel quando, voltando eude uma viagem pelos estados nordestinos, lhe ven-di uma coleção de folhetos e desenhei o AntonioConselheiro de capa de um dos meus primeirosfolhetos em seu atelier. A partir daí, sua pinturaentrou noutra fase, com influência da xilogravurapopular, coincidentemente após eu publicar pelaEditora Cordel/Jornal Pasquim, do Rio de Janei-ro, o livro Cordel, Xilogravura e Ilustrações, em 1982.Após regressar à Feira em 1990, pedi-lhe para ilus-trar a capa do romance A Chave do Coração Amante,ou Herculano e Sinhazinha, que foi o primeiro Cordelilustrado por ele.

OS “ABECÊS”

Feira de Santana, como maior feira livre do Bra-sil, naquela época, foi um mercado em potencialpara a venda de Literatura de Cordel e também umcentro de produção. Muitos folheteiros (vendedo-res de folhetos e que muitos vendiam declamado ecantando, como o lendário paraibano João Baraúnaque fazia o público se abstrair do mundo real) ti-nham-na o seu roteiro.O velho poeta João Ferreirada Silva informou em entrevista à revista Sitientibus,que o maior folheteiro que ele viu trabalhar e cantarfolhetos foi Jucas, em Pernambuco, sua terra natal.Entretanto, o que Feira tem de mais antológico no

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ramo é o Abc de Lucas da Feira, de autoria atribuída aomeirinho (oficial de Justiça) Souza Velho, em 1849,quando o famoso marginal negro foi preso e enfor-cado em praça pública. Este abecê, que é sinônimode Cordel na Bahia, vem de uma fase onde a maioriadas pessoas era analfabeta e não existiam gráficaspara imprimir. Assim, os autores escreviam em for-ma de cartilha e os manuscritos eram copiados pelosque sabiam ler e escrever. Este abecê é clássico noFolclore do Brasil. Jorge Amado transcreveu esseabecê no seu romance Jubiabá. Ele também diz queuma personalidade que é retratada num abecê dumpoeta popular na Bahia fica célebre.

Grande número de poetas anônimos tambémescreveu abecês sobre acontecimentos locais e algunscircularam decorados e recitados por populares ouem cópias manuscritas. Um deles era o do meu avô,o fazendeiro Maninho Machado (Cel. João SampaioMachado), o ABC do boi rajado, do qual seus filhosEnedina e Tito lembram fragmentos:

A 20 do mês de maioEstava eu na malhadaQuando chegou Maninho e PlínioCom as suas espingardasNisso eu ouvi Maninho dizer:Jão Plínio, o boi é rajado!

Bem diziam meu senhorQue eu mudasse de condiçãoQue ninguém queria saberDe um boi remetedor e ladrão

Cabeçudo e Jão do RumoJuraram de me pegarSenti muito com esses homensEu não poder me encontrarAdispois de minha morteEles terem o que contar.

Roça nunca me escapouPor não ter o que roubarMas os vizinhos de longeSempre soube respeitarMas Tamburi, Inveja e CampasNunca deixei escapar

Setenta e quatro tirosCheguei a contarAté que um tiro fatalViesse me acertarDisparado por Maninho

Seo Tiburcio no BenficaNo Sobrado, seo BernardoNas Campas, seu IzidroNo Tamburi, João Machado

O patrão sempre diziaQue ia chamar um marchantePara vir me comprarMas l50 mil reisNão se apanha no chãoPara se dar num boi braboRemetedor e ladrão.

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Só faltara eu dizerO lugar onde fui nascidoNa Fazenda Tamburi,Lugar muito conhecidoDo major João Machado,Fazendeiro destemido.

Til é letra do fim

(Tia Enedina em agosto de 2002 me informouque só se lembrava desta estrofe):

Bem dizia meu patrãoQue eu deixasse de roubarPorque havera de chegar um diaQue ele me vendia pra matar.

Como se pode notar, os temas de fazenda, bois,cavalos e roça eram bastante explorados em abecês,haja vista que a cidade de Feira de Santana e regiãoforam colonizadas por fazendeiros, tropeiros, pas-tores, vaqueiros e lavradores, sendo comuns avaquejada ou pegada de gado (ou ainda corrida demourão), o amansamento de poldros bravos e osromances, como acentua o poeta e escritor EuricoAlves Boaventura.

Quando fui para São Paulo, em 1972, casado coma atriz negra Maria Helena, montei o espetáculomúsico-teatral Terra de Lucas, no qual apresentava oABC de Lucas, cantado por Dadinho e Caboquinho.Do espetáculo também participavam figuras popu-lares como o sambista Antônio Moreira Júnior, acandomblezeira Mamãe Socorro, o mestre de Capo-

eira Muritiba, a dançarina Rosinha de Iansã, além damaioria dos atores teatrais da cidade. Remontei o“show” em São Paulo com o nome de Escravo Lucas,o Cristo-Exu da Bahia, no qual continuava a apresen-tar o ABC de Lucas.

Como jornalista, procurava reportar as coisasdo povo e a cultura regional, mesmo em São Paulo.Tudo isso me influenciou, ajudando-me a encon-trar um Nordeste maior em São Paulo, que não fazdistinção entre pernambucanos, piauienses,sergipanos, cearenses, baianos, mineiros, potiguares,paraibanos, maranhenses e alagoanos. Tudo era “ca-beça chata, paraíba, baiano, pau de arara ou cabra dapeste”. E a saudade me fez procurar as raízes e aminha identidade cultural. Comecei a declamar comocordelista ao lado de poetas como J. Barros e osvioleiros nordestinos do bairro do Brás. E mestreRodolfo na Bahia me lançou em 1975 com a estóriaO Paulista Virou Tatu Viajando pelo Metrô:

A reportagem presenteDeste Metrô encantadoQuem me deu foi um baianoHoje um paulista inteiradoAlém de ser jornalistaÉ um grande folcloristaSeu nome: Franklin Machado.

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ESTOURO NO NORTE E NO SUL

O folheto estourou no Norte e no Sul. Comeceiseriamente a pensar em me lançar como poeta pro-fissional, pois andava vendendo como “alternati-vo”, ou “independente”, ou ainda “marginal” omeu livro de poemas “Protesto à Desnuman-Ida-de” pelas praças, bares, praias, ônibus, apresenta-ções em saraus e recitais do Grupo Cacimba e neletinha referência do Cordel sofrendo a paranóia daCensura Prévia no tempos do RegimeMilitar.Também o meu álbum, Feira de Santana. Vimpassar férias em Feira e pensei muito em fazer Cor-del. Publiquei logo três de vez: A Feira de Feira Já VaiSair do Meio da Rua, Profecias de Antonio Conselheiro(O Sertão Já Virou Mar) e Maria Quitéria, HeroínaBaiana que Foi Homem, em l976:

Maria Quitéria éSímbolo de feminismoDe luta pelos direitosE pelo patriotismo.Foi a maior heroínaDo Brasil e do civismo.

O motorista Jurivaldo Alves, que foi artista decirco, me comprou algumas centenas de exemplarese os vendia nas suas viagens pela região. Atualmen-te, aposentado, voltou a vender folhetos e este es-crevendo com a ajuda da filha Patrícia.

Venderam muito aqui e em São Paulo onde vi-rei Maxado Nordestino e Franklin Maxado com“xis”. O cordelista J. Aras foi um dos responsáveis

pela mudança do nome, aconselhando-me devidoà soma dos arcanos. Resolvi botar temas sulistas noCordel como O Japonês que Ficou Roxo pela Mulata” eO Sapo que Desgraça o Corinthians, além de procurarrecriar o Cordel antigo como em A Volta do PavãoMisterioso, Artimanhas de Zé Catureba, O Aprendiz deMalazartes, entre outros. Por ser um Cordel maisatualizado, procurei rever o conceito sobre o negro,o índio, o nordestino, o Cangaço, a Guerra de Canu-dos, o homossexual, o feminismo, a defesa do meioambiente e outros preconceitos, comentando asprimeiras greves chefiadas por Lula no ABC com Oque o Trabalhador Quer, além de denúncias e reivindi-cações sociais.

A iniciativa seduziu um novo público de sulis-tas e de turistas, atraindo a atenção, chegando a apre-sentar, nos idos de l980, um candidato à ABL-Aca-demia Brasileira de Letras, o paraibano RaimundoSanta Helena. Mesmo não sendo eleito, o movi-mento motivou a concessão da “Medalha Machadode Assis”, a mais alta condecoração daquela Casa, aopoeta Rodolfo Coelho Cavalcante. Houve tambémem l983, a “candidatura” a Presidente da Repúblicadeste poeta cordelista Maxado Nordestino, que de-pois renunciou para apoiar Tancredo Neves, com acondição de que o político mineiro lutasse pelasEleições Diretas. Tais fatos não passaram desperce-bidos e foram tema de comentários públicos deCarlos Drummond de Andrade, Orígenes Lessa,Jorge Amado, Ariano Suassuna, Jos Luyten, Anto-nio Amaury Correa de Araújo, Jaguar, Flávio Rangel,Timochenko Wehbi e de outros intelectuais sobre aimportância da Literatura de Cordel.

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Por várias razões, alguns poetas nordestinosdesceram com suas malas para o Rio de Janeiro, MinasGerais, São Paulo, Goiás, Paraná, basicamente pro-pagando o Cordel nessas regiões, cuja forte econo-mia dita a moda no país. Os empregos na indústriado Sudeste e a construção da capital federal Brasíliaforas grandes motivações. Uns procuravam melho-res oportunidades para vender folheto e ser publica-do. Mas houve casos de poetas socialistas como Pau-lo Nunes Batista, José Vascurado e Rafael de Carva-lho (também ator), que procuravam outros hori-zontes mais abertos. Uma vez o Cordel ali divulga-do e vitorioso, surgiram outros nomes que se tor-naram importantes. Tudo isso influenciou os de-mais Estados, elevando até a auto-estima de poetasnordestinos no Nordeste, quando muitosfolcloristas teimavam em anunciar a sua morte.

Já houvera um fenômeno parecido, durante asaga da borracha, quando muitos nordestinos fo-ram para a Amazônia, até a década de l940, levandoa cultura do forró, da cantoria de repentes e do Cor-del. Em Belém houve até uma editora, a Guajarina,especializada na publicação de folhetos.

O COMPUTADOR

Outro fenômeno a ser notado é o uso do com-putador por parte de poetas jovens, tornando tarefafácil o que antigamente era barreira para os iniciantes,os quais tinham de contratar uma edição de alta tira-gem por problemas técnicos das tipografias ou grá-ficas. Assim, quanto menos tirassem, mais custoso

unitariamente ficava o folheto. Logo, só os poetasmais conhecidos e estabelecidos podiam encomen-dar uma grande tiragem e vender por preços po-pulares mais baratos. Agora, não. O computadorpode editar um, dois, cinqüenta, cem, mil ou maiscópias, e o autor poderá testar se elas são vendá-veis. Caso consiga vender bem, volta a tirar outrotanto na proporção da procura, sem encarecer ocusto, podendo enfrentar a concorrência com oscolegas mais famosos. A dificuldade de se viver deLiteratura de Cordel e a exigência inconsciente dopúblico, bem como a adaptação às regras, obrigama uma seleção natural para esses poetas, no futuro.Se o computador facilitou as tiragens, a profusãode títulos dificulta a venda. Tudo tem suas vanta-gens e desvantagens.

Foi também em São Paulo que comecei a fazerxilogravuras. A primeira encomenda foi feita pelopoeta cordelista Zacarias José para o Sindicato daConstrução Civil, a fim de ser capa do folheto so-bre prevenção de acidentes. A ferramenta me foiemprestada pelo artista baiano Chico Diabo, como qual entrei no Projeto Etsedron, de Edson daLuz, na Bienal Internacional de Arte, em l975. Vendicópias na Praça da República, na capital paulista, aolado de outros grandes xilógrafos nordestinos,como o Jerônimo e o J. Barros. Já tinha experiên-cia em trabalhos com madeira, pois sempre ia àgrande Serraria Eco, do meu tio OsvaldoBoaventura, com meu primo Carlos. Lembravatambém das aulas de trabalhos manuais com aprofa. Judite Pedra e das visitas à tipografia da Fo-lha do Norte, em Feira.

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Quando voltei à Bahia, fui contratado, no Go-verno João Durval Carneiro, a convite do SecretárioEdivaldo M. Boaventura, para trabalhar na TVEducativa. Ali inovei, fazendo comentários de notí-cias em Cordel, chegando a ter um programa ao vivo,quando participantes-cidadãos reclamavam ou de-nunciavam, ou mesmo elogiavam, usando a“pretensa abertura política”. Mas o programa “Parti-cipação” não demorou muito e saiu do ar em 1989.

Voltei para Feira, para dirigir os Museus da UEFS(O Museu Regional de Arte e o Museu Casa doSertão, este último eu o havia idealizado em 1977,mesmo ainda quando morava em São Paulo). Fuiconvidado pela então Reitora Yara Maria Cunha Pi-res. Pelo trabalho desenvolvido, fui mantido pelosseus sucessores, Prof. Josué da Silva Melo e Profa.Anaci Bispo Paim. Em 1998 o Museu Casa do Ser-tão lançou o concurso de Literatura de Cordel sobreLampião, havendo a participação de poetas consa-grados de todo o Brasil. Assim, a UEFS, entre ou-tras universidades, reconhecia o valor do Cordel edeste tema nordestino que muito mexe com a ima-ginação dos seus filhos.

Continuo escrevendo e estudando Cordel, em-bora como amador, já tendo publicado mais de 200títulos. Considero que o Cordel é a raiz da literaturaluso-brasileira. E que a poesia é única, tendo as divi-sões apenas um efeito didático. Quanto à forma,muitos poetas novos tentam inovar na métrica, rimae até temas, fugindo do tradicional, mesmo porqueo público interiorano tem acesso fácil à televisão,xerox e até ao computador, para desespero dos cole-cionadores puristas.

As inovações são naturais. Os poetas clássicosgostavam de escrever “Marcos” como que fazendoou criando um mundo imaginário que fosse difícilser superado. Neles, culminavam os seus conheci-mentos, sublimando temas, como Manoel Camiloescreveu em Viagem a São Saruê, Leandro Gomes deBarros em O Marco Paraibano. Dos mais recentes, háUm Marco Feito a Maxado Nordestino. Aliás, o seuautor também criou uma modalidade nova emCordel que é o de “Entrevista”, uma clara influênciado jornalismo. Nele, o entrevistado responde sem,às vezes, obedecer aos parâmetros tradicionais dife-rentemente do folheto de “Encontro” ou “Peleja”onde cada interlocutor fala ou pergunta dentro damétrica, rima e número de versos.

INFLAÇÃO GALOPANTE NOS GALOPES

Atualmente há uma inflação galopante, um ver-dadeiro estouro de folhetos novos nas praças. Háuma inflação de poetas jovens, pois qualquer estu-dante que fez uma oficina ou tomou aulas se aven-tura a publicar um folheto com seus versosagalopados. Alguns saem de pés quebrados, rimascabulosas e temas sem enredo ou sem umaconcatenação lógica, como também abordando as-suntos fora do interesse popular. A esse “Cordel”,os especialistas já estão chamando de “estropiado”ou “esfarrapado”. Ora, o povo gosta de uma lin-guagem fácil, métrica certa, ordem direta, pois a tra-dição remonta à fase da oralidade em que desenvol-veu inconscientemente o ouvido para o costume de

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um ritmo. A compreensão se dá com estórias quetenham começo, meio e fim.

O momento é favorável à valorização do popu-lar. Naturalmente a ascensão de um Presidente daRepública como Luis Inácio Lula da Silva, migrantenordestino, pobre e operário, possibilitou um cli-ma favorável à divulgação das coisas populares efolclóricas no seio da classe média brasileira, fustigadapsicológica e economicamente com o desemprego,as dificuldades de moradia, além de outros aspectosque a encaminham para buscar alternativas e modosde sobrevivência. A curiosidade aumenta para saberda comida da população, seus trajes, seus costumes,música, moradia, enfim, sua maneira de pensar, ex-pressar, sentir, agir. E nisso entra a Literatura deCordel.

Muitos pesquisadores acham que o computa-dor também fez uma revolução no Cordel, inun-dando o mercado de folhetos e motivando a publi-cação de vários livros sobre essa atividade pelas edi-toras comerciais. Elas também conhecem as recen-tes recomendações do Ministério da Educação paraque os professores de Língua Portuguesa abordemo tema em suas aulas, o que gera uma demanda pelateoria do Cordel. Na última Bienal do Livro, emSalvador, em 2005, pôde-se atestar isso, bem comoa onda de folhetos publicados.

Na França há grande interesse. A editoraEditions Chandeigne lançou na última Bienal doLivro, no Rio de Janeiro, uma edição experimentalCharlemagne, Lampião et Auttres Bandits, com váriasestórias de Cordel brasileiras traduzidas e ilustradasprofusamente. A mesma editora já planeja uma

antologia de autores, caso esgote essa edição. AFrança também foi pioneira na formação de pro-fessores especialistas em Literatura de Cordel, nadécada de l950, com um curso de Pós-Graduaçãona Université de la Sorbonne, instituído pelo prof.Raymond Cantel. Esses mestres e doutores brasi-leiros depois voltaram à pesquisa e ao ensino emvárias universidades do Brasil, motivando o de-senvolvimento dos estudos.

Ainda, antologias de poetas consagrados,como Patativa do Assaré, Leandro Gomes de Bar-ros e outros ainda vivos, estão sendo lançadas pelanova Editora Hedra, de São Paulo, as quais estãosendo distribuídas para todo o país. E, ainda mais,em São Paulo, a Companhia do Metrô instituiuum concurso nacional que todo ano premia poe-tas e mostra mais nomes entrantes no Cordel.

“COMO UMA ONDA”... NA TERRA

Atualmente, muitos “surfam” nessa onda. Atépoetas “eruditos” ou de outras escolas estéticasestão experimentando a recente moda do Cordel,a exemplo de como já fizeram Carlos Drummondde Andrade, Jorge de Lima, Ferreira Goulart,Hildegardes Vianna, José Carlos Capinan, IldásioTavares, Antonio Amaury Correa de Araújo, Mar-cos Accioly, Cid Seixas, Ruy Espinheira Filho eoutros. A onda também está gerandoaproveitadores que clonam romances antigos efolhetos clássicos, desrespeitando autorias e direi-tos de propriedade. Exploram a procura, promo-

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vendo edições piratas, prática em que muitos estãose especializando, quer usando o computador ou axerox.

Na capital da Bahia, há uma banca na Praça Cairu,administrada pelo repentista Paraíba da Viola, queos vende em detrimento de poetas de bancada lo-cais. Esta banca foi criada na gestão do Prefeito Ma-rio Kertz, por sugestão minha a pedido de intelec-tuais, como Carlos Cunha, para ajudar o poetaRodolfo Coelho Cavalcante e os seus colegas baianosassociados da Ordem Brasileira de Poetas de Cordel.

No Ceará e em Pernambuco, há gráficas efolheterias que se dedicam somente a essa atividadede impressão e, conseqüentemente, apresentam pre-ços mais baixos. Decorrente disso, a produção baiananão concorre com seus preços. Desse modo, a poe-sia de Cordel no Estado não tem um local para di-vulgar e vender sua produção, que fica limitada alea-toriamente a aparições e apresentações avulsas dosseus autores.

Em Feira de Santana, não há uma banca especi-alizada no Mercado de Arte Popular, apesar daqueleespaço ser nobre e destinado a fomentar o artesana-to local com a sua comercialização. Aos concessioná-rios, submetidos à lei de mercado e mal orientados,vendem o que querem em detrimento da produçãoregional, que não chegou ao estágio de ser semi-industrializada como muitas das peças oferecidas,oriundas de outros Estados.

GRAVAÇÃO DE CD’S

Outra fase dessa onda é a gravação de discosCD’s. Todo cantador de viola, sofrível, bom ou óti-mo, já tem o seu disquinho CD gravado, constitu-indo-se como cartão de visita e propaganda parauma apresentação, além de gerar uma renda maisgarantida. Assim, é um novo lado da cantoria oudo Cordel. Alguns já têm até DVD’s produzidos, oque acho bom, pois aproveita a tecnologia avançadapara divulgar a cultura nacional.

Como cantoria gravada, o fato pode remontar àépoca da Ditadura Militar, quando órgãos repressoresexigiram ler o roteiro do improviso que se iria can-tar. Assim, a cantoria deixaria de ser repente para serdecorada, ou o chamado “balaio” com o “repente”previamente censurado. Esse recurso do “balaio” égeralmente feito por “cantador” menor, que o pú-blico apologista e conhecedor condena e nãoprestigia. O cantador repentista no meio de umapeleja, ou num “pé de parede” renhido, pode nointervalo declamar algum poema ou cantar algumacanção, o que se denominou de “obra feita”. Aí enessas condições é tolerada e até mesmo requisita-da. Ou, chamar um declamador como ChicoPedroza, José Laurentino, Amazan, Maxado Nor-destino.

Modernamente, o público ouvinte está poden-do se manifestar nessas cantorias, pois cantadorescomo Caboquinho da Bahia usam um refrão finalnas estrofes improvisadas que termina, por exem-plo, “Coqueiro da Bahia, quero ver meu bem ago-ra/ (assistência responde) Quer ir mais eu? vamos,/

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quer ir mais eu? v’ambora! Comumente, o públicosó se manifestava pedindo mote, que é um verso oudois metrificado para que os cantadores improvi-sem terminando com o mesmo. Ou um tema, que,como o nome já diz, um assunto para ser discorridocom improviso.

Por falar em violeiro e repentista, a Bahia, mes-mo estando geograficamente na região Nordeste, etendo bons cantadores, é discriminada pelos demaisEstados co-irmãos, numa espécie de defesa ou re-serva de mercado, pois o preconceito tem sempreuma base econômica. O cantador Bule-Bule que odiga!

Antonio Ribeiro da Conceição, o conhecido Bule-Bule, é considerado o melhor cantador repentista daBahia no momento, tendo já enfrentado grandesnomes por aqui. Entretanto, não é convidado parafestivais no Ceará, Pernambuco e Paraíba, Estadosonde se apresentam os maiores colegas. Natural-mente, para não abrir mercado ou reconhecer que aBahia tem bons repentistas como Antonio Queiroz,Caboquinho, Nadinho de Riachão, LeandroTranquilino, etc. Outro preconceito ainda existentena cantoria, embora seja velado, é o da negritude.Existe desde o século XVIII, na primeira peleja re-gistrada pela História, aparece essa discriminação,pois o mulato Romano da Mãe d’Água desancava oseu contendor, o escravo Inácio da Catingueira, porser negro. O desafio se deu na Serra do Teixeira, terraparaibana.

Assim, os famosos cantadores nordestinosacham que se bater em desafio com um colega negroos rebaixa. E se perderem o desafio, pior. Com isso,

Bule-Bule da Bahia perde muito, pois podia estarsempre se exercitando. Ele, que dança e sapateiabem e sabe muito dos folguedos populares, é obri-gado a complementar a sua renda cantando samba,emboladas, lucutixo, chula, tiranas, e escrevendofolhetos de Cordel. E, também, aceitando ser fun-cionário público em Camaçari.

PALCO DO CORDEL BAIANO

Outro aspecto a considerar é o teatro baiano,que tem uma tradição desde João Augusto, Périclese Orlando Senna de aproveitar textos populares deCordel para encená-los com sucesso. Recentemen-te, o ator e professor Armindo Bião, atual diretorda Fundação Cultural do Estado, lançou o livroTeatro de Cordel na Bahia e em Lisboa, tendo ocordelista Antonio Vieira ilustrado o momento naVII Bienal do Livro de Salvador, em 2005. Vieiracriou uma maneira bem baiana de cantar o folheto,acompanhando a si mesmo na viola, com ritmosvariados, e não com a tradicional toada mono-córdica. Deu a ele o nome de “Cordel Remoçado”.

A Fundação Cultural estabeleceu um Concur-so Nacional de Literatura de Cordel e o último rea-lizado, em 2004, revelou Osmar Machado Júnior,Varneci Santos do Nascimento e Aécio Alves deFeitas como ganhadores, embora eles não tives-sem trabalhos publicados anteriormente. Muitosnomes estão surgindo, continuando a tradição deCuíca de Santo Amaro, de Laurindo Gomes Maciel,de Rodolfo Coelho Cavalcante, de Permínio, de

LLLLL É G U AÉ G U AÉ G U AÉ G U AÉ G U A & & & & & MMMMME I AE I AE I AE I AE I A : : : : : RRRRR E V I S T AE V I S T AE V I S T AE V I S T AE V I S T A D ED ED ED ED E L L L L L I T E R A T U R AI T E R A T U R AI T E R A T U R AI T E R A T U R AI T E R A T U R A EEEEE D D D D D I V E R S I D A D EI V E R S I D A D EI V E R S I D A D EI V E R S I D A D EI V E R S I D A D E C C C C C U L T U R A LU L T U R A LU L T U R A LU L T U R A LU L T U R A L , , , , , VVVVV . 4 , . 4 , . 4 , . 4 , . 4 , NNNNN OOOOO°°°°° 33333 ,,,,, 2 02 02 02 02 0 0505050505 — — — — — 247247247247247

Valeriano Félix dos Santos, de Minelvino Franciscoda Silva, Antonio Teodoro dos Santos, ErotildesMiranda, Antonio Alves da Silva, José Aras ( J. Sara)e de João Ferreira da Silva. São eles João CrispimRamos (J. Ramos), José Olívio, Papada, Nelsi LimaCruz, Ana Maria de Santana, Fuad Maron, IsaíasCavalcante (Ismoca), Carlos Joel, Maurílio de Mun-do Novo, Asa Filho, Isabel de Tanquinho, AdolfoCavalcante, Jotacê Freitas, Antonio Carlos de Olivei-ra Barreto, sendo que estes dois últimos fazem partedo jornal literário Sopa (Sociedade de Poetas e Ami-gos) que divulga a nova poesia baiana de qualquerestilo. O jornal tem como editor o jovem poetapaulista Gustavo Felicíssimo que, aqui na Bahia, estátambém treinando escrever Cordel, embora nadatenha lançado ainda. É o mesmo caso do feirenseRamiro que só declama, mas não publica. E mais osjovens João Augusto, Sérgio Silva e GutembergSantana (oriundos do CRIA), dentre outros. O ex-

periente Luis Campos inova publicando um Cordelvirtual pela Internet. Ele reside em Salvador, embo-ra haja outros fazendo o mesmo pelo Brasil.

Como editores, a Bahia possui Carlos Neves,em Conceição do Coité, e Edson Machado, em Feirade Santana, os quais modernizam a publicação como uso de computador, máquinas “off-set” e xerox.Na parte de ilustrações de capas de folhetos, com asmortes de Sinézio Alves e de Minelvino, a Bahiaficou só com Jussandir Raimundo que, sem estí-mulo, parou de fazer xilogravuras. Só FranklinMaxado, voltando de São Paulo para Feira deSantana, comete alguma por encomenda. Agora,surgiram Gabriel Arcanjo, em Salvador, e Paulo Luz,destoando de outros Estados do Nordeste, cujomercado dá condições aos seus ilustradores para vi-verem de suas obras.

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Franklin MaxadoFranklin MaxadoFranklin MaxadoFranklin MaxadoFranklin Maxadoé um relativamente recém chegado à arte da xilogravura.é um relativamente recém chegado à arte da xilogravura.é um relativamente recém chegado à arte da xilogravura.é um relativamente recém chegado à arte da xilogravura.é um relativamente recém chegado à arte da xilogravura.

Começou em 1976,Começou em 1976,Começou em 1976,Começou em 1976,Começou em 1976,fazendo gravuras sobre o tema “acidentes do trabalho”fazendo gravuras sobre o tema “acidentes do trabalho”fazendo gravuras sobre o tema “acidentes do trabalho”fazendo gravuras sobre o tema “acidentes do trabalho”fazendo gravuras sobre o tema “acidentes do trabalho”

para o Sindicado dos Trabalhadores para o Sindicado dos Trabalhadores para o Sindicado dos Trabalhadores para o Sindicado dos Trabalhadores para o Sindicado dos Trabalhadoresna Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo.na Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo.na Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo.na Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo.na Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo.

Logo passou a ilustrar as capas dos próprios folhetosLogo passou a ilustrar as capas dos próprios folhetosLogo passou a ilustrar as capas dos próprios folhetosLogo passou a ilustrar as capas dos próprios folhetosLogo passou a ilustrar as capas dos próprios folhetosonde continua até hoje a produzironde continua até hoje a produzironde continua até hoje a produzironde continua até hoje a produzironde continua até hoje a produzirgravuras interessantes e belas.gravuras interessantes e belas.gravuras interessantes e belas.gravuras interessantes e belas.gravuras interessantes e belas.

Mark J. Curran (Mark J. Curran (Mark J. Curran (Mark J. Curran (Mark J. Curran (19801980198019801980)))))

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