marx e bourdieu - aproximaÇÕes
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A crise paradigmática que enfrentamos neste início de século reflete-se sobremaneira no campo educacional. Se a educação, até meados dos anos 70, foi analisada pelo viés reprodutivista fundamentado na teoria de Bourdieu – Passeron, hoje, com a crise da pós-modernidade e do pós-neoliberalismo, a educação encontra-se novamente diante de uma encruzilhada em que as teorias macroexplicativas ou de interpretação mecanicista do marxismo obscurece as possibilidades de aproximações da teoria marxista no que tange ao processo educativo e sua influência na teoria de Bourdieu. Assim nosso artigo se propõe a identificar pontos de convergência entre a análise sociológica e histórica em função dos mecanismos de dominação presentes na educação. Resgatar este espaço multidimensional em que vivemos por meio da superação do objetivismo ou subjetivismo no espaço educativo permitirá a atuação dos agentes deste processo que ocupam posições neste multifacetado espaço social.TRANSCRIPT
MARX E BOURDIEU - APROXIMAÇÕES
Paulo Cesar, CEDRAN1
RESUMO
A crise paradigmática que enfrentamos neste início de século reflete-se sobremaneira no
campo educacional. Se a educação, até meados dos anos 70, foi analisada pelo viés
reprodutivista fundamentado na teoria de Bourdieu – Passeron, hoje, com a crise da pós-
modernidade e do pós-neoliberalismo, a educação encontra-se novamente diante de uma
encruzilhada em que as teorias macroexplicativas ou de interpretação mecanicista do
marxismo obscurece as possibilidades de aproximações da teoria marxista no que tange
ao processo educativo e sua influência na teoria de Bourdieu. Assim nosso artigo se
propõe a identificar pontos de convergência entre a análise sociológica e histórica em
função dos mecanismos de dominação presentes na educação. Resgatar este espaço
multidimensional em que vivemos por meio da superação do objetivismo ou
subjetivismo no espaço educativo permitirá a atuação dos agentes deste processo que
ocupam posições neste multifacetado espaço social.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria social, Marxismo e Educação, Bourdieu e o Agente
Social, Pedagogia Histórico-crítica e cultural.
É no contexto da crise do capitalismo em sua fase neoliberal que situamos
nosso recorte histórico para estabelecer paralelos necessários à análise da temática
educacional sob os aspectos analisados por Karl Marx e Pierre Bourdieu.
Este terreno mostra-se árido uma vez que muitos sociólogos ou historiadores
da educação consideram as análises teóricas destes pensadores como antagônicas, ou
seja, como praticamente inconciliáveis. Assim nossa proposta analítica pauta-se pelo
viés em que a ortodoxia do pensamento encontra-se superada uma vez que a sociedade e
suas relações pautam-se pelo conceito que Zigmuth Bauman chama de relações líquidas,
ou seja:
Líquidos mudam de forma muito rapidamente, sob a menor
pressão. Na verdade, são incapazes de manter a mesma forma
por muito tempo. No atual estágio “líquido” da modernidade,
os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidificarem.
A temperatura elevada — ou seja, o impulso de transgredir, de
substituir, de acelerar a circulação de mercadorias rentáveis —
não dá ao fluxo uma oportunidade de abrandar, nem o tempo
1 Mestre em Sociologia pela UNESP/Araraquara/SP; Doutor em Educação Escolar pela UNESP/Araraquara/SP;
Supervisor de Ensino da Diretoria de Ensino – Região de Taquaritinga; docente do Centro Universitário Moura
Lacerda/Jaboticabal/SP; e docente da Faculdade UNIESP, Taquaritinga /SP. E-mail: [email protected]
necessário para condensar e solidificar-se em formas estáveis,
com uma maior expectativa de vida. (REVISTA ISTO É ON
LINE, 24 set. 2010)
Essa fluidez subverte o viés analítico seja sob o aspecto estrutural economicista
ou determinista, como também apresenta uma teoria social fundamentada na
precariedade de suas certezas. Desta forma, Karl Marx no momento crucial do
estabelecimento da relação capitalista em sua fase industrial e Pierre Boudieu, no
momento em que as relações capitalistas demonstram formas mais sutis e perversas de
sua face neoliberal, representaram na passagem do século XIX para o XX e do XX para
o XXI, uma proposta de análise coerente com o momento social e ao mesmo tempo
criaram a possibilidade de sua extensão analítica pela busca de uma práxis ou de uma
ação social, que mais do que contestatória mostra-se revolucionária sob o aspecto da
desnudação das formas de dominação que sustentam e legitimam as relações sociais sob
a égide do capitalismo. Podemos afirmar que neste processo as revisões teóricas se
complementam e não se antagonizam se considerarmos como o principal aspecto a
permear a teoria de Marx e Bourdieu a saber: a dominação e a desfiguração do homem,
subjugando as possibilidades de sua constituição enquanto agente de suas relações
sociais. Assim o nome da obra organizada por Ruy Braga intitulada O Marxismo
Encontra Bourdieu é pródiga ao afirmar em sua apresentação feita por Michel Burawoy
que o marxismo é uma ferramenta indispensável se desejarmos transformar o mundo em
seu sentido igualitário e emancipatório. Assim, o marxismo ao encontrar Bourdieu deve
ser tratado não mais como uma doutrina ou uma doxa, ou seja, como um corpo de
crenças estabelecidas em definitivo mas como uma teoria que se reatualiza
constantemente sob o aspecto analítico das relações sociais e suas determinantes
capitalistas.
Mesmo sabendo que o sociólogo ou o ser social no exercício de seu ofício deve
resguardar-se de suas ideologias no campo de forças em que atua ou do lugar discursivo
em que exerce sua análise não se abstrai de ser portador de uma visão de mundo ou de
um engajamento social. Sob este aspecto podemos identificar que Marx e Bourdieu se
aproximam pelo estabelecimento do que poderíamos chamar de uma pedagogia social
pautada na análise e no estabelecimento de uma relação acadêmica com a comunidade
sociológica e extra-acadêmica pelo exercício de sua cultura política pautada em um
conceito de resiliência, que procura valorizar a grandeza do legado de Bourdieu sem
contudo esquecer a influência de Marx sob seu pensamento. Michel Burawoy no
prefácio da obra reafirma:
Eu sempre me senti atraído pela relação tortuosa entre o
marxismo e a sociologia, por isso seria esse o tema de minhas
aulas como sociólogo, Bourdieu havia se degladiado com o
marxismo durante boa parte de sua vida; e a presença do
marxismo ficou escrita em seus volumosos trabalhos – inscrita,
porém, escassamente reconhecida. (BURAWOY, 2009, p.11)
Mesmo Bourdieu apresentando-se como o mais proeminente sociólogo do final
do século XX, tornando-se parte integrante do cânone sociológico, a compreensão de
sua análise teórica não é nada fácil pois seus trabalhos assim como os de Marx
abrangem das artes a literatura passando pela política, família e educação.
É sob o aspecto educacional que tentaremos concentrar as aproximações
teóricas que envolvem este campo analítico. Assim, o primeiro conflito que alguns
teóricos marxistas identificaram na obra de Bourdieu estaria relacionada á sua análise
reprodutivista das relações escolares enquanto portadora dos valores predominantes na
sociedade capitalista e culturalmente selecionados, validados e legitimados pela elite
dominante. O apressamento dessa análise colocaria a teoria de Bourdieu numa camisa
de força em que a análise sociológica conseguiria apenas focar e constatar esse
mecanismo de reprodução, dissecando a dominação que perpetua o capitalismo. Mas
Burawoy, por exemplo desmonta esta armadilha analítica ao observar que um dos
argumentos fundamentais da obra de Bourdieu seria o da relação que este estabelece
entre as estruturas da sociedade que se reproduzem tanto através da manipulação das
normas sociais, como através de sua inculcação nos indivíduos e de sua atualização por
estes. Esta atualização com certeza passa pela instituição escolar. Conceitos como
Hábitus, Campo e Capital, são desenvolvidos segundo Burawoy de forma muito
inconcistente, mas é também ele que antevê que Bourdieu mesmo não possuindo uma
teoria da história, poderia ser alçado ao cânone sociológico em que se encontra Marx,
Weber e Durkheim. Assim Burowoy reconhece:
(...) descobri que as análises de Bourdieu envolviam o
reconhecimento de uma conformidade psicológica ou
subordinação dos indivíduos que era bem mais profunda que
minha análise da situação. (BUROWOY, 2009, p.17)
Ao realizar esta autocrítica de sua obra, Burowoy enfatiza que Bourdieu
enfocava a maneira pela qual a cultura e a educação penetravam as classes subalternas e
exploradas e mistificavam sua existência. Portanto, podemos afirmar que Bourdieu e
Marx lutaram contra a reprodução da sociedade capitalista por meio da educação,
mesmo que por caminhos diferentes a saber: Marx que pelo viés de superação do Estado
como educador do povo e Bourdieu pela vontade em garantir o acesso de todos ao
precioso capital cultural com poucos compartilhados pela escola. Mesmo assim, Michel
Burowoy afirma que em relação a Bourdieu, pairava o seguinte problema:
Mesmo acreditando na obrigação do cientista sociais levarem
suas idéias a esfera pública, Bourdieu não conseguia encontrar
nenhum público capacitado e desejoso de ouvi-los. Há classes
dominantes que não possuem qualquer interesse em saber nada
sobre sua própria dominação simbólica (embora pudessem
compreendê-la); e há classes dominadas que não estão aptas a
compreender sua submissão (embora isso lhes pudesse
interessar). Em seus enunciados teóricos, Bourdieu falou sobre
a profundidade da dominação simbólica que torna as classes
dominadas totalmente surdas às revelações da sociologia. A
esses respeito, Bourdieu divergia dos marxistas ortodoxos que,
em uma análise final, consideravam as classes dominadas
capazes de entender sua própria opressão e as mensagens dos
intelectuais. Por mais difícil que seja, cruzar esse abismo,
segundo os marxistas ele não seria completamente
intransponível. (BURAWOY, 2009, p.20).
Burawoy, assim se refere ao que chama de corporativismo do universal, onde
caberia aos intelectuais atuarem como intelectuais orgânicos da humanidade,
corroborando esta crítica à teoria de Antonio Gramsci. Mas não desprezando uma
leitura mais aprofundada do contexto deste autor, Burawoy lembra que Bourdieu assim
como Marx propôs a criação de uma internacional de intelectuais que desafiassem o
neoliberalismo e a violação dos direitos humanos no âmbito global; enquanto Marx
propunha a mesma internacional para unir o operariado como forma de combater a
dominação e a exploração capitalista. Desta forma conclui que Bourdieu se assemelha a
Auguste Comte quando afirma:
Eis um resquício do sociólogo comtiano em Bourdieu: a vívida
personificação de uma luta interna e externa entre certo
marxismo subliliminar e a sociologia crítica. (BURAWOY,
2009, p.21)
É a este marxismo subliliminar e a sociologia crítica que nos referimos ao
analisar as aproximações de Bourdieu e Marx. Situando a análise sob o aspecto
educacional vamos identificar como Marx e Bourdieu estabelecem as relações do
processo educativo por meio da escola e a reprodução social. Marx, assim como
Bourdieu não se dedicou a uma análise específica sobre educação a ponto de estabelecer
uma sociologia da educação. Isso contudo não impediu que Marx ao rejeitar a filosofia
liberal de educação lembra que o conhecimento não pode ser estudado como atividade
isolada de seu contexto histórico e Bourdieu irá relacionar esta conjuntura ao contexto
cultural, pois estes não são absolutos, dados mas são relativos e produzidos pelos
homens. Assim: “(...) o conhecimento escolar é uma característica da alienação do
homem.” (SARUP, 1986, p.38)
Marx ao analisar as conseqüências da obrigatoriedade que o ensino primário na
Inglaterra trouxe para a produção industrial, critica a educação das classes alta e média,
quando discorre:
Por forças que pareçam no todo, as cláusulas educacionais da
Lei Fabril proclamam a instrução primária como condição
obrigatória para o trabalho. (...) do sistema fabril como se pode
ver detalhadamente em Robert Owem brotou o germe da
educação do futuro, e há de conjugar, para todas as crianças
acima de certa idade, trabalho produtivo com ensino social,
mas como único método de produzir seres humanos
desenvolvidos em todas as dimensões. (MARX, 1984, p.86-87)
Assim refletindo sobre esta concepção de educação como forma de
direcionamento e preparação de mão de obra para suprir a nascente indústria na
Inglaterra Marx, lembra em sua Para a crítica da economia política que o objeto deste
estudo é a produção material, ou seja, indivíduos produzindo em sociedade e afirma:
Quando se trata, pois de produção, trata-se da produção em um
grau determinando de desenvolvimento social, da produção dos
indivíduos sociais. (MARX, 1988, p.4)
Assim, a produção poderia ser compreendida não apenas sob a forma de uma
produção particular, mas enquanto certo corpo social, sujeito social que exerce sua
atividade numa totalidade maior ou menor de ramos de produção. Portanto, a
obrigatoriedade da educação pública faria parte de um processo de produção ou melhor,
de preparação para o exercício maior da produção em escala industrial. A utilização da
educação sob o aspecto econômico fez com que o próprio Marx na Crítica ao Programa
de Gotha, exponha o que José Vaidergorn chama de:
(...) a falácia da educação popular, geral e igual a cargo do
Estado, e da assistência pois, como elemento estratificador da
sociedade servido aos liberais como marca da cidadania
conservadora, aos progressistas como promessa de usufruto dos
benefícios da civilização e a possibilidade de superar as
diferenças de classe e aos conservadores como elemento de
controle às rebeliões de massa, apontando para o totalitarismo.
(VAIDERGORN, 2000, p.21)
Poderíamos então questionar: sob que aspecto a análise bourdesiana se
enquadraria diante do amplo campo de interpretações e sua relações da educação como
elemento dominador utilizado pelo capitalismo? Numa primeira tentativa de resposta,
poderíamos afirmar que para Bourdieu a apropriação não estaria em especial, detida
apenas pelo capital, mas que esta apropriação estaria relacionada ao que ele chama de
campo de forças que envolve as relações educacionais no contexto capitalista. Neste
campo de forças, a incorporação irrestrita dos liberais cederia lugar à possibilidade de se
pensar a educação como forma de dominação via capital cultural, ou seja, uma
percepção que não nos remeteria ao conceito de classe como afirma Marx, mas a uma
concepção mais próxima do aspecto psicológico onde o agente e não o sujeito, tenderia
a corroborar ou refutar esta concepção de educação de acordo com as posições
relacionais que o mesmo ocuparia neste campo de forças.
Bourdieu ao utilizar o termo agente, como literalmente sendo aquele que age,
rejeita a idéia de sujeito “livre” que pode transformar o mundo a partir do uso de sua
razão. Para ele razão e consciência não constituem-se em fatores suficientes para
explicar a dominação social que não pode ser reduzida a um jogo de escolhas que visa
maximizar as possibilidades do indivíduo. Diante dessa rejeição, também ao pólo de
explicação identificado no estruturalismo, que considera os processos sociais como
meros reflexos da regras propostas pelas estruturas culturais em cada sociedade, retira
do individual algum papel na explicação do funcionamento social.
Como afirma Rosário S. Genta Lugli no texto A Contrução Social do Indivíduo
que:
Há portanto, dois pólos para a explicação do social,
aparentemente irreconciliáveis: um que situa o princípio da
razão individual que o situa na lógica das estruturas. Ora,
Bourdieu pretendeu superar essa dicotomia, elaborando um
pensamento que articulasse, tanto as dimensões individuais
como os constrangimentos estruturais – em outras palavras, ele
procurava responder a seguinte questão: como, exatamente os
comportamentos individuais com suas inúmeras variáveis e
imprevisibilidades, vinculam-se às normas e estruturas sociais
e no sentido inverso, como é construído o poder que as normas
e as estruturas sociais possuem sobre todos os indivíduos numa
cultura? (LUGLI, 2013, p.26)
Para tanto, Bourdieu recorre ao conceito de hábitus, que analisaremos
oportunamente. Mesmo assim, podemos afirmar que Bourdieu completou a obra de
Marx por meio do estudo das superestruturas sociais, com uma análise mais estável e
funcional e não somente histórica. Esta concepção nos remete ao que Michel
BURAWOY chama do fato de Bourdieu repudiar o determinismo histórico de Marx,
centrando sua análise nas questões que envolve a concepção de dominação e reprodução
da dominação, para também definir o papel dos intelectuais na política, ou seja, no lugar
que ocupam na reprodução e transformação da ordem social. Este foi o contexto em que
Leda Maria de Oliveira Rodrigues na resenha intitulada: Bourdieu – Um olhar marxista
aponta:
Enquanto o capitalismo avançado organizava a mistificação
simultânea da exploração e do consentimento à dominação, o
socialismo buscava apresentar os interesses do Estado como
sendo interesses de todos. No entanto, percebia-se essa
intenção como algo frágil e sempre ameaçado pela escandalosa
transparência da exploração. (RODRIGUES, 2011, p.316)
Mesmo diante desta transparência da exploração, as mudanças não ocorrem de
acordo com o grau que a exploração manifesta. Voltando para a análise da escola, Marx
deixou claro que a proposta de educação tutelada pelo Estado serviu a manutenção dos
interesses do capital. Assim, ele amplia a análise dessa estrutura para o próprio processo
de formação docente. A educação e o processo de formação docente, passam em Marx
pelo que Madan Sarup em Marxismo e Educação denomina de educação como iniciação
e assim explica:
Sugeriu-se que o modelo da educação como iniciação, adotado
pelos filósofos liberais, presume a superioridade do professor.
Há uma suposição comum de que, quanto maior a idade ou a
experiência do professor, mais válidas as suas prescrições para
os jovens. Os que ainda estão na escola são definidos como
‘incapazes’, como carentes de um remédio. A noção
predominante é que como são jovens, são num certo sentido
‘deficientes’. Nesse processo, as crianças são peneiradas, de
modo que só umas poucas chegam ao ‘alto da pirâmide’.
(SARUP, 1986, p.65)
Essa experiência do professor dada como válida neste processo, não considera
o que Marx mais preza ao realizar sua crítica em relação a formação docente, ou seja, o
conceito de formação e alienação na relação docente e práticas sociais. Assim o
currículo que instrumentaliza o conhecimento em função de uma prática voltada à
alienação e a burocratização atuam como algo externo ao processo que envolve a
formação do professor e do aluno. Sarup então afirma que:
(...) se o currículo for considerado como algo externo à busca
de significado, pode tornar-se um edifício alienante. É possível
que grande parte da alienação experimentada nas escolas seja
uma das muitas conseqüências imprevistas dos ensinamentos
dos filósofos liberais. (SARUP, 1986, p.65)
E complementa: “A lucratividade dessas atividades e o conceito do currículo raramente são
questionados, a natureza da educação e o conhecimento é aceito sem discussão, é fixa. (SARUP, 1986,
p.66)
Dessa forma, ganha sentido quando nas Teses Contra Feurbach, Marx afirma:
“Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo.
(MARX, 1988, p.163)
Ao buscar essa transformação, Marx volta a criticar o conceito de alienação,
que em particular, separa o homem de sua atividade produtiva, onde o sujeito é reduzido
a nível de objeto. Por não considerar modo de produção, simplesmente a reprodução da
existência física dos indivíduos Marx, tratará Ada relação educação e alienação da
seguinte forma:
‘É antes uma forma definida de atividade desses indivíduos,
uma forma definida de expressar sua vida, um modo de vida
definido e sua parte.’ Para Marx, isso significa uma expressão
da alienação das relações sociais dentro e através do
capitalismo. Pode-se perguntar que, como expressão da
produção alienada, a educação é tratada como coisa. É
transformada num fetiche e a ela são atribuídos poderes
habitualmente dados ao homem. A educação torna-se assim
reeficada, quer dizer, passa a ser considerada como um poder
sobre e acima do homem, e, portanto, fora de qualquer
possibilidade de modificação. (SARUP, 2000, p.125)
Vejamos como Marx se refere então à formação docente, uma vez que ao ser
tratada como coisa, ao professor também são atribuídos poderes que o reificam, ou seja,
o colocam acima dos outros homens ou como Bourdieu afirma, sendo este um detentor
do capital cultural a serviço dos interesses de sua própria elite intelectual. Assim, Marx
afirma na obra Ideologia Alemã:
A doutrina materialista da transformação das circunstâncias e
da educação esquece que as circunstâncias têm de ser
transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de
ser educado. (...) a coincidência da mudança das circunstâncias
e da atividade humana ou autotransformação só pode ser
tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionária.
(MARX, 1981, p.104)
Ao afirmar que o educador precisa ser educado, Marx reforça a tese de que a
educação não se limita a prática formativa do ambiente escolar como também na sua
formação de corrente das relações de classe que ele estabelece. Bourdieu irá reafirmar a
questão da escola como elemento reforçador da desigualdade como identifica Denise
Bárbara Catani no artigo A Educação como ela não é:
Desde cedo, na obra de Bourdieu, a escola é tida como
instância conservadora e a pedagogia como um conjunto de
procedimentos que podem agravar as diferenças sociais vividas
na cultura escolar como diferenças de capacidades ou de
aptidões. De ‘inteligência’ de ‘dons’. (CATANI, 2013, p.18-
19)
Esse conjunto de procedimentos que podem agravar as diferenças estaria
relacionado ao processo de formação docente pois estes, são assim formados para
garantir essa reprodução. A aproximação entre Marx e Bourdieu neste ponto é muito
clara. O professor será um agente desta reprodução sob o aspecto de que este fora
educado pala circunstância que instauram a detenção de dado poder à saber, o poder
cultural ou capital cultural que sobrepõe o professor ao aluno legitimando esse processo
pelo acesso das camadas populares a escola sob a forma com que Bourdieu amplia esta
análise pelo conceito de violência simbólica que regula a produção e as práticas
culturais sejam as de interpretação ou as de circulação da aprovação como forma de
consumo. No texto A Escola Conservadora”: as desigualdades frente à escola e à
cultura, Bourdieu afirma:
‘É provável por um efeito de inércia cultural que continuamos
tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social,
segundo a ideologia da ‘escola libertadora’, quando, ao
contrário, tudo tende a mostrar que ele é um dos fatores mais
eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de
legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança
cultural e o dom social tratado como dom natural.
(NOGUEIRA, CATANI, 2002, p.41)
Ao tocar no ponto que Bourdieu chama de ideologia da escola libertadora este
critica teóricos marxista que afirmam ser a educação escolar tida como possibilidade de
transformação social. Marx e Bourdieu se aproximam quando consideram que a escola é
utilizada pelo Estado como subterfúgio para garantir a dominação pela desigualdade
social em nome da igualdade de direitos.
Assim enquanto análises marxistas, mas não de Marx, consideram o mundo
social como espaço unidimencional orientado e conduzido diretamente em função do
modo de produção econômica dele gerado, Ione Ribeiro Valle no texto A obra do
sociólogo Pierre Bourdieu: uma irradiação incontestável irá afirmar que:
Para Bourdieu, o mundo social é um espaço multidimensional,
que não pode ser reduzido a um determinismo econômico de
classe, pois se apresenta diferenciado em campos relativamente
autônomos no interior dos quais os indivíduos ocupam
posições determinadas. Segundo Thompson (2001), ele
emprega de maneira distinta a noção de classe em relação aos
marxistas tradicionais, não é definindo como simples oposição
entre proletários e não-proletários, mas como conjuntos de
agentes que ocupam posições análogas no espaço social,
possuem quantidades similares de capital, oportunidades
semelhantes de sucesso e disposições muito próximas.
(VALLE, 2007, p.123)
Esta concepção nasce do que a própria autora identifica como o de um
sociólogo que de origem modesta passa à posição dominante, sem contudo, esquecer
que sua história pauta-se na tensão entre práticas produzidas no decorrer da história
individual e coletiva e assim afirma:
As raízes do pensamento de Pierre Boudieu podem ser
encontradas numa dolorosa, mas rica e diversificada
experiência existencial, reconhecida pelo próprio autor. O
distanciamento em relação ao mundo intelectual e o fato de ser
constantemente lembrado de seu ‘estrangeirismo’ lhe
permitiram ‘ver o que outros não vêem’ e o incitaram a sentir o
que outros não sentem: os códigos implícitos, as rotinas, os
fundamentos que governam o mundo das idéias e orientam as
práticas cotidianas. (VALLE, 2007, p.121).
Bourdieu criticando os conceitos mecanicistas na análise sociológica se reporta
ao que Valle descreve como sendo condutas orientadas na direção de fins. Assim ela
afirma:
Ele recorre também à noção de estratégia, utilizada pela
sociologia interacionista (principalmente por Goffman),
visando restituir uma margem de invenção e de improvisação
nos agentes. Ademais transpõe para a sociologia a noção
Chomskyana de ‘competência generadora’. No entanto,
diferentemente de Chomsky que a considera como inata, ele a
concebe como geradora das condutas, sendo portanto
adquirida. Produto da aprendizagem, os esquemas de
percepção e de ação concebem as condutas sob a forma de
disposições. (VALLE, 2007, p.125)
Esse produto da aprendizagem representaria a possibilidade de aplicarem uma
abordagem sociológica como ciência libertadora que nos estilo de Marx, busca
redimensionar o valor da cultura que ao superar sua base infra-estrutural em função do
econômico repõe no universo da escola uma sociologia das instituições escolares onde
as pessoas ou grupos de classes que mantêm um monopólio educacional sabem assentar
o sistema escolar como aquele construído para identificar e reificar a inteligência e
valorizar o “dom” dos inteligentes ou do eu os pensadores liberais e neoliberais
criticados por Marx e Bourdieu chama de igualdade de oportunidades. Bourdieu ao
valorizar o que os indivíduos, em virtude dos habitus encontram-se pré-dispostos a
determinados objetivos e preferências revoluciona sua relação com o marxismo e coloca
no campo da subjetividade algo que Marx via apenas como forma possível de combate
da alienação, no campo da objetividade. Portanto, o conceito de classe se sobrepondo
ao indivíduo mesmo assim a função sociológica e por conseguinte a função escolar
devem ser elucidadas diante do caráter arbitrário de certos esquemas defendidos e
reproduzidos historicamente.
Diante dos desafios enfrentados por Marx e Bourdieu podemos à guisa de
conclusão afirmar que será pelo encontro do indivíduo e da subjetividade do agente que
poderemos repensar as possibilidades de superação das formas de dominação tão
criticadas por Marx e Bourdieu e que são ao nosso ver um dos maiores pontos de
aproximação destes grandes teóricos sociais.
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