marketing responsável

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COPPEAD Instituto de Ps Graduao e Pesquisa em Administrao

Marketing Responsvel?Um estudo em empresas brasileiras

Marcelo Amstalden Mller

Mestrado em Administrao de Empresas

Orientador: Prof. Dr. Srgio Abranches

Rio de Janeiro, RJ - Brasil. Junho de 2006

Mller, Marcelo Amstalden Marketing responsvel? Um estudo em empresas brasileiras, Rio de Janeiro, COPPEAD/UFRJ, 2006. Dissertao Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPEAD. 1. Marketing 2. Responsabilidade Social Empresarial 3. Sustentabilidade 4. Dissertao (Mestrado). COPPEAD/UFRJ I.Ttulo

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AGRADECIMENTOS

Dedico esta tese s pessoas que me apoiaram e incentivaram durante todo o meu curso de mestrado, as quais eu tenho muito a agradecer:

Ao Prof. Srgio Abranches, meu orientador, pela inspirao e por todo o tempo dedicado ao meu aprendizado.

Prof. Letcia Casotti, pela ateno, incentivo e carinho demonstrados durante o curso todo.

Aos professores do Coppead, que me mostraram um mundo tico, profissional e desafiador.

Aos demais colaboradores do Coppead, pela ateno e ajuda sempre oferecida, em especial Cida e Simone da secretaria acadmica, pelo apoio a distncia.

minha famlia, meu porto seguro, que me deu os instrumentos com os quais eu consegui chegar at aqui.

Aos colegas da turma 2004, pelo companheirismo e acolhimento, e em especial Flvia Szuster, pelo carinho comigo, Juliana Yonamine, pelos plantes de reviso da minha tese, e ao Patrik Wahlgren, pelo encontro de um amigo.

Ao meu grande amigo Ricardo Rabello, minha famlia no Rio de Janeiro.

Tambm gostaria de agradecer a outras pessoas especiais na minha vida, que estiveram ao meu lado nesses dias de estudo e crescimento: Ale Crema, Juliano e Carolina Brocchi, Rodrigo e Laureana Gonalves, Luciano e Fbia Crantschaninov, Caio Zacariotto e Leandro Leite.

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Resumo da Dissertao apresentada ao COPPEAD/UFRJ como parte dos requisitos necessrios para a obteno do Grau de Mestre em Cincias (M.Sc.)

Marketing Responsvel? Um estudo em empresas brasileiras Marcelo Amstalden Mller Junho de 2006

Orientador: Prof. Dr. Srgio Abranches Programa: Administrao de Empresas

Esta tese apresenta um estudo sobre os desafios encontrados no entendimento, definio e implementao dos conceitos de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) por empresas brasileiras, principalmente no que tange s interfaces com os diversos aspectos do Marketing. Os resultados so baseados em pesquisa quantitativa feita com uma amostra de empresas brasileiras de diferentes setores e campos de atuao.

A reviso da literatura, por se tratar de um assunto relativamente novo, apresenta parte da literatura disponvel sobre o assunto no abordando de forma clara e bem definida o tema em questo no Brasil, voltando-se muito para experincias no exterior. Sendo assim, exploraremos o assunto buscando uma viso abrangente de diferentes aspectos enfrentados pelos consumidores, empresas e pela prpria evoluo da teoria de Marketing dentro do universo de RSE, contribuindo para o desenvolvimento da literatura.

Embora esse estudo no apresente recomendaes objetivas sobre como adequar a RSE com o marketing no dia a dia das empresas, discute os estgios de maturao do assunto nas empresas, razes pelas quais os conceitos de RSE foram incorporados e como eles foram incorporados, compromissos que as empresas assumem junto aos diferentes segmentos da sociedade, impactos percebidos, estratgia de comunicao, problemas enfrentados e suas solues, entre outros assuntos relevantes. O estudo indica um amplo espectro de desafios a serem enfrentados pelas empresas, e tambm de estudos futuros e possibilidades de extenso da pesquisa.

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Abstract of thesis presented to COPPEAD/UFRJ as partial fulfillment of the requirements for the degree of Master of Science (M.Sc.)

Responsible Marketing? A study with Brazilian companies Marcelo Amstalden Mller June, 2006

Advisor: Prof. Dr. Srgio Abranches Program: Business Administration

This thesis addresses the challenges present in understanding, defining and implementing the concepts of Corporate Social Responsibility (CSR) by Brazilian companies, especially regarding the interfaces with different aspects of marketing theory. The results presented in this study are based on a quantitative research with Brazilian companies from different sectors and practices.

Literature review, being a recent topic, presents limited material regarding issues towards Brazilian companies. Therefore, this study explore the broadest possible array of aspects faced by consumers, companies and by the marketing theory itself within the CSR field, supporting the expansion of the current body of related literature.

Although the study does not offer conclusive recommendations on the subject, it brings into discussion the current maturity of companies in this field, the reasons why companies adopt the concepts of CSR, how this concepts where implemented, their impact to different stakeholders, main issues faced and their potential solutions, among other important aspects of CSR. The study indicates a broaden spectrum of challenges to be coped, as well as future relevant themes to be further investigated.

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SUMRIO

1 INTRODUO 1.1 Objetivo do estudo 1.2 Formulao do problema 1.3 Relevncia do estudo 1.4 Organizao do estudo 09 10 13 14

2 REVISO DE LITERATURA 2.1 A evoluo da teoria de marketing 2.1.1 Do marketing clssico ao questionamento da tica 2.1.2 Como definir os limites? 2.1.3 O impacto da sociedade ps-moderna 2.2 A evoluo da sociedade de consumo 2.2.1 O despertar do consumidor 2.2.2 O consumidor ps-moderno 2.2.3 O consumidor bem informado 2.3 A evoluo do comportamento das empresas 2.3.1 O despertar da conscincia empresarial 2.3.2 A empresa como agente social 2.3.3 A implementao das aes 28 29 33 21 24 26 16 16 18 19

3 METODOLOGIA DA PESQUISA 3.1 Introduo 3.2 Hipteses a serem verificadas 3.3 Definio das perguntas de pesquisa 3.4 Determinao da populao e caracterizao da amostra 3.5 Coleta e anlise dos dados 3.6 Limitaes do estudo 42 42 43 44 44 46

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4 ANLISE DOS RESULTADOS 4.1 Estatstica descritiva 4.2 Anlises de correlao 48 73

5 CONSIDERACES E RECOMENDAES 5.1 Consideraes 5.2 Campos de pesquisa futura 84 89

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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ANEXOS

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CAPTULO I

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1 INTRODUO

1.1 Objetivos do estudo

O presente estudo tem por objetivo explorar e descrever como algumas empresas no Brasil conciliam aes de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) com suas estratgias de marketing. Para tanto, uma amostra de convenincia composta de 56 empresas atuantes no Brasil ser avaliada no que se refere s implicaes das aes de Responsabilidade Social Empresarial em suas estratgias e atividades.

So comparadas e analisadas, de forma quantitativa, aes de algumas empresas brasileiras que se refiram a Responsabilidade Social Empresarial: como se d o desenvolvimento desse conceito nessas empresas, como se definem prioridades e focos de ao e quais os impactos dessas aes nos resultados.

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1.2 Formulao do problema

A demanda da sociedade brasileira por empresas socialmente responsveis vem crescendo nos ltimos anos (ARNT, 2003, GRAYSON, 2002). Como muitas empresas j esto desenvolvendo programas de atividades de responsabilidade social empresarial, este assunto torna-se ainda mais atrativo para estudos acadmicos. Essa atratividade gerou o conceito dessa dissertao.

Segundo as entidades consultadas (Fundao Brasileira para o Desenvolvimento Sustentvel, Instituto Ethos, Instituto Akatu), acredita-se que existem trs grupos de interesse distintos que exercem presso para que as empresas assumam maior responsabilidade por seus atos e operaes perante a sociedade: O primeiro deles parece ser o consumidor, que teria o poder de pressionar a empresa a mudar seus produtos, adequando-os aos anseios de seus consumidores, via o boicote ou a recusa da compra, afetando diretamente o faturamento das empresas. Esse tipo de mobilizao supe consumidores bem informados sobre os produtos que esto consumindo, sobre as conseqncias diretas e as externalidades causadas por esses produtos e tambm um forte poder de mobilizao desses consumidores para que seu ativismo tenha escala e realmente gere o impacto desejado sobre as empresas. Esse tipo de presso pode ser intermediado pelo ativismo de ONGs e outros rgos sociais que podem ajudar na conscientizao dos consumidores sobre os problemas e tambm colaborar na mediao entre esses consumidores e as empresas. O segundo grupo se refere regulamentao, geralmente feita por agncias reguladoras orquestradas pelos governos ou diretamente por estes, atravs de leis e diretrizes de conduta do mercado. A regulamentao hoje em dia parece ser, de forma genrica, mais branda e liberal do que antigamente, possivelmente resultado da presso dos mercados pela liberalizao mundial ocorrida junto ao processo de globalizao dos mercados e da sociedade (HOBSBAWN, 1997). Mas mesmo assim o papel da regulao ainda

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aparenta ser enorme, e esta pode ser influenciada pelos interesses do governo, pelos interesses da sociedade civil, pelo lobby das empresas, pela vigilncia do terceiro setor e por outros membros da sociedade. O terceiro grupo se refere s prprias empresas e presso existente internamente por mudanas. Internamente no sentido de que prticas globais de responsabilidade social e ambiental, bem como de busca pelo desenvolvimento durvel poderiam ser adotadas inicialmente pelas matrizes de grandes grupos multinacionais, e posteriormente seriam difundidas por toda a organizao, em alguns pases de atuao destas. Possivelmente, as matrizes adotam essas prticas devido s presses que sofrem pelos seus consumidores e pela sociedade como um todo em seus pases de origem, e por isso (pelos dois grupos de razes anteriormente explicados) poderiam adotar uma postura mais responsvel. Mas o que est se discutindo nesse grupo parece ser o efeito em cadeia que essas empresas ocasionariam em pases diferentes, onde as presses originais poderiam nem mesmo ter iniciado, mas onde mesmo assim as filiais seriam orientadas adoo de tais polticas e prticas de governana corporativa.

Assim sendo, considerando os trs grupos apresentados acima, oriundos das conversas com os institutos mencionados, considerou-se as seguintes hipteses para o desenvolvimento deste trabalho:

Hiptese 1: As aes de responsabilidade social empresarial so uma preocupao das empresas no Brasil.

Hiptese 2: As aes de responsabilidade social so adotadas pela presso dos consumidores.

Hiptese 3: As aes de responsabilidade social so adotadas devido regulamentao local do mercado.

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Hiptese 4: As aes de responsabilidade social so adotadas para acompanhar as polticas e prticas das matrizes no exterior.

Hiptese 5: Na percepo das empresas, as aes de responsabilidade social empresarial impactam nos resultados de forma positiva.

Hiptese 6: A comunicao das aes de responsabilidade social est associada estratgia de comunicao e marketing das empresas.

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1.3 Relevncia do estudo

A importncia desse estudo exploratrio descritivo reside na busca por entender, junto a 56 empresas atuantes no Brasil, como o assunto da Responsabilidade Social Empresarial parece ser tratado, o que j foi feito, o que est sendo feito, e o quanto ainda h por fazer. Considerando uma sociedade com tantas injustias sociais como a brasileira, a relevncia da discusso sobre o papel social das empresas ganha importncia. Espera-se que o resultado deste trabalho possa abrir espao para discusses sobre o tema, apontando e identificando caminhos para empresas e consumidores.

importante ressaltar, com a finalidade de delimitao do mbito do estudo, que a escolha da amostra de empresas a serem pesquisadas se deu a partir de pesquisas em base de dados de convenincia do COPPEAD.

Trata de um conjunto amostral com limitaes que podem restringir a analise das situaes encontradas somente amostra de 56 empresas que responderam ao questionrio, podendo apresentar vieses e/ou no representar a realidade encontrada no meio empresarial brasileiro. No se delimitou setores ou ramos de atividades especficos, o que fornece um carter heterogneo ao grupo de empresas pesquisadas.

Entretanto, por ser um estudo de carter exploratrio, os resultados encontrados servem como base para discusses e estudos sobre o assunto, bem como para comparaes futuras sobre a situao aqui apresentada.

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1.4 Organizao do estudo

O presente estudo foi elaborado com a seguinte estrutura:

Captulo 1: apresenta o estudo, seus objetivos, a formulao das questes fundamentais, sua relevncia, abrangncia e forma de organizao.

Captulo 2: se dedica reviso de literatura realizada, introduzindo o pensamento de diferentes autores sobre o desenvolvimento do conceito de Responsabilidade Social do ponto de vista da teoria de marketing, dos consumidores e das empresas.

Captulo 3: aborda a questo da metodologia utilizada no estudo. Descreve os motivos que levaram a escolha de uma pesquisa quantitativa, bem como a metodologia que foi aplicada para descrio e anlise dos resultados.

Captulo 4: traz a anlise dos dados obtidos, buscando a confirmao ou negao das hipteses inicialmente desenvolvidas, a partir dos tratamentos dados aos resultados dos questionrios.

Captulo 5: Apresenta os principais resultados do estudo em forma de concluses e sugestes para estudos futuros.

Em anexo, apresentam-se ainda as correspondncias referentes pesquisa, bem como a cpia do instrumento de coleta de dados utilizado.

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CAPTULO II

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2 REVISO DE LITERATURA

2.1 A evoluo da teoria de marketing

2.1.1 Do marketing clssico ao questionamento da tica

A teoria de marketing teve um grande desenvolvimento nos anos 60, no auge da produo em massa, poca conhecida pelo apogeu econmico do mundo ocidental, chamado de poca de ouro do capitalismo ps-guerras mundiais (Hobsbawn, 1996). Ao final da dcada de 60, vrios pensadores da teoria de marketing analisavam e discutiam a abrangncia de toda a teoria at ento desenvolvida (Kotler e Levy, 1969, Luck, 1969; Bartels, 1974), apontando provveis caminhos para a evoluo desta. O conceito de Kotler e de Levy era o de que o marketing tinha como principal objetivo em uma organizao manter contato constante com os consumidores, sendo o responsvel por identificar suas necessidades, desenvolver produtos para satisfaz-las e comunicar os objetivos das organizaes, no mais pensando apenas em venda de produtos. dessa poca a necessidade de expanso do escopo de marketing para que se incorporassem tambm servios, idias e pessoas. A isso, deu-se o nome de Broadening Controversy (Enis, 1973). A controvrsia vinha da comparao com outra corrente de pensadores, que entendiam o marketing como fundamentalmente baseado em transaes mercantis, no devendo ser expandido para nada que no fosse regido pelas leis do mercado (Luck, 1969). O debate continua at os dias de hoje, mas de forma geral o conceito de expanso do escopo de marketing prevaleceu como o caminho a ser seguido.

Dentro desse conceito de expanso do escopo surge, ainda nos anos 70, uma nova corrente que critica a sociedade de consumo defendida pela maioria dos pensadores da poca e traz discusso o conceito de responsabilidade societal do marketing, ou seja, a responsabilidade que os profissionais de marketing tm perante a sociedade em que estavam inseridos, tanto no presente quanto no futuro (Lazer, 1969; Kotler e Zaltman, 1971; Feldman, 1971; Fox e Kotler, 1980). Essa corrente abriu trs vertentes principais: Marketing Social, Marketing

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Societal (tambm chamada Macromarketing) e Marketing aplicado a organizaes sem fins lucrativos. Como Marketing Social, entende-se a difuso de idias ou programas que visam o bem estar das pessoas ou grupos-alvos de campanhas sociais (Fox e Kotler, 1980). Essa simplificao vem da elaborao das anlises feitas por Kotler e Zaltman (1971), Andreasen (1995) e Brenkert (2002), sendo o foco aqui em organizaes no mercadolgicas, onde existe a necessidade de se vender idias e servios especficos. Pode ser entendido como um modo de apresentar os efeitos no desejados de produtos e servios e estimular os consumidores a adotar um comportamento mais saudvel em detrimento do consumo desses produtos e servios (Fox e Kotler, 1980).

Como Marketing Societal entende-se a preocupao dos profissionais de marketing com o resultado e as externalidades de suas aes num mbito maior do que apenas lucrativo, num mbito de impacto social que essas aes tenham no mdio e longo prazo (chamado por Kotler, 1972, de long-run consumer welfare) de forma inter-relacionada com todos os outros segmentos da sociedade (Bartels, 1974). Esse conceito vem da anlise dos estudos de Hunt (1991) e do modelo de trs dicotomias de Kotler (1972), onde ele analisa os setores lucrativos (empresas com fins lucrativos) e no lucrativos (empresas sem fins lucrativos) por uma tica positiva/normativa, dentro de um ambiente micro (empresas individuais) e macro (sistemas de marketing ou grupos de consumidores).

J o Marketing aplicado a organizaes sem fins lucrativos pode ser confundido com o Marketing Social, o que se justifica pois o escopo do Marketing Social parece ser mais aplicvel nas organizaes no mercadolgicas, o que acaba por incluir parte das organizaes sem fins lucrativos. A diferena fundamental, no caso das organizaes sem fins lucrativos, parece ser a aplicabilidade de conceitos gerais de marketing, como em uma organizao com fins lucrativos, diferentemente de organizaes no mercadolgicas (exemplo: uma campanha para vacinao do ministrio da sade Marketing Social; e uma campanha de vacinao de um hospital particular marketing aplicado a organizaes sem fins lucrativos).

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Todas essas vertentes continuaram a ser discutidas ao passar dos anos, abrindo novos caminhos para que a tica e a moral do marketing fossem questionados, at o presente momento, (Ferrel, 1985; Chonko, 1985, 2000; Gundlach e Murphy, 1993; Sirgy e Lee, 1996; Singhapakdi, 1999; Whysall, 2000; Crane e Desmond, 2002; Halliday e Laurence, 2004), levando s diversas e diferentes concluses acerca do papel do marketing na sociedade moderna e ps-moderna.

2.1.2 Como definir os limites?

A principal crtica feita com relao moralidade e a responsabilidade do marketing diz respeito a quem estaria apto a julgar produtos, servios e idias em nome de outras pessoas. Segundo a idia original de Kotler (1972), os desejos de curto prazo dos consumidores podem muitas vezes ser contraditrios com os desejos de longo prazo (como, por exemplo, o consumo de cigarro). A contradio entre as preferncias de curto e as de longo prazo est presente em modelos de diversas disciplinas, que pretendem explicar o comportamento social dos indivduos como sociologia, psicologia, antropologia. Essa contradio representa um desafio para qualquer tipo de tomada de deciso pelo lado da oferta, seja de produtos, seja de servios.

Quem estaria apto a julgar de forma imparcial, isenta e idnea o que seria bom para as outras pessoas? Os principais crticos da expanso do escopo de marketing (Friedman, Gaski, etc) argumentam, numa viso muito baseada em Adam Smith, que o prprio mercado (os consumidores) se encarregaria de expurgar tais produtos incoerentes no mdio/longo prazo, e que esta seria a forma mais justa e tica de que produtos, servios e idias fossem ajustados para um padro moral mais elevado. Segundo Gaski (1985), que se baseou nas crticas feitas por Friedman (1962, 1970), a responsabilidade social do marketing parece ser esquecer a responsabilidade social. A alternativa parece ser intoleravelmente perigosa.

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Mesmo que ocorram demoras e atrasos no julgamento dos consumidores sobre certos produtos e servios nocivos no longo prazo, eles seriam de menor impacto e mais benficos do que o julgamento de poucas pessoas, tomadores de deciso, sobre o que deve ou no deve ir ao mercado. Alm disso, a crtica que se faz parece ser contrria expanso do marketing para um contexto alm da lucratividade; enquanto o marketing tiver por objetivo o lucro obtido com o produto, servio, idia ou pessoa ele estaria correto. Essa viso parece ser corroborada por Laezniak e Michie (1979), para quem os profissionais de marketing deveriam ter orgulho o suficiente do escopo tradicional da teoria de marketing, se atendo a este escopo somente. De acordo com Crane e Desmond (2002), a viso de Gaski parece ser extremamente bipolarizada e radical, sendo que na verdade, existem diferentes possibilidades de se elevar o padro moral do marketing sem que se apele censura ou que se d poder de deciso a poucas pessoas.

As presses exercidas pelo mercado, por organizaes no governamentais, por agncias regulatrias e outras instituies acabariam por orientar e validar as decises tomadas pelas empresas em seus julgamentos sobre tica e responsabilidade moral, o que tornaria o perigo visto por Gaski muito menos real (Crane e Desmond, 2002).

O que uma anlise emprica sugere parece ser que as empresas tendem a seguir um caminho mais amoral, mais neutro, e encaram as demandas por produtos, servios e idias mais responsveis como nichos de mercado a serem atendidos por aes, produtos e servios voltados a essas demandas especficas (Crane e Desmond, 2002).

2.1.3 O impacto da sociedade ps-moderna

Alm da crise de identidade oriunda da extenso ou no do escopo de marketing para novas reas, sobretudo na rea social, conforme discutido acima, o marketing passa por uma crise de meia idade, onde o conceito genrico de marketing, de forma resumida, se transformou no conceito geritrico de marketing (Brown, 2002). Essa crise mais genrica vem da dificuldade de adaptao do conceito de marketing tradicional, desenvolvido nos anos 60

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no auge da poca de ouro do capitalismo, no auge do mundo moderno, para o mundo psmoderno, fragmentado, individualizado, de comunidades e relacionamento lquidos (Bauman, 2001), onde o prazer imediato e individualizado parece ser valorizado atravs da compra de imagens e de valores.

Na sociedade moderna estabeleceu-se uma ruptura com a tradio, buscando-se formas racionais de organizao social. O indivduo se tornou livre e autnomo, e a acumulao de conhecimentos objetivos sustentou a idia de progresso e de ascenso do homem. O poder de escolha e de deciso sobre os prprios atos na vida foi descentralizado, liberado por todas as camadas sociais. J na sociedade ps-moderna tem-se o incio do reconhecimento das diversidades, com a superao do dilema filosofia versus cincias. Essa superao acarreta na mudana de uma viso social lgico-positivista para uma viso mais qualitativa. Nessa sociedade mais qualitativa, a proliferao de signos, imagens e simulaes por meio da mdia tem papel fundamental na definio de padres de comportamento, de referncias sociais. A idia de caos no parece ser mais temida, mas criticamente vivenciada, atravs da aceitao de vrias narrativas pessoais diferentes, e da procura por realidades temporrias e simuladas (Casotti, 2004).

Sob essa tica, na sociedade moderna o marketing era orientado para a produo em massa, buscando segmentaes de mercado homogneas e a racionalizao de custos atravs da padronizao; dentro desse contexto a teoria se aplicava perfeitamente, visto que fora desenvolvida para esse modo de organizao social. J na sociedade ps-moderna o marketing parece ser orientado para a customizao, para a construo de imagens que sirvam, nas relaes interpessoais, como referncias de valores e de crenas, e que permitam identificao de interesses comuns entre pessoas distintas, mesmo que de forma temporria (Casotti, 2004). Essa grande transformao na sociedade acarreta uma demanda por um marketing nunca antes pensado, o qual precisa ser adaptado, recriado de forma a atender as novas exigncias dessa sociedade.

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Dentro dessa perspectiva mais ampla, a discusso sobre a tica e a moralidade do marketing, bem como de seu escopo, so perfeitamente compreendidas e atuais, sendo da o dilema existente at hoje sobre a extenso do escopo de marketing ou no.

Para que se possa obter um melhor entendimento de como a evoluo da teoria de marketing acima discutida se casa com a evoluo da demanda, discutir-se- no prximo captulo quais os principais aspectos da evoluo da sociedade de consumo.

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2.2 A evoluo da sociedade de consumo 2.2.1 O despertar do consumidor

Desde o incio do sculo XX, o conceito de bem estar dos consumidores tem se desenvolvido principalmente devido presso popular e de classes de consumidores. Essa presso levou, e leva ainda, criao de agncias reguladoras, rgos de fiscalizao e de defesa do consumidor, e outros mecanismos de defesa do consumidor perante as empresas (Solomon, 2002).

Com o crescimento do mercado de massa durante a primeira metade do sculo XX, o que se observou foi uma demanda sempre crescente por diversos bens de consumo, o que deixava as empresas numa posio vantajosa, onde tudo o que se produzia era vendido/consumido. A partir da dcada de 60, principalmente nos Estado Unidos, inicia-se um processo de maior conscincia dos consumidores para com os objetos de consumo, levando ao incio de um movimento conhecido como Consumerismo, cujo incio parece ser dado pela Declarao dos Direitos do Consumidor, em 1962 pelo presidente John F. Kennedy. A partir de ento, os consumidores comearam a se organizar em grupos e a pressionar as empresas por mudanas em seus produtos e servios, de forma a melhor atender as necessidades desses consumidores. Essa presso podia ser exercida de diversas formas, seja por reclamao junto empresa, pela publicao de livros com crticas a certas empresas e indstrias, pela divulgao na mdia de problemas enfrentados pelos consumidores, at por campanhas de boicote de produtos, servios e empresas por parte dos consumidores (Solomon, 2002).

Se por um lado o consumerismo abriu novos caminhos no comportamento do consumidor, sua contrapartida pode ser entendida como o Materialismo. Objeto de estudo de grande importncia desde a dcada de 80, o materialismo, pode ser entendido como a importncia que uma pessoa atribui aos bens materiais e suas aquisies, as quais se transformam em uma forma de conduta necessria e desejada para que se atinjam estados almejados, incluindo a felicidade (Richins e Dawson, 1992). A importncia de possuir bens impacta diretamente na manuteno de vnculos interpessoais, sedimentados atravs de smbolos e21

imagens obtidos atravs de objetos de consumo. Estes smbolos e objetos de consumo tambm transmitem ao seu possuidor uma sensao de localizao e de propsito pessoal. (Burroughs e Rindfleisch, 1997).

Os socilogos e economistas chamam esse consumo de bens e servios que indicam no apenas a sensao de propsito pessoal, mas tambm o avano social e a mudana de status, de bens posicionais. A posio social se definiria, em parte, pela posse ou consumo desses bens e servios. A discusso clssica sobre o assunto parece ser de Fred Hirsch, em Limits to Social Growth (1976). Esses bens somente so posicionais enquanto se mantm escassos, exatamente porque so diferenciadores de status entre as pessoas. Isso parece ser reforado pelo chamado paradoxo Easterlin (Easterlin, 1995), que diz que a felicidade aumenta com a renda relativa, mas parece ser independente de nveis de renda absolutos, ou seja: as pessoas buscam realizao pessoal atravs de bens posicionais com os quais possam se diferenciar dos outros.

O que parece ocorrer, no que concerne ao consumidor, parece ser que no psmaterialismo bens e servios social ou ecologicamente corretos podem se tornar em parte posicionais, transmitindo status ao consumidor, diferenciando-o dos demais como politicamente correto, como cidado responsvel, como se este estivesse ajudando a criar um mundo melhor. Basicamente, a seqncia de etapas que leva a esse tipo de consumo parece ser: primeiro tm-se o consumo militante ou consciente, por parte de concerned consumers, uma minoria pouco representativa que acaba por ser tornar um nicho de mercado; este ento tende a ser adotado pelo marketing das empresas pioneiras, transformando-se em tendncia; uma vez que a tendncia passa a ser absorvida e seguida por um maior nmero de consumidores, esta se generaliza e se populariza. H suspeitas de que esse circuito esteja acontecendo com alimentos orgnicos nos EUA e na Europa, onde este segmento de mercado encontra-se em plena expanso e generalizao (Mattar, 2001, Carlsson et. al, 2003, Britan, 2003, Huberman, 2004).

O paradoxo dessa atividade toda provavelmente parece ser que a demanda por produtos posicionais social ou ambientalmente corretos, no deixa de ser materialista, embora ela se

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destine a realizar uma forma de bem estar que est mais atrelada aos sentimentos de autorealizao e de sucesso pessoal, sentimentos esses que s fazem sentido numa sociedade competitiva. Parece ser difcil distinguir empiricamente o consumo posicional desses produtos do consumo consciente. O impacto final na sociedade, seja atravs do consumo posicional, seja atravs do consumo tribalista - mais ideolgico acaba por ser o mesmo no que se refere mudana da oferta e, por conseqncia, das empresas. Porm, mantendo-se mais na rbita do consumo individualista e materialista do que no consumo tribalista (Cova, 2002, Mattar, 2001, Britan, 2003, Huberman, 2004).

O materialismo parece ser constantemente criticado como sendo o lado negro do comportamento do consumidor (Hirschman, 1991), e vrios autores j encontraram correlaes negativas entre materialismo e bem-estar (Barbera e Grhan, 1997). De forma geral, o materialismo tende a ser visto como sendo uma busca ftil por bem estar atravs da possesso de objetos, mas no necessariamente com um enfoque puramente hedonista, mas tambm de obteno de poder, de controle sobre o mundo materialista em que vivemos (Burroughs e Rindfleisch, 2002). Ainda segundo Burroughs e Rindfleisch, o materialismo parece ser atenuado nas pessoas com forte senso de comunidade. Abordando a questo por esse ngulo, pode-se associar o materialismo como o grande smbolo da sociedade moderna, a busca por constante expresso, posicionamento social e felicidade individual atravs da aquisio de bens. E um comportamento mais anti-materialista e pr comunidade como sendo a tendncia na sociedade ps-moderna. Mas isso no significa que o consumo esteja ameaado, mas sim que o consumo mudou de foco do ter para ser para o ser para ter, ou seja, o consumo passa a ser um modo das pessoas se associarem em comunidades e tribos temporais, resgatando uma sensao de segurana e de referncias perdidas na sociedade moderna (Cova, 2001).

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2.2.2 O consumidor ps-moderno

Visto sob a tica da modernidade versus ps-modernidade, pode-se dizer que o movimento de defesa do consumidor teria seu incio no auge da modernidade, prosseguindo por toda a transio para a sociedade ps-moderna que se vivencia hoje em dia. (Casotti, 2004)

O consumidor moderno se caracterizava por ser centrado, auto-consciente, razovel, objetivo e conclusivo. A relao do indivduo se dava com o objeto de consumo em si. Suas escolhas eram funcionais, buscando tornar sua vida mais prtica. Seu comportamento era previsvel e com pouca variao. As classes sociais serviam como bons segmentadores do mercado. J o consumidor ps-moderno apresenta uma falta de tradio e de referncias, e busca recompor seu ambiente social atravs do consumo. Ele percebe valor no produto pela imagem que este carrega, pelos valores que ele simboliza, pelas relaes interpessoais que este possa proporcionar. O consumidor deixou de ser centrado e racional, passando a procurar o bem estar temporrio, atravs de auto-imagens que os tornem queridos e desejveis em cada situao vivida e na convivncia com os outros (Casotti, 2004).

Segundo Cova (2001), para o homem ps-moderno, produtos e servios servem para satisfazer necessidades de uma maneira personalizada, sendo que uma pessoa pode dar valor a um objeto de uma maneira funcional ou simblica, ou uma mistura dos dois, mas o importante parece ser a expresso dessa pessoa atravs do produto/servio na sua independncia e distino comparado com os outros. As pessoas adotam diferentes estilos de vida no mesmo dia, de acordo com seus desejos de afirmao e de posicionamento no mundo, criando uma identidade prpria, mesmo que temporria e limitada a um crculo de pessoas. Isso se deve a ausncia de referncias modernas e tradicionais na sociedade psmoderna, oriunda da decomposio das sociedades tradicionais.

Essa decomposio da sociedade parece ser explorada por Bauman (2001), para quem ... foi-se a maioria dos pontos firmes e solidamente marcados de orientao que sugeriam uma situao social que era mais duradoura, mais segura e mais confivel do que o tempo de uma vida individual. Foi-se a certeza de que nos veremos outra vez, de que nos

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encontraremos repetidamente e por um longo porvir e com ela a de que pode-se supor que a sociedade tem uma longa memria e de que o que se faz aos outros hoje vir nos confortar ou perturbar no futuro. Essa sensao de perda de referenciais parece ser muito conflituosa para os seres humanos levando-os a uma busca eterna pelo equilbrio segurana versus liberdade, obtidos atravs da vida em comunidade ou individualmente, respectivamente. Essa necessidade de segurana s faz aumentar a busca por comunidades que compartilhem smbolos e mitos que satisfaam necessidades de segurana entre seus membros. Porm essas comunidades no so rgidas, estando constantemente em fluxo (Cova, 2001), sendo informais e temporrias, pois tm que fornecer aos seus membros a liberdade individualista conquistada na modernidade, e a sensao de segurana perdida com a queda dos costumes e referncias tradicionais da sociedade.

Uma forma de criar novas referncias e smbolos se d, hoje em dia, atravs do consumo. Parece ser pela aquisio de bens e servios e pela postura para com estes que se formam novos smbolos e criam-se novas afinidades, novas comunhes entre as pessoas. E isso se reflete tanto na corrente de consumidores materialistas, que utilizam as imagens dos bens adquiridos para se expressar e criar laos com outros consumidores semelhantes (comunidades de marca como Harley Davidson (Solomon, 2001), artigos de luxo como bolsas Louis Vuitton, etc (Brittan, 2000)), quanto dos consumeristas, que utilizam a tica e o julgamento sobre o ato de consumir para criar valores em comum, estilos de vida em comum (produtos orgnicos, produtos socialmente e ambientalmente responsveis, etc), e mesmo dos consumidores materialistas-consumeristas, que buscam identidade atravs de produtos, mas que exigem uma postura semelhante da empresa produtora (Natura, The Body Shop, etc) (Klein, 2002).

dessa forma que a presso dos consumidores viria redefinindo a postura das empresas perante questes sociais e ambientais, forando os conceitos de marketing social, societal e de empresas sem fins lucrativos, vistos no captulo 1, para dentro das prticas empresariais atuais.

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2.2.3 O consumidor bem informado

Outros fatores recentes tambm mudaram o comportamento do consumidor. O uso da internet, por exemplo, coloca a disposio dos consumidores infinitas fontes de informaes sobre empresas, produtos, servios, outros consumidores, associaes de defesa do consumidor e etc, elevando a conscincia destes para o objeto de consumo. Isso permite novas formas de entendimento do impacto do ato de consumir determinado bem ou servio e tambm leva a um questionamento sobre esse consumo, sobre o que poderia ser mudado para que esse consumo fosse mais benfico para o consumidor e para o ambiente onde este est inserido (Klein, 2002).

Esta disponibilidade de informaes faz com que consumidores ativistas criem seus espaos virtuais em defesa de suas causas, e que estes tenham visibilidade internacional e imediata, contrabalanando o poder de informao que antes ficava detido nas empresas e na mdia. O resultado parece ser uma maior vigilncia e presso por parte dos consumidores indita antes do advento da internet sobre empresas para que estas se responsabilizem pelo que fazem, e para que sejam transparentes em suas informaes. Os exemplos mais ntidos dessas cobranas so as manifestaes contra os Fruns Econmicos Mundiais, os movimentos de boicote contra explorao de trabalho infantil e escravo por grandes empresas de roupas e tnis (Nike, Liz Clairbone, Clavin Klein, Disney), e os movimentos de retomada de espaos pblicos sem a presena de marcas e nomes de empresas por grupos de ativistas, chamado Reclaim the streets. (Klein, 2002).

Entretanto, todas essas mudanas no significam necessariamente que o consumidor esteja valorizando uma compra tica em detrimento de uma compra menos tica. Segundo Carrigan e Attalla (2001), consumidores ainda comprariam produtos de empresas antiticas, mas somente por um preo menor o custo da tica pobre. Essa afirmao revela que apesar de toda a evoluo de comportamento, mudanas de organizao social e acesso informao, a velha sensibilidade a preos ainda influencia e muito a escolha dos consumidores. Ainda segundo Carrigan e Attalla, pode-se esperar que os consumidores punam comportamentos antiticos, mas no necessariamente que recompensem

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comportamentos ticos. E ainda consumidores no esto dispostos a passar por nenhuma inconvenincia adicional para que possam consumir eticamente, e preo, valor, tendncias e imagem da marca continuam sendo as influncias dominantes na hora da compra.

A informao sobre as aes de responsabilidade social e ambiental das empresas tem um papel muito importante na educao do consumidor, pois parece ser atravs da mdia que ele se informa (geralmente de forma passiva) sobre comportamentos ticos e responsveis. Entretanto, observa-se hoje em dia uma dificuldade por parte das empresas em saber como, quando e onde divulgar tais aes, sem que estas sejam vistas como propaganda para a venda de produtos. O papel dessa divulgao parece ser o de reforar a boa reputao destas empresas, o que por si s j impacta positivamente a imagem da empresa junto ao seu pblico (Carrigan e Attalla, 2001).

O caminho para que os consumidores realmente exeram seus papis de consumidores conscientes, pressionando empresas e impactando a sociedade como um todo j se mostra iniciado, mas ainda parece ser longo, e demanda muita educao e civismo.

A contrapartida das atividades dos consumidores se d pelas empresas, o que se discutir a seguir.

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2.3 A evoluo do comportamento das empresas

2.3.1 O despertar da conscincia empresarial

A evoluo da teoria de marketing tem impacto direto na evoluo da formao dos profissionais de marketing, podendo impactar tambm no modo como estes desempenham suas tarefas diariamente. A evoluo da sociedade e do comportamento do consumidor ocasiona mudanas na demanda do mercado, e nas oportunidades e ameaas que este oferece s empresas. Ambas as evolues poderiam levar mudana no modo como as empresas atuam e se posicionam no mercado e perante a sociedade.

De modo geral, empresas e sociedade comearam a perceber que os detritos de produzir esto voltando e entrando pelos sistemas de alimentao da economia que, naturalmente, comeam a engasgar (Cherques, 2003). Isso reflete o esgotamento de um sistema de produo, de organizao empresarial, onde cada empresa se preocupava apenas em produzir e vender seus bens, jogando seus detritos na sociedade de forma indiscriminada, e no se preocupando com as externalidades de suas atividades e produtos. Essa foi a guia condutora do comportamento das empresas durante todo o sculo XX, onde apenas no final da dcada de 90 comearam a aparecer movimentos em busca de maior responsabilizao das empresas para com seus efeitos. Desde ento, devido a diversos fatores que sero discutidos mais frente, os movimentos demandando empresas mais responsveis vm ganhando prestgio e poder, potencialmente conseguindo trazer o assunto para discusso e educando empresas e a sociedade em geral sobre a necessidade de mudanas nas formas de produo, em busca de maior responsabilidade ambiental e social (Batista, 2004).

Segundo Nash (1993), So muitas as razes para a recente promoo tica no pensamento empresarial. Os administradores percebem os altos custos impostos pelos escndalos nas empresas: multas pesadas, quebra da rotina normal, baixo moral dos empregados, aumento da rotatividade, dificuldades de recrutamento, fraude interna e perda de confiana pblica na reputao da empresa..

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Dois fatores principais, a degradao provocada pelas empresas e o maior acesso s informaes por parte da sociedade, dispararam o alarme da responsabilidade social, tambm chamada responsabilidade moral social. Ser moralmente responsvel parece ser cuidar para que os resultados das atividades da empresa no repercutam negativamente sobre os seres humanos, incluindo as pessoas que ali trabalham. Isso compreende cada ser humano e a humanidade como um todo (Cherques, 2003).

Ainda, segundo Grayson e Hodges (2002) a qualidade do relacionamento entre uma empresa e as comunidades com as quais ela interage deve ser fator preponderante no sucesso dos negcios.

2.3.2 A empresa como agente social

Um fator importante, que exps ainda mais a degradao causada pela produo irresponsvel, foi a globalizao mundial - das empresas e dos mercados. As empresas passaram a ocupar um espao muito grande na sociedade, outrora pertencente ao Estado, e com isso passaram a ter mais visibilidade e a serem mais monitoradas pela sociedade (Klein, 2002).

Segundo Marcondes Filho (1994), empresas passam a atuar substituindo governos na administrao pblica, no estmulo cultura, no reflorestamento, na construo de redes eltricas, no reparo de ruas, praas e jardins. Em ltima anlise ocupam um espao que outrora havia sido do Estado e que se tornou cada vez mais esvaziado. O Estado retira-se de cena, retrai-se, torna-se menor, menos decisivo e as empresas so cada vez mais ocupantes desse espao, que parece ser o do poder pblico. O impacto dessa tomada de poder pelas empresas parece ser que a sociedade passou a exigir das empresas um comportamento mais social tambm, como seria naturalmente exigido dos Estados.

Com o enfraquecimento do Estado, lacunas relacionadas aos direitos dos cidados surgem e abrem caminhos para um movimento de complementaridade do Estado, o terceiro setor.

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Segundo Sonia Aguiar (1999): Na atual fase de incerteza do processo de globalizao, surgiram "grupos de presso" e organizaes de interesses cujas demandas no dependem especificamente do setor pblico, no sentido do Estado, ou do setor privado, no sentido do mercado, mas muitas vezes de ambos. o chamado "terceiro setor", que tanto agrega grupos de cidados que atuam em interesses prprios, quanto organizaes sem fins lucrativos que se constituem como defensoras de uma populao excluda dos projetos poltico-econmicos dominantes.

Entre os muitos papis assumidos pelo terceiro setor destacam-se, para nossa anlise, o acompanhamento do comportamento das empresas perante a sociedade, e a parceria com estas na busca por melhores e sustentveis prticas empresariais. Programas de responsabilidade social e ambiental so muitas vezes conduzidos por empresas em parcerias com entidades do terceiro setor, cuja capilaridade e flexibilidade permitem um impacto maior na comunidade do que as empresas conseguiriam obter sozinhas (Batista, 2002).

Dentro do aspecto de cobrana das empresas por melhores prticas, o terceiro setor tem desenvolvido tambm um papel educacional, ensinando a sociedade a cobrar empresas por condutas mais ticas, mais responsveis e menos danosas aos diferentes grupos de interesse que orbitam ao redor delas mesmas, e de suas atividades (stakeholders). Exemplos disso no Brasil so os institutos Ethos de responsabilidade social, e Akatu, de consumo consciente (Villares, 2002, Batista, 2002).

A cobrana de responsabilidade das empresas no parece ser um ato simples, pois as recentes inovaes tecnolgicas que vm modificando os sistemas de produo tornaram tudo muito complexo, afastando nosso trabalho de seus efeitos reais. Torna-se cada vez mais difcil associar a atividade aos seus detritos e suas externalidades, bem como estabelecer culpados por estes. Dentro dessa dificuldade, reina a impunidade. Por isso fazse importante ressaltar que a responsabilidade social no substitui a regulao e a legislao, pois o direito parece ser insubstituvel na aplicao da tica e no resguardo da

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moralidade (Cherques, 2003). Mas ela deve ser o condutor moral das pessoas nas empresas na hora de realizarem suas atividades, deve ser a espinha dorsal das empresas.

Uma tentativa de atribuir maior responsabilidade s empresas em todo o mundo iniciou-se em Janeiro de 2000, durante o Frum Econmico Mundial de Davos, onde o secretrio geral da ONU lanou um contrato moral chamado Global Compact, para unir as foras dos mercados autoridade dos ideais individuais, a fim de responsabilizar as empresas por sua conduta. Esse relatrio criado pela ONU consiste de nove princpios fundamentais a serem respeitados pelas organizaes (Estudo Novethic 2004):

1. Sustentar e respeitar a proteo dos direitos do homem dentro de sua esfera de influncia

2. Se assegurar que suas prprias sociedades no sejam cmplices de abusos dos direitos humanos

3. Garantir liberdade de associao e reconhecimento dos diretos de associaes coletivas

4. Eliminar todas as formas de trabalho forado e obrigatrio

5. Abolir o trabalho infantil

6. Eliminar a discriminao no trabalho, em todas as profisses

7. Sustentar uma abordagem preventiva para danos ambientais

8. Assegurar ao menos uma iniciativa para reforar a responsabilidade ambiental

9. Encorajar o desenvolvimento e a difuso das tecnologias pr-ambientais

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Alm da ONU, a OCDE (Organizao para o Comrcio e o Desenvolvimento Econmico) tambm estabeleceu recomendaes aos governos dos pases membros para que estes adotem os seguintes princpios diretores, e exijam o cumprimento destes pelas empresas atuantes em seus territrios (Estudo Novethic 2004):

Transparncia financeira

Respeito aos direitos humanos e as normas de trabalho

Poltica ambientalista

Luta contra a corrupo

Prticas comerciais equilibradas e transparentes, em respeito aos consumidores

Transferncia de tecnologia e de expertise

Adoo de prticas de concorrncia leal

Mesmo com toda a discusso e elaborao de premissas que sirvam de parmetro sobre o que parece ser Responsabilidade Social, ambigidades sobre o conceito existem, e muitas. Segundo Votaw (1973 apud Duarte e Dias, 1986) O termo parece ser brilhante. Ele significa algo, mas nem sempre a mesma coisa, para todos. Para alguns, ele representa a idia de responsabilidade ou obrigao legal; para outros, significa um comportamento responsvel no sentido tico; para outros, ainda, o significado transmitido parece ser o de responsvel por, num modo causal. Muitos simplesmente equiparam-no a uma contribuio caridosa; outros o tomam pelo sentido de socialmente consciente; muitos daqueles que o defendem mais fervorosamente vem-no como uma espcie de dever fiducirio, impondo aos administradores de empresas padres mais altos de comportamento que aqueles

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impostos aos cidados em geral. At mesmo seus antnimos, socialmente irresponsvel ou no responsvel, esto sujeitos a mltiplas interpretaes.

Ainda se pode citar Srour (2000): O conceito de responsabilidade social confere, desde logo, um carter essencialmente associativista ao capitalismo e reveste-o de uma segunda natureza: 1. Conjuga desenvolvimento profissional dos funcionrios e co-participao deles em decises tcnicas, inverses, tanto em segurana como em melhores condies de trabalho, benefcios sociais e participao nos lucros e nos resultados o que traz maior produtividade, mais assiduidade do pessoal e menor rotatividade. 2. Prescreve a no-discriminao e o tratamento equnime para as muitas categorias sociais que habitam as organizaes. 3. Implica parceria efetiva entre clientes e fornecedores para gerar produtos e servios de qualidade e para assegurar durabilidade, preos competitivos e confiabilidade. 4. Supe contribuies para o desenvolvimento da comunidade local e at da sociedade inclusa, atravs da implementao de projetos que aumentem o bem-estar coletivo. 5. Inclui investimentos em pesquisa tecnolgica para inovar processos e produtos, alm de melhor satisfazer aos clientes ou usurios. 6. Exige a conservao do meio ambiente atravs de intervenes no predatrias (conscincia da vulnerabilidade do planeta) e atravs de medidas que evitem externalidades negativas. Tudo isso mostra a amplitude e a complexidade do conceito..

2.3.3 A implementao das aes

Em geral, as empresas enxergam na responsabilidade social a possibilidade de uma imagem de maior valor comercial, da alavancagem de vantagens competitivas, e da diminuio das indenizaes e dos impactos negativos decorrentes dos danos provocados por elas (Mattar, 2001). Mas na verdade a responsabilidade social empresarial tende a ser apenas um dos trs

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ps do conceito chamado Triple Bottom Line, cada vez mais difundido no meio empresarial, no exterior e no Brasil, mesmo que de forma ainda incipiente por aqui (Young, 2001) O conceito consiste na guia mestra da sustentabilidade corporativa onde as empresas, para serem sustentveis, devem se preocupar com os resultados econmicos, ambientais e sociais de suas atividades as trs pernas de sustentao (Young, 2001).

A estratgia de desenvolvimento durvel de uma empresa pode ser classificada em seis diferentes nveis, como ilustrado na matriz abaixo, de acordo com um estudo feito em 2004 pela Novethic chamado Impact du dveloppement durable dans la stratgie des grandes entreprises. Segundo este estudo, dois eixos principais movem as empresas para a busca pelo desenvolvimento sustentvel: a presso imposta s empresas pelas ONGs, pela opinio pblica, pela regulamentao governamental e etc; e a atitude das empresas, as quais podem se antecipar demanda dos stakeholders, ou somente agir sobre presso destes.

Assim, ainda de acordo com o estudo Impact du dveloppement durable dans la stratgie des grandes entreprises de 2004, tem-se as seguintes classificaes para as empresas:

Muita presso

Alvo ideal

Conscientes

Estrategistas

Ameaa Oportunidade

Entrantes

Pr-ativas

Engajadas

Pouca presso34

As estrategistas: submetidos a uma forte presso dos stakeholders, essas empresas integram o desenvolvimento durvel estratgia global da empresa, tirando proveito da situao

As engajadas: diante de presso externa moderada, a adequao do desenvolvimento sustentvel com os valores da empresa permite que se construa uma poltica global de responsabilidade social, inscrita em sua estratgia

As conscientes: em reao s presses do ambiente, o desenvolvimento sustentvel parece ser visto como oportunidades de mercado que se abrem

As pr-ativas: a antecipao das demandas dos clientes orienta a empresa em seus posicionamentos com relao ao desenvolvimento sustentvel

As alvos-ideais: uma presso muito forte os faz reagir por programas de aes que buscam evitar riscos de processos e danos imagem

As entrantes: frente a uma presso limitada, essas empresas esto comeando a se adaptar as normas implcitas de responsabilidade social e ambiental do mercado

Esse posicionamento reflete o estgio em que a empresa se encontra e como ela se relaciona com as presses dos stakeholders por maior responsabilidade social e sustentabilidade. Quando mencionada a presso dos stakeholders, no podemos esquecer da presso que filiais de multinacionais sofrem por suas matrizes para que adotem polticas de responsabilidade e de desenvolvimento sustentvel para se adequar s novas prticas da empresa em todo o mundo. Isso gera uma situao em que em as presses exercidas por ONGs, consumidores, e pela regulao sobre as matrizes de grandes empresas

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multinacionais tem um impacto no apenas circunscrito aos seus pases de origem, mas tambm a outros pases onde essas empresas atuam (Young, 2002, Estudo Novethic, 2004).

Num mundo onde as empresas adquiriram status de Estado (Batista, 2004, Klein, 2002), pode-se supor que as filiais de empresas multinacionais muitas vezes so pioneiras na adoo de melhores prticas de responsabilidade, estando muitas vezes frente das demandas locais, simplesmente para atender uma demanda da matriz em seu pas de origem. Isso poderia gerar um desnivelamento nos mercados locais, que acaba por puxar outras empresas a adotarem as mesmas prticas de forma a equilibrar as vantagens competitivas, beneficiando toda a sociedade local.

Simplesmente por analisar como, quando e porque as empresas comeam a se interessar por Responsabilidade Social Empresarial e por outras aes de desenvolvimento sustentvel, no se pode entender os benefcios que essa orientao pode trazer a essas empresas.

De forma geral, a adoo do desenvolvimento sustentvel como foco estratgico traz benefcios muito tangveis: ganhos de produtividade, reduo de custos, aumento de receitas, acesso a novos mercados e capitais, melhoras no processo ambiental e na gesto de recursos humanos. A reduo dos riscos percebidos da empresa tambm tende a ser significante, o que beneficia o desempenho dessas aes nas bolsas de valores, uma vez que uma empresa com foco em desenvolvimento sustentvel muito provavelmente trabalha com prticas de gesto e controle mais modernas. Outros benefcios, intangveis, tambm podem ser alcanados como a queda do risco de danos a imagem/marca da empresa, maior fidelidade do consumidor, maior capacidade de atrair e manter talentos, reduo do risco social pela mobilizao dos stakeholders, e longevidade das operaes (Young, 2002, Mattar, 2001). Empresas de alimentos, por exemplo, esto se preocupando cada vez mais em promover o consumo alimentar consciente, se precavendo contra possveis processos que os consumidores podero mover contra elas por problemas de sade (obesidade, por exemplo), como aconteceu com as companhias de cigarro num passado recente. (Batista, 2004). Conforme sustentado por Reich (1998) A maior parte das companhias est preocupada com a sua imagem pblica porque vendem produtos direta ou indiretamente ao

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pblico; de fato, empresas gastam bilhes anualmente para lustra a sua imagem pblica. Qualquer coisa que manche essa imagem pode resultar em perda de vendas e tambm pode fazer com que seja mais difcil que a empresa receba permisses de operao, subsdios e outros benefcios discricionrios do governo..

A adoo de aes de responsabilidade social e ambiental por uma empresa pode acabar gerando uma reao em cadeia, pois esta geralmente passaria a demandar que seus fornecedores adotem prticas similares, e isto poderia virar uma grande onda em todo o setor onde essa empresa est inserida. Isso ocorreu com as melhorias de qualidade no incio dos anos 90, com a adoo das ferramentas integradas de gesto no final dos anos 90, e j comeou a ocorrer com a responsabilidade ambiental e est comeando com a responsabilidade social. Essa reao em cadeia pode ser potencializada por normas e certificaes internacionais que atestam o nvel de dedicao e de cumprimento de tais responsabilidades (Estudo Novethic 2004). Uma breve pesquisa na internet (Google) sobre normas existentes a respeito de tica empresarial e comportamento responsvel nos forneceu as seguintes normas abaixo:

ISO9004 Melhorias de capacidade e de desempenho globais da empresa, a fim de satisfazer seus clientes e demais stakeholders

ISO14001 Estabelece e avalia a eficcia dos dispositivos utilizados pela empresa para definir e implementar sua poltica ambiental

OHSAS18001 Busca reduzir e limitar ao mximo os riscos de acidente e de sade decorrentes do trabalho

SA8000 Demonstra as partes interessadas que as polticas, processos e prticas so conformes aos direitos fundamentais do trabalho

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AA1000 Contribui para um dilogo mais efetivo com os stakeholders. Ajuda a empresa a consolidar suas necessidades e aspiraes para melhor gerenciar os desempenhos sociais, ambientais e econmicas

EFQM Progredir com excelncia

SD21000 Inicia, estrutura e programa a implementao de um movimento de desenvolvimento sustentvel.

Segundo o Observatoire sur la Responsibilit Socitale des Entreprises ORSE, em estudo apresentado durante o 3 Frum Europeu para o Desenvolvimento Durvel e uma Empresa Responsvel em 2004, dentro de uma lgica de desenvolvimento sustentvel as empresas podem enxergar a RSE como uma oportunidade mgica de se conciliar tica s prticas empresariais correntes, ou realmente como direo estratgica e de controle de novas prticas de gesto. O importante para a empresa que comea a pensar em RSE parece ser entender que o prazo de retorno dos investimentos feitos em RSE potencialmente ser mais longo e com comportamento diferente dos prazos normais de retorno do mercado.

De forma geral, segundo o estudo acima mencionado, as empresas podem ser posicionadas de quatro formas diferentes com relao adoo de RSE e a sua rentabilidade:

Estratgia da empresa Sem RSE

No rentvel Empresa tem

Rentvel estratgia Empresa em grande dilema

mercantil deficiente, com tico grande possibilidade de

melhorias atravs de RSE Com RSE Desenvolvimento como parte de durvel Desenvolvimento uma como parte de durvel uma

estratgia empresa

militante

da estratgia realmente rentvel

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Alm da rentabilidade, pela qual outrora as empresas eram avaliadas em seu relatrio anual, o qual continha todos os fatos e nmeros relevantes sobre seu desempenho econmico, o advento da sustentabilidade trouxe o relatrio social e ambiental, onde as empresas podem ser avaliadas tambm quanto as suas responsabilidades nestes quesitos (conforme conversas com a Fundao Brasileira para o Desenvolvimento Sustentvel). O mtodo mais conhecido de avaliao e divulgao do grau de responsabilidade social e ambiental de empresas em todo o mundo parece ser o GRI Global Reporting Initiative. Criado em 1997 pela associao americana Coalition for Environmentally Responsible Economies (CERES), o GRI parece ser desde 2002 um projeto das Naes Unidas pelo Meio Ambiente.

O GRI fornece diretrizes de relatrios, destinados a todas as organizaes que desejem criar um relatrio de responsabilidade social e ambiental. Ele consiste de 96 indicadores econmicos, sociais e ambientais que permitem a anlise e comparao de empresas, desenvolvidos com a participao do pblico interessado na empresa, os stakeholders. Os indicadores avaliados acabam por demandar das empresas mudanas em suas prticas e processos, alterando o modelo de gesto e at mesmo a cultura da empresa. A grande vantagem do GRI parece ser que ele permite comparao internacional de empresas, o que parece ser muito interessante para empresas que tem aes em bolsas internacionais ou que captam recursos no exterior (conforme pesquisa na pgina do GRI na internet).

Para empresas mais centradas no Brasil, existe tambm um outro conjunto de indicadores desenvolvidos pelo IBASE Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas, criado em 1997 e que fornece um guia simples para a elaborao de balanos sociais, o que pode ser um bom comeo para empresas centradas no mercado brasileiro (conforme conversas com a Fundao Brasileira para o Desenvolvimento Sustentvel).

Uma deciso importante e difcil para as empresas que decidiram por buscar o caminho das aes de responsabilidade social empresarial parece ser como escolher quais projetos apoiar. Uma pesquisa da revista Consumidor Moderno nmero 71, indica que as empresas tm medo de serem assistencialistas e que buscam projetos que tenham carter

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transformador, que estejam alinhadas com os valores da empresa e que sejam autosustentveis. Uma outra pesquisa conduzida pelo Instituto Akatu, chamada

Responsabilidade Social Empresarial: Um Retrato da Realidade Brasileira, de 2004, indica que as empresas escolhem quais projetos apoiar com foco principal no respaldo de seus clientes, no que seu consumidor valoriza e espera da empresa. Isto comprova que o consumidor tem o poder de orientar as aes de responsabilidade social das empresas, diz Helio Mattar, presidente do Instituto.

Algumas empresas j adotam o conceito de estratgia de marketing social, onde utilizam aes de cunho social pra obter o rejuvenescimento de sua imagem, como foi feito pela Copersucar com o acar Unio, que teve sua imagem rejuvenescida atravs de uma parceria com o Instituto Ayrton Senna (Batista, 2004).

Do ponto de vista do marketing interno (endo-marketing), algumas empresas tambm abrem espao para que seus funcionrios possam se dedicar a causas sociais de forma individual, ou seja, de forma voluntria, associando-se a trabalhos voluntrios coordenados pela prpria empresa ou por entidades do terceiro setor. Isso permite ao funcionrio ter a sensao de fazer o bem, e de se sentir respaldado pela empresa nessa atividade, o que acarreta em mais realizao pessoal atravs do trabalho, e conseqentemente em maior qualidade no trabalho (conforme Instituto Akatu, Estudo RSE: Um retrato da Realidade Brasileira, 2004).

Postas todas essas consideraes, tem-se que a perspectiva futura pode ser de grande envolvimento das empresas em causas sociais e ambientais, buscando a sustentabilidade corporativa, possivelmente diferenciadora das empresas lderes das fracassadas no futuro. E em um pas como o Brasil, to carente de transformaes sociais e com um Estado ausente em vrias frentes sociais, a demanda e a presso por essas transformaes atravs do mundo empresarial e do terceiro setor podero ser mais evidentes, apresentando um potencial ainda maior de renovao e de impacto social.

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CAPTULO III

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3 METODOLOGIA DA PESQUISA

3.1 Introduo

Este captulo apresenta a metodologia de pesquisa utilizada neste estudo. Primeiramente, apresentam-se as hipteses a serem testadas. Em seguida, discute-se como foram definidas a populao e a amostra utilizadas, bem como a forma de coleta de dados. Finalmente apresenta-se a forma de anlise dos dados e as limitaes do estudo.

O objetivo principal deste estudo parece ser investigar a relao entre as atividades de Responsabilidade Social Empresarial e a estratgia de marketing das empresas no Brasil.

Inicialmente, pesquisas e entrevistas foram feitas com a fim de se formar uma base de conhecimento suficiente para a definio das hipteses. Essa fase inicial do trabalho incluiu pesquisas junto ao Instituto Ethos de Responsabilidade Social, Instituto Akatu de Consumo Consciente, Fundo Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentvel (FBDS), Innovest Group, SAM Group, alm de consultas aos sites1) das seguintes organizaes: Ceris, IDIS, Sustainability, GRI. Essas pesquisar resultaram na definio das hipteses a serem testadas.

Posteriormente essas hipteses foram testadas atravs de uma pesquisa quantitativa com 56 empresas, selecionadas em uma amostra de convenincia, as quais responderam a um questionrio sobre o assunto RSE. Detalhes da pesquisa sero discutidos adiante.

3.2 Hipteses a serem verificadas

As seguintes hipteses serviram como guia para o desenvolvimento do presente estudo:

Hiptese 1: As aes de responsabilidade social empresarial so uma preocupao das empresas no Brasil.1) www.ceris.org , www.idis.org.br , www.sustainability.com , www.gri.org

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Hiptese 2: As aes de responsabilidade social so adotadas pela presso dos consumidores.

Hiptese 3: As aes de responsabilidade social so adotadas devido regulamentao local do mercado.

Hiptese 4: As aes de responsabilidade social so adotadas para acompanhar as polticas e prticas das matrizes no exterior.

Hiptese 5: As aes de responsabilidade social empresarial so percebidas pelas empresas atravs do impacto nos volumes de venda e melhora das margens.

Hiptese 6: A comunicao das aes de responsabilidade social est associada estratgia de comunicao e marketing das empresas.

3.3 Determinao do tipo de pesquisa

A definio da metodologia de pesquisa tende a ser um dos itens mais importantes de uma dissertao de mestrado. Segundo Gil (1988) a parte mais complexa na redao de um projeto de pesquisa parece ser constituda, geralmente, pela especificao da metodologia a ser adotada. Isso parece ser aprofundado pela leitura de Leite (1978), que diz que quase sempre a metodologia deve ser ajustada ao problema especfico a ser focalizado na tese.

Segundo Vergara (1997), estudos de carter exploratrio devem ser realizados em reas nas quais h pouco conhecimento acumulado e sistematizado e que, por sua natureza, no comportam que podero surgir durante ou ao final da pesquisa. Estudos exploratrios geralmente se baseiam na literatura disponvel ou em abordagens qualitativas como discusses e entrevistas no estruturadas (Cooper e Schindler, 2002). Os resultados de um estudo exploratrio no se aplicam perfeitamente a tomada de decises, mas eles provm

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idias e experincias interessantes sobre assuntos ainda desconhecidos no podendo, entretanto, serem extrapolados para fora da base amostral. (Cooper e Schindler, 2002).

Estudos descritivos, exploratrios ou no, so os que descrevem informaes e caractersticas da populao ou fenmeno pesquisados. Embora a descrio dos dados seja factual, acurada e sistemtica, o estudo descritivo no pode ser usado para a definio de relaes de causa, onde uma varivel afeta outra. Geralmente um estudo descritivo deve ser precedido por uma pesquisa qualitativa para levantamento dos problemas a serem descritos. (Cooper e Schindler, 2002).

Sendo as aes de Responsabilidade Social Empresarial um assunto relativamente novo junto s empresas brasileiras buscou-se, para o desenvolvimento do presente estudo, a realizao de um estudo exploratrio descritivo, composto de entrevistas e pesquisa qualitativa inicial, e pesquisa quantitativa com 56 empresas de uma amostra de convenincia, analisadas estatisticamente.

3.4 Determinao da populao e caracterizao da amostra

O mtodo utilizado para a amostragem da populao a ser pesquisada foi no probabilstico, definindo-se uma amostra de convenincia a partir da base de dados do COPPEAD, no limitada a nenhum segmento de indstria especfico, buscando-se heterogeneidade e amplitude de escopo.

Definiu-se uma lista longa de empresas de diversos tamanhos, independentemente de estas desenvolverem ou no aes de RSE, ou de pertencerem a entidades e rgos relativos a desenvolvimento sustentvel e governana corporativa ou no.

Um roteiro de pesquisa em forma de questionrio com perguntas fechadas e abertas, descrito nas prximas pginas, foi enviado por correio eletrnico no dia 05 de outubro de 2005, totalidade das empresas presentes na lista longa, formada por 600 empresas. Foi

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reenviado o roteiro no dia 13 de outubro de 2005, e encerrou-se no dia 28 de outubro de 2005, quando foi recebido o ltimo questionrio respondido.

Dos 600 questionrios enviados eletronicamente, 105 foram inutilizados devido a problemas no envio dos correios eletrnicos: erros de endereo, caixa postal cheia, pessoas ausentes da empresa, e pessoas desligadas das empresas, entre outros problemas. Das restantes 495 empresas, 12 empresas (2,4%) responderam se negando a colaborar com a pesquisa por motivos particulares; 16 empresas (3,2%) responderam no ter condies de participar da pesquisa por no terem conhecimento nem interesse pelo assunto, e 56 empresas (11,3%) responderam efetivamente ao questionrio.

3.5 Coleta e anlise dos dados

Devido s caractersticas das informaes necessrias ao desenvolvimento do estudo, a coleta dos dados foi definida como sendo feita atravs de questionrios auto-respondidos por profissionais das empresas selecionadas na amostra. Decidiu-se pela utilizao de um roteiro de entrevista com perguntas fechadas e abertas, a ser aplicado atravs do envio deste para as empresas por correio eletrnico.

O roteiro de pesquisa utilizado consiste de seis partes diferentes: a primeira parte tem como objetivo identificar a empresa em termos de tamanho, setor de atuao e origem; a segunda parte procura identificar o conhecimento da empresa pesquisada sobre o assunto Responsabilidade Social Empresarial; a terceira parte tenta elucidar como ocorre a definio das atividades de RSE empreendidas pela empresa; na quarta parte investiga-se o impacto das aes de RSE para a empresa; na quinta, investiga-se como ocorre a comunicao dessas aes; a sexta e ltima parte busca identificar pontos adicionais que sejam relevantes para a discusso do tema.

Para que potenciais falhas do roteiro pudessem ser encontradas, bem como para adequar as perguntas ao momento de suas respostas, ou seja, para torn-las mais claras e evitar

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ambigidades na compreenso destas pelos respondentes, foi realizado um pr-teste com profissionais escolhidos por convenincia.

Aps o pr-teste, algumas modificaes foram realizadas com o objetivo de aprimorar a redao de certas questes, tornando-as mais objetivas, adequando-as para que os respondentes conseguissem respond-las sem a presena do pesquisador.

A aplicao do roteiro foi realizada sem a presena do pesquisador, ou seja, atravs de auto-aplicao por parte dos respondentes, os quais receberam os questionrios por correio eletrnico.

Aps a seleo da amostra de empresas a ser pesquisada, foi providenciado o endereo, eletrnico dessas empresas, preferencialmente de gerentes e/ou diretores de marketing e, na falta destes, de gerentes ou diretores de RH ou diretamente da lata gesto. Com essas informaes, as empresas foram informadas sobre a pesquisa e convidadas a participarem da pesquisa, tendo sido enviada s empresas a correspondncia copiada no Anexo 1, ao final deste estudo, a qual detalhava o objetivo da pesquisa e apresentava o roteiro a ser seguido uma cpia do roteiro de pesquisa encontra-se no Anexo 2.

As respostas ao roteiro enviado se concentraram nos primeiros dias logo aps o envio do questionrio, da seguinte forma: Do total de 84 respostas obtidas, 36 (42,9%) foram respondidos aps o envio do primeiro correio eletrnico, em 05 de outubro, sendo a distribuio da seguinte forma: 5 respostas no dia 06 de outubro (6%), 10 no dia 07 de outubro (11,9%), 3 no dia 8 de outubro (3,6%), 13 no dia 10 de outubro (15,5%) e 5 no dia 11 de outubro (5,9%). Dia 13 de outubro a segunda solicitao para colaborao com a pesquisa foi enviada por correio eletrnico para as empresas que ainda no haviam respondido. Desta segunda solicitao originaram-se 48 respostas (57,1% do total de respostas obtidas), sendo a distribuio da seguinte forma: 2 respostas (2,3%) no dia 13 de outubro, 4 respostas (4,7%) dia 14 de outubro, 9 respostas (10,7%) no dia 17 de outubro, 12 respostas (14,3%) no dia 18 de outubro, 13 respostas

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(15,5%) no dia 19 de outubro, 5 respostas (6%) no dia 20 de outubro e mais 1 resposta (1,2%) por dia, nos dias 24, 27 e 28 de outubro.

Para testar a validade ou no das hipteses estudadas, as informaes recolhidas nos questionrios foram analisadas com o emprego de estatstica descritiva, atravs da utilizao de freqncias absolutas e relativas, correlaes e testes de significncia.

3.6 Limitaes do estudo

O presente estudo, por se tratar de um estudo exploratrio, apresenta limitaes que devem ser consideradas quando da interpretao dos seus resultados. Conforme observado por Vergara (1997) todo mtodo tem possibilidades e limitaes. Neste estudo, as principais limitaes so:

A no atemporalidade dos resultados obtidos, pois o estudo apresenta um retrato analtico da situao atual, no permitindo inferncias seguras sobre os provveis desenvolvimentos seguidos pelas empresas analisadas;

A reduzida amostra utilizada, que embora prestativa para o desenvolvimento de nossas anlises, pode no refletir de forma realista a situao real das empresas atuantes no pas como um todo, mas apenas as das participantes efetivas da pesquisa;

Limitaes de vis do tipo de seleo (auto-seleo) dos questionrios, ou seja, a resposta ao questionrio dependia nica e exclusivamente do interesse do participante em respond-lo, o que pode gerar distores nas respostas;

Mtodo de coleta de dados no pode assegurar que o respondente foi o visado pelo estudo, podendo o questionrio ter sido respondido por outras pessoas menos capacitadas para o trabalho solicitado;

Erro de no resposta: no se pode inferir o que pensam e sabem sobre o assunto RSE as empresas que no responderam ao questionrio enviado

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A impossibilidade de referncia estatstica devido utilizao de uma amostra no probabilstica; A baixa taxa de respostas (~11%) relativas ao total de questionrios enviados As percepes distintas de cada pesquisado em relao s questes apresentadas, bem como o seu grau de envolvimento pessoal com o assunto RSE, os dois variveis com a avaliao pessoal quanto importncia e utilidade do estudo, com a familiaridade com o mtodo de pesquisa e com possveis interrupes durante a resposta ao questionrio;

A no exausto do assunto por este estudo, que aborda a temtica de forma intensa mas no exaustiva

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CAPTULO IV

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4 ANLISE DOS RESULTADOS

4.1 Estatstica descritiva

As anlises de freqncia simples de cada questo da primeira parte do roteiro de pesquisa aplicado nos fornecem o seguinte perfil da amostra pesquisada:

rea de atuao

Energia Agronegcios Petroqumico Servios Bens industriais no durveis Bens industriais durveis Bens de consumo no durveis Bens de consumo durveis 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50% 55%

Exatamente a metade dos respondentes so empresas atuantes em Servios. Entretanto, no se pode afirmar se isso reflete uma preponderncia de empresas de servios interessadas em atividades de responsabilidade social, uma vez que a pesquisa no nos d subsdio para isso. O que se pode afirmar parece ser que, nesta pesquisa, dentro da amostra de empresas que receberam o questionrio, as empresas voltadas a servios tiveram um interesse maior em responder ao questionrio. Vale ressaltar que, segundo o IBGE, ~55% do PIB brasileira deriva do setor de servios, podendo ser a preponderncia destes nas respostas uma questo de proporcionalidade simples.

Alm das demais opes existentes no questionrio, outras trs atividades foram mencionadas: energia, petroqumico e agro-negcios, sendo que as duas primeiras

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poderiam ser consideradas como insumos para bens industriais, mas agro-negcios se destaca como uma rea diferente das sugeridas pelo questionrio.

Origem do capitalHolands Suio Ingls Portugus Japons Italiano Francs Espanhol Coreano Brasileiro Americano Alemo 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50% 55%

Destaca-se a participao de empresas brasileiras e americanas, que juntas foram responsveis por quase 75% do total de respondentes, com preponderncia de empresas brasileiras.

Nmero de funcionriosmais de 20001 15001 a 20000 10001 a 15000 7501 a 10000 5001 a 7500 4001 a 5000 3001 a 4000 2001 a 3000 1000 a 2000 501 a 1000 251 a 500 0 a 250 0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14% 16% 18% 20%

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Em termos de nmero de funcionrios, o questionrio foi mais respondido por empresas menores, sendo quase 70% das respostas oriundas de empresas com at trs mil funcionrios.

Com esses trs grficos, tem-se que 50% da amostra compem-se de empresas prestadoras de servio, com as demais categorias distribudas de forma equilibrada. Do total das respostas, mais de 50% das empresas tm origem brasileira e 20% origem americana. Alm disso, 70% tm at 3 mil funcionrios. Resumindo: uma amostra muito concentrada na rea de atuao de Servios, com preponderncia de empresas brasileiras, de pequeno e mdio porte.

A segunda parte do roteiro de pesquisa buscou identificar o atual nvel de envolvimento com prticas de RSE das empresas que responderam ao questionrio. O que se pde observar foi uma predominncia individual de iniciantes no assunto, com 40% de participao do total de empresas, e um aparente equilbrio entre empresas realmente atuantes e empresas que esto desenvolvendo uma cultura corporativa no assunto, com 30% de participao cada.

Faz parte da cultura da empresa Atua de forma estruturada Iniciante 0% 10% 20%

30.4% 30.4% 39.3% 30% 40% 50%

Essa distribuio permite inferir que o assunto parece ser significativo para as empresas que responderam ao questionrio, pois 60% destas j esto em estgios de envolvimento mais avanados no assunto. Esse fato nos permite supor que o trabalho de incorporao da RSE nessas empresas parece ser um processo iniciado e com resultados percebidos, seja na atuao, seja na cultura corporativa, ressaltando a preocupao empresarial da amostra de empresas pesquisada para com o assunto. Recuperando a classificao de empresas feita

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pela Novethic no estudo Impact du dveloppement durable dans la stratgie des grandes entreprises de 2004, pode-se dizer que as empresas que responderam ao questionrio classificam-se basicamente entre entrantes, empresas que esto comeando a se adaptar as normas implcitas de responsabilidade social, e engajadas, empresas que constroem uma poltica global de responsabilidade social, alinhada em sua estratgia.

Na terceira parte do roteiro de pesquisa, observou-se como se originam, so estruturadas e como so destinadas as verbas para as atividades de responsabilidade social pelas empresas que responderam ao questionrio.

Motivo da adoo de polticas de RSE27% 24% 21% 18% 15% 12% 9% 6% 3% 0%

Percebe-se a influncia da alta gesto como incentivadora da entrada da empresa no mundo socialmente responsvel, bem como a presso interna de funcionrios, e externa de ONGs no processo de adoo de RSE pelas empresas.

Um motivo citado nas respostas do questionrio foi a cultura da empresa, que sempre teve um papel social e que naturalmente levou a empresa a iniciar atividades de responsabilidade social. Outra influncia importante parece ser a dos clientes corporativos

Co ns Cl um ie nt id es or es co rp or at iv Fu os nc io n Fo rio rn s ec ed or es

Re O N gu G la s m en M ta at riz o no ex te rio Al r ta ge st o Ac Cu io ltu ni st ra as da em pr es a

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que devem, supe-se, pressionar seus fornecedores a adotarem polticas mais responsveis, o que levaria a uma reao em cadeia.

A preocupao com consumidores e com a regulamentao local so os motivos menos citados pelas empresas como catalisadores de atividades de RSE. Isso pode demonstrar uma baixa presso da sociedade civil sobre as empresas no que se refere a serem mais responsveis (consumidores e regulamentao), e uma independncia grande das atividades locais de subsidirias de empresas internacionais.

Alm disso, a baixa participao das matrizes no exterior, mesmo considerando que 50% da amostra parece ser de origem brasileira, pode indicar que no h um alinhamento entre matriz e filiais na adoo de polticas de responsabilidade, estando estas muito mais sujeitas influncia da alta gesto local, da presso dos funcionrios, e das ONGs.

A baixa participao dos fornecedores tambm pode indicar que a presso no ocorre de baixo para cima na cadeia de valor, mas sim de cima para baixo, pela presso dos clientes corporativos, e no pela presso dos fornecedores.

Estruturao das atividades de RSE55% 50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Derivado da Derivado da Sem Definido estratgia estratgia alinhamento com ONGs corporativa de estratgico marketing Atendendo pedidos pontuais Conforme praticas globais

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A estrutura adotada para as aes de RSE parece seguir, em mais de 50% das empresas estudadas, a estratgia corporativa central, podendo indicar uma preocupao com a coerncia e o alinhamento das atividades de RSE com as demais atividades exercidas pela empresas respondentes.

O atendimento a pedidos pontuais de ajuda s empresas, feitos por entidades ligadas a aes comunitrias, parece ser o segundo item mais apontado como fator estruturador das atividades de RSE, ou seja, a empresa potencialmente estrutura suas atividades conforme os pedidos de ajuda e parceria que recebe de outras entidades sem, no entanto, contar com estas entidades na definio das atividades em si, mas apenas na introduo do assunto junto empresa. Isso pode ser reforado pela ausncia de parcerias com ONGs na estruturao das atividades de RSE, identificada na pesquisa.

Oramento de atividades RSE

40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%% faturamento geral % oramento de marketing % oramento de RH Doaes e filantropia Oramento prprio No tem oramento % oramento de comunicaes % oramento de relaes com investidores

No que diz respeito ao oramento dedicado as atividades de RSE, tem-se que mais de um tero das empresas pesquisadas alocam as verbas destinadas a RSE como doaes e

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filantropias, e pouco mais de 20% das empresas analisadas alegaram ter um oramento prprio para essas atividades. As demais, ou responderam no ter oramento para esse assunto, ou derivar o oramento do faturamento/oramento de reas especficas que estejam relacionadas com o desenvolvimento das aes de RSE.

Compromissos, e como estes so avaliados, na definio das aes de RSE

Este estudo visou entender os compromissos com diferentes alvos que as empresas buscam ao definir suas aes de RSE. Nove diferentes alvos foram sugeridos no questionrio como potenciais compromissos: comunidade local, funcionrios, clientes, pblico em geral, prticas gerenciais responsveis, fornecedores, produtos socialmente responsveis, riscos jurdicos e repercusso na mdia.

A escala utilizada para medir esses compromissos foi: sem importncia e de alguma importncia que, somadas, significam sem importncia em nossas anlises, e importante, bastante importante e muito importante que, somadas, representam muito importante.

Abaixo, observa-se as respostas obtidas sobre esses compromissos.Comunidade local50% 40% 30% 20% 10% 0% Sem importncia De alguma importncia Importante Bastante importante Muito importante

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O compromisso com a comunidade local parece ser considerado como muito importante pelas empresas pesquisadas, tendo um total de 45% de respostas como muito importante, e 18% como bastante importante e importante, o que nos resulta em 81% de respostas muito importante. Isso se alinha com o fato mencionado anteriormente, de que funcionrios e ONGs podem ter uma participao significante na presso s empresas pela participao em atividades de RSE, pois funcionrios e ONGs tendem a agir localmente, buscando melhorias na comunidade onde vivem e trabalham. Apenas 19% das empresas pesquisadas responderam que funcionrios so sem importncia (1% sem importncia e 18% de alguma importncia).

Essa presso dos funcionrios pode ser observada pelo grfico abaixo, onde se v que 96% das empresas consideram o compromisso com os funcionrios como muito importante (55% muito importante, 21% bastante importante e 20% importante) na definio das aes de RSE. Essa importncia pode estar relacionada ao interesse das empresas em atrair o funcionrio para as atividades de responsabilidade.Funcionrios 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Sem De alguma importncia importncia Importante Bastante importante Muito importante

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O compromisso com os clientes parece ser visto como menos importante do que o com os funcionrios, embora ainda muito significativo 91% de respostas muito importante mas com uma distribuio diferente de respostas (28% muito importante, 29% bastante importante e 25% importante) contra 9% de alguma importncia. Essa distribuio das respostas muito importante, quando comparada com a de funcionrios, pode indicar que na percepo das empresas o poder de presso do consumidor sobre as empresas para uma atuao mais responsvel no parece ser exercido de forma to intensa quanto o exercido pelos funcionrios.Clientes40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Sem importncia De alguma importncia Importante Bastante importante Muito importante

Com relao ao compromisso com o pblico em geral, este parece ser relevante para as empresas pesquisadas. Todavia, menos relevante do que os compromissos vistos anteriormente, aparecendo como muito importante para 73% das empresas pesquisadas (25% muito importante, 21% bastante importante e 27% importante), contra 27% de sem importncia (21% de alguma importncia e 6% sem importncia), o que por sua vez sugere uma menor presso exercida pela sociedade civil sobre as empresas, alm de potencialmente indicar que as empresas possam perder a viso de que potenciais novos clientes poderiam se interessar por produtos de empresas mais responsveis.

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Pblico em geral30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Sem importncia De alguma importncia Importante Bastante importante Muito importante

O compromisso com os fornecedores parece apresentar a mesma relevncia na percepo das empresas pesquisadas do que o compromisso com o pblico em geral: 73% muito importante (27% muito importante, 27% bastante importante e 19% importante). Essa constatao pode nos sugerir que existe certa presso de baixo para cima na cadeia de valor onde as empresas pesquisadas atuam, por maior responsabilidade social empresarial.

Fornecedores30.0% 25.0% 20.0% 15.0% 10.0% 5.0% 0.0% Sem De alguma importncia importncia Importante Bastante importante Muito importante

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O compromisso com prticas gerenciais foi considerado muito importante por 80% das empresas pesquisadas (39% muito importante, 16% bastante importante e 25% importante) contra 20% de alguma importncia. De forma geral, a idia de responsabilidade parece j estar presente na agenda de grande parte das empresas, seja de forma embrionria (30% das empresas, segunda nossa anlise da pgina 52) ou mais avanada (70% segundo grfico da pgina 52).Prticas gerenciais 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Sem importncia De alguma importncia Importante Bastante importante Muito importante

O compromisso com produtos responsveis apresentou 73% de importncia para (36% muito importante, 21% bastante importante e 16% importante) as empresas pesquisadas, o mesmo nvel que o compromisso com o pblico em geral e com os fornecedores, embora a distribuio do compromisso com produtos responsveis se concentre mais em muito importante do que os outros dois compromissos mencionados. Comparando-se com o compromisso com os clientes (91% muito importante), maior do que com os produtos socialmente responsveis. Ao considerar-se que a relao uma empresa - cliente se d atravs de seus produtos, essa diferena poderia tender a ser menor, pois compromisso com os clientes deveria ser muito semelhante ao compromisso com os produtos que esses clientes compraro. Entretanto supe-ser que, devido amostra ter uma preponderncia de empresas de servio, o produto seria algo potencialmente separado dos clientes para algumas empresas, as quais poderiam no considerar o servio prestado ao cliente como produto.60

Produtos responsveis40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Sem importncia De alguma importncia Importante Bastante importante Muito importante

Encerrando a anlise do compromisso das empresas com assuntos diversos na hora de definir a atuao em responsabilidade social empresarial, tem-se o compromisso com os riscos jurdicos e o compromisso com a repercusso na mdia.

A preocupao com riscos jurdicos apresentou uma importncia significativa (75% de muito importante), porm com uma distribuio de respostas mais concentrada em importante 29%, 25% bastante importante e 21% muito importante. 11% percebem esse compromisso como sem importncia e 14% como de alguma importncia. Esse foi o maior ndice de resposta sem importncia observado entre todos os compromissos pesquisados, podendo indicar que a falta de regulamentao relativa ao assunto possa ter aberto uma brecha para que muitas empresas no vejam ou vejam baixos riscos jurdicos no Brasil.30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Sem importncia De alguma importncia Importante Bastante importante Muito importante

Riscos jurdicos

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O compromisso com a repercusso na mdia apresentou a menor importncia entre todos os compromissos discutidos, sendo considerado muito importante por 63% do total de empresas (18% muito importante, 16% bastante importante e 29% importante). Esse ndice de importncia aparenta ser contraditrio com as demais respostas, uma vez que a mdia geralmente tende a ser um importante meio de se atingir o cliente e o pblico em geral, dois compromissos alvos de alta importncia nas respostas acima. Esse fato pode estar relacionado com o modo como as aes de responsabilidade social so comunicadas, o que ser discutido mais adiante em nosso estudo.Repercusso na mdia30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Sem importncia De alguma importncia Importante Bastante importante Muito importante

De forma geral, na hora de definir o modus operandi das empresas no assunto RSE, as empresas pesquisadas aparentaram apresentar coerncia com as respostas anteriormente dadas, indicando compromisso com interesses diversos na estruturao das atividades de RSE: foco nos funcionrios, clientes e em prticas gerenciais, e considerao por interesses da sociedade como um todo. Todas as categorias de compromisso foram vistas como muito importantes