mariá gonçalves revistada
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Textos, Imagens, entrevista e poesia. sobre Mariá GonçalvesTRANSCRIPT
Revistada Com Mariá Gonçalves
Concepção e Realização:
Cintia Verdi
Daniela Eugênio de Souza
Juliana Solimeo
São Paulo, 03 de Novembro de 2012
Fôlego: estudos e projetos.
Por Daniela Eugênio de Souza
As performances da artista Mariá Gonçalves surgiram a partir de um
estudo e desenvolvimento de seu trabalho que deu início em 2005 em que
abarca esteticamente uma rigidez da forma, cor e composição, trabalhando
com base nas formas e volumes geométricos rígidos, buscando também o
equilíbrio.
No presente momento a artista Mariá vem trabalhando com a matéria
água tanto em seu estado líquido como sólido – o gelo – em suas performances.
A performance realizada em 2012, aos fundos da ala de conveniência do
Centro Universitário Belas Artes de São Paulo a artista se encontrava embaixo
da chuva enquanto ficava a empilhar gelo exaustivamente, já que conforme ela
se movimentava afim de unir as pedras o monte se desfazia, tanto devido ao
derretimento do próprio gelo como a chuva que ajudava acelerando esse
processo. A artista acaba indo até o limite de seu próprio corpo na realização
da performance.
Vídeo da performance
http://vimeo.com/50857985
Os projetos em andamento para realização do Trabalho de Conclusão
de Curso (2013) foram separados em três vídeos, o primeiro em que a artista
ainda trabalha com o gelo, porém agora em um bloco em grande escala onde
Eu que tanto quero tanto posso vezes nada muito faço vezes muito nada faço (Mariá Gonçalves)
Figura 1Mariá Gonçalves .Eu que tanto quero / tanto posso / vezes / nada muito faço / vezes / muito nada/ faço . 2012. Performance_cubos de gelo, chuva – dimensões variáveis
ela sobe e tenta derretê-lo com os movimentos dos pés sobre a pedra de gelo,
indo até o limite de seu corpo, ficando na realização do mesmo ato por um
longo tempo.
Figura 2. MAriá Gonçalves. frame de vídeo, 2012.
No segundo vídeo a artista tenta se afogar embaixo do chuveiro, tendo
em destaque que ela não possui muito fôlego, sendo assim difícil ficar muito
tempo abaixo da água corrente. Já no terceiro vídeo, a artista Mariá tenta ficar
o máximo possível abaixo da água dentro de uma piscina prendendo sua
respiração, tentando superar sua capacidade pulmonar. Sempre tendo como
um dos pontos principais o limite de seu corpo contra a matéria.
Figura 3-5. Mariá Gonçalves. Frames de vídeo, 2012.
Talvez nada fosse tudo...
Por Cintia Verdi
As performances de Mariá Gonçalves de tentativas vazias constroem
trabalhos cheios e volumosos. Da experiência exaltante ao cansaço de uma
ação que apresenta uma linha em que marca o fim de uma extensão. Seu
limite com o do material em uma tentativa de se unirem, mas um limite os
separando, tanto no limite do corpo como no limite da matéria. Atos que
parecem falharem em um objetivo final, tornando uma forma de corrente
fechada.
Para Mariá, o nada muito tem e muito se constrói, é uma criação
insistente para um cansaço e uma exaustão. Como se o corpo e o material a
impedissem, mas a mente com a insistência, seu corpo apresentando a
instabilidade como o gelo ou a água. Seu limite vira a matéria, seu limite a
impedindo de realizar, mas ao mesmo tempo a fazendo fluir como o próprio
elemento da água. Mariá quer o controle do não controlável, a água um
elemento de difícil domínio se reflete as experiências vividas da artista em
locais que enfrentavam os seus limites.
Gelo sobre planta
Análise da obra de Mariá Gonçalves
Por Pedro P. Valente
Eu que tanto quero / tanto posso / vezes / nada muito faço / vezes /
muito nada/ faço
Não foi ao acaso que Mariá Gonçalves escolheu para a realização de
sua performance, o espaço aberto: um jardim (um ambiente urbano, um espaço
arquitetônico) que por sua essência sugere um distanciamento da paisagem
urbana. Porém, situa-se na cidade e despido de telhado o jardim, em nossa
percepção, não está livre das interferências mais diversas.
Esse não acaso, por acaso, se tornou parte viva do trabalho de Mariá,
viva quando opta por realizar seu trabalho mesmo sob as condições climáticas-
a princípio não favoráveis - de chuva e frio. É nesse ambiente, chuvoso, úmido
e frio, desconfortável que dá inicio a sua ação, uma tentativa lúdica no sentido
de intenção e envolvimento por parte da artista, que envolve o espectador,
enquanto empilha, querendo formar uma única construção. Que envolve o
espectador! Durante a execução ouvia-se por parte das pessoas que a
observavam: “Eu queria poder ajudar!”, ou ainda “Porque ela não desiste?”.
Esses questionamentos condiziam com o posicionamento da artista perante
sua ação, é de fato um jogo de construção e equilíbrio, equilíbrio que busca a
consolidação de uma poesia, o embate de construir o não material, o fazer que
se faz ver nada fazer.
A chuva aproxima ainda mais para o espectador da artista do modo
como ela enxerga essa dificuldade de se equilibrar em algo tão imaterial como
a ausência, essa que indica a presença: a água da chuva acelera o
derretimento do gelo e a pilha de gelo não se estabiliza, desmoronando e
formando pequenos agrupamentos de gelo que Mariá incansavelmente
reorganiza em uma nova pilha tentando estabelecer uma harmonia.
Essa superficialidade formal da pilha de gelo tentando ser construída e
constantemente desmoronando, se fragmentando, me remete a algo menos
material, à formação de um pensamento artístico que pela artista é construído
de cristais de água, esses cristais que compõem essa pilha. Assim como Elisa
Campos, em seu texto Planos de clivagem, uma abordagem sobre o olhar;
acredito ser mais imaterial que sua presença, creio que essa pilha seja um
gráfico da construção de sua visão e pensamento artístico. A respeito da
formação dos cristais Elisa afirma: “Poderíamos supor que a construção de um
pensamento ocorra desta forma, através de redes que se criam, se mesclam e
produzem clivagens e com elas difrações que obviamente se diferenciam das
radiações. Cada informação fragmentada sofre novo reagrupamento. Assim
agenciamos os fragmentos que em cada situação se relacionam
diferentemente.”
Mariá usa do material para se propor a ideia, a presença do gelo que, no
caso, sua forma e estado são de extrema efemeridade deixando-se de ser algo
rígido e sólido para revelar sua organicidade essencial.
Mostra-se parte daquilo que a envolve, atenta ao seu redor, externo que
a infiltra e constantemente a desequilibra, mas acaba por adaptar-se, ou
melhor, atualizando-se à condições de forma rígida, racional de buscar uma
forma rígida, estável, harmônica que de conta de se estabilizar e permanecer
em harmonia. Construir uma estrutura sólida que abarque todas suas ideias, o
que é a primeira vista impossível quando pensamos nosso raciocínio como
designo para a construção/materialização de uma ideia, pois o designo,
desenho, está sempre em modificação, é percurso, o saber, o esboçar, o
transformar, é o receber e organizar.
Impossível apenas para esse olhar racional sistemático, arquitetônico do
pensar, porem Mariá, imersa nessa arquitetura, encontrou na frieza da forma o
sentimento de afeto, que acolhe, recebe e guarda valores que constituem a sua
pessoa e sua arte.
Figura 6 – 8.. Mariá Gonçalves, performance. Eu que tanto quero / tanto posso / vezes / nada
muito faço / vezes / muito nada/ façoeu que tanto posso. fotografia: Juliana Solimeo
Trechos de uma conversa com Mariá Golçalvez
Construção de um pensamento...
“Eu comecei a perceber nos últimos tempos como funciona a construção em
meu trabalho e entender os porquês. (..) Eu sou muito ansiosa e preciso muito
produzir o tempo todo, eu estava produzindo, produzindo e produzindo, e
aquilo chegou num ponto que estava ficando maneirista. Já saíam vinte
trabalhos de uma vez só – o que aquilo queria dizer? O que é esse bando de
quadrados? A sensação que dava era que eu fazia muita coisa e não era nada.
E o que é esse nada ? Eu fui pesquisar qualidades do nada e por que o nada e
por que o vazio. Fui pesquisar formas de fazer nada ou de não fazer alguma
coisa. Eu fui entender que talvez a verdade não era fazer nada, mas era
impedir a construção de alguma forma”
Figura 9. Mariá Gonçalves
este, aquele, o outro _ 2009
13 pinturas tempera sobre fabriano pittura 300g-m2 - A3 cada
“Eu fazia vigas, torres empilhando copos americanos. Foram vários testes de
como empilhar e porque empilhar. Cheguei a empilhar quase trinta copos
americanos e aquilo ficava bambando e chegava uma hora que caía e
quebrava. E tudo bem... Construí e construí, para no final não ficar nada. Eu fui
cada vez mais trabalhando com a ideia do acaso e do desequilíbrio”
Entrevista completa acessar em:
http://vimeo.com/50786356
Figura 10. Mariá Golçalves
viga 1_ 2010
copos tipo americano multiuso -
dimensões variáveis
Em seu trabalho de performance feito em junho de 2012 você
também utiliza o gelo. Quando surgiu essa relação com o gelo em
seu trabalho?
Desde 2005, trabalho a partir de formas e volumes geométricos rígidos, linhas
retas, pontas; a composição visual de cada trabalho é pensada ao limite. É-me
intrínseca e pungente a necessidade de construir e realizar vontades, desejos,
projetos artísticos que insaciavelmente pipocam em minha mente. Numa
tentativa de organizá-los e vezes controlá-los, exercito também tentativas de
equilíbrio, de contenção da ansiedade. Realizo então uma série de
investigações na busca pelo controle descontrolado, perímetro entre equilíbrio
e desequilíbrio e, a intenção do acaso – sempre numa tentativa de
desprendimento da racionalidade advinda da compulsão por produzir.
Em 2009, ingresso no grupo de estudos Pittura Astratta do ateliê das artistas
Youliana Manoleva (búlgara, multimídia) e Francesca Langonia (italiana,
arquiteta, aquarelista). Neste momento busco o desprendimento das ações,
pensamentos, e do processo maneirista de trabalho. Os trabalhos realizados
neste período vêm a compor o perímetro 000: (Ver Figura 9: este, aquele, o
outro _ 2009. 13 pinturas tempera sobre fabriano pittura 300g-m2 - A3 cada)
Parto, então, para a união de perímetro 001 – estudos cromáticos a DOSuporte
– 002. Num exercício de destituir o “gesto final” como impedimento físico do
acaso, em 2010, inicia a pesquisa com a matéria água, mais propriamente
água congelada, gelo.
Passo a diluir pigmentos em água congelando-os em diversos recipientes.
Posiciono esses tridimensionais pictóricos em inúmeros papéis e assisto o
processo de desprendimento das cores do plano tridimensional sólido para o
tridimensional líquido e para além do bidimensional perimetrado. Nasce
Perímetro Aberto :
Figuras 11 e 12. Mariá Gonçalves
Processos de desprendimento, 2010.
Guache água, dimensões variáveis.
No presente desenvolvimento de pesquisa para meu Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC) estabeleço a água como matéria e meu corpo como contra-
matéria. Intento o embate, combate físico, de meu corpo contra a matéria,
numa disputa pela maior organicidade.
Na busca pelo abandono geométrico destitui gesto, composição e cor, restam
apenas o essencial, duas matérias: uma agindo sobre a outra na tentativa de
síntese pela anulação uma da outra.
O limite do seu trabalho está próximo ao limite do seu corpo, como
você interpreta esse limite em seu trabalho?
Percebo a água como meu corpo, e meu corpo como água. Busco pelo
perímetro aberto, agora numa expansão – o limite da água é meu limite, meu
limite é o limite da água. É claro que de acordo com cada situação, climática
principalmente, um vencerá, sobressairá, inundará o outro, mas este jogo de
desequilíbrio equilibrado é de meu interesse.
Meu corpo é sensível, frágil. Situações climáticas extremas o marcaram
sensorialmente; desde vivências por largo período sob temperaturas negativas
(mar norueguês com temperatura negativa e sensação térmica de -5ºC,
caminhadas por vias congeladas à -20ºC de temperatura) às sob temperaturas
altíssimas (alto verão nordestino e alto verão italiano com temperaturas
próximas aos 43ºC) e, lugares extremamente úmidos, como Bergen-
NORUEGA, o lugar que mais chove no mundo.
Uma vez assimilado que o processo de produção não ocorre necessariamente
via controle total e absoluto da construção, percebo uma nova gama de
possibilidade de flerte com os perímetros/limites de fundação e equilíbrio das
construções.
Este infinito que é o Perímetro Aberto, contem processos de
desprendimento (Figuras 11 e 12) – as cores que se liquidificam e transitam do
tridimensional ao bidimensional, por exemplo.
Neste jogo do desequilíbrio, passo a investigar o processo de
pertencimento – a construção frágil, “a edificação que balança, mas não cai”.
Os trabalhos seguintes flertam com os limites do ponto de equilíbrio.
Figura 13. Mariá Gonçalves
veneziana persiana, 2010.
Madeira garabeira - 3 recortes de viga de 5x6x50cm cada.
A peça fixa de madeira veneziana persiana consiste em 3 recortes de
viga de 50cm de comprimento cada, afixadas por cavilhas. A peça pode
funciona tanto na vertical quanto na horizontal, daí o título. Construí apoiando
cada recorte de viga no limite do ponto de equilíbrio, como resultado a peça
estática de madeira faz sutil alusão ao movimento.
Para a construção de viga 1 (Figura 10) empilhei 48 copos tipo
americano multiuso. A construção restringe-se ao equilíbrio dos copos, uns
sobre os outros, remetendo à Coluna Infinita de Brancusi. Destaco que não os
copos não são colados ou atados de forma alguma.
Qual é a importância do vídeo em seu trabalho?
Visto que existe grande deslocamento geográfico e que determinadas
ações aconteceram in lócus, utilizarei do recurso do vídeo não só como registro,
mas também como produto final. Há no vídeo a possibilidade de
direcionamento da sensação criada no sujeito que o assiste – posso usar de
uma câmera com olhar subjetivo, mostrando tudo o que vejo e sinto; posso
usar de uma câmera com olhar objetivo, que me “registra”, me vê vendo e
sentindo.
Pode-se aproximar-se do valor (0,0) através das seguintes
possibilidades (deentre uma infinidade delas):
Por Juliana Solimeo
Os trabalhos de Mariá Golçalves em performances lembram-me em
matemática o conceito de Limite, usado em Cáculo de Diferencial e Integrada
para medir o comportamento de uma função. Por vezes, sinto que é um pouco
esse limite que Mariá tenta alcançar intuitivamente ou também de maneira
premeditada. No trabalho em que Mariá equilibra uma torre de copos
americanos, há o objetivo de encontrar o Limite de máximo de copos possíveis
de se equilibrar. O objetivo é chegar até o ponto em que não seja mais possível
equilibrar? Não. Acho que não há um ponto exato a se chegar, e sim apenas
uma percepção da capacidade da matéria descobrir a tendência que os copos
teriam. A busca por entender o comportamento e o ponto no qual a matéria
chega ao limite, por esgotamento da ação. Parece-me que este limite não é
possível de ser definido, nem necessário. E, voltando ao conceito de limite da
matemática, não importa saber o valor exato e sim compreender o que
acontece em torno deste ponto. O gelo em uma temperatura ‘x’ tende a
derreter, os copos até certo número tendem a se quebrarem, em baixo da água
da piscina em um tempo determinado perde-se o fôlego.
Além destas questões matemáticas, também gostaria de aproveitar para
colocar uma imagem do projeto Canteiro de Operações, consiste no
empilhamento de grandes containers de transporte de carga por um guindaste,
em sucessivas e diferentes conformações, com data e hora para acontecer os
empilhamentos dos guindastes. Foi concebido pelo artista plástico José
Resende, pelo filósofo Nelson Brissac Peixoto e pela engenheira Heloísa
Maringoni. Em uma conversa passada ficaram faltando os detalhes deste
trabalho de referência.
Figura 14. intervenção de José Resende de 11 a 30 de Setembro de 2012
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três. - Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
- Respire.
.……………………………………………………………………… - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o
[pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
(Manuel Bandeira)