marcondes, maria ines. disciplinas e integração curricular

Upload: carolina-pimenta

Post on 13-Feb-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/23/2019 MARCONDES, Maria Ines. Disciplinas e Integrao Curricular.

    1/6

    293Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 293-298, dez. 2002Disponvel em

    DISCIPLINAS E INTEGRAO CURRICULAR:HISTRIA E POLTICAS*

    MARIAINSMARCONDES**

    coletnea de textos organizada pelas professoras Alice CasimiroLopes e Elizabeth Macedo rene artigos elaborados por autores

    brasileiros da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ). Inclui tambm a contribuio latino-americana representada pela Argentina, Universidade de Buenos Aires,e europia, representada pelas contribuies portuguesa da Universi-dade do Minho e francesa do Centro de Pesquisas Histricas (CNRS) eda Escola Superior de Altos Estudos em Cincias Sociais (Paris).

    As organizadoras so reconhecidas pesquisadoras do campo do

    currculo e professoras em cursos de Graduao e Ps-Graduao naUFRJ e na UERJ, respectivamente. So tambm membros do Grupo deTrabalho de Currculo da Associao Nacional de Ps-Graduao ePesquisa em Educao (ANPED).

    Trata-se de uma coletnea composta por 8 artigos que tm emcomum o foco no conhecimento escolar e sua organizao naspolticas educacionais e no cotidiano das salas de aula. A inteno daobra problematizar a relao entre integrao curricular e disciplinas

    escolares com base na histria e na poltica.Os autores dos textos discutem o conhecimento escolar organizadoem disciplinas (vistas ainda como indispensveis instrumentos desistematizao de saberes e habilidades), mas no se restringindo maisaos limites disciplinares. Analisam o discurso da integrao curricular

    * Resenha do livro Disciplinas e integrao curricular: histria e polticas, organizado porAlice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo (Rio de Janeiro: DP&A, 2002).

    ** Professora do Departamento de Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio deJaneiro (PUC-RIO).

  • 7/23/2019 MARCONDES, Maria Ines. Disciplinas e Integrao Curricular.

    2/6

    294 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 293-298, dez. 2002Disponvel em

    que est sendo proposto e justificado por mudanas dos processos detrabalho e de organizao do conhecimento no mundo globalizado.Destacam que a possvel identificao nas propostas curriculares deexpresses comuns quelas utilizadas em outros momentos histricos do

    passado no garantia de que os mesmos sentidos e significados sereproduzam, nem que estejam sendo perseguidas as mesmas finalidadeseducacionais.

    A partir disso, faz-se urgente a interpretao dos discursos dasatuais propostas curriculares oficiais, levando em conta a especifici-dade de cada um deles, assim como sua contextualizao poltica,econmica, social e cultural. Fazer essa interpretao uma das tarefasa que os autores dos artigos se propem.

    Trabalhar com a Histria do Currculo reconstruir a histria apartir de mltiplas verses, analisar documentos, estabelecendo relaese correlaes no sentido de reconstruir uma rede de significados. Aofazer essa reconstruo os autores enfrentam a tenso entre aspectosmacro-sociais e as dimenses micro-referentes instituies e as salas deaula onde o currculo se materializa. Se reduzirmos a anlise a umdesses aspectos, corremos o risco de minimizar a complexidade do fazercurricular, defendem os autores. Reler cada um dos documentos para

    reconstruir o cotidiano curricular no tarefa fcil, pois ele se apresentacomplexo, difuso, difcil de captar e desvelar o que est encoberto.A Histria do Currculo possibilita acompanhar a natureza das

    mudanas curriculares, compreendendo a gnese e o desenvolvimentode determinadas categorias que hoje esto presentes, muitas das vezes,com outros significados. Analisar polticas curriculares, tendo comopano de fundo a histria do currculo, um dos objetivos desem-penhados com sucesso pela coletnea apresentada.

    Com base em nossa leitura e na introduo da obra feita pelassuas organizadoras, Lopes & Macedo, fazemos um breve resumo dostextos apresentados:

    O artigo de Luciano Mendes de Faria Filho, Escolarizao, cultu-ras e prticas escolares no Brasil: elementos terico-metodolgicos, de-fende novas perspectivas para a pesquisa sobre a escola em Histria daEducao. O fenmeno da escolarizao estudado pelo autor: de umasociedade sem escolas no incio do sculo XIX ao incio do XXI com a

    quase totalidade de nossas crianas na escola. Tempos, espaos, sujeitos,conhecimentos e prticas escolares so focalizados como elementos-chavedessa anlise. Ao analisar a cultura escolar o autor mostra o surgimento

  • 7/23/2019 MARCONDES, Maria Ines. Disciplinas e Integrao Curricular.

    3/6

    295Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 293-298, dez. 2002Disponvel em

    no currculo brasileiro da seriao e da organizao disciplinar e quais assuas conseqncias para a escolarizao e, dessa, para a cultura socialmais ampla. De acordo com o autor, A escola vai-se constituindo, assim,no apenas no locus privilegiado da cultura e da formao humana, mas

    tambm como um grande mercado de trabalho e de consumo de inme-ros produtos da cada vez mais complexa e poderosa indstria editorial,entre outras (p. 35).

    O artigo de Dominique Juli, Disciplinas escolares: objetivos,ensino e apropriao, por sua vez, discute a pesquisa em histria dasdisciplinas escolares, argumentando que esse campo de estudos develevar em conta os objetivos associados no apenas s referidas disciplinas,mas tambm s prticas reais de ensino e apropriao dos contedos

    por parte dos alunos. O autor apresenta e discute os cuidadosmetodolgicos que os historiadores do currculo devem ter ao substituiras anlises macroscpicas pelo estudo dos funcionamentos internosespecficos de cada escola. Essas duas instncias vm se complementar,oferecendo ao pesquisador um quadro de anlise mais completo eabrangente. O autor conclui dizendo que

    resulta essencial relembrar que toda a histria das disciplinas escolares deve,em um mesmo movimento, considerar as finalidades bvias ou implcitasbuscadas, os contedos de ensino e a apropriao realizada pelos alunos,tal como pode ser medida por meio de trabalhos e exerccios. H umainterao constante entre esses trs plos que concorrem na constituio deuma disciplina e estaramos incorrendo diretamente em graves erros se qui-sssemos ignorar ou negligenciar qualquer um deles. (P. 51)

    Em seu artigo Dominique Juli abarca esses trs plos.

    As organizadoras da obra, Alice Casimiro Lopes e Elizabeth

    Macedo, so tambm autoras do artigo A estabilidade do currculodisciplinar: o caso das cincias. Nele, levantam a hiptese de que, mesmoem currculos transversais (em que a matriz do conhecimento no disciplinar), a fora dos processos de administrao curricular acabariaacarretando a organizao de disciplinas com finalidade de controle dotrabalho docente e/ou para controle das atividades dos alunos. As autorasanalisam o caso da disciplina cincias, em virtude de se tratar do exemplode uma dessas tentativas de produzir uma integrao pela via disciplinar.

    No artigo recorrem aos trabalhos de Ivor Goodson e Boaventura de SouzaSantos, para argumentar que a disciplina escolar diferente da disciplinacientfica.

  • 7/23/2019 MARCONDES, Maria Ines. Disciplinas e Integrao Curricular.

    4/6

    296 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 293-298, dez. 2002Disponvel em

    Silvina Givirtz et al., no artigo intitulado A politizao do curr-culo de cincias nas escolas argentinas (1870-1950), argumentam que oscontedos de ensino em cincias foram selecionados e organizados emdisciplinas de modo a buscar resolver conflitos ideolgicos. No sentido de

    sustentar sua argumentao, apresentam dois estudos sobre as formas comodeterminados assuntos so introduzidos e posicionados no currculo,buscando identificar os componentes ideolgicos dessa seleo e orga-nizao. As autoras tratam especificamente dos campos da astronomia e dacosmografia e das teorias da evoluo. Concluem os autores que existemrelaes complexas entre as cincias naturais, a instituio escolar e apoltica (p. 9).

    O artigo de Elizabeth Macedo, Currculo e competncia,

    analisa como a utilizao da noo de competncias vem responden-do, na teorizao curricular, a novas formas de organizao do saber edo trabalho na sociedade comtempornea. A partir da anlise dosdocumentos curriculares para a educao bsica a autora identificatrs inspiraes principais: a tradio francesa de competncia, ocomportamentalismo americano das teorias de competncia e asabordagens de conhecimento e mercado, que vm dando destaque asaberes no-disciplinares. Compreendendo as polticas da elaboraocurricular como hbridos de muitas tradies em conflito, a autoradefende a necessidade de se buscar entender como se configuram osmecanismos de poder e quais as finalidades sociais de transio docurrculo disciplinar para um currculo orientado por competncias(p. 9). A autora conclui o seu artigo defendendo que a centralidadena noo de competncia, ainda que se utilizando variados elementosdos discursos educacionais construdos ao longo do ltimo sculo ese apropriando de reivindicaes do prprio campo, est aliceradanas demandas postas escola por um novo perfil do mercado

    produtivo (p. 141). O tema instigante e a anlise da autora deextrema atualidade.

    No artigo de Alice Casimiro Lopes, Parmetros curricularespara o ensino mdio: quando a integrao perde o seu potencialcrtico, o foco volta-se para as atuais polticas curriculares para oensino mdio. A autora defende que o potencial crtico do discursosobre currculo integrado encontra-se recontextualizado nos Parme-tros Curriculares Nacionais do Ensino Mdio (PCNEM) a partir de

    processos de deslocalizao de suas matrizes tericas originais e derelocalizao por hibridizao, especialmente, com os discursosderivados das matrizes dos eficientistas sociais (o currculo por

  • 7/23/2019 MARCONDES, Maria Ines. Disciplinas e Integrao Curricular.

    5/6

    297Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 293-298, dez. 2002Disponvel em

    competncias), associados a princpios integradores completamentedistanciados de uma perspectiva crtica (p. 148).

    No artigo de Jos Augusto Pacheco, rea de projecto: umacomponente curricular no-disciplinar, analisada a recente reforma

    curricular portuguesa do ensino secundrio, no que se refere s formasde organizao curricular. O autor trata especificamente da rea doprojeto, que privilegia a interao entre escola e realidade e prope ainverso da lgica curricular da transmisso para o questionamento.Esse artigo tem especial importncia para ns, no Brasil, dado que osprojetos tm sido propostos nas mais recentes reformas curriculares.

    Finalizando a coletnea, o interessante artigo de Alfredo Veiga-Neto, Espao e currculo, focaliza algumas questes relativas

    contribuio do currculo para a constituio do sujeito moderno.Na anlise do autor, tambm pelo currculo que aprendemos aconferir sentidos e fazer uso do espao e, de maneira obrigatoriamenteimbricado, do tempo (p. 11). Segue o autor defendendo a idia deque a integrao e a transversalidade devem ser entendidas comoinvenes curriculares que representam novas configuraes (p. 11).O tema abordado com originalidade.

    Os estudos histricos sobre currculo transformam nosso foco de

    ateno colocando novos questionamentos e nos instigando a continuara pesquisa, colaborando no desenvolvimento de outros estudos, naanlise de propostas curriculares e na constante e necessria reflexosobre as prticas escolares em diferentes nveis e contextos.

    Entre os mritos da obra destacamos, em primeiro lugar, autilizao de uma linguagem clara, portanto de fcil compreenso,mesmo para os no iniciados no campo do estudo e da pesquisa sobrecurrculo. Em segundo lugar, o desenvolvimento de uma anlise

    profunda utilizando autores consagrados no campo da histria e dapoltica. Dentre eles, destacamos a referncia ao autor clssico nahistria do currculo, Ivor Goodson, que tem tentado, com sucesso,construir um arcabouo terico para o estudo da histria dasdisciplinas. Seu trabalho desvela o processo pelo qual determinadasreas do conhecimento so transformadas em disciplinas escolares.Finalmente, destacamos a importante e necessria reflexo sobre temasda atualidade no contexto atual de reformas. Nosso pas vive hoje em

    processo de implantao de vrias reformas curriculares e elas tmsido apresentadas como elementos fundamentais para o alcance damelhoria da qualidade da educao dada pelos sistemas de ensino.

  • 7/23/2019 MARCONDES, Maria Ines. Disciplinas e Integrao Curricular.

    6/6

    298 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 293-298, dez. 2002Disponvel em

    De um modo geral elas tm sido concebidas tendo como base a visode especialistas e de consultores internacionais, deixando em segundoplano a experincia dos seus reais implementadores os professoresdos diferentes nveis de ensino. As dificuldades de implantao e at

    mesmo de entendimento dessas novas propostas nos fazem analisarcom maior cuidado o papel e a importncia do currculo, seu discursoe sua prtica em nossa realidade. Ao buscar subsdios tericos para aanlise desse quadro encontramos na coletnea de Lopes & Macedotemticas como parmetros, competncias e projetos analisadasnos artigos com base em autores de currculo vinculados aos paradigmascrticos e ps-crticos.

    Pelas razes acima descritas, recomendo enfaticamente o livro

    por possibilitar um entendimento mais profundo dessas reformas, suasconseqncias na prtica diria de nossas escolas e na busca dealternativas na superao dos impasses apresentados. O livro trazimportantes subsdios para essa tarefa.

    Por se tratar de obra de contedo crtico, apresenta-se comoleitura indispensvel para pesquisadores da rea, professores dadisciplina Currculo, estudantes de Ps-Graduao e de Graduao.Lembrando que a histria do currculo parte da histria da educao,

    recomendamos tambm o livro para professores e pesquisadores docampo. Sua leitura ser certamente enriquecedora para sua reflexes eanlises.