maquiavel e o seu pensamento político

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1 Maquiavel e o pensamento político. Maquiavel (1469-1527) é um dos mais originais pensadores do renascimento, uma figura brilhante mas também algo trágica. Durante os séculos XVI e XVII, o seu nome será sinónimo de crueldade, e em Inglaterra o seu nome tornou ainda mais popular o diminutivo Nick para nomear o diabo, não havendo pensador mais odiado nem mais incompreendido do que Maquiavel. A fonte deste engano é o seu mais influente e lido tratado sobre o governo, O Príncipe, um pequeno livro que tentou criar um método de conquista e manutenção do poder político. A vida de Maquiavel cobriu o período de maior esplendor cultural de Florença, assim como o do seu rápido declínio. Este período, marcado pela instabilidade política, pela guerra, pelo intriga, e pelo desenvolvimento cultural dos pequenos estados italianos, assim como dos Estados da Igreja, caracterizou-se pela integração das rivalidades italianas no conflito mais vasto entre a França e a Espanha pela hegemonia europeia, que preencherá a última parte do século XV e a primeira metade do século XVI. De facto, a vida de Maquiavel começou no princípio deste processo - em 1469, quando Fernando e Isabel, os reis católicos, ao casarem unificaram as coroas de Aragão e Castela, dando origem à monarquia Espanhola. Maquiavel era filho de um influente advogado florentino, e durante a sua vida viu florescer a cultura e o poder político de Florença, sob a direcção política de Lourenço de Médicis, o Magnífico. Veria também o crepúsculo do poder da cidade quando o filho de Lourenço e seu sucessor, Piero de Médicis, foi expulso pelo monge dominicano Savonarola, que criou uma verdadeira República Florentina. Quando Savonarola, um fanático defensor da reforma da Igreja, foi também ele expulso do poder e queimado, uma segunda república foi fundada por Soderini em 1498. Maquiavel foi secretário desta nova república, com uma posição importante e distinta. A república, entretanto, foi esmagada em 1512 pelos espanhóis que instalaram de novo os Médicis como governantes de Florença. Maquiavel parece não ter tido uma posição política clara. Quando os Médicis retomaram o governo, continuou a trabalhar incansavelmente para cair nas boas graças da família. O que prova que, ou era extraordinariamente ambicioso, ou acreditava de facto no serviço do estado, não lhe importando o grupo ou o partido político que detinha as rédeas do governo. Os Médicis, de qualquer maneira, nunca confiaram inteiramente nele, já que tinha sido um funcionário importante da república. Feito prisioneiro, torturaram-no em 1513 acabando por ser banido para a sua propriedade em San Casciano, mas esta actuação dos Médicis não o impediu de tentar novamente ganhar as boas graças da família. Foi durante o seu exílio em San Casciano, quando tentava desesperadamente regressar à vida pública, que escreveu as suas

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Maquiável e seu pensamento avançado sobre a arte da política.

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Maquiavel e o pensamento político.

 

Maquiavel (1469-1527) é um dos mais originais pensadores do renascimento,  uma figura brilhante mas também algo trágica.  Durante os séculos XVI e XVII, o seu nome será sinónimo de crueldade, e em Inglaterra o seu nome tornou ainda mais popular o diminutivo Nick para nomear o diabo, não havendo pensador  mais odiado nem mais incompreendido do que Maquiavel. A fonte deste engano é o seu mais influente e lido tratado sobre o governo, O Príncipe, um pequeno livro que tentou criar um método de conquista e manutenção do poder político.

A  vida de Maquiavel cobriu o período de maior esplendor cultural de Florença, assim como o do seu rápido declínio. Este período, marcado pela instabilidade política, pela guerra, pelo intriga, e pelo desenvolvimento cultural dos pequenos estados italianos, assim como dos Estados da Igreja, caracterizou-se pela integração das rivalidades italianas no conflito mais vasto entre a França e a Espanha pela hegemonia europeia, que preencherá a última parte do século XV e a primeira metade do século XVI. De facto, a vida de Maquiavel começou no princípio deste processo - em 1469, quando Fernando e Isabel, os reis católicos, ao casarem unificaram as coroas de Aragão e Castela, dando origem à monarquia Espanhola. 

Maquiavel era filho de um influente advogado florentino, e durante a sua vida viu florescer a cultura e o poder político de Florença, sob a direcção política de Lourenço de Médicis, o Magnífico. Veria também o crepúsculo do poder da cidade quando o filho de Lourenço e seu sucessor, Piero de Médicis, foi expulso pelo monge dominicano Savonarola, que criou uma verdadeira República Florentina. Quando Savonarola, um fanático defensor da reforma da Igreja, foi também ele expulso do poder e queimado, uma segunda república foi fundada por Soderini em 1498. Maquiavel foi secretário desta nova república, com uma posição importante e distinta. A república, entretanto, foi esmagada em 1512 pelos espanhóis que instalaram de novo os Médicis como governantes de Florença.

Maquiavel parece não ter tido uma posição política clara. Quando os Médicis retomaram o governo, continuou a trabalhar incansavelmente para cair nas boas graças da família. O que prova que, ou era extraordinariamente ambicioso, ou acreditava de facto no serviço do estado, não lhe importando o grupo ou o partido político que detinha as rédeas do governo. Os Médicis, de qualquer maneira, nunca confiaram inteiramente nele, já que tinha sido um funcionário importante da república. Feito prisioneiro, torturaram-no em 1513 acabando por ser banido para a sua propriedade em San Casciano, mas esta actuação dos Médicis não o impediu de tentar novamente ganhar as boas graças da família. Foi durante o seu exílio em San Casciano, quando tentava desesperadamente regressar à vida pública, que escreveu as suas principais obras: Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, O Príncipe, A História de Florença, e duas peças. Muitas destas obras, como O Príncipe, foram escritas com a finalidade expressa de conseguir uma nomeação para o governo dos Médicis.

A extraordinária novidade, tanto dos Discursos como do Príncipe, foi a separação da política da ética. A tradição ocidental, exactamente como a tradição chinesa, ligava tanto a ciência como a actividade política à ética. Aristóteles tinha resumido esta posição quando definiu a política como uma mera  extensão da ética. A tradição ocidental, via a política em termos claros, de certo e errado, justo e injusto, correcto e incorrecto, e assim por diante. Por isso, os termos morais usados para avaliar as acções humanas eram os termos empregues para avaliar as acções políticas.

Maquiavel foi o primeiro a discutir a política e os fenómenos sociais nos seus próprios termos sem recurso à ética ou à jurisprudência. De facto pode-se considerar Maquiavel como o primeiro pensador ocidental de relevo a aplicar o método científico de Aristóteles e de Averróis à política. Fê-lo observando os fenómenos políticos, e lendo tudo o que se tinha escrito sobre o assunto, e descrevendo os sistemas políticos nos seus próprios termos. Para Maquiavel, a política era uma única coisa: conquistar e manter o poder ou a autoridade. Tudo o  resto - a religião, a moral, etc. -- que era associado à política nada tinha a ver com este aspecto fundamental - tirando os casos em

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que a moral e a religião ajudassem à conquista e à manutenção do poder. A única coisa que verdadeiramente interessa para a conquista e a manutenção do poder manter é ser calculista; o político bem sucedido sabe o que fazer ou o que dizer em cada situação.

Com base neste princípio, Maquiavel descreveu no Príncipe única e simplesmente os meios pelos quais alguns indivíduos tentaram conquistar o poder e mantê-lo. A maioria dos exemplos que deu são falhanços. De facto, o livro está cheio de momentos intensos, já que a qualquer momento, se um governante não calculou bem uma determinada acção, o poder e a autoridade que cultivou tão assiduamente fogem-lhe de um momento para o outro. O mundo social e político do Príncipe é completamente imprevisível, sendo que só a mente mais calculista pode superar esta volatilidade.

Maquiavel, tanto no Príncipe como nos Discursos, só tece elogios aos vencedores. Por esta razão, mostra admiração por figuras como os Papa Alexandre VI e Júlio II devido ao seu extraordinário sucesso militar e político, sendo eles odiados universalmente em  toda a Europa como papas ímpios. A sua recusa em permitir que princípios éticos interferissem na sua teoria política marcou-o durante todo o Renascimento, e posteriormente, como um tipo de anti-Cristo, como mostram as muitas obras com títulos que incluíam o nome anti-Maquiavel. Em capítulos como «De que modo os príncipes devem cumprir a sua palavra» (cap. XVIII) Maquiavel afirma que todo o julgamento moral deve ser secundário na conquista, consolidação e manutenção do poder. A resposta à pergunta formulada mais acima, por exemplo, é que:

«Todos concordam que é muito louvável um príncipe respeitar a sua palavra e viver com integridade, sem astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do nosso tempo mostra-nos que se tornaram grandes príncipes que não ligaram muita importância à fé dada e que souberam cativar, pela manha, o espírito dos homens e, no fim, ultrapassar aqueles que se basearam na lealdade».

Pode ajudar na compreensão de Maquiavel imaginar que não está a falar sobre o estado em termos éticos mas sim em termos cirúrgicos. É que Maquiavel acreditava que a situação italiana era desesperada e que o estado Florentino estava em perigo. Em vez de responder ao problema de um ponto de vista ético, Maquiavel preocupou-se genuinamente em curar o estado para o tornar mais forte. Por exemplo, ao falar sobre os povos revoltados, Maquiavel não apresenta um argumento ético, mas cirúrgico: «os povos revoltados devem ser amputados antes que infectem o estado inteiro.»

O único valor claro na obra de Maquiavel é a virtú (virtus em Latim), que é relacionado normalmente com «virtude». Mas de facto, Maquiavel utiliza-a mais no sentido latino de «viril», já que os indivíduos com virtú são definidos fundamentalmente pela sua capacidade de impor a sua vontade em situações difíceis. Fazem isto numa combinação de carácter, força, e cálculo. Numa das passagens mais famosas do Príncipe, Maquiavel descreve qual é a maneira mais apropriada para responder a volatilidade do mundo, ou à Fortuna, comparando-a a uma mulher: «la fortuna é donna». Maquiavel refere-se à tradição do amor cortesão, onde a mulher que constitui o objecto do desejo é abordada, cortejada e implorada. O príncipe ideal para Maquiavel não corteja nem implora a Fortuna, mas ao abordá-la agarra-a virilmente e faz dela o que quer. Esta passagem, já escandalosa na época, representa uma tradução clara da ideia renascentista do potencial humano aplicado à política. É que, de acordo com Pico della Mirandola, se um ser humano podia transformar-se no que quisesse, então devia ser possível a um indivíduo de carácter forte pôr ordem no caos da vida política.

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Maquiavel: O Percusor Da Ciência Politica

Aproximadamente entre 1512 e 1513, Maquiavel foi demitido, exilado, proibido de ingressar no Palácio Ducal na Itália, foi interrogado várias vezes, foi preso, foi torturado, e não havendo

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nada de prova contra ele foi libertado. A partir dessa experiência, Maquiavel começa a refletir sobre a tirania, bem como resistir à tirania. Seu objeto é o estado real para a conservação da ordem vigente

No inicio da modernidade, o pensamento político sofre uma profunda revolução com o pensamento de Maquiavel. Ele rejeita toda a filosofia política anterior que estava direcionada ao modo de governar. Em sua obra O príncipe, Maquiavel procurou mostrar a verdade efetiva dos fatos, bem como se da de fato a conquista e a manutenção do poder. Para Maquiavel o poder esta distante da ética, ao menos no sentido da teoria política grega.

Maquiavel pode ser considerado o precursor da ciência política, tendo em vista vários aspectos, porem o mais relevante talvez seja o fato do mesmo ser o solo da ação dos governantes. Foi Maquiavel quem primeiro empregou o termo Estado no pensamento político. Maquiavel procurou introduzir a reflexão sobre a "liberdade", bem como a relação do governo com a liberdade do povo. Propunha uma república que considera-se a universalidade dos cidadãos, ou seja, uma ampla participação dos cidadãos no governo.

Acredita no poder da democracia, afirma que a principal arma da republica é o seu povo cuja vida e atividade, bem como sua contínua renovação, devem ser sempre preservadas, dentro de uma constituição aberta e que promova a convergência de todos os segmentos da sociedade rumo aos fins do Estado. Mas para que isso aconteça é fundamental que a republica seja alicerçada na igualdade.Nesse sentido Maquiavel pode ser considerado o precursor da ciência política, por ser uns dos primeiros a refletir sobre o papel do estado face ao pensamento político.

Tudo o que está acontecendo na política hoje tem uma forte relação com o que Maquiavel escreveu. É como se os escritos de Maquiavel servisse de regulamento para os políticos. Talvez se Maquiavel não tivesse existido o mundo seria o mesmo, porque Maquiavel não predispôs o sistema político futuro e sim analisou somente o presente, que não era muito diferente de hoje.

Maquiavel pode ser considerado o precursor da ciência política pelo fato de ter adentrado em temas nunca antes expostos na literatura, em relação à formação e as ações do agente público. Maquiavel foi ousado em dizer, de forma explícita, a maneira como deve comportar-se o homem público para manter-se no poder, ainda que a obra tenha causado espanto por ter dito tão claramente os mecanismos a serem usados pelos políticos.

A busca e a manutenção do poder foram tratadas detalhadamente por Maquiavel, a ponto de ser considerada a referida obra, a bíblia de muitos políticos ao longo da evolução da sociedade. Importante dizer que a obra apesar de escrita por volta de 1500, até os dias atuais os ensinamentos de Maquiavel são estudados por políticos, como também no meio acadêmico, sendo que nenhuma obra alcançou tamanho vulto quanto a obra em tela.

Precursor sim foi Maquiavel, pois até então a sociedade velava opiniões sobre as atitudes dos homens públicos e sequer discutia o comportamento daqueles que faziam do Estado um bem seu. Denota-se que Maquiavel também foi precursor na maneira sarcástica de evidenciar os comportamentos dos políticos que buscam o poder, de forma que tão suave e tranqüila que se quer há maiores incômodos para esses homens.

Autor do século XVI, renascentista, escreveu o livro chamado de o príncipe, onde apresenta a política como ela é, como um político deve agir para se manter no poder. Nesta obra Maquiavel aborda como se conquista o poder e como agir para se manter no poder. Ressalva que o conflito é inerente aos seres humanos. Em seus escritos Maquiavel apresenta a realidade o governante para se manter no poder. O poder gera conflitos, assim Maquiavel alerta que para governar é necessário astúcia e estratégias.

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Desmistificando Maquiavel

Ensaio acerca de sua história, obras e conceitos 

Angela Birardi [email protected] 

Gláucia Rodrigues Castelani [email protected] 2º Ano - História/USP maquiavel .rtf - 56KB

INTRODUÇÃO

"Minha opinião é de que é melhor ser ousado que prudente".

Nosso objetivo, neste pequeno ensaio, é apresentar ao leitor a vida e obra de um dos maiores pensadores da Época Moderna, inovador em seu entendimento da Política e que até hoje influencia gerações de pensadores de diversas áreas de conhecimento. 

Tentaremos, a partir de sua análise da mais importante e conhecida obra - O Príncipe - do secretário florentino Nicolau Maquiavel, entender e esclarecer as polêmicas teorias do pensamento "maquiavélico". Para tanto, nosso intuito no presente texto será fazer uma análise sem lançar mão de conceitos pré-concebidos (como a idéia geral da imoralidade política que se tem sobre sua obra).

Esperamos que o leitor possa desfrutar desse trabalho que aqui introduzimos e que, a partir dele, tenha interesse em conhecer a obra desse pensador - considerado "o fundador da Ciência Política Moderna".  

FLORENÇA NA ÉPOCA DE NICOLAU MAQUIAVEL    

"O homem prudente deve seguir sempre as vias traçadas pelos grandes personagens…".   

A obra que será aqui analisada é um dos livros mais conhecidos e estudados de todos os tempos. E não apenas isso: as análises que constam nele revolucionaram toda a teoria política. A obra de que estamos falando é O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. Está obra contém ensinamentos políticos de como um príncipe deve governar e quais as estratégias que deve usar para manter o seu Estado.

Maquiavel concluiu O Príncipe entre a primavera e o outono de 1513, na cidade italiana de San Casciano. Tudo o que aprendera através da leitura dos homens ilustres do passado e a serviço da república florentina fundiu-se numa filosofia prática e simples, mas profunda. 

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Quando ele pensa nos assuntos políticos, faz uma ligação entre autores antigos e as experiências do mundo moderno. Como resultado de tudo isso temos O Príncipe, que traz ensinamentos de como conquistar Estados e conservá-los sob domínio. Trata-se de um manual para governantes.  

O Príncipe foi dedicado a Lourenço II (1492-1519), potentado da família dos Médicis e duque de Urbino, mas ele não teve tempo de aprender-lhe as lições, pois faleceu logo depois. Porém, outros souberam aproveitá-lo, como o caso do monarca inglês Henrique VIII e o de Catarina de Médicis, rainha-mãe da França, que teria seguido os ensinamentos de Maquiavel ao jogar católicos contra protestantes e ordenar o famoso massacre de 1572. Com isso manteve a soberania para os filhos, indolentes e incapazes de agir maquiavelicamente como a mãe. 

Ela era filha de Lourenço, ao qual tinha sido dedicada a obra que certamente leu interessada.

"Essas e outras histórias de ardis, assassinatos e espoliações de governantes têm sido atribuídas à inspiração de O Príncipe, e chegam a ter algum valor para compreender-lhe o significado. Mas, freqüentemente, servem a penas para deformar-lhes o conteúdo mais profundo e a relevância dentro da história das idéias. Conteúdo e relevância que só podem ser apreendidos quando se conhecem as circunstâncias em que a obra veio à luz, dentro do quadro da vida pessoal do autor e das coordenadas econômicas, sociais e políticas da Europa dos séculos XV e XVI. A essa condições vincula-se a situação especial da Itália, pátria de Maquiavel." (MAQUIAVEL. 1996)  

Na Itália do Renascimento reinava grande confusão. A tirania imperava em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gera situações de crise e instabilidade permanente, onde somente o cálculo político, a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários são capazes de manter o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a posição interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros principados constituem o eixo da administração. Como o poder se funda exclusivamente em atos de força, é previsível e natural que pela força seja deslocado deste para aquele senhor. Nem a religião, a tradição ou a vontade popular legitimam o soberano, e assim ele tem de contar exclusivamente com sua energia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um vazio, que as mais fortes individualidades têm capacidade de ocupar.

"Os condottiere são hábeis nisso. Especialistas na técnica militar, aventureiros e filhos da fortuna, vendem serviço de segurança e conquista ao príncipe que melhor pague. Os pequenos Estados não têm recursos para financiar tropas regulares e não é politicamente possível a criação de exército, pois isso implicava entrega das armas ao povo, fato perigoso para governantes de populações descontentes. Os condottiere adquirem importância crescente e alguns conquistam principados para si e estabelecem alianças com reis, cardeais e papas.

Esse panorama fluido e mutável, de um país dividido em múltiplos Estados, contrasta com a situação da maior parte da Europa ocidental, em que alguns governos enfeixam todo o poder. A Itália sofre as conseqüências de um permanente intervencionismo. Os principados italianos apelam freqüentemente para as monarquias absolutas européias, a fim de solucionar as disputas internas; com isso a Itália torna-se vítima impotente. Alguns pequenos Estados

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sofrem a soberania do Império Germânico, e França e Espanha disputam a posse de vários de seus territórios." (MAQUIAVEL. 1996)  

É estranho que tudo isso acontecesse num país cuja economia tinha conhecido muito antes as formas responsáveis pelo poderio espanhol, francês e inglês. Na verdade, o capitalismo comercial já tinha quase dois séculos na Itália quando surgiu nos demais países e fundamentou as monarquias absolutistas. Mas seu desenvolvimento na península foi diferente e a congelação do capitalismo italiano parece ter resultado do próprio êxito econômico, expressado sob a forma de uma expansão bem sucedida do capital mercantil e financeiro. A nascente economia comercial italiana, a partir do século XI, articulava-se com o mundo feudal circulante, estreitando vínculos de dependência recíproca.

A clientela era constituída pela Igreja, Estados feudais, grandes senhores de terras, cortes aristocráticas e camadas superiores da burguesia, assim como pelas coroas representativas dos interesses dos novos Estados nacionais europeus. As necessidades de consumos desses setores especializaram a economia na produção de tecidos caros, no comércio de especiarias do Oriente e nos negócios bancários com os potentados dos demais países. Essa solidariedade entre a economia italiana e as condições e contradições características da Europa medieval acarretará sua ruína, quando ocorrer a decadência da ordem feudal. Por outro lado, a relativa facilidade com que os senhores feudais são afastados do poder nos núcleos burgueses mais fortes elimina a necessidade de unificação nacional como tarefa socialmente necessária. A burguesia dispensa o monarca como peça essencial para submeter os senhores feudais, como ocorreu no caso clássico da França. Ela mesma se concebe como aristocracia reinante, mas a organização estatal resultante sofre de uma debilidade insanável, mostrando-se totalmente incapaz de fazer frente aos gigantescos aparelhos de Estado, em vias de aparecimento.

A produção manufatureira, instalada nos territórios dos antigos clientes italianos, procura ampliar mercados, abaixando os preços dos produtos e estabelecendo medidas de rígida política protecionista. Apesar disso, a decadência acentua-se, especialmente depois da queda de Constantinopla para os turcos, em 1453, e da descoberta do caminho marítimo para as Índias em 1494, acontecimento que deu primazia aos portugueses e espanhóis no comércio com o Oriente.

A fraqueza militar e política da península, já no começo do século XIV, representa forte impedimento para expansão e acumulação de capital. Periodicamente, organizam-se progrons antilombardos e as cidades italianas não têm como se garantir das declarações de falência dos reis europeus. A Itália é, assim, desarmada política, militar e institucionalmente pelo anacronismo da organização das cidades-Estado e pela ausência de liderança central incontrastável. A essas razões acrescenta-se a política temporal do papado que, não sendo suficientemente forte para reduzir todos os Estados ao seu domínio, não é também tão fraca a ponto de impedir a unificação, através da figura de um príncipe secular.

No século XV são evidentes os sintomas da decadência. Florença envia seu último navio para a Inglaterra em 1480. Lourenço, o Magnífico (1449-1492), e Júlio de Médicis (1453-1478) instalam manufaturas de lanifício no arquipélago britânico e 33 barcos florentinos transferem suas sedes para Lyon, na França.

É nesse panorama de crise econômica que nasce Nicolau Maquiavel, no dia 3 de maio de 1469, filho de Bernardo, advogado pertencente aos ramos mais pobres da aristocracia toscana. Do fim da sua adolescência em diante sua biografia confunde-se com a história de Florença e da Itália, da qual não pode ser desligada sob pena de não ser possível compreender-lhe o significado.

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Em 1594 quando os Médicis são expulsos de Florença e instala-se o severo regime republicano do monge Savonarola, Maquiavel inicia-se na vida pública trabalhando na chancelaria em cargos de pouca importância. Quatro anos depois, a oposição interna, sustentada pelo papa Alexandre VI, depõe, enforca e queima Savonarola, e Maquiavel é indicado para o posto de Segundo Chanceler da República.

Como funcionário permanente, é mero executor das decisões dos ottimati, em nome dos quais administra os negócios e relações externas da república. É comissionado no conselho dos dez da guerra e enfrenta os problemas decorrentes da decadência do império florentino em relação às cidades vizinhas, apoiadas por potências estrangeiras. Especialmente importante é a longa guerra contra Pisa, bastião comercial e principal escoadouro dos produtos de Florença. O episódio mais marcante do conflito é o da participação do condottiere Paolo Vitelli, comandante das tropas florentinas. Depois de algumas vitórias significativas, Vitelli detém-se às portas da cidade inimiga. Alega razões de conveniência militar e nega todas as acusações de ter-se vendido aos pisanos, mas, apesar dos protestos de inocência, é executado.

"A ‘questão Vitelli’ suscita pela primeira vez um dos temas permanentes da obra de Maquiavel: a necessidade de organização de uma milícia nacional, formada por soldados locais disciplinados. A soberania política - pensa ele - depende de exército próprio, constituído por soldados leais a convencidos de que lutam pela causa da pátria." (MAQUIAVEL. 1996)

Em setembro do mesmo ano do ataque frustado a Pisa celebra-se finalmente a paz entre Florença e França, que até então apoiava Pisa, mas agora necessitava de mãos livres para dominar o reino de Nápoles. Ao mesmo tempo, a intrincada política italiana da Renascença faz com que os franceses se aliem também ao papado, pondo em cheque os interesses florentinos em Rimini, Pesaro, Urbino, Faenza e Imola. Apesar disso, em 1499, as tropas franco-florentinas atacam e sitiam Pisa, mas não conseguem a vitória. O soberano francês, Luís XIII, atribui o fracasso à estreiteza da burguesia de Florença, incapaz de cuidar devidamente do aprovisionamento das forças, e Maquiavel é enviado à corte do monarca, como assessor de Francesco della Casa. Com os franceses aprende como era insignificante o peso de um Estado pequeno como Florença nas relações internacionais e, principalmente, que se deve confiar pouco em aliados demasiadamente poderosos.  

Outras embaixadas seriam feitas pelo secretário florentino, junto a Cesare Bórgia (1475-1507) e ao papa Júlio II, e com ambos aprenderia também lições fundamenteis sobre a ciência e a técnica da política: Cesare Bórgia, filho do papa Alexandre VI e poderoso condottiere, invade Faenza em 1501 e avança sobre Florença, exigindo o retorno dos Médicis e um contrato como defensor da cidade. O território florentino do Val de Chiana se subleva e facilita a entrada do invasor. Enquanto isso, os aliados franceses hesitam em socorrer Florença e a república ameaçada envia Maquiavel, juntamente com Francesco Soderini, bispo de Volterra, para parlamentar e ganhar tempo de invasor. Finalmente as tropas francesas decidem intervir e as forças do condottiere abandonam os territórios ocupados.

"O episódio tem grande importância para Maquiavel, porque foi o primeiro encontro com aquele que viria a ser o modelo de O Príncipe e por fazer germinar uma parte de sua produção teórica posterior. Encarregado de fazer um relatório sobre como tratar os revoltos do Val de Chiana, Maquiavel afirma ser a história a mestra dos atos humanos, especialmente dos governantes, e que o mundo sempre foi habitado por homens com as mesmas paixões, sempre existindo governantes e governados, bons e maus súditos. Aqueles que se rebelam devem, portanto, ser punidos." (MAQUIAVEL. 1996)  

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"A despeito da criação das milícias e de todo o empenho de seu chanceler, a carreira política de Maquiavel estava para sofrer sério abalo. Enquanto Florença alia-se aos franceses, o papado inclina-se pela Espanha e a oposição de interesses tem como resultado a derrocada dos governantes da cidade. Um pequeno exército cerca Florença e, ao mesmo tempo, eclode um levante interno pelo retorno dos Médicis. O golfanoleiro Piero Soderini é destituído do poder e Maquiavel não tem mais lugar na nova ordem das coisas. É preso, torturado, acusado de sedição e confinado em sua propriedade particular em San Casciano." (MAQUIAVEL. 1996) 

Em San Casciano, Maquiavel procura reconquistar os favores da família que reassumira o poder; escreve O Príncipe e o dedica a Lourenço de Médicis. Não atinge o intento na extensão desejada, mas de qualquer forma consegue voltar para Florença.

Em 1527, o saque de Roma pelas forças do imperador Carlos V, do Sacro Império, liberta Florença do jugo dos Médicis. O acontecimento é saudado por Maquiavel, que via nele a possibilidade de voltar ao comando da chancelaria. Mas os novos poderosos da república esqueceram-se do amor que ele sempre teve pela cidade e por sua liberdade. Foi o último de seus desapontamentos. Falece no dia 21 de junho de 1527.  

ANÁLISE GERAL DA OBRA - O PRÌNCÍPE    

"Toda ação é designada em termos do fim que se procura atingir".   

O Príncipe é dirigido a um príncipe que esteja governando um Estado e o aconselha sobre como manter seu governo da forma mais eficiente possível. Essa eficiência é a ciência política de Maquiavel.

Ele começa descrevendo os diferentes tipos de Estado e como cada tipo afeta a forma de governo do príncipe. Também ensina como um príncipe pode conquistar um Estado e manter o domínio sobre ele. Por exemplo, no caso dos principados hereditários, por já estarem afeiçoados à família do príncipe, é mais fácil de mantê-los: é só continuar agindo de acordo com seus antecessores. E mesmo que o príncipe não seja bom e acabe perdendo o Estado, ele o readquire por pior que seja o ocupante.

Entretanto, o difícil é manter os principados novos que na verdade não são novos, e sim mistos por terem sido incorporados a um Estado hereditário. Diz que "as sua variações nascem principalmente de uma dificuldade comum a todos os principados novos, a saber, que os homens mudam de boa vontade de senhor, supondo melhorar, e estas crenças os fazem tomar armas contra o senhor atual. De fato, enganam-se e vêem por experiência própria haverem piorado. Isso depende de outra necessidade natural e ordinária que faz com que um novo príncipe careça ofender os novos súditos com a sua tropa e por meio de infindas injúrias, que acarreta uma recente conquista." (MAQUIAVEL. 1996) 

Portanto, são inimigos do príncipe todas as pessoas que se sentiram ofendidas com a ocupação do principado. Também não se pode ter como amigo aqueles que o colocaram ali, pois estes não podem ser satisfeitos como pensavam. Porém é necessário ter cuidados e não usar contra eles "remédios fortes", pois o príncipe depende deles, e mesmo que tenha um exército forte é necessário a ajuda dos habitantes para entrar numa província.

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É interessante notar que Maquiavel apresenta os problemas e as dificuldades, e isso tudo é demonstrado de uma forma que perece não haver solução. Porém, logo em seguida ele apresenta não só a solução para os problemas como também conselhos, os quais o governante deve seguir se quiser ser bem sucedido. Seguindo o mesmo raciocínio, se um príncipe anexa um Estado a outro mais antigo, e sendo este da mesma província e da mesma língua, ele será facilmente conquistado. Porém, para mantê-lo deve-se extinguir o sangue do antigo governante e não alterar as leis nem os impostos. Agindo dessa forma, em pouco tempo está feita a união ao antigo Estado.

No entanto, surgem dificuldades quando se conquista uma província de costumes, língua e leis diferentes. Nesse caso é preciso que o príncipe tenha habilidade e sorte. O melhor é ir o príncipe habitá-la, pois assim poderá perceber os problemas e tentar solucioná-los mais rapidamente. E estando o príncipe mais perto, os súditos ficam satisfeitos, os ataques externos serão mais raros e é muito mais difícil o príncipe perder a província, mas ele não fizer nada disso ele só terá notícias delas quando esta já estiver perdida.

"Outro remédio eficaz é organizar colônias, em um ou dois lugares, as quais serão uma espécie de grilhões postos à província, pois é necessário fazer isso, ou ter lá muita força armada. Com as colônias não se gasta muito, e sem grandes despesas podem ser feitas e mantidas. Os únicos prejudicados com elas serão aqueles a quem se tomam os campos e as casas, para dá-los aos novos habitantes. Mas os prejudicados sendo minoria na população do Estado, e dispersos e reduzidos à pobreza, não poderão causar dano ao príncipe, e os outros que não foram prejudicados deverão por isso aquietar-se, por medo de que lhes aconteça o mesmo. Enfim, acho que essas colônias não custam muito e são fiéis; ofendem menos, e também os ofendidos não podem ser nocivos ao príncipe, como se explicou acima. Deve-se notar que os homens devem ser mimados ou exterminados, pois se se vingam de ofensas leves, das graves já não podem fazê-lo. Assim, a injúria que se faz de ser tal, que não se tema a vingança.

Mas conservando, em vez de colônias, força armada, gasta-se muito mais, e tem de ser despendida nela toda a receita da província. A conquista torna-se, pois, perda, e ofende muito mais, porque prejudica todo o Estado com as mudanças de alojamento das tropas. Estes incômodos todos os sentem, e todos por fim se tornam inimigos que podem fazer mal, ainda batido na própria casa, por estas razões, pois, é inútil conservar força armada, ao contrário de manter colônias.

Também numa província diferente por línguas, costumes e leis, faça-se o príncipe de chefe e defensor dos mais fracos, e trate de enfraquecer os poderosos da própria província, além de guarda-se de que entre por a caso um estrangeiro tão poderoso quanto ele." (MAQUIAVEL. 1996)

A passagem do livro citada acima é uma das mais interessantes, engraçadas e que ao mesmo tempo não deixa de ser contemporânea. Como se pode notar, o autor pensou nos mínimos detalhes para que o príncipe seja bem sucedido na sua conquista. E o mais interessante é que nesses parágrafos pode-se perceber que, de acordo com os seus ensinamentos, os fins justificam os meios, muito embora isso não esteja escrito dessa forma. Entretanto, quando Maquiavel afirma que quando se utiliza as colônias os únicos prejudicados serão aqueles que perderem suas terras, mas estes sendo minoria não poderão prejudicar o príncipe, ou seja, o meio utilizado para se fazer as colônias pode até não ser o mais correto, mas se o fim for bom, o meio foi justificado. Um outro ponto interessante é quando o autor diz que o príncipe deve se fazer defensor dos mais fracos. O que na verdade ocorre hoje em dia, pois muitos políticos se utilizam dessa tática para conquistar a confiança do povo e conseguir mais votos.

No caso de Estados que antes de serem conquistados estavam habituados a reger-se por leis próprias e em liberdade, existem três formas, segundo Maquiavel, de manter sua posse: arruiná-los, ir habitá-los ou deixá-los viver com suas leis, arrecadando um tributo e criar um governo de poucos. No entanto, Maquiavel chega a ser até engraçado ao dizer que "em

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verdade não há garantia de posse mais segura do que a ruína". Segundo ele, o príncipe que se torna senhor de um Estado tradicionalmente livre e não o destrói será destruído.  

Um outro detalhe muito importante que pode ser percebido no decorrer de toda obra são os exemplos históricos. Maquiavel fundamenta toda a sua teoria na história dos grandes homens e dos grandes feitos do passado. Segundo ele, "…os homens trilham quase sempre estradas já percorridas. Um homem prudente deve assim escolher os caminhos já percorridos pelos grandes homens e imitá-los; assim, mesmo que não seja possível seguir fielmente esse caminho, nem pela imitação alcançar totalmente as virtudes dos grandes, sempre se aproveita muita coisa". (MAQUIAVEL. 1996) O mais interessante é que, através desses exemplos, ele comprova tudo o que está sendo dito e convence o leitor com os seus argumentos que são muito pertinentes e se encaixam perfeitamente no que ele está querendo dizer.

Outro aspecto marcante de sua obra é quando são tratados os meios de se tornar príncipe, que podem ser dois: pelo valor ou pela fortuna. Entretanto ele adverte que aqueles que se tornaram príncipes pela fortuna tem muita dificuldade para se manter no poder. Porém, a fortuna e o valor não são as únicas formas de se tornar príncipe. Existem outras duas: pela maldade e por mercê do favor de seus conterrâneos, mas Maquiavel diz que os príncipes que realizaram matanças e não tem nem piedade nem religião, podem até conquistar o mando, mas não a glória.

Analisaremos agora a parte da obra relacionada aos gêneros de milícia. De acordo com Maquiavel, é necessário a um príncipe estabelecer sólidos fundamentos; sem isso, segundo ele, é certa a sua ruína. As principais bases que os Estados têm são boas leis e boas armas. E as forças com que um príncipe mantém o seu Estado são próprias ou mercenárias, auxiliares ou mistas. As mercenárias e auxiliares são úteis e perigosas. Se algum príncipe tiver o seu Estado apoiado em tal classe de forças, não estará nunca seguro, porque essas tropas são ambiciosas, indisciplinadas, infiéis, são insolentes para com os amigos e covardes perante os inimigos. Isso porque o que as mantém em campo não é o amor, mas sim um pequeno pagamento. Segundo Maquiavel, um dos problemas da Itália é ter sido governada muitos anos com armas mercenárias.

Com relação às tropas auxiliares, de acordo com o autor, não são mais do que tropas inúteis e quem valha-se dessas tropas quem não quiser vencer, pois elas são mais perigosas do que as mercenárias. Para Maquiavel, os príncipes prudentes sempre repeliram tais forças, para valer-se das suas próprias, preferindo antes perder com estas a vencer com o auxilio das outras, considerando falsa a vitória com forças alheias. O príncipe não deve, pois ter outro objetivo nem outro pensamento a não ser a guerra por ser esta a única arte que se espera de quem comanda.

O príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel. Daí surge uma questão muito debatida: é melhor ser amado ou temido? A resposta de Maquiavel é que o melhor é ser as duas coisas, mas como é difícil reunir ao mesmo tempo essas duas qualidades, é muito melhor ser temido do que amado, quando se tenha que falhar numa das duas. "Os homens hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer, porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual, devido a serem os homens pérfidos é rompido sempre que lhes aprouver, ao passo que o temor que se infunde é alimentado pelo receio de castigo, que é um sentimento que não se abandona nunca. Deve portanto o príncipe fazer-se temer de maneira que, se não se fizer amado, pelo menos evite o ódio". (MAQUIAVEL. 1996)

Maquiavel faleceu sem ter visto realizados os ideais pelos quais se bateu durante toda a vida. Também não viu concretizado, enquanto viveu, o ideal de uma Itália poderosa e unificada.

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Deixou, porém, um valioso legado: o conjunto de idéias elaborados em cinco ou seis anos de meditação forçada pelo exílio. O objeto de suas reflexões é a realidade política, pensada em termo de prática humana concreta, e o centro maior de seu interesse é o fenômeno do poder formalizado na instituição do Estado. Não se trata de estudar o tipo ideal de Estado, mas compreender como as organizações políticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem.

Talvez nem ele mesmo soubesse avaliar a importância desses pensamentos dentro do panorama mais amplo da história, pois especulou sempre sobre os problemas mais imediatos que se apresentavam. Apesar disso, revolucionou a história das idéias políticas, constituindo um marco que a dividiu em duas fases distintas.  

ANÁLISE DOS CONCEITOS

"Se ensinei aos príncipes de que modo se estabelece a tirania, ao

mesmo tempo mostrarei ao povo os meios para dela se defender".

"É necessário ser príncipe para conhecer perfeitamente a natureza do povo, e pertencer ao povo para

conhecer a natureza dos príncipes".

É nesse contexto de instabilidade política que o humanista Nicolau Maquiavel formula em 1513 os conceitos da obra – O Príncipe, o que lhe garantiu o título de fundador da Ciência Política Moderna, pois, sob as luzes renascentistas, tal obra representou um marco das Ciências Humanas. Ao delinear tais ensaios políticos, Maquiavel rompe com a tradição humanista baseada no abstrato, ou seja, em conceitos ideais de sociedade. Esse rompimento com o pensamento político anterior (escolástica) é caracterizado pela defesa do método empírico, isto é, o objetivo de suas reflexões é a realidade política, pensada em termos da prática humana concreta. O enfoque de suas análises é o estudo do poder formalizado na instituição do Estado.  

Contudo, esse exame empírico depende de uma filosofia da história baseada no princípio de que o fenômeno histórico não é linear, mas constituído por ciclos. Ou seja, Maquiavel acredita que a observação dos fatos passados é essencial para o estudo do presente. Baseando-se nesse princípio, Maquiavel retornará ao passado clássico greco-romano exemplificando os processos históricos. Tal concepção do acontecer histórico complementa-se com uma compreensão da psicologia humana. Nesse sentido, Maquiavel determina as causas da prosperidade e decadência dos Estados antigos, compondo assim, um modelo analítico para o estudo das sociedades contemporâneas, sem contudo desprezar as peculiaridades da circunstância sob a qual se pretende agir. Os elementos básicos definidores do método maquiavélico são: Utilitarismo – "Escrever coisa útil para quem, a entenda; Empirismo – "Procurar a verdade efetiva das coisas"; Antiutopismo – "Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos"; Realismo – "Aquele que abandona aquilo que se faz por aquilo que se deveria fazer, conhece antes a ruína do que a própria preservação".  

Em síntese, O Príncipe é um manual para governantes que visa a auxiliar um novo príncipe a manter o poder e o controle no seu Estado. Apresenta exemplos da espécie de situações e

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problemas que esse príncipe poderá enfrentar, e aconselha-o de modo circunstanciado quanto ao modo de solucioná-los. 

Há na obra um esboço de sugestão de que o novo príncipe terá chegado ao poder, devido a uma conjugação do destino com o próprio valor e de que, para conservar o controle, ele será obrigado a agir com grande sutileza – e mesmo com astúcia e crueldade. A genialidade de Maquiavel personificada n´O Príncipe, cuja obra foi promotora de uma ruptura com a tradição filosófica, reside na originalidade de seus ensinamentos. O desdobramento cíclico permanece, para Maquiavel, no quadro teórico básico, de interpretação da história enquanto ciência. Ao desdobramento cíclico junta-se um outro nível de determinações mais próximas e concretas, compreendidas sobre a denominação geral clássica – virtú e fortuna.  

Autores como Isaiah Berlin e Quenten Skinner, estudiosos do universo maquiavélico, constataram que o traço de maior originalidade de Maquiavel é a preocupação em romper e até mesmo denunciar a ingenuidade das teorias políticas de seus contemporâneos. Munido por um espírito empírico e realista, Maquiavel traçou as bases de uma nova concepção política referente ao conceito de virtú, o que fez d´ O Príncipe alvo de equivocadas interpretações.

A corrente filosófica tradicional sustenta a tese de que a virtú caracterizada por qualidades morais individuais, como a justiça, deve ser completada pelas qualidades ou virtudes cristãs como a piedade e a fé. Ou seja, para o príncipe alcançar seus objetivos, deve estar certo de seguir os ditames da moralidade cristã. Segundo Maquiavel, esses pensadores não conseguiram perceber a incompatibilidade de uma "moral cristã", que atenda ao indivíduo e uma "moral política" que atenda ao coletivo, no caso, ao Estado. Essa incompatibilidade reside na natureza humana, pois, segundo Maquiavel, os homens são ingratos, caprichosos e mentirosos. Conseqüentemente, a moral cristã baseada na misericórdia, caridade e sacrifício é praticável apenas no plano do imaginário utópico de uma sociedade cristã formada por atitudes humanas ideais. Maquiavel comprova tal tese no capítulo XV. (...)" Seria muito louvável que um príncipe possuísse todas as qualidades consideradas boas. Não sendo isto porém inteiramente possível, devido as próprias condições humanas, é necessário a um príncipe aprender a poder não ser bom". (MAQUIAVEL. 1999)

Um governo bem sucedido aos moldes das instituições romanas seria realizável se o príncipe adotasse uma postura realista frente à natureza do poder político, bem como a natureza humana. Desse modo, surge o conceito de virtú engendrada na concepção da moral política baseada na astúcia, força, estabilidade e vigor de seus governantes. Para Maquiavel, virtú é um conjunto de qualidades, sejam elas quais forem, cuja, aquisição o príncipe possa achar necessária a fim de "manter seu estado e realizar grandes feitos". Dominado por uma visão clássica, humanista e patriótica, Maquiavel acredita que "os fins justificam os meios", ou seja, para a libertação da Itália do domínio bárbaro, bem como da decadência, o príncipe de virtú será capaz de "não se afastar do bem, mas saber entrar no mal, se necessário".

Nesse contexto, ao discorrer sobre "O Principado Civil", Maquiavel descreve a relação entre o príncipe e o povo, fundamental para a consolidação do Estado, antecipando o conceito posteriormente conhecido como a "teoria de luta de classes". Segundo Maquiavel, o principado provém do povo ou dos grandes, segundo a oportunidade que tiver uma ou outra dessas partes. Cria-se, assim, a seguinte antítese: "Enquanto o povo não quer ser oprimido pelos grandes... os grandes desejam oprimir o povo". (MAQUIAVEL. 1999) Para Maquiavel, a energia criadora de uma sociedade advém do sistema de oposição entre os grandes e o povo

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e, assim, os conflitos sociais são necessários para a consolidação do Estado, cabendo ao príncipe de virtú possuir uma "astúcia afortunada" para tirar as melhores possibilidades de tal oposição. Contudo, o autor enfatiza que é necessário ao príncipe "ter o povo como amigo, caso contrário, não terá remédio na adversidade" (MAQUIAVEL. 1999), pois na ânsia de não ser oprimido o povo possui fins mais honestos do que os grandes.

Quando Maquiavel defende a tese de que o príncipe "deve evitar as coisas que o tornam odioso e desprezível" satisfazendo o povo e fazendo-o contente, "porque esta é uma das principais funções que cabem a um príncipe", pensadores iluministas, como Rousseau, acreditavam que o autor disfarçava o amor pela liberdade, simulando dar lições aos reis, quando na verdade as dava ao povo. Já as afirmações maquiavélicas que ensinavam os príncipes a mesclarem "o leão e a raposa" simulando e dissimulando atitudes, fizeram com que pensadores como Voltaire condenassem o que consideraram amoralismo em política. Qual era, portanto, a verdadeira intenção de Maquiavel?

Ao analisar o último capítulo da obra dirigida a Lorenzo de Medici, observa-se que ao estabelecer um paralelo entre o povo hebreu (escravo no Egito) e o povo italiano (escravo dos bárbaros), Maquiavel, por intermédio de sua obra, teve como principal objetivo ver a Itália livre da crueldade e insolência dos bárbaros. Para tanto, era necessária a disposição de um príncipe munido de fortuna e virtú para a realização de tão nobre feito, reunindo em sua pessoa boas ou más qualidades, conforme as exigências das circunstâncias. Não obstante, para atingir tal fim, os meios seriam buscados a qualquer custo.

É inegável a contribuição de Maquiavel à história das idéias, especialmente à Ciência Política. Maquiavel concebeu as obras humanas como algo concreto e definidor da natureza humana, ou seja, ele simplesmente fez da prática uma teoria. Em tal concepção está a genialidade maquiavélica perpetuada no Príncipe, pois ao longo de quatro séculos tal obra ainda atormenta a humanidade. O grande mérito do Príncipe foi desmascarar o pseudo-moralismo ocidental consolidado sobre os dogmas cristãos, o que faz da obra universal.  

BIBLIOGRAFIA

"A natureza criou o homem de tal modo que ele pode desejar tudo

sem poder obter tudo".

BERLIN, Isaiah. "A Originalidade de Maquiavel". In MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe, São Paulo, Ediouro, 2000.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe, Os Pensadores, Vol. 06, São Paulo, ed. Nova Cultural, 1996.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe, São Paulo, Martins Fontes, 1999.

________ - O Pensamento Vivo de Maquiavel, São Paulo, Martin Clauet Editores, 1986.

SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno, São Paulo, Companhia das Letras, 1998.

STRATHERN, Paul. Maquiavel (1469 - 1527) em 90 minutos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000.

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As Formas Totalitárias na Análise Política de Hannah ArendtAs Formas Totalitárias na Análise Política de Hannah ArendtMaria Gorete de Araújo MeloAPRESENTAÇÃO E HOMENAGEM“... [Quando se está doente], tudo pode acontecer-lhe àrevelia, pois a essencial faculdade da vontade lhe ésuprimida, restando-lhe apenas a boa vontade”.Maria Gorete, em carta ao seu orientador.O texto que se vai ler abaixo é a Introdução da dissertação de Maria Gorete deAraújo Melo, que a escreveu sob minha orientação no Mestrado em Ciência Política daUniversidade Federal de Pernambuco e cuja defesa, com banca escolhida e data marcada (26 de março de 2001), não chegou a se realizar. Duas semanas antes da data escolhida, Maria Gorete, que já tinha uma saúde frágil, foi acometida por intensa dor de cabeça, seguida de desmaio. Sem plano de saúde, dependendo unicamente do sistema público de saúde, foi internada no Hospital da Restauração, onde foi diagnosticado um rompimento de aneurisma bastante grave, a exigir intervenção cirúrgica. A partir daí, entrou naquela via crucis por que passam as pessoas nessas circunstâncias e nesses locais: exames, urgentes, são marcados para daí a uma semana, porque há uma fila de pessoas à espera; no dia da sua vez, são adiados porque o equipamento quebrou. E assim por diante. Finalmente, foi fixada a data da cirurgia: 16 de abril de 2001. O pior, entretanto, ainda estava por vir. Alguns dias antes dessa data, Maria Gorete começou a apresentar erupções na pele que foram paulatinamente cobrindo todo o seu corpo, sintomas de uma doença rara e terrível, a Necrólise Epidérmica Tóxica, que a levou finalmente à morte no dia 13 de maio de 2001, depois de enormes sofrimentos.Maria Gorete foi uma pessoa sem sorte. Ingressando no nosso Mestrado em 1996,não conseguiu terminá-lo no tempo regimentalmente previsto, por causa de várias desditas pessoais que sobre ela se abateu. Desligada do curso em 1998, voltou à sua cidade natal –Fortaleza –, onde continuou trabalhando sozinha no tema que havia escolhido para sua dissertação: o pensamento político de Hannah Arendt, autora por quem tinha um sentimento misto de admiração e afeto. No início de 2000, com um esboço do que seria sua dissertação já bastante avançada, submeteu-se a nova seleção e reingressou no curso. Sob minha orientação, terminou seu trabalho e se preparava para a defesa, quando o imponderável aconteceu e Maria Gorete não obteve o título por que tanto lutou e que tanto merecia.O Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, numa homenagem póstuma, deu o seu nome à Sala de Estudos que existe em suas dependências. Sua Dissertação, mesmo não tendo sido defendida, está depositada no nosso acervo à disposição de quem queira perfazer o caminho que ela palmilhou através de um dos pensamentos políticos mais instigantes do nosso tempo. Dessa Dissertação, publicamos agora a Introdução nesse primeiro número da nossa revista na sua nova fase. Nada disso, entretanto, anula o sentimento de que o destino, na sua cegueira, é muitas vezes injusto. Como escreveuAmariles Revorêdo, Secretária do nosso Programa e sua grande amiga no Recife, que aamparou e acompanhou durante o longo padecimento final, “sinto por aqueles que avoracidade do cotidiano tenha subtraído a capacidade de enxergar sua alma; sinto poraqueles que foram seus amigos e que, sob um olhar cheio de angústia, viram a vida subtraí-la de nós”.

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Prof. Luciano Oliveira

Page 3As Formas Totalitárias na Análise Política de Hannah ArendtINTRODUÇÃOSe o livro Origens do Totalitarismo 1 tivesse recebido o mesmo título da publicaçãoInglesa 2 teríamos de imediato uma melhor compreensão acerca das investigações deHannah Arendt 3 sobre o totalitarismo. Nossa autora, ao tratar do totalitarismo, está mais preocupada em avaliar a dimensão destrutiva da “carga” que esta forma de governo nos deixou do que propriamente em avaliar suas origens. Esta melhor compreensão a respeito da análise de Arendt e, portanto, a respeito do totalitarismo é a proposta desta dissertação.Em conseqüência de nossa proposta, examinamos nesta dissertação a análise dasformas totalitárias realizada por Arendt. Tendo por objetivo a afirmação da singularidade do conceito de totalitarismo elaborado por esta autora.Arendt publica Origens do Totalitarismo empenhada não em oferecer cientificidade ao conceito de totalitarismo, 4 mas em desenvolver um aparato conceitual capaz de olhar apropriadamente os acontecimentos após a derrota de Hitler. Arendt diz:

“Era, pelo menos, o primeiro momento em que se podia elaborar earticular as perguntas com as quais a minha geração havia sidoobrigada a viver a maior parte de sua vida adulta. O que haviaacontecido? Por que havia acontecido? Como pode ter acontecido? 5”

Fazendo uma análise sistemática do nazismo e do stalinismo 6 , Arendt busca umalegitimidade para o conceito de totalitarismo. A autora defende uma simetria entre nazismo e stalinismo, e em sua análise recusa-se a aceitar a investida contra este conceito realizada por alguns teóricos, que afirmam a especificidade do fenômeno ocorrido sob Hitler e sob Stalin, mas não o qualificam de totalitário. Tal investida pretende defender que este fenômeno apenas representa um aspecto forte do autoritarismo. Contra tais assertivas Arendt afirma:

“Confundir o terror total com um sintoma de governo tirânico é tãofácil porque o governo totalitário, em seus estágios iniciais, tem deconduzir-se como uma tirania e põe abaixo as fronteiras da lei feitapelos homens. Mas o terror total não deixa atrás de si nenhuma ilegalidade arbitrária, e a sua fúria não visa o beneficio do poder despótico de um homem contra todos, e muito menos uma guerra detodos contra todos. Em lugar das fronteiras e dos canais de comunicação entre os homens individuais, constrói um cinturão de ferro que os cinge de tal forma que é como se a sua pluralidade se dissolvesse em Um-Só-Homem de dimensões gigantescas7 “ .

A análise de totalitarismo realizada por Arendt é precedida por uma análise doanti-semitismo e do imperialismo. A autora encontra nestes dois fenômenos nãopropriamente a gênese do totalitarismo, o que a impediria de inicio de pensá-los comoorigens do comunismo, mas percebe estes fenômenos como correntes subterrâneas damentalidade européia que se cristalizaram8 no totalitarismo.O anti-semitismo e o imperialismo tomaram-se elementos catalisadores do fenômeno totalitário. Este fenômeno sustentado pelo terror e pela ideologia torna-se uma nova forma de governo que, como afirma Arendt, pode coincidir com a destruição dahumanidade, pois onde quer que tenha imperado, minou a essência do homem.9

Arendt indica também o pangermanismo e o pan-eslavismo como os movimentosde unificação étnica que inspiraram respectivamente o nazismo e o comunismo. Sobre as teorias geopolíticas destes movimentos, Arendt afirma:

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“Pangermanistas e pan-eslavistas” concordavam em que, vivendo em“Estados continentais” e sendo “povos continentais”, tinham queprocurar colônias no continente e expandir-se de modogeograficamente contínuo a partir de um determinado centro depoder; que contra “a idéia da Inglaterra – expressa nas palavras:Dominarei o mar – está a idéia da Rússia expressa nas palavras:Dominarei a terra”; e que mais cedo ou mais tarde, a “tremendasuperioridade da terra sobre o mar (..) e o significado maior do poderterrestre em relação ao poder marítimo” se tornariam evidentes.10”

Arendt acredita ter sido o significativo desinteresse da sociedade burguesa pelarealidade política que permitiu que o anti-semitismo fosse desvelado na política mundialsomente depois de se tomar agente catalisador do nazismo. Da mesma forma este desinteresse da burguesia pela política permitiu que a disparidade entre causa e efeito doimperialismo fosse vista somente depois da Segunda Guerra 11 . Enfim, a desintegração do Estado nacional concomitante ao desenvolvimento imperialista colonial europeu continha, segundo Arendt, quase todos os elementos necessários à ideologia totalitária.A análise das formas totalitárias realizada por Arendt parte do pressuposto de quequando o anti-semitismo e o imperialismo foram desnudados, eles já estavam cristalizados em forças destrutivas irrevogáveis. Para uma imagem deste pensamento de Arendt, nos parece ser adequada à idéia de uma alta onda que surge inesperadamente diante de um banhista, não percebida antes pelo fato de este banhista não ter observado os pequenos movimentos do mar à sua frente. A reflexão de Arendt permitiu-lhe construir um esquema teórico capaz de captar o anti-semitismo não somente como ódio aos judeus, o imperialismo não somente como conquista e o totalitarismo não apenas como ditadura.Com relação ao conceito de totalitarismo, a principal discussão é se este conceitopode referir-se a autocracias antigas e aos despotismos orientais, ou deve designar somente uma nova forma de governo. Raymond Aron toma um argumento bastante eficaz para defender sua oposição ao uso do termo totalitarismo para designar as autocracias antigas e os despotismos orientais. Aron afirma que o despotismo asiático não implica a criação de um novo homem, nem a espera do fim da pré-história.12

O modelo de síndrome, isto é, a identificação de caracteres essenciais – como sefossem sintomas – para apresentar o sistema totalitário, avaria o conceito de totalitarismo, porque confunde, ou não esclarece bem, quais são as propriedades definidoras e as propriedades contingentes deste conceito. Por exemplo, o monopólio governamental das armas não é uma propriedade definidora, posto que as democracias também possuem este monopólio; a ideologia oficial é também característica dos sistemas autoritários; a centralização da economia dirigida é um traço tanto do nazismo quanto do comunismo.Estas dificuldades no tratamento do conceito durante a década de cinqüenta passaram a ser consideradas, na década de sessenta, não mais como incorreções, mas como motivo para se objetar o uso do conceito.Os argumentos levados a cabo pela esquerda para justificar o repúdio ao conceitonão obtiveram sustentação suficiente para alcançarem seu objetivo: a impugnação doconceito. A objeção de que o conceito teria uma função ideológica, facilmente pode serdesbancada pelo argumento simples de que a tentativa de impugnação do conceito também tem uma função ideológica. A defesa de que o uso do conceito somente era válido no pós-guerra imediato, já que o nazismo, fascismo e stalinismo acabaram, e que o comunismo não pode ser formulado em somente uma linha, não é suficiente, pois

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segundo este raciocínio teríamos então de deixar de usar todos os termos conceituais que indicam sistemas políticos já extintos ou que sofreram grandes diversificações.A este estudo não interessa a abordagem do fascismo em si, visto que nossa autoraem seu conceito de totalitarismo não recepciona o nazismo e o stalinismo como fascismos.O tratamento do fascismo torna-se necessário em nosso estudo somente quando importadiferenciá-lo do que Arendt entende como empreendimento totalitário.Arendt, ao restringir o totalitarismo à experiência nazista e stalinista, lançou oscomunistas não para onde eles mais temiam ir, isto é, para o rol dos regimes fascistas, mas lançou-os para o seletíssimo rol dos regimes totalitários. Como os nazistas estavamliquidados, pareceu aos comunistas que o conceito de totalitarismo fora feito porencomenda para atingi-los. Foi sempre incômoda aos comunistas a comparação de Hitler a Stálin, ou a comparação do fascismo ao comunismo 13 . Os comunistas nunca entenderam por que os conservadores liberais insistiam tanto em criticar o que eram apenas excessos do comunismo. Enfim, nenhum conceito de totalitarismo causou tanta aversão à esquerda quanto o conceito elaborado por Arendt na sua análise das formas totalitárias.A concepção de esfera pública é uma parte privilegiada do esquema intelectual deArendt. Esta concepção foi determinante na sua análise das formas totalitárias. Nessemesmo esquema intelectual, que podemos chamar de a política dos mortais, Arendt ressalta duas dimensões da sociedade moderna que são partícipes destas formas de governo.A recepção destas dimensões é impreterível para a assimilação do conceito arendtiano de totalitarismo. A primeira dimensão consiste na estrita conexão entre açãopolítica e compreensão da realidade. Arendt rechaça a tendência de se pensar a açãopolítica como fator independente da compreensão da realidade. A autora assegura que onosso sentimento de realidade surge a partir do âmbito público. A esfera pública é a esfera da aparência, da visibilidade, espaço de iluminação, do ver e ser visto. É o lugar onde a mentira está a descoberto. A esfera pública é a medida que ensina ao homem, pela sua experiência interdependente, a reconhecer, aceitar ou não aceitar, o acidental, o necessário e o arbitrário. O senso comum, cuja existência se dá na vida pública, é o alicerce da conexão que Arendt faz entre ação política e compreensão da realidade.A segunda dimensão consiste no caráter radicalmente subjetivo da sociedademoderna, ou seja, a insólita preocupação com o eu, que resultou no solitário homem demassa cuja mentalidade é alheia ao mundo. A destruição da esfera pública força o homem solitário de massa a ir em busca de um universo de garantias, de certezas; onde a existência de um sistema consistente e absolutamente coerente não permita a presença do acaso.Todos que com este universo fazem contato, dele já fazem parte. Mas tal ventura exige uma opção: o abandono irrestrito da realidade factível por este mundo fictício. Nele, e somente nele realiza-se a coerência absoluta. Os fatos, a contingência e o acaso, que sempre atingem a realidade, não alcançam este mundo onipotente, que é guiado somente por uma lógica de irredutível coerência. As leis deste mundo fictício abarcam todas as possibilidades. Em atos de não-liberdade este mundo fictício realiza o fim da distinção entre o possível e o impossível.O mundo fictício ofertado pelo movimento totalitário tem um caráter de intransponível irracionalidade. Na conduta irracional dos regimes totalitários exprime-se a negação do auto-interesse, da noção de utilidade e do princípio de identidade, pressupostos

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fundamentais do pensamento ético ocidental. Sob a dominação total o homem é posto num movimento incessante que visa à destruição dos processos individuais. Neste movimento incessante o homem perde todos os parâmetros e já não consegue reconhecer sua própria condição de homem.Não aceitar que o totalitarismo investiu contra a natureza humana, para Arendtsignifica estimar que mesmo mediante a destruição dos elementos essenciais da vidahumana – natalidade, individualidade e pluralidade 14 –, ainda seria possível se falar denatureza humana. A não destruição da natureza humana sob a dominação total somente13 Leandro Konder afirma em seu livro Introdução ao Fascismo que a equiparação Hitler =Stalin é o objetivo da doutrina do totalitarismo, e que isto é exemplarmente empreendido por Ralf Dahrendorf em Soziologie und Nationalsozialismus.((14 Arendt desenvolve amplamente seu pensamento sobre a individualidade e a pluralidade em A condição Humana. (Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.) seria possível se esta natureza correspondesse a algo partícipe das essências eternas,portanto de caráter imutável. Podemos ressaltar a invisível ligação entre o tudo é possível da dominação total, onde todo e qualquer princípio utilitário é abolido, e a afirmação da superfluidade humana.Esta invisível ligação caracterizará também a presença da superfluidade do humano e aocorrência do mal radical. 15

Para Arendt o mal radical não se enraizava em motivos perversos, e com isso negava toda concepção tradicional que se tinha a respeito do mal, mas foi com Eichmann16 que Arendt se vê frente a frente com o que ela passaria a chamar de banalidade do mal.Arendt, em Origens do Totalitarismo, como já referido, não trata da gênese dototalitarismo, trata dos fatos convergentes que acabaram por se cristalizar no fenômenototalitário, pois que, como indica a autora, este fenômeno carece de origens históricas como causas eficientes. Em Arendt o fenômeno totalitário deve ser pensado a partir das origens do totalitarismo: o anti-semitismo e o imperialismo; dos elementos do totalitarismo: a ideologia e o terror – estes elementos devem ser entendidos como os dois pilares do totalitarismo; e a partir também dos componentes do totalitarismo: o isolamento e o desenraizamento.Arendt, tendo a convicção de que a experiência totalitária foi absolutamente única,debruça-se em busca da compreensão deste fenômeno. Seu pensamento manter-se-á unido a uma reflexão que leva em conta o declínio da esfera pública e seu significado para a sociedade moderna. Partindo do fato simples de que somos todos mortais, e registrando que por causa da busca pela imortalidade os antigos realizavam seus atos através da contemplação pura ou feitos heróicos, e que os cristãos faziam o mesmo através da devoção, Arendt lembra que aos modernos restou, como fim em si mesma, somente a política.Na esfera pública permanece ainda a possibilidade de transcendência e imortalidade. Para os modernos, a política dos mortais tem seus passos próprios, que no pensamento de Arendt devem permear a negação do conceito de final da história, portanto arecusa de qualquer política escatológica, redentora; a dimensão antropológica, que seafigura nos atos de liberdade, fundamentados na confiança e integridade; e o ato político, em função da posteridade, ou seja, a criação de instituições livres e perduráveis. Para Arendt, os homens não nascem iguais, somente a construção – um artifício humano – de um sentido igualitário pode afirmar a igualdade entre os homens. Os direitos inalienáveis do homem, ressaltando-se o direito à vida, a liberdade e a busca

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de felicidade são verdades evidentes que, no entanto, precisam ser constantemente reafirmadas pelo artifício humano do consenso na comunidade política.Arendt reflete sobre a liberdade e a ação política através da noção de começo. Aautora recolhe a temática do começo em Sto. Agostinho: o homem foi criado para quehouvesse um começo.17

Para Arendt, pensar significa sempre um novo começo, um initiumque corresponde à capacidade humana de agir. Ação e começo coexistem na liberdade, é através desta liberdade que a ação aparece no mundo, e deixa seus vestígios. O homem é initium, pois somente o seu querer realiza o primeiro movimento ou o interrompe.A natalidade e a novidade imprimirão a exigência de que a essência de toda açãopolítica seja um engendrar de um novo começo, o que resulta na perspectiva da autoranuma ligação entre política e compreensão – compreender significa assimilar o sentido de algo que tem um sentido. A criação do sem-sentido totalitário levou a autora a relutarincessantemente em aceitar a idéia de que o totalitarismo foi um acidente superado18 Arendt requer a compreensão deste fenômeno, para que aceitemos o irrevogável.Foi a necessidade de compreender este não-começo do totalitarismo que levouArendt a elaborar sua política dos mortais e a colocar o mundo moderno diante da tradição.Não que a tradição possa oferecer categorias para pensar tal acontecimento, as categorias tradicionais não se adequam à análise da novidade totalitária, pois esta se impôs justamente a partir do rompimento com a tradição.Neste sentido Arendt evidencia a perspectiva que tem da experiência totalitária:cumpre não somente especificá-la mediante comparações com outras formas de governo, ou defini-la estritamente dentro dos padrões acadêmicos. Arendt conseguiu nomear o acontecimento nazista e stalinista não por causa do óbvio: ser contemporânea destes acontecimentos; mas por não permitir que em sua análise terror e ideologia fossem tomados somente como caracteres destas formas de governo, mas como sua essência. O fato é que esta experiência em seu ineditismo exige novas categorias de pensamento para refletir sobre ela, e que a assertiva final sobre esta experiência deve levar inequivocamente à afirmação de que o domínio total é a única forma do governo com a qual não é possível coexistir. 19

Esta conclusão é o cerne da concepção arenditiana do totalitarismo.O acontecimento totalitário entrou definitivamente para o âmbito dos estudos dapolítica, sobretudo porque passou a fazer parte do imaginário de todos os povos que dele tomaram conhecimento. Isto ocorreu devido ao impacto deste acontecimento sobre o ethos humanitário da civilização.A análise conceitual utilizada por Arendt em Origens do Totalitarismo e nas suasdemais obras indica muito aproximadamente o que se inscreve no documento de Avaliação e Perspectivas da Área de Ciência Política realizada pelo CNPq:

“Conceitualmente, uma parte central da Ciência Política é opensamento filosófico mais ou menos rigoroso aplicado aoentendimento do convívio humano em sociedade. Esta tradição seinicia talvez com A República de Platão, passa por Maquiavel,Locke, Hobbes, e chega aos nossos dias com Hannah Arendt... Estalista é somente exemplificativa, mas permite marcar a idéia de que aciência política está intimamente ligada à tradição do pensamentofilosófico e prático sobre o homem em sociedade 20 ” .

A análise conceitual de Arendt comporta um caráter semântico-etimológico,

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histórico e ontológico. Este método volta-se para a análise da circularidade entre palavras e fatos, e para a condição de existência do pensamento discursivo. João Maurício Adeodato expressa-se muito bem a respeito desta circularidade:

“Uma das maiores críticas de Arendt às “ciências sociaisdominantes” é que, segundo ela, estas não se preocupam com aspalavras já existentes, preferindo criar um jargão artificial, designificado preciso em relação às mentes de seus criadores mas semligação com a realidade dos fenômenos. (..) A palavra é um meio,não porque mostra completa ou definitivamente o significado de umfenômeno, mas porque revela algo de percepções passadas, sejamestas límpidas ou distorcidas 21.”

Arendt preocupa-se com a verdade factual, entende que a função da história é nãopermitir que os acontecimentos sejam esquecidos. No mundo dos fatos, o bem ou o mal não deve ser esquecido. É a existência de palavras dotadas de significado que permite areconciliação do homem com a experiência da realidade.As várias considerações contidas nesta Introdução objetivaram oferecer umacondução para a leitura dos capítulos que se seguem, e para a conseqüente conclusão. Nesta Introdução foram anunciadas todas as temáticas que estão contidas no texto dissertativo.Esperamos, pois, abrir caminhos de aproximação com o pensamento político de Arendt e sua análise das formas totalitárias. 1 ARENDT. Hannah. Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.2 The Burden of Our Times, London, Secker and Warburg, 1951.3 Hannah Arendt, judia alemã, nasceu em Hannover em 1906. Estudou Filosofia nas Universidades deMarburgo, Freiburg e Heidelberg (respectivamente sob a orientação de Heidegger, Husserl e Jaspers). Aautora refugiou-se nos Estados Unidos em 1941, onde lecionou filosofia e ciência política por quase duasdécadas, lá permanecendo até sua morte em 1975. No Brasil podemos encontrar ricos dados bibliográficos de Arendt em: LAFER, Celso. A reconstrução dos Direitos Humanos - Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988; ADEODATO, João Maurício L. O Problema daLegitimidade - No rastro do pensamento de Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. 4 A não cientificidade do conceito de totalitarismo é afirmada pela esquerda a partir da argumentação de que este conceito baseia-se num duplo erro teórico: não admitir que o nazismo foi um fenômenoindissoluvelmente ligado ao capitalismo e ao imperialismo, e não ter considerado que o Estado soviético é um Estado operário, e não um Estado de classes.5 ARENDT, OT, p. 339-340.6 Arendt restringe sua análise do fenômeno totalitário exclusivamente aos regimes de Hitler a partir de 1938 até o final da guerra, e ao regime de Stálin a partir de 1930 até sua morte.

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HANNAH ARENDT E O TOTALITARISMO: O CONCEITO E OS MORTOSRicardo Luiz de Souza*RESUMOO objetivo deste artigo é estudar o conceito de totalitarismo elaborado por Arendt, definindoa especificidade tanto política quanto histórica do conceito na perspectiva da autora. Trata-se,na obra de Arendt, de um conceito construído a partir de uma ideologia conservadora adotadapela autora, que vê, nas massas, um agente político disperso e nocivo. A análise arendtianatransforma a figura de Eichmann em símbolo do totalitarismo e do mal: um mal terrívelpor suas consequências e terrível pela banalidade com que é exercido.PALAVRAS-CHAVE: Modernidade. Poder. Política.Politeia: Hist. e Soc. Vitória da Conquista v. 7 n. 1 p. 243-260 2007* Professor do Centro Universitário de Sete Lagoas (Unifemm). Doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected] 243 28/1/2009 19:59:05 244 Ricardo Luiz de SouzaPoliteia: Hist. e Soc., Vitória da Conquista, v. 7, n. 1, p. 243-260, 2007.

ITomarei como ponto de partida uma questão de fundamental importância:

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o que, na perspectiva arendtiana, torna específico o totalitarismo? Basicamente, sua idéia de domínio, definido pela autora como “a dominação permanente de todos os indivíduos em toda e qualquer esfera da vida” (Arendt, 1989, p. 375).Com isto, “a diferença fundamental entre as ditaduras modernas e as tiranias do passado está no uso do terror não como meio de extermínio e amedrontamento dos oponentes, mas como instrumento corriqueiro para governar as massas perfeitamente obedientes” (Arendt, 1989, p. 26). E uma outra diferença essencial deve ser mencionada: enquanto os antigos regimes autoritários contentavam-se em exibir seu poder e em controlar a vida exterior dos governados, a burocracia totalitária estende sua interferência à vida interior dos mesmos.Como resultado dessa radical eficiência, extinguiu-se a espontaneidade dos povos sob o domínio totalitário juntamente com as atividades sociais e políticas, de sorte que a simples esterilidade política, que existia nas burocracias mais antigas, foi seguida de esterilidade total sob o regime totalitário (Arendt, 1989, p. 277).Arendt distingue, assim, o regime totalitário da ditadura e da tirania:

A distinção decisiva entre o domínio totalitário, baseado no terror,e as tiranias e ditaduras, impostas pela violência, é que o primeirovolta-se não apenas contra os seus inimigos mas também contra osamigos e correligionários, pois teme todo o poder, até mesmo o poderdos amigos. O clímax do terror é alcançado quando o Estado policialcomeça a devorar os seus próprios filhos, quando o carrasco de ontemtorna-se a vítima de hoje. É este o momento quando o poder desapareceinteiramente (Arendt, 1985, p. 30).

E Canovan (1994, p. 88) busca precisar melhor como tais diferenças estruturam-se no pensamento da autora. A essência da tirania é a ausência de lei e o poder arbitrário. Já no totalitarismo, o exercício do poder não é arbitrário e não pode ser pensado em termos de ausência de leis, nem em termos de interesses pessoais do tirano. Nele, o terror é a essência do sistema, e não um princípio ancilar da ação.O conceito de totalitarismo proposto por Arendt não visa reduzir o incomum à esfera da normalidade, mas, pelo contrário, compreendê-lo como fenômeno absolutamente sem precedentes (Brudny-de Launay, 1998, p. 44). E o que significa, para a autora, compreendê-lo? Segundo Reis (2003, p. 217), “compreender o totalitarismo não seria perdoá-lo, mas nos reconciliar com um mundo em que tal evento ou processo de eventos foi possível.Compreendê-lo seria julgá-lo nos termos cristãos e dos direitos humanos da própria Europa”.O poder totalitário caracteriza-se, segundo Arendt, pelo segredo e pela invisibilidade: “a única regra segura num Estado totalitário é que, quanto mais visível é uma agência governamental, menos poder detém; e quanto menos se sabe da existência de uma organização, mais poderosa ela é” (Arendt, 1989, p.453). Mas o totalitarismo não pode ser pensado unicamente em termos de violência e terror: “Governo algum, exclusivamente baseado nos instrumentos da violência, existiu jamais. Mesmo o governante totalitário, cujo principal instrumento de dominação é a tortura, precisa de uma base de poder – a polícia secreta e a sua rede de informações” (Arendt, 1985, p. 27). Segundo Arendt, ainda, “a pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto de igualdade e diferença” (Arendt, 1981, p. 188). Tendo como base, portanto, a diversidade, a ação e o discurso são incompatíveis coma homogeneidade imperante no totalitarismo.Por negar qualquer idéia de estabilidade, o totalitarismo destrói um dos pilares da civilização, tal como definido pela autora: “nenhuma civilização – o artefato humano para abrigar gerações sucessivas – teria sido jamais possível sem uma estrutura de estabilidade que proporcionasse o cenário para o fluxo de mudanças” (Arendt, 1999b, p. 72). E o totalitarismo nega a liberdade. O que seria apenas uma obviedade é desenvolvido por Arendt (1999a, p. 51):

O verdadeiro novo e assustador desse empreendimento não é a negaçãoda liberdade ou a afirmação que a liberdade não é boa nem necessáriapara o homem, e sim a concepção segundo a qual a liberdade doshomens precisa ser sacrificada para o desenvolvimento histórico, cujoprocesso só pode ser impedido pelo homem quando este age e se moveem liberdade.

Esta novidade radical e assustadora – a novidade do totalitarismo – gerou problemas teóricos fundamentais: Não havia tradição filosófica dentro da qual esse mal absoluto pudesse ser

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compreendido. Só com uma análise dos “elementos” que se cristalizavam no totalitarismo – superpopulação, expansão e superfluidade econômica, e desenraizamento social e deterioração da vida política – esse mal absoluto podia ser iluminado (Young-Bruhel, 1997, p. 197).O conhecimento histórico é, pois, insuficiente para a compreensão do totalitarismo como fenômeno central da política contemporânea. Isto porque “tudo o que sabemos sobre o totalitarismo indica uma terrível originalidade, que nenhum paralelo histórico é capaz de atenuar” (Arendt, 1993:41).Mas a questão é ainda mais ampla, já que o totalitarismo é, ao mesmo tempo, causa e consequência da inadequação entre a tradição intelectual do Ocidente e a novidade que ele representa; da ruptura entre conhecimento e realidade. Arendt (1993, p. 45) conclui, portanto: “os fenômenos totalitários que não podem mais ser entendidos em termos de senso comum e que desafiam todas as regras do juízo ‘normal’, isto é, basicamente utilitário, são somente as instâncias mais espetaculares do colapso da sabedoria comum que nos foi legada”.O totalitarismo é um regime que só ganha viabilidade se implantado em grande escala, inclusive em termos populacionais, uma vez que “somente onde há grandes massas supérfluas que podem ser sacrificadas sem resultados desastrosos de despovoamento é que se torna viável o governo totalitário, diferente do movimento totalitário” (Arendt, 1989, p. 361). E tal movimento tem, como motor, uma utopia. De fato, o totalitarismo, acentua Arendt,é utópico, e possui como utopia nada menos que a criação de uma novahumanidade: “Espera que a lei da Natureza ou a lei da História, devidamente executada, engendre a humanidade como produto final; essa esperança – que está por trás da pretensão de governo global – é acalentada por todos os governos totalitários” (Arendt, 1989, p. 514).Mesmo quando plenamente instalado, o totalitarismo permanece atrelado à idéia de movimento, de expansão; a estabilidade seria seu fim; interromper o processo de dominação de novos povos, novas terras, seria sua ruína. Eis a essência do totalitarismo, o que leva Arendt (1989, p. 442) a concluir: “a luta pelo domínio total de toda a população da terra, a eliminação de toda realidade rival não-totalitária, eis a tônica dos regimes totalitários; se não lutarem pelo domínio global como objetivo último, correm o sério risco de perder todo opoder que porventura tenham adquirido”. Daí, ainda, o caráter transnacional do totalitarismo: “e a pura verdade é que o movimento totalitário toma o poder no mesmo sentido em que um conquistador estrangeiro ocupa um país que passa a governar em benefício de terceiros” (Arendt, 1989, p. 466). Não por acaso, comunismo e anti-semitismo foram, segundo Arendt, os únicos movimentos proclamadamente internacionais do século XX (Arendt, 1989, p. 61).Segundo Francisco (1996, p. 171), Arendt pensa o totalitarismo em termos de emergência política: “Para ela, esses regimes tem o sentido de situações de emergência política por modificarem à deformação a esfera dos assuntos humanos, introduzindo nela idéias e práticas sem precedentes em nossa história e fazendo cair por terra os mais sólidos e fundamentais valores políticos e éticos”. O totalitarismo, então, é pensado em termos de um sistema político cuja originalidade requer explicações igualmente originais. Ele rompeu a continuidade do tempo histórico, e o conceito de totalitarismo como ruptura é expressamente afirmado por Arendt (1972, p. 54):A dominação totalitária como um fato estabelecido que, em seu ineditismo, não pode ser compreendido mediante as categorias usuais do pensamento político, e cujos “crimes” não podem ser julgados por padrões morais tradicionais ou punidos dentro do quadro de referência legal de nossa civilização, quebrou a continuidade da História Ocidental. A ruptura em nossa tradição é agora um fato deliberado. Não é o resultado da escolha deliberada de ninguém, nem sujeita a decisão ulterior. O próprio fato de ser um fenômeno político sem precedentes, imprevisto e incompreensível segundo os parâmetros da teoria política tradicional, fez Arendt concluir que “o fio da tradição do pensamento político ocidental fora definitivamente rompido e que a compreensão dos eventos políticos do presente teria de prescindir das categorias teóricas do passado” (Duarte, 2001, p. 64 ). E, mais que uma novidade, o totalitarismo é visto por Arendt, como acentua Souki (2001, p. 129), como uma inversão: “o totalitarismo é, portanto, o mundo invertido, no sentido em que proclama a destruição de toda ação – na significação que Arendt lhe dá de inauguração – e a inversão completa de valores básicos que fundamentam a civilização ocidental”.

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Na perspectiva de Arendt, a ruptura efetuada pelo totalitarismo se dará, segundo Rodrigo (1992, p. 92), em termos absolutos: A quebra com a tradição não poderia ser colocada em termos mais amplos: ela se processa ao nível das esferas social, política, legal,lógica, moral. Ou seja, o que era impensável, inconcebível, ilegítimo, imprevisível, impossível do ponto de vista da tradição ocidental apresenta-se agora como realidade.O totalitarismo gera, portanto, uma realidade inteiramente nova, e as origens do pesadelo precisam ser compreendidas. Estudá-las é o objetivo ao qual ela se dedica em seu livro fundamental sobre o tema; estudá-lo, ressaltar e compreender sua especificidade.Arendt, assim, estuda as origens do totalitarismo e afirma sua originalidade. Ele nasce da degradação do Estado-nação, do imperialismo, do antisemitismo, e é uma novidade em relação aos fatores históricos que o originaram, deles se diferenciando, como, aliás, de todos os fenômenos históricos que o antecederam. No caso do imperialismo britânico, por exemplo,tais elementos já estavam reunidos:

Sob o nariz de todos estavam muitos dos elementos que, reunidos,podiam criar um governo totalitário à base do racismo. Burocratasindianos propunham “massacres administrativos”, enquantofuncionários africanos declaravam que “nenhuma consideração ética, talcomo os Direitos do Homem, poderá se opor” ao domínio do homembranco (Arendt, 1989, p. 252).

Transformando a violência em objetivo consciente do corpo político e em alvo final de qualquer ação política definida, a política imperialista transformou-se em um dos pilares do totalitarismo. E porque? “Porque a força sem coibição só pode gerar mais força, e a violência administrativa em benefício da força – e não em benefício da lei – torna-se um princípio destrutivo que só é detido quando nada mais resta a violar” (Arendt, 1989, p. 167).Mas as causas do totalitarismo foram diversas; na análise de Arendt, como aponta Lefort, um dos fatores que permitiram o surgimento do totalitarismo foi a secularização, uma vez que a afirmação das leis absolutas defendidas por nazistas e comunistas teve como base “a erosão que havia sofrido anteriormente a fé numa verdade acima dos homens, a fé numa leitranscendente, quer fosse definida como direito natural ou emanasse dos mandamentos de Deus” (Lefort, 1999, p. 29). O ano de 1917 é, para Arendt, o ponto de partida dos movimentos totalitários: “O terror, como instrumento institucional, utilizado para acelerar o momentum da revolução, era desconhecido antes da Revolução Russa”. Mesmo a comparação com a Revolução Francesa carece de sentido: “O terror da virtude de Robespierre foi, com efeito, bastante terrível, mas permaneceu dirigido contra um inimigo e um vício ocultos. Não foi conduzido contra o povo que, mesmo do ponto de vista do dirigente revolucionário, era inocente” (Arendt, 1988, p. 79).Caracteriza o totalitarismo, portanto, a busca incansável por inimigos a serem destruídos, minorias a serem liquidadas pelo simples fato de existirem. Funcionou como ponto de partida de tal processo o fato de as minorias européias terem sido definidas como comunidades religiosas e culturais, não como nacionalidades. Segundo Heuer (2005, p. 47), esta foi, para Arendt, a fatalidade política européia. E a análise arendtiana tem início, como acentuam Heller e Fehér (1998, p. 133), com uma espécie de inversão: “a história do totalitarismo começa com a história do pária, e portanto com a exceção, com o politicamente anômalo, que é então usado para explicar o resto da sociedade, em vez de ao contrário”.O processo de atomização social que marcou o século XX é visto por Arendt como o fator básico para o surgimento e consolidação do totalitarismo, ao gerar as multidões desorientadas e compostas por indivíduos isolados e desmoralizados que seriam a base do sistema, fornecendo seus adeptos, seus soldados e seus carrascos. Os movimentos totalitários caracterizam-se assim, segundo Arendt (1989, p. 373), pela atomização e isolamento social de seus membros e pela exigência de lealdade absoluta deles requerida: “essa exigência é feita pelos líderes dos movimentos totalitários mesmo antes de tomarem o poder e decorre da alegação, já contida em sua ideologia, de que a organizaçãoabrangerá, no devido tempo, toda a raça humana”. Na perspectiva arendtiana, por fim, o totalitarismo busca, como ressalta Melo (2003, p. 13), reverter as consequências da própria modernidade que o gerou: “a destruição da esfera pública força o homem solitário de massa a ir em busca de um universo de garantias, de certezas; onde a existência de um sistema consistente e absolutamente coerente não permita a presença do acaso”.XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

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LIBERALISMO:

Na história européia e das Américas o liberalismo se implantou de forma diferente. Enquanto o absolutismo reina na França, na Inglaterra as revoluções burguesas visam limitar a autoridade do rei. A Revolução Puritana foi a primeira, no século XVII, que culminou com a execução do rei Carlos I e a ascensão de Cromwell. Mas a eliminação do absolutismo ocorre com a Revolução Gloriosa em 1668, quando Guilherme III é proclamado rei, após aceitar a Declaração de Direitos que limitava sua autoridade e dava mais poderes ao parlamento. Exigem do rei, a convocação regular do parlamento, sem o qual ele não pode fazer leis ou revoga-las, cobrar impostos ou manter o exército. Criou-se também o hábeas corpus, para evitar prisões arbitrárias, onde nenhum cidadão pode ficar preso indefinidamente sem ser acusado por um tribunal. No novo mundo ocorre a emancipação das colônias. A independência dos Estados Unidos é bem sucedida, mas outros movimentos são reprimidos como as Conjurações Mineira e Baiana, ambas em 1798 no Brasil. A Revolução Francesa, 1789, lutou contra os privilégios da nobreza e defendeu os princípios “igualdade, liberdade e fraternidade” depondo a dinastia real dos Bourbon. Ser liberal significa, tolerância e generosidade, no sentido de não controlar gastos e não ser autoritário. Os que trabalham por conta própria também são chamados de liberais: médicos, dentistas, advogados. Porém, estamos considerando o conjunto de idéias éticas, políticas e econômicas da burguesia em oposição a visão da nobreza feudal. Este pensamento burguês, busca separar o Estado e a sociedade ou seja o conjunto de atividades particulares principalmente as econômicas. O liberalismo tem três enfoques: político, ético e econômico. O político constitui-se contra o absolutismo e busca nas teorias contratualistas, a legitimação do poder, que não deve ficar sob o direito dos reis, mas no consentimento dos cidadãos. O ético, com a garantia dos direitos individuais: liberdade de pensamento e expressão, religião e estado de direito e que rejeita todo tipo de arbitrariedades. O econômico se opõe a intervenção do poder nos negócios, exercida com procedimentos típicos da economia mercantilista, como a concessão de monopólios e privilégios. Essas idéias foram desenvolvidas, na defesa da propriedade privada dos meios de produção baseada na livre iniciativa e competição.”Nos temos por testemunho as seguintes verdades: todos os homens são iguais: foram aquinhoados pelo Criador com direitos inalienáveis e entre eles o da vida, da liberdade e da busca da felicidade.” Trecho da Declaração da Independência dos Estados.

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Liberalismo clássico

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Liberalismo clássico (também conhecido como Liberalismo tradicional [1] ou liberalismo laissez-faire [2] ou Liberalismo de mercado[3] é uma forma de liberalismo que defende as liberdades individuais, igualdade perante a lei, limitação constitucional do governo, direito de propriedade, direitos naturais, proteção das liberdades civis e restrições fiscais ao governo, [4]

como exemplificado nos textos de John Locke, Adam Smith, Ludvig von Mises, David Ricardo, Voltaire, Montesquieu e outros. Assim sendo, é a fusão do liberalismo econômico com liberalismo político do final do século XVIII e século XIX. [2] O "núcleo normativo" do liberalismo clássico é a ideia que economia laissez-faire conseguiria criar uma ordem espontânea ou mão invisível que beneficiaria a sociedade,[5] apesar que ele não se opõe a provisão de alguma produtos básicos pelo governo onde eles são vistos como limitados.[6] A qualificação clássico é aplicado retroativamente para distinguir ele do conceito de liberalismo do século XX e seus movimentos relacionados como liberalismo social .[7] Liberais clássicos

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suspeitam de tudo a não ser o mais minimo dos governos[8] e são contra o estado de bem-estar social.[9]

Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e Milton Friedman, são creditados como alguns dos responsáveis pela volta do liberalismo clássico no século XX após ele ter decaído em meados do século XIX e boa parte do século XX.[10][11] Em relação aos problemas econômicos, essa volta é chamada pelos oponentes como neoliberalismo. O Ordoliberalismo Alemão é visto como tendo um significado totalmente diferente, já que Alexander Rüstow e Wilhelm Röpke defendiam um estado mais intervencionista, em contraponto ao laissez-fairedos liberais.[12][13] O liberalismo clássico tem algumas similares como o moderno Libertarianismo, com termos usados de maneira semelhante com os Minarquistas libertários.[14][15]

Conceitos

Nos Estados Unidos, liberalismo se estabeleceu fortemente graças a baixa oposição aos seus ideais, onde na Europa, liberalismo era reprimido por vários interesses reacionários. Dos tempos da revolução industrial até a Grande Depressão, o liberalismo na América viu seus primeiros desafios ideológicos.[16] Nos tempos da Grande Depressão, liberalismo na América mudou sua definição passou a descrever sua oposição formal, como por exemplo na opinião de Arthur Schleichera Jr.:

"quando a crescente complexidade das condições industriais requereram aumento da intervenção do governo de maneira assegurar oportunidades mais igualitárias, a tradição liberal, com fé no seu objetivo em vez de seu dogma, alterou sua visão do estado, e emergiu a concepção do Estado de bem-estar social, onde o governo nacional tinha a obrigação de manter altos níveis de emprego na economia, supervisionar os padrões de vida e trabalho, regular os métodos de competição empresarial e de estabelecer padrões compreensivos de segurança social"[17]

Na Europa, especialmente, exceto nas ilhas Britânicas, liberalismo era relativamente fraco e impopular relativo a sua oposição, como socialismo, então nenhuma mudança no significado ocorreu.[16]

Pela década de 1970, porém, a lentidão do crescimento econômico, níveis cada vez maiores de impostos e a dívida governamental causou uma volta do liberalismo clássico. Friedrich von Hayek e Milton Friedman argumentaram contra a intervenção governamental na política fiscal e suas idéias eram embasadas por partidos conservadores nos EUA e no Reino Unido no inicio da década de 1980.[18] De fato, Ronald Reagan creditou Bastiat, Ludvig von Mises e Hayek como suas influencias.[19]

No coração do liberalismo clássico, escreveu Nancy L. Rosenblum e Robert C. Post, tem uma inscrição: "Ajudar desenvolver associações voluntarias. Limitar o tamanho, e mais importante, o escopo do governo. Enquanto o estado prover as leis básicas que mantém as pessoas longe de meios de vida parasitários e destrutivos além de direção para meios produtivos de vida, a sociedade funciona por conta própria. Se você deseja pessoas se desenvolvam, deixem que elas cuidem das próprias vidas."[20]

O liberalismo clássico coloca uma ênfase em particular na soberania do indivíduo, com direito à propriedade privada sendo essencial na liberdade do indivíduo. Isto forma a base filosófica da política publica laissez-faire. A ideologia dos "liberais clássicos" originais argumentava contra a Democracia direta "não existe nada na idéia central para a liderança da maioria para mostrar que a maioria das pessoas sempre irão respeitar os direitos de propriedade ou manter o estado de direito."[9] Por exemplo, James Madison argumentou por uma republica constitucional com proteções para o direito dos indivíduos, sobre a democracia pura, argumentando que na democracia pura, uma "paixão comum ou interesse irá, em quase todos os casos, serem

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sentidas pela maioria como um todo… e não existe nada para verificar as indulgencias para sacrificar um partido mais fraco…"[21]

De acordo com Anthony Quinton, liberais clássicos acreditam que o mercado sem intervenções é o mais eficiente mecanismo para satisfazer as necessidades humanas e canalizar recursos para seus usos mais produtivos: eles são "mais desconfiados que os conservadores de tudo menos o mais minimo dos governos".[8] O anarco-capitalista Walter Block argumenta porém que Adam Smith era um defensor da liberdade econômica mas permitia o governo intervir em muitas áreas.[22] Liberais clássicos pedem por um "mercado livre não regulado" é fundamentado nos "indivíduos serem racionais e metódicos na procura de seus objetivos".[23]

Liberalismo clássico prega que os direitos individuais são naturais, inerentes, ou inalienáveis, e existem independente do governo. Thomas Jefferson chamou isto de direitos inalienáveis: "…a liberdade de direito é uma ação não obstruída de acordo com nossa vontade dentro dos limites desenhados em torno de nós pelos direitos iguais para os outros. Eu não vou adicionar 'dentro dos limites da lei', porque a lei as vezes é a vontade do tirano, e sempre quando ela viola os direitos do indivíduo."[24] Para o liberalismo clássico, direito são de natureza negativa - direitos que requerem que outros indivíduos (e governos) abandonem de interferir na liberdade individual, sendo que o liberalismo social (também chamado de liberalismo moderno) mantém que o indivíduo tem o direito de ser provido de certos beneficios ou serviços pelos outros[25] Ao contrário dos liberais sociais, liberais clássicos são hostis à idéia do estado do bem estar social.[9] Eles não tem interesse em igualdade de resultados, mas apenas de igualdade perante à lei.[26] Liberalismo clássico é critico ao liberalismo social e acha ofensivo o direito do grupo ser perseguido em detrimento do direito do indivíduo.[27]

Friedrich Hayek identificou duas tradições diferentes no liberalismo clássico: a "tradição Britânica" e a "tradição Francesa". Hayek diz que filósofos da tradição Britânica como David Hume, Adam Smith, Adam Ferguson, Josiah Tucker, Edmund Burke e William Paley são representativos da tradição que articula fé no empirismo, no common law, e em tradições e instituições que se desenvolveram espontaneamente mas são pouco entendidas. A tradição Francesa inclui Jean-Jacques Rousseau, Marquis de Condorcet, a Encyclopédie e os Fisiocratas. Esta tradição acredita no racionalismo e nos poderes sem limites da razão, e algumas vezes demonstraram hostilidade à tradição e religião. Hayek concede que os títulos nacionais não correspondem exatamente a cada uma das tradições: Hayek viu que os Franceses Montesquieu, Benjamin Constant e Alexis de Tocqueville pertencem a tradição Britânica e que os Britânicos Thomas Hobbes, Willian Godwin, Joseph Priestley, Richard Price e Thomas Paine como pertencendo a tradição Francesa.[28] Hayek também rejeito que o título "laissez faire" como originando da tradição Francesa e como alienígena ao que acreditava Hume, Smith e Burke.

[editar] História

As origens mais antigas do liberalismo clássico remontam a pensadores antigos como Aristóteles e Cícero

O Liberalismo pode encontrar algumas de suas raízes no humanismo que se iniciou com a contestação da autoridade das igrejas oficiais durante a Renascença, e com a facção Whigs da Revolução Gloriosa na Grã-Bretanha, cuja defesa do direito de escolherem o seu próprio rei pode ser vista como percussora das reivindicações de soberania popular. No entanto, os movimentos geralmente tidos como verdadeiramente "liberais" surgem durante o Iluminismo, particularmente o do partido Whig de Inglaterra, os filósofos em França e o movimento defensor do auto-governo na América colonial. Estes movimentos opunham-se à monarquia absoluta, mercantilismo, e diversas formas de ortodoxia religiosa e clericalismo. Foram também os primeiros a formular os conceitos de direitos individuais e do primado da lei, bem como da importância do auto-governo através de representantes eleitos.

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O enfoque na "liberdade" como direito político essencial das pessoas foi repetidamente defendido ao longo da história: o conceito básico da liberdade foi criado durante a Idade Antiga na Grécia; na Idade Média as cidades italianas se revoltaram contra os Estados Pontifícios papais debaixo da bandeira da "liberdade", e, um século e meio depois, o filósofo Nicolau Machiavel fez da defesa das liberdades civis a chave da forma republicana de governar. A resistência holandesa ao opressivo catolicismo espanhol é freqüentemente apontado como outro exemplo; apesar da recusa em conceder liberdade de culto aos católicos, é usualmente considerado uma luta predecessora dos valores liberais.

A história do liberalismo como ideologia consistente, ou seja, em que a liberdade não é algo de acessório, mas a base fundamental dos direitos políticos e mais tarde do próprio Estado, começam a tomar forma como resposta ao absolutismo político e ao realismo no Reino Unido. O corte definitivo foi a concepção de que os indivíduos livres poderiam formar a base da estabilidade política em vez de terem licença de agir, desde que não colocassem em causa a estabilidade política. Esta concepção é geralmente atribuída a John Locke (1632-1704), cuja obra (Dois tratados de governo) estabeleceu duas ideias liberais fundamentais: liberdade econômica, ou seja o direito de possuir e usufruir da propriedade, e a liberdade intelectual, incluindo a liberdade de consciência, a qual é exposta em Da tolerância (1689). No entanto, ele não estende essas concepções de liberdade religiosa aos Católicos.

A Escolástica Tardia foi a grande base doutrinal da obra de Locke, para além da realidade concreta em que viveu. Recolhe a ideia, sobretudo de Francisco Suárez e Juan de Mariana, jesuítas espanhóis que defenderam o direito natural como base dos sistemas políticos, onde o homem entrega o poder para ser exercido por terceiros, mas mantendo sempre o direito de o assumir novamente, nos casos de injustiça. Estes autores reconhecem inclusive o direito à revolta, à revolução e ao tiranocídio, ou seja o derrube pela força do mau governante. Juan de Mariana vai mais além e defende que a sociedade e a liberdade individual se baseiam na propriedade. Locke desenvolve posteriormente a ideia de lei natural\direitos naturais, os quais ele define como "vida, liberdade e propriedade". A sua "Teoria do Direito Natural" é o antepassado distante da moderna concepção de Direitos Humanos. No entanto, para Locke, a propriedade era mais importante do que os direitos de participar no governo e no processo público de decisão: ele não defendia a democracia, porque receava que ao se dar o poder ao povo se provocaria a erosão da santidade da propriedade privada. No entanto, a idéia de direitos naturais desempenhou um papel chave na sustentação ideológica na Revolução Americana e na fase inicial da Revolução Francesa.

No continente Europeu, a doutrina do primado da lei, mesmo sobre os monarcas foi sustentada por Montesquieu em seu O espírito das leis. Neste trabalho, é defendida a idéia que "é melhor dizer que é preferível o governo mais conforme a natureza é aquele que melhor coincida com a vontade e disposição das pessoas em favor do qual é estabelecido," ao daquele estabelecido meramente pela força. Prosseguindo na mesma via, o economista político Jean-Baptiste Say e Destutt de Tracy foram os mais ardentes defensores da "harmonia" do mercado e deram provavelmente origem ao termo laissez-faire.

Na segunda metade do século XVIII emergiram duas escolas de pensamento particularmente relevantes para o pensamento liberal. Na Suécia-Finlandia o período de liberdade e governo parlamentar entre 1718 e 1772 viu surgir o parlamentar Anders Chydenius. O seu impacto deu-se sobretudo na região nórdica, mas também teve importantes consequências noutras áreas.

A outra escola é derivada do "iluminismo escocês", influenciando pensadores como David Hume, Adam Smith e por fim Immanuel Kant.

Embora Adam Smith seja considerado como o mais famoso dos pensadores liberais, ele teve antecessores. Os fisiocratas em França propuseram-se estudar a política econômica de forma sistemática e a natureza da auto-regulação dos mercados. Mais relevante ainda, no seu livro 1765 book The National Gain Anders Chydenius foi o primeiro pensador a publicamente propor a liberdade de comércio e a definir os próprios principios do liberalismo, onze anos

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antes de Adam Smith no seu livro a riqueza das nações em 1776. Benjamin Franklin, por seu turno, defendeu a liberdade para a indústria norte-americana em 1750.

O escocês Adam Smith (1723-1790) expôs a teoria de que os indivíduos poderiam estruturar a sua vida económica e moral sem se restringirem às intenções do Estado, e pelo contrário, de que as nações seriam tanto mais fortes e prósperas quanto mais permitissem que os indivíduos pudessem viver de acordo com a sua própria iniciativa. Defendeu o fim das regulações mercantis e feudais, dos grandes monopólios estatais ou similares e é encarado como o defensor do principio do "laissez-faire" - o governo não deveria tomar posição no funcionamento livre do mercado. Adam Smith desenvolveu uma teoria de motivação pela qual tentou conciliar o interesse egoísta individual com a desordem social (sobretudo no Teoria dos Sentimentos Morais (1759)). O seu famoso trabalho, A Riqueza das Nações (1776), tentou explicar como o mercado com certas precondições naturalmente se auto-regularia por intermédio da agregação das decisões individuais e produziria muito mais eficientemente do que os pesados mercados regulados que eram a norma no seu tempo. As suas premissas eram a de que o papel do governo não deveria ter uma intervenção em áreas onde o lucro não poderia ser a motivação, e prevenir os indivíduos de usarem da força ou fraude para alterarem a livre competição, comércio e produção. Defendia que os governos deveriam apenas intervir fiscalmente em áreas onde as mesmas não tivessem impacto nos custos económicos, seguindo a teoria de Hume sobre circulação monetária, argumentando que era a produção de riquezas e não o total de ouro que representava a "riqueza" de uma nação.

Kant foi fortemente influenciado pelo empirismo e racionalismo de David Hume. O seu mais importante contributo para o liberalismo foi na área da ética, particularmente a sua asserção do imperativo categórico. Kant defendia que os sistemas resultantes da razão e da moral estavam subordinados à lei e moral natural, e portanto, quaisquer tentativas para as subverter só trariam o fracasso.O seu idealismo, foi estruturante, na visão de que existiam verdades fundamentais que os sistemas racionais não poderiam ignorar e nas quais se deveriam basear. Tal entendimento fazia a ligação com o Iluminismo Inglês o qual estabelecia a existência de direitos naturais.

Livre comércio e paz mundial

Vários liberais, incluindo Adam Smith e Richard Cobden, argumentam que a livre troca de bens entre as nações podem levar à paz mundial. Cientistas políticos modernos Americanos, incluindo Dahl, Doyle, Russet e O'Neil, apóiam essa teoria. Dr. Gartzke, da Universidade de Colúmbia, diz que "Acadêmicos como Montesquieu, Adam Smith, Richard Cobden, Normal Angell e Richard Rosecrance já haviam especulado que o livre mercado tem o potencial de liberar as nações do prospecto de uma guerra recorrente".[29] Os cientistas políticos John R. Oneal e Bruce M. Russet, conhecidos como os autores da Teoria da Paz Democrática, dizem:

Os liberais clássicos pregavam politicas para aumentar a liberdade e a prosperidade. Eles lutavam para aumentar os poderes das classes comerciais e abolir as cartas reais, monopólios, e politicas protecionistas de mercantilismo tudo para encorajar empreendedorismo e aumentar a eficiência produtiva. Eles também esperavam que a democracia e a economia laissez-faire diminuíssem as guerras.[30]

Adam Smith argumentava em a Riqueza das nações que enquanto as sociedades progrediam de nômades para sociedades industriais os ganhos da guerra aumentariam, mas os custos da guerra aumentariam ainda mais, tornando guerra algo difícil e de alto custo.[31]

…a honra, a fama, e as paparicações da guerra, não pertence as classes média e industriais; os altiplanos das batalhas são os campos de colheira da aristocracia, regados com sangue das pessoas… Enquanto nossos negócios estavam em dependências estrangeiras, como é caso da ultima metade de século… força e violência, eram necessários para comandas os consumires até nossos fabricantes… Mas guerra, apesar de ser o maior dos consumidores, não produz nada de retorno, mas, por abstrair trabalho da força produtiva e interromper o curso

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dos negócios, ela impede, de uma variedade de maneiras indiretas, a criação de riqueza; e, enquanto as hostilidades continuarem por uma série de anos, cada empréstimo de guerra será sentido nos nossos distritos comerciais e manufatureiros com cada vez mais pressão. Richard Cobden[32]

Quando produtos não podem cruzar as fronteiras, exércitos irão.Frederic Bastiat[33]

Por virtude dos interesses mútuos a natureza irá unir as pessoas contra a violência e a guerra… o espirito do comércio não coexiste com a guerra, e cedo ou tarde este espirito domina todas as pessoas. De todos os poderes que pertencem à uma nação, a poder financeiro é o mais confiável em forçar as nações perseguirem causas nobres de paz… e mesmo em uma ameaça de guerra mundial, elas ainda assim tentaram negociar por mediação, como se elas fossem permanentemente guiadas para este propósito - Immanuel Kant, the Perpetual Peace.

Cobden acreditava que os gastos militares pioravam o bem estar do estado e beneficiavam apenas uma pequena elite concentrada. Para Cobdem, e muitos liberais clássicos, aqueles que clamam por paz mundial também devem clamar por mercados livres.

Liberdade

O diretor executivo do The Objectivist Center e libertário David Kelley argumenta que os liberais clássicos tinham um conceito de liberdade inteiramente em contradição com a definição liberal moderna.[25] Enquanto os liberais clássicos pediam por livre comércio e autoridade central limitada, os liberais modernos redefiniram liberdade e direitos humanos para incluir autoridade do governo sobre a propriedade, trabalho e capital. Adam Smith argumentava que de maneria à servir o bem estar a humanidade, os indivíduos devem ser livres para seguir seus próprios interesses, que devem "sustentar a vida e comprar produtos", e que o governo deveria não interferir no livre empreendimento, impedindo apenas competição desleal e brigas.[34]

Sobre o conceito liberal clássico de liberdade, do Edinburgh Review, de 1843: Tenha certeza que liberdade de comércio, liberdade de pensamento, liberdade de expressão e liberdade de ação, não são mais que modificações de uma verdade fundamental, e que todas devem ser mantidas ou se arriscará tudo; ou se sustentam ou todos caem.[35]

Kelley também sugere que os liberais clássicos entendiam liberdade como uma direito negativo, um direito da ação coerciva dos outros. Liberais modernos incluem direitos positivos na liberdade, que são os direitos de provisão de produtos.[25] O entendimento moderno de liberdade positiva é o oposto do pensamento clássico de liberdade negativa.