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MANUAL DE PORTFÓLIO
UM INSTRUMENTO EDUCATIVO NA VIDA ACADÊMICA
Profa. Jocileide Sales Campos*
Allana Mayara Fernandes Moreira***
Fernando Malinverno***
Júlia Guedelha**
Sara Eglantine Martins Coelho**
Marina Costa Campos***
Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.
Rubem Alves
JANEIRO DE 2017
*Docente - Curso de Medicina da Unichristus e do Mestrado Profissional Ensino em Saúde da Unichristus;
** Acadêmicos de Medicina do Centro Universitário Christus - Unichristus. *** Médicos egressos de Medicina do Centro
Universitário Christus - Unichristus
O Portfólio: um instrumento educativo na vida acadêmica
O atual contexto social, econômico, cultural e político proporcionou o surgimento de
uma demanda educacional por meio de metodologia ativa no processo ensino-
aprendizagem. Amplamente discutida nos últimos anos, a transição de um modelo
cristalizado para uma estratégia educacional focada no desenvolvimento de habilidades
humanísticas, técnicas e cívicas, em que o aluno é o protagonista da própria formação, tem
contado com a elaboração de diversas ferramentas para alcançar tal objetivo.
O processo da educação passa a questionar a antiga ideia de algo que deve ser
apenas recebido de forma passiva para dar lugar a uma ideologia mais ampla e participativa
do cotidiano, a qual estimula a busca, a troca de experiências e a produção do saber.
A nova definição do processo educacional propõe, portanto, formação de indivíduos
ativos, inquisitivos e participantes da transmutação da sociedade atual - criativos. É um
desafio, consequente ao encontro com uma realidade diferente que pode gerar certa
instabilidade, e que estimula a reflexão sobre as experiências já vivenciadas pelos
formandos, envolvendo sentimentos e racionalização capazes de fazê-los perceber, com
mais clareza, não somente um problema, mas os processos de condução à sua solução.
Entretanto, mudar a antiga forma de conceitualizar e entender a educação é um
processo que demanda tempo e requer uma ação conjunta de estudantes, professores, bem
como das instituições educadoras.
A partir desta nova maneira de produzir educação, os tipos de avaliação até então
empregados tornaram-se sozinhos, obsoletos. A mudança destes hábitos avaliativos não se
dá de forma tão natural quanto à “evolução” pretendida com o processo educativo. É algo
que ocorre de modo lento e baseado em novas experiências, abandonando antigas posturas
punitivas por parte dos professores e dando espaço à construção de posicionamentos mais
dialógicos e reflexivos por parte tanto do corpo discente quanto do docente.
Neste contexto, a implantação de novas formas que consigam avaliar o aluno de
forma mais profunda ganha força no ambiente acadêmico. Elas buscam contextualizar, por
meio de diversas linguagens, as informações repassadas pelos mestres e a adição de
outras fontes de conhecimento buscadas pelos alunos, fundamentando a aprendizagem
para aquele que aprende. Assim, os instrumentos que visam avaliar de maneia qualitativa o
conhecimento perdem espaço para os métodos que utilizam a criatividade como forma de
registro na edificação do conhecimento. Contudo, a superação de uma perspectiva
meramente classificatória de avaliação não tem sido conquistada facilmente, principalmente
quando as formas de obtenção de resultados parecem completas de objetividade e
neutralidade e quando os escores que enunciam parecem refletir a quantidade e a qualidade
das aprendizagens efetivas.
O ensino precisa ser estimulante e acolhedor, para que o aluno execute as
atividades solicitadas e se sinta vinculado ao conteúdo desse aprendizado.
O professor, que acompanha os alunos, orientando-os e instigando-os na superação
dos desafios postos, necessita assegurar-se de que o compromisso com a aprendizagem e
a superação das dificuldades poderá envolver a cada um e a todos.
A ação docente carece ser orientada por escolhas sobre o porquê ensinar alguns
conteúdos de um determinado modo ou sobre o momento apropriado para introduzir uma
informação ou, ainda, sobre a maneira de acompanhar o aprendizado, na complexidade da
rotina na sala de aula e em outros cenários. Escolhas adequadas exigem fundamentação
teórica consistente e vivências diversificadas.
É a avaliação que possibilita aos educadores e professores reconhecer se os
métodos educacionais que utilizam como contribuintes para a construção de conhecimentos,
de atitudes do saber fazer, estão alcançando o propósito definido.
Ao longo da prática profissional, é importante, portanto, adquirir uma visão mais
realista e crítica, em que há a oportunidade de integrar novas atitudes que podem ser
fundamentais na formação de professores e educadores, contribuindo, assim, na
identificação dos medos, das angústias e falhas das quais podem ser vítimas, e a busca de
soluções por meio de uma reflexão crítica.
Ainda em 1949, surgiu proposta que conduziu a uma percepção da avaliação
fortemente centrada nos objetivos pretendidos do aprendizado, e, nesta perspectiva, a
avaliação é considerada como um processo para conhecer até que ponto os objetivos
educacionais são realmente alcançados.
A avaliação é, então, apresentada não como um teste, mas como um processo com
três etapas possíveis, que são: identificar, obter e proporcionar informação. De início, são
identificadas as necessidades e, a partir daí, procede-se à elaboração de programas que
englobem processos que possam não estar exclusivamente ligados aos resultados,
conforme explicitado por Fernandes, 2010.
De outro modo, a avaliação consiste, também, em ajudar o aluno a perceber seus
pontos fortes e fracos por meio de uma reflexão mútua entre o professor e o aluno, para
que, juntos, encontrem novas formas de abordagem de conhecimentos necessários.
A dimensão didática na avaliação conduz à obtenção do diagnóstico das dificuldades
dos alunos, do ritmo de suas aprendizagens, para que seja possível intervir no sentido de
desenvolver processos formativos de aprendizagem adequados às caraterísticas percebidas
no aluno.
A expressão “avaliação formativa”, criada por Scriven em 1967, implicou uma
significativa renovação dos conceitos de avaliação escolar, enriquecendo-os, alargando-os,
tornando-os mais adaptados tanto à complexidade das situações de ensino-aprendizagem
quanto às necessidades específicas dos alunos.
Para alguns autores, este tipo de avaliação determina a posição do aluno ao longo
de uma unidade de ensino, no sentido de identificar dificuldades e de lhes encontrar
solução. A avaliação formativa acompanha o processo de ensino-aprendizagem,
vislumbrando identificar as aprendizagens bem-sucedidas e as que necessitam ser
melhoradas.
O Portfólio - ferramenta facilitadora do aprendizado e de sua avaliação
O termo Portfólio é composto pelo prefixo port, que vem do latim e significa
“transportar”, e pela palavra folio, a qual, segundo o dicionário HOUSSAIS, significa “um
livro feito com páginas grandes; uma única folha de papel ou página de um livro”. Conota
certa relação com o diário ou livro de um artista.
A definição do conceito de portfólio é bastante diversificada e está na origem de
atividades profissionais, especificamente ligadas à imagem e ao grafismo, como a fotografia
e a pintura, entre outros. Desse modo, a este nível, pretende-se, com a sua utilização,
registar e apresentar trabalhos de acordo com uma área especificada.
É na perspectiva de avaliação e facilitação do aprendizado que o portfólio ganha
espaço em face da implantação destes novos métodos de ensino-aprendizagem, por se
encaixar perfeitamente como uma ferramenta que se adapta às necessidades avaliativas na
formação do aluno nestas novas circunstâncias de processo ativo de aprendizagem.
Assim é que o portfólio é visto, como instrumento de apoio a um método que
concede melhorias científicas e técnicas, propiciando a troca de informações e o
crescimento profissional tanto para alunos quanto para professores, permitindo que ambos
se responsabilizem com um modo mais competente de realizar seus cuidados na vida
daqueles que confiam em suas ações para seu processo de cura. Além disso, tem como
intuito, também, proporcionar ao aluno um espaço pessoal para o registro de suas reflexões,
aprendizados técnicos e humanísticos bem como a correlação das situações abordadas em
estudos teóricos e as proposições de solução nas vivências de situações representativas
dessas teorias. O estudante se percebe incluso na dinâmica de seu objeto de estudo,
adquire ou fortalece responsabilidades, assume desafios desde as fases mais precoces de
sua formação.
No processo de construção do portfólio, o aluno pode possuir uma bagagem de
conhecimento sobre o tema tratado, de forma a aumentar sua capacidade de reflexão e
emissão de dúvidas pertinentes. A busca por referenciais teóricos na literatura enriquece,
amplia e aprofunda esse conhecimento prévio e também faz parte da confecção do portfólio,
de modo que as fontes devem ser evidenciadas no relato.
Nos campos educacional e avaliativo, o portfólio vem ganhando muita notoriedade
por conseguir reunir elementos de reflexão dos discentes sobre seus processos de
aprendizagem nas experiências cotidianas. Por tratar-se um processo que demanda tempo,
pode ser utilizado em seguimento periódico, conseguindo captar as etapas de
aperfeiçoamento dos acadêmicos. Portanto, representa uma forma de obter um processo
construído pelos alunos, orientado pelo professor/orientador, capaz de registrar as
evoluções de sua aprendizagem por meio do tempo, sem perda de uma ação dialógica.
A vantagem do portfólio sobre o uso exclusivo de provas no processo avaliativo é
que ele permite a correção da análise e do julgamento a respeito do desempenho do aluno
durante o curso, favorece amostras de comportamentos dos estudantes em várias situações
de ensino, induz o aprendiz a refletir acerca de seu desempenho, orienta-o mais claramente
em direção a determinados pontos fundamentais do curso e, permite, ainda, ao professor
uma avaliação mais ampla do aluno, indicando suas facilidades e dificuldades.
Além disso, é considerado como competência do professor e dos coordenadores de
cursos, ou módulos de cursos, identificar processos que permitam avaliar melhor o
desempenho de seus alunos e, em conjunto, desenvolver métodos para melhorar a
aprendizagem de todos – alunos e professores.
Na perspectiva de alguns estudiosos, um portfólio pode conter muitos objetivos de
natureza distinta ou se referir a um conceito vasto que compreende múltiplas possibilidades,
uma vez que pode ser utilizado em diferentes contextos. Algumas orientações ou
caraterísticas que são importantes na construção de portfólios são referidas por vários
autores:
a) Informação - antes de iniciar a construção do portfólio, é importante clarificar, junto aos
alunos e aos encarregados de educação, o que se entende por portfólio e quais as
potencialidades pedagógicas deste instrumento.
b) Apoio - o professor deve dedicar algumas aulas ou parte delas para apoiar os alunos em
sua elaboração. Se a sua construção é realmente importante, então é algo que deve ser
discutido e trabalhado em sala de aula e em pequenos grupos. Pode-se construir um guia
de apoio a esta tarefa, incluindo questões orientadoras.
c) Representatividade - a natureza dessas tarefas é determinada pelo contexto no qual o
portfólio é proposto, que tanto pode ser no âmbito de uma disciplina como em um conjunto
de disciplinas e pelas experiências de aprendizagem que são, ao longo do tempo, ofertadas,
propostas aos alunos. Cabe, assim, ao professor discutir com os alunos o tipo de tarefa que
habitualmente são trabalhadas e, em conjunto, fazer uma listagem de diversidade de tarefas
que o portfólio deverá apresentar. Entretanto, nesta seleção de atividades, devem definidas
tarefas para cada tipo de atividade incluída no portfólio.
d) Flexibilidade - pode-se incluir uma nova reflexão a acompanhar a nova produção, conter
uma parte explicativa referente à nova inclusão ou à substituição de uma ação/produção
realizada.
e) Globalidade - uma das características do portfólio é a variedade de situações que podem
ser nele incluídas. Tal fato permite, portanto, concluir a inserção de várias dimensões de
aprendizagem, entendida, em seu sentido amplo, global.
f) Continuidade - outra oportunidade que o portfólio apresenta, quer por parte do professor,
quer do aluno, é ter acesso à evolução do aluno ao longo do tempo e, para que isso seja
possível, devem ser registradas as datas de entrada de cada elemento constitutivo do
portfólio, durante os diversos períodos cursados.
Uma avaliação contínua, aprendizado crescente
Um processo de avaliação contínua pelos professores orientadores tem permitido
identificar necessidades que passam a ser incluídas no aperfeiçoamento de sua formação e
avaliação.
O portfólio revela para o educando como estão processando-se sua aprendizagem e
seu desenvolvimento. Em decorrência, ele pode transformar, mudar, (re)equacionar esse
processo de aprendizagem, em vez de simplesmente saber sobre ele. Faculta ao professor
perceber a qualidade e a efetividade do ensino desenvolvido, suscita-lhe um permanente
repensar de sua prática e condutas pedagógicas, muito mais que, meramente, tecer juízos
que levam à classificação dos alunos e à sua separação em bons e fracos.
Uma finalidade essencial do portfólio é registrar a trajetória de aprendizagem dos
alunos, pois mantém armazenadas as principais etapas por eles vivenciadas na apropriação
do saber. Entretanto, não pode ser confundido com uma mera pasta de tarefas. É
comparado a um “diário do aluno”, uma vez que a preocupação é com o registro periódico,
feito pelo educando, de dados e impressões, mostrando suas reflexões, suas críticas, seu
aprendizado.
Além disso, os portfólios representam, também, um espaço de diálogo entre
educadores e educandos, pois são construídos, elaborados e reelaborados, compartilhados
e interpretados no decorrer de todo o trabalho pedagógico. Eles possibilitam documentar,
registrar e estruturar as tarefas produzidas, as estratégias selecionadas para a resolução de
problemas, as aprendizagens edificadas – bem como aquelas ainda em curso. Evidenciam,
então, a dimensão formativa da avaliação da aprendizagem.
Enquanto ferramenta avaliativa, o portfólio favorece a reflexão sobre as
aprendizagens alicerçadas e aquelas ainda em construção, gerando uma aprendizagem
mais integral, na medida em que é contínua e progressivamente registrada, analisada,
revista, dialogada e repensada. Possibilita refletir sobre os assuntos abordados em sala de
aula, vivenciar na prática e verificar o que, de fato, foi aprendido, registrado. Outro aspecto a
ser ressaltado é a busca e o uso de material científico apropriado para a sustentação das
reflexões registradas que fortalecem a formação individual, o que leva a um comportamento
de respeito e corresponsabilidade com as atividades e o aprendizado do grupo, assim como
a valorização de pesquisas.
O Uso do Portfólio na Prática Acadêmica do Curso de Medicina
Para a construção adequada do portfólio, o acadêmico deve seguir uma série de
orientações acerca dos parâmetros que devem estar presentes no seu relato e que serão
avaliados pelo professor.
Primeiramente, o tema que será abordado deve ser do conhecimento do aluno, do
grupo, do próprio professor e dos facilitadores, para o estabelecimento das ideias bem como
dos objetivos pretendidos ao construir um portfólio. Os principais objetivos são o
desenvolvimento da capacidade de resolução de problemas cotidianos, o estímulo à leitura
e à pesquisa e ao pensamento reflexivo por parte dos alunos, o encontro de novas
necessidades de saber para a completude individual e grupal na formação do profissional.
Uma das orientações mais importantes a ser seguida é a inclusão das reflexões ao
final do relato de cada atividade, pois é nesse momento que se pode observar, em roda de
conversa, o que o aluno entendeu sobre o quanto aprofundou seu conhecimento e o que
mais despertou sua atenção. Essa Roda de Conversa integra o processo participativo que
tem início nas experiências vivenciadas por duplas de acadêmicos, fazendo rodízio na
passagem por diversos serviços contemplados na Unidade de Saúde, sempre monitoradas
pelo preceptor e monitores da equipe. São trazidas, neste momento, experiências singulares
ou mesmo somatórias nas quais podem ser evidenciadas aplicação de princípios do
Sistema Único de Saúde (SUS), atenção humanizada, empatia e vínculo, segundo preceitos
da medicina centrada no paciente.
Dessa forma, não deve apenas descrever de forma objetiva a atividade prática do
dia, pois o processo de aprendizagem se concretiza de maneira mais eficaz quando o aluno
é capaz de formar seus próprios pensamentos e opiniões acerca de determinado assunto e,
sobretudo, quando reflete no grupo e é suportado por evidências já existentes.
Para complementar o assunto discutido em cada relato do portfólio e para estimular a
busca pelo conhecimento, é necessária a pesquisa de referências bibliográficas, que podem
ser aulas, artigos científicos, reportagens, palestras, seminários, entre outros, e, assim,
enriquecer o relato, aportando o cuidado no uso da linguagem escrita.
Após o término de alguns relatos, que devem ser construídos periodicamente, o
portfólio deve ser entregue ao orientador para que seja feita a avaliação.
A avaliação do portfólio pelo orientador representa um dos critérios de avaliação
formativa do aluno, o que permite a constatação ampla do desenvolvimento do acadêmico
em um determinado espaço de tempo no que diz respeito não apenas ao conhecimento
teórico adquirido, mas à sua capacidade de resolução de problemas a partir dos referenciais
teóricos estudados e habilidades de reflexão e comunicação adquiridas durante as práticas
vivenciais.
Durante a avaliação formativa, são analisados, desta forma, os seguintes critérios:
participação/comprometimento/comunicação; pontualidade; registro das atividades no
portfólio; desenvolvimento e registro de pensamento crítico sobre a vivência e relação com o
SUS; referências bibliográficas pesquisadas e utilizadas.
Finalizada a avaliação, é estabelecido o feedback professor-aluno, em que o
professor fará comentários e observações sobre cada atividade que foi relatada no portfólio,
e apontará o que pode ser mais bem desenvolvido ou algum fato que deixou de ser
registrado/refletido/aprofundado. Neste momento, cabe ao orientador estimular o estudante,
por meio de suas observações, quanto à avaliação das reflexões descritas.
Essa avaliação é realizada de modo a monitorar e obter o crescimento pessoal e
acadêmico do aluno e do grupo de alunos, permitir aos professores um aprofundamento de
seus conhecimentos na medida em que eles se deparam com as reflexões pessoais de
cada indivíduo, as quais também devem ser discutidas no grupo de estudo.
Tal modo de avaliar, conhecido como avaliação formativa, conforme foi descrito
anteriormente, representa uma estratégia pedagógica que busca combater equívocos ou
inadequações encontradas no processo ensino-aprendizagem. De outro modo, ressalta-se a
importância de dar oportunidade aos alunos para vivenciar situações interativas como
relatos de experiências vividas e trocas de argumentação, de maneira que eles também
possam se tornar mais habilitados na expressão escrita e oral.
Uma reconhecida importância do uso do portfólio é a organização de todos os
registros de trabalhos dos alunos durante o semestre ou ano. Dessa maneira, o aluno pode
perceber seu progresso, e o professor tem a oportunidade de analisar o processo como um
todo, observando quais as atividades que tiveram resultados mais eficazes ou quais as que
devem ser modificadas por não terem obtido êxito. Além disso, o portfólio pode ser utilizado
quando se deseja uma revisão dos assuntos já vistos durante o semestre e que estão ali
registrados.
Reflexões do Instrumento Portfólio
O portfólio tem representado uma das tendências das mais robustas para que
professores e estudantes compreendam suas trajetórias de ensino e de aprendizagem.
Pode-se constituir em diálogo e reflexão acerca dos processos de aprender-ensinar-
aprender e, muito mais, pode ser capaz de concretizar uma avaliação mais justa e,
sobretudo, participativa, dinâmica e criativa.
As narrativas, tanto do estudante quanto do professor, evidenciam o que e como foi
construído o conhecimento, os caminhos percorridos e aqueles que necessitam ainda ser
desvelados.
É percebido que o portfólio potencializa um ensino prático reflexivo, mostrando que
os estudantes não só reproduzem o que é ensinado, mas vivenciam-no, participando dos
processos, apropriando-se e recriando os conhecimentos. Um bom exemplo tem sido a
realização de atividades de educação em saúde nas salas de espera. Para promover essa
atividade, os alunos apropriam-se de saberes relativos à temática, que representa a
necessidade sentida pela comunidade e pelos profissionais, por meio de leitura de
publicações atualizadas. Em seguida, sob a orientação de preceptores, eles constroem
folder educativo para revisitar conhecimentos sobre comunicação com linguagem apropriada
somada a um visual estimulante, inspirador da curiosidade nas informações contidas. A
conversa com os usuários tem início com diálogo acerca de suas experiências e
comentários entre eles sobre solução de situações; assim, vão-se encaminhando para o
folder que é distribuído e trabalhado dialogicamente.
Mais Considerações sobre o Portfólio na Avaliação Formativa
Ao considerar a avaliação como um processo formativo, são ressaltadas três
características fundamentais para esse tipo de avaliação: uma delas refere-se aos
dispositivos de avaliação que possibilitam a observação dos saberes, das habilidades e
competências dos estudantes, objetivando a formação de seres humanos autônomos e
conscientes. Outra característica é que a avaliação formativa precisa comunicar aos
envolvidos – professores e estudantes – seus processos de aprendizagem. A terceira é
representada pela função corretiva, na qual os sujeitos envolvidos podem ressignificar suas
ações e superar seus desafios, seus medos e seus insucessos.
O portfólio é, portanto, um instrumento capaz de romper com o conceito de avaliação
redutora e fragmentada, sinalizando para uma avaliação narrativa que dá voz aos
estudantes, ao professor e à comunidade, dando visibilidade às vivências e aos saberes
singulares e coletivos. O portfólio, segundo diferentes autores, como elemento integrador de
um currículo, privilegia a integração afetivo-cognitiva, considerando a diversidade da
experiência humana, o aprendizado compartilhado, como já defendido por diversos autores,
e maior vínculo professor-aluno e aluno-aluno.
Embora o aluno tenha uma participação mais autônoma nos cursos universitários,
permanece a necessidade de um acompanhamento constante, de natureza metodológica e
pedagógica. Neste contexto, a Coordenação do Módulo: Integração Serviço Ensino
Comunidade (ISEC), no Curso de Medicina do Centro Universitário Christus (Unichristus),
estruturou o portfólio inserindo conteúdo relacionado às práticas vivenciadas, bem como
orientações para seu uso e critérios de avaliação.
A busca permanente de aprimoramento do portfolio visa a alcançar um melhor
instrumento formativo e avaliativo. Como resultado desta assertiva, os critérios de avaliação
têm sido modificados ou acrescentados.
Após uma discussão entre professores da Coordenação Geral e de cada semestre
do ISEC, foi estabelecida reformulação de critérios de avaliação, de acordo com
necessidades percebidas na avaliação formativa por meio do portfólio para o ano de 2017.
Decidiu-se pela atribuição de uma nota para cada atividade do aluno, sendo lançada a
média das notas das atividades realizadas no período, respeitando critérios acordados para
as avaliações.
Os critérios utilizados atualmente estão relacionados a seguir.
- O aluno que não comparecer a uma atividade ou que não a registre perderá a avaliação,
uma vez que não foi vivenciada a atividade formativa.
- A entrega do portfólio com atraso terá como consequência a redução na pontuação média
das atividades.
- Assiduidade e pontualidade - essa mudança tem o propósito de edificar responsabilidade
no compromisso individual com o horário e proporcionar chances iguais ao processo
formativo do grupo.
- Comunicação em grupo – Roda de Conversa. Uma das principais mudanças foi a
introdução desse critério avaliativo que propicia uma maior interação entre os alunos e o
compartilhamento do aprendizado entre eles. Essa comunicação em grupo é amplamente
utilizada em muitas organizações para a tomada de decisão e resolução de problemas e
promove a facilitação da exploração de novas ideias e conceitos; além disso, precisa ser
estimulada pelos preceptores, para que sejam analisadas dificuldades encontradas pelos
alunos e verificado o que pode ser feito para facilitar o processo de aprendizado.
- Registro das atividades - requer, além da informação sobre a vivência, uma escrita clara,
abordagem linguística e completude da vivência, inclusive na Roda de Conversa em grupo.
- Reflexões sobre as vivências relacionadas ao SUS, à comunidade usuária, trazendo aporte
de conhecimentos adquiridos em aulas, leitura de artigos e de livros-texto.
- Referências bibliográficas é um critério que permanece, tendo em vista a necessidade de
fundamentar reflexões e aprendizado. Cada vez mais é solicitado o encontro de referências
atualizadas, relacionadas à vivência, bem como a citação correta no corpo do texto e ao
final, conforme normas da ABNT.
A transformação da avaliação formativa em nota requer pontuação adicionada aos
critérios, o que foi pactuado entre os professores do módulo ISEC.
Quadro 1. Critérios avaliativos – Portfólio, Medicina Unichristus, 2017.
E= excelente; B= bom. R- regular; I= insuficiente; A- ausente. * Justificado pelo professor, até 1.0 pt
O quadro 1 mostra os critérios atualizados para a Avaliação Formativa utilizada no ano
de 2017, no módulo ISEC/Medicina/Unicrhistus.
Algumas percepções sobre atividades realizadas por profissionais auxiliares bem
como ausência de instrumentos, equipamentos na unidade de saúde, registrados no
portfólio são temas para atuação da Unichristus na realização de aquisição desses
equipamentos e, sobretudo, na capacitação dos profissionais.
Vale ressaltar que o ISEC é um módulo horizontal, do primeiro ao oitavo semestre do
Curso de Medicina, e que, em relação ao segundo e terceiro semestres, são utilizadas
características diferenciadas, de acordo com atividades direcionadas ao processo de
pesquisação desenvolvido em equipamentos sociais no território da Unidade de Saúde, com
propósito de mostrar e discutir a base epidemiológica utilizada no Sistema Único de Saúde
(SUS) para seleção e intervenção em problemas na comunidade.
Os demais semestres têm como cenário a área de abrangência das Unidades de
Atenção Primária à Saúde (UAPS) e as atividades na própria Unidade.
Está sendo discutida a elaboração do portfólio para a aplicação no primeiro
semestre, ocasião em que é concebido o conhecimento acerca do processo saúde-doença,
sobre evolução e organização do sistema de saúde e produção e sobre uso das
informações na produção e análise dos indicadores de saúde,
Portfolio Eletrônico na Modernidade Tecnológica. Confiabilidade assegurada?
Realizado ainda na forma manuscrita, verificam-se alguns problemas no manejo de
recepção, avaliação e retorno dos portfólios aos alunos, fato que vem despertando a ideia,
não assumida anteriormente, do uso do material eletrônico. Com base nisso, foi discutida a
elaboração do e-portfólio para aplicação no primeiro semestre do Curso, quando são
concebidos conhecimentos sobre o processo saúde-doença, a evolução e organização do
sistema de saúde e a produção e uso das informações na produção e análise dos
indicadores de saúde.
Na universidade, no atual contexto, cada vez mais, estudantes estão conectados aos
dispositivos móveis, utilizando notebooks, smartphones ou tablets e, ainda, as redes de
dados sem fio, como 4G, com o intuito de mudar a forma como estudam, guardam e
arquivam seu material como textos, sínteses e reflexões produzidos no processo
educacional.
Mais recentemente, os portfólios digitais representam um novo aspecto em relação
ao portfólio tradicional, como um documento de texto, um arquivo PDF, imagens e outros
recursos digitais. É verdade que há uma preocupação, que já vem sendo discutida na
Instituição, relacionada à fidelidade de sua construção, mas que parece haver mecanismos
de inibição desta variável.
O e-portfólio pode significar uma técnica mais bem manejada dada a habilidade e a
competência dos jovens de hoje no uso da internet; pode facilitar o encontro e uso de
publicações em paralelo à elaboração do produto individual. Universidades de diferentes
países já utilizam o e-portfólio na educação médica e outras áreas.
As pesquisas avaliativas com estudantes usuários têm mostrado satisfação em seu
uso, embora alguns o tenham descrito como algo impessoal que diminui a proximidade
entre alunos e entre alunos e professores, características consideradas não positivas.
Pensando na Avaliação do Portfólio por Alunos para Embasar a Criação do E-portfólio
Estimulados por resultados encontrados em avaliações de e-portfólios pelos alunos
usuários e sua aplicação, o grupo de coordenadores e professores do ISEC está
conversando sobre mudança de portfólios manuscritos para e-portfólios, e está propondo
discutir essa ideia em reunião do Núcleo Docente Estruturante (NDE), do qual fazem parte.
Além disso, pretende realizar uma simulação do uso do e-portfólio e formar um grupo de
discussão que inclui alunos, professores, técnicos auxiliares que participam do manejo dos
portfólios manuscritos atuais e técnicos da área de computação. Além da preocupação com
a fidelidade dos registros e das reflexões, é necessário que seja evitado o prejuízo da
redução da relação aluno-professor, a qual pode trazer falhas ao processo ensino-
aprendizagem.
Refletindo sobre o grande educador Paulo Freire, não existe ensinar sem aprender...
O processo de ensinar e aprender acontece simultaneamente de tal maneira que quem
ensina aprende; de um lado porque reconhece um conhecimento antes aprendido, e de
outro porque observa a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para
apreender o ensinado, sem o que não o aprende, o próprio ensinante se ajuda a descobrir
incertezas, acertos e equívocos.
Por fim, em conclusão, o portfólio facilita o processo de aprendizado na avaliação do
estudante, no estabelecimento do feedback professor-aluno para destacar aspectos
positivos e também deficiências a serem superadas. Desta forma, é possível acompanhar o
crescimento contínuo e progressivo do aluno, do professor e a conquista de qualidade na
formação médica, constituindo, assim, um paradigma educacional diverso, olhando o
passado, o presente e o futuro.
Folhear um portfólio avaliativo, como já descrito por alguém, é descortinar um ser
humano em processo de aprendizagem. Cada página revela um momento ímpar de
realização ou de dificuldade, de interesse ou de apatia, de envolvimento ou de cansaço, de
enriquecimento... Cada tarefa denota uma forma de elaboração e de apropriação do saber,
do modo como os conhecimentos estão sendo incorporados, compreendidos,
correlacionados, aplicados e redimensionados em uma prática contínua que pode incluir a
mudança de paradigma para o e-portfólio.
Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.
Paulo Freire
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