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1 Pr. Rafael Alves Uma Compreensão de Reino de Deus no Evangelho de Marcos O escopo deste capítulo é estabelecer uma compreensão de reino de Deus em Marcos. Buscar-se-á essa compreensão em Marcos pela dinâmica do evangelho focada mais nas ações do que nos ensinos de Jesus. Em Marcos o reino de Deus é amiúde mais evidenciado nas ações de milagres e exorcismos de Jesus do que em suas breves seções de parábolas e ensinos. Isso nos dará uma aproximação maior daquilo que era a proposta de reino de Deus proclamada por Jesus. O evangelho de Marcos inicia a sua narrativa apresentando Jesus como o Cristo, o filho de Deus: Marcos 1,1 VArch. tou/ euvaggeli,ou VIhsou/ Cristou/ Îui`ou/ qeou/ÐÅ Essa apresentação é o título da obra, que é seguida da referência à profecia de Isaías 40,3 e Malaquias 3,1. E segue fazendo referência ao ministério de João Batista nos versículos 4-8 do capítulo 1; os versículos 9-11 fazem referência ao batismo de Jesus e os versículos 12-13 à tentação no deserto. No versículo 14, a narrativa transfere-se abruptamente ao evento da prisão de João Batista que só é detalhadamente relatada em Marcos 6,14-29. Isso sugere um conhecimento prévio do ocorrido, por parte dos endereçados da obra. Depois Jesus aparece, dando início ao seu ministério na Galiléia, ainda nos versículos 14-15, anunciando aquilo que era o conteúdo central da sua mensagem, o evangelho do reino de Deus, Richard A. Horsley nos apresenta um esboço do reino de Deus como tema do evangelho de Marcos.

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1Pr. Rafael Alves

Uma Compreensão de Reino de Deus no Evangelho de Marcos

O escopo deste capítulo é estabelecer uma compreensão de reino de

Deus em Marcos. Buscar-se-á essa compreensão em Marcos pela dinâmica do

evangelho focada mais nas ações do que nos ensinos de Jesus. Em Marcos o

reino de Deus é amiúde mais evidenciado nas ações de milagres e exorcismos

de Jesus do que em suas breves seções de parábolas e ensinos. Isso nos dará

uma aproximação maior daquilo que era a proposta de reino de Deus

proclamada por Jesus.

O evangelho de Marcos inicia a sua narrativa apresentando Jesus como

o Cristo, o filho de Deus: Marcos 1,1 VArch. tou/ euvaggeli,ou VIhsou/ Cristou/ Îui`ou/ qeou/ÐÅ Essa apresentação é o título da obra, que é

seguida da referência à profecia de Isaías 40,3 e Malaquias 3,1. E segue

fazendo referência ao ministério de João Batista nos versículos 4-8 do capítulo

1; os versículos 9-11 fazem referência ao batismo de Jesus e os versículos 12-

13 à tentação no deserto.

No versículo 14, a narrativa transfere-se abruptamente ao evento da

prisão de João Batista que só é detalhadamente relatada em Marcos 6,14-29.

Isso sugere um conhecimento prévio do ocorrido, por parte dos endereçados

da obra. Depois Jesus aparece, dando início ao seu ministério na Galiléia,

ainda nos versículos 14-15, anunciando aquilo que era o conteúdo central da

sua mensagem, o evangelho do reino de Deus, Richard A. Horsley nos

apresenta um esboço do reino de Deus como tema do evangelho de Marcos.

1,15- o reino de Deus está próximo, tema da história toda;

3,22-27- o reino de Deus está implícito, declarado acontecendo

nos exorcismos de Jesus;

4,3.26.30- parábolas do reino de Deus;

4,11- caráter secreto do reino de Deus;

9,1- o reino de Deus chegando com poder;

9,47- entrada no reino de Deus;

10,14-15- pertencer a/ receber o reino de Deus;

10,23-25- entrar no reino de Deus;

11,10- chegada do reino de Davi;

12,34- não longe do reino de Deus;

14,25- beber o vinho novo (aliança renova) no reino de Deus;

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2Pr. Rafael Alves

15,43- espera ansiosa pelo reino de Deus.1

Esse esboço mostra que o reino de Deus é o tema que permeia todo o

evangelho.

2.1 O Anúncio do Reino Próximo e as Parábolas do Reino

Em Marcos 1,14-15, após João Batista, Jesus inicia seu ministério na

Galiléia, que se encontrava sob tempos turbulentos de revoltas e opressão,

onde a idéia de um reino de justiça e paz era ardente na imaginação dos

judeus. Ele aparece anunciando o reino próximo de Deus; o tempo está

cumprido, e aquilo que há séculos fora anunciado pelos profetas e era

esperado pelo povo sob expectativas diversas, o reino de Deus que haveria de

fazer justiça ao povo contra os seus inimigos, está perto.

Marcos 1,14-15. 14 E, depois que João foi entregue à prisão,

veio Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho do reino de

Deus, 15 E dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus

está próximo. Arrependei-vos, e crede no evangelho.2

O verbo no indicativo perfeito passivo, na terceira pessoa do singular

peplh,rwtai indica o cumprimento do kairo.j o tempo daquilo que se

esperava está cumprido, o reino de Deus é chegado e manifesto na pessoa de

Jesus através do seu ensino e milagres.

Quando João Batista e, depois dele, o próprio Jesus,

proclamaram que o reino estava próximo, essa proclamação

envolvia um grito de despertamento dotado de uma

sensacional e universal significação. Proclama-se a

aproximação do ponto decisivo divino, da história humana, que

já era tão almejado, embora que seja com expectativas

diversas.3

Marcos apresenta Jesus realizando uma sucessão de milagres por todos

os lugares que percorria e pregando nas sinagogas. Primeiro, ele aparece

1 HORSLEY, Richard A. Jesus e o Império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004. p.81.2 A BÍBLIA SAGRADA. Tradução: João Ferreira de Almeida. Edição revista e corrigida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira; São Paulo: Editora Vida, 1997. Obs: Todas as referências bíblicas citadas neste trabalho monográfico terão esta versão.3 SHEDD, P. R. O Novo dicionário da Bíblia. 3 Vol. São Paulo: Edições Vida Nova; Junta Editorial, 1966. p. 1384.

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3Pr. Rafael Alves

ensinando e expulsando um espírito imundo na sinagoga 1,21-27; a cura da

sogra de Pedro 1,30-31; muitos que se achavam enfermos, e também

expulsava muitos demônios 1,32-34; pregando e expulsando demônios 1,39;

curando um leproso 1,40-45; anunciando a palavra e curando um paralítico 2,2-

12; um homem da mão mirrada 3,1-5; nomeando os seus discípulos para que

fossem, pregassem e curassem 3,14-19. Em 3,22 Jesus é confrontado pelos

escribas com o discurso de Belzebul, e responde com parábolas dos versículos

23-30.

A série de episódios em que Jesus exorciza demônios e as

discussões em torno do significado dos exorcismos de Jesus

nos evangelhos mostram que é precisamente por meio dessa

prática de Jesus que o reino de Deus está derrotando o

domínio romano.4

Em Marcos 3,20-35, Jesus abre sua seção de parábolas. O capítulo 4

abre a seção de parábolas, onde Jesus ensina a respeito do reino de Deus de

forma parabólica.

A primeira parábola de Marcos 4,1-20 usa a figura do semeador, “eis

que saiu o semeador a semear”, esta figura é bastante comum na sociedade

campesina, que luta para sobreviver do solo seco e rochoso da Galiléia. Na sua

aplicação dos versículos 14-20, este é o que semeia o lo,gon a palavra, que é

como a semente lançada sobre diferentes tipos de terreno, e que tem em

potencial os frutos.

A semente lançada ao pé do caminho é logo comida pelas aves do céu,

pois vem o satana/j (satanás) ou adversário, e logo a tira de quem a recebeu

ao pé do caminho. Satanás, segundo Ched Myers, é representado pelos

“lideres sociais, cuja oposição é atribuída ao reinado de Satanás.”5

Aqueles que recebem a semente sobre pedregais; ouvem e recebem

com prazer, mas não tem raiz em si mesmos, são temporãos, e sobrevindo

qli,yewj h' diwgmou/ literalmente “caça;” tribulação ou perseguição, logo se

escandalizam. Segundo Ched Myers skandali,zontai “é termo técnico para a

incapacidade de aceitar ou manter a prática do discipulado.”6

4 HORSLEY, Richard A. Jesus e o Império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. p. 105.5 MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. São Paulo: Paulinas, 1992. p, 219.6 Idem. p. 220.

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4Pr. Rafael Alves

Os que recebem a semente entre espinhos não dão frutos, pois os

espinhos a sufocam, pois O cuidado do mundo, o engano das riquezas e a

ambição por outras coisas, sufocam a palavra e esta fica infrutífera.

Apenas a semente lançada sobre a terra fértil tem a capacidade de dar

frutos. Jesus se coloca como semeador que lança a semente, ou que prega a

palavra; kai. e;legen\ o]j e;cei w=ta avkou,ein avkoue,tw quem tem

ouvidos ouça. “Esses elementos dramáticos na história refletem as

experiências de Jesus e apontam para a necessidade de uma audição aberta e

sequiosa.” 7

Em Marcos 4,11, Jesus declara que para os que estavam junto a ele

com os discípulos é dado conhecer o musth,rion (mistério) do reino de Deus,

mistério esse, que segundo Ched Myers são “ficções literárias, pois Marcos

torna-os públicos em sua narrativa. Mas, para assegurar-se de que isso é

nitidamente compreendido, ele acrescenta a imagem da lâmpada (Marcos

4,21s).”8

Em Marcos 4,21-25 Jesus dá continuidade ao seu ensinamento fazendo

uso de novas parábolas. O mistério do reino de Deus é revelado através das

parábolas que têm por finalidade tornarem claro o ensinamento do mestre,

como diz a narrativa de Marcos 4,33 “E com muitas parábolas tais lhes dirigia a

palavra, segundo o que podiam compreender.” Nos versículos 24-25 Jesus diz:

“Com a medida com que medirdes vos medirão a vós, e ser-vos-á ainda

acrescentada. Porque ao que tem, ser-lhe-á dado; e, ao que não tem, até o que

tem lhe será tirado.”

Tendo presente a semântica econômica da parábola do

semeador e a menção anterior ao modion (com que o trigo era

medido), esse provérbio parecia referir-se ao que a ideologia

capitalista moderna chamada “determinismo de mercado.” [..]

Essas imagens têm muito a ver com a luta do camponês para

produzir em “medida” suficiente para sobreviver; na verdade, o

verbo didonai também é usado para descrever o resultado

material da semente na parábola (4,7s). Esta “sabedoria

convencional” requer abdicação diante das organizações

7 TURLINGTON, Henry. Marcos. Comentário Bíblico Broadman: Artigos gerais Mateus-Marcos. Tradução: Adiel Almeida de Oliveira. 8 Vol. Rio de Janeiro: Juerp, 1983. p. 363.8 MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. p. 220.

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5Pr. Rafael Alves

presentes do poder, por mais injustas possam parecer. “A

estratificação sócio-econômica sancionada; é inútil protestar”. É

precisamente contra esse “realismo” misantrópico que Jesus

adverte energicamente. Como dissesse: “Ao invés disso,

escutai de novo o milagre da semente e da colheita”, Jesus se

volta para as duas últimas parábolas do sermão.9

Nas parábolas seguintes Jesus preserva as figuras anteriores do

agricultor e da semente, e os apresenta como a que o reino de Deus pode ser

comparado no versículo 26: “dizia: O reino de Deus é assim como se um

homem lançasse semente à terra.”

Na parábola de Marcos 4,26-29 evidencia-se que o agricultor é ativo em

dois momentos: em realizar a semeadura no versículo 26 e ceifar no versículo

29. A semente, porém, brota e cresce w`j ouvk oi=den auvto,jÅ não

sabendo ele como. O reino de Deus é propagado tal qual o agricultor que lança

a semente na terra, que por si mesma frutifica, o seu crescimento, porém, não

pode ser controlado.

Novamente o reino de Deus é apresentado como uma semente em

Marcos 4,30-32, agora um grão de mostarda, que sendo a menor das

sementes, tendo sido semeada, cresce e torna-se a maior das hortaliças, de tal

forma que as aves do céu vêm se aninharem sob a sua sombra. A

desproporção entre o tamanho da semente, comparado ao tamanho da planta

madura “visa a infundir coragem e esperança na frágil comunidade do

discipulado para a sua luta contra os poderes invasores.” 10

Após a seção de parábolas acerca do reino a narrativa transfere-se para

uma nova seção de milagres de Jesus: acalmando a tempestade 4,36-41; o

exorcismo do endemoninhado gadareno 5,1- 20; a cura de uma mulher com

fluxo de sangue 5,25-34; a ressurreição da filha de um dos principais da

sinagoga 5,35-43; curando uns poucos enfermos 6,5; enviando os seus

discípulos e dando-lhes poder para pregarem, curarem e expulsarem demônios

6,7-13. A narrativa de milagres é interrompida pelo testemunho da morte de

João Batista e retomada com a multiplicação dos pães e peixes 6,34-44; Jesus

andando sobre o mar 6,48; Jesus curando por onde passava 6,55-56; o

exorcismo da filha da mulher Grega siro-fenícia 7,24-30; a cura de um surdo 9 Idem. p. 224.10 Idem. p. 225.

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6Pr. Rafael Alves

que falava dificilmente 7,32-37; a segunda multiplicação de pães e peixes 8,1-

9; a cura de um cego 8,22-26.

A boa nova para os pobres! O Messias galileu interpretou suas

obras poderosas realizadas nos corpos dos pobres e das

pobres da palestina como o início do reino de Deus, reino que

os profetas anunciaram como salvação para os pobres e

vingança contra os opressores (Sl 146; Is 11,4; 61,1-3).11

Assim o reino de Deus se fez concreto nos seus próprios corpos.

2.2 O Reino que Vem com Poder e a Figura da Amputação

Em Marcos 8,34 e 38, Jesus chama a multidão e os discípulos a si e diz:

Marcos 8,34 e 38. 34 E chamando a si a multidão, com os seus

discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-

se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me. [...] 38

Porquanto, qualquer que, entre esta geração adúltera e

pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras,

também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier

na glória de seu Pai, com os santos anjos.

Após o drástico convite de Jesus ao discipulado, com os imperativos de

negarem-se a se mesmos avparnhsa,sqw e`auto.n e tomarem a sua cruz

avra,tw to.n stauro.n auvtou/ e segui-lo avkolouqei,tw moi; cruz essa,

que para o contexto imperial romano não existia outra conotação a não ser o

instrumento pelo qual os seus dissidentes eram humilhados e executados,

Jesus faz menção, de uma forma escatológica, da glória de seu Pai, depois

Jesus revela aos seus ouvintes que alguns não provariam a morte sem que

vissem chegado o reino de Deus com poder. Marcos 9,1 “DIZIA-LHES

também: Em verdade vos digo que, dos que aqui estão, alguns há que não

provarão a morte sem que vejam chegado o reino de Deus com poder.”

O reino de Deus é estabelecido no exercício do poder de Deus, a força

divina que restaura todo aquele que passa pela experiência do reino de Deus.

Este é o duna,mei dinâmico de Deus, o ato de poder que faz ser concreto o

reino de Deus através dos feitos de Jesus. Este poder não é evxousi,an

11 PIXLEY, George V. O Reino de Deus. São Paulo: Paulinas, 1986. p. 12.

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7Pr. Rafael Alves

autoridade, mas poder dinâmico de Deus como Marcos 12,24, esse é o poder

que reside em Deus em virtude da sua natureza.

Nos ditos de Marcos 9,42-48, Jesus fala do problema da apostasia na

comunidade fazendo uso da figura da amputação onde o sentido de salvar e

perder se prolonga em três afirmações: “Se tuas (mãos/olhos/pés) te

escandalizam, (afasta)-os... pois é melhor (Kalon Estin) entrar na vida (sem)

eles... do que ser lançado (com eles) na Geena.” 12

A Geena é referência ao monte de lixo sempre fumegante de Jerusalém,

as referências a mão, pé e olhos é aquilo que para os judeus são a “sede” dos

nossos atos agressivos, a mão como membro através do qual se pode roubar,

o pé referindo-se ao furto e a fuga, e o olho ao adultério.

As expressões “entrares na vida aleijado; kullo.n eivselqei/n eivj th.n zwh.n” “entrares coxo na vida; eivselqei/n eivj th.n zwh.n cwlo.n” e depois

“entrares com um só olho no reino de Deus; mono,fqalmon eivselqei/n eivj th.n basilei,an tou/ qeou/” indicam a zwh.n (vida) e a basilei,an tou/ qeou (reino de Deus) / como tendo o mesmo sentido.

As referências a zwh.n, que é a vida no sentido da sua plenitude, em

sua equivalência a basilei,an tou/ qeou/, aponta o reino de Deus onde no

qual se pode entrar como se pode entrar na vida. O reino de Deus estabelece a

vida, aquilo que escandaliza promove a morte. Amputar de si tudo aquilo que

serve de tropeço é necessário para que se entre na vida ou no reino de Deus.

“Escandalizar, geralmente traduzido como “fazer tropeçar” “(provocar

tropeção”: skandalise), é termo técnico empregado em Marcos para designar a

rejeição da mensagem do reino (6,3).” 13

O verbo infinitivo aoristo ativo eivselqei/n aponta para a entrada no

reino de Deus, aquilo, porém, que skandali,zh| escandaliza, não pode entrar

no reino de Deus, antes deve ser amputado. No reino de Deus se entra

mutilado.

2.3 O Reino de Deus e as Crianças

12 MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. p. 318.13 Idem. p. 318.

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8Pr. Rafael Alves

Marcos 10,1-12 narra Jesus sendo interrogado pelos fariseus acerca do

divórcio, no versículo 10 os discípulos o interrogaram acerca da mesma coisa.

Jesus, porém, defende que não deixe o homem a sua mulher, nem a mulher o

seu marido.

Em Marcos 10,14-15 traziam crianças para que Jesus as tocasse. Essa

prática era comum na comunidade judaica; levavam-se as crianças para que

fossem abençoadas pelos rabinos famosos.

No dia da Expiação havia o costume de fazer jejuar crianças de

várias idades para depois levá-las aos sacerdotes ou anciãos,

"para que estes as abençoassem e orassem por elas". Isto tudo

era acompanhado de instruções de mais tarde esforçar-se na

escola, de aprender e seguir corretamente os mandamentos.14

O termo usado por Jesus para designar a criança é paidi,a, são os

infantes, crianças pequenas. Estas eram incomodo para a sociedade, eram

como inúteis, insignificantes, marginalizadas, eram totalmente dependentes

dos adultos.

Jesus, porém, tira da margem da comunidade as crianças e as

centraliza (Marcos 9,36). A condição social da criança na Palestina do século I

era de total violência. Em Marcos a criança que Jesus toma em seus braços é

pessoa e não símbolo. Ela é pessoa vulnerável a todo o tipo de exploração,

como por exemplo, ser transportada do seio da família como escrava para

saldar a divida dos pais até a vinda do ano jubilar, usadas em sacrifícios de

cultos pagãos, o grande número de órfãos (e viúvas) em abandono.

Marcos 10,13-15. 13 E traziam-lhe meninos para que lhes

tocasse, mas os discípulos repreendiam aos que lhos traziam.

14 Jesus, porém, vendo isto, indignou-se, e disse-lhes: Deixai

vir os meninos a mim, e não os impeçais; porque dos tais é o

reino de Deus. 15 Em verdade vos digo que qualquer que não

receber o reino de Deus como menino, de maneira nenhuma

entrará nele.

O adjetivo demonstrativo, genitivo, neutro, no plural toiou,twn aponta

que das tais é o reino de Deus. Jesus diz isso diante da condição social de total

14 POHL, Adolf. Evangelho de Marcos: Comentário Esperança. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1998. p. 251.

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9Pr. Rafael Alves

desprezo e dependência da criança. A respeito do versículo 15, Henry

Turlington diz:

O verbo de maneia nenhuma entrará (ouv mh. eivse,lqh| eivj auvth,n.) é usado com o duplo negativo grego, que é

muito forte. O significado não é que há dois reinos, um

presente aqui e outro vindouro; mas que, a não ser que se

receba o reino como alguém necessitado, como quem não

pode merecer as suas bênçãos, nunca, de maneira alguma se

entrará nele.15

Jesus declara que qualquer que não receber o reino de Deus como

menino, de maneira nenhuma entrará nele, e não quem se acha digno e

merecedor dele.

2.4 O Diálogo de Jesus Com o Homem Rico

Marcos segue com o diálogo do homem rico com Jesus, em Marcos

10,17-27. Após ser interrogado pelo homem rico a respeito do que fazer para

herdar a vida eterna, Jesus propõe a ele o cumprimento da lei. Por sua vez, o

homem afirma guardá-la desde a sua mocidade. No versículo 21 ocorre um

novo chamado ao discipulado. o` de. VIhsou/j evmble,yaj auvtw/| hvga,phsen auvto.n kai. ei=pen auvtw/|\ e[n se u`sterei/\ u[page( o[sa e;ceij pw,lhson kai. do.j Îtoi/jÐ ptwcoi/j( kai. e[xeij qhsauro.n evn ouvranw/|( kai. deu/ro avkolou,qei moiÅ Jesus o amou, hvga,phsen, ou

seja, “é aquela espécie de amor que, a despeito de afeição ou merecimento,

procura deliberadamente ajudar, satisfazer as necessidades de outrem.” 16

Jesus, porém, declara no versículo 21: e[n se u`sterei/\ u[page( o[sa e;ceij pw,lhson kai. do.j Îtoi/jÐ ptwcoi/j( vende tudo quanto tens e dá aos pobres.

A insistência do homem de que ele já observa esses

mandamentos é obviamente falsa. É evidente que ele não pode

acatar a ordem de Jesus de vender os seus bens e dar aos

pobres, não somente por que ele tem muitas posses, mas

também porque está profundamente apegado a elas. A única

maneira de alguém enriquecer na sociedade israelita antiga era 15 TURLINGTON, Henry. Marcos. Comentário Bíblico Broadman: Artigos gerais Mateus-Marcos. p. 421.16 Idem. p. 423.

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10Pr. Rafael Alves

tirando proveito de outras pessoas vulneráveis, por exemplo,

defraudando outros pela cobrança de juros sobre empréstimos,

o que era proibido pela lei da aliança, e obtendo controle das

posses de outros (trabalhos, campos, famílias). Assim, este

episódio mostra um exemplo negativo de um homem que ficou

rico defraudando outros, desrespeitando os mandamentos da

aliança.17

Diante da condição posta por Jesus, o homem rico retirou-se triste por

possuir muitos bens no versículo 22. Jesus então declarou nos versículos 23-

24: pw/j dusko,lwj oi` ta. crh,mata e;contej eivj th.n basilei,an tou/ qeou/ eivseleu,sontaiÅ Como é difícil os que têm riquezas entrarem no reino

de Deus. Diante da admiração dos discípulos com esta palavra, Jesus torna a

repetir: pw/j du,skolo,n evstin eivj th.n basilei,an tou/ qeou/ eivselqei/n\ Alguns manuscritos trazem no versículo 24 “Filhos, quão difícil é para os

que confiam nas riquezas entrarem no reino de Deus” como: evstin tou.j pepoiqo,taj evpicrh,masin A C 0233 157 180 579 597 700 892 1006 1010

1071 1243 1292 1342 1424 e outros. Manter-se-á aqui a forma do texto grego

supracitado, embora a Bíblia usada em referência traga-nos a forma

encontrada nestes manuscritos.

Marcos usou de novo (como em 10,15) uma afirmação sobre

“entrar no reino de Deus” (eis tem basileian tou theou

eiselthein) para reforçar a sua ideologia alternativa; a

solidariedade com os “menores” se estende do sistema da

família para o sistema econômico. A incredulidade dos

discípulos (10,26) mostra que não está absolutamente claro

para eles que alguém possa salvar-se, se não puder salvar-se

quem é piedoso e está no topo da escala social.18

No versículo 25 Jesus diz que “é mais fácil passar um camelo pelo fundo

de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus.”

Explicações do tipo que diz que o “fundo de uma agulha”

referia-se à uma pequena porta nos muros de Jerusalém não

têm qualquer fundamento. Isso, até mesmo, contradiz o que

17 HORSLY, Richard A. Jesus e o Império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. p. 128.18 MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. p. 333.

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11Pr. Rafael Alves

Jesus diz aqui: entrar no Reino é mais do que difícil, é

impossível à parte do agir miraculoso de Deus.19

Este provérbio não se refere a uma porta pequena em Jerusalém onde

os camelos só conseguiam passar de joelhos, como dizem alguns

comentadores, mas como diz Mulholland na referência supracitada, fala da

grande dificuldade de um rico entrar no reino de Deus.

Em Marcos 10,28 Pedro declara “eis que tudo deixamos e te seguimos.”

Jesus responde sem aprovar ou desaprovar a declaração de Pedro e declara

as bênçãos dadas àqueles que tudo deixaram por causa dele e do evangelho.

A respeito da declaração feita por Jesus, Richard Horsley diz:

Esta é uma declaração surpreendentemente reconfortante,

relacionada com as coisas do mundo. A restauração deve

acontecer “agora, neste tempo”. A frase “e, no mundo futuro, a

vida eterna” é uma observação sem importância que remete e

se refere à pergunta irreal do homem rico com a qual começou

a questão econômica. O foco de Jesus “neste tempo” fica ainda

mais real com o acréscimo no final de “com perseguições”. Ele

não está se referindo a um “mundo encantado”. Com ênfase

vigorosa, ele está falando sobre a renovação da vida

camponesa vinculada a presença do Reino de Deus, que está

acontecendo neste tempo a despeito das perseguições, antes

que o Reino de Deus chegue com poder (Mc 9,1). O último

“ditame da lei sagrada” de Jesus neste terceiro diálogo

completa a instrução na economia da aliança com uma clara

alusão as bênçãos da aliança. O respeito aos princípios

econômicos igualitários, em que ninguém procura enriquecer

aproveitando-se da vulnerabilidade de outros, resultará numa

(jamais ouvida) abundancia para todos na comunidade, embora

sem ilusões sobre realidades políticas no mundo em geral.20

Essa declaração de Horsley mostra que já era presente a restauração

promovida pelo reino, a renovação da vida camponesa ligada ao reino de Deus

a despeito das perseguições.

19 MULHOLLAND, Dewey M. Marcos Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 1999. p. 163.20 HORSLEY, Richard A. Jesus e o Império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. p. 129.

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12Pr. Rafael Alves

2.5 O Maior no Reino de Deus e o Filho de Davi

Jesus termina esse terceiro diálogo afirmando que “muitos primeiros

serão os últimos, e muitos últimos serão os primeiros.” No caminho para

Jerusalém, após o pedido de Tiago e João em Marcos 10,35-37; nos versículos

43-45, têm-se afirmativas equivalentes a esta:

Marcos 10,35-37,43-45. 35 E aproximaram-se dele Tiago e

João, filhos de Zebedeu, dizendo: Mestre, queríamos que nos

fizesses o que te pedirmos. 36 E ele lhes disse: Que quereis

que vos faça? 37 E eles lhe disseram: Concede-nos que na tua

glória nos assentemos, um à tua direita, e outro à tua

esquerda. [...] 43 Mas entre vós não será assim; antes,

qualquer que entre vós quiser ser grande, será vosso serviçal;

44 E qualquer que dentre vós quiser ser o primeiro, será servo

de todos. 45 Porque o Filho do homem também não veio para

ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de

muitos.

Diante do pedido de Tiago e João, Jesus faz uso da mesma lógica da

declaração do versículo 31 “Porém muitos primeiros serão derradeiros, e

muitos derradeiros serão primeiros.” nos versículos 43,44. “Aquele que quiser

ser grande será o vosso serviçal,” “qualquer que quiser ser o primeiro será

servo de todos.”

A política igualitária sobre a qual Jesus insiste no diálogo

seguinte (Mc 10,32-45) é coerente com a dimensão econômica

igualitária da renovação da aliança das comunidades aldeãs

israelitas. Persistindo em sua absoluta incompreensão, mesmo

depois do terceiro anúncio de que os governantes de

Jerusalém o condenarão e os romanos o executarão, dois dos

seus discípulos pedem a Jesus que os faça sentar-se nas

posições mais elevadas de poder à sua direita e à sua

esquerda quando ele entrar na sua glória. Eles empregam uma

imagem tomada do domínio imperial, como se esse fosse o

objetivo último do programa de Jesus com relação ao Reino de

Deus. [...] O seu programa era diametralmente oposto a esse

domínio imperial. Na sociedade camponesa renovada, não

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13Pr. Rafael Alves

somente não existem governantes, mas até os líderes servem

aos outros. 21

Marcos segue com a cura dum cego, filho de Timeu, ao saírem de

Jericó; dos versículos 46-52, e segue-se no capítulo 11,1-11 a narrativa da

entrada de Jesus em Jerusalém montado num jumentinho.

No versículo 10 a expressão euvloghme,nh h` evrcome,nh basilei,a tou/ patro.j h`mw/n Daui,d\ evoca a tradição da aliança davídica. “A

questão é que a imagem de um rei davídico simbolizava substancialmente

aquilo que este agente de Deus faria: libertar e restaurar a sorte de Israel,

como fizera o Davi original.” 22 A esperança de um reinado glorioso e libertador,

como fora prometido em 2 Samuel 7,16, aflora na imaginação daqueles que

vislumbravam em Jesus, o cumprimento desta promessa.

2.6 Jesus é Interrogado

Marcos 12 faz menção da parábola de um homem que plantou uma

vinha e dos seus trabalhadores maus. Sequencialmente os líderes religiosos

buscaram prendê-lo no versículo 12, mas não o fizeram porque temiam o povo.

Depois mandaram alguns fariseus e herodianos para o apanharem nalguma

palavra.

A narrativa segue com uma série de questionamentos: primeiro os

fariseus e herodianos questionaram Jesus se era lícito ou não pagar tributos a

Cesar em 13-17, depois os saduceus o questionaram acerca da ressurreição

em 18-27, em seguida, no versículo 28, um dos escribas o questionou acerca

de qual é o primeiro de todos os mandamentos. Jesus respondeu de forma

sábia e desconcertante todos os questionamentos em 15-17; 24-27; de 29-34

Jesus responde ao escriba:

Marcos 12,29-34. 29 E Jesus respondeu-lhe: O primeiro de

todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o SENHOR nosso

Deus é o único Senhor. 30 Amarás, pois, ao Senhor teu Deus

de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu

entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro

21 Idem. p. 129,130. 22 HORSLEY, Richard A; HANSON, John S. Bandidos, Profetas e Messias: Movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995. p. 92.

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14Pr. Rafael Alves

mandamento. 31 E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o

teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento

maior do que estes. 32 E o escriba lhe disse: Muito bem,

Mestre, e com verdade disseste que há um só Deus, e que não

há outro além dele; 33 E que amá-lo de todo o coração, e de

todo o entendimento, e de toda a alma, e de todas as forças, e

amar o próximo como a si mesmo, é mais do que todos os

holocaustos e sacrifícios. 34 E Jesus, vendo que havia

respondido sabiamente, disse-lhe: Não estás longe do reino de

Deus. E já ninguém ousava perguntar-lhe mais nada.

Jesus respondeu em 30,31, juntando um trecho do shema Deuteronômio

6,4 e um trecho de Levítico 19,18, a respeito da obrigação que se deve ao

próximo. Com isso, Jesus mostra que não pode haver amor a Deus sem amor

ao próximo. O escriba não só concordou com a resposta de Jesus no versículo

32, como também citou a tradição escrituristica que dá prioridade ao obedecer,

mais do que o culto no templo no versículo 33; (Oséias 6,6; 1Samuel 15,22).

Em Marcos 12,34 a narrativa termina com a declaração de Jesus ouv makra.n ei= avpo. th/j basilei,aj tou/ qeou/Å Jesus não faz a ele um

convite ao discipulado dizendo que o seguisse. Jesus ter dito não está longe

“implica que a ortodoxia não basta; ela deve ser acompanhada pela prática da

justiça com o próximo.”23 É compreendendo isso que se pode aproximar-se do

reino de Deus.

2.7 A Ceia no Reino de Deus e José de Arimatéia

Na ocasião da última ceia de Jesus em Marcos 14,25 “Em verdade vos

digo que não beberei mais do fruto da vide, até àquele dia em que o beber,

novo, no reino de Deus.” A festa da páscoa é transformada por Jesus em

jejum; ele fala de um novo cálice no reino de Deus, de uma aliança renovada.

Ele solenemente enuncia ao “fruto da vinha” (eufemismo

judaico comum para designar o vinho) “até o dia” (heos tes

humeras ekeines) em que beberia o “novo” (kainon) no reino de

Deus. [...] Por ocasião do dia da grande festa judaica,

lembrando a emancipação do Egito, Jesus recomenda a

23 MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. p. 380.

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15Pr. Rafael Alves

abstinência. A luta pela libertação não é memória passada,

senão tarefa que sempre nos prende ao futuro. 24

Após ser traído em 10,42-45; preso em 10,56 e receber a sua acusação,

“Rei dos Judeus” em 15,26, Jesus expirou em 15,37. Após a morte de Jesus, a

narrativa segue dizendo no versículo 43: “Chegou José de Arimatéia, senador

honrado, que também esperava o reino de Deus, e ousadamente foi a Pilatos,

e pediu o corpo de Jesus.” A palavra para esperava é prosdeco,menoj que

também pode ser traduzida como recebia, acolhia, aceitava.

A narrativa de Mateus 27,57, diz que este também era discípulo de

Jesus: Mateus 27,57 Oyi,aj de. genome,nhj h=lqen a;nqrwpoj plou,sioj avpo. ~Arimaqai,aj( tou;noma VIwsh,f( o]j kai. auvto.j evmaqhteu,qh tw/| VIhsou/\ William Hendriksen em seu Comentário do Novo Testamento

diz: “Num certo sentido, esse homem havia se tornado um discípulo de Cristo

(Mt 27. 57 b). [...] Lucas 23. 50,51 nos informa que ele não havia concordado

com a decisão e ação do Sinédrio, condenando Jesus a morte (Lc 23. 50,51

a).” 25

Considerando Mateus 27,57 b e Lucas 23,50-51, e o comentário de

William Hendriksen. A espera de José pelo reino de Deus revela harmonia ao

ensinamento de Jesus, e mais, a crença de que este reino estava sendo

estabelecido.

2.8 Uma Compreensão de Reino de Deus em Marcos

A compreensão de reino de Deus que se transmite em Marcos é

tipificada por parábolas ou termos equivalentes, como em Marcos 4,26 “E dizia:

O reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à terra.” 9,43.

“melhor é para ti entrares na vida;” e evidenciado nos milagres e exorcismos de

Jesus. Em nenhum momento em Marcos Jesus define de forma direta: o reino

de Deus é isto ou aquilo, mas sempre a que o reino de Deus pode ser

comparado de forma parabólica (Marcos, 4,26,30).

A partir desta análise chego à compreensão de que o reino de Deus é o

cumprimento em Jesus, daquilo que já era esperança no coração do povo, o

24 Idem. p. 432.25 HENDRIKSEN, Willian. Comentário do Novo Testamento: Marcos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003. p. 844.

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16Pr. Rafael Alves

Messias. Concluo que o reino de Deus anunciado por Jesus no evangelho de

Marcos é um projeto de justiça e paz e condenação dos poderes opressores do

Império e dos líderes religiosos num plano imanente, concretizado na sua

própria pessoa e ministério, como cumprimento das profecias messiânicas.

Mas também, num plano escatológico, como aponta Marcos 13,24-27 é o

estabelecimento definitivo do reino de Deus sobre o reino dos homens. Assim,

a ideia de reino de Deus acontece num plano imanente e escatológico

simultaneamente.