louis-eugène varlin e a comuna de paris (1871) [joão alberto da costa pinto, 2011]
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Louis-Eugène Varlin e a Comuna de Paris (1871)
João Alberto da Costa Pinto*
Resumo
O artigo propõe uma breve notícia sobre a trajetória política de Louis-
Eugène Varlin (1839 – 1871), operário francês (encadernador de livros)radicado em Paris (1852 – 1871), intelectual autodidata, um dos principaisorganizadores da seção francesa da AIT (Associação Internacional dosTrabalhadores) a partir de 1865. Personagem emblemático nas lutas sociaisacontecidas no período de setembro de 1870 a maio de 1871, quando docerco à cidade pelas tropas prussianas e depois pelas tropas do governoThiers, motivos que o levaram à participação no Comitê Central da Guarda
Nacional, assim como à organização dos comitês distritais da Comuna(março a maio de 1871).
Palavras-chave: solidariedade; internacionalismo operário; autogestão.
* JOÃO ALBERTO DA COSTA PINTO é Doutor em História pela Universidade Federal
Fluminense e Professor na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás. Email: [email protected]
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Louis-Eugène Varlin (1839-1871)
Quando nos referimos à Comuna deParis de 1871, quase sempre a
percebemos como emblema dereferência síntese em todas as grandeslutas sociais acontecidas no Século XX,notadamente, pela óbvia associação,com os acontecimentos que marcaram a
particularidade política dos fatos doMaio de 1968 em França. Nas lutasautogestionárias do maio de 68 oexemplo das práticas communards de1871 mais uma vez se percebia comoreferência estruturante das
possibilidades reais para um cotidianonão-capitalista, mais uma vez porque oexemplo dos communards também foraresgatado nas revoluções russas de 1905
e 1917, nas barricadas spartaquistas deBerlim em 1919, na Guerra Civil
Espanhola (1936-1939) e seria depois,em Portugal, também resgatado naRevolução dos Cravos (1974-1978). AComuna de Paris de 1871 definiu-secomo um fato histórico de grandeimportância para as lutas anticapitalistasno século XX. E se esse fato históricofoi reiterado pela tradiçãorevolucionária posterior, o foi emgrande parte devido aos “usos” dogrande documento político ehistoriográfico que Karl Marx escreveue trouxe a público ainda em 1871, olivro A Guerra Civil na França.
Karl Marx acompanhou de Londres osfatos que a guerra franco-prussiana(1870) provocava na sociedade
francesa, a queda do Segundo Império
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(1852-1870) de Napoleão III e aconsequente organização dos governosrepublicanos de Gambetta e Thiers, ocerco prussiano à cidade de Paris, a
rendição de Thiers a Bismarck e ainsurreição dos parisienses à presença prussiana e ao governo capitulacionistade Thiers, que a partir de março de1871, faria de Versalhes a sua sede deGoverno. Da insurreição da Guarda
Nacional em 18 de março determinou-se o processo de organização daComuna propriamente dita em 26 demarço e a consequente guerra civil queos communards envidam no combate às
tropas versalhesas legalistas darepública de Thiers que, naquela altura,estavam associadas, depois da rendição,com as tropas prussianas. Da guerranacional à guerra de classes, do Impérioà Comuna, esse foi o processo históricoque Marx analisou no seu livro A
Guerra Civil na França. A reflexão político-históriográfica de Marx nessedocumento determinou todos os debates
políticos posteriores da tradiçãorevolucionária de cariz marxista. Comesse documento Marx tambémasseverou sua posição política dirigenteno seio da AIT e o marcaria
publicamente, em grande parte pela irada reação conservadora, à condição de“chefe” da revolução proletáriamundial, “popularidade” súbita quemuito o entusiasmou, pois até aquelemomento era um intelectual
relativamente desconhecido do grande público1.
1 M. G. BADIA (1972: 231) dá notícia do entãodesconhecido Marx obtendo grande repercussãocom a edição do livro sobre a Comuna com 11mil exemplares publicados. Na apresentação daedição francesa de 1972, o editor afirma que o
La Guerre Civile en France foi publicado de 16de julho a 3 de setembro de 1871 nas páginas deum jornal de Bruxelas – L’Internationale e queem junho de 1872 é que apareceu a segunda
edição em forma de livro redigido em francês pelo próprio Marx, com uma tiragem de 9 mil
Em correspondência com LudwigKugelmann, Marx, entusiasmado com ainesperada celebridade, afirmou-lhe:“Tenho a honra de ser neste momento o
homem mais caluniado e maisameaçado de Londres” ecomplementou: “Isso faz realmente a
gente se sentir bem depois de um idílio
tedioso de vinte anos nos bastidores” (apud HUNT, 2010: 284). As ameaças aMarx vinham de alguns jornaisconservadores ingleses como o Fraser’s
Magazine e o semanário católico Tablet (HUNT, 2010: 284). Descrevendo assim
poderíamos então concluir que foram
necessárias mais de 10 mil vidas decommunards chacinadas pelas tropasfranco-prussianas, que foramnecessárias as prisões e deportações demilhares de trabalhadores parisienses,que foi necessária a prisão, oespancamento e o fuzilamento de um
jovem trabalhador francês chamadoEugène Varlin, um dos mais habilitadosencadernadores do mercado gráfico
parisiense e um dos mais ativos participantes das greves exitosas dosencadernadores em 1865 e 1867, e quefora eleito tanto para o Comité Centralda Guarda Nacional como para trêscomitês distritais da Comuna naseleições de 26 de março; que foinecessária a luta de tantas trajetóriashoje quase esquecidas, para que emLondres se celebrizasse um Karl Marxmuito orgulhoso de si e do seu valioso
trabalho? Sim, essa conclusão é possível, mas que importância temefetivamente tal termo diante damagnitude do livro que Marx publicasobre esses mesmos acontecimentosainda em 1871? Uma importânciafundamental, porque com tal
perspectiva o que se pode perceber éMarx asseverando-se politicamente de
exemplares que foi logo esgotada e em setembro
do mesmo ano apareceria a terceira edição(MARX, 1972: 18).
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modo inequivocamente oportunistacomo um “vitorioso” frente à sua
posição na AIT contra os grupos que lhefaziam oposição e consolidando
indiretamente a perspectiva sobre osfatos de 1871, como fatos de uma presumida revolução “marxista”. Frenteà derrota da primeira grande revoluçãooperária, parece-nos que o intelectualKarl Marx, um dos grandes teóricos dointernacionalismo operáriorevolucionário via-se como
politicamente vitorioso.
A Comuna de Paris de 1871 não deve
ser apenas um resultado historiográfico- político de exemplar magnitude para adiscussão das formas institucionais detransformação revolucionária docapitalismo conforme o que foi aferido
pelo livro de Marx e pelos debates que olivro provocou na tradição marxista
posterior. O exemplo da importância daanálise marxiana deve ser preservado econtinuamente debatido, e datas como ados atuais 140 anos da Comuna têm que
obrigatoriamente redimensionar criticamente o livro de Marx e osdebates posteriores que o mesmodeterminou. Contudo, há um mais alémque é pouco afirmado ou raramente
problematizado: quem foram essestrabalhadores e trabalhadoras quelutaram pela insurreição de 18 de marçoe depois pela Comuna de 26 de marçode 1871 e que dessa lutaexperimentaram efetivamente a
realização de relações sócio-institucionais de novo tipo? Quemforam os communards que fizeram doseu cotidiano uma prática que indiciavaformas societárias radicalmentedistintas das formas burguesas desociabilidade? É impossível rastrear historiograficamente tantas trajetóriasali envolvidas, cronistascontemporâneos à Comuna procuraramem várias publicações resgatar os traços
biográficos de muitos desses
communards nossos desconhecidos, nosmeses seguintes à derrota da Comunavárias publicações surgiram com essesentido, por exemplo, o livro de Henry
MOREL (1871), onde se descrevemdezenas de trajetórias de republicanosradicalizados, de jacobinos blanquistas,de communards2 socialistas, desindicalistas como Varlin. Além desselivro muitos outros foram publicados ou
para resgatar a memória daquelecolossal experimento social derrotadoou para execrá-lo.
2
Nessa obra publicada logo após osacontecimentos da Comuna, não há referência à presença e/ou influência política da obra de KarlMarx junto às notas biográfico-políticas dasdezenas de personagens que o autor destacoucomo fundamentais à Comuna. Inúmeros outroslivros com essa perspectiva documental-
jornalística sobre a Comuna foram publicadosnos meses seguintes aos acontecimentos evários deles podem ser consultados na íntegraatravés do site – www.gallica.bnf.fr . Por exemplo, o livro de DE LA BRUGERE (1871)nas suas mais de 400 páginas transcreve na
íntegra quase todos os decretos publicados peloComitê Central da Guarda Nacional (que teve a participação de Varlin), os decretos da Comuna,notas biográficas de muitos dos militantes queorganizavam a Comuna na gestão política dacidade através dos vinte comités distritais, osmesmos que também estiveram nas barricadas
para os confrontos armados com as tropaslegalistas de Thiers (Varlin lutou em várias
barricadas, inclusive na última); inúmerosartigos dos principais jornais da Comuna ( Le
Pére Duchene; Le Vengeur ; Le Cri du Peuple; Le Rappel – muitos desses jornais foram lidos
por Marx para a redação do seu Guerra Civil na França), enfim, uma referência factual muitoútil para documentar o quadro geral da Comuna.Entretanto, é inquestionável que não hádocumento comparável, para uma narrativageral detalhada (em tintas fortementeimpressionistas) do processo factual de 1870 a1871, que a extraordinária narrativa e análisedos fatos apresentada pelo livro História da
Comuna de 1871, de Prosper-Olivier LISSAGARAY (1991), autor que também lutounas barricadas communards e que mesmo feridoa bala conseguiu escapar para Londres onde
planejou e escreveu o seu livro maior com primeira edição datada de novembro de 1876.
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Cumpre-nos ressalvar que se o livro deMarx foi central à tradição marxista
posterior, a Comuna de Paris comoobjeto de indagação historiográfica é
assunto de amplas pesquisas e debatesacadêmicos. Em 2001, a historiadorafrancesa Danielle Tartakowsky num
breve recenseamento historiográficoafirmava ser a Comuna, naquela altura,um “assunto de cerca de 600 ou 700títulos” (TARTAKOWSKY, 2001: 41),mas dentre as investigações acadêmicas,os trabalhos do historiador JacquesRougerie são de referência obrigatória eé dele o argumento que define o estatuto
revolucionário da Comuna como areiteração do legado jacobinismo
político oriundo de 1789, e como aafirmação inaugural de práticassocialistas de bases proletárias naorganização de uma nova vida social(ROUGERIE, 2001: 122-147).
O fato é que a atualidade da Comunanão é apenas a atualidade de um textode Marx, muito mais do que isso, a
atualidade da Comuna está no resgatedas práticas dos trabalhadores naorganização institucional da mesma eno que essas práticas têm ainda a nosdizer frente ao atual cenárioinstitucional do capitalismo. Nessesentido é que acreditamos ser fundamental, ainda que aqui numa
breve descrição, apresentar a trajetória política de Louis-Eugène Varlin.
No domingo, 28 (de maio de 1871),na place Cadet, um padre oreconheceu e foi correndo buscar um oficial. O tenente Sicre deteveVarlin, atou-lhe as mãos às costas,encaminhando-o às Buttes, ondeestava o general De Laveaucoupet.Aquele Varlin que arrisacara a vida
para salvar os reféns da rue Haxofoi arrastado mais de uma hora
pelas ruas escarpadas deMontmartre. Sob uma chuva de
golpes, sua jovem cabeça
meditativa, que só tivera pensamentos fraternos, converteu-se em um montão de carne informe,com um olho pendendo da órbita.Quando chegou à rue des Rosiers,ao Estado-Maior, já não caminhava,era carregado. Sentaram-no, para ofuzilamento. Os soldadosdestroçaram o cadáver acoronhadas. Sicre roubou seurelógio e se enfeitou com ele(LISSAGARAY, 1991: 294).
Esta descrição do “longo calvário”(ROUGERIE, 1995: 113) dos últimosinstantes de vida de Varlin tornou-se um
dos maiores símbolos da derrota daComuna, símbolo da derrota darepública social que a Comunacomeçava a propôr com a suainstitucionalidade. Varlin foi fuziladoaos 31 anos e da sua breve vida comooperário encadernador de livros (desdeos 15 anos) encontramos uma definiçãohistórica de trajetória comunista todaela voltada ao esforço de organizaçãodos trabalhadores nas demandas
imediatas dos seus interessescorporativos de classe como o únicotermo possível para uma culturaautogestionária de solidariedades
proletárias, pois, como acreditava semesssa cultura de solidariedade nenhumedifício revolucionário anticapitalista
poder-se-ia manter.
Varlin descendia de uma família derepublicanos de ativa participação
política na história dos acontecimentosrevolucionários da França de 1879 às jornadas de 1848-1851. Uma família derecursos modestos, seu pai Aimé-Alexisalém de cultivar algumas terras suastambém trabalhava como diarista emfazendas vizinhas, esforço esse que lhegarantiu condições de sustentar seus trêsfilhos (Varlin, Louis e Hippolyte) efilha (Clémence). Varlin podefrequentar a escola primária até os 13
anos, aspecto que lhe foi fundamental
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para a vida futura pela alfabetização econhecimentos obtidos que pode levar
para Paris, quando para lá foi aprender oofício e trabalhar como encadernador de
livros (habilitou-se em 1854). No seutrabalho de aprendiz era comum areclamação de que perdia muito tempocom a encadernação de alguns livros
porque se detinha a ler-lhes seusconteúdos. Trabalhou em várias oficinasdurante os anos seguintes, adquirindonotabilidade pelas suas qualidades
profissionais. No ano de 1860, retomaseus estudos, frequentando algunscursos na Associação Filotécnica da
Sorbonne dedicando-se principalmentea aperfeiçoar seu francês e suaortografia. E como autodidata, nos anosseguintes dedicou-se a estudos sobrequestões jurídicas com vivo interesse nahistória da constituição das sociedadescivis. Dedicou-se a investigar ocooperativismo e teve no jornal – La
Mutualité, de Pierre Vinçard uma desuas principais fontes de consulta(CORDILLOT, 1991: 11-23).
A partir de 1857, Varlin iniciou a suatrajetória política com expressivaatuação na Sociedade dosEncadernadores, onde se apresentavacomo representante dos operários(nessas sociedades corporativas eracomum discutirem-se as reivindicaçõesdo trabalho conjuntamente com os
patrões empregadores, não eram ainda propriamente órgãos classistas). Varlin
lutava por melhores condições detrabalho, melhores condições deaprendizagem do ofício. Essasatividades mobilizaram-no pelos anosseguintes e foram-lhe sempre grandesintrumentos de aprendizado político. A
partir de maio de 1864 as demandas dostrabalhadores acirram-se por melhoressalários e redução da jornada diária detrabalho (a redução de 12 para 10 horasdiárias de trabalho e um aumento de25% dos salários foram os pontos mais
importantes na pauta das greves desseano). Com os trabalhadores em greve oresultado foi que poucas semanasdepois as reivindicações foram
atendidas pelos patrões. Osencadernadores tinham Varlin emgrande conta, pelo esforço deorganização que o mesmo envidou àcorporação. O fato é que entre as poucascentenas de encadernadores de Paris,nasceu uma forma de reivindicaçãocrescentemente centrada nas demandasdos trabalhadores, desenvolveram-se
práticas sindicais em substuitição àsantigas práticas corporativas que neste
caso específico faziam do encadernador uma espécie de artesão-artista e nãoefetivamente um operário. No anoseguinte, em setembro de 1865 umanova greve foi inevitável e ostrabalhadores representavam-se já coma organização de um comitê de greve(com 19 representantes, Varlinincluído). O confronto com os patrõesnas oficinas fazia-se marcar de formacrescentemente repressiva, ecoando
pelo mundo do trabalho em geral. Nesseenfrentamento classista, ostrabalhadores formularam instrumentosde solidariedade para a manutenção desuas subsistências durante a greve. Por iniciativa de Varlin foi criada a Caixa
de previdência dos cinco cêntimos, umfundo mútuo de amparo aostrabalhadores em graves dificuldadesdurante as greves. (CORDILLOT, 1991:
25-41).O termo é que gradativamente e com
base na unidade solidária dos própriostrabalhadores na defesa e manutençãode suas ações reivindicatórias,estabeleciam-se novas relações sociaisno mundo trabalho. Há um aspecto aressalvar. Grande parte dostrabalhadores franceses empregava-seem oficinas e empresas de pequeno emédio porte, grandes concentraçõesindustriais proletárias não eram tão
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evidentes em Paris. Muitas profissõestinham ainda um caráter deespecialidades artesanais, o própriotrabalho de Varlin como encadernador
tinha essa particularidade, outrasfunções como relojoeiros, ourives(bijuterias), marceneiros, alfaiates,sapateiros, gravuristas – pintores demóveis, “peleiros”, “escoveiros”,funções como essas definiam o
proletário parisiense. Os trabalhoshistoriográficos de Jacques ROUGERIE(1964, 1995 e 2001) apresentam dadosexpressivos dessa composição sócio-
profissional do mundo do trabalho
parisiense, um universo ainda distantede um processo de industrializaçãomassificada.
Das greves que ajudava a organizar,Varlin a partir de 1865 passará tambéma frequentar as reuniões de trabalhos daseção francesa da AIT (AssociaçãoInternacional dos Trabalhadores), e serácomo membro da AIT que Varlinconsagrará o seu nome frente aos
trabalhadores parisienses. AInternacional não foi para Varlin um partido, mas um espaço plural derepresentantes de várias categorias detrabalhadores, militantes de váriostimbres ideológicos (mutualistas,
bakuninistas, blanquistas entre outros).A marca fundamental da PrimeiraInternacional foi o pluralismoideológico, mas notadamente com Marxe Bakunin como as duas expressões
políticas mais significativas, ainda quena seção francesa predominasse umacultura articulada em práticas próximasao que se poderia definir comosindicalismo revolucionário. Numarápida síntese pode-se afirmar que
(...) foram méritos da AIT aafirmação do internacionalismo
proletário como um valor postivo ea vinculação da luta pela libertaçãoda classe trabalhadora daexploração econômica, e da
opressão política como sinônima dalibertação da humanidade.(TRAGTENBERG, 2006: 33).
Varlin defendia uma assertiva que
definia bem o sentido universal da sualuta política, apresentou-a em 1865quando da sua participação como umdos quatro delegados franceses aocongresso da AIT em Londres: adefinição do que seria o “trabalhador” – “trabalhador é todo aquele que é
assalariado e está sujeito aos riscos da
falta de trabalho” (CORDILLOT,1995: 68). Nessa frase a universalidadede sua perspectiva política. Seriam essestrabalhadores o seu “partido”fundamental, e participar da AIT eraantes de tudo estabelecer pelaAssociação uma perspectiva deintegração de todas as lutas dostrabalhadores, não um órgão para guiar os trabalhadores, mas um instrumentoconector para articular e demonstrar auniversalidade da solidariedade entre ostrabalhadores como única prática
efetivamente revolucionária. O seutrabalho de organizador junto aostrabalhadores nas inúmeras greves que
participou, os vários fundos desolidariedade que organizou em próldos grevistas, as reuniões da AIT, esseseram os esforços da prática pedagógicarevolucionária, a dedicação comoexemplo, não para comandar, mas paraestar junto àqueles trabalhadores e comeles estabelecer os propósitos que os
reuniam às lutas em que estavamenvolvidos, há muito que Varlin nãoacreditava em resultados efetivamentesubstantivos das greves a que seenvolvia, a greve, o processo daorganização da greve em si era-lhesempre o termo mais importante.
Por que razão operários dedicados, ativos einteligentes consagram toda a sua energia,toda a sua influência que são suscetíveis deexercer sobre os seus companheiros, a
prosseguir este movimento que sabem não
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ter saída? (VARLIN [1869] apudBERNARDO, 2000:95)
Varlin responde à sua própria indagaçãoe traduz a sua própria ação política:
É que para eles a questão prévia aqualquer reforma social é aorganização das forçasrevolucionárias do trabalho. Emtodas as greves o que nos preocupanão é tanto o insignificanteaumento salarial, a pequenamelhoria das condições de trabalho.Tudo isso é apenas secundário; são
paliativos que servem enquanto seespera por alguma coisa melhor.
Mas o supremo objetivo dos nossosesforços é o agrupamento dostrabalhadores e a sua solidariedade.(VARLIN [1869] apudBERNARDO, 2000: 95)
E complementa:
Acima de tudo, o mais importante éque os trabalhadores estejamorganizados. (...) Para que
possamos encarar sem medo umfuturo tempestuoso é necessário que
todos os trabalhadores se sintamsolidários. (VARLIN [1869] apudBERNARDO, 2000: 96)
Por essas práticas, por essa exaustiva participação junto às lutas de inúmerascategorias de trabalhadores, não apenasos encadernadores, é que foi escolhido
para o Comitê Central da Guarda Nacional quando do levanteinsurrecional (de 15 de março de 1871)
da população parisiense ao cercoimposto pela república de Thiersassociado já nessa data às tropas
prussianas de Bismarck, e comotambém foi eleito para os comitêsdistritais da Comuna3.
3 Diante do cerco a Paris, Varlin sabia que a suaexperiência seria fundamental aos propósitos daGuarda Nacional que se insurge em 18 de marçocontra a República de Thiers, junto com alguns
outros membros da AIT participa então doComitê Central da Guarda Nacional. Walter
Paris esteve sitiada por vários meses,sem abastecimento regular demantimentos, a população viu-se emmiséria atroz, cavalos, cães, gatos, ratos,
animais do zoológico serviram paraaplacar a fome que se generalizava, eem meio a esse quadro de guerranacional contra a Prússia que cercava acidade e derrotava na batalha de Sedano Império de Napoleão III (setembro de1870), a população consumava no seucotidiano um inesperado “controle” dacidade, a guerra solidificara demandasem comum, a miséria unia a população
por saídas em comum, a solidariedade
fazia-se em prática comum.
Benjamin afirma: “Os membros da
Internacional aceitaram se eleger para o
Comitê Central da Garde Nationale, por
conselho de Varlin” (BENJAMIN, 2007: 833).Um dos membros da AIT com ativa
participação nesse Comitê Central e nasinstituições criadas pela Comuna foi o húngaroLeo Frankel (durante a Comuna manteve
correspondência com Marx) que escapou dofuzilamento fugindo para a Inglaterra. EsseComitê convocou eleições para o dia 26 demarço para a formação dos 20 comitês distritaisque formariam efetivamente a Comuna de Paris.
Nessas eleições Varlin obteve votos em váriosdistritos e foi eleito para três deles (no 6° -Luxembourg; no 12° - Reuilly e ainda no 17° -Batignolles-Monceaux, onde radicou os seustrabalhos). Varlin foi o único communard nessaseleições a eleger-se por três distritos, superandoinclusive o lendário Blanqui que foi sufragado eeleito para dois distritos (o 18° - Butte-
Montmartre; e o 20° - Menilmontant). Estasinformações foram obtidas naquele que é umdos documentos historiográficos fundamentaisda Comuna: o seu jornal oficial , o JOURNALOFFICIEL DE LA RÉPUBLIQUEFRANÇAISE, o jornal da Comuna. Osresultados das eleições em todos os vintedistritos (eleitos e totalidade dos votos) estãoapresentados na edição de 28 de março (pp. 75-76). Além das notícias diárias de cada comitêque compunha a Comuna, o jornal apresentavaainda uma seção dedicada ao registro do queoutros jornais, de outros países, dedicavam à
Comuna de Paris. Um documentohistoriográfico de inestimável valor.
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Entre os meses de outubro (1870) emarço (1871) a França com suanacionalidade derrotada pela rendiçãode Napoleão, legitima a República
inócua de Gambetta e leva Thiers ao poder. A França legitimava governosrepublicanos, mas Paris queria legitimar a República social, a cidade resiste aocerco prussiano e agora (fevereiro de1871) teria também que resistir aos“obuzes” de Thiers.
Na véspera da Comuna e diante dosimpasses do governo Thiers, em 11 demarço de 1871, Varlin publica no jornal
La Marseillaise um artigo queantecipava os rumos das novas práticasinstitucionais que Paris desencadiaria a
partir já da insurreição da Guarda Nacional contra a república de Versalles(18 de março). Nesse artigo de título“As sociedades operárias”, percebemoso jovem autodidata aferindo a realidadede uma prática auto-organizatóriaobjetivada ao controle operário darealidade social, naquele momento, “as
sociedades operárias” já poderiamdesencadear um processo político decontrole social da produção superando,
portanto, as práticas corporativo-sindicais de resistência ao capital. Àsvésperas do levante da Guarda Nacionale da consolidação da Comuna a partir de 26 de março, Varlin era quem melhor traduzia as tendências revolucionáriasem questão. Para Varlin, àquela alturaas possibilidades da revolução social
eram-lhe de uma evidência contundente.Vejamos, para concluir, o seuargumento:
Se não quisermos converter tudonum Estado centralizador eautoritário, que nomearia osdiretores das fábricas, dasmanufaturas, dos estabelecimentosde distribuição, os quais por sua veznomeariam os subdiretores, oscontramestres, etc., organizando-se
assim hierarquicamente o trabalho
de alto a baixo e deixando-se otrabalhador como uma meraengrenagem inconsciente, semliberdade nem iniciativa, se nãoquisermos nada disto temos deadmitir que os própriostrabalhadores devem dispor livremente dos seus instrumentos detrabalho, possuí-los, com acondição de trocar os seus produtosao preço de custo, para que existareciprocidade de serviços entre ostrabalhadores das diferentesespecialidades. (VARLIN [1871]apud BERNARDO, 2000: 97)
Sua participação no Comitê Central daGuarda Nacional e depois a sua eleiçãoem três dos vinte distritos da Comunaasseveraram-lhe as possibilidadesconcretas da luta impeditiva daqueleEstado autoritário a que se refere no seuartigo, mas, mais importante, tinha acerteza de que Paris com aquelas novas
práticas institucionais que a Comunadesenvolvia já anunciava o futuro darepública social em autogestão.
Louis-Eugène Varlin é o maior emblema da Comuna de Paris de 1871,viveu, lutou e morreu aos 31 anos pelaRepública social dos trabalhadores,Varlin é a representação máxima das
práticas comunistas autogestionárias. Éa sua vida e luta que devem ser lembradas e discutidas à exaustão nacomemoração destes 140 anos daComuna de Paris. O que afirmou osenhor Karl Marx nas suas cartas ao seuamigo Kugelman, de Londres, depois detudo que Varlin enfrentou, faz com quetenhamos que reconhecer que o únicolugar onde Marx deve estar é na
bibliografia da Comuna, se Varlin foi aComuna, Marx é apenas uma referência
bibliográfica da Comuna. Vale a nós perceber o que nos éhistoriograficamente fundamental:discutir a Comuna por inteira ou apenas
um livro sobre ela?
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Referências
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BENJAMIN, Walter. Passagens. BeloHorizonte / São Paulo: Editora da UFMG /Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007.
BERNARDO, João. Labirintos do Fascismo. Na encruzilhada da Ordem e da Revolta. Porto:Afrontamento, 2003.
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produção comunista. Porto: Afrontamento,1975.
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Foto:
Louis-Eugène Varlin (Google Images).