logorreia 1

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Imaginar um texto que deseja, que sonha, cujo emaranhado de pulsões não apenas tivesse um autor como pressuposto, mas como desejado, tamanha a gama pulsional liberada na sua leitura: desejo pela repressão em detrimento do gozo. Ordem de concatenação inexplicável: primeiro, segundo, terceiro e quarto apenas reduzidos a meras palavras, significantes puros, nenhum significado que não pular ao próximo significante, ordenação ininteligível que, entretanto, não cessa se produzir efeitos, não cessa de descentralizar. Ler o texto e saber-me contemplado precisamente porque não existo frente a ele se não como esse efeito efêmero de sujeito que, por sua vez, já se foi. Não se foi quando eu fecho o texto e sim na medida em que o texto e eu nem sequer podemos nos separar, numa união ontológica quase mística (os idiotas pensam em ocultismo e acertam como o cego que atira no alvo sem saber bem o porquê). Que é o fim de uma história se não o nosso próprio ensaio no qual nós mesmos fechamos o livro porque morremos um pouco?

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Page 1: logorreia 1

Imaginar um texto que deseja, que sonha, cujo emaranhado de pulsões não

apenas tivesse um autor como pressuposto, mas como desejado, tamanha a gama

pulsional liberada na sua leitura: desejo pela repressão em detrimento do gozo. Ordem

de concatenação inexplicável: primeiro, segundo, terceiro e quarto apenas reduzidos a

meras palavras, significantes puros, nenhum significado que não pular ao próximo

significante, ordenação ininteligível que, entretanto, não cessa se produzir efeitos, não

cessa de descentralizar. Ler o texto e saber-me contemplado precisamente porque não

existo frente a ele se não como esse efeito efêmero de sujeito que, por sua vez, já se foi.

Não se foi quando eu fecho o texto e sim na medida em que o texto e eu nem sequer

podemos nos separar, numa união ontológica quase mística (os idiotas pensam em

ocultismo e acertam como o cego que atira no alvo sem saber bem o porquê). Que é o

fim de uma história se não o nosso próprio ensaio no qual nós mesmos fechamos o livro

porque morremos um pouco?