livre arbítrio e espiritualidade
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FACULDADE LATINO AMERICANA DE TEOLOGIA INTEGRAL CURSO DE TEOLOGIA
“Livre Arbítrio e Espiritualidade” Uma Perspectiva da Missão Integral na Origem e Queda do Homem
Messias Júnior
Faculdade Latino-Americana de teologia Integral
ARUJÁ 2007
MESSIAS DE CASTRO E SILVA JÚNIOR
“Livre Arbítrio e Espiritualidade” Uma Perspectiva da Missão Integral na Origem e Queda do Homem
Monografia apresentada à diretoria do curso de graduação da Faculdade Latino Americana como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Teologia, sob a orientação do Prof.º Milton.
Faculdade Latino-Americana de teologia Integral
ARUJÁ 2007
4
“Livre Arbítrio e Espiritualidade” Uma Perspectiva da Missão Integral na Origem e Queda do Homem
Messias de Castro e Silva Júnior
Aprovada em ____/____/_____.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________ Milton Paulo da Silva (orientador)
Mestre em Teologia Faculdade Teológica de São Paulo
CONCEITO FINAL: _____________________
5
Agradeço ao professor e orientador Milton, pelo apoio e encorajamento contínuos na pesquisa, aos demais Mestres da casa, pelos conhecimentos transmitidos, e à Diretoria Do curso de graduação da Faculdade Latino Americana pelo apoio institucional e pelas facilidades oferecidas.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 09
CAPÍTULO I - LIVRE ARBÍTRIO E SUA DEFINIÇÃO ............................................... 11
1.1 Etimológica ............................................................................................ 11
1.2 Teológica ................................................................................................ 11
CAPÍTULO II - O LIVRE-ARBÍTRIO E A ORIGEM HUMANA ................................... 14
2.1 Na Dádiva da Criação ............................................................................... 14
2.2 Na Unidade do Saber e do Fazer ............................................................ 15
2.3 Na Liberdade de Livre Escolha a Partir de uma Ética Estabelecida ......... 16
CAPÍTULO III - O LIVRE-ARBÍTRIO NO ROMPIMENTO DA ORIGEM HUMANA .. 18
3.1. No Conhecimento do Bem e do Mal ........................................................ 18
3.2. Na Cisão entre o Saber e o Fazer .......................................................... 19
3.3. Na Pretensão Humana de ser a Própria Origem do Saber ..................... 21
CAPÍTULO IV - O EXERCÍCIO DO LIVRE-ARBÍTRIO NA MISSÃO INTEGRAL ..... 25
4.1. À luz da Bíblia ......................................................................................... 25
4.2. Na perspectiva da Igreja como Comunidade da Fé ................................ 28
CAPÍTULO V - O LIVRE-ARBÍTRIO NA MISSÃO INTEGRAL E O SEU EXERCÍCIO
ÉTICO E RELACIONAL COM O MUNDO ................................................................. 32
5.1. A partir do homem .................................................................................. 32
5.2. A partir de Cristo ..................................................................................... 33
5.3. A partir de Uma Plataforma Moral ........................................................... 34
5.4. A partir da Autonegação e Regeneração ................................................. 37
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 41
REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................... 48
8
RESUMO
Esta monografia digressiona sobre o livre-arbítrio e a espiritualidade humana,
sob o foco da missão integral na origem e queda do homem no pecado. Define
inicialmente o termo livre-arbítrio de forma mais técnica, abordando desde a sua
terminologia na sua raiz etimológica. Como também na sua origem teológica
confrontada com a Bíblia.
Sua abordagem tem como pano de fundo a espiritualidade do homem a partir
da sua origem. Para isto é desenvolvido uma linha de raciocínio a partir do termo
livre-arbítrio relacionado à origem humana, seguindo uma seqüência lógica na
dádiva da criação, na unidade do saber e do fazer, e na Liberdade de Livre Escolha
a Partir de uma Ética Estabelecida.
Finalmente sob o foco da missão integral se estabelece uma forma de
exercício ético do livre-arbítrio, tendo Jesus e a ética de Seu Evangelho como a
centralidade deste exercício na missão integral; contudo, a luz da Bíblia e na
perspectiva da Igreja como comunidade da fé.
Por fim, seguindo todo o contexto deste trabalho busca-se chegar um ponto
de equilíbrio que vise enxergar um tipo de espiritualidade autêntica, não-
dicotomizada, mas plena através do livre-arbítrio na missão integral e o seu
exercício ético e relacional com o mundo. Porém, sendo confrontado com alguns
princípios a partir do homem, de Cristo, de uma plataforma moral, e de uma
autonegação e regeneração.
Palavras-chave: Livre-arbítrio a partir da origem, espiritualidade, ética, missão integral, Jesus.
9
Introdução
Durante anos venho observando tanto dentro como fora da Igreja um tipo de
interpretação (do imaginário popular) que defende o livre-arbítrio como presente de
Deus ao homem. Conseguintemente muitos dicotomizam a espiritualidade humana,
tratando-a como a parte das realidades do mundo. E ao estudar num seminário
teológico, percebi esta mesma tendência; só que numa perspectiva mais acadêmica
em torno do homem e Deus; logo trazendo esta perspectiva para um campo de
embates teológicos entre se o homem tem ou não tem livre-arbítrio.
No entanto, depois de quatro anos de curso continuei observando que os
debates e embates teológicos sempre se concentraram em torno do pensamento
dos teólogos Jacob Arminius e João Calvino. Um defendendo que o homem pode
decidir seu destino, e o outro defendendo a completa soberania de Deus sobre o
destino humano. Surge daí uma linha imaginária que divide o ponto de vista
arminiano e calvinista: Qual o que está mais certo? Qual o que está mais errado?
Eis a questão.
Partindo desses pressupostos, porém fugindo desta discussão quase sem
fim, decidi empreender algumas pesquisas fundamentando-as, sobretudo a partir da
Bíblia e em conjunto com teólogos e filósofos1, na busca de um ponto de vista que
propriamente não seja nenhum, nem outro. Mas que seja um ponto de partida para
uma construção equilibrada de um pensamento teológico numa perspectiva
integralizada da espiritualidade humana em conexão com sua origem. Ou seja:
Buscando estabelecer um equilíbrio teológico a partir de Cristo como base da
missão integral no desenvolvimento relacional e conseqüente proclamação de Seu
Evangelho ao mundo através do próprio homem conectado a sua origem.
1 Este trabalho tem como marco teórico os pensamentos teológicos e filosóficos de Dietrich
Bonhoefer, Agostinho, George W. Forell e H. Richard Niebuhr.
10
Entretanto, isto suscita algumas indagações em torno de nossa atual
realidade: Como desenvolvermos uma espiritualidade plena a despeito de uma
humanidade em pecado e em desordem moral? Como exercermos a missão integral
em meio à realidade do mundo, porém em santidade; sem, contudo, precisarmos de
nos isolar do mundo secular? O homem tem de fato um livre-arbítrio? Deus deu este
livre-arbítrio a ele? Como exercitar o livre-arbítrio na missão integral?
É buscando respostas a estas e outras perguntas, mas sem nenhuma
pretensão de esgotar o assunto, que este trabalho objetiva somar forças num
propósito em comum entre os cristãos, líderes e pastores; na busca de uma
construção teológica que vise estabelecer uma cristologia autêntica através de um
prisma ético consistente dentro de um arbítrio perfeito. Neste contexto está a Igreja
de Cristo como comunidade da fé, que na condição de representante do Seu corpo
no mundo, carrega o verdadeiro sentido da espiritualidade e seu exercício;
embasado numa nova ética arbitral.
Esta ética traz um novo sentido para o livre-arbítrio e a espiritualidade do
homem; que na perspectiva da missão integral, autentica toda a sua práxis através
do Evangelho de Cristo.
Portanto com base nestas proposições, este trabalho tem como proposta
inicial apenas começar de forma sintética a construção e o desenvolvimento de um
ponto de equilíbrio teológico do termo ―livre-arbítrio‖ e a espiritualidade no contexto
da missão integral iniciada por Jesus, dando uma possibilidade ao homem de voltar
a sua origem.
Por conseguinte a isto desenvolver uma verdadeira espiritualidade que seja
sadia e contextualizada com a Igreja, promovendo um envolvimento ético dela e dos
seus obreiros com as realidades do mundo atual apesar de corrompido.
11
CAPÍTULO I – LIVRE ARBÍTRIO E SUA DEFINIÇÃO
1.1 Etimológica
Etimologicamente o termo livre-arbítrio é definido de forma genérica em
nossa língua vernácula como: ―possibilidade de decidir, escolher em função da
própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa
determinante‖ 2.
Pode também em outra interpretação ser definido como: ―Possibilidade de
exercer um poder sem outro motivo que não a existência mesma desse poder;
liberdade de indiferença‖ 3 .
Quanto ao significado da palavra arbítrio4 desconectado do termo em si
analisado acima, leva praticamente à mesma conotação etimológica. Apenas
derivando algumas outras palavras; como por exemplo: árbitro ou juiz, arbitragem,
etc.
1.2 Teológica
Apesar de o termo ter vindo à tona ou criado grande projeção no século V
através da controvérsia pelagiana5, onde se discutiu uma série de questões ligadas
à natureza humana relacionado ao pecado e a graça; na realidade esta discussão
concentrou-se inicialmente em dois indivíduos: Agostinho de Hipona e Pelágio6.
2 Dicionário Houaiss da língua portuguesa
3 Novo Dicionário Aurélio: [Refere-se o livre-arbítrio principalmente às ações e à vontade humana, e pretende significar que o homem é dotado do poder de, em determinadas circunstâncias, agir sem motivos ou finalidades diferentes da própria ação.] [Sin., p. us.: livre-alvedrio. Cf. indeterminismo. Pl.: livres-arbítrios.]
4 De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa existem várias acepções derivadas da
palavra arbítrio como: m.q. arbitragem ('julgamento'); domínio ou poder absoluto; sentença de juiz ou árbitro; parecer.
5 Relativo ao monge Inglês Pelágio, que introduziu a chamada posteriormente de doutrina de
convicção dos pelagianos, segundo a qual o homem era totalmente responsável por sua própria salvação e que minimizava o papel da graça divina (vide Dicionário Houaiss).
6 McGrath, Alister, E., 1953, p.506
12
Entretanto, o termo ―livre-arbítrio‖ não é propriamente bíblico. Foi traduzido
do termo latino liberum arbitrium7 e é originário do estoicismo8. A introdução do
termo na igreja ocidental iniciou-se a partir do século II pelo teólogo Tertuliano9.
Mais tarde, já no século V, Agostinho passou a defender algumas idéias
relacionadas ao livre-arbítrio que teologicamente podem se resumir de acordo com o
Dr. McGrath da seguinte forma:
[...] primeiro, ele afirma a existência da inerente liberdade humana:
não fazemos as coisas por obrigação, mas por uma questão de
liberdade; segundo, ele declara que o livre arbítrio foi debilitado e
enfraquecido – mas não totalmente eliminado ou destruído – pelo
pecado. Para que o livre arbítrio seja restaurado e recuperado, é
necessária a atuação da graça de Deus. O livre arbítrio existe;
entretanto, ele se encontra debilitado pelo pecado. (McGrath, Alister,
1953, p. 507)
Estas idéias, no entanto, encontraram fortes resistências entres alguns teólogos e
pensadores da época, dentre eles o já citado Pelágio. Segundo o seu ponto de vista
sobre o livre-arbítrio, Deus tinha criado a humanidade e sabia precisamente o que
ela era capaz de fazer. Portanto, todos os mandamentos dados por Deus podem e
devem ser obedecidos10. Passou também a declarar de forma inflexível que ―uma
vez que a perfeição é possível para a humanidade, ela é obrigatória‖ 11.
Destarte, o termo livre-arbítrio após isto tem motivado durante séculos
discussões e embates teológicos desencadeados por vários teólogos. Culminando
aproximadamente no período dos anos 1560-1609 com Jakob Arminius destacando-
7 McGrath, Alister, E., 1953., p.507
8 Doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264a.C.), e desenvolvida por várias gerações de
filósofos, que se caracteriza por uma ética em que a imperturbalidade, a estirpação das paixões e a aceitação resignada do destino, são as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadeira felicidade [O estoicismo exerceu profunda influência na ética cristã.] (vide Dicionário Houaiss).
9 McGrath, Alister, E., 1953, p.507
10 Ibid., p. 508
11 Ibid., p. 508
13
se com uma posição semi-pelagiana, defendendo o livre-arbítrio do homem. Já
Calvino, totalmente anti-Pelágio, defendendo a completa soberania de Deus.
No entanto, sob o prisma teológico, de lá para cá o termo livre-arbítrio em si
nunca foi completamente definido ou conciliado; entre as duas linhas teológicas de
pensamento que atualmente tornaram-se conhecidas como: ―arminianismo e
calvinismo‖.
14
CAPÍTULO II – O LIVRE-ARBÍTRIO E A ORIGEM HUMANA
2.1 Na dádiva da criação
O ser humano em sua origem foi dotado como imagem e semelhança12 de
Deus. O Criador o colocou como sua representação magna no planeta terra. ―O
homem não é (e não se tornou) apenas uma imagem, mas uma imagem de
semelhança. Ele não é apenas representativo, mas representação‖13. Sendo assim,
―é o representante visível, corpóreo, do Deus invisível, incorpóreo‖14.
Não obstante, a estas nuances que retratam a singular importância do
homem em face de todo o restante da criação, isso o destaca como imagem de
Deus – a inexorável originalidade humana. Ou seja: foi facultado na criação do
homem, viver exclusivamente de sua origem em Deus.
A partir disto podemos afirmar categoricamente que Deus o Criador e
Senhor do homem, proporcionou ao mesmo viver da origem Divina. Isto por si só já
representa e expressa a Dádiva de Deus ao homem. Dotando-o na sua criação
como imagem e semelhança do próprio Criador; e para tanto o criou como um ser
perfeito e único capaz de se relacionar com seu criador em completa harmonia.
Tornando-o assim exclusivo e superior em meio a toda criação com privilégios
únicos e incomparáveis diante dos demais seres vivos.
No entanto, apesar de gozar de uma singularidade especial perante a
criação, o ser humano em si não era necessário para Deus ser o que é diante de
tudo que foi criado. Deste modo, a Bíblia diz que a humanidade foi criada com a
12
Segundo o Dicionário Internacional de Teologia do AT (1998, p. 316), ao verificar ―a relação entre tselem (―imagem, q.v.) e demût (―semelhança‖) constata-se que em nenhuma outra passagem do AT esses dois substantivos são paralelos ou relacionados um ao outro.[...]‖. Porém são feitas pelo menos cinco sugestões – dentre elas a terceira diz: ― Não se deve procurar estabelecer nenhuma distinção entre essas duas palavras. Elas são totalmente intercambiáveis.[...]‖‖
13 Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, Harris, R., Laird, 1998, p. 317 (grifo
meu) 14
Ibid., p. 317
15
principal finalidade de glorificar o seu Criador15. E sendo assim, por não haver
necessidade do homem existir por si só, logo o mesmo existe exclusivamente pela
dádiva da criação16.
2.2 Na unidade do saber e do fazer
Antes da queda humana, existia entre o saber e o fazer do homem uma
unidade. Este era um ponto de convergência entre a criatura e seu criador. Neste
ponto não existia o conhecimento do bem e do mal na perspectiva humana, porém,
toda a origem do saber humano estava plenamente conectada em seu criador.
Por conseguinte, o livre-arbítrio neste contexto resume-se na plena ciência do
homem a partir da origem Divina. Isto é: Deus como seu Criador é a sua contínua
fonte de conhecimento. Deste modo, o sentido do livre-arbítrio em si não está
subserviente a criatura humana, mas inteiramente subordinada a Deus como seu
Criador.
Assim, a vontade Soberana de Deus aqui não é obedecida por imposição
como se fosse um sistema de regras pré-fixadas17. Mas é cada vez mais nova nas
diferentes situações do dia-a-dia, redundando em uma plena comunhão e perfeição
entre saber e o fazer humano. Ao referir-se a isto, Dietrich Bonhoefer coloca a
seguinte assertiva:
“O ser humano, em sua origem, só sabe de uma coisa: Deus. A outra
pessoa, as coisas, a si mesmo ele só conhece na unidade de seu
saber de Deus. Conhece tudo só em Deus e Deus em tudo.” (Dietrich
Bonhoeffer, 1949, p. 15)
Portanto, sob o prisma exclusivamente humano e dentro do contexto anterior
a queda, neste sentido, originalmente o homem não possui livre-arbítrio. O 15
Salmos 96.9 (Versão Revista e Atualizada) - Adorai o SENHOR na beleza da sua santidade; tremeidiante dele, todas as terras.
16 Tiago 1.17 (Versão Revista e Atualizada) - Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto,
descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança. 17
Bonhoeffer, Dietrich, 1949, p.26
16
conhecimento do bem e do mal está ausente, pois por tudo conhecer na unidade de
seu saber em Deus, o coloca num nível pleno de livre ação e em perfeita sincronia
entre seu estado volitivo e cognoscitivo nele mesmo, a partir de seu Criador, sendo o
único e o próprio livre-arbítrio em essência. .
2.3 Na liberdade de livre escolha a partir de uma ética estabelecida
O homem foi criado como um ser livre — capaz de pensar, agir e administrar
o restante da criação como fiel mordomo e em atitude plena de adoração ao seu
Criador. Contudo, com responsabilidade diante dos parâmetros da justiça de Deus.
Isto ficou claro quando o homem recebeu de seu Criador a seguinte ordem: ―...
Coma livremente de qualquer árvore do jardim, mas não coma da árvore do
conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você
morrerá‖ 18.
De forma intrínseca esta ordem delega responsabilidade no exercício da
liberdade humana, frente aos limites Soberanos de Deus estabelecidos pela sua
justiça representada na obediência ou não de sua palavra. Por conseguinte a isto, é
dada ao homem a liberdade de escolha entre continuar conhecendo seus desígnios
e decisões diretamente a partir da plenitude de seu Criador, ou conhecer suas
escolhas numa perspectiva autocrática e ―auto-suficiente‖.
De tal modo, o livre-arbítrio caracteriza-se no arcabouço da criação como um
das propriedades relacionadas inexoravelmente à imagem de Deus no homem. Isto
é: Deu-lhe a capacidade de escolher de forma inteligível19, livre e própria;
18
Gênesis 2.16,17 (NVI) 19
O primeiro teste e sinal de inteligência que Deus deu ao homem: Gn 2.19,20 (Versão NVI) - Depois que formou da terra todos os animais do campo e todas as aves do céu, o SENHOR Deus os trouxe ao homem para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a cada ser vivo, esse seria o seu nome. Assim o homem deu nomes a todos os rebanhos domésticos, às aves do céu e a todos os animais selvagens.
17
capacidade esta decorrente da Imagem de Deus20. Todavia, o arbítrio em si neste
contexto é exercido numa perspectiva exclusiva e essencialmente Divina; onde entre
o ser e o fazer se encontra a unidade perfeita, cuja prerrogativa de arbitrar pertence
a Deus, resultando em uma ação contínua, reta e sincronizada da vida humana; que
faz do homem uma criatura plena21 diante de seu Criador.
20
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã Vol.II, p.311: ―Com a imago (Dei) os reformadores protestantes tinham compreendido especialmente o estado original da pureza do homem, de conformidade com Gn 1 e 2, onde Adão é retratado como quem foi feito para a comunhão racional, moral e espiritual com seu Criador‖.(grifo meu)
21 O tempo no qual o homem assim ouvia e respondia a Deus é uma época pré-histórica, o status
integritatis, ―o estado de integridade‖ dos teólogos. (George W. Forell,1955, p.53)
18
CAPÍTULO III - O LIVRE-ARBÍTRIO NO ROMPIMENTO DA ORIGEM HUMANA 3.1 No conhecimento do bem e do mal
Nasce aqui o ponto conflituoso com a origem humana. Quando o homem se
depara com o limite do padrão ético de obediência estabelecido por seu Criador22. E
qual é esse limite? – Seu ato decisório quanto a obedecer ou não a ordem Divina.
Ao deparar-se com uma espécie de situação de confronto nunca antes
vivida, e que nela envolveria uma decisão ética, o homem se ver na fronteira
rescisória entre ele e seu Criador. A saber, a mulher23 e o homem24 (raça humana),
são tentados e seduzidos pela serpente (satanás) a obterem a prerrogativa Divina
do arbítrio, através do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal: ―Disse a
serpente à mulher: ―Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele
comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus , serão conhecedores do bem
e do mal ‖‖ 25.
A partir deste ponto na decisão humana de desobedecer ao seu Criador,
nasce o desejo de independência e autonomia, que insuflada pela serpente se
insurgiu contra Deus na cobiça de conquistar a noção do bem e do mal. Isto é:
Ambicionaram obter a prerrogativa Divina do livre-arbítrio ao se sublevarem contra
Deus numa condição cognoscitiva própria, caracterizando uma discrepância com
sua condição de criatura. Por conseguinte, a espécie passou a exercer desde então
22
Gn 2.16,17 (NVI) - E o SENHOR Deus ordenou ao homem: ―Coma livremente de qualquer árvore do jardim,mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá‖.
23 No original:hva ‗ishshah, significando mulher,esposa,fêmea; (procedente da raiz da palavra vwna
‗enowsh, que significa homem mortal, pessoa, humanidade). (Extraído do Léxico Strong, Português-hebraico)
24 No original: vya ‗iysh, significando homem,marido,macho (em contraste com mulher, fêmea) ou Mda ‗adam aw-dawm’, significando homem, humanidade (designação da espécie humana). (Extraído do Léxico Strong, Português-hebraico)
25 Gênesis 3.4,5 (NVI)
19
um padrão de domínio a partir desse conhecimento ―adquirido‖; porém, sem nexo
com sua origem.
Após o homem desobedecer à ordem de Deus e consumar o ato do pecado
em si ao provar do fruto proibido; de fato alcançou o conhecimento do bem e do mal
no ―livre-arbítrio‖. Entretanto, de forma cindida e usurpada de seu Criador; não
adquirida ou ganha justamente.
Assim sendo, o livre-arbítrio baseado agora no conhecimento do bem e do
mal, passa a ter uma perspectiva não mais a partir de sua unidade original com
Deus. Mas autocrática embasada num padrão ético próprio e individualista;
constituindo sua própria moral do bem e do mal, conseqüentemente tornando o
homem soberbo e prepotente. Fazendo nascer uma arrogância peculiar a natureza
humana, tipificando a separação de sua origem.
3.2 Na cisão entre o saber e o fazer
Nos tempos em que Jesus viveu aqui na terra os fariseus representavam bem
o que é o ser humano cindido de sua origem. Esta cisão é uma barreira entre o
saber puro, vindo de uma fonte inesgotável de sabedoria e o fazer baseado numa
ciência plena de seu estado voluntário de obediência ao seu Criador na sua
condição original.
Pelo prisma dos fariseus por sua vez, não diferentes do que é um típico ser
humano cindido de seu Criador, cada momento na vida se torna uma situação de
conflito em que se deve escolher entre o bem e o mal 26. No caso do fariseu seu aio
era torah, isto é, as leis de Moisés representavam para ele seu único referencial
religioso entre o bem e o mal. Esta característica propicia ao homem na figura do
26
Bonhoeffer, Dietrich, 1949, p.20 e 21
20
fariseu uma condição subvertida de um juiz autômato, rigoroso tanto de si mesmo
quanto do próximo.
Destarte, na busca de uma verdade o homem tenta se encontrar entre o
saber, que cindido, torna-se não saber, e o fazer que redunda por conseguinte, em
afastar-se cada vez mais de sua origem. Ou seja: exercendo o livre-arbítrio por si
mesmo, o homem se afasta da verdade contida unicamente em seu Criador, e se
aproxima naturalmente do mal. Pois o pecado intrínseco no seu ser impede a
harmonia original entre a livre ação humana e sua voluntariedade em obedecer a
Deus. Isto se constitui uma ambigüidade entre o saber e o fazer. Como diria o
comentarista da vida e obra de Agostinho sobre o exercício do livre-arbítrio neste
contexto:
De todas essas faculdades, a mais importante é a verdade,
intervindo em todos os atos do espírito e constituindo o centro da
personalidade humana. A vontade seria essencialmente criadora e
livre, e nela tem raízes a possibilidade de o homem afastar-se de
Deus. Tal afastamento significa porém, distanciar-se do ser e
caminhar para o não ser, isto é, aproximar-se do mal. Reside aqui a
essência do pecado, que de maneira alguma é necessário e cujo
único responsável seria o próprio livre-arbítrio da vontade
humana. (Vida e obra, p. XVII)
De tal modo, o livre-arbítrio humano neste contexto não está ligado a Deus e
nem muito menos veio dEle para a humanidade. Muito pelo contrário, está
inteiramente ligado ao homem que ao usurpar uma prerrogativa Divina preferiu ser o
árbitro de si mesmo, e conseqüentemente do mundo a sua volta.
3.3 Na pretensão humana de ser a própria origem do saber
O primeiro casal (Adão e Eva) responsável pela humanidade neles investida,
ao optarem tornarem-se como Deus - conhecedores do bem e do mal - tornaram em
subversão o arbítrio Divino, como já foi abordado neste trabalho; visto que estes
21
romperam com seu Criador ao desejarem obter o mesmo nível de conhecimento do
bem e do mal. No entanto, em condições falíveis e limitadas de uma criatura, que
absolutamente preferiu confiar em seu tentador, no caso a serpente, (que, diga-se
de passagem, não passava também de uma criatura27); e revoltar-se contra seu
supremo-Criador por livre e espontânea vontade. O que se constituiu num ato
irresponsável de insurgência, configurando-se desde então numa rebelião da
criatura contra seu Criador.
Deste modo, o homem busca presunçosamente ser a origem do próprio
saber projetando nele o ―Eu-mestre‖. Ou seja: O senhor das ações humanas agora
passa a ser sua própria consciência, a sede da razão, que exerce o arbítrio de
acordo com um padrão ético a partir de uma moral auto-estabelecida diante de seu
agora autoconhecimento usurpado da origem28.
Neste sentido, o arbítrio em si parte do princípio de que a sabedoria humana
é o seu grande referencial ético. Embasado nisso, a humanidade peca
continuamente contra a sua própria origem em seu Criador, aumentando cada vez
mais o orgulho que rompeu e afastou a relação do homem com Deus. Esta realidade
é profundamente enfatizada pelo Apóstolo Paulo em sua primeira carta escrevendo
a Igreja em Corinto, no capítulo 1 e versículos 20 e 21, quando diz: “Então, o que
poderão dizer os sábios e os instruídos? O que vão dizer os grandes oradores deste
mundo? Deus tem mostrado que a sabedoria deste mundo é loucura. Pois Deus,
na sua sabedoria, não deixou que os seres humanos o conhecessem por meio
da sabedoria deles...”.29
27
House, R, Paul, 1998, p.80 e 81 28
O conhecimento do bem e do mal: ―... Agora o homem se tornou como um de nós, pois conhece o bem e o mal.‖ (Gn. 3.22 NTLH)
29 Versão RA
22
Esta referida sabedoria é bem tipificada na época de Paulo (em meados de
70 d.C), pela cultura grega. Os gregos, através de seus grandes pensadores de
destaque, como Zenão de Cício, Aristóteles, Platão, Cícero, e tantos outros grandes
filósofos, ícones da erudição cultural grega30, simbolizaram e sinalizaram de forma
emblemática o arquétipo da sabedoria humana. E o Apóstolo Paulo neste contexto
refere-se a esta realidade, isto é, o sentido da sabedoria do mundo, quando escreve
(I Cor. 1.20), é bem concreto: é a filosofia grega (na época) erigida em sistema31; a
qual tem influenciado gerações depois de Cristo pelos anos seqüentes da
humanidade.
O teólogo e exegeta Lucien Cerfaux, é bem categórico ao descrever esta
realidade como ―o fracasso da sabedoria‖ 32. Ao analisar este contexto de Paulo
tendo como base a cultura grega em Corinto, faz o seguinte comentário exegético:
“...o plano de Deus consiste em provar a incapacidade da
sabedoria humana, recorrendo, enfim, à loucura da pregação.
Paulo pensa da mesma maneira a respeito da Lei; ela provou a
incapacidade de produzir a justiça, a fim de que recorrêssemos
a fé. Há, portanto, no plano divino, um fracasso da sabedoria
ou, melhor, da filosofia. O fracasso consiste em que o próprio
Deus lhe havia dado uma finalidade, a de chegar pela
contemplação do mundo ao conhecimento da divindade. Por
que e como a sabedoria não atingiu a sua finalidade?”
(Cerfaux, Lucien, 2003, p. 205)
A pergunta de Cerfaux é uma deixa bastante sugestiva para a concepção deste
tópico: ―Por que e como a sabedoria não atingiu a sua finalidade?‖ – A resposta
pode ser lógica diante deste trabalho: Porque o homem buscou ser o próprio
30
A cultura grega começou a expandir-se pelo mundo, principalmente pelo ocidente após meados de 300 a.C pelo rei da Macedônia, Alexandre, o grande; através de suas magníficas conquistas territoriais. Destacando-se pela conquista do império persa e conseqüente projeção e expansão em escala mundial do pensamento grego. (Enciclopédia Encarta)
31 Cerfaux, Lucien, 2003, p. 205
32 Ibid, p. 205
23
conhecedor do bem e do mal e elevar-se ao nível de seu Criador. Por conseguinte,
este foi enganado pela vaidade de seu raciocínio e seu coração privado de
inteligência cobriu-se de trevas; dizendo-se sábio, tornou-se louco33. Ou seja: entre a
teoria do saber e a práxis do comportamento humano, que resulta no fazer, existe
uma cisão ética com sua origem que compromete e limita o exercício pleno do livre-
arbítrio. Saber este que originalmente conduzia o homem ao conhecimento de Deus;
mas agora numa perspectiva pós-queda, ao contrário disso o conduziu a um
conhecimento apenas filosófico de si mesmo que o impeliu à idolatria e à
imoralidade34.
Esta cisão impõe ao homem uma escravidão de sua própria vontade, isto é, o
rompimento de sua origem o ―condenou a ser livre‖ 35. Isto tendo em vista que sua
liberdade agora é desconectada da original, que antes por ser inteiramente ligada
em Deus, por isso plena, era harmônica entre o saber e o fazer. Entretanto, no
rompimento de sua origem, a partir da cisão entre o saber e o fazer, esta liberdade
passou a ter base no arbítrio puramente humano, cindido e, portanto limitado em seu
estado deficiente de criatura; que em estado de usurpação busca sua própria
liberdade em detrimento a original; que não era limitada a partir da criatura, mas do
Criador.
Partindo desta premissa, no rompimento com sua origem, a liberdade do ser
humano passa a ser sua escravidão36. A respeito disto o teólogo George W. Forell
diz o seguinte com relação ao homem e sua vida como decisão:
“... Ele pode realmente ser livre para tomar muitas decisões
importantes a respeito de sua vida. Pode opinar na escolha de seu
trabalho, seu cônjuge, seus amigos ou do tipo de vida que deseja
33
Ibid, p. 206 34
Cerfaux, Lucien, 2003, p.207 35
Forell, W., George, 2002, p.19 36
Ibid, p.19
24
levar. Mas existe uma escolha que ele não pode fazer: não pode
deixar de escolher. Não pode fugir da liberdade. Está fadado a
ser livre. Quer goste, quer não, quer acredite, quer não, ele tem que
viver tomando decisões constantes e inevitáveis‖. (Forell, W.,
George, 2002, p.19
Fatalmente isto desemboca no livre-arbítrio humano, que na condição ambígua entre
o saber e o fazer embasa todas as suas decisões éticas. Contudo, mesmo estando
livre para arbitrar, paradoxalmente o homem é escravo de sua própria liberdade.
Pois por ela ser usurpada de sua origem, é limitada e condicionada ao saber
humano que serve como única base referencial para o arbítrio em todas as
situações decisórias da vida. Portanto, nesse sentido o homem arbitra apenas pela
presunção de seu pretenso saber, que cindido do fazer perde completamente o elo
de convergência com sua origem em seu Criador.
25
CAPÍTULO IV - O EXERCÍCIO DO LIVRE-ARBÍTRIO NA MISSÃO INTEGRAL 4.1 À luz da Bíblia
Para falarmos desta missão à luz da Bíblia antes de citarmos propriamente
textos bíblicos, devemos nos reportar inexoravelmente a sua centralidade: Jesus
Cristo. Não obstante a esta realidade, por um viés empírico podemos dizer que Ele é
o axioma da Missão Integral. Ou seja: Jesus não preencheu apenas um requisito
abstrato na humanidade. Mas embora sendo Deus, também se fez humildemente
homem – um homem integral; a encarnação Divina37 do verdadeiro amor. Tudo por
Sua missão de redimir a humanidade que havia perdido sua essência existencial;
por conseqüência trazendo-a de volta nEle a sua originalidade. Isto tudo porque o
homem rompeu com sua própria existência em sua origem em Deus; que por um
prisma ontológico, comprometeu não apenas o seu físico ou sua mente, mas todo o
seu ser pelo pecado. Neste sentido, ao reportarmos a ruptura do homem com Deus
neste trabalho, podemos apontar a seguinte assertiva: ―quando vem a queda, a
queda não vem na carne; a queda não vem no corpo; a queda vem no ser‖38. Este
ser envolvia toda a estrutura verdadeiramente humana, que exercia o arbítrio a partir
de Deus – sua fonte perfeita do saber ético e arbitral. Porém, ao usurpar este
arbítrio, o ser estruturalmente humano provoca sua própria queda; que por
conseqüência desabou sobre si mesmo com o peso do pecado.
A partir desta queda como já mencionado neste trabalho, quebra-se a
unidade entre a criação e o Criador e conseqüentemente gera assim um hiato entre
o homem e sua verdadeira humanidade; perdendo-se completamente em sua
―liberdade de arbítrio‖. É aí que nasce a missão integral como sendo o próprio Deus
37
Ele tinha a natureza de Deus, mas não tentou ficar igual a Deus. Pelo contrário, ele abriu mão de
tudo o que era seu e tomou a natureza de servo, tornando-se assim igual aos seres humanos. E, vivendo a vida comum de um ser humano, ele foi humilde e obedeceu a Deus até a morte—morte de cruz. (Filipenses 2.6-8, Versão NTLH)
38 Palestra sobre o cristianismo e a sexualidade por Robson Cavalcanti
26
encarnado39; por conseguinte sendo Cristo, o centro da existência humana40.
Tornando-se Ele a restauração do estado original do homem com sua unidade a
partir de seu Criador; e isto inclui o estado volitivo humano na unidade do próprio
arbítrio em Deus 41. E esta unidade é Cristo.
Destarte, nasce a partir dEle uma nova perspectiva de existência: o Seu
Evangelho - que caracteriza a essência da integralidade humana no ser. Onde o
dilema do arbítrio humano diante da exigência do cumprimento da Lei e a
impossibilidade de cumpri-la é superado por Ele ao cumprir a mesma no lugar do
homem42.
Entrementes, embora tendo em vista que a centralidade de Cristo no homem
e na história incide através do Evangelho como realização das promessas de Deus,
que perfazem todo conteúdo bíblico-histórico; contudo, a despeito dEle ser o centro,
é concomitantemente um paradoxo. Isto é, enquanto esta realidade é oculta aos
olhos do homem natural cindido pelo pecado, é em contrapartida enxergada pelos
olhos da fé, mirando-a na cruz. É nela que o destino humano se realiza43. Por isto é
paradoxal ao mundo, visto que nela Cristo morreu e ressuscitou gerando por outro
lado a comunidade da fé, que por Ele e nEle ela é também o centro da história.
39
“A Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós, cheia de amor e de verdade. E nós vimos
a revelação da sua natureza divina, natureza que ele recebeu como Filho único do Pai.‖ (João 1.14, Versão NTLH)
40 Filho, Veslasques, Prócoro, 1976, p.30
41 ―Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o
teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu;‖ (Mateus 6.10,11; Versão RA) ―Pela segunda vez Jesus foi e orou, dizendo: — Meu Pai, se este cálice de sofrimento não pode ser afastado de mim sem que eu o beba, então que seja feita a tua vontade.‖ (Mateus 26.42) A palavra VONTADE no contexto destes dois textos acima tem o mesmo sentido em comum no grego: yelhma thelema. Significando o que se deseja ou o que se tem determinado que será, e ainda: feito do propósito de Deus em abençoar a humanidade através de Cristo.(Léxico Strong)
42 Filho, Veslasques, Prócoro, 1976, p.30
43 Ibid, p. 31
27
Jesus está presente no meio dela, sendo esta de igual modo a presença de Jesus
no mundo como a representatividade de Seu corpo44.
Posto isto, podemos dizer em suma que a missão integral à luz da Bíblia
redunda de uma lacuna aberta pelo próprio homem na sua decisão em desobedecer
ao limite ético estabelecido por Deus. Esta lacuna por conseqüência do pecado
(como já tratado neste trabalho) abriu um vácuo na criação como um todo, que após
isto passou a carecer desesperadamente de se reencontrar na sua origem – Cristo.
Isto tem uma resposta: toda a criação depende diretamente de seu Criador para
nEle subsistir. O Apóstolo Paulo é enfático quanto a este assunto ao escrever sua
carta aos Colossenses, capítulo 1, versículos 16 e 17 quando diz: “...pois, nele,
foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis,
sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado
por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste”.45
Em sua origem a criação tinha o objetivo único de proclamar a glória de
Deus46. No entanto, O homem como responsável em cuidar dela vacilou em não
cumprir aos mandamentos de seu Criador. Com isto, pela conseqüência do seu
pecado a deixou muda e escravizada. Ao sofrer a perda de sua liberdade, ela espera
a sua libertação através da redenção47. Em Jesus esta redenção já está completa48.
Contudo, ao homem ficou facultativo em parte mediante e sob condição da sua fé no
sacrifício redentor de Cristo, que propiciou nEle a reconciliação humana com Seu
44
Ibid, p. 31 45
Versão RA 46
“Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.‖
(Salmos 19.1, Versão RA) 47
Filho, Veslasques, Prócoro, 1976, p.31 48
“... sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo
Jesus,...‖ (Romanos 3.24, Versão RA)
28
Criador49. Não obstante, mesmo nesta condição do homem (justificado pela fé)50,
todo o restante da criação ainda espera em termos escatológicos a sua plenitude
completar-se na consumação dos séculos51. Por enquanto a ordem da criação
reflete a mente e a solicitude do Criador que sustenta aquilo que Ele tem feito 52;
provendo a seqüência das estações, semeadura e colheita53. Esta providencia
Divina é evidente nos governos políticos e no controle da sociedade humana. Que
apesar de caída, desfruta de certa medida de harmonia doméstica, política e
internacional54. Isto é o que é chamado teologicamente de graça comum, pois os
benefícios e provisões citados acima são em comum a toda raça humana. Se não
fosse a mão limitadora de Deus através desta sua graça, este mundo já teria se
degenerado, há muito tempo, num caos de auto-destruição na iniqüidade, em que a
ordem social e a vida comunitária teria sido uma impossibilidade55. Entretanto, esta
graça não regenera o homem a sua origem; nem tão pouco o habilita a cumprir a
missão integral. A única capaz disso é a Graça especial, a qual trataremos a
respeito mais adiante.
4.2 Na perspectiva da Igreja como comunidade da fé
Neste contexto, a Igreja como comunidade da fé (pós-morte e ressurreição
de Cristo) é a portadora da pregação do que vem a ser a Palavra de Deus. Esta
Palavra não é filosófica, e nem muito menos teórica no que diz respeito ao anúncio
49
“... Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o
ministério da reconciliação,...‖ (II Coríntios 5.18; Versão RA) 50
“... visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo
viverá por fé.‖ (Romanos 1.17; Versão RA 51
“... na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a
liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora.‖ (Romanos 8.21,22; Versão RA)
52 Elwell, A., Walter, 1990, Vol. II, p. 216
53 “... Porque ele faz com que o sol brilhe sobre os bons e sobre os maus e dá chuvas tanto para os
que fazem o bem como para os que fazem o mal.‖ (Mateus 5.45; Versão NTLH) 54
Elwell, A., Walter, 1990, Vol. II, p. 217 55
Ibid, p. 217
29
do Evangelho. Mas, sobretudo é tabernaculada, isto é, é encarnada no sentido de
ser evidenciada por seus membros, redundando em ações e atitudes coerentes com
as de Jesus e todo Seu legado humano. Ou seja: esta Igreja como comunidade da
fé e representante legítima do ―Verbo encarnado‖ aqui no mundo, é religada a sua
origem, e exerce a responsabilidade de continuar cumprindo a missão integral
iniciada por Ele. Entretanto, após abordarmos esta missão a partir de Cristo, convém
nos reportamos ao que vem significar essencialmente a missão Integral na
perspectiva da Sua Igreja como comunidade da fé.
Mas para abordarmos em síntese a essência desta missão devemos
destacar pelo menos três fatores preliminares:
1- Devemos fazer algumas observações sobre a origem humana na
perspectiva relacional dela com seu Criador e o restante da criação. No
princípio o jardim do Éden era o lugar onde Deus passeava e falava com
Adão; ali havia comunhão plena do Criador e a criação (natureza) através
do homem como o mordomo dela. Contudo, se faz necessário
percebermos um detalhe quanto a sua formação. Esse detalhe parece
corroborar para esta plena inter-relação. Ele está basicamente ligado a
este contexto através da aprovação de Deus em Sua Soberania ao
formar o homem da argila (pó da terra)56.
2- A formação do homem a partir do pó da terra parece nos dá um grande
indicativo do grau de importância que Deus deu ao relacionamento
humano direto com a natureza. Sua essência é, portanto ligada a terra. É
dela que ele foi formado e é dela que ele obtém seu corpo57. Deste
56
Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de
vida, e o homem passou a ser alma vivente. (Gênesis 2.7; Versão RA) 57
Filho, Veslasques, Prócoro, 1976, p.31
30
modo, o homem não é a imagem de Deus apesar de seu corpo, mas por
causa dele58.
3- O corpo humano é uma espécie de ―veículo‖ do ser no qual se relaciona
com o mundo e as demais criaturas. É com esta disposição inata do
homem de se relacionar, que o mesmo reflete a imagem de Deus; visto
que o Criador compartilhou graciosamente este seu atributo relacional
que envolve desde a inteligência ao estado volitivo humano. Isto
proporcionou na sua origem uma relação plena de interdependência
entre ambos e o mundo com sua natureza.
Estes três fatores básicos pressupõem a integralidade humana em sua origem antes
de sua queda, que envolve todo o seu ser e seu habitat natural – a terra.
A comunidade da fé, isto é, a Igreja de Cristo tem a missão como seu corpo
presente e atuante na terra, de reverter através dela o impacto que o pecado do
homem causou em todos os níveis de sua integralidade: sejam eles no próprio ser
humano, na natureza e na inter-relação entre ambos. Com o pecado esta inter-
relação foi adulterada; por conseqüência os valores antes relacionais e harmônicos
entre si foram invertidos. Desde então o homem tornou-se refém da natureza
sujeitando-se às leis que a regem; fazendo ele mesmo perder seu potencial original
para o exercício pleno de sua liberdade a partir de Deus para com os outros59.
Porém, Jesus deu uma nova alternativa para a reversão deste impacto. Após ter
resgatado nEle a integralidade da humanidade caída do homem em sua Redenção
sobre o pecado, incumbiu a Sua Igreja como além de seu corpo, comunidade da fé e
58
Ibid, p. 31 59
Ibid, p. 32
31
representante de Seu Evangelho, a também ser ―o sal e a luz do mundo‖ 60. Isto
implica em uma Igreja santa, no sentido de que ao mesmo tempo em que está em
ruptura com o mundo, se engaja com a sua realidade; seja na esfera social, cultural,
política ou ecológica. Apesar deste engajamento da Igreja com a realidade do
mundo ambos não se confundem, mas continuam distintos e separados. Entretanto,
a Igreja, ainda que comunidade dos santos é, também, comunidade de pecadores61.
Lá não está uma comunidade no sentido ideal com uma assembléia daqueles que
deixaram de pecar, mas como o lugar onde o perdão dos pecados é anunciado62.
Porém, este perdão anunciado pressupõe arrependimento, isto é, a Graça Divina é
apresentada nesta comunidade com o seu devido valor; que custou muito caro –
custou o sacrifício vicário de Cristo. E isto pressupõe também responsabilidades
éticas desta comunidade diante da realidade do mundo. Por isso não pode haver
confusão entre os dois, pois é a partir da Igreja que a Palavra de Deus é anunciada
ao mundo, proclamando que a terra inteira pertence a Deus.63
Portanto, esta é a sinopse da essência da missão integral na perspectiva da
comunidade da fé. Onde a mesma visa essencialmente refletir através dela este
axioma: a saber – a práxis do Evangelho de Cristo como única maneira de resgatar
o homem de volta a sua origem. Todavia, esta práxis não poderá ser exercitada com
eficácia fora desta comunidade da fé (posto que ela seja a presença do corpo de
Cristo), e nem muito menos por entender apenas de modo filosófico e teológico este
axioma. Pois o livre-arbítrio condicionou o homem numa situação oposta
diametralmente a esta realidade axiomática na qual nos referimos.
60
―Vocês são o sal para a humanidade; mas, se o sal perde o gosto, deixa de ser sal e não serve
para mais nada. É jogado fora e pisado pelas pessoas que passam. Vocês são a luz para o mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte.‖ (Mateus 5.13,14; Versão NTLH)
61 Filho, Veslasques, Prócoro, 1976, p.37
62 Ibid, p.37
63 Ibid, p.36
32
CAPÍTULO V - O LIVRE-ARBÍTRIO NA MISSÃO INTEGRAL E O SEU EXERCÍCIO
ÉTICO E RELACIONAL COM O MUNDO
5.1 A partir do homem
Esta perspectiva nos faz reportar ao que já foi tratado neste trabalho quanto à
unidade entre o saber e o fazer. Onde a cisão entre estes dois parâmetros provocou
um tipo de ―livre-arbítrio‖ numa perspectiva corrompida à luz do que é apenas
cognoscível; limitado na condição caída do homem, e por isto sem a mínima
possibilidade de volta a sua origem. Isto consiste em que ele se tornou um árbitro de
e a partir de si mesmo em todas as circunstâncias que envolva sua existência. Não
obstante, ao que aparentava ser isto uma conquista em forma de livre-arbítrio, como
que a ter uma significância de liberdade humana, é paradoxalmente contrastado
com sua escravidão. Visto que o homem passou de livre a escravo de sua própria
liberdade; pois usurpou o que era apenas prerrogativa soberana de Deus. Ou seja:
O único com o direito legítimo de legislar como conhecedor absoluto do bem e do
mal sobre todos os aspectos de Sua criação é Javé – o Soberano, Supremo e
Onipotente Criador do Universo. O homem como ser criado jamais alcançaria tal
magnitude; tão pouco deveria nem cogitar tamanha atitude sórdida de tentar usurpar
o nível de conhecimento inalcançável de seu Criador.
Deste modo, o exercício do livre-arbítrio a partir do homem e a missão integral
sob o ponto de vista ético do referencial teórico deste trabalho, tornam-se
incongruentes. Pois dentro deste contexto para desenvolver a missão integral
efetivamente é imprescindível o exercício do livre-arbítrio a partir da origem. E como
ela foi perdida, Cristo a recupera nEle; não mais a partir do primeiro homem. Pois o
pecado intrínseco a ele o impede de se relacionar imediatamente com o mundo e
33
toda a criação, tendo em vista que seu arbítrio usurpado conspira continuamente
contra a sua origem em seu Criador.
5.2 A partir de Cristo
É nEle que toda a Graça Divina converge e onde se encontra a verdadeira
liberdade de arbítrio64. Ou seja: Ele como sendo o axioma da missão integral só
pode ser compreendido, amado e exercitado pelo homem uma vez o mesmo
estando nEle como está registrado no Evangelho dEle segundo escreveu João
15.4,5: “permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como não pode o ramo
produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim, nem vós o podeis
dar, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem
permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis
fazer”. 65
Neste texto encontra-se a base de convergência da unidade do saber e do fazer
humano. Cristo dá a ilustração do ramo e da videira; que se o ramo não estiver
unido a ela não poderá produzir fruto de si mesmo, pois depende totalmente da
videira. Dando uma clara evidência de que o homem por si só não se sustenta, isto
é, sem está ligado de volta a unidade do saber e do fazer que se encontra agora em
Cristo, não há de fato possibilidade alguma para um pleno exercício do livre-arbítrio.
É em Cristo como último homem que se encontra o verdadeiro ser humano recriado
e restaurado ao seu estado original; por isto agora somente nEle o homem pode
entender sua realidade com clareza. Ele é quem dá o verdadeiro conhecimento de
Deus, do próximo e da realidade66. Entrementes, numa perspectiva fora desta
unidade o exercício do livre-arbítrio na missão integral não passará de uma mera
64
“Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.‖ (II Corintios 3.17; (Versão RA) 65
Versão RA 66
Filho, Veslasques, Prócoro, 1976, p.33
34
tentativa humana de justificar a si mesmo. Sua base será sempre a partir de uma
ética construída para favorecer a sua necessidade de realização pessoal em
detrimento ao próximo. Isto se configura num homem arrogante e presunçoso; a
margem da verdadeira espiritualidade proposta por Jesus em seu Evangelho.
Embasando, portanto seu livre-arbítrio em sua própria plataforma moral, e, diga-se
de passagem, caída e anti-relacional.
5.3 A partir de uma plataforma moral
Tomando exemplo por uma ótica filosófica contemporânea, podemos
observar sinteticamente no arcabouço humano pelo menos três tipos de bases
éticas sobre as quais esta plataforma moral está construída: a hedonista, a naturista
e a relativista.
A hedonista centraliza como critério ético supremo o prazer. Sua
conceituação básica consiste em que o bem é identificado como aquilo que
dá prazer, e o mal como aquilo que causa dor 67. Na verdade seu foco divide-
se entre individualista e universalista; o que alguns filósofos definem como
também utilitarista68. Porém, acabam convergindo na busca pelo objetivo
primordial de no fim trazer felicidade para si mesmo. Isto inclui o fato de fazer
certas coisas boas ou ruins para os outros, consciente de que não faz isso
apenas para tornar os outros felizes, mas para que corresponda ao seu
critério ético que ao fazer certas coisas para os outros lhe trará felicidade.
Por conseqüência, o prazer da realização pessoal e, sobretudo individualista
67
Forell, W., George, 2002, p.26 68
―Teoria desenvolvida na filosofia liberal inglesa, esp. em Bentham (1748-1832) e Stuart Mill (1806- 1873), que considera a boa ação ou a boa regra de conduta caracterizáveis pela utilidade e pelo prazer que podem proporcionar a um indivíduo e, em extensão, à coletividade, na suposição de uma complementaridade entre a satisfação pessoal e coletiva‖. (Dicionário Houaiss)
35
será por cumprir o seu o objetivo final. Seu foco, portanto não são os outros,
mas o prazer de realizar coisas a partir de si mesmo.
A naturista propõe um padrão ético de prazer a partir da natureza. Onde o
homem é considerado um produto dela mesma, e que alguns talvez a
chamem de desenvolvimento supremo do processo evolutivo69. Nesse
processo, além de produzir todas as espécies de vida, segundo os
naturalistas, também nos fornece o padrão para avaliar toda a ação. Ou seja:
O propósito da natureza é que o apto sobreviva. Logo tudo que venha a
contribuir para que este apto sobreviva é bom, e tudo o que venha a dificultar
sua sobrevivência e ajudar o inapto a sobreviver é mau70. Isto incide, por
exemplo, no desprezo aos fracos e dementes, pois os mesmos por seleção
natural são inaptos a sobrevivência; já que a própria natureza por sua
seleção não os deseja preservar. Nesse sentido as pessoas doentes só
deveriam receber ajuda médica e serem tratadas visando uma recuperação
se estas trouxessem algum tipo de vantagem para a sociedade, do contrário
deveriam ser destruídas para não intervir no processo evolutivo natural71.
Como também pelo prisma naturalista é considerado natural que certas raças
estejam situadas em nível evolutivo baixo, isto é, existem raças senhores e
raças escravos; dando uma idéia de que algumas são inferiores por não
terem alcançado ainda o nível evolutivo de outras. Ou são consideradas
mutações inaptas, becos sem saída da evolução72. Em suma, de acordo com
a ética naturalista o mais forte se alimenta do mais fraco; que, por
69
Forell, W., George, 2002, p.29 70
Ibid, p. 29 71
Ibid, p. 30 72
Ibid, p. 30
36
conseguinte, este pode ser, portanto um padrão natural de comportamento
humano.
Já a relativista tem como princípio ético uma não-ética, ou seja, parte-se do
princípio de que existe a dificuldade de estabelecer um critério ou padrão
ético inteligível que seja aceitável para todos73. Por causa desta dificuldade
em se encontrar um padrão definido é inútil segundo os relativistas, tentar
encontrar ou descobrir um padrão ético para o comportamento humano. Na
realidade o conceito doutrinário da ética relativista em si teve como origem na
escola sofista, que teve como seu fundador o filósofo Protágoras (480-410
a.C, aproximadamente)74. Ele sustentou a tese de que não existe verdade
absoluta. O homem interpreta a seu modo e a seu interesse os dados da
sensação75. Daí a famosa expressão dos sofistas: ―o homem é a medida de
todas as coisas‖. Em outras palavras de acordo com Battista Mondin: ―não há
uma lei moral absoluta, mas somente leis convencionais. Nesta dimensão
empírica do conhecimento humano, o prazer se coloca como única meta para
o homem‖ 76.
Estes dentre outros, são em síntese exemplos de sistemas filosóficos que formam os
três pilares éticos que perfazem o arquétipo da plataforma moral do homem. Logo, o
conhecimento do homem natural é basicamente construído em cima desses valores
éticos que constituem a epistemologia da moral humana.
Destarte, a base para o exercício do livre-arbítrio humano se encontra
inicialmente a partir desses pilares éticos. É neles que estão embasadas as leis
morais que o homem arbitra sua própria conduta. Através destas bases éticas nota-
73
Forell, W., George, 2002, p.32 74
Mondin, Batista, 2004, p.194 75
Ibid, p. 194 76
Ibid, p. 194
37
se também o quanto o homem está distante de seu verdadeiro sentido original. Ele
perdeu o seu referencial ético pleno e absoluto na cisão de sua origem em Deus.
Por isto busca livre-arbitrar sem, contudo, conseguir um resultado plausível que
preencha todos os requisitos éticos de sua origem, pois não tem mais nenhuma
capacidade moral arbitrada a partir de seu Criador. Esta é a realidade do homem
fora de sua unidade em Cristo: ―... sem mim nada podeis fazer‖. 77
5.4 A partir da autonegação e regeneração
Por outro lado, os parâmetros éticos acima abordados podem mascarar um
tipo de exercício do livre-arbítrio que parece dá certo em todo o contexto da missão
integral, mas está fora de sua essência, pois tem por base ética seu próprio
conhecimento. Um exemplo prático disto é a expressão de uma religiosidade em
forma de cristianismo. Onde pessoas se dizem professarem uma fé cristã,
centralizando seus esforços em projetos sociais, evangelísticos e litúrgicos através
da expressão de louvores em forma de cânticos e sermões bem elaborados em seus
respectivos templos religiosos. Entretanto, todo este exercício pode está centrado na
ética da auto-realização, conforme já foi abordado na ética hedonista; cujo foco
neste aspecto não é os outros e nem o fato de ser Cristo sua verdade última, mas o
prazer de realizar a religiosidade a partir de si mesmo. Este tipo de pessoa ama a
ação pela a ação e o social pelo social, mas não quer viver a essência do Evangelho
de Cristo, pois Ele confronta sua ética de auto-realização. Este confronto consiste
em que para viver a práxis do Evangelho de Jesus Cristo é necessário negar-se a si
mesmo, como nas palavras do próprio Jesus registradas em Marcos 8.24: ―... Se
alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me‖.78
77
João 15.5 (Versão RA) 78
Versão RA
38
A missão integral a luz de Cristo implica em autonegação, isto é, o
conhecimento humano antes pautado e arbitrado com base em sua própria moral é
renunciado; e este autoconhecimento é revertido em um novo conhecimento: a partir
da origem em Jesus. É aí onde o homem reencontra seu ponto de convergência
com sua integralidade. Sendo este ponto a sua regeneração em Cristo. A partir
disto, o exercício do livre-arbítrio na missão integral poderá ser cumprido
eficazmente tendo como base a regeneração do homem em Cristo. Isto só ocorrerá
mediante o que é chamado teologicamente de milagre da Graça especial, quando ao
contrário da graça comum que é dada universalmente, a graça especial é outorgada
somente àqueles que Deus elege à vida eterna, mediante a fé em Cristo79. A partir
daí o homem passa pelo novo nascimento em Jesus, sendo justificado pela fé. Isto
fica claro na resposta de Jesus ao fariseu Nicodemos registrado em João 3.3-7: “A
isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer
de novo, não pode ver o reino de Deus. Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um
homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer
segunda vez? Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não
nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus.O que é nascido da
carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te admires de eu te
dizer: importa-vos nascer de novo.”80
Conseguintemente a partir do novo nascimento o livre-arbítrio passa a ter
uma perspectiva restaurada na sua origem em Cristo. Ou seja: o homem passa a
79
Elwell, A., Walter, 1990, Vol. II, p. 217 80
Versão RA
39
usufruir através de Jesus a liberdade de arbítrio na perspectiva original, onde Deus
como seu Criador passa a ser novamente sua contínua fonte de conhecimento 81.
Partindo desta premissa, o homem nascido de novo passa a ter uma
comunhão com Cristo que o capacita a exercer uma relação ética e coerente com o
mundo. Significa dizer que este homem vive agora como discípulo de Cristo na
plenitude da realidade do mundo, a partir da realidade Divina. O seu arbítrio em sua
existência no mundo está ligado agora à realidade de Deus, e é por está inserido
nesta realidade que este novo homem como discípulo de Cristo possui uma
existência verdadeira e integral82.
Esta relação do novo homem com o mundo deve-se somente por um fator
preponderante: o mundo foi reconciliado com Deus em Cristo. Existe, portanto, uma
aliança entre Deus e o mundo83. O Apóstolo Paulo deixa isso claro quando diz em
sua segunda carta aos coríntios 5.18,19: “Ora, tudo provém de Deus, que nos
reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da
reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo,
não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da
reconciliação.”84
O texto de sua carta esclarece que pela encarnação do verbo, a realidade
Divina entrou na realidade humana, dando-lhe assim sua plena significação85.
Conseqüentemente, Jesus torna-se o centro empírico da estrutura humana,
responsabilizando-se por sua realidade diante de Deus. A partir daí, por
conseguinte, o novo homem como discípulo de Cristo no mundo, passa a
81
“Eu, a Sabedoria, habito com a prudência e disponho de conhecimentos e de conselhos. Meu é o
conselho e a verdadeira sabedoria, eu sou o Entendimento, minha é a fortaleza.‖ (Provérbios 8.12,14; Versão RA)
82 Filho, Veslasques, Prócoro, 1976, p.38
83 Ibid, p. 38
84 Versão RA
85 Ibid, p. 38
40
representá-lo em sua responsabilidade diante de sua restauração a origem ética e
relacional com seu Criador. Ou seja: passa a viver a práxis do desenvolvimento de
seu livre-arbítrio a partir de sua origem em Cristo. Este capacita o homem a cumprir
uma autêntica missão integral através de um pleno exercício ético e relacional com o
mundo; que é produzido da realização da vontade de Deus na realidade humana.
41
Conclusão
O estudo dedicado a este trabalho leva a uma confirmação de que para
desenvolvermos uma espiritualidade plena a despeito de uma humanidade em
pecado e em desordem moral, faz-se necessário e imprescindível voltarmos ao
arbítrio original. Sem este arbítrio a partir de Cristo não teremos como exercermos a
missão integral em meio à realidade do mundo, com santidade.
Mas o que significaria voltamos ao arbítrio original em nossa realidade?
Significa estarmos completamente debaixo da autoridade Soberana de Deus em
Jesus. Todavia, isto nos gera um o novo desafio: cumprirmos o papel de discípulo
de Cristo – sendo assim como Ele: um servo sofredor86 na proclamação do
Evangelho do Reino diante de homens cindidos de sua origem.
Não obstante ao fato de exercermos o livre-arbítrio a partir da origem em
Cristo, isto não nos exime de algumas implicações. A primeira delas é a
necessidade de levar a sério a realidade do mundo. A segunda, para se levar a sério
esta realidade é fundamental uma vida responsável. Entretanto, para se ter uma real
noção do que significa o verdadeiro sentido de uma vida responsável diante deste
mundo, é necessário estarmos regenerados em Cristo Jesus. É dessa regeneração
que passamos a possuir a noção de como agir responsavelmente a partir de uma
ética restabelecida – A ética do Reino de Deus firmada através do domínio da
responsabilidade de Cristo num mundo reconciliado por Ele. Esta proposição parece
está bastante coerente com as chamadas ―bem-aventuranças‖, que inclui o papel e
a característica do discípulo como servo sofredor numa sociedade cindida da
origem. Esta clara evidência ficou registrada em Mateus 5.1-13, através do famoso
sermão do monte onde Jesus praticamente sintetizou a ética do Reino: “Felizes
86
Na perspectiva de Isaías 42.1: “O SENHOR Deus diz: ―Aqui está o meu servo, a quem eu
fortaleço, o meu escolhido, que dá muita alegria ao meu coração. Pus nele o meu Espírito, e ele anunciará a minha vontade a todos os povos.‖ (versão NTLH)
42
(bem-aventurados) as pessoas que sabem que são espiritualmente pobres, pois o
Reino do Céu é delas. Felizes as pessoas que choram, pois Deus as consolará.
Felizes as pessoas humildes, pois receberão o que Deus tem prometido. Felizes as
pessoas que têm fome e sede de fazer a vontade de Deus, pois ele as deixará
completamente satisfeitas. Felizes as pessoas que têm misericórdia dos outros, pois
Deus terá misericórdia delas. Felizes as pessoas que têm o coração puro, pois elas
verão a Deus. Felizes as pessoas que trabalham pela paz, pois Deus as tratará
como seus filhos. Felizes as pessoas que sofrem perseguições por fazerem a
vontade de Deus, pois o Reino do Céu é delas. Felizes são vocês quando os
insultam, perseguem e dizem todo tipo de calúnia contra vocês por serem meus
seguidores. Fiquem alegres e felizes, pois uma grande recompensa está guardada
no céu para vocês. Porque foi assim mesmo que perseguiram os profetas que
viveram antes de vocês. Vocês são o sal para a humanidade; mas, se o sal perde o
gosto, deixa de ser sal e não serve para mais nada. É jogado fora e pisado pelas
pessoas que passam.” 87
Esta ética credencia a verdadeira espiritualidade humana através de uma
nova base em Cristo. Nela o livre-arbítrio agora encontra a sua real e original
liberdade88. Dela emana a responsabilidade de cumprirmos e obedecermos todos
os valores e princípios éticos do Reino em meio à realidade do mundo89. Esta
responsabilidade mediante a estes valores e princípios éticos se resume num novo
conceito de vida: Cristo liberta a consciência do discípulo da escravidão da Lei,
capacitando-o a servir ao próximo. Ou seja: Com Cristo, não teremos temor de
87
Versão NTLH 88
―Cristo nos libertou para que nós sejamos realmente livres.‖ (Gálatas 5.1; Versão NTLH) 89
“Porém vocês, irmãos, foram chamados para serem livres. Mas não deixem que essa liberdade se
torne uma desculpa para permitir que a natureza humana domine vocês. Pelo contrário, que o amor faça com que vocês sirvam uns aos outros.‖ (Gálatas 5.13; Versão NTLH)
43
participar da realidade humana e, conseqüentemente, da vida do próximo. É só
assim que nos tornamos responsável, como Cristo90.
Isto só se tornou possível porque a Lei que antes escravizava a consciência
do discípulo resumiu-se na ética do Reino por meio da origem humana recuperada
em Jesus. A saber: A plenitude do amor ao próximo. A respeito disso o Apóstolo
Paulo escreveu em sua carta aos Gálatas 5.14 dizendo: ―Pois a lei inteira se resume
em um mandamento só: ―Ame os outros como você ama a você mesmo‖‖ (Versão
NTLH). Neste texto além de está implícito a nossa responsabilidade como discípulos
no aspecto relacional com a realidade humana, está implícito também o exercício da
espiritualidade humana através do amor. É nele que está contida a centralidade
ética do livre-arbítrio - e esta centralidade é Jesus. Sem Ele não existirá em nós
altruísmo, nem muito menos compreensão da realidade do mundo. Existirá apenas
uma caricatura do que foi perdido na origem, inclinada para outra centralidade: o
próprio homem e sua presunção de ―possuir‖ um livre-arbítrio.
Posto isto, faz-se necessário, portanto, vivermos, se envolvermos e atuarmos
nas diversas realidades deste mundo, porém centrados na unidade da santidade em
Cristo. Entretanto, isto tem sérias abrangências a partir de nossas realidades. Uma
delas é o foco de nossa mensagem e de que forma ela está sendo transmitida ao
mundo. Pois a santidade na perspectiva da origem em Cristo não é está
simplesmente isolado a margem das multifacetárias realidades seculares, mas
sendo o contraponto e a antítese da concepção do homem separado de sua origem,
isto é, exercendo uma ética regenerada em Cristo; e por conseguinte a isto, através
90
Filho, Veslasques, Prócoro, 1976, p.39
44
de nossas atitudes refletirmos o caráter dEle como proclamação de Seu Evangelho.
É neste sentido que como discípulos de Cristo somos o sal e a luz do mundo91.
Assim sendo, devemos exercer esta responsabilidade em santidade92.
Entretanto, sem confundirmos uma espiritualidade plena a partir da origem em Cristo
com outra pseudo-espiritualidade mascarada de evangelho ou cristianismo; mas, no
entanto, embasada no arbítrio puramente humano na sua não-ética divina. Em
outras palavras: Um evangelho baseado em discursos hipócritas que não cumpre o
seu sentido original, pois este tipo de evangelho não passa de uma prática religiosa
a partir do próprio homem. Conquanto este embasar discursivamente Jesus em suas
práticas religiosas, no fim tem um único objetivo: gerar um prazer de culto a si
mesmo – usando sua própria liberdade de arbítrio desconectado da origem. Isto
retrata apenas um tipo de cristianização que de fato não tem por base a ética do
arbítrio a partir de Cristo, mas se embasa apenas na epistemologia da moral
humana; de onde se estabelece um tipo de espiritualidade que embora tendo uma
aparência estética de cristianismo, se centraliza somente no livre-arbítrio humano,
portanto tornando-se numa pretensa espiritualidade cindida da origem.
Deste modo, para desenvolvermos uma autêntica espiritualidade a partir de
uma responsabilidade ética em santidade, ou seja, ligados a origem, não basta
necessariamente cumprirmos uma tradição, doutrina ou linha aparentemente
teológica, que sendo essencialmente humana, centraliza-se em legalismos que
visam satisfazer somente aos rigores de nosso próprio tribunal arbitral; seja para se
marginalizar nos templos de instituições religiosas diante das realidades do mundo
91
―Vocês são o sal para a humanidade; mas, se o sal perde o gosto, deixa de ser sal e não serve
para mais nada. É jogado fora e pisado pelas pessoas que passam. Vocês são a luz para o mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. Assim também a luz de vocês deve brilhar para que os outros vejam as coisas boas que vocês fazem e louvem o Pai de vocês, que está no céu.‖ (Mateus 5.13-16; versão NTLH)
92 Bonhoeffer, Dietrich, 2005, p.125
45
ou conformando-se ao seu sistema não-ético e anticristo. Mesmo sob argumentos e
manifestações aparentemente bíblicas e plausíveis a comunidade da fé; isto não
passará de ideologias e tentativas arrogantes de se beneficiar da Graça que há em
Jesus. Senão, vejamos o quanto isto parece nos remeter ao que Ele mesmo disse
em seu Evangelho segundo escreveu Mateus 7.21,22: “Nem todo o que me diz:
Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu
Pai que está nos céus. Naquele dia muitos hão de dizer-me: Senhor, Senhor, não
profetizamos em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome
não fizemos muitos milagres? Então lhes direi claramente: Nunca vos conheci;
apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade”. 93 Logo, mesmo a despeito de um
mundo corrompido em suas realidades, seja na esfera social, política, econômica ou
cultural; para desenvolvermos e exercermos uma responsabilidade com santidade
em meio às mazelas desta sociedade devemos ter uma atitude vicária94, onde acima
de discursos e engendrações cúlticas alienadas do mundo, devemos fazer a vontade
de Deus em meio a esta sociedade. Ou seja: Isto só será uma práxis em e através
de nós, se estivermos ligados espiritualmente a origem em Cristo Jesus e
conseqüentemente, a partir dEle exerceremos uma autêntica liberdade de arbítrio; e
assim como Ele, com discernimento cumpriremos a missão integral na qual Ele nos
incumbiu. Do contrário não adiantará alegarmos o que fizemos em nome dEle
apenas pelo ―nosso‖ livre-arbítrio; só nos restará ouvi-lo naquele dia claramente: “...
Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade.”
Portanto, ainda que tenhamos intenções nobres quanto a desenvolvermos
uma missão integral, no sentido de atuarmos nas esferas sociais em
empreendimentos contra a pobreza; ou mesmo culturais, políticas e econômicas; na
93
Versão Tradução Brasileira 94
Jones, Stanley, 1949, p. 185
46
tentativa de transformarmos estas estruturas através das pessoas; se não tivermos a
base ética da origem em Cristo, isto é, se todos estes esforços não forem
centralizados no amor, tudo será em vão. Estaremos vivendo não um evangelho que
liberta pela ação regeneradora de Cristo, mas um ―evangelho‖ libertacionista com
sua base ética no arbítrio humano. E esta ética o Apóstolo Paulo esclareceu quando
escreveu sua 1ª carta aos coríntios 13.1-3: “Ainda que eu fale as línguas dos
homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o
címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os
mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar
montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus
bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser
queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.”95
Assim sendo, toda a ética do Reino consiste na volta do homem a sua origem:
Jesus – a encarnação do amor. Este é o novo ponto de convergência depois da
queda do homem - na unidade do saber e o fazer. Contudo, muito embora termos o
acesso a esta nova vida, ainda estamos sob constante luta contra a nossa própria
natureza pecaminosa, que nos imbui a usarmos constantemente o ―nosso‖ livre-
arbítrio (usurpado) para tentar nos fazer voltar contra a nossa origem. Isto é, quando
usamos o arbítrio a partir de nós mesmos exaltamos a racionalidade do irracional;
pois o pecado de nossa arrogância natural torna toda a nossa moralidade em
imoralidade diante da Ética contida no Evangelho de Cristo. A saber: Nela se
encontra todo o conteúdo original do arbítrio de Deus manifestada através do amor,
do perdão e da humildade de um servo sofredor transbordados a nós por meio de
seu sacrifício vicário.
95
Versão RA
47
A autêntica missão integral contida originalmente em Cristo, portanto só
poderá ser desenvolvida através de nós, se estivermos centrados e regenerados
nEle. É deste modo que como partícula de seu corpo através de Sua Igreja,
exerceremos um novo conceito em livre-arbítrio, construindo uma espiritualidade a
partir de uma origem ética contida nEle e para Ele. Assim, faremos toda a diferença
em meio às realidades mundanas, não ―satanizando-as‖ ou nos conformando a elas,
no sentido de nos moldarmos aos padrões corrompidos de uma sociedade decaída;
mas transformando-as pela renovação do nosso entendimento96. É nesta
perspectiva bíblica da missão integral que de fato faremos a vontade de Deus a
partir da mente de Cristo como o próprio Apóstolo Paulo escreveu em I Coríntios
12.15-16: “A pessoa que tem o Espírito Santo pode julgar o valor de todas as coisas,
porém ela mesma não pode ser julgada por ninguém. Como dizem as Escrituras
Sagradas: “Quem pode conhecer a mente do Senhor? Quem é capaz de lhe dar
conselhos?”Mas nós pensamos como Cristo pensa.” 97
Aqui está a síntese do livre-arbítrio em sua origem. Exercemos um julgamento
não a partir de nós mesmos como autocratas; o que é esta a característica principal
do pecado humano. Mas agora regenerados exercemos uma autêntica liberdade de
arbítrio em Cristo, porque pensamos como Ele, isto é, temos a mente dEle. Só desta
maneira desenvolveremos uma autêntica espiritualidade para enfrentarmos as
realidades do mundo em que vivemos.
96
“... e não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa
mente, para que proveis qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.‖ (Romanos 12.2; Versão Tradução Brasileira)
97 Versão NTLH
48
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