lisboa urbanismo e arquitectura, por josé-augusto frança

Upload: maria-do-rosario-monteiro

Post on 04-Apr-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    1/148

    Biblioteca Breve

    SRIE ARTES VISUAIS

    LISBOA: URBANISMO

    E ARQUITECTURA

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    2/148

    COMISSO CONSULTIVA

    JACINTO DO PRADO COELHOProf. da Universidade de Lisboa

    JOO DE FREITAS BRANCOHistoriador e crtico musical

    JOS-AUGUSTO FRANAProf. da Universidade Nova de Lisboa

    JOS BLANC DE PORTUGALEscritor e Cientista

    DIRECTOR DA PUBLICAO

    LVARO SALEMA

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    3/148

    JOS-AUGUSTO FRANA

    Lisboa: Urbanismo eArquitectura

    MINI ST RIO DA EDUCAO E CIN CIA

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    4/148

    Ttulo

    Lisboa: Urbanismo e Arquitectura___________________________________________

    Biblioteca Breve /Volume 53___________________________________________

    1. edio1980___________________________________________

    Instituto de Cultura e Lngua PortuguesaMinistrio da Educao e Cincia___________________________________________

    Instituto de Cultura e Lngua PortuguesaDiviso de PublicaesPraa do Prncipe Real, 14-1., 1200 LisboaDireitos de traduo, reproduo e adaptao,reservados para todos os pases

    __________________________________________

    Tiragem4500 exemplares___________________________________________

    Composto e impressonas Oficinas Grficas da Livraria BertrandVenda Nova - AmadoraPortugal

    Junho de 1980

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    5/148

    NDICE

    1 / A Cidade medieval ................................................................ 62 / A Cidade manuelina e filipina........................................... 163 / A Cidade joanina ................................................................. 274 / A Cidade pombalina............................................................ 37

    5 / A Cidade romntica............................................................. 516 / A Cidade capitalista ............................................................ 697 / A Cidade modernista........................................................... 91NOTA BIBLIOGRFICA .................................................... 120TBUA CRONOLGICA ................................................... 123NDICE DAS ILUSTRAES............................................ 133

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    6/148

    6

    1 / A CIDADE MEDIEVAL

    Lisboa nasceu do rio, do largo esturio do Tejo quenos princpios do Quaternrio se sabe estar unido aoSado na grande depresso hispano-lusitnia na qualemergia como ilha a serra da Arrbida. Do Paleolticoem diante, j h muito definida a pennsula fronteira, ostio futuro de Lisboa teve habitantes que deixaram

    vestgios de instrumentos e objectos de indstria noseu solo arqueolgico e logo pelo monte cimeiro doesturio, a poente, uma das sete colinas que algoconfusamente se nomeariam no sculo XVII.

    O stio, protegido do oceano mas a ele ligado porguas tranquilas, com montes e vales frteis sob umclima ameno, naturalmente atraiu populaes quesucessivamente invadiram e ocuparam o territrioextremo da pennsula da Hispania no dizer dosFencios que tero sido os primeiros povoadores maisdemorados do local a que deram o possvel nomequalificativo de Alis ubbo, com o significado supostode enseada amena. Permaneceram seis sculos, doXVII ao VI a. C., sem que at ns chegassem vestgiosseus, e cederam lugar a Gregos e Cartagineses, e estes,cerca de 195 a. C., aos Romanos seus vencedores

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    7/148

    7

    numa pr-histria da cidade que com os novosocupantes se define e organiza.

    Instalados durante mais de seis sculos no local jconhecido, os Romanos chamaram-lhe Olisipo eOlisipone (que, por confuso com Odysseia, queEstrabo situa na Andaluzia, dizendo-a fundada porUlisses-Odysseus por este se sups fundada, numalenda adoptada por Damio de Gis e de persistentememria), e Felicitas Julia, como posterior nomeoficial, em homenagem a Jlio Csar. Alidesenvolveram eles uma colonizao que passava pelaedificao do equipamento cvico necessrio suacivilizao. Nada restou disso, a no ser vestgiosepigrficos e um ou outro elemento arquitectnicodescoberto no subsolo da cidade desde meados dosculo XVIII com especial relevo para um vastoteatro dedicado a Nero que foi objecto recente deescavaes, na zona de S. Mamede-Caldas. Umainscrio data-o de 57 d. C. Na mesma zona existiramtermas dos Cassios, construdas por 49 a. C. ereconstrudas em 336 d. C.; e na Rua da Prata, esquinada Rua da Conceio, outras termas dos Augustaes,construdas sob Tibrio (c. 20-35 d. C.) e reconstrudassob Constantino, como as outras. Madalena existiuuma grande construo, provavelmente um temploconsagrado a Cibele, cujos vestgios revelamimportncia e riqueza. Outro, dedicado a Ttis, terexistido tambm no local da Igreja de S. Nicolau, eencontraram-se vestgios duma torre ou atalaia romanana esquina da Rua da Conceio com a dos Sapateiros enquanto uma tradio discutida supe implantadaao alto da Rua Vtor Cordon uma casa de recreio dospretores.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    8/148

    8

    Tais so as notcias mais ou menos concretas quechegaram at ns, e, a partir delas e de outros vestgios,registando os locais referidos, pde tentar-se esboarum traado hipottico da urbanizao de Olisipo(Vieira da Silva, 1944 e 47).

    Aparece ali um sistema de vias, a primeira das quais,partindo do stio actual das Portas do Sol-Contador-mor, circundaria o monte do Castelo a meia encosta,bifurcando-se em Santo Andr, para Norte, pelacalada de Santo Andr e Olarias, e, para nascente, nadireco de S. Vicente, crculo que seria cortado poruma secante entre a Porta da Alfofa e S. Tom; outra

    via, saindo tambm do Contador-mor, partiria parapoente at Porta do Ferro, a SantAntnio da S, eseguiria para Norte, pela Madalena, S. Mamede e S.Nicolau, para S. Domingos, bifurcando-se em S.Nicolau para atingir o Borratm e prosseguir pelaMouraria e Benformoso; da Porta do Ferro partiriaoutra via para nascente, at Porta da Alfama e dapela linha das ruas dos Remdios e do Paraso.

    O centro desta zona seria a parte mais povoada daurbe, comportando uma via principal, entreSantAntnio da S e as Portas dos Sol, e um bairro demaior luxo, entre a Madalena, S. Mamede e S. Nicolau.Pelo meio, o Forum, junto baslica, ou outro templo,que estaria na base da futura S; ao cimo do monte, umcastellum defensivo.

    Cidade rica, integrada na provncia da Lusitnia,Olisipo beneficiava do Tejo, ancoradouro comercialimportante. As guas do rio enchiam ainda parte do

    vale largo da Baixa, e tinham braos por Valverde epelo vale da Mouraria, at Arroios, separados pelacolina de SantAna, recolhendo guas das encostas, em

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    9/148

    9

    cursos que o tempo diminuiria, por razes naturais ouprovocadas.

    A vida da cidade foi abalada pelas primeirasinvases brbaras na Pennsula, e tomada pelos Alanoscerca de 410. Outros povos sucederam a este, e os

    Visigodos chegaram a Olisipo nove anos depois, masmantiveram ao longo dos sculos V e VI lutas de

    variado sucesso com os Suevos at ao resultado finalfavorvel, em 585, ano anterior converso do reiRecaredo ao Cristianismo, facto que teve naturalreflexo na arquitectura da cidade podendo supor-seque ento os restos do templo ou baslica romanativeram adaptao funcional ao novo culto.

    Mas, nestes quase dois sculos de guerras edepredaes, que um terramoto, em 472, teracentuado, muito da urbe romana desapareceu, com asua civilizao imperial. E os restos dela foramempregues como material agora detectado emfortificaes que rodearam as reas habitadas,protegendo-as das surpresas dos inimigos. Assim,muito provavelmente, nasceu a cerca velha, ou cercamoura, designao que proveio do domnio seguinte.

    Com efeito, em 719, os Mouros invasores daPennsula tomaram Olisipone vindo a deturpar-lhe onome em Achbuna, ou Lixbuna, no falar local, veculode vrios estratos rcicos que ao longo dos sculos, ecom predomnio ltimo de romanos e de visigodos, sesedimentaram no stio urbano. A tolerncia de uns e deoutros, quando em tempo de paz e labor, tambm se

    verificou no novo domnio o qual, por seu lado,sofreu tambm lutas internas que arrastaram prejuzosde bens e arquitectura.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    10/148

    10

    Esta processou-se em relao mesquita que foratemplo cristo e j romano, como se supe, e deucertamente palcios conformes riqueza do stiomartimo e agrcola. Dentro da cerca e fora dela, em

    vasta extenso, uma populao j computada (decertoexageradamente) em 150 mil pessoas dedicava-se aocomrcio e agricultura, em hortas ou almoinhaslimtrofes, com casas que se multiplicavam em ruelasestreitas e becos, ou se dispersavam pelos frteis vales

    vizinhos.No interior da alcova, o palcio do alcaide e uma

    mesquita sobrepujavam a cidade cuja descrioexterior, pelo cruzado Osberno, a seguir a 1147, nosdiz que na crista do monte redondo erguia-se afortaleza de onde, pela direita e pela esquerda, desciamdois braos de muralha, gradualmente, pelo declive domorro at orla do Tejo, e ao longo desta orla outromuro as reunia.

    Com efeito, depois de outras ocupaes crists, jtalvez no fim do sculo VIII, em meados do X e emfins do XI, o primeiro rei portugus, aps umatentativa infrutfera em 1140, tomou a cidade em 25 deOutubro de 1147, em quatro meses de assdio, comajuda de cruzados flamengos, coloneses e ingleses quedemandavam a Terra Santa e se detiveram no caminhopara esta empresa de reconquista. Medidas seguintes tomada, com purificao da mesquita assim restitudaao culto cristo que j tivera (e era garantido,provavelmente, por um bispo mencionado na crnicado cerco e por parquias que tinham subsistido esubsistiriam) e fundao de duas igrejas paroquiais, S.

    Vicente e dos Santos Mrtires, nos stios doscemitrios de cruzados flamengos e ingleses,

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    11/148

    11

    completaram-se com o incio da reconstruo da S, natraa romnica que perdura.

    Com estes actos, e com o foral concedido em Maiode 1179, D. Afonso Henriques marcou a suaautoridade numa cidade preciosa para a expanso doseu reino, futura capital dele (1256), quando totalmentedefinido no tempo de D. Afonso III. Por enquanto, aLixbuna conquistada delimitava-se pelas muralhasantigas, entre o castelo e o rio, numa rea de 15hectares e meio, com as suas sete freguesias. Outras,extramuros, iriam em breve cobrir os dois arrabaldes, anascente (Alfama) e a poente (Baixa), num total dequatro mais cinco.

    As muralhas descritas por Osberno cobriam duasreas, da alcova ou cidadela, e dali, pelo monteabaixo, at ao Tejo; dentro da alcova no nguloNoroeste, encontrava-se o reduto do castelopropriamente dito (castelejo no sculo XVII). Aprimeira rea esposava o monte, a segunda eradelimitada por um permetro que, descendo, ia a Sta.Luzia (onde se abria a Porta do Sol) e inflectialigeiramente para poente, passando entre o Limoeiro eS. Pedro da Alfama (onde se abria a porta da Alfama) e

    vinha ao Chafariz dEl Rei (provavelmente D. Dinis,mas citado desde c. 1220), junto ao Tejo que,dobrando um cotovelo, passava a bordejar at ao stiofuturo da Misericrdia-Conceio Velha, abrindo-seneste percurso a Porta do Mar (a S. Joo da Praa),provavelmente a nica ento existente para a banda dorio. Misericrdia, a cerca fazia ngulo quase recto ecomeava a subir para a Alcova, passando entre osfuturos locais da Igreja de Sto. Antnio e da igreja(exterior) da Madalena (onde se abria a Porta do Ferro)

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    12/148

    12

    e, inflectindo para S. Crispim, aps a Porta de Alfofa,encontrava a muralha da Alcova. Contavam-se aotodo cinco portas fortificadas, a que, com o tempo, seacrescentariam outras, por necessidades de trfego eserventia, do lado do rio. Todas elas abriam paracaminhos que iam servir os dois arrabaldes, eapontavam para o desenvolvimento destes.

    Assim aconteceu, naturalmente e organicamente e de tal modo que, duzentos anos mais tarde, em 1373,o rei D. Fernando fez construir uma nova muralha queenvolvesse a realidade do povoamento, que contariaento cerca de 65 mil pessoas nesta nova rea de 101hectares (seis vezes a anterior) definida em duas partes,a nascente e a poente da cerca velha. Rapidamenteconstruda, ante ameaas de guerra com Castela, emdois anos estavam de p os 5400 metros de muralha eas suas 77 torres, graas ao esforo da populaodirectamente interessada mas tambm de vizinhanasdistantes, de Sintra, Mafra ou Setbal.

    Na sua parte oriental, a cerca partia do ngulonordeste da Alcova, ia a Sto. Andr, subia Graa,cuja igreja contornava, descendo depois a S. Vicente(tambm includo), e ao rio, no stio do Jardim do

    Tabaco, correndo depois pela margem at encontrar olocal do Chafariz dEl-Rei. Onze portas se abriam nasua extenso, para terrenos ainda despovoados ouquase. Na parte ocidental, a rea coberta tinha mais dodobro da outra, e a muralha delimitante corria, a partirdo ngulo do castelejo, para Noroeste, pela Sade(Porta da Mouraria), at junto Igreja da Pena (Portade SantAna), da descia para Valverde (Porta deSantAnto), passava a Norte do Rossio e subia alturade S. Roque (onde se abria uma porta do mesmo

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    13/148

    13

    nome), para descer na vertical at ao Tejo (hoje ruas daMisericrdia e do Alecrim), deixando no meio a maisimportante das novas 36 portas, a de Santa Catarina, e

    vindo encurvar-se ao Corpo Santo, aps o que seguia abeira-rio, deixando de fora as praias do futuro Terreirodo Pao, at encontrar o troo ribeirinho da cerca

    velha. Nesta parte final, desde o local do actualMunicpio, ter sido aproveitado um lano de muralhasolto, construdo por D. Dinis em 1294.

    Dentro destes novos espaos, ao contrrio do quesucedia no espao primitivo da cidade moura eafonsina, contava-se uma grande superfcie plana, naparte ocidental, definida entre o morro do Castelo e acolina contnua de S. Francisco a S. Roque, enquanto,do outro lado, da Alfama at Graa, se ofereciamterrenos em aclive, como na rea velha da cidade. Aparte mais rica de Lisboa havia de se desenvolver naprimeira rea, num tecido contnuo cuja histriaminuciosa impossvel conhecer. Ruas, travessas ebecos foram sendo construdos, multiplicando-se ascasas de andares em meados do sculo XVIIImas odesenvolvimento realizava-se conforme necessidadesminimamente locais e obedecendo tambm a plos deatraco que eram os conventos, as novas paroquiais ealgumas casas nobres, que aglutinavam clientelas.

    Em 6 de Junho de 1395 o rei D. Joo I imps umaprimeira ordem neste caos urbano, obrigando a arruaros mesteres, o que significa a existncia dumdesenvolvimento considervel, que em grande parte devido a D. Dinis, protector da baixa ribeirinha, ondese tinham j instalado estabelecimentos pblicos, comoa Alfndega Real, desde cerca de 1288, e as Fangas daFarinha, cerca de 1300. De qualquer modo, foi o

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    14/148

    14

    desenvolvimento de Lisboa que caracterizou,demograficamente, o fim da Idade Mdia emPortugal.

    Entretanto, tambm as ordens religiosas se tinhaminstalado na cidade: logo os Agostinhos, em S. Vicente,a seguir conquista, os Franciscanos cerca de 1217 eos Dominicanos depois, cerca de 1240, uns junto daIgreja dos Mrtires, no monte Fragoso que tomou onome de S. Francisco, os outros no Rossio, j entoenxuto e que a partir do seu convento se definiu.

    Tambm perto de S. Francisco (ao fundo do actualChiado) se edificou, a partir de 1279, o convento doEsprito Santo da Pedreira, enquanto Santo Eloy erafundado em 1286, Santa Clara em 1292 e outros

    Agostinhos, Descalos, fundaram em 1291 o seuconvento na Graa. Frades franceses da Ordem daSantssima Trindade chegados a Lisboa em 1217, porseu lado comearam a erguer o convento em 1283, nolonge dos Oratorianos e foi perto deles queNunlvares, em cumprimento de voto feito em

    Aljubarrota, logo em 1389 tudo preparou para edificaruma igreja a que seria ligado o convento do Carmo, jhabitado oito anos depois. No meio de construesprimitivas que ao longo dos sculos receberiamgrandes benefcios arquitectnicos, at inteirareedificaco, a igreja do Carmo constituiu umaexcepo, j em pleno gtico que nela teve notvelexpresso.

    So estes os principais ncleos da cidade medievalque, cerca de 1450, teve um primeiro palcio paraalbergue de embaixadores estrangeiros, os Estaus, noRossio, forum popular da urbe, mandado construirpelo Infante-regente D. Pedro, enquanto os Paos

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    15/148

    15

    reais da Alcova, por ordem de D. Dinis, receberamgrandes obras, depois continuadas at princpios deQuinhentos, e o Pao-a-par de S. Martinho ou doLimoeiro tinha tambm grande relevo arquitectural edecorativo.

    Por outro lado, aldeados os Mouros vencidos naMouraria, e espalhados pelos arrabaldes, ondecontinuavam as suas culturas hortcolas, tambm acolnia judaica foi tendo bairros prprios, a JudiariaGrande, entre a Madalena e as Ruas da Conceio edos Correeiros actuais, e a Pequena, no stio actual doBanco de Portugal (e outra, na Alfama), ocupandoassim uma parte da Baixa que ia formigando decasario, cortada embora por canais de guas que vriaspontes atravessavam. Entretanto, j mencionada em1294 (e sabe-se que ardeu em 1369 e 73), uma RuaNova impunha-se no stio pelo seu esplendormercantil, paralela muralha ribeirinha, ao fundo daBaixa. Por outro lado, em 1401, D. Joo I faziaurbanizar a zona alta da cidade, na colina do Carmo e desde 1467 a Cmara podia aforar campos e baldios,seus terrenos, para sempre e no s por trs vidas, oque no deixaria de incentivar a construo, comestabelecimentos de parcelares, clulas do tecidourbano em evoluo.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    16/148

    16

    2 / A CIDADE MANUELINA E FILIPINA

    entrada do sculo XVI, Lisboa modificouprofundamente a sua estrutura urbana, fsica esimbolicamente, com a instalao da corte junto ao rio,num novo pao real rapidamente construdo para forada cerca, sobre os armazns das mercadorias da Mina eda ndia construo muito baixa, com poucodesenho e pobre, na crtica dum enviado venezianoem 1504, data em que o palcio estava j emconsidervel adiantamento. D. Manuel I, no grande edefinitivo arranque dos Descobrimentos, depois da

    viagem da ndia, abandonava o castelo medieval e,folgando de ser presente (Gaspar Correia) no pontovital do novo comrcio, descia ao Tejo de que maisuma vez dependia o destino da sua capital. Um terraoconstrudo depois, abrindo-se sobre o rio, sublinhavaessa ligao que alterava a prpria vida da cidade, logoao afeioar uma enorme esplanada extramuros numstio de praia o Terreiro do Pao, que ia ser centroda vida da corte, complemento do Rossio, na cidadeagora polarizada entre as duas praas. Ao mesmotempo (7 de Agosto de 1500) o rei dava foral novo aLisboa.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    17/148

    17

    O Pao da Ribeira ia conhecer obras sucessivas, emacrescentos e decoraes e, a nascente como a poente,outras instalaes da construo e do comrcio navais,se multiplicavam, e tambm casas da corte, beira-rio,com suas arcadas e galerias, em terrenos que o rei davaaos fidalgos para animar o local seu favorito. Maisadiante, a Ocidente, o rei ergueu ainda o Pao deSantos, sobre casas dum feitor da ndia que lhas cedeulogo em 1501.

    Para trs do Terreiro do Pao, a Baixa continuava aser o corao da cidade activa, no ddalo das suas ruase becos, com o arruamento principal da Rua Nova, etendo j desde 1466 coberto o caneiro em que seescoavam ainda guas do Tejo, pela Rua dos Ourivesdo Ouro. Em 1492, um Hospital de Todos-os-Santos,a par do Convento de S. Domingos, no Rossio, com asua enorme escadaria exterior, stio de encontro epreguia, punha na praa uma animao ainda maior.

    As trs Judiarias, com a expulso dos seushabitantes por lei de D. Manuel, em 1496-98, foramabsorvidas pela Baixa (tomando por vezes as suas ruasa designao de Vilas Novas), e o mesmo aconteceu aobairro da Mouraria. Tambm esses factos polticostero provocado remodelao de casas fenmenocorrente, ao longo da Idade Mdia como agora,imposto pelo uso das habitaes de pedra e madeira.Estas, de trs, quatro ou cinco andares, tinham duraolimitada e, derrudas, incendiadas ou envelhecidas,eram melhoradas ou aproveitadas de modo pragmticoem reconstrues sucessivas algumas devidas agrandes tremores de terra como os de 1531, de 51 oude 97, este ltimo, alis, causador do pavorosoabatimento de parte do monte de Santa Catarina.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    18/148

    18

    Na zona oriental da cidade verificava-se tambmum desenvolvimento urbano, pela Graa e pelasOlarias, e do arrabalde da Sra. do Monte h notciaspositivas ento, entre lembranas ainda rsticas. Oscampos de Santa Clara e de SantAna, freguesias nosanos de 1560, com os seus mosteiros franciscanos, oprimeiro medieval, o segundo de meados deQuinhentos, caseavam-se tambm fora dos muros. Deresto, outros conventos e igrejas se ergueram no sculoXVI, poucos j dentro da cidade (a Graa reconstruda,como o Esprito Santo), vrios no longe dela, peloexterior (Anunciada, S. Roque, SantAnto, Esperana,igrejas do Loreto, de Sta. Catarina do Monte Sinai),outros mais distantes (Santos-o-Novo, j desde fins dosculo XV, Madre de Deus, Chelas, Odivelas, S.Domingos de Benfica, S. Francisco de Xabregas,Capuchos, os Jernimos).

    Em meados do sculo Lisboa, grande metrpole escala europeia (Oliveira Marques), contaria cerca de80 mil habitantes, com 432 ruas e travessas, 89 becos, e62 postos que viriam a evoluir do seu estatuto demeio rural para stios e depois bairros

    conforme um

    Sumrio (das) Coisas () de Lisboa, de CristvoRodrigues de Oliveira publicado em 1554 ou 55, quee uma das primeiras descries estatsticas da cidadeque se conhecem. De meados para fins de Quinhentos,por desdobramento (quer dizer por aumento depopulao fixada), definiram-se doze freguesias almdas vinte e trs existentes j no sculo XIII.

    Mas outra descrio da cidade foi publicada em1554: Urbis Olisiponis Descriptio,de Damio de Gis, em1554. Este humanista distinguia ento em Lisboa setemonumentos principais: a Misericrdia, o Hospital do

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    19/148

    19

    Rossio e os Estaos, os armazns do trigo, os das Casasda Mina e da ndia, a Alfndega e o Arsenal, a queatribua magnificncia e sumptuosidadeinacreditveis adjectivos que, alis, empregavatambm, juntamente com elegante, sobre muitas dasconstrues, quer de pessoas principais e nobres, querde particulares, e alguns conventos. Contrariamente,dois embaixadores de Veneza, em 1580, achavam quetodas as casas dos Senhores, mesmo as maiores, eramconstrudas com pouca regularidade e sem carcterarquitectnico e no mereciam considerao quanto matria. J em 1571, alis, Francisco de Holandalamentava que a Lisboa falecessem monumentoscondignos. Uma excepo, porm: a casa ribeirinhados Bicos, do herdeiro de Afonso de Albuquerque, degosto italianisante, j no primeiro quartel do sculo.

    Outra documentao, de carcter grfico, foiabundantemente devida a autores estrangeiros, S.Munster (Basileia, 1541) e G. Braunio (Colonia, 1572e 93), que, sobretudo o ltimo, puseram nas vistaspanormicas que editaram cuidados de informao quepermitem uma ideia de conjunto ou de massa dacidade de ento. O flamengo S. Beninc, em outra vistadesenhada em 1530-34, representava tambm amargem do rio e j punha nela os Jernimos e a Torrede Belm.

    Estes monumentos, tal como a Madre de Deus e aMisericrdia, exprimem um estilo que, contemporneodo perodo dos Descobrimentos, a eles se ajustou, cominterpretao simblica, em termos romnticos omanuelino, referido ao seu construtor, o rei D.Manuel.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    20/148

    20

    A Oeste, a caminho da barra, ou a Leste, as trsigrejas e a bonita torre defensiva beira-rioenriqueceram a cidade do princpio de Quinhentoscom edifcios sumptuosos nos seus lavores de pedra,que marcaram uma poca na histria da arquitecturaportuguesa, em Lisboa especialmente expressa. Lisboacujos limites ribeirinhos a nascente e a poente ficavamassim marcados pela Madre de Deus e pelos

    Jernimos.Mas, mais importante que estes monumentos

    pontuais, para a vida da cidade e para o seu processourbanstico, foi a lenta criao de um bairro novo,definido a par das muralhas ocidentais e ao longodelas, desde o rio at ao ngulo de Noroeste, e acimadeste, para a Cotovia. Trata-se da Vila Nova de

    Andrade, ou Bairro Alto de S. Roque, cuja edificaoregularizada se realizou desde os princpios deQuinhentos e ainda pelo sculo seguinte, conformeestatutos sociais sucessivos.

    Todo o stio fora propriedade de um astrlogo ecirurgio judeu, valido dos quatro primeiros reis dadinastia de Avis, mestre Guedelha Palanano, cuja

    viva, perante as perseguies sua colnia realizadasnos fins de Quatrocentos por D. Manuel I, se viulevada a vender as terras a dois fidalgos da corte. Osherdeiros destes entenderam-se de modo que um deles,Bartolomeu de Andrade, cuja famlia j tivera casanobre, a S. Pedro de Alcntara, decidiu em 1513 umalarga operao de loteamento logo posta em prtica, apartir do rio. Tratou-se, a princpio, de um caseamentoalgo irregular e modesto, destinado a habitao deartesos e marinheiros, gente ligada expansomartima, que se multiplicava e no tinha j pouso na

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    21/148

    21

    cidade, sobretudo aps o terramoto de 1531 que a tergrandemente prejudicado. A edificao foi rpida,aodada por multas se ela tardasse mais de trs anos, eocupou uma primeira zona, at meia encosta marcadapela via que saa das Portas de Santa Catarina descendopelo Combro a caminho da Horta Navia. Acima dessalinha, num aclive mais suave, pela altura de S. Roqueat Cotovia, onde os Andrades tinham casa, outraurbanizao se processou, de maior standing,envolvendo j palcios e casas nobres, ao fim dosculo e em Seiscentos ainda (casas dos Ericeiras,Soures, Lumiares, Minas.) Registe-se que, em 1553, os

    Jesutas vieram instalar-se junto cerca, no limite dasterras dos Andrades, e o seu renome e influnciacontribuiram sem dvida para a nobilitao da VilaNova transformada em Bairro.

    Em 1527 o bairro contava j 408 fogos (cerca de1600 habitantes) e, em 1554 ou 55, o Sumrio deCristvo Rodrigues j mencionava cinco ruas traadasno sentido Norte-Sul e duas no sentido Nascente-Poente, na freguesia do Loreto; a malha vir a adensar-se, mas respeitando o traado fundamental de ento.Uma planta de 1650 nos mostrar o bairroperfeitamente desenhado, a noroeste da cidade; e, pelamesma altura, um cronista da Companhia, dir que eleera uma bastante cidade, de ruas belas, o maisgabado da cidade, com os seus edifcios grandiosose mui nobres, de traa moderna e romana, emtudo dignos de fidalgos ilustres que passavam ahabit-lo.

    O Bairro Alto marca a passagem do sculo XVI parao XVII na vida urbana de Lisboa, e a aquisio de umaconscincia urbanstica e arquitectnica que ao longo

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    22/148

    22

    de Seiscentos se processou, a partir e em grande partegraas ocupao espanhola que trouxe capitalportuguesa a influncia da civilizao castelhana nomomento em que nela se desenvolvia a grandearquitectura do Siglo dOro. Depois de 1640, omovimento continuou dentro do esprito adquirido,at incios de Setecentos, quando se verificar umaclivagem cultural no Pas.

    Filipe II, I de Portugal, apressou-se a vir tomarposse da nova coroa dos ustrias, e logo em 1581passou ano e meio em Lisboa, recebido com osprimeiros arcos de triunfo de uma arquitectura de festamaneirista, elevados no Terreiro do Pao stio defestejos, de procisses e autos-de-f, de touradas, demercado tambm. Logo ali Filipe II desejoutransformar o pao manuelino numa habitao rgiacondigna e para isso empregou um arquitecto eengenheiro militar bolonhs estabelecido em Portugaldesde 1577, Filippo Terzi, com quem Herrera, o grandearquitecto do Escorial, se entendeu, ficando comomuito provvel orientador da obra. Esta consistiu,principalmente, num macio mas elegante torreoquadrangular (o torreo de Trcio) com 15 a 20metros de lado, cpula e lanternim, edificado naextremidade do pavilho manuelino, cujo corpo sofreutambm enorme modificao monumentalista,passando a ocupar toda a face poente do Terreiro. Em1619, quando da visita de Filipe III a Lisboa, esta parteda obra estava terminada e rapidamente se inseria naimagem da cidade, como mais evidente sinal de umamodernidade marcada pelo maneirismo e pelo barrocoaustero.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    23/148

    23

    Perto, para poente e ainda sobre o rio, o validoportugus do invasor, feito marqus de CasteloRodrigo, elevou tambm um palcio de grandequalidade, dito de Corte-Real (do proprietrio doterreno, sogro do edificador), com as suas duas alas de37 metros perpendiculares ao Tejo, cobertas deterraos, e os seus 185 quartos e dezoito sales reais.Era certamente um dos mais magnficos palcios deLisboa (arquitecto F. Terzi?) a que respondia aenorme massa do palcio Bragana, sobrepujando-o,ao alto do monte de S. Francisco.

    Outros palcios, em grande nmero, foram entoconstrudos em variados stios, muitas vezes fora deportas, durante ou depois da ocupao espanhola,como o dos futuros Abrantes, que fora o Pao deSantos, o dos Tvoras no Campo Pequeno, j longe dacidade, tal como o dos Fronteiras, em S. Domingos deBenfica, o dos Arcos em Alfama, os dos Ericeiras, dosRedondos, dos Castelos-Melhor e dos Almadas, a

    Valverde, o dos Marialvas a Santa Catarina, o dosSoures no Bairro Alto, o dos Alegretes na Mouraria, ocasaro dos Tancos na Costa do Castelo, o dos bidose o dos Alvores s Janelas Verdes e at um pao realem Alcntara, sem grande relevo, e um Pao da rainha-

    viva de Inglaterra, filha de D. Joo IV, na Bemposta,da melhor arquitectura da poca. Outra srie dizrespeito a conventos, uma vintena (21, entreenumeraes de 1554 e de 1620, mais 44 at 1745quando somaro 87 na cidade e seu termoe mais emLisboa do que em todo o reino, afirmava-se em 1651),incluindo as grandes casas de S. Bento da Sade e dos

    Jesutas de Santo Anto, e ainda os Paulistas, as Trinase o convento do Rato este num largo que, longe da

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    24/148

    24

    cidade murada, era j uma importante placadistribuidora para os arrabaldes, de que depender ourbanismo futuro desta parte ocidental da cidade.

    Trata-se de construes ou de reconstruesampliadas, dentro do esquema de enriquecimento dasOrdens mas toda esta quantidade de construo nocorrespondeu a uma qualidade real que nos grandescasares monsticos ou seculares se satisfazia compouco, e geralmente s com o portal nobre. Duasigrejas marcam, porm, o princpio e fim daarquitectura Seiscentista de Lisboa: S. Vicente de Fora,cerca de 1580, e Santa Engrcia, cem anos depois.

    Inaugurado s em 1629, e ainda longe de estaracabado, S. Vicente deve a sua traa a Terzi, ao que sesupe, com possvel ingerncia de Herrera; SantaEngrcia, atravs de campanhas sucessivas de obras, a partir de 1682 que, com planos de Joo Antunes,definitivamente se caracteriza, embora tivesse ficadoinacabada at ao sculo XX. S. Vicente uma obramaneirista de grande importncia, com influnciaserliana, e ser modelo lisbonense pelos sculos XVII eXVIII; Santa Engrcia uma obra de grande riquezaestrutural com a sua planta em cruz grega e asensibilidade borrominesca mais contempornea quese manifesta, de modo nico, nas suas fachadas e nanotvel espacialidade interna.

    Mas outras igrejas, recentes ou mais antigas,tiveram ento novas decoraes de talha dourada que,cerca de 1675, apresentaram uma nova estrutura, noestilo nacional de notvel retrica barroca. Ligada aum novo gosto de painis de azulejo historiados eemoldurados conforme modelos de gravuras em cursointernacional, a talha seiscentista marca em Lisboa uma

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    25/148

    25

    nova imagem decorativa cuja riqueza no tem paralelona arquitectura laica.

    Trazidas pelos Espanhis, as representaes teatraisimpuseram, tambm, nos Ptios das Arcas e dasFangas, na Baixa, uma arquitectura meio precria desala de espectculos que inovaram nos hbitos dacidade a eles rapidamente rendidos, tal como serenderam a outro hbito, sumpturio, de circular emcoches, que passaram a perturbar o trnsito de ruasestreitas no preparadas para tal moda

    que, porm,

    se imps, apesar de uma proibio passageira em 1626e de um condicionamento em 72, dada a importnciado sinal social que acarretavam.

    As ruas de Lisboa mantinham a sua definiomedieval, com uma ou outra inovao: a Rua Nova do

    Almada, aberta em 1665 para dar passagem a poente aoj animado bairro de Santa Catarina (Chiado), entre osconventos do Esprito Santo e da Boa Hora, odesdobramento, para benefcio do trnsito, da RuaNova da Palma em 1673, o alargamento da importanterua dos Ourives da Prata, em 1681, que ficou commais de nove metros de largura mesmo na parte maisestreita, o alargamento de dez portas e postigos dacerca antiga e sempre respeitada.

    Se em 1673 a rua Nova da Palma era consideradauma das principais serventias da cidade, dando sobrea porta do seu nome, em 1620 as portas de Santo

    Anto, de S. Vicente, da Cruz (no ngulo sudeste dacerca) e da Esperana (no ngulo oposto) eram dadascomo entradas principais, por onde passavamdiariamente mantimentos e comrcio geral ou seja,grosso modo, 35 por cento vindo do Norte, 40 por

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    26/148

    26

    cento de Leste e 25 por cento da banda ocidental eribeirinha.

    Durante o sculo s duas freguesias se formaram,por desdobramento de outras: as Mercs e S. Sebastioda Pedreira esta especialmente significativa portraduzir um povoamento mais cerrado para norte dacidade.

    Em 1650, J. Nunes Tinoco tirou a primeira plantageral da cidade cuja cpia chegou at ns. Limita-aainda a cerca fernandina, mas o extravasamento

    visvel a poente, com a quadrcula do Bairro Alto, e anascente, pela Mouraria e Santa Clara e um ddalode ruas, tecido vermicular onde s abrem clareiras o

    Terreiro do Pao e o Rossio, ou as encostas inspitasdo Castelo e as terras dos frades de S. Francisco daCidade.

    Ento, e dois anos depois, D. Joo IV, comengenheiros militares (sobretudo franceses), mandourodear Lisboa de uma nova cerca defensiva com 32 edepois s 16 baluartes: a sua linha de cortinas, nuncaterminada, ia de Santa Apolnia (onde restam osbasties desse nome e da Cruz da Pedra) at Alcntara(onde ficaram os do Sacramento e do Livramento oudas Necessidades), e passava pelos Prazeres, Alto doCarvalho, Campolide, Estrela, Cotovia, S. Jos,Capuchos e Senhora do Monte, deixando ou no

    vestgios, como aconteceu a ocidente, na Junqueira,com os baluartes de S. Paulo e de S. Joo.

    As guerras da Restaurao findaram, porm, e asobras foram abandonadas e esquecidas na poca maisamena que se seguiria.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    27/148

    27

    3 / A CIDADE JOANINA

    D. Joo V subiu ao trono em 1706 e cedo sededicou sua capital, contando com a miraculosariqueza aurfera que desde o fim de Seiscentos entravano Pas, vinda do Brasil, e com a paz garantida emUtreque, em 1713, que o libertava da poltica austracae lhe abria o caminho da Frana que, com o de Roma,iro polarizar as influncias artsticas e culturaisrecebidas pelo seu reinado.

    Mas a capital de D. Joo V era, antes de mais, o seupao e, mais do que este, a capela real paroquial em

    1709, colegial em 10, patriarcal em 16, sede de novadiocese da meia Lisboa ocidental. A pequena capela deD. Manuel foi ampliada para o efeito e chegou a tertrs naves, oito altares e uma profunda capela-mor,tudo enriquecido e decorado em talha que a influnciaromana desde cerca de 1725 modificara. Esta igrejamagnfica, chefiada em 1737 por um cardeal com sacrocolgio, e o Pao da Ribeira tambm ampliado, comuma nova ala paralela ao rio e uma famosa Torre doRelgio, tudo em luxuosa decorao aqui laicamentefrancesa, por vrias vezes teve concorrncia, noesprito do rei, de outros planos de uma baslica

    talvez em Buenos Aires, em 1715, ou, trinta anos mais

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    28/148

    28

    tarde, nas alturas da Cotovia, pensando ento oarquitecto J. F. Ludovice num edifcio que pudesserivalizar com S. Pedro de Roma. Ludovice tinhaconstrudo para D. Joo V o grande complexo deigreja-convento-palcio de Mafra, monumento maiorque o reino, com primeira pedra posta em 1717 e obraadiantada cerca de 35 mas em 1719 o rei tinha feito

    vir um arquitecto famoso de Turim, F. Juvara, paraestudar um outro complexo, no se sabe onde,magnficos edifcios de palcio e igreja dignos dariqueza nacional, ou apenas real projectos esboadosmas abandonados, mais pela demora da sua execuoque pelo custo elevadssimo, ao que se pretendeu.

    Assim, durante o seu reinado, at ao exacto meiodo sculo, D. Joo V cristalizou os seus sonhossumptuosos no prprio palcio real, mas sem saber aocerto onde eles teriam local apropriado, entre o

    Terreiro do Pao j tradicional e alturas ainda rsticasda cidade, extra-muros. Alis, para ocidente, ao alto de

    Alcntara, ele fizera edificar outro conjunto de igreja-palcio e hospcio para os Oratorianos, asNecessidades (arquitecto Caetano Toms de Sousa),elevado at 1750 e j antes (1725) comprara umacasa de quinta em Belm, ali reedificando um palcio,com embelezamento dos jardins. J aps a sua morte,D. Jos I far construir, ainda junto do Pao daRibeira, um teatro de pera, traado por um arquitectobolonhs, de famosa famlia, G. C. Bibiena: coroava-seassim a lenta evoluo do gosto da corte agora adeptado bel-canto, com consequncias na arquitectura,que passou dos pateos espanhis s salas de peraitalianas, em estruturas diferenciadas que os cuidadosexteriores revelavam tambm. A sumptuosa pera do

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    29/148

    29

    Tejo durou, porm, apenas meia dzia de meses, em1755, desaparecida, como foi, no terramoto desse ano.

    Entretanto, alguns conventos (Arroios, Rilhafoles)foram construdos em Lisboa, muito menos, noentanto, que em Seiscentos, e tambm as igrejas forampouco numerosas, desde o Menino Deus, comeadoem 1711 e sagrado em 37, em baixo das muralhas da

    Alcova, at Santa Isabel, mais banal, que marcou, em1741, uma nica nova freguesia, adiante do Rato. Aomesmo tempo, porm, muitos templos receberambenefcio de azulejos e talhas de altar, ao novo gostoitalianizante, e foi o caso da prpria S, de S. Vicente,dos Paulistas, de S. Domingosat aventura final deD. Joo V: a magnfica capela de S. Joo Baptista em S.Roque, encomendada a Vanvitelli e instalada em 1751,j falecido o monarca.

    Sempre um gosto de interiores, de que a cidade sgozava indirectamente, no deixava de intervir na suaimagem mental, definindo assim a mais autnticacidade joanina. Esta no descuidava, porm, aedificao de palcios de fidalgos da Corte, espalhadospela cidade ou seus arredores (Cunhas-Olho noCombro, como os Sousas-Palmela, Barbacenas nocampo de Santa Clara, como os Almeidas-Avintes,num palcio desejado pelo primeiro cardeal-patriarcade Lisboa para um seu herdeiro, ao mesmo tempo queengrandecia o seu Pao de veraneio, da Mitra, aoBeato, Unhes em Xabregas, um Pimenta no campoGrande, outros da Junqueira a Belm, zona em favordesde os princpios do sculo) mas, embora maiscuidados que os do sculo anterior, noimpressionavam favoravelmente os estrangeiros. Umdestes viajantes comentara (em 1738) que o mal estava

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    30/148

    30

    no despropsito de as casas no seguirem os planosdurante a construo, aceitando ocasional conselho decuriosos, num jeito antigo que perdurava mesmo emtempos de fausto aparente.

    Traadas pelo arquitecto de Mafra, seu proprietrio,ou por C. Mardel, arquitecto hngaro imigrado, duascasas nobres marcam, todavia, especial relevo nesteperodo: a casa Ludovice, em S. Pedro de Alcntara(1747) e j a de Lzaro Leito, na Junqueira (1734 C.Mardel?), edificaes de uma burguesia de funcionriosou nobreza de toga e clerical, com mais exemplos(Corte-Real, na Junqueira, Mitelo, a Santa Clara). Pelocontrrio, outro palcio nobre, de grande porte enovidade, dos Taroucas, vindo do fim de Seiscentos(arquitecto Joo Antunes), eternizou-se em obras semfim que dariam novo nome ao stio da Cotovia.

    Outras obras ainda marcaram cuidados de D. JooV pela cidade, e logo um enorme cais estudado desdeos anos 30 e com uma proposta colossal em 1742,implicando aterro da zona ribeirinha, de modo adefinir uma longa linha direita cujas superfciesconquistadas ao rio se encheriam de edifcios, comuma rua direita e um passeio pblico. Houvetambm ento a remodelao monumental da Fbricada Plvora, o alargamento da ponte de Alcntara, queuma esttua de S. Joo Nepomuceno passou a ornar,em 1744 terceiro monumento pblico, depois daspopulares esttuas seiscentistas de Apolo, no Terreirodo Pao, e de Neptuno, no Rossio, com suas fontes.

    As fontes pblicas foram tambm preocupaorgia que Mardel satisfez numa srie de desenhos, osmais simples executados (Esperana, Rato, ruaFormosa), os outros abandonados, e entre estes duas

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    31/148

    31

    fontes monumentais coroadas por esttuas de D. JooV, uma equestre, numa edificao de grande volume,outra pedestre, ignorando-se para que locais da cidade ento servida por um magno aqueduto que foi agrande obra de engenharia do reinado joanino.

    Depois de tentativas e empreendimentos j em1573, e nos reinados filipinos (1618 e 1621), a iniciativapartiu ento do procurador da cidade, Gorgel do

    Amaral (1728), com a inteno de levar gua corrente auma parte da cidade, o Bairro Alto e da para baixo atao Pao real, remediando uma habitual carncia emque j vrias vezes tinham pensado os edis. Umalegislao apropriada deu apoio fiscal empresa, e odecreto de 12 de Maio de 1731 mandou comear asobras iniciadas no ano seguinte e terminadas dezasseteanos depois, com prolongamento nas fontes citadinas,numa me dgua e num notvel arco, s Amoreiras,de Mardel, em 1752. Os engenheiros Manuel da Maia eCustdio Vieira conduziram os trabalhos, e depois(1747) o prprio Mardel, sempre com o interesse rgio.

    Desde Caneas, das guas Livres que lhe deram onome, o aqueduto conta dezoito quilmetros at s

    Amoreiras, emergindo da terra no alto da Serafina paragalgar o vale de Alcntara at Campolide, em perto deum quilmetro de extenso sobre 35 arcos, 21 de voltaperfeita, 14 quebrados ou ogivais numa forma queno deixou de ser criticada na altura, pela sualembrana medieval depreciada. O mais alto destesarcos, fechado em Outubro de 1744, mede 65,25metros de altura, e o todo apresenta umamonumentalidade que impressionou oscontemporneos. A mais magnfica e a maissumptuosa empresa deste gnero sem excluir as dos

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    32/148

    32

    Romanos e dos Franceses, afirmava em 1755 oJournalEtranger de Paris no ano em que a sua boaconstruo o fez resistir ao terramoto.

    No plo utilitrio oposto ao Pao real e suaPatriarcal, o aqueduto um sinal maior da cidademunicipal, num equipamento urbano de que elaprecisava e que os seus habitantes mereciam,numerosos como eram j nos princpios de Setecentos.90 000 fogos (ou seja 360 000 habitantes) contavam asrelaes paroquiais em 1704, enquanto em 1716, paraobteno de uma segunda diocese na cidade, segarantia ao papa que s a parte ocidental, em questo,tinha 300 000 habitantes ou seja, o total de 600 000para a cidade inteira, como se concluiu,imprudentemente, em 1754, em informaoigualmente fornecida a Roma. J em 39 se tinhaafirmado a existncia de 800 000 mas maisverosimilhana apresenta um cmputo de 1729,quando se tratava de lanar realistamente o imposto doreal da gua para a construo do aqueduto;calcularam-se ento 50 000 vizinhos (famlias), ou sejauma populao de cerca de 200 000 pessoas. Clculoem certa medida documentado indica 250 000habitantes na altura do terramoto de 1755.

    Este quarto de milho de pessoas vivia numa cidadeque h muito transbordara da cerca medieval: pelosmeados do sculo citavam-se j os stios dos Anjos, de

    Andaluz, de S. Jos, de Santa Marta, da Esperana, deS. Paulo, de Santa Catarina. Ela no alterara por isso asua estrutura antiga, como vimos, ao longo dos doisltimos sculos: no mesmo sistema parcelar, osmesmos prdios se iam restaurando ou reconstruindo,

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    33/148

    33

    nas mos dos seus proprietrios, novecentos dos quaiseram foreiros do Senado em 1717.

    A planta que o engenheiro-mor do Reino, Manuelda Maia, levantou por ordem rgia, entre 1713 e 18,com toda a individuao de praas, palcios, templos,mosteiros, freguesias, ermidas, ruas e travessas,desaparecida, mas de que chegaram cpias at ns,mostra-nos Lisboa em pleno reinado joanino e essa cidade que importa agora descrever, nas suaslinhas de fora.

    No largo vale da Baixa, limitado a sul pelo Tejo epelo Terreiro do Pao, de configurao irregular, anorte pelas hortas de Valverde e pelo Rossio, irregulartambm, a nascente pela colina do Castelo e a poentepela que se estende de S. Francisco ao Carmo, umgrande L, descendo do Rossio enviezadamente edobrando a noventa graus para poente, comanda amalha urbana enredada do conjunto.

    Constituem a haste maior as ruas dos Escudeiros,dos Douradores, (alargada em 1716) e dos Ourives doOuro, e a haste menor a famosa rua Nova dos Ferrosque termina no largo do Pelourinho onde morretambm a rua dos Ourives da Prata, vinda daMadalena. A primeira haste do L, a princpio da ruados Escudeiros, bifurca-se na rua dos Odreiros queparte igualmente da face sul do Rossio. Ali tm aindacomeo a rua do Lagar do Cebo e a longa praa daPalha; a primeira desce irregularmente, pelas ruas dasMudas e dos Carapuceiros, at rua transversal dosMercadores, a segunda, continuada pela rua das Arcas,

    vai ter ao largo da igreja de S. Nicolau ondedesembocar tambm a rua da Cutelaria, que vem dolargo da igreja de Santa Justa e, mais atrs, da rua do

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    34/148

    34

    Poo do Borratm, numa espcie de V cujo vrtice semarca na primeira igreja, importante na rede confusada Baixa.

    Outra igreja de importncia a de S. Julio, de ondeparte para a igreja da Conceio dos Freires a rua dosMercadores, no sentido poente-nascente, que osentido da rua Nova, mais abaixo, e da rua daConfeitaria, ambas estas paralelas face norte eoblqua do Terreiro do Pao, que ltima se liga,indirectamente embora, pelos arcos dos Pregos e dosBarretes, que ainda so portas da cerca fernandina.

    Ainda no sentido norte-sul, sai do Rossio a rua dosEspingardeiros, paralela dos Odreiros, e do ngulosudoeste da praa parte a Rua do Carmo que, pelasescadinhas do Caracol do Carmo vai calada de Paiode Novais que entronca na rua Nova do Almada noponto de intercepo da rua das Portas de SantaCatarina. A norte desta (que, continuando peloCalhariz e Paulistas, vai a S. Bento) o bairro doCarmo e da Trindade, a sul o bairro de S. Franciscopor detrs do qual (e do palcio dos duques deBragana) se desce aos Remolares, beira do rio.Daqui, depois de alguns desvios, sobem rente smuralhas, as ruas do Conde e a larga de S. Roque,deixando a poente o bairro das Chagas e o bairro Alto,e propondo, para norte, o caminho que, pela Cotovia,leva ao Rato de onde, em vasta encruzilhada,realmente uma placa distribuidora de trnsito, e agoraj com diminuta densidade de casario, se passa a S.Bento, a Santa Isabel, a Campolide, a S. Joo de Bem-Casados, ou se desce, pela rua do Salitre, a Valverde.

    Ao longo deste, a caminho de S. Sebastio da Pedreirae a partir das Portas de Santo Anto, para norte,

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    35/148

    35

    correm as ruas das Portas, de S. Jos, de Santa Marta ede S. Sebastio. Ainda do ngulo nordeste do Rossio sepassa, pela calada, ao Campo de SantAna de onde saia carreira de cavalos, adiante da qual a Cruz do

    Taboado ainda stio quase inteiramente rstico; ou sepassa, por detrs de S. Domingos e pela Sade, ruada Palma, deixando a poente os altos de SantAnto edo Desterro, a caminho de Santa Brbara e de Arroios.

    Assim, S. Sebastio da Pedreira e Arroios soverdadeiros extremos da cidade alargada, de onde seganham os arrabaldes rurais.

    Em volta do monte do Castelo, pelo contrrio,multiplicam-se tambm as ruas vermiculares e s a S,a Graa e S. Vicente impem presenas fortes que soroturas e ao mesmo tempo focos de atraco urbana.Da Graa, pelos Quatro Caminhos, na direco daSenhora do Monte e da Penha de Frana, esboa-se juma linha de urbanizao; outra, dos QuatroCaminhos desce para Santa Apolnia. A oeste dacidade, do stio da Boa-Morte vai uma urbanizaopara as Necessidades e, ao longo de toda a margemdo Tejo, de Santos-o-Novo at Alcntara, umamancha ininterrupta de casario, em maior ou menordensidade.

    Porque o rio , desde a Idade Mdia (ou desdesempre) a via real da cidade, a sua possibilidade maiorde comunicao.

    Manchas maiores ou menores, lineares ouenoveladas em bairros mais antigos, elas fazem deLisboa joanina, com as suas caladas em runa (1746),mau-grado o fausto da corte do rei Fidelssimo e asua riqueza decorativa (e mesmo contando as suas duaspraas, nobre uma, popular a outra), o que um famoso

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    36/148

    36

    viajante francs (L. S. Mercier) achou ser uma cidadede frica. E o Cavaleiro de Oliveira, exilado, nadamais que uma fermosa estrivaria

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    37/148

    37

    4 / A CIDADE POMBALINA

    Grande parte desta cidade desapareceu cerca das 10horas da manh do dia 1 de Novembro de 1755,abalada por um terramoto de rarssima intensidade(graus VIII e X sobre XII da escala de Mercalli) emagnitude (grau 9, o mximo na escala de Richter),cujo epicentro localizvel a oeste de Gibraltar e quefoi sentido por toda a Europa, a frica do Norte e atnas Amricas. Ao sismo, e por ele provocado, sucedeuum vasto incndio, mais catastrfico ainda, e do duplocataclismo resultaram cerca de 10 000 mortos (embora

    na altura os clculos apavorados tivessem subido at90 000) e perdas materiais incalculveis, em prdios eriquezas mveis e preciosas.

    Um informador da poca, relativamente fidedigno,calculou que dez por cento das 20 000 casas da cidadeficaram destrudas e mais dois teros delas inabitveis.Dos 72 conventos e recolhimentos s 12 podiamservir sem perigo maior, aps a catstrofe, qualnenhum dos seis hospitais escapou e que destruiuainda 33 palcios das maiores famlias da corte almdo complexo do Pao real, completamente perdido noincndio.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    38/148

    38

    A parte da cidade mais sacrificada era tambm amais densamente habitada, na baixa central, na encostaocidental do Castelo e na zona oriental do bairro Alto,o tero da sua rea total, louvando-se a Deus que osismo no tivesse sido mais tardio, na hora em que asigrejas no dia de Todos os Santos estariam cheias defiis sem salvao possvel.

    O pnico imenso que tomou os lisboetas e os faziafugir em atropelo, ou buscar entre mortos e feridos,parentes e desaparecidos, e tentar salvar bens, suscitouuma desordem que ainda mais castigava as vtimas quetodos eram, e que se acrescentava em assaltos epilhagens. Enterrar os mortos e cuidar dos vivos eradever imperioso dos responsveis pelo governo doPas mas, entre os seus colegas em fuga e naausncia do rei que, fora da sua capital, a ela temiaregressar, s um ministro o soube cumprir,providenciando friamente o que as circunstnciasimpunham. Foi este Sebastio Jos de Carvalho eMelo, futuro marqus de Pombal.

    Tratava-se de impedir o desvario das fugas e desuster a desordem, de acudir aos padecentes e dealimentar uma populao subitamente desprovida detudo. E tambm de a alojar, para alm de soluesprecrias que cada qual ia procurando. Assim, a ideiada reconstruo da cidade rapidamente se formulou elogo o duque de Lafes, regedor das Justias, recebeude Pombal instrues precisas para encarregar oengenheiro-mor do Reino, o velho general Manuel daMaia, de estudar a empresa.

    E logo tambm, um ms depois do dia catastrfico,este apresentou a primeira parte de um longo memorialacrescentado em Fevereiro e Maro de 1756,

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    39/148

    39

    analisando o problema e propondo soluessucessivas, conforme a poltica adoptvel.

    Cinco hipteses apresentou Manuel da Maia,autorizadas pela sua vasta prtica de engenheiro militare todas visando a recuperar a cidade perdida, para a suafuno de capital. Havia ento que escolher: oureconstruir Lisboa tal como ela existia na vspera doterramoto, ou corrigir os planos antigos comalargamento das mesmas ruas, ou, insistindo nestecaso, tambm com diminuio da altura dos prdios,ou reedificar com planos inteiramente novos a partecentral da cidade ou, finalmente (e de preferncia)abandonar as runas ao seu destino e construir umanova cidade a poente da antiga, ao longo do rio, cercade Belm, em zona menos sacrificada pelo terramoto.

    Manuel da Maia preferia esta soluo radical, auto-criticando as quatro outras; mas, ficar a cidade ondeestava ou transport-la para diante devia ser oposuperior e que podia depender da escolha do local paraa edificao do novo palcio real, em Belm ou em S.

    Joo de Bem-Casados. O rei, e sobretudo Pombal,escolheram este ltimo stio

    e a reconstruo de

    Lisboa foi decidida no seu antigo terreno, masconforme a quarta proposta.

    Esta soluo implicava arrasar as runas existentes epreparar o terreno, entulhando-o, com aumento denvel e, sobretudo, ajustar os valores das propriedadesentre os seus anteriores donos, de modo a que asmodificaes radicais da planta da cidade fossemservidas pela equivalncia prvia do parcelar, dosterrenos a construir de novo, obtida medianteescambos, cedncias e vendas. Processo difcil edelicado, pelos interesses em jogo, s uma legislao

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    40/148

    40

    draconiana o podia garantir e foi o alvar de 12 deMaio de 1758, documento de extrema importncia nadefinio de uma nova mentalidade urbana, ao nveldas regras estabelecidas para assumir o urbanismo queera imposto, no plano finalmente aprovado. Essediploma foi precedido por decretos que ordenaram otombo das casas destrudas, logo em 29 de Novembrode 1755, ou que delimitaram a rea da cidade (fixadaem 670 ha em 3 de Dezembro de 1755) e proibiamconstruir fora dela, ou de modo diferente doestipulado, com imediata demolio das casas assimedificadas (decreto de 31 de Dezembro de 1755).

    O plano aprovado correspondia soluo preferidae, por seu lado, foi escolhido entre seis quepropunham traados diferentes, conforme os seusautores individuais (Eugnio dos Santos, Gualter daFonseca ou E. S. Poppe) ou em equipa (os mesmoscom colaboradores), e que manifestavam grausevolutivos duma geometrizao procurada. O autor daplanta da cidade que mereceu a preferncia de Pombal,juiz ltimo na questo, foi o capito de engenhariaEugnio dos Santos; aps a sua morte (1760), o maiorCarlos Mardel, que j conhecemos na sua obra joanina,colaborou no traado que finalmente a ambos ficouatribudo.

    Se uma primeira srie de trs plantas implicava alocalizao das igrejas da Baixa nos seus stiostradicionais, a segunda srie no tinha tal obrigao, e aproposta de Eugnio dos Santos fazia parte dela.

    Assim o seu projecto agiu em inteira liberdadeprogramtica, apenas guiado por um princpioracionalista que radicalmente inovava, no na teoria dourbanismo ocidental desde o Renascimento, mas na

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    41/148

    41

    sua prtica que reduzia a termos reais uma viso atento utpica.

    O traado de Eugnio dos Santos, encarnando umadas hipteses avanadas por Manuel da Maia, a escolhapombalina e a legislao que a apoiou, possibilitando asua execuo em imediatos termos de praxiseconmica, evitando todo e qualquer desvio e fazendofinalmente executar o projecto aprovado, comdefinio de pormenores da empresa (decreto de 12 de

    Junho de 1756)

    constituem um todo de que sair arealidade da cidade nova, capital propositada do paspombalino que em todos os domnios, econmicos,sociais, culturais e polticos, se reformava e institua. E,pela primeira vez, ao longo de seis sculos cristos deexistncia, Lisboa foi pensada, programada e edificada.

    A planta de Eugnio dos Santos cobre a partecentral da cidade na sua baixa entre as colinas doCastelo e de S. Francisco, mas sobe tambm por esta,cumprindo solues idnticas, embora de modo menosrigoroso, conforme o terreno pedia e permitia talcomo numa outra zona, ribeirinha, estendida parapoente, at S. Paulo, se verificava.

    A sua parte principal define-se entre o Terreiro doPao e o Rossio, regularizando as duas praastradicionais e criando, de uma para outra, uma rede deruas longitudinais e transversais, cortando-se emngulos rectos, com importncia variada que expressa pela largura dos seus leitos, passeios (eesgotos), inovao nos hbitos urbanos. Do terreiroribeirinho partem trs ruas nobres: urea, Augusta eBela da Rainha (da Prata), das quais as duas primeirasdesembocam no Rossio e a outra contra a fachadalateral do velho Hospital Real que daria sobre o Rossio

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    42/148

    42

    mas que, no sendo reconstrudo (passou ao Conventode SantAnto-S. Jos), abriu espao para uma praaparalela a este, onde se instalou, primeiro provisria edepois definitivamente, um mercado (Praa daFigueira). Ainda duas ruas paralelas a estas, Nova daPrincesa (dos Fanqueiros) e da Madalena, tm igualcomprimento, enquanto outras trs, na mesmadireco, se entremeiam, a partir da terceira das trsgrandes vias transversais a contar do Terreiro do Pao

    a primeira das quais e a Rua Nova dEl-Rei (doComrcio) que adoptou, corrigindo-a geometricamenteno alinhamento, a direco da velha e famosa RuaNova dos Ferros. Entre todas estas ruas definem-setambm quarteires longitudinais e transversais, numritmo dinmico que vitaliza a malha urbana, salvando-ada monotonia aparente. Todo o gnio do traado deEugnio dos Santos (e a ele s devido) reside nesteacerto complexo, que as duas grandes praas verificame coroam.

    O Rossio obra de Carlos Mardel, mas o Terreirodo Pao (baptizado Praa do Comrcio, numa intenopoltica que obedece opo ideolgica do Iluminismopombalino) projecto de Eugnio dos Santos quenesse admirvel palco aberto ao Tejo nobilita todo oplano da Reconstruo. As suas arcarias regulares, oarco de triunfo que d acesso cidade (s terminado,com outro desenho, cem anos mais tarde), a esttuaequestre do rei D. Jos, por Machado de Castro (1775),primeiro monumento significativo que Lisboa teve,formulam uma Place Royale de gosto internacionalque o nome imposto contraria, sociologicamente. E aoqual os torrees terminais trazem a lembrana do

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    43/148

    43

    gosto espanhol de Terzi, ali mesmo afirmado, sculo emeio atrs.

    planta da cidade central h que adicionar outrasduas: tratava-se de estender a cidade para poente e paranascente em duas vastas zonas, respectivamenteexpressas por um tringulo alongado, entre o Rossio,S. Sebastio da Pedreira e o Alto do Carvalho, e poroutro tringulo mais irregular, definido entre Arroios,Graa e Santos-o-Novo. O primeiro projecto (deSantos, Mardel, Poppe e Andreas) foi cuidadosamenteestudado logo em Abril de 1755 e chegou a ter umprincpio de balizagem no terreno, mas quer de umquer de outro, no se ouviu mais falar, utpicos comoeram, no quadro das necessidades imediatas da novaLisboa, ao cobrirem zonas minimamente caseadas.

    Na realidade da cidade, outros focos deurbanizao se processavam, fora da rea coberta peloplano-piloto de Eugnio dos Santos, e obedecendo aomesmo esprito, embora mais modestamente. o casodo bairro da Cotovia, onde uma CompanhiaReedificadora actuou, das Amoreiras, animado pelaunidade fabril ali instalada por Pombal, de S. Bento,onde os prprios frades urbanizaram terrenos seus, dacolina de Buenos Aires, que esteve em moda, de S.Mamede, da zona perto da S, do stio dos Caetanos,onde Pombal tinha solar, da Praa da Alegria, no limitenovo da cidade, para Norte.

    A estes empreendimentos h que juntar tambm,em 1760, um plano geral de melhoramentos do portode Lisboa, de Mardel, definido do cais de Santarm aPedrouos, na sequncia de projectos joaninos, eacudindo tambm aqui runa do terramoto.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    44/148

    44

    A terceira parte do memorial de Manuel da Maia eraacompanhada por desenhos de fachadas comomodelos a seguir na reconstruo. Era tambm seuautor Eugnio dos Santos. O princpio da relativauniformidade de padres ali ficava expresso, mesmoque outros desenhos do mesmo arquitecto fossemfinalmente aprovados. Dentro do mesmo esprito,estes admitiam j quatro andares (o ltimo de guas-furtadas), por razes de rentabilidade que sesobrepuseram a terrores nascidos do terramoto, quelevavam a pedir prdios de dois pisos, por razes desegurana.

    Em princpio da mesma altura, o prdiopombalino de Eugnio dos Santos sofre, no entanto,

    variantes no tratamento das fachadas, hierarquizadasconforme as ruas mais ou menos importantes (e porisso mais ou menos largas) a que se destinavam, eassim possvel estabelecer uma tipologia de trsespcies distintas (j designadas por A, B e C),sobretudo consoante o talhe das cantarias dos vos,mais ou menos recortadas.

    Estas diferenas multiplicam-se, ainda, em tiposcombinados, em outras zonas da cidade nova, massempre dentro de esquemas definidos pelo princpioduma sistematizao de padres que se traduztambm nos interiores repetitivos dos prdios. NaBaixa, a diversificao dos alados mal aparece aoobservador desprevenido: da a monotonia das ruas.Porm, se s no segundo quartel do sculo XX ela foidisfarada pela decorao comercial das lojas, nas viasprincipais, na verdade estava j resolvida em termosestruturais do traado urbanstico, desde o incio doprojecto de Eugnio dos Santos, pela proporo dos

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    45/148

    45

    quarteires e pela sua posio relativa, como vimos. Aarquitectura subordina-se, assim, ao urbanismo, comodeve ser numa cidade moderna, pautada por princpiosracionais de utncia prtica e simblica.

    O desenho padro de Eugnio dos Santos,econmico e forte, mas sem belezas, devia servir umacidade entregue a comerciantes; isso foi criticado naaltura, mas disso se tirou um significado positivo emque a prpria poltica burguesa de Pombal assentava.Os prdios de rendimento, com as suas lojas e oficinas,foram distribudos pelos novos arruamentos marcadospor exerccio profissional (dos ourives do ouro ou daprata, dos sapateiros, dos correeiros, dos douradores,dos capelistas, dos fanqueiros) conforme vimosacontecer j na Idade Mdia, numa ligao corporativatradicional, em que a corte no intervinha. Esta,atravs dos seus rgos governamentais e judiciais,ocupava a Praa do Comrcio, onde o rei tinhaaposentos de ocasio e que os organismoseconmicos, Bolsa e Alfndega, ocupavam tambm. sua monumentalidade respondia o arranjo do Rossio,local de habitao mais cuidada, sob projecto de CarlosMardel que rompe a monotonia dos prdios das ruasintermdias com um desenho mais subtil e, sobretudo,com um sistema de telhados de guas sobrepostas, deorigem germnica, que se ope ao sistema tradicionalportugus utilizado por Eugnio dos Santos no restoda Baixa.

    E ser entre os dois desenhos, de Santos e deMardel, que se dever procurar o modelo estilstico doprdio pombalino tal como passou histria daarquitectura portuguesa: imvel de lojas, de portasalternadas, mais largas e mais estreitas, primeiro andar

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    46/148

    46

    de janelas rasgadas (ou de sacada), segundo e terceirode janelas de peitoril (ou de peito), quarto piso deguas-furtadas na prumada dos outros vos e inseridana primeira das duas guas mardelianas, cantariasrodeando os vos e em pilastra nos cunhais ou nasseparaes dos prdios, o resto da fachada em rebocoocre amarelo (jalde); no interior, escadas estreitas apartir dum trio estrito, divises articuladasmutuamente, sem corredor, sem foges deaquecimento nem retretes, e com lambris de azulejopobre, no figurativo, da fbrica pombalina do Rato.

    Tirar daqui um estilo artstico ser ousado, masno pode duvidar-se tambm de que a coernciamorfolgica e sintxica destas construes representaum valor que importa inserir no discurso estticonacional, procurando-lhe razes e oposies. Razesmaneiristas do sculo XVII, com certeza, bementranhadas na arquitectura portuguesa aps odomnio espanhol (e herrereano), e, no seu proto-neoclassicismo, oposio do gosto barroco joaninoimediatamente anterior e ainda perdurando nasedificaes nobres, sacras e profanas.

    As igrejas e os palcios constituram objecto dapreocupao de Manuel da Maia, no seu programa, e seestes tiveram uma soluo abstracta, apenas referidaaos portais nobilitantes, romana, e rara e stardiamente levada prtica por uma nobrezaarruinada, aquelas beneficiaram de tratamentosindividualizados conforme as disponibilidades edinamismo das parquias e confrarias, e a qualidadedos arquitectos que receberam o seu encargo. Umesquema serliano que, como vimos, tivera preferncialisboeta, foi em certa medida adoptado nas igrejas

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    47/148

    47

    menos atingidas (Santo Estvo, N. S. da Penha),enquanto as reconstrues de raiz se modernizaramconforme um gosto romano actualizado, patentetambm nos interiores sem talha, numa evoluo parao neoclssico (Mrtires, Mercs, SantAntnio da S de Reinaldo Manuel, Joaquim de Oliveira e Mateus

    Vicente). Inseridas na malha urbana regularizadora dasruas, as novas igrejas oferecem, a estas, umenriquecimento de sinais plsticos que discretamenteas anima. Fora desse esquema, a Patriarcal, edificadaem 1756 (e ardida em 1769) por um filho de Ludovice,edifcio meio improvisado sobre os alicerces do palcio

    Tarouca, Cotovia, no teve o significado que deve serpedido igreja da Memria, iniciada em 1760 sobplanos de G. C. Bibiena (e depois de Mateus Vicente),que, isolada da rede da cidade, poder ser consideradacomo impossvel paradigma estilstico da arquitecturasacra pombalina, prejudicada pela sujeio urbanstica.

    Um arquitecto bolonhs, chamado para construir oteatro de pera de D. Jos, pouco antes do terramoto,foi o autor deste monumento classicizante tal comoo seu continuador, formado na obra joanina de Mafra,seria o autor da Baslica da Estrela que, iniciada aps aqueda de Pombal, em 1779 (e terminada por ReynaldoManuel em 89), coroaria a sua obra sacra, comsignificativa involuo de gosto barroco.

    A cidade pombalina, to coerentementeprogramada, teve o seu paradoxo no domnio maislivre das construes sacras mas no deixou de, emcerta medida, o resolver com a realizao de um outrotemplo, este dedicado s artes, logo a seguir sagraoda baslica: o teatro da pera de S. Carlos, erguido em1790 por um jovem arquitecto j no de criao

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    48/148

    48

    pombalina e antes formado em Bolonha, J. da Costa eSilva. O neo-classicismo tpico do teatro, edificado aexpensas da classe burguesa que Pombal valorizara esobrevivera viradeira de D. Maria I, com o seupoder confirmado, vem finalmente dar razo aodiscurso esttico da Reconstruo, sublinhando-lhe oseu carcter modernizante.

    Carcter que se manifestou de outro modo, numarealizao da maior importncia urbana: o PasseioPblico, alameda ajardinada e murada, sada dacidade, primeiro logradouro burgus convidando anovos hbitos de merecido cio, estabelecido, em1764, em certa medida, contra o Rossio popular, comapertadas regras de utncia. Numa cidade aindatraumatizada pela catstrofe que a vitimara, e onde aclasse mdia no tinha o costume de espairecer, e aindamenos no seu elemento feminino, sempre recolhidoem casa, o Passeio no pde, porm, vingar o ques veremos acontecer da a trs geraes

    Foi Reinaldo Manuel o arquitecto do PasseioPblico como director das obras de Lisboa, emsucesso de Mardel (no contgua, ao que parece),falecido em 1763, que j sucedera a Eugnio dosSantos que o excesso de trabalho matara em 1760: aele suceder Manuel Caetano, em 1789, ltimo dosarquitectos pombalinos a dirigir a Casa do Risco dasReais Obras Pblicas, o organismo oficial criado logo aseguir catstrofe para os devidos fins da reconstruode Lisboa. Manuel da Maia falecera nonagenrio em1768 e o programa pombalino contou com elestodos, numa unidade de propsitos que os gostospessoais de cada um, suficientes ou insuficientes, noprejudicavam.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    49/148

    49

    Movidas pelos arquitectos da Casa do Risco, asobras prosseguiam ao ritmo possvel, que eraextraordinariamente acelerado. Um donativo de 4 %sobre as mercadorias importadas, da parte da Junta doComrcio, destinado reconstruo das alfndegas eda bolsa dos comerciantes, na Praa Nova, permitia oseu avano por outro lado animado pelos capitaisburgueses que se empregavam na edificao dosprdios de rendimento a que a nobreza arruinada nopodia acorrer. Em breve, as novas casas ficavam poralugar, o que, em queixas recolhidas na poca, nosmostra o progresso real das obras apesar dos atrasosde muitos proprietrios que Pombal ameaavaexpropriar, em avisos sucessivos.

    Este progresso foi tornado possvel por umdesenvolvimento tcnico sistematizado em termos deprefabricao: vigamentos, cantarias, ferragens,carpintarias, tudo chegava a cada obra manufacturadofora, em oficinas especializadas, pronto a ser aplicado,ou quase, conforme as possibilidades do tempo. Assimse caminhava mais rapidamente e maiseconomicamente

    e mais seguramente tambm, j

    que um processo especial de estrutura de madeira, algoelstica, a gaiola, foi ento inventado para assegurar aresistncia dos prdios aos abalos ssmicos semprereceados.

    Definidos o programa, os planos e a legislaoapropriada, obtidos os capitais, disciplinada a mo-de-obra, garantidos os quadros tcnicos, o marqus dePombal podia ainda contar com a obedincia doSenado da Cmara da capital, presidido sucessivamentepor um irmo seu e pelo prprio herdeiro. Quando,em 1775, mandou inaugurar a esttua equestre do seu

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    50/148

    50

    bem acomodado rei, o governante, dspotailuminado, podia fazer, como fez, um balanopositivo desta empresa que, para ele, significava a

    vitria duma poltica de resultados muito irregulares ediscutveis em outros planos de aco. Uma polticasimbolizada na ordem urbana que fizera reinar e quena capital nova assumia o seu mais perfeito programamental.

    A cidade que, da a dois anos, cado em desgraa morte do seu rei, Pombal deixava mais de metade (ous um tero, na vaga opinio dos contemporneos)reedificada, constitui uma das obras maiores da culturanacional e um caso de extrema importncia, emborapor diversos motivos mal conhecido, no quadro dourbanismo europeu, entre os projectos utpicos doRenascimento e realizaes parciais, aqum do imensoestaleiro duma urbe de um quarto de milho dehabitantes. Na prpria histria da cidade, a empresapombalina, na sua brutal operao cirrgica, marcauma etapa fundamental, separando duas Lisboas amedieval e barroca e a moderna, que o sculo XIXdesenvolver.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    51/148

    51

    5 / A CIDADE ROMNTICA

    A Baslica da Estrela e a pera de S. Carlos vieramenriquecer a cidade aps a queda de Pombal mascom esta queda Lisboa sofreu, por outro lado, aparalisao das suas obras oficiais, deciso do novopresidente do Errio de D. Maria I, o marqus de

    Angeja, alarmado com o estado do tesouro, e pronto adeixar aproveitar para a construo da rgia baslica oimposto que o comrcio destinava cidade nova.

    Tambm com a ressurreio dos mortos da classenobre que Pombal abatera a Reconstruo mudou de

    sentido, no seu aspecto mais imediato que foi o daedificao de palcios da aristocracia tradicional mastambm j daquela que, por via capitalista de origempombalina, se lhe igualava. Por um lado os Lafes, os

    Angejas, os Pombeiros, os Castelo-Melhores, osValadares, por outro j os Quintela-Farrobos, os Cruz-Sobrais, os Bandeira-Porto Covos, e ainda o Sola e oManteigueiro construam casas nobres e de luxo quese erguiam algo fantasmagoricamente entre as runasde outras, na cidade em obras que se iluminava aazeite de 1780 a 92 e depois, definitivamente, a partirde 1803, por decreto de 10 de Dezembro.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    52/148

    52

    S o palcio real no tinha realizao possvel,abandonada a ideia de o construir em S. Joo dos Bem-Casados e contentada a corte com um palcio ouBarraca de madeira (de G. C. Bibiena), no alto da

    Ajuda, edifcio precrio que s a sumptuosidade dastapearias desculpava e que ardeu em 1796,obrigando ento a pr com urgncia o problema daconstruo dum pao digno da realeza e da prpriacidade que crescia distante dela.

    O arquitecto real, Manuel Caetano, recebeu oencargo do projecto, em breve comeado a executar. Ogosto rgio, j manifestado na Baslica da Estrela,pendia tradicionalmente para o barroco e nesse estiloestava traado o palcio quando, em 1802, oministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, cuja culturase formara em contacto com artes em evoluo emItlia, fez analisar o projecto por um jovem arquitectode Bolonha (F. S. Fabri) e outro que ali estudara, J.Costa e Silva, j autor do S. Carlos. Dessa crticadesapiedada resultou ofensa para o arquitecto real, esua morte de desgosto, passando a obra para cargo dosdois crticos, que lhe alteraram a traa para o novogosto neoclssico, inspirando-se, em certa medida, nofamoso palcio de Caserta, em Npoles, de Vanvitelli.

    Foi este o primeiro acto esttico do novo sculo, ea sua relao com o prprio estilo pombalino no podedeixar de ser sublinhada, vendo-se no Pao da Ajuda adefinitiva instaurao das propostas da Reconstruo,naquilo que elas tinham de mais significativo, atravsdos desenhos de Eugnio dos Santos.

    Paralisadas as obras pblicas e depois recomeadas,as privadas seguiam o ritmo possvel dentro dosesquemas impostos e que uma Inspeco Geral do

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    53/148

    53

    Plano para a Reedificao da Cidade controlava at,provavelmente, 1807, vigiando o cumprimento datipologia estabelecida que s tinha liberdade fora dosncleos programados. Que os progressos fossemlentos, como testemunhavam viajantes estrangeirosdesde finais de 80 e at incios do sculo, no desurpreender, dada a conjuntura poltica e econmica,que as prprias ameaas da situao internacionalafligiam.

    Tambm, por outro lado, a populao de Lisboa semantinha abaixo do nvel atingido nas vsperas doterramoto: o recenseamento de 1801 indica 237 milhabitantes, mas em 1820 aparecem 210 mil e em 1845182 mil, sempre com discutvel exactido que permiteum clculo mdio razovel abaixo dos 200 milhabitantes, como alis acontecer ainda no censo, maisfidedigno, de 1878 que indica 187 mil.

    A rea ocupada pela cidade, que, logo emDezembro de 1755, Pombal fixara empiricamente,para evitar construes dispersas, foi alargada de cercade 40 % em finais do sculo XVIII ou princpios deOitocentos (por diploma que se ignora), com finsadministrativos e de fiscalizao do imposto deconsumo. Continuava ento a incluir 40 freguesias (aque em 1833 se juntou a de Belm, desligada da

    Ajuda), num total de 947 hectares. A linha dasbarreiras fiscais tinha vinte e quatro portas em 1839,num permetro irregular que ia de Santa Apolnia, aNascente, at Ponte de Alcntara, a Poente, e a maiorsuperfcie coberta definia-se sobretudo para Norte.

    No traduzia essa considervel ampliao deterrenos uma urbanizao mais intensa: a planta de D.

    J. Fava (levantada em 1807, desenhada em 26 e

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    54/148

    54

    litografada em 31) mostra assaz pormenorizadamente amancha urbanizada, mais densa a da Baixa definida porPombal, mais dispersa a dos stios que j no tempo deD. Joo V eram habitados e arruados.

    Se compararmos esta planta com outra, desenhadacerca de 1780 (publicada, num conjunto, por Vieira daSilva, em 1950), com indicao de casario que seconserva antigo, isto , que o Terramoto no atingiraem cheio, e das novas urbanizaes, verificamos queaquele pouco progrediu e que estas foram obedecidasmas no inteiramente preenchidas. Tirando a Baixa ezonas limtrofes, que o estavam sendo ou haviam deser em breve, nas Amoreiras, na Lapa-Buenos Aires, naCotovia, ou entre S. Bento e a Estrela, a edificao erarala, ou mesmo inexistente, como no caso da Quintado Possolo, ligada Lapa, e ainda no ocupada.Quanto s zonas anteriores da cidade, constatamos acontinuidade de certos arruamentos j definidos, commultiplicao das casas, ao longo deles. Casas maismodestas que continuavam ainda hbitos populares detradio ou iam modificando, seno degradando, aimagem pombalina

    como acontecer no prdio do

    Gin, em Campolide, datado de 1823,por isso mesmosignificativo das construes possveis dos princpiosdo sculo. Pinturas de costumes, com vistas dos locais(raras e sempre de estrangeiros: Nol, Delerive,Pillement, Doumet) mostram-nos o seu aspecto. Estesos prdios que iam sucedendo-se na zona de Campode Ourique, a partir de Santa Isabel, pela Rua Nova deS. Lus, ento construda, ou pela Rua de S. Joo dosBem-Casados, na sua continuidade, e ainda na Rua deEntremuros, a caminho de Campolide, ou na do Valede Santo Antnio, descendo dos Quatro Caminhos

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    55/148

    55

    para Santa Engrcia conforme as manchas da plantaestudada.

    Estes ligeiros desenvolvimentos urbanos, semoriginalidade prpria, verificam-se igualmente numaplanta de 1812, traada por um oficial de Beresford esucessivamente reproduzida em 1834, 37, 41 e 53,sinal de que ela era considerada ainda vlida quarentaanos depois do seu levantamento. Mesmo queadmitamos neste procedimento uma simples prticacomercial, ela no poderia ultrapassar certa margem deinformao. A anlise destes dados prova ento que,de modo geral, ao longo da primeira metade deOitocentos foi mnimo o crescimento da cidade.

    De qualquer modo, o primeiro Itinerrio Lisbonense,publicado anonimamente em 1804, semelhana doque j ento se fazia em todas as cidades capitais depases civilizados da Europa, completando o processode indicar nas esquinas os nomes dos locais, realizaode 1801-02, registava 636 ruas, travessas e caladas,58 largos e praas mas tambm 5 campos, chos eterreiros e 20 estradas, caminhos, azinhagas e carreiras(nomenclatura que denunciava uma imagem rsticaainda perdurante, entre quintas e hortas de semeadura)e igualmente 119 becos, muitos deles restos de umarede viria antiga.

    Vrios factos contriburam para que assimacontecesse, durante a primeira parte de Oitocentos: asinvases dos exrcitos de Napoleo, a ocupaoinglesa, a tenso poltica dos anos 20, a guerra civil nadcada seguinte, desacertos de regime e dificuldadesinstitucionais at Regenerao e ao Fontismo, nosanos 50.

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    56/148

    56

    Embora sem trazer desenvolvimento cidademartirizada pela guerra, o regime liberal instaurado em1834,por todo o pas e na sua capital principalmente,pelo seu princpio centralizador, imps grandestransformaes, que modificaram a imagem de Lisboa.Com efeito, a extino das ordens religiosas alteroufundamentalmente a fisionomia dos stios que dos seusconventos em grande parte dependiam. Os sessenta ecinco conventos de frades existentes ento em Lisboa,de Chelas a Belm, ficaram desabitados e receberamutilizaes profanas, civis ou militares, com novasrelaes com os bairros em que tradicionalmente seinseriam. Tornados hospitais, asilos, tribunais,hospcios, colgios, bibliotecas, academias, quartis, eat adaptado um a Parlamento, os edifcios sofreramgrandes e prejudiciais transformaes ao mesmotempo que evitavam maiores despesas de equipamentoimvel ao Estado em modernizao. Outras casasprofessas, vendidas em hasta pblica, tiveram umaocupao residencial popular, sofrida tambm poralguns palcios (como j acontecera aps o

    Terramoto), e tambm isso, ao mesmo tempo querefreava a construo civil, contribua para adepredao da vida da cidade meio deixada aoabandono, entre runas que perduravam, e penetradapor prticas rsticas (animais domsticos em liberdade,matanas de porco, oficinas no meio das ruas) quecontrariavam o teor urbano desejvel.

    Em 1834, um vereador liberal, Joaquim Bonifcio,ao mesmo tempo que melhorava a Praa da Figueira, efazia iluminar melhor as ruas, a azeite, fez desaparecercasebres e telheiros, ainda vestgios do terramoto e,dois anos depois, um edital obrigava os proprietrios

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    57/148

    57

    morosos a construrem nos seus terrenos, sob penadestes serem vendidos em hasta pblica. Se o torreopoente da Praa do Comrcio s depois de 1840 seconcluiu, s em 1845 o Rossio ficou terminado, apscrises de capital mais atento a especulaes de bensnacionais, ou ferido pelas desvalorizaes da moedaem 1835, e desconfiado com a poltica setembrista. Seos anos 40 do cabralismo deram alento ao capital quechegou a criar uma frustrada Companhia das ObrasPblicas de Portugal em 1844 (animada pelo prprioirmo de Costa Cabral), o sossego dos capitalistas(Camilo) s viria com a Regenerao, para benefcio deLisboa.

    Mas os anos 40 deram cidade o seu principalmonumento moderno: o teatro D. Maria II, dumarquitecto italiano, F. Lodi, que no teve (mesmo que aevitasse) concorrncia vlida nacional. O seu gostoneoclssico, em 1843-46, responde ao da pera, jacademizado em modelos internacionais, mas com issope um ponto final civilizado no Rossio de Mardel que logo depois (1849) ser calcetado num desenhoondulado de basalto e calcreo, de excelente efeitodecorativo com curiosa funo de animao espacial,graas ao general Pinheiro Furtado.

    Este sentido da decorao beneficiou tambm oPasseio Pblico pombalino, subitamente trazido

    vida social pelo rei-consorte D. Fernando de Coburgoque o lanou em moda, depois de obras (do arquitectomunicipal Malaquias F. Leal) que o modernizaram comcascatas, lagos, repuxos, cortinas gradeadas, coreto.Em 1856 Leonel Marques Pereira fixou-lhe a imagemnuma das rarssimas pinturas documentais de costumesna arte portuguesa. Efeito do romantismo liberal que

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    58/148

    58

    propunha novos hbitos mundanos, os jardinsconheceram xito ento, e o Passeio teveconcorrncia de S. Pedro de Alcntara, de ares maislavados, embora prejudicado pela vizinhanamalfamada do Bairro Alto que se degradara napopulao. Nos anos 50 seriam plantados o Jardim daEstrela, a que Castilho elogiar o gosto mais rstico, inglesa, e, depois (1859-63), o do Prncipe Real,centrando um foco de urbanizao aristocrtica, Cotovia. Assim vingara a ideia de Pombal, que aindano incio do sculo, em outro quadro social, suscitaraobras no Campo Grande (j logradoiro pblico em1520), com um projecto de Bois ou de Hyde Parksem maiores consequncias.

    Mas comearam tambm ento, numa novacampanha, a melhorar-se palcios (Palmela, ao Rato eao Calhariz, Castelo Melhor, ao Passeio Pblico,Ribeira Grande, Junqueira, Quintela-Farrobo, aoChiado), datando tambm da a adaptao do conventodo Esprito-Santo a palcio do Manuel dos Contos, oriqussimo baro brasileiro de Barcelinhos que ficoucom a maior casa nobre de Lisboa

    sinal do poder

    dum nagrus baronius, da raa que Garrett desfeiteavana sua crtica sociolgica nova sociedade cabralista. Aqual se pavoneava na rua que tomaria o seu nome, oChiado centro da capital, a que a sua imagem culturalse reduzia entre a pera e um caf de escritores,dilettanti e polticos, o Marrare

    Os anos 50 do Fontismo, que o gs j iluminava (eabrilhantava), instalado nas ruas e nas casas, deram aesta sociedade o equilbrio dinmico desejado, massempre em termos de negcio financeiro e noindustrial, mais traduzvel em palacetes e prdios de

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    59/148

    59

    rendimento que em fbricas e bairros operrios, apesardo fomento proposto pelo ministro providencial. Aparte mais proveitosa desse fomento foi,evidentemente, o caminho de ferro que partiu deLisboa em 1856 e atingiu o Porto em 63. Uma estao,em Santa Apolnia, inaugurada dois anos depois, eraum novo templo, a par dos teatrais e daqueles que,marcados na planta pombalina, iam tendo lentas obrasque, nas duas igrejas principais, ao Chiado, Mrtires eEncarnao, s terminariam em 1866 ou 73. Tambmento o porto da cidade foi objecto de especialateno, ligado ao aterro dos anos 60 em numerososprojectos catorze entre 1861 e 83, at realizaopossvel, iniciada em 1887.

    Em 1845 Costa Cabral fizera marcar novos limitesa Lisboa; mas, dissolvida a Companhia das ObrasPblicas que a contratara, quatro anos depoisrecomendava-se ainda ao Municpio que cumprisse asinstrues, comeando a construir a estrada deCircunvalao que protegia o permetro que veio a serdefinido pelo decreto de 11 de Setembro de 1852, emetia, em rea urbana protegida por um muro comportas para cobrar direitos alfandegrios, 1208 ha deterrenos mais 25 % da superfcie definida cerca decinquenta anos atrs, como vimos.

    A linha das barreiras (que em 1863, ainda noconcluda, era vista como um bonito passeio ecomparada de Paris), considerada de nascente parapoente, comeava na Cruz da Pedra, subia pelo Alto deS. Joo (onde em 1841 se inaugurara um cemitrio),por Arroios e Picoas at S. Sebastio da Pedreira edescia depois a Campolide e, pelo Arco do Carvalho eos Prazeres (onde outro cemitrio fora instalado em

  • 7/30/2019 Lisboa Urbanismo e arquitectura, por Jos-Augusto Frana

    60/148

    60

    1835), ia at Alcntara na altura da sua velha pontesobre a ribeira do mesmo nome, que s desapareceriaem 1887-88. Eram esses os limites naturais da cidadecom as suas sadas mas, mais uma vez, no queriaisso dizer que envolvessem terrenos urbanizados, jque a rea assim definida ainda numa planta de 1871nos aparece desmunida de construes, que lentamenteprogrediam sempre em zonas (Alegria, Estrela, Buenos

    Aires) e sobre caminhos que vinham do sculo XVIIIou de antes, e que entre si estabeleciam, ainda, maisuma teia orgnica que uma malha urbana.

    Esta comeava, porm, a impor-se; e em 31 deDezembro de 1864 um decreto estipula que o governomande imediatamente proceder a um plano geral dosmelhoramentos da capital, atendendo nele ao das ruas,praas, jardins e edificaes existentes e construo eabertura de novas ruas, praas, jardins e edificaes,com as condies de higiene e decorao, como doalojamento e livre trnsito do pblico. Tal planopoderia ser executado pelo governo ou pelo Municpio,por empresas que com ele contratassem ou porparticulares, individuais ou colectivos, em terrenosprpriose, reforando um decreto j de 1856, cobrecom clusula de utilidade pblica e urgente todas asexpropriaes necessrias.

    Uma poltica de urbanizao consequente define-seneste diploma cuja importncia corresponde quecoubera, em 1756, legislao de Pombal que vimos.Se esta dizia respeito a uma cidade a reconstruir, a doministrio do duque de Loul (com Joo Crisstomocomo ministro de Obras