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Julho, 2014
Tese de Doutoramento em Lingustica
Formao de palavras em portugus e em russo
Descrio e anlise de adjetivos complexos
Larysa Shotropa
Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do
grau de Doutor em Lingustica, realizada sob a orientao cientfica da
Professora Doutora Maria do Cu Caetano
do Departamento de Lingustica da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas
Apoio financeiro da FCT e do FSE no mbito do III Quadro Comunitrio de Apoio.
AGRADECIMENTOS
Apresento os meus mais profundos agradecimentos Professora Doutora
Maria do Cu Caetano e a todos que comigo colaboraram e que me incentivaram na
pesquisa que efetuei.
FORMAO DE PALAVRAS EM PORTUGUS E EM RUSSO
DESCRIO E ANLISE DE ADJETIVOS COMPLEXOS
Larysa Sotropa
ix
RESUMO
PALAVRAS-CHAVE: anlise contrastiva, formao de palavras, derivao, adjetivos
complexos, ensino.
O principal objetivo da presente tese sobre a Formao de Palavras em Portugus e em
Russo a anlise contrastiva de adjetivos complexos, nas duas lnguas sob estudo.
Seguindo de perto alguns conceitos e metodologias correntes em Lingustica
Contrastiva, procura-se estudar os aspetos da Formao de Palavras, relacionando-os
com o ensino de lnguas estrangeiras, o que no tem sido at agora objeto de anlise nos
estudos lingusticos que incidem sobre o portugus e o russo.
Por ser um dos meios mais ricos de formao de adjetivos, a maior ateno foi prestada
derivao sufixal e, muito particularmente, anlise dos derivados deverbais em -vel
(--) e denominais em -ista (-).
Na anlise dos dados, adotei o modelo proposto por Sternin (2007), segundo o qual, na
anlise contrastiva, devem ser aprofundadas todas as relaes interlingusticas possveis
das unidades envolvidas e em que se prope trs tipos de correspondncias
interlingusticas: lineares, vetoriais e lacunas. Deste modo, este modelo contribuiu para
uma melhor perceo e compreenso das dificuldades e dos erros ao nvel da
produo e da utilizao de algumas palavras complexas adjetivais por alunos
portugueses que aprendem a lngua russa, o que conduzir a um aperfeioamento e
adequao das metodologias de ensino de lnguas.
A tese composta por trs captulos principais, os quais se subdividem, por sua vez, em
subcaptulos.
No Captulo I, Lingustica Contrastiva, so abordados os fundamentos tericos e
metodolgicos deste ramo do saber, bem como a ligao do mesmo com outras reas da
lingustica.
O Captulo II, Adjetivos em portugus e em russo, est dividido em duas partes: na Parte
1, descrevo a categoria adjetival em portugus e em russo e, na Parte 2, analiso a
formao de adjetivos nestas duas lnguas, sendo dado um maior enfoque na sufixao.
O Captulo III, Anlise de dados, apresenta-se dividido em trs partes: na Parte 1
descrevo e analiso o sufixo deverbal -vel (--), em portugus e em russo; a Parte 2
incide sobre o sufixo nominal -ista (-) nestes duas lnguas e, na Parte 3, discuto o
impacto dos processos de interferncia na aprendizagem de lnguas. Toda a descrio
levada a cabo neste captulo centra-se na anlise do corpus de adjetivos complexos em
-vel (--) e em -ista (-) das duas lnguas extrado de dicionrios de lngua
corrente, bem como nos exerccios e nos testes aplicados a alunos e, ainda, nas
tradues por eles efetuadas, a partir de alguns excertos de obras literrias russas.
Assim, pela anlise contrastiva entre algumas estruturas morfolgicas das lnguas
portuguesa e russa, pretendi contribuir, por um lado, para um melhor conhecimento do
funcionamento dos processos de Formao de Palavras dessas lnguas, particularmente
as questes relativas derivao sufixal adjetival, e, por outro, para o desenvolvimento
de mtodos de ensino de lnguas estrangeiras.
xi
ABSTRACT
KEYWORDS: contrastive analysis, word-formation, derivation, complex adjectives,
teaching.
The main focus of the present thesis on the Formation of Words in Portuguese and in
Russian is the contrastive analysis of complex adjectives in the two languages.
Closely following various concepts and methodologies currently practised in
Contrastive Linguistics, the aim has been to study aspects of the Formation of Words,
and relate these to the teaching of foreign languages, which up to now has not been
subject to analysis with regard to linguistic studies on Portuguese and Russian as non-
mother tongues.
Most attention was focused on suffixal derivation and, in particular, the analysis of
deverbals derived with -vel (--) and denominals in -ista (-), given that this
affixation is one of the richest means utilised in the formation of adjectives.
When analysing data, the model proposed by Sternin (2007) was adopted, according to
which, in contrastive analysis, the possible interlinguistic relations of the units involved
should be analysed in-depth, involving three types of interlinguistic correspondences:
linear, vectoral and omissions. In this way, this model contributes to a better awareness
and understanding of the difficulties and errors at the level of the production and
utilisation of certain complex adjectives by Portuguese students learning Russian, which
can lead to the improvement and adaptation of language teaching methodologies.
The thesis is made up of three main chapters, which are in turn divided into sections.
Chapter 1, Contrastive Linguistics, considers the theoretical foundations and
methodologies in this area of knowledge, as well as its connection to other areas of
linguistics.
Chapter II, Adjectives in Portuguese and in Russian, is divided into two parts: Part 1
describes the adjectival category in Portuguese and in Russian and Part 2 analyses the
formation of adjectives in these two languages, with a major emphasis on suffixation.
Chapter III, Data Analysis, is divided into three parts: Part 1 describes and analyses the
deverbal suffix -vel (--), in Portuguese and in Russian; Part 2 deals with the
nominal suffix -ista (-) in these two languages and Part 3 discusses the impact of
interference processes in the learning of languages. The description carried out in this
chapter is completely based on the corpus of complex adjectives using -vel (--)
and -ista (-) for the two languages taken from current language dictionaries, as well
as tests given to student and, in addition, in translations made by them, based on extracts
from Russian literary works.
This thesis thus seeks to contribute, through the contrastive analysis of certain
morphological features of Portuguese and Russian, to both a better knowledge of the
functioning of the processes of the Formation of Words in these languages, particularly
concerning issues relating to adjectival suffixal derivation, as well as to the
development of foreign language teaching methods.
xiii
NDICE
LISTA DE ABREVIATURAS E CONVENES .................................................. xvii
SMBOLOS UTILIZADOS NA ANLISE DOS TESTES ..................................... xix
INTRODUO ............................................................................................................... 1
CAPTULO I ................................................................................................................. 11
LINGUSTICA CONTRASTIVA ................................................................................ 11
1.1. Lingustica Contrastiva e Tipologia Lingustica .......................................................... 20
1.2. Lingustica Contrastiva e Universais Lingusticos ....................................................... 22
1.3. Lingustica Contrastiva e Lingustica Comparada ....................................................... 23
1.4. Objetivos da Lingustica Contrastiva ........................................................................... 25
1.5. Classificao dos estudos contrastivos ......................................................................... 29
1.6. Mtodos da Lingustica Contrastiva ............................................................................. 31
1.7. Lugar da Lingustica Contrastiva dentro da Lingustica Geral..................................... 33
CAPTULO II ................................................................................................................ 37
ADJETIVOS EM PORTUGUS E EM RUSSO ....................................................... 37
2.1. Caraterizao da categoria adjetival nas lnguas portuguesa e russa............................ 40
2.1.1. Adjetivos qualificativos ............................................................................................. 45
2.1.2. Adjetivos relacionais ................................................................................................. 49
2.1.3. Apropriao de propriedades de adjetivos qualificativos pelos adjetivos relacionais52
2.2. Formao dos adjetivos em portugus e em russo ....................................................... 53
2.2.1. Derivao .................................................................................................................. 54
2.2.1.1. Adjetivos formados por prefixao ........................................................................ 54
2.2.1.2. Adjetivos formados por sufixao .......................................................................... 59
2.2.1.2.1. Adjetivalizao denominal .................................................................................. 60
2.2.1.2.2. Adjetivalizao deverbal ..................................................................................... 65
2.2.1.2.3. Adjetivalizao deadjetival ................................................................................. 68
2.2.1.2.4. Adjetivos formados a partir de numerais, pronomes e advrbios........................ 69
2.2.1.3. Adjetivos formados por prefixao e sufixao ..................................................... 71
2.2.2. Adjetivos formados por composio ......................................................................... 73
CAPTULO III .............................................................................................................. 81
ANLISE DE DADOS: ADJETIVOS EM -VEL (--) E EM -ISTA (-) 81
3.1. Sufixo adjetival -vel .............................................................................................. 88
3.1.1. Sufixo adjetival -vel em portugus e -- em russo ............................................. 88
xiv
3.1.2. Processos de consolidao das palavras complexas tomadas de emprstimo na lngua
de chegada (russo) ............................................................................................................... 94
3.1.3. Adjetivos com os sufixos -vel e -- correspondncias interlingusticas .......... 99
3.1.4. Anlise de dados: adjetivos deverbais com sufixo -vel (--) ........................... 104
3.1.4.1. Corpus extrado dos dicionrios ........................................................................... 106
3.1.4.2. Testes relativos ao sufixo -vel .............................................................................. 132
3.1.4.2.1. Anlise dos testes relativos ao sufixo -vel ......................................................... 137
Teste 1 ............................................................................................................................... 137
Teste 2 ............................................................................................................................... 140
Teste 3 ............................................................................................................................... 141
Teste 4 ............................................................................................................................... 147
Teste 5 ............................................................................................................................... 150
3.2. Sufixo nominal -ista ............................................................................................ 153
3.2.1. Sufixo -ista em portugus ....................................................................................... 153
3.2.2. Sufixo - (-ista) em russo ................................................................................... 156
3.2.3. Comparao do funcionamento do sufixo -ista no portugus e no russo ................ 160
3.2.4. Anlise de dados: nomes e adjetivos em -ista (-) ............................................. 165
3.2.4.1. Corpus de nomes e de adjetivos em -ista (-) extrado dos dicionrios .......... 165
3.2.5. Testes relativos ao sufixo -ista ................................................................................ 192
Testes A ............................................................................................................................. 192
Testes B: ............................................................................................................................ 198
3.2.5.1.Anlise de testes relativos ao sufixo ista ............................................................. 203
Teste 1 ............................................................................................................................... 203
Teste 2 ............................................................................................................................... 205
Teste 3 ............................................................................................................................... 206
Teste 4 ............................................................................................................................... 209
Teste 5 ............................................................................................................................... 211
Teste 6 ............................................................................................................................... 214
Teste 7 ............................................................................................................................... 217
Testes: 8A e 9B ................................................................................................................. 218
Testes: 9A e 8B ................................................................................................................. 219
Teste 10 ............................................................................................................................. 221
3.3. Impacto dos processos de transferncia e interferncia na aprendizagem de lngua
.................................................................................................................................... 225
3.4. Breve anlise dos exerccios aplicados ............................................................... 232
xv
CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 235
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 243
ANEXOS ...................................................................................................................... 267
ANEXO 1 ................................................................................................................... 269
Formaes em -vel em portugus e em russo. Tabela geral ...................................... 269
ANEXO 2 ................................................................................................................... 296
Nomes e adjetivos em -ista em portugus e nomes em - em russo. Tabela geral
.................................................................................................................................... 296
ANEXO 3 ................................................................................................................... 334
Exerccios com adjetivos russos ................................................................................ 334
A. O uso de adjetivos em geral ...................................................................................... 334
B. Graus de comparao ................................................................................................ 349
C. Formao de palavras e derivao adjetival .............................................................. 363
ANEXO 4 ................................................................................................................... 372
Excertos de obras literrias ............................................................................................... 372
xvii
LISTA DE ABREVIATURAS E CONVENES
Ac.
adj.
conj.
D.
esp.
fem.
FP
fr.
G.
ingl.
Instr.
L1
L2
lat.
masc.
Nom.
N.
part.
pl.
port.
Prep.
rus.
RFP
sing.
subst.
TV
V.
V- do
Acusativo
adjetivo
conjugao
Dativo
espanhol
feminino
Formao de Palavras
francs
Genitivo
ingls
Instrumental
lngua materna
lngua de chegada / lngua-alvo
latim
masculino
Nominativo
nome
particpio
plural
portugus
Prepositivo
russo
Regras de Formao de Palavras
singular
substantivo
tema verbal
verbo
particpio passado do verbo base
xix
SMBOLOS UTILIZADOS NA ANLISE DOS TESTES
+ resposta correta;
resposta com uma palavra sinonmica / aproximada;
falta de resposta;
parfrase;
resposta errada;
forma potencial, mas bloqueada;
* forma agramatical;
INTRODUO
3
Assistimos hoje globalizao da sociedade moderna, ao crescimento da
necessidade de comunicao intercultural, ao abundante volume da informao
cientfica e social, necessidade de troca dessa informao em vrias lnguas,
indispensabilidade do estudo de lnguas estrangeiras, elaborao de dicionrios,
pronturios e materiais didticos de qualidade. Neste contexto, amplia-se cada vez mais
a necessidade de aprendizagem de lnguas estrangeiras, sendo este um fator crucial no
desenvolvimento das pessoas e das sociedades em geral. O ensino / aprendizagem das
lnguas estrangeiras assume a condio de ser parte integrante do conjunto de
conhecimentos essenciais que permitem a aproximao de vrias culturas e, por
consequncia, proporcionam uma melhor integrao num mundo globalizado.
O facto de ser falante de russo e por fora das circunstncias da vida de ter um
contacto aprofundado com o portugus, serviu de impulso para esta investigao
contrastiva que considero muito envolvente, pois ao longo da pesquisa desenvolvida
verifiquei vrios aspetos, similares e divergentes, no apenas na rea de formao de
palavras, a qual foi dedicada a maior parte de ateno, mas tambm nas questes ligadas
s vertentes psicolingusticos, sociolingusticos e culturais. A isso acrescenta-se a onda
de imigrao para Portugal de falantes de russo e a possibilidade de investimentos
portugueses na Rssia. Por isso, parece-se de interesse promover o desenvolvimento da
comunicao entre estes dois povos, aprofundando alguns aspetos do portugus e do
russo que no se confinam rea de Formao de Palavras.
Apesar de existirem estudos contrastivos entre o portugus e outras lnguas, a
confrontao entre o portugus e o russo muito escassa, uma das razes que
determinou a presente pesquisa. Tenho a conscincia de que a investigao efetuada
apenas um contributo para a anlise contrastiva entre os aspetos da rea de Formao de
Palavras de portugus e russo e que pode servir de impulso para futuras investigaes
nesta rea, que espero que sejam frutuosas e envolventes.
A minha investigao segue de perto alguns conceitos e metodologias correntes
em Lingustica Contrastiva est estreitamente ligada s questes de Formao de
Palavras, em portugus e em russo.
No estudo que desenvolvi tive como principais objetivos os seguintes:
4
- analisar, numa perspetiva contrastiva, os processos de formao de adjetivos
complexos nas lnguas portuguesa e russa, dando um especial relevo a derivao
sufixal;
- verificar como so utilizados em portugus os adjetivos russos;
- verificar e analisar o comportamento, a correlao com outros elementos
derivacionais e as ocorrncias dos derivados em -vel (--) e em -ista (-),
nas lnguas em anlise;
- observar e analisar o emprego dos derivados em -vel (--) e em -ista
(-) pelos estudantes lusfonos de russo dos nveis intermdio e avanado;
- seguir e analisar alguns aspetos de processos de interferncia que ocorrem ao
longo de aprendizagem do russo pelos estudantes lusfonos;
- definir as possveis hipteses para a resoluo dos problemas que possam
surgir nos casos de dificuldades ou de ocorrncia de erros;
- analisar a distribuio e o uso que dado aos adjetivos russos em geral, bem
como as irregularidades e os erros, tentando encontrar o caminho de superar
estes problemas.
Na minha tese abordo a Formao de Palavras num plano sincrnico, analisando
os processos de formao de adjetivos complexos em portugus e em russo. Considero
os recursos de que essas lnguas dispem para a formao de novos itens adjetivais,
dando especial relevo ao uso que deles fazem os falantes lusfonos durante a fase de
aprendizagem do russo, tento explicar as relaes interlingusticas, bem como as
semelhanas e as divergncias identificadas.
Ainda que sem ambies de abarcar tudo o que diz respeito Formao de
Palavras, num plano sincrnico, em portugus e em russo, lnguas para as quais existem
estudos relevantes, mas no numa perspetiva contrastiva, pela comparao entre
algumas estruturas morfolgicas das lnguas portuguesa e russa, pretendo contribuir
para um melhor conhecimento do funcionamento dos processos de Formao de
Palavras dessas lnguas. Tendo conscincia de que, uma anlise detalhada e
aprofundada de todos os processos envolvidos na formao de palavras que ocorrem
numa lngua, no tinha hiptese de ser feita numa investigao deste tipo e
acrescentando-se, ainda que, no presente caso, essa descrio deveria ser feita entre
5
duas lnguas portugus e russo, invocando sempre os mtodos contrastivos, limitei-
me de analisar a formao de adjetivos complexos. Contudo, no irei investigar todos os
processos de formao decorrentes na formao desta categoria. A ateno ser
dedicada s questes relativas derivao sufixal adjetival e, em particular, ao
comportamento e relao interlingustica entre formaes com sufixo adjetival
deverbal -vel e com sufixo nominal e adjetival -ista, nas duas lnguas.
Decidi proceder analise destes dois sufixos pelas seguintes razes:
a) relativamente s formaes em -vel: na categoria adjetival, tanto em
portugus, como em russo, o subgrupo de adjetivos deverbais ocupa uma posio de
destaque, exercendo mltiplas funes semnticas e tendo os aspetos de passividade /
atividade.
Em portugus, no grupo de adjetivos deverbais passivos, realam-se os adjetivos
formados por derivao atravs do sufixo -vel. Tendo imensos derivados em portugus,
este sufixo carateriza-se pela sua alta rentabilidade, estando disponvel para vrias
formaes adjetivais. Em russo, o estatuto dos adjetivos formados atravs do sufixo
--1 diferente do portugus: estes adjetivos so categorizados como qualificativos
e formam-se a partir de nomes, ocorrendo num grupo restrito de adjetivos tomados de
emprstimo. Por isso, sendo este um dos objetivos principais da presente investigao,
propus-me analisar as correspondncias das formaes em -vel no russo e vice-versa,
investigar os recursos utilizados na falta do correspondente direto, estudar e
fundamentar as causas das semelhanas e, com maior relevo, das divergncias. Um
outro objetivo foi verificar como so aplicados os correspondentes dos adjetivos em -vel
no russo, pelos falantes de portugus que esto a aprender a lngua russa e, em caso de
surgimento de dificuldades ou de erros, tentar perceber qual o caminho para a
resoluo destes problemas.
b) relativamente ao sufixo -ista (-)2:
O sufixo derivacional -ista (-), considerado, em portugus, como um
sufixo que ocorre na formao de nomes agentivos e de adjetivos relativos e, em russo,
apenas na formao de nomes agentivos. um sufixo abundantemente representado nas
duas lnguas, fazendo parte, na maioria dos casos, da terminologia de especialidade.
1 O equivalente do sufixo -vel no russo.
2 O equivalente do sufixo -ista no russo.
6
Mas, apesar de ter a mesma origem etimolgica, o seu percurso em portugus como e
em russo no foi igual.
Por isso, investiguei as formaes em -ista (-), nas duas lnguas, com o
objetivo de observar a distribuio dos derivados em -ista (-), em portugus e em
russo e discutir a correlao deste sufixo com o sufixo -ismo (-) e outros sufixos
derivacionais. A seguir, analisei e verifiquei a atribuio dos correspondentes
interlingusticos, observando e analisando as caratersticas comuns e diferentes, bem
como a utilizao dos correspondentes, no russo, pelos aprendentes do russo e a
capacidade dos mesmos de chegar escolha correta atravs da segmentao das
palavras complexas.
Tambm investiguei e analisei os processos de interferncia que inevitavelmente
ocorrem ao longo de aprendizagem de uma lngua estrangeira, analisando as formaes
em -vel (--) e em -ista (-).
Para o efeito, com base em vrios dicionrios, constitui um corpus de formaes
em -vel (--) e um outro de formaes em -ista (-). Os dados foram analisados
numa perspetiva sempre contrastiv, visando as correspondncias interlingusticas, a
utilizao de sufixos diferentes e o recurso a parfrase.
Procedi aplicao de uma srie de testes nas turmas de nveis intermdio e
avanado de aprendizagem de lngua russa, frequentadas por portugueses, nos quais
utilizei vrios mtodos e estratgias.
E, ainda, no caso das formaes em -vel (--) analisei as tradues de
excertos de obras literrias de alguns escritores russos, para verificar e analisar a
utilizao dos adjetivos, em geral, e a aplicao dos correspondentes em -vel, em
particular.
Na anlise dos dados escolhi o modelo de correspondncias interlingusticas,
proposto por Sternin (2007), no seu estudo Lingustica contrastiva. Problemas tericos
e mtodos de investigao, que por sua vez foi baseado nos trabalhos de uma das mais
conceituadas cientistas russas na rea de Lingustica Contrastiva, Iartseva (1981). Este
autor parte da ideia de que na Lingustica Contrastiva analisada tanto a unidade da
lngua A como todas as unidades correspondentes a essa unidade na lngua B. Alm
disso, por sua vez, a qualquer uma das unidades envolvidas na anlise da lngua B, na
7
lngua A pode corresponder no apenas a primeira unidade mas ainda outras unidades.
Sternin (2007) prope trs tipos de relaes entre os correspondentes interlingusticos:
1) lineares: a um item de lngua A corresponde outro item na lngua B. Esta
relao pode ser absoluta, quando se observa a mesma ligao da palavra da
lngua B com a mesma palavra da lngua A;
2) vetoriais: a uma palavra da lngua A correspondem duas ou mais palavras da
lngua B. Por sua vez, s palavras correspondentes da lngua B na lngua A
correspondem outros itens. Esta ligao cria muitos aspetos interessantes que
depois podem ser aplicados na anlise dos testes;
3) lacunas: falta de correspondente. Nestes casos, na lngua de chegada
utilizada a parfrase;
Decidi aplicar este mtodo pelos seguintes motivos: em primeiro lugar,
analisando as relaes interlingusticas desta forma, pode-se deduzir porque surgem
dificuldades e erros no uso de certas palavras pelos alunos portugueses aprendentes de
russo; em segundo lugar, depois de serem verificadas as relaes que esto patentes nas
tabelas apresentadas no Captulo III, consegue-se corrigir e melhorar os mtodos de
ensino de lnguas, possibilitando a sua aplicao prtica no ensino de lngua russa.
Da presente dissertao fazem parte os seguintes captulos: Captulo I.
Lingustica Contrastiva; Captulo II. Adjetivos em portugus e em russo; Capitulo III.
Anlise de dados: adjetivos em -vel (--) e nomes e adjetivos em -ista (-).
No Captulo I abordo os Fundamentos Tericos da Lingustica Contrastiva,
descrevendo a ligao da mesma com outras reas da lingustica, bem como os seus
mtodos e objetivos. Aponto, ainda, para a importncia da anlise contrastiva, fazendo
apelo a algumas bases tericas e metodolgicas, sobretudo as que dizem respeito s
diferentes concees relativas ao lugar da Lingustica Contrastiva e sua relao com
outras subdisciplinas lingusticas, sua importante aplicao na aprendizagem de
lnguas estrangeiras, na traduo e como um instrumento para uma melhor compreenso
da lngua materna.
Invoco a importncia da Lingustica Contrastiva na sua vertente prtica que se
deve ao crescente desenvolvimento do ensino das lnguas estrangeiras, nomeadamente
necessidade de expandir este tipo de ensino na era moderna, o que veio exigir estudos
lingusticos contrastivos.
8
O Captulo II est dividido em duas partes:
- a Parte 1 dedicada descrio da categoria adjetival nas lnguas portuguesa e
russa, dando um especial relevo aos traos divergentes;
- na Parte 2 descrevo e analiso a formao de adjetivos nas lnguas portuguesa e
russa, procurando assinalar as diferenas, bem como as semelhanas entre as duas
lnguas. Dentro dos processos de Formao de Palavras, tanto em russo como em
portugus, o mais frequente o da derivao e, dentro desta, o que origina mais palavras
a sufixao, onde se insere a formao dos adjetivos complexos que tratei nas duas
lnguas. Entre estes dois idiomas existem muitas diferenas a nvel das categorias
lingusticas. Contudo, na rea de Formao de Palavras e, em particular, na formao
dos adjetivos complexos podemos encontrar algumas caratersticas comuns, uma vez
que os processos de formao de palavras so os mesmos, isto , em ambas as lnguas
temos os processos de afixao / derivao e de composio;
O Captulo III est dividido em trs partes:
- a Parte 1 incide sobre o sufixo adjetival -vel (--);
- a Parte 2 sobre o sufixo nominal -ista (-);
- a Parte 3 incide sobre o impacto dos processos de interferncia na
aprendizagem de lnguas;
Tanto no caso das formaes em -vel, como no caso dos derivados em -ista,
descrevo e analiso estes sufixos nas lnguas portuguesa e russa, apresento as concees
de vrios autores relativamente a estes elementos derivacionais, analiso as bases que
servem para a formao de adjetivos em -vel e para nomes e adjetivos em -ista, discuto
a distribuio e a aplicao dos mesmos nas duas lnguas.
Com base no corpus de adjetivos complexos em -vel e em -ista das duas lnguas
constitudo especificamente para levar a cabo este estudo, procedo anlise detalhada
dos dados, tendo em considerao vrios aspetos lingusticos. Tento avaliar os casos de
correspondncia, seguindo o modelo do Sternin (2007), tendo em vista um melhor
entendimento das relaes entre os adjetivos portugueses e russos. Tambm analiso as
tradues de excertos de vrias obras literrias, efetuadas pelos alunos portugueses que
frequentam os nveis intermdio e avanado do russo, analiso as correspondncias e as
relaes interlingusticas.
9
De seguida apresento os resultados dos testes efetuados nas aulas de russo e
analiso a aplicao dos derivados em -vel e em -ista, investigo os desvios e os erros
ocorridos, tentando encontrar a explicao para tais ocorrncias e o caminho para a
resoluo de casos especficos.
Pelo facto de muitos adjetivos deverbais portugueses terem os seus
correspondentes no russo na forma de particpio, fao uma breve descrio desta
categoria em russo.
Ao finalizar este captulo fao uma breve descrio relativamente ao uso e
distribuio que feita aos adjetivos russos ao longo de aprendizagem de russo pelos
alunos de nveis intermdio e avanado dos cursos de russo. Para tal, elaborei um bloco
de exerccios que apliquei no decorrer destes cursos (cf. Anexo 3). Em resultado da
aplicao desses exerccios, nessa parte fao algumas observaes e apresento as
concluses relativamente aos assuntos acima referidos.
No final da dissertao so apresentadas as Consideraes Finais que constituem
o resumo geral das concluses feitas ao longo desta investigao.
CAPTULO I
LINGUSTICA CONTRASTIVA
13
A Lingustica Contrastiva uma cincia lingustica que compara e descreve duas
ou mais lnguas, fazendo a anlise de pontos comuns e/ou divergentes que podero
facilitar ou dificultar o processo de aprendizagem de uma lngua estrangeira. As
pesquisas recentes no campo da Lingustica Contrastiva so caraterizadas no apenas
pelo pluralismo de opinies no que diz respeito a metas e objetos de estudo, mas
tambm pela variedade de metodologias. No existe praticamente nenhum mtodo
lingustico, como tambm nenhuma teoria da lingustica que no tenha sido posta ao
servio dos estudos contrastivos.
A Lingustica Contrastiva apresenta-se como uma cincia com os seus objetivos
prprios, definidos atravs das bases e da sua metodologia especfica. As novas
tendncias e o desenvolvimento da Lingustica Contrastiva so atestados pelo nmero
crescente de diversas obras publicadas, que abrangem diferentes nveis, comeando pela
fonologia e acabando na teoria do texto.
A Lingustica Contrastiva envolve no campo dos seus interesses vrios aspetos
tratados por outros ramos como, por exemplo, a etnolingustica, a sociolingustica, a
psicolingustica, entre outros. Como consequncia da anlise contrastiva, surgem dados
importantes para a tipologia lingustica, a pedagogia, a teoria da traduo, a teoria do
texto e a lexicografia. Os resultados das descries contrastivas podem ser diretamente
introduzidos na prtica do ensino das lnguas.
A Lingustica Contrastiva afirma-se como uma das formas mais eficazes de
ligao entre a Lingustica Terica e a Lingustica Aplicada, na medida em que uma
rea onde se cruzam os caminhos da teoria e da prtica. A importncia da Lingustica
Contrastiva sobressai na crescente ateno que lhe conferida pelos linguistas de vrias
tendncias. Este facto deve-se aos seguintes aspetos:
- necessidade de encontrar, descrever e entender as caratersticas comuns dos
diferentes sistemas lingusticos;
- necessidade de descrever o quadro nacional do mundo dos falantes de vrias
lnguas;
- necessidade da melhoria dos dicionrios bilingues;
- ao alargamento da esfera de ensino das lnguas estrangeiras;
14
Os estudos contrastivos de vrias lnguas tm chamado a ateno dos
investigadores e dos especialistas, ao longo de vrios anos. Iartseva (1981:30) aponta
que Os autores dos primeiros dicionrios bilingues podem ser considerados como os
primeiros investigadores na rea de estudos contrastivos. Estes, sendo movidos pelos
incentivos prticos, procuraram correspondncias de palavras e conceitos de outras
lnguas na sua lngua materna. bvio que nos primrdios no existiam mtodos
contrastivos, como tambm no existia o prprio termo Lingustica Contrastiva, que
comeou a ser usado a partir de anos 60 do sculo XX.
Apesar de o trabalho em Lingustica Contrastiva ter existido ao longo do tempo,
ainda no existe uma unanimidade em relao ao estatuto desta rea dentro das cincias
da linguagem, como tambm no h concordncia em relao terminologia a ser
usada. Iartseva (1981:1), na introduo Gramtica Contrastiva, usa os termos:
lingustica comparativa, lingustica contrastiva, e ainda, lingustica
confrontativa. Outros, como por exemplo, Xavier e Mateus (1990), usam o termo
lingustica comparada, mtodo comparativo ou gramtica comparada.
Vandersen (1988), Vilela (1994), Almeida Filho (1995) e Casanova (2006) so alguns
dos linguistas lusfonos que se pronunciaram a favor do termo lingustica
contrastiva. Alguns linguistas russos, como Sternin (2007), usam o termo lingustica
contrastiva, Kashkin (2007) emprega, ainda, os termos contrastivstica e
comparativstica.
Na presente tese ser usado o termo lingustica contrastiva, que sublinha o
facto de que na comparao entre duas lnguas a lngua portuguesa e a lngua russa,
o foco da ateno ser centrado na descrio de aspetos de formao de palavras que
podem ser contrastados entre si.
Em Lingustica Contrastiva podem ser destacados os seguintes nveis/aspetos:
- anlise contrastiva da gramtica que representa a rea mais estudada em
Lingustica Contrastiva alguns dos investigadores que desenvolveram estudos
ligados a este nvel so, entre outros, Selinker (1972), Gak (1977), Iartseva
(1982), Vilela (1994), Casanova (2007); anlise contrastiva da fonologia:
Jakobson (1985), Velichkova (1989), Duarte (1999), Danilenko (2002), Prez
(2004);
15
- anlise contrastiva do lxico: Lado [1957] (1989), Casteleiro (1988), Zlenko
(2004), Sternin (2007);
- anlise contrastiva do texto e do discurso: Mathsius (1967), Kashkin (2007),
Volokhonskaia (2011);
Tendo como principal objetivo a anlise contrastiva das lnguas em geral, a
Lingustica Contrastiva inclui no seu mbito todos os nveis da lngua fonolgico,
morfolgico, sinttico e semntico. Por vezes, uma das lnguas envolvida no processo
dessa anlise chamada lngua padro ou lngua de partida, que, regra geral, a lngua
materna (L1) do investigador. Com a L1 comparada uma outra lngua estrangeira a
lngua de chegada (termo tambm da teoria da traduo) ou a lngua alvo (L2). So
destacadas as semelhanas, mas a maior ateno direciona-se para as diferenas. A
anlise contrastiva tambm pode ser efetuada partindo da L2 para L1, mas este percurso
acontece com menos frequncia. Na presente investigao, sendo o portugus a lngua
de partida na maioria dos casos e tambm a lngua materna dos participantes nos testes,
assumi-a como L1, mesmo sendo o russo a minha lngua materna.
Por norma, na anlise contrastiva so analisadas duas lnguas, mas tambm
possvel confrontar trs ou mais lnguas, especialmente quando se pretende uma
teorizao geral relativa a certos aspetos, procurando-se refletir sobre os traos
essenciais de todas as lnguas em estudo. As pesquisas sobre um material lingustico
concreto com base nos universais lingusticos revelam aquilo que foi realizado no
sistema de uma lngua especfica e tambm podem possibilitar as previses sobre um
desenvolvimento futuro dos fenmenos lingusticos. (Kashkin, 2007:6).
Para alm de vrios aspetos ligados linguagem, a Lingustica Contrastiva est
estreitamente ligada a algumas cincias no exclusivamente lingusticas. Em primeiro
lugar, destaca-se a psicologia, que desempenha um papel importante na aprendizagem
de lnguas estrangeiras (cf. Nemser [1975] 1989; James [1981] 1989). Em segundo
lugar, uma relevante importncia nos estudos contrastivos tm a traduo, a
etnopsicologia e a cultura.
Nas investigaes lingusticas relativas Formao de Palavras, os problemas e
teorias dos estudos contrastivos de lnguas pertencentes a vrias famlias de lnguas no
foram descritos de forma suficientemente ampla. Em contrapartida, um vasto nmero de
pesquisadores, entre os quais Zverev (1981), Ulukhanov (1984), Lopatin (1987),
16
Miloslavsky (1987), e muitos outros, desenvolveram os seus estudos de anlise
contrastiva de processos de formao de palavras em lnguas prximas. Penso, contudo,
que as teorias e as metodologias elaboradas pelos linguistas acima referidos podem ser
aplicadas tambm a uma anlise contrastiva na rea da formao de palavras em lnguas
distantes como, por exemplo, o caso do portugus e do russo.
Como se sabe, a Lingustica Contrastiva desenvolveu-se na segunda metade do
sc. XX. Nickel ([1971] 1989:351) observa que a Lingustica Contrastiva s surgiu
recentemente porque as observaes sobre as semelhanas e as diferenas num plano
contrastivo s foram sistematizadas nos ltimos anos. A novidade consiste no na ideia
de comparao das lnguas, mas na sistematizao desta comparao. Este autor
considera, portanto, que os resultados das descries contrastivas comearam a ser
sistematicamente introduzidos na prtica de ensino das lnguas, o que at ento no era
efetuado3.
No prefcio do livro de Di Pietro, Estruturas lingusticas em contraste (1971),
Bolinger aponta, que A Lingustica Contrastiva nasceu da experincia do ensino.
Qualquer professor sabe e qualquer aluno depressa se apercebe que a lngua materna
tem um impacto negativo na aprendizagem de certos aspetos da lngua estrangeira. Os
estudos contrastivos destinam-se a ajudar a entender a essncia da linguagem e as leis
que regem os processos lingusticos.
Mas, se a Lingustica Contrastiva teve como primeira prioridade o estudo da
aprendizagem de lnguas estrangeiras, convm lembrar que no se limitou a esse
objetivo. Shcherba ([1948] 1974), por exemplo, atribuiu uma grande importncia
Lingustica Contrastiva, no s como um instrumento para a aprendizagem de lnguas
estrangeiras mas tambm para uma melhor compreenso da lngua materna.
A comparao das lnguas (que constitui o principal objetivo de anlise na
Lingustica Contrastiva) quase to antiga como a prpria existncia da escrita. As
gramticas de qualquer lngua estrangeira, e tambm, por vezes, as gramticas da lngua
materna, foram feitas, conscientemente ou inconscientemente, em contexto de
comparao com uma outra lngua: a lngua materna, no primeiro caso, e uma lngua
prestigiante, segundo Gak (1989:5).
3 A primeira conferncia internacional dedicada s questes da Lingustica Contrastiva teve lugar em
Georgetown, EUA, em 1968, mas os problemas contrastivas comearam a ser abordadas
sistematicamente em congressos internacionais apenas a partir de 1972.
17
Muitos pesquisadores apontam que a Gramtica de Panini4 continha elementos
de comparao entre o snscrito e os elementos de Prakri-Ti falados e que as gramticas
europeias da poca do Renascimento - as primeiras gramticas das lnguas modernas
tero sido elaboradas, quase todas, com base na comparao das L1 com o grego ou
com o latim.
Efetuar a anlise contrastiva das lnguas a nvel gramatical e lexical inspirou
muitos investigadores, de vrias posies tericas, destacando-se, entre outros,
Mathesius [1928] (1989), James [1981] (1989), Gak (1977), Iartseva, (1981),
Kubriakova (1987), Helbig (1981), linguistas de renome, do passado e do presente.
Para a constituio da rea da Lingustica Contrastiva e para o facto da mesma se tornar
num importante domnio da anlise contriburam, entre outros, Lado [1957] (1989),
Skalichka [1962] (1989), Nickel [1971] (1989), Di Pietro [1971] (1989).
Na situao de contraste lingustico encontram-se, em primeiro lugar, os simples
utilizadores da lngua. A conscincia lingustica de cada indivduo, leva-o a tentar
entender se realmente numa lngua no russo, por exemplo, so usados todos os casos
e declinaes e como e quando tem de ser escolhido cada um em concreto. Ou ento,
como que se podem transmitir conceitos da L1 por exemplo, do portugus usando
meios da L2? Como exemplos mais marcantes de contraste lingustico ao nvel do
utilizador apresentam-se as reas da traduo e do estudo/ensino de lnguas estrangeiras.
Nesta perspetiva, o primeiro investigador da lingustica contrastiva o estudante, o
aluno, o professor ou o tradutor. Os resultados dessa comparao so expressos nos
textos (traduzidos ou originais) e nas criaes orais na lngua a ser estudada, incluindo
os erros. Estes ltimos surgem como estratgias lingusticas no comportamento de
cada utilizador, bem como nas representaes pessoais, nos mitos e nos equvocos sobre
a natureza geral da linguagem, das caratersticas particulares das diversas lnguas e das
suas diferenas. A tarefa do especialista, por um lado, ajudar o utilizador a ultrapassar
as dificuldades, e, por outro lado, descobrir como as dificuldades e os erros podem
4 Gramtica que ter sido criada oralmente, entre os sc. VI e II a.C., e que s decorridos alguns sculos
foi registada. Panini, por sua vez, teve predecessores, alguns dos quais so lembrados na dita gramtica,
mas essas obras no chegaram at ns. Por isso torna-se complicado definir em que questes Panini tem a
sua originalidade e onde que o autor seguiu a tradio. A Gramtica de Panini distingue-se por uma
terminologia bem definida (alguns termos ainda hoje esto em uso na Lingustica) e constitui uma
amostra de descrio rigorosa, formal e muito compacta, pois a natureza do texto oral exigia uma extrema
brevidade, visto que o texto se destinava a ser memorizado. considerada a primeira gramtica de uma
lngua produzida na histria da civilizao humana.
18
ajudar o prprio investigador a entender os processos e os contrastes lingusticos que se
estabelecem entre duas lnguas.
Segundo Meie (1954:11), a comparao pode ser aplicada para o alcance de
dois objetivos: para descobrir regras gerais de desenvolvimento e para obter dados
histricos. Da que a primeira rea lingustica que cientificamente fundamentou a
comparao tenha sido a Lingustica Histrica, apontada como tendo tido incio na
Alemanha, no princpio do sc. XIX e a que esto ligados os nomes de Bopp e Grimm, e
ainda Rask, na Dinamarca, e Vostokov5, na Rssia. Bopp, atravs do mtodo
comparativo, analisou a conjugao dos principais verbos em snscrito, grego, latim e
gtico, comparando as bases e as flexes, que, do ponto de vista metodolgico,
considerou mais importantes, pois a comparao das formas gramaticais servia-lhe
como uma garantia para uma interpretao correta das relaes interlnguas. A mesma
ideia foi desenvolvida por Rask. (Sternin, 2007:8-9).
Outro fundador do mtodo comparativo foi o linguista russo Vostokov que em
Pensamentos sobre a lngua eslava (1820), tentou estabelecer o lugar do eslavo antigo
no seio das lnguas eslavas. Zveguintsev (1964:52) observa que Vostokov comparou as
formas gramaticais das lnguas eslavas vivas com os dados do eslavo antigo e foi o
primeiro a apontar para a necessidade de se comparar os dados das lnguas mortas
com os das lnguas e dialetos modernos. Mais tarde, este aspeto tornou-se numa
condio crucial para os estudos de lingustica histrica e deu incio a uma nova etapa
da constituio e do desenvolvimento do mtodo diacrnico).
Uma valiosa contribuio para a fundamentao e para o desenvolvimento do
mtodo histrico-comparativo tiveram igualmente os linguistas Pott (1921) e os
trabalhos da escola romnica de Diez (1836-1838). Pott (1821) elaborou as tabelas
etimolgico - comparativas das lnguas indo - europeias e demonstrou a importncia da
anlise das correspondncias fonticas. Por sua vez, a escola romnica de Diez (1836-
1838) restaurou os tipos arcaicos do latim baseando-se nos exemplos das publicaes
em latim vulgar. A lingustica propriamente dita, que atribuiu ao mtodo contrastivo o
lugar que lhe corresponde exatamente, nasceu do estudo de lnguas romnicas e
germnicas. Os estudos romnicos inaugurados por Diez na sua Gramtica das lnguas
5Linguista russo, da primeira metade do sc. XIX, membro da Academia de Cincias Russa e da
Academia de Cincia de Petersburgo.
19
romnicas (1836 -1838) contriburam particularmente para a atribuio lingustica do
seu objetivo real. (Saussure, [1916] 1993:68).
Zveguintsev (1964:238) no deixa de invocar a importncia das investigaes de
alguns linguistas russos, afirmando, por exemplo que Tambm os trabalhos de
Fortunatov6 sobre a relao entre o francs e outras lnguas da famlia de lnguas
romnicas e o papel crucial do latim, e, igualmente, a relao entre as lnguas eslavas
modernas e o eslavo antigo, enriqueceram o mtodo histrico-comparativo
Para os linguistas do sc. XIX incio do sc. XX, a existncia de uma lngua-
me tornou-se gradualmente no em algo at a procurado, mas numa ferramenta
tcnica, necessria para o estudo de lnguas modernas, um modelo hipottico, ao qual o
investigador recorre no processo de anlise histrico - comparativa.
Os trabalhos do tipo que at aqui referimos viriam a dar origem Lingustica
Histrica, a qual vai muito alm do estudo de factos isolados comuns a lnguas
prximas, tratando e discutindo, por exemplo, a reconstruo de formas antigas, comuns
s lnguas em estudo.
Embora nalguns pontos se possam interligar, os mtodos e os problemas
abordados pela Lingustica Histrica diferem, no entanto, dos mtodos e questes
estudadas em Lingustica Contrastiva. No mtodo histrico - comparativo analisam-se
as lnguas a fim de, entre outros objetivos, se traar as suas ligaes genticas. A
Lingustica Contrastiva compara as lnguas, tendo, essencialmente, um objetivo
aplicado melhorar e aumentar a eficcia de ensino de lnguas. A Lingustica
Contrastiva aborda, assim, uma gama de questes lingusticas muito diferentes daquelas
que so discutidas pela Lingustica Histrica, recorrendo, naturalmente, a diferentes
mtodos da Lingustica Histrica, como , entre outros, a descrio, a abordagem
diacrnica de alguns aspetos especficos e as mudanas relativamente aos elementos da
palavra, a descrio das relaes entre vrios itens que se alteram no decorrer do tempo,
etc.
6Um dos maiores linguistas da Rssia pr-revolucionria, professor universitrio, terico na rea dos
estudos gramaticais, fundador da escola lingustica formal (ou escola fortunatov); investigou a
histria do indo-ariano, analisou as lnguas blticas, eslavas e outras lnguas indo-europeias.
20
1.1. Lingustica Contrastiva e Tipologia Lingustica
Fruto da comparao entre lnguas, dentro da Lingustica Histrica, na primeira
metade do sc. XIX, e ligado essencialmente aos nomes de F. won Schlegel (1808), e
Humboldt (1839), temos o estabelecimento da Tipologia Lingustica. A Tipologia
Lingustica uma subdisciplina lingustica que estuda os padres lingusticos
encontrados na anlise comparativa de vrias lnguas, sem invocar a ligao gentica
das mesmas com o objetivo de propor implicaes universais, reunidas em tipos.
Muito genericamente, as classificaes tipolgicas propostas subdividem todas
as lnguas em dois grupos:
- flexionais, com duas tendncias de desenvolvimento da estrutura
gramatical: sinttica e analtica (portugus, russo, alemo, romeno);
- amrficas (mandarim, vietnamita, birmans);
Foi igualmente desenvolvido um sistema de classificao das lnguas do mundo,
em que cada lngua pode ser colocada em conformidade com o uso de meios
gramaticais. Assim, podemos falar de lnguas:
- sintticas (turco, lnguas fino-hngaras, mongol);
- analticas (ingls, francs, blgaro);
- flexionais (latim, alemo, polaco);
- aglutinativas (coreano, japons, turco);
- tonais (bantu, chins, vietnamita);
- isoladas (basco, albans);
Pottier ([1968] 1989:187) aponta trs objetivos principais da Tipologia
Lingustica:
1. encontrar o trao tipolgico (que constitui a base para a comparao das
lnguas);
2. caraterizar a lngua conforme o trao tipolgico;
3. definir o lugar de uma lngua em concreto no meio de outras lnguas
atravs do trao tipolgico;
21
Quando falamos em Tipologia Lingustica, preciso ter em considerao que a
classificao pode ser feita numa abordagem sincrnica, sem qualquer referncia
histria desses lnguas. Por exemplo, duas lnguas, uma das quais pertence famlia de
lnguas blticas e a outra famlia de lnguas turcas, que no tm uma ligao gentica
entre si, podem estar no mesmo grupo tipolgico.
A classificao tipolgica tambm pode ser feita atravs da considerao de
outros aspetos como sejam os sintticos, fonticos ou semnticos, j que a distribuio
lexical se tem verificado pouco satisfatria.
Na Lingustica Contrastiva analisam-se, por vezes, aspetos lingusticos de
lnguas tipologicamente diferentes, por isso inevitvel a confrontao com questes de
tipologia geral. Iartseva (1981) chama a ateno para o facto de alguns linguistas no
fazerem a distino entre estes dois tipos de investigao. Na opinio da autora, em
muitos casos, usando os materiais da anlise tipolgica das lnguas, a Lingustica
Contrastiva, e dentro desta, em primeiro lugar, a gramtica contrastiva, tem a sua zona
de investigao e os seus objetivos bem definidos. Obviamente que surge a questo
sobre os pontos comuns da tipologia lingustica e da gramtica contrastiva (Iartseva,
1981:12).
A abordagem sistemtica dos fenmenos lingusticos manifesta-se na convico
dos investigadores de que a comparao de certas formas escolhidas se apresenta pouco
significativa, porque ao usar este mtodo pode-se apenas constatar que alguns aspetos
lingusticos so comuns e outros so diferentes. Por isso necessrio fazer a
comparao entre fenmenos categoriais que tm um valor relevante para o sistema
lingustico. Neste tipo de anlise lingustica, preciso ter em conta as categorias lxico-
gramaticais (partes do discurso) existentes na lngua e a sua inter-relao, a realizao
das relaes subjetivas e objetivas, o tipo de caratersticas locais e temporais da ao,
etc.
Iartseva (1981:29) observa que se vamos considerar que a gramtica contrastiva
serve para identificar e comparar algo distinto baseando-se em algo comum,
reparamos que as investigaes de carter tipolgico podem fornecer materiais para a
deteo de traos comuns nas lnguas comparadas.
Na anlise contrastiva de duas ou mais lnguas tem de se ter sempre em conta o
que considerado comum no plano estrutural ou semntico. Caso contrrio, perde-se o
22
quadro complexo do sistema de relaes dentro de cada lngua em anlise e a deteo de
caratersticas distintas das lnguas comparadas resumir-se- a uma listagem dos
fenmenos nicos. Mesmo no sendo caratersticas universais, existem muitos traos
que qualificam uma ou outra categoria gramatical, independentemente do facto de
serem usados na comparao materiais de lnguas prximas ou afastadas. Como
exemplo, Iartseva (1981:20) refere-se a Ultan (1972), que analisou a categoria temporal
de futuro em mais de cinquenta lnguas, muito diferentes em relao ao seu sistema
estrutural e pelas suas origens genticas.
1.2. Lingustica Contrastiva e Universais Lingusticos
Com base nos estudos tipolgicos, deu-se incio ao debate dos universais
lingusticos, inaugurando-se aquilo que designado por alguns linguistas como
Lingustica Universal. Na Lingustica Universal estudam-se propriedades lingusticas
inerentes a linguagem humana como um todo, dando-se possibilidade de serem
identificadas caratersticas universais da linguagem, que servem de um dos pr-
requisitos mais importantes para o desenvolvimento das teorias lingusticas atuais. A
teoria dos universais lingusticos desenvolveu-se com maior fora na segunda metade
do sc. XX, em paralelo com a Lingustica Contrastiva. Tendo como um dos seus
objetivos a anlise e a descrio diacrnica e sincrnica das particularidades estruturais
das lnguas, a teoria dos universais lingusticos desempanha um papel muito importante
para a Lingustica Contrastiva.
Como j foi referido, a Lingustica Contrastiva, e em particular a gramtica
contrastiva, relaciona-se com a Tipologia Lingustica e, atravs desta ligao, aproxima-
se de questes debatidas na teoria dos universais lingusticos. Na Lingustica Universal
analisam-se qualidades inerentes a todas as lnguas ou maioria delas, que servem para
deduzir e perceber padres universais, comuns a todas as lnguas ou sua maioria
absoluta (Uspensky, 1965:181).
A Lingustica Universal pretende estudar todas as lnguas do mundo,
pertencentes s vrias famlias de lnguas, para identificar os fenmenos lingusticos que
ocorrem em vrias lnguas. Esta rea da lingustica tem dado uma contribuio
importante para o entendimento da natureza da linguagem humana e dos seus
mecanismos. A Lingustica Universal visa identificar os elementos comuns, deixando de
23
lado os traos especficos, pois assume a hiptese de que todas as lnguas so produto
de uma faculdade de linguagem uniforme e especfica da espcie humana (Houaiss,
2005).
Sobre a Lingustica Universal muito se tem escrito e no pretendo, de maneira
alguma, enumerar todos os especialistas que trabalharam nesta rea. Interessa-me referir
os estudos dedicados s categorias universais que se inserem na rea da formao de
palavras, que so muito importantes para o desenvolvimento de mtodos e de
metodologias contrastivas, uma vez que as lnguas do mundo tm muito em comum na
rea de formao de palavras (Serebrennikov, 1972:37) e em vrias lnguas, existem
semelhanas marcantes nos processos morfolgicos de formao de palavras (Berezin,
Golovin, 1979:360).
Di Pietro [1978] (1989:91) afirma que para o alcance de um nvel correlativo na
anlise contrastiva apresenta-se crucial a hiptese de que todas as lnguas existentes so
divididas atravs de um nmero de caratersticas relevantes comuns. Se no existisse
esta concordncia nas estruturas e nos processos gramaticais, no havia nenhum ponto
de partida para a formulao de conceitos contrastivos. De uma alternativa para a
descoberta dos universais lingusticos na anlise contrastiva serve a lista de paradigmas
em contraste e de descries isoladas, que no tm interligaes nas lnguas
comparadas.
1.3. Lingustica Contrastiva e Lingustica Comparada
A partir das investigaes na rea dos universais lingusticos, tambm se
preparou tereno para o desenvolvimento da Lingustica Comparada (tambm designada
por gramtica comparada ou comparativa), a misso da qual se centra no estudo de
micro sistemas lingusticos semelhantes em lnguas prximas. No seu mbito podem ser
analisadas vrias lnguas, em diversas etapas histricas. O objetivo principal da
Lingustica Comparada foca-se na anlise das semelhanas e diferenas de campos
lingusticos em lnguas diferentes; os mesmos microssistemas so analisados
separadamente e s depois os resultados da pesquisa so comparados. Na anlise
comparativa verifica-se a especificidade da organizao sistmica do mesmo micro
sistema nas lnguas analisadas, encontrando-se o ncleo e a periferia dos campos
lingusticos (Sternin, 2007:17).
24
Com frequncia, os investigadores da rea de Lingustica Comparada apontam
as possibilidades de aplicaes prticas do mtodo comparativo no ensino de lnguas.
Mas a prtica de ensino nem sempre est interessada na organizao sistmica dos
microssistemas ou na hierarquia dos elementos, pois isso, tradicionalmente, no faz
parte de tal mbito. A Lingustica Comparada fornece material para o ensino de lnguas,
mas os resultados da anlise comparada no podem ser sempre totalmente usados, pois
nos processos de ensino no se usam, por exemplo, sistemas lexicais na sua totalidade,
mas apenas elementos parcelares em funo do objetivo de um determinado processo,
numa etapa concreta. Para usar os dados da Lingustica Comparada, o professor deve
compreender, dividir e dar a matria da forma que mais favorea o ensino. Por isso, a
Lingustica Comparada acaba por assumir um carter principalmente terico.
Uma aplicao muito mais prtica e ligada diretamente ao ensino tem a
Lingustica Contrastiva, como j foi referido, a principal causa do surgimento da qual
foi o alargamento de ensino de lnguas estrangeiras.
Como j foi referido, a Lingustica Contrastiva desenvolveu-se a partir dos anos
60 do sc. XX e foi sobretudo com Robert Lado que a lingustica comeou a sentir a
necessidade de fazer contrastar sistematicamente duas lnguas: a lngua materna e uma
lngua estrangeira. A teoria de Lado fundamentou-se, em grande medida, nas ideias de
Fries relativamente s bases lingusticas de ensino do Ingls. De acordo com Fries,
citado por Iartseva (1981:6), Os materiais mais eficientes so aqueles que so baseados
numa descrio cientfica da lngua que est a ser aprendida, em constante comparao
com os resultados da descrio paralela dos aspetos lingusticos da lngua materna do
aluno. No h dvida de que o desenvolvimento da Lingustica Contrastiva teve um
impacto positivo no ensino de lnguas estrangeiras. Shcherba ([1948] 1974) aponta a
necessidade de uma comparao bilateral da lngua estrangeira com a lngua materna e,
por sua vez, da lngua materna com a lngua estrangeira. Esta abordagem proporciona
um mtodo verdadeiramente lingustico e muito mais substancial (Shcherba, [1948]
1974).
Apesar de, frequentemente, a Lingustica Contrastiva ser identificada com a
Lingustica Comparada, existem, contudo, vrios aspetos que permitem distinguir estes
ramos da cincia da linguagem.
As principais diferenas entre a Lingustica Comparada e a Lingustica
Contrastiva so, ento, as seguintes:
25
-na Lingustica Contrastiva analisam-se no quaisquer lnguas e no numa
quantidade indefinida, mas principalmente duas, e muito mais raramente trs
lnguas: a lngua materna e uma ou duas lnguas estrangeiras.
-na Lingustica Contrastiva so estudados elementos e fenmenos especficos
nas lnguas em anlise.
-na Lingustica Contrastiva, os estudos realizam-se conjuntamente em cada
lngua e depois submetem-se comparao.
A Lingustica Contrastiva centra-se na revelao de diferenas e semelhanas
entre os subsistemas lingusticos e na identificao das diferenas das unidades de uma
lngua, em comparao com as suas possveis correspondncias num idioma diferente,
num plano sincrnico.
Na Lingustica Comparada a anlise feita, essencialmente, do ponto de vista
histrico-comparativo e entre lnguas geneticamente prximas. O objetivo destes
estudos centra-se na reconstruo da lngua-me, atravs da comparao consecutiva
entre lnguas prximas e entre os dialetos das mesmas, tendo em conta as semelhanas e
as diferenas nos diversos nveis. A Lingustica Comparada analisa as relaes
tipolgicas e genticas entre vrias lnguas. Os resultados destes estudos tm uma
importncia terica relevante, mais do que prtica.
1.4. Objetivos da Lingustica Contrastiva
Os objetivos da Lingustica Contrastiva no se limitam unicamente ao ensino das
lnguas. Os estudos contrastivos ajudam a obter informaes sobre a essncia dos
processos lingusticos e proporcionam uma compreenso mais profunda das regras que
regem esses processos. Por isso, a Lingustica Contrastiva surge como uma rea, onde
se cruzam os caminhos da teoria e da prtica. Na opinio de Zalevskaia (1996:23) esta
ligao multidirecional.
Em primeiro lugar, a anlise do material real e a avaliao crtica dos conceitos
possibilitam aferir, num novo espetro, consideraes cientficas sobre a natureza dos
elementos comparados.
Em segundo lugar, a anlise contrastiva apresenta material para a tipologia
lingustica e, atravs desta, para os universais lingusticos. Assume-se que uma anlise
26
lingustica baseada na comparao constitui um dos mais importantes princpios do
conhecimento.
Em terceiro lugar, a descrio contrastiva dos sistemas das vrias combinaes
de lnguas permite realizar a avaliao qualitativa e quantitativa dos elementos dos
sistemas em questo. A anlise contrastiva pode introduzir uma nova dimenso nas
investigaes da cada uma das lnguas comparadas (Zalevskaia, 1996:22).
De acordo com Viliuman e Soboleva (1979:3), estudos deste tipo favorecem a
criao de uma mega lngua universal, por intermdio da qual ser possvel medir o
grau de aproximao e de afastamento, semelhanas ou diferenas dos fatores de vrias
lnguas.
Gorodetsky (1969:455) nota que os resultados alcanados pela Lingustica
Contrastiva apresentam de um ponto de vista novo algumas teses da psicologia, pois na
semntica de vrias lnguas, de modo diferente, cruzam-se as tendncias multisseculares
da atividade humana. Para alm disso, a psicologia ocupa um lugar de destaque no
ensino de lnguas estrangeiras e aqui que a Lingustica Contrastiva se liga diretamente
com ela (Nemser, [1975] 1989:140). Assim, Nemser, tal como James
([1981] 1989:307), reala a ligao entre a Lingustica Contrastiva e a psicologia e com
a histria da cultura, o que demonstra o estatuto da Lingustica Contrastiva enquanto elo
de ligao entre a Lingustica Fundamental e os aspetos prticos da lingustica (i.e., da
Lingustica Aplicada).
James ([1981] 1989:205-307) considera que a teoria da traduo e a anlise dos
erros muito tm beneficiado da anlise contrastiva. Na medida em que a Lingustica
Contrastiva surgiu do ensino de lnguas est, por isso, estreitamente ligada ao ensino,
desenvolvendo teorias que contribuem para o aprofundamento dos mtodos de ensino
de lnguas.
Este ltimo aspeto deixa muitas questes para resolver, pois entre os linguistas
no existe um consenso sobre o papel da anlise contrastiva no processo de ensino de
uma lngua estrangeira. Nickel ([1971] 1989:350-366), Catford ([1964] 1989:366-386) e
Gass ([1984] 1989:386-410) consideram que a anlise contrastiva indispensvel no
ensino de lnguas e que torna possvel prever as zonas de provveis erros e de
interferncias, e tambm ajuda na compreenso da aquisio da linguagem. Outros
linguistas consideram que o seu papel no ensino de lnguas exagerado. Assim, Nemser
27
([1975] 1989:128-144) pressupe que no processo de aprendizagem de uma L2 os
alunos adquirem uma interlngua, que representa um sistema que incorpora elementos
da lngua materna e, ao mesmo tempo, elementos j adquiridos da L2. Neste caso, as
interferncias surgem como uma assimilao dos elementos previamente adquiridos da
L2 e no partem da L1. Como prova disso, Nemser considera os erros similares
cometidos na mesma L2 por alunos que tm mais do que uma L1.
Os aspetos referidos por Nemser foram verificados na minha investigao
quando analisei as tradues e os testes efetuados (cf. Captulo 3) onde, para alm das
interferncias da lngua materna se verificaram algumas assimilaes aos modelos de
uma outra lngua estrangeira (na maioria dos casos, o ingls) dominada pelos
participantes nos testes efetuados.
A anlise feita em Lingustica Contrastiva apresenta-se, para alguns, como uma
tentativa de previso das reaes dos alunos em situaes concretas. Segundo Filipovic,
citado por Iartseva (1989:7), O conhecimento da lngua de partida deixa a sua marca na
lngua de chegada. Onde as estruturas lingusticas da lngua de partida e da lngua de
chegada coincidem, formal e semanticamente, o processo de aprendizagem fica
facilitado.
Na descrio de uma lngua, os linguistas tm em mente o esquema habitual da
L1 ou de qualquer outra lngua, com a qual inconscientemente esto a comparar factos
da lngua que est a ser estudada. Mas aqui surge a pergunta: se os resultados
alcanados pela Lingustica Contrastiva servem para a prtica de ensino de lnguas, ser
que existe uma relao contrria, ou seja, ser que as observaes obtidas ao longo do
ensino de lnguas servem para a teoria da Lingustica Contrastiva? A resposta parece
bvia: as necessidades da prtica estimulam a pesquisa cientfica. Ao comparar duas
lnguas, como um fator muito importante apresentam-se os casos em que no existe uma
analogia completa nas duas lnguas, ou os fatores que possuem um ndice de frequncia
diferente, ou mesmo no existente numa das lnguas. A comparao das lnguas torna-se
frutuosa quando existe, pelo menos, um elemento comum na sua estrutura. No h
muito interesse num estudo contrastivo quando constantemente se verifica que as
lnguas em questo no tm elementos comuns. No estudo das lnguas, a comparao
dos fenmenos tpicos pode ser baseada em vrios aspetos. Iartseva (1981:9) observa
que no incio do sc. XIX apontava-se para a similaridade gentica, i.e., para a
similaridade da matria que estava a ser explicada pela origem comum desta matria.
28
Por isso, as investigaes baseavam-se na comparao entre lnguas da mesma famlia
lingustica.
Um outro tipo de semelhanas so as semelhanas funcionais, como a presena
de traos comuns no prprio tipo de transmisso de significado gramatical. Este tipo de
semelhanas no est obrigatoriamente ligado s semelhanas genticas: por exemplo,
em ingls e kazakho, ou em francs e tunguss, para a ideia de transmisso de uma ao
demorada, na qualidade de verbo de ligao, usam-se os verbos de movimento ou outros
verbos semelhantes.
O terceiro tipo de semelhanas pode ser denominado como semelhanas entre os
elementos da estrutura ou dos mecanismos de transmisso das categorias gramaticais.
Na anlise de material lingustico preciso ter em conta as diferenas da estrutura da
lngua que est a ser comparada, por exemplo, uma lngua flexional com uma lngua
no-flexional.
Assim, na anlise contrastiva das lnguas no se podem comparar em simultneo
todos os fatores lingusticos, pois a especificidade de cada um exige uma abordagem
particular.
Como referi anteriormente, a Lingustica Contrastiva tem como principal
objetivo o estudo completo e multilateral das estruturas lingusticas e das regras que as
regem, com base numa anlise contrastiva das lnguas. Para alcanar este objetivo, tm
de ser ultrapassados uma srie de problemas tericos, aliados a vrios objetivos prticos.
De forma resumida, relativamente teorizao so considerados os seguintes
aspetos:
- identificao das semelhanas e das diferenas lingusticas (aspetos
interlinguais);
- identificao das semelhanas tipolgicas e das caratersticas da organizao
estrutural, das relaes e interaes dos elementos das estruturas;
- revelao das tendncias e dos padres comuns s lnguas analisadas;
- determinao dos equivalentes interlinguais;
- identificao do enriquecimento e interao bilateral (no caso de contacto
constante);
29
- identificao, sempre que possvel, das principais causas de semelhanas e
diferenas;
- verificao das caratersticas universais, deduzidas com base na anlise
contrastiva;
Ao nvel dos objetivos prticos evidenciam-se os seguintes:
- determinao do carter das interferncias e transferncias;
- identificao das dificuldades nos estudos da lngua no-materna, decorrentes
da presena de diferenas lingusticas;
- definio dos limites do uso da anlise contrastiva como mtodo de ensino de
lnguas estrangeiras;
- identificao das convergncias e das divergncias na utilizao de recursos
lingusticos por vrias lnguas;
Concluindo, a partir dos fatores acima enumerados, a Lingustica Contrastiva
permite definir melhor as caratersticas de cada uma das lnguas contrastadas, que
podem no ser assinaladas pelos pesquisadores num estudo meramente interno de
uma determinada lngua. A Lingustica Contrastiva est diretamente relacionada, em
primeiro lugar, com o ensino de lnguas estrangeiras, permitindo antecipar e superar as
interferncias indesejadas da lngua materna; em segundo lugar, relaciona-se com a
teoria da traduo, para a qual fornece uma slida base lingustica. E, por ltimo, e
como j foi referido, a Lingustica Contrastiva fornece material para a tipologia de
lnguas, tendo tambm como seu objetivo a identificao dos universais lingusticos.
1.5. Classificao dos estudos contrastivos
Como vimos anteriormente, os estudos contrastivos podem assumir vrias
formas e ter objetivos diferentes. Por isso, Gak (1989:10) prope a classificao dos
estudos contrastivos atravs dos seguintes parmetros:
- objeto de estudo;
- orientao;
- nvel de anlise;
- finalidade do estudo;
30
Como objeto de um estudo contrastivo podemos ter unidades de vrios nveis de
anlise: os fonemas, os morfemas, as palavras, at os textos. Como j foi referido, os
estudos contrastivos podem ser realizados no apenas entre duas lnguas, mas entre trs
e mais. Evidentemente que a anlise entre vrias lnguas apresenta-se ainda mais
complexa, do que entre pares de lnguas.
Dependendo dos objetivos concretos, a orientao dos estudos contrastivos pode
ser de dois tipos, segundo Sternemann ([1983] 1989:144):
- bilateral (ou multilateral);
- unilateral;
Os dois tipos permitem entender as particularidades lingusticas muito mais
profundamente do que seria possvel no estudo de uma s lngua.
No primeiro caso, de base para comparao serve o terceiro elemento
tertium comparationis analisando-se os meios de expresso em duas ou mais lnguas.
No segundo caso, na anlise contrastiva revela-se o contedo de uma forma
concreta numa das lnguas e verificam-se os meios de transmisso em outras lnguas.
Os estudos contrastivos diferem em relao ao nvel de anlise contrastiva.
Como j foi referido, Robert Lado ([1957] 1989:32-63) definiu trs nveis na
abordagem contrastiva: significado, forma e distribuio. Por distribuio, Lado ([1957]
1981:35) entende no apenas o ambiente formal da palavra, mas tambm o seu uso
em determinados contextos e situaes. A semelhana formal e a diferena semntica e
de distribuio das palavras da lngua materna numa lngua estrangeira representam
uma das maiores dificuldades na aquisio do vocabulrio de um idioma novo. As
interferncias lexicais so caraterizadas por emprstimo de formas da lngua materna
que so introduzidas numa lngua estrangeira como resultado da falta de conhecimento
ou por ignorncia.
Coseriu ([1978] 1989:63-82) distingue os nveis de anlise contrastiva
decorrentes dos nveis de realizao lingustica. Este autor diferencia:
- o tipo de linguagem;
- o sistema de linguagem;
- as normas lingusticas;
31
- o funcionamento de elementos lingusticos dentro do texto;
Para o autor, possvel comparar as lnguas em qualquer um destes nveis.
Contudo, para a teoria e prtica da traduo, por exemplo, a mais relevante apresenta-se
como sendo a anlise contrastiva ao nvel textual, quando revelada a unio das
funes de vrios elementos, que ocupam posies diferentes nos nveis do sistema
lingustico.
Prximo deste esquema est Di Pietro ([1971] 1989:82-122), que prope a
distino entre a anlise contrastiva em termos de competncia e em termos de
performance. O plano da competncia inclui o tipo, o sistema e as normas da
linguagem. O plano da performance diz respeito explorao dos recursos lingusticos.
Em relao finalidade da anlise contrastiva, esta pode destinar-se descrio
de lnguas numa perspetiva tipolgica, pode ser orientada para a traduo ou para o
ensino de lnguas.
1.6. Mtodos da Lingustica Contrastiva
O estudo do sistema lingustico como um todo e de microssistemas da lngua,
em particular, pelos vrios investigadores da rea de lingustica, no contexto de uma
tendncia para a unificao e a sistematizao da informao recolhida, levou ao
desenvolvimento de vrios mtodos de estudo da lngua, os quais tm sido, por vezes,
utilizados de forma diferente. A variedade de mtodos deve-se, em parte, diversidade
de abordagens, umas sincrnicas e outras diacrnicas.
A Lingustica Contrastiva criou os seus prprios meios de conhecimento e de
descrio de aspetos e fatores da linguagem. Mas, como sabido, qualquer lngua um
sistema complexo e multifacetado, que tem uma estrutura que se divide em vrios nveis
e cada nvel constitudo pelas suas prprias unidades, cuja investigao requer o
desenvolvimento de mtodos especficos.
De entre os nveis lingusticos fonolgico, morfolgico, sinttico e lexical, a
condio mais importante para a fecundidade de um estudo analtico a escolha correta
da unidade de medida, atravs da qual feita a dissecao da matria em estudo
(Iartseva, 1981:51).
32
Shcherba, citado por Iartseva (1989:4-6), fez uma descrio bastante ampla
acerca da natureza dos mtodos contrastivos, que se resume ao seguinte:
1. A essncia da anlise contrastiva constituda por um conjunto de mtodos,
que mostram a identidade histrica ou a proximidade de palavras ou de
morfemas, quando essa identidade no bem bvia. Os mtodos deste conjunto
so, em geral, idnticos, tanto num plano monolingue, com num plano
multilingue e igualmente, tanto num plano sincrnico, como num plano
diacrnico, e permitem, at certo ponto, recuperar a histria das palavras de uma
lngua. Estes mtodos baseiam-se nas correspondncias e nas alternncias
(fonolgicas) e tambm nas regras de formao de palavras.
2. O mtodo contrastivo constitudo por uma srie especial de tcnicas que,
atravs do estudo de correspondncias e de alteraes fonticas, permite
recuperar de uma ou outra forma a histria de um idioma.
3. A aplicao do mtodo contrastivo, na maioria dos casos, no implica uma
explicao diacrnica das semelhanas lingusticas.
Um dos mtodos mais eficazes da anlise contrastiva das lnguas revela-se na
anlise paralela de textos7 tendo, ultimamente, surgido uma nova rea - a rea de
anlise de erros. Em Lingustica, e na Lingustica Contrastiva, em particular, os erros
dos falantes no s no so condenados como constituem um amplo campo de estudo.
Nem o professor de lnguas estrangeiras, nem o investigador em lingustica
devem reagir perante os erros com desprezo, como se fosse um mal do qual se deve
livrar a qualquer preo, no repetindo aos alunos o slogan trivial No cometa erros!.
Os erros, na maioria parte dos casos, so resultado da coliso, na conscincia
do aprendente, de dois sistemas lingusticos. Por isso, mais apropriado falar no em
erros, mas sim em desvios no comportamento lingustico.
Por outras palavras, os investigadores devero estudar as interferncias8
lingusticas no processo de uso em paralelo ou em alternncia de duas lnguas. A
interferncia pode ser observada em vrios casos sendo, frequentemente, resultante de
fatores sistemticos e no puramente ocasionais. Mas nem sempre os erros so o
7 A confrontao de contedos semelhantes remonta comparao de textos cannicos da Bblia e das
suas tradues para vrias lnguas vernculas (harmonia linguarum). No famoso Mitridad, de Konrad von
Gsner (1555) foram recolhidos textos do Pai Nosso em 25 lnguas. 8 O conceito de Interferncia ser tratado mais adiante.
33
resultado da interferncia da L1 na L2. Muitos erros so devidos estrutura
interlingustica da prpria L2. Na situao de bilinguismo artificial lidamos com a
coliso de dois sistemas lingusticos diferentes. Muitas vezes o aprendente usa, ento,
uma linguagem intermdia com as suas prprias regras.
Nalguns casos, as formaes de uma lngua podem ser tomadas de emprstimo
pela outra lngua, subordinando-se ao contedo, s formas e distribuio da segunda.
O importante que as lnguas no representam sistemas fechados e no podem tomar de
emprstimo nada que no possa ser expresso pelos meios j existentes na outra lngua.
Isso permite-nos afirmar que, praticamente em qualquer lngua do mundo, podemos
encontrar maneira de realizar particularidades de uma outra lngua.
Independentemente dos mtodos, consensual que os estudos contrastivos
devem ser devidamente enquadrados teoricamente, com recurso a uma terminologia
prpria.
1.7. Lugar da Lingustica Contrastiva dentro da Lingustica Geral
Em funo da finalidade e do objeto de estudo, distinguem-se vrios ramos da
lingustica que recorrem comparao, como por exemplo a Lingustica Histrica, a
Dialetologia, a Lingustica Contrastiva e a Tipologia Lingustica.
Uma questo muito discutida diz respeito s demarcaes entre a Lingustica
Contrastiva e a Tipologia Lingustica, ou, pelo contrrio, s suas inter-relaes. Skalicka
([1962] 1989:27-32) explica-nos as diferenas destas duas reas da seguinte forma: A
tipologia toma como base de comparao componentes individuais do sistema
lingustico, mas analisa-os em todas as lnguas, ou, na medida das possibilidades, num
nmero amplo de lnguas. A Lingustica Contrastiva compara duas lnguas, mas atravs
de todos os elementos do sistema.
Alguns autores (Arakin, 1979, Zelenetsky, 1983) veem a relao entre a
Lingustica Contrastiva e a Tipologia Lingustica no facto de a Tipologia ser mais
abstrata e a Lingustica Contrastiva mais concreta: a Lingustica Contrastiva fornece
material para a Tipologia, enquanto a Tipologia proporciona Lingustica Contrastiva
os meios para a explicao das semelhanas e diferenas.
34
Assumindo que, apesar de cada lngua ter a sua prpria individualidade, e que
todas as lnguas tm propriedades comuns para que possam ser comparadas e
classificadas, interessa saber no s qual a natureza da anlise contrastiva enquanto
disciplina lingustica, como tambm onde situ-la dentro da Lingustica Geral.
A Lingustica Contrastiva , para alguns, uma disciplina terica, enquanto para
outros ela tem uma vertente sobretudo aplicada. James ([1981] 1989:210) cita Corder
(1973) que considera que o especialista em lingustica aplicada um consumidor ou
utilizador de teorias, e no um produtor. Segundo James ([1981] 1989:210), alguns
linguistas, entre os quais Johnson (1970) e Lamendella (1970), foram mais categricos
do que Corder: eles levantaram a questo sobre a utilidade das pesquisas visando a
aplicao aos problemas de ensino de lnguas, argumentando que isso no traz nenhuma
contribuio significativa para a resoluo destes problemas. Tambm Chomsky
([1968] 1972:36) nega qualquer relao direta entre a teoria lingustica e o ensino de
lnguas. Do mesmo modo, Wilkins (1972:224), ao falar sobre a capacidade da
lingustica de influenciar o processo de ensino de lnguas, subestima o termo
lingustica aplicada. Politzer (1972:15) assume uma posio menos extrema,
afirmando que a lingustica aplicada representa, no fundo, uma tradio; um meio de
utilizao do sistema de conceitos da lingustica para a formulao e a resoluo dos
problemas de ensino.
James ([1981] 1989:205-307) tem uma posio oposta e tenta demonstrar que a
Lingustica Aplicada existe como uma cincia. Com esta afirmao, James junta-se a
Malmberg (1970:3-18), para quem as cincias aplicadas podem e devem ser
consideradas como cincias independentes. Apesar desta considerao, James no
deixa de ressalvar o carter hbrido de certas vertentes aplicadas, na medida em que,
para alm da lingustica, elas contemplam tambm a psicologia e a sociologia. James
([1981] 1989:207) observa que no existe nem um postulado da lingustica aplicada
que se baseie apenas em teorias lingusticas puras; em todas as teorias da lingustica
aplicada esto includas teorias da psicologia e da sociologia.
Wandruszka (1969) aponta que a Lingustica Contrastiva desenvolve
investigao interlingustica, tendo, por isso, muitos traos comuns com o estudo do
bilinguismo. O estudo sobre o bilinguismo, por definio, no um estudo sobre duas
ou mais lnguas, mas um estudo sobre a situao de aprendizagem de duas lnguas. Se
neste processo participa um grupo de pessoas, trata-se de bilinguismo coletivo. Se o
35
objeto de estudo representado por uma pessoa que domina duas lnguas, neste caso
trata-se de bilinguismo individual.
O tipo de anlise efetuado em Lingustica Contrastiva est estreitamente ligado a
aspetos tambm estudados pela psicologia, tendo em conta que esta ltima tambm se
interessa pela inter-relao dos fenmenos convergentes e divergentes, por um lado, e
do processo de aprendizagem das lnguas, por outro. bvio, segundo Nickel ([1971]
(1989:364), que os processos de convergncia contribuem para a codificao e
interferem ao processo de descodificao. Isso pode ser usado de diferentes maneiras no
processo de ensino das lnguas, dependendo dos objetivos do professor: se se pretende o
domnio ativo ou passivo da lngua.
Potebnia ([1892] 1999:5) menciona que Antes de a lingustica precisar da ajuda
da psicologia, foi necessrio desenvolver a ideia de comparao das lnguas; o ensino
das lnguas est baseado na comparao das lnguas numa etapa moderna com o seu
percurso histrico.
Na minha opinio, a classificao da Lingustica Contrastiva como um ramo da
lingustica justifica-se pelo facto de ser u