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EFEITO DA ADIÇÃO DE VIDRO SOBRE PROPRIEDADES DE QUEIMA DE UMA ARGILA VERMELHA
K.O. Godinho, J.N.F. de Holanda, A.G.P. da Silva Universidade Estadual do Norte Fluminense, CCT, LAMAV, Av. Alberto Lamego,
2000, 28013-600 Campos, RJ, [email protected]
RESUMO
Este trabalho investiga o efeito da adição de pó de vidro de tipos diferentes
sobre a absorção de água, a retração de queima e a tensão de ruptura de uma
massa argilosa usada normalmente para a fabricação de telhas. Os vidros foram de
vasilhame, de janela (vidro plano) e de funil de tubo de TV (com alto teor de
chumbo). Foram adicionadas às massas argilosas quantidades de (6%, 13% e 20%)
dos três vidros. Observou-se que a adição diminui a absorção de água, enquanto
que a retração linear e a tensão de ruptura à flexão aumentam. Este comportamento
pode ser explicado em termos da quantidade de óxidos fundentes dos vidros
adicionados e da qualidade da dispersão das partículas de pó de vidro na argila.
Palavras-chaves: Incorporação de resíduo, vidros, cerâmica vermelha
INTRODUÇÂO
O vidro é um material cem por cento reciclável. Ele pode ser reutilizado e
também incorporado.
É reciclável quando cacos são usados como matéria-prima pelos fabricantes,
reutilizado quando são reaproveitados para utensílios e pode ser incorporado à
massa argilosa para fabricação de cerâmica vermelha, pois o vidro possui uma
composição química condizente com a argila, fornecendo fundentes à massa
cerâmica, sendo vantajosa sua incorporação.
Apesar da forte componente tecnológica na alternativa de incorporar o vidro,
existem também outras componentes que estão envolvidas, como: a componente
ambiental, pois trata-se de inserir em produtos materiais que seriam descartados em
aterros, e a componente acadêmica, pois conhecer a interação entre a massa
cerâmica e o resíduo de vidro durante a queima é importante para entender os
1
processos envolvidos na evolução da estrutura que incorpora o resíduo; tendo este
conhecimento, pode-se modificar, alterando alguns processos de maneira racional.
Diversos tipos de rejeitos de vidro têm sido utilizados e estudados com o
objetivo de melhorar as propriedades dos materiais cerâmicos(1).Resíduos de vidro
de carbonato de cálcio foi incorporado a uma massa cerâmica para a fabricação de
azulejos(2). A adição foi considerada interessante já que não provocou modificações
significativas no processo de fabricação de tais produtos.
Um outro trabalho foi desenvolvido(3) adicionando-se pó de vidro de garrafas ao
cimento. O vidro podia substituir certa quantidade de cimento, graças à atividade
pozolânica que possui.
Em outro caso(4), vidro foi incorporado ao concreto asfáltico como agregado.
Isto resultou em diminuição da estabilidade do concreto (deformação devido à carga
sobre ele), aumentando a reflexão de luz à noite e o atrito, dificultando assim
derrapagens.
A reciclagem de materiais como rejeitos de vidro, além de ser economicamente
atraente, traz benefícios inquestionáveis ao meio ambiente (5,6)
Este trabalho relata o estudo feito com três diferentes tipos de vidros (vidro de
embalagem, plano e vidro de tubo de TV a cores) sobre as propriedades de queima
de uma massa argilosa empregada pela indústria para a fabricação de telhas.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram utilizados os vidros de embalagem, plano e de um tubo de TV a cores.
Estes foram quebrados manualmente. Os cacos foram moídos em um moinho de
bolas a seco. O tempo de moagem variou para cada tipo de vidro. Após a moagem,
os três pós de vidros foram passados em peneira de 60 mesh. A fração passante foi
utilizada. Uma outra fração de vidro de embalagem, retida na peneira de 40 mesh,
foi também utilizada para investigar o efeito de sua granulometria.
A massa argilosa para a fabricação de telhas foi coletada na linha de produção
de uma indústria cerâmica da região de Campos dos Goytacazes-RJ. Trata-se de
uma mistura de duas argilas com comportamento plástico diferentes. Apenas a
fração passante em peneira de 60 mesh foi utilizada. A argila ficou em estufa por
24h em 110ºC.
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As composições químicas, tanto da argila quanto do vidro, foram determinadas
por absorção atômica e são mostradas na Tabela I, em percentual em peso dos
óxidos constituintes, mais a perda ao fogo P.F.
Tabela I: Composição química da massa argilosa e dos vidros determinada por
absorção atômica.
Amostras SiO2 Al2O3 Fe2O3 TiO2 CaO MgO K2O Na2O PbO P.F. Argila 46,26 26,14 12,09 0,65 0,16 0,95 1,75 0,65 <0,01 11,3 Vidro
embalagem 67,49 0,90 0,09 0,05 12,6 0,10 0,79 16,65 <0,01 0,51
Vidro plano 65,75 0,66 0,12 <0,01 12,5 3,05 0,74 16,71 <0,01 0,48 Vidro tubo
TV 48,60 1,68 0,11 0,01 2,80 1,80 7,68 7,31 24,96 0,67
Observa-se o baixo valor de óxidos fundentes K2O, Na2O, o que irá dificultar na
sinterização por fase líquida. O vidro de tubo de TV é um vidro ao chumbo que
possui uma grande quantidade de PbO, desempenhando papel de fundente.
Massas foram formuladas com diferentes teores dos três diferentes vidros (6%,
13% e 20%). Uma massa sem adição de vidro foi usada para servir de referência,
conforme mostra a Tabela II. A mistura foi feita a seco por 20 minutos, no mesmo
moinho de bolas usado para a moagem dos vidros. Duas outras massas foram
também preparadas. Uma contêm 13% de pó de vidro de vasilhame, retido na
peneira de 40 mesh; a outra com 20% de resíduo de tubo de TV. Esta última não foi
misturada em moinho, mas sim manualmente em um recipiente por 5 minutos, para
investigar o efeito da qualidade da mistura do aditivo.
Tabela II: Composição das Massas Cerâmicas Utilizadas.
Argila Primária Vidro vasilhame Vidro Plano Vidro TV M0 100 0 0 0 MV6 94 6 0 0 MV13 87 13 0 0 MV20 80 20 0 0 MP6 94 0 6 0 MP13 87 0 13 0 MP20 80 0 20 0 MTV6 94 0 0 6 MTV13 87 0 0 13 MTV20 80 0 0 20
3
As massas, em seguida, foram umidificadas com 7% em peso de água e
prensadas a seco hidraulicamente em uma matriz com seção retangular de
dimensões 115x25,4mm2, sob pressão de 25Mpa. Os corpos prensados foram secos
em 110ºC em estufa por 24 horas.
Os corpos foram queimados em forno tipo mufla em três temperaturas de
patamar: 900º, 975º e 1050ºC; seguindo um ciclo de queima lento, conforme é
descrito na Tabela III.
Tabela III: Programa de temperatura de queima. T. Ambiente
– 600°C 2°C/min.
600°C 60 min.
600°C – T. Patamar 2°C/min.
T. Patamar 120 min.
T. Patamar – 600°C
-10°C/min.
600°C – T. Ambiente -2°C/min.
Após a queima, as amostras foram caracterizadas, com respeito à retração de
queima, absorção de água e tensão de ruptura à flexão por três pontos. Difrações de
raios-X foram analisadas para detectar a formação de novas fases, resultantes da
interação do vidro. Alguns corpos de prova, foram observados por microscopia
eletrônica de varredura, com o objetivo de revelar o comportamento do vidro durante
a queima.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O uso de resíduos de vidro de três diferentes composições foi motivado pela
necessidade de se saber o quanto a variação da composição de vidro é importante
para definir as propriedades e a estrutura do produto queimado.
Para observar o efeito da adição de vidro sobre as propriedades dos corpos
queimados, a massa sem aditivos foi usada como referência. Na Figura 1 (a-c),
observa-se que com 6% de vidro adicionado, a retração de queima e a tensão de
ruptura aumentam com a elevação da temperatura e com a quantidade de vidro que
foi adicionado, onde o tipo de vidro não teve tanta importância. Já para a absorção
de água o comportamento foi inverso.
Com 13% de adição, percebe-se que os diferentes tipos de vidros influenciam
as propriedades de queima. O vidro de embalagem foi o que mais influenciou,
seguido vidro de tubo de TV e o vidro plano, Figura 2 (a-b).
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850 900 950 1000 1050 1100
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Temperatura °C
Argila Pura Argila + Vasilhame Argila + Plano Argila + Tubo de TV
Figura 1 a: Absorção de água em função da temperatura de queima com 6% de vidro.
850 900 950 1000 1050 11001
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near
%
Temperatura °C
Argila Pura Argila + Vasilhame Argila + Plano Argila + Tubo TV
Figura 1 b: Retração linear em função da temperatura de queima com 6% de vidro.
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Temperatura °C
Argila Pura Argila + Vasilhame Argila + Plano Argila + Tubo TV
Figura 1 c: Tensão de ruptura em três pontos em função da temperatura de queima com 6% de vidro.
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rção
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Água
%
Temperatura º C
Argila Pura Argila + Vasilhame Argila + Plano Argila + Tubo TV
Figura 2 a: Absorção de água em função da temperatura de queima com 13% de
vidro.
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near
%
Temperatura º C
Argila Pura Argila + Vasilhame Argila + Plano Argila + Tubo TV
Figura 2b: Retração linear em função da temperatura de queima com 13% de vidro.
As curvas de retração linear e de absorção de água estão relacionadas ao nível
de sinterização na estrutura. Há uma clara relação entre o aumento da tensão de
ruptura (sensível à porosidade) e a redução de absorção de água.
Já com 20%, a ordem de influência mudou. Foi o vidro de tubo de TV que teve
maior influência, atingindo 2,5% a absorção de água. A partir de 900ºC, as outras
massas apresentavam absorção de água abaixo de 16%, Fig. 3.
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Temperatura °C
Argila Pura Argila + Vasilhame Argila + Plano Argila + Tubo TV
Figura 3: Absorção de água em função da temperatura de queima com 20% de
vidro.
A tensão de ruptura mínima especificada para telhas (6,5Mpa) foi alcançada
para todas as formulações estudadas.
A Figura 4 (a e b) exibe as curvas de absorção de água e tensão de ruptura
para a massa com adição de 13% em peso de vidro de embalagem retida na peneira
de 40 mesh.
As partículas mais grossas de vidro representam concentrações locais de
líquido e carência de líquido em outros locais. Por isso a adição de vidro grosso
apresentou propriedades mais próximas da amostra sem aditivo do que da amostra
com a mesma adição de vidro, porém mais fino.
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rção
de
Água
%
Temperatura °C
Argila + 13% Vidro Vasilhame -60 Mesh Argila + 13% Vidro Vasilhame +40 Mesh Argila Pura
Figura 4 a: Absorção de água em função da temperatura de queima com 130% de
vidro (efeito da granulometria).
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Temperatura °C
Argila + 13% Vasilhame -60 Mesh Argila + 13% Vasilhame +40 Mesh Argila Pura
Figura 4 b: Tensão de ruptura em três pontos em função da temperatura de queima
com 13% de vidro (efeito da granulometria).
A Figura 5 (a-c), exibe as curvas das propriedades para a massa com 20% de
vidro de tubo de TV, misturada manualmente por 5 minutos. É possível compará-las
com a massa de 20% do mesmo tipo de vidro que foi misturada em moinho de bolas
por 20 minutos. Em ambos os casos, os comportamentos da retração linear e da
absorção de água são bastante parecidos. A tensão de ruptura foi claramente
inferior para a massa misturada já que não houve uma mistura homogênea entre a
argila e o aditivo, o que comprova a existência de locais pobremente sinterizados,
que atuam como elos fracos da estrutura quando submetidos à tensão.
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Temperatura °C
Argila + 20% Tubo TV - Moído Argila + 20% Tubo TV - Misturado
Figura 5 a: Absorção de água em função da temperatura de queima com 20% de
vidro (influência da dispersão).
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Temperatura °C
Argila + 20% Tubo TV - Moído Argila + 20% Tubo TV - Misturado
Figura 5b: Retração linear em função da temperatura de queima com 20% de vidro
(efeito da dispersão).
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Tens
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ra M
Pa
Temperatura °C
Argila + 20% Tubo TV - Moído Argila + 20% Tubo TV - Misturado
Figura 5 c: Tensão de ruptura em três pontos em função da temperatura de queima
com 20% de vidro (efeito da dispersão).
Conforme atesta os padrões de difração de raios x exibidos na Figura 6, a
caulinita é o principal mineral presente na argila. Os minerais como quartzo, goetita,
gibsita e mica/muscovita foram também identificados. As transformações sofridas
durante a queima pelos minerais presentes na argila em uso são bem conhecidas (7).
Dentre elas destacam-se as decomposições da gibsita e goetita, a desidroxilação da
caulinita, a partir da qual passa a denominar-se metacaulinita, e o posterior
aparecimento de mulita a partir da metacaulinita. Difrações feitas em corpos
queimados das massas contendo 20% em peso de cada um tipo de vidro e nas três
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temperaturas produziram resultados semelhantes. Isto elimina a possibilidade de
cristalização do vidro ou da formação de uma fase qualquer resultante de uma ração
entre vidro e argila.
10 20 30 40 50 60
Q Q QQ Q
Q
goM
CCC
CQ
g
C Argila Crua
2θ
C
Inte
nsid
ade
(u.a
.)
Argila 900°C
Argila 975°C
MCr
MuMuMu
Mu QQQQ
Q Argila 1050°C
Figura 6: Difratograma da argila crua e queimada nas três temperaturas.
A Figura 7 exibe uma imagem da estrutura da massa MTV 20 após queima em
1050ºC. São observadas regiões muito densas e poros grandes e arredondados. A
evolução da estrutura sugere que a fase líquida foi formada pelo vidro amolecido
que se infiltrou nos poros da estrutura. Já os poros arredondados são formados pelo
aprisionamento de gases.
Figura 7- microestrutura da massa com 20% de vidro de tubo de TV, queimada à
1050ºC.
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Foi demonstrado que os rejeitos de vidro, desempenham durante a queima um
papel que pode substituir parcial ou totalmente os componentes fundentes
tradicionais usados nas formulações cerâmicas.
CONCLUSÕES
Os três tipos de vidro, em todas as quantidades empregadas, possuem efeito
positivo na sinterização de uma massa cerâmica usada para a fabricação de telhas e
sobre as propriedades dos corpos queimados.
A incorporação de vidro à massa cerâmica requer que este esteja na forma de
pó, a granulometria do vidro deve ser a mais próxima possível da granulometria da
massa argilosa, o que irá otimizar a dispersão.
O vidro promove a sinterização da massa argilosa servindo, ele mesmo como
fase líquida, quando sofre amolecimento com o aumento da temperatura.
Por ser mais rica em óxidos fundentes, a fase líquida formada a partir do vidro
de tubo de TV forma-se em menores temperaturas e tende a ser menos viscosa. Isto
explica a maior influencia deste aditivo em algumas massas. Este vidro ao chumbo é
mais denso que os demais.
Os rejeitos de vidro têm potencial para serem reutilizados como matéria-prima
alternativa na fabricação de produtos cerâmicos.
REFERÊNCIAS
1. A.C. Morelli, J.B. Baldo, Cerámica Industrial 8, 3 (2003) 42-46.F. 2. Matteucci, M. Dondi, G. Guarani. Effect of soda-lime glass on sintering and
techonological properties of porcelain stoneware tiles. Ceramics International 28 873-880.
3. A. Shayan, A. Xu, Cement and Concrete Res., 34, 1 (2004) 81-89. 4. Nan Sun, J.S. Chen, Resources, Conservation and Recycling 35 (2002) 259-
274. 5. S. R. Bragança, C. P. Bergmann. Comparação das propriedades de uma
porcelana que utiliza vidro como fundente com uma tradicional. 6. C. Morelli,Arnaldo e B.Baldo, João. Barbotinas cerâmicas contendo rejeito de
vidro soda cal para maturação em baixa temperatura. Cerâmica Industrial, 8 (3) 2003.
7. G.P. Souza, R. Sanches, J.N.F. Holanda, J. Thermal Anal. Ca., 73, (2003) 293-305.
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EFFECT OF THE ADDITION OF GLASS POWDER ON THE PROPERTIES OF A FIRED RED CLAYEY FORMULATION
K.O. Godinho, J.N.F. de Holanda, A.G.P. da Silva
Universidade Estadual do Norte Fluminense, CCT, LAMAV, Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-600 Campos, RJ, [email protected]
ABSTRACT
This work investigates the effect of the addition of three different glass powders
upon the water absorption, the linear shrinkage and the bending strength of a clayey
formulation used for fabrication of roof tiles. Bottle glass, flat glass and glass of
cathode tube (lead glass) were used. Additions of 6, 13 and 20% weight glass were
utilized. The water absorption decrease and the linear shrinkage and the bending
strength increase as the glass addition increases. This behavior can be explained by
the amount of flux oxides in the glass addition and by the dispersion quality of clay
and glass.
Key-words: waste glass, recycling, clay firing
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