justino primeira apologia portugues

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A A P P R R I I M M E E I I R R A A A A P P O O L L O O G G I I A A Justino Mártir Tradução – data origem ÍNDICE Não se deve castigar um nome 2 A obra dos demônios 3 Não somos ateus 4 Não castigueis nossos acusadores 4 Não queremos mentir 5 Vaidade da idolatria 5 O melhor sacrifício é a virtude 6 Nosso reino não é deste mundo 7 Somos vossos aliados para a paz 7 Homens novos pela fé em Cristo 9 A doutrina de Cristo10 Súditos do império 13 A imortalidade da alma 13 A ressurreição não é impossível 14 Afinidades pagãs 15 Jesus, Filho de Deus 16 PLANO APOLOGÉTICO 17 Provas 17 A pureza da vida cristã 20 O homem é racional e livre 20 A castidade cristã 21 A profecia é a prova máxima 21 A Versão dos Setenta 22 Profecias sobre Jesus 22 A concepção virginal 24 Lugar de nascimento 25 Várias profecias 25 Regras de interpretação 26 Profecia cumprida 28 Profecia sobre os apóstolos 28 Profecia sobre o Reino de Cristo 30 Cristo, nossa alegria 30 Profecia e livre-arbítrio 31 Platão depende de Moisés 32 Ascensão e glória de Jesus 33 Cristãos antes de Cristo 34 Sobre a ruína de Jerusalém 34 Os milagres de Cristo 35 A gentilidade 35 A paixão e glória de Cristo 36 A dupla vinda de Cristo 38 Profecia sobre a gentilidade 38 As fábulas pagãs 40 A cruz desconhecida pelos demônios 41 Outra vez Simão mago 42 Não tememos a morte 42 Marcião, inspirado pelo demônio 43 Platão, discípulo de Moisés 43 (O batismo): iluminação e regeneração 45 O arremedo diabólico do batismo 46 O Verbo na sarça e Moisés 47 Outras lembranças pagãs 48 Fraternidade e eucaristia 49 Teologia da eucaristia 49 Liturgia dominical 50 Petição final 51 Justino Mártir – PRIMEIRA APOLOGIA 1 A PRIMEIRA APOLOGIA Justino Mártir 1. Ao imperador Tito Élio Adriano Antonino Pio César Augusto, ao seu filho Veríssimo, filósofo, e a Lúcio, filho natural do César, filósofo e filho adotivo de Pio, amante do saber, ao sacro Senado e a todo o povo romano. Em prol dos homens de qualquer raça que são injustamente odiados e caluniados, eu, Justino, um deles, filho de Prisco, que o foi de Báquio, natural de Flávia Neápolis na Síria Palestina, compus este discurso e esta súplica. 2. A razão exige dos que são verdadeiramente piedosos e filósofos que, desprezando as opiniões dos antigos se estas são más, estimem e, amem apenas a verdade. De fato, o raciocínio sensato não só exige que se abandonem aos que realizaram e ensinaram algo injustamente, mas também que o amante da verdade, de todos os modos e acima da própria vida, mesmo que seja ameaçado de morte, deve estar sempre decidido a dizer e praticar a justiça. Vós ouvis em toda parte que sois chamados piedosos e filósofos, guardiões da justiça e amantes da instrução; mas que o sejais realmente, é coisa que deverá ser demonstrada. 3 Com o presente escrito, não pretendemos bajular-vos, nem dirigir-vos um discurso como mero agrado, mas pedir-vos que realizeis o julgamento contra os cristãos conforme o exato discernimento da investigação, e não deis a sentença contra vós mesmos, levados pelo preconceito ou pelo desejo de agradar homens supersticiosos, ou movidos por impulso irracional ou por boato crônico. De fato, vos dizemos: estamos convencidos de que, através de ninguém, pode ser feito algum mal a nós, enquanto não se demonstrar que somos praticantes da maldade ou nos reconheçamos como malvados. Vós podeis matar-nos, mas não condenar-nos. 3. 1 Para que não se pense que se trata de alguma fanfarronada nossa e opinião audaciosa, pedimos sejam examinadas as acusações contra os

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Escritos do apologista cristão Justino Martir

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  • AA PPRRIIMMEEIIRRAA AAPPOOLLOOGGIIAA

    Justino Mrtir

    Traduo data origem

    NDICE No se deve castigar um nome 2 A obra dos demnios 3 No somos ateus 4 No castigueis nossos acusadores 4 No queremos mentir 5 Vaidade da idolatria 5 O melhor sacrifcio a virtude 6 Nosso reino no deste mundo 7 Somos vossos aliados para a paz 7 Homens novos pela f em Cristo 9 A doutrina de Cristo 10 Sditos do imprio 13 A imortalidade da alma 13 A ressurreio no impossvel 14 Afinidades pags 15 Jesus, Filho de Deus 16 PLANO APOLOGTICO 17 Provas 17 A pureza da vida crist 20 O homem racional e livre 20 A castidade crist 21 A profecia a prova mxima 21 A Verso dos Setenta 22 Profecias sobre Jesus 22 A concepo virginal 24 Lugar de nascimento 25 Vrias profecias 25 Regras de interpretao 26

    Profecia cumprida 28 Profecia sobre os apstolos 28 Profecia sobre o Reino de Cristo 30 Cristo, nossa alegria 30 Profecia e livre-arbtrio 31 Plato depende de Moiss 32 Ascenso e glria de Jesus 33 Cristos antes de Cristo 34 Sobre a runa de Jerusalm 34 Os milagres de Cristo 35 A gentilidade 35 A paixo e glria de Cristo 36 A dupla vinda de Cristo 38 Profecia sobre a gentilidade 38 As fbulas pags 40 A cruz desconhecida pelos demnios 41 Outra vez Simo mago 42 No tememos a morte 42 Marcio, inspirado pelo demnio 43 Plato, discpulo de Moiss 43 (O batismo): iluminao e regenerao 45 O arremedo diablico do batismo 46 O Verbo na sara e Moiss 47 Outras lembranas pags 48 Fraternidade e eucaristia 49 Teologia da eucaristia 49 Liturgia dominical 50 Petio final 51

    Justino Mrtir PRIMEIRA APOLOGIA

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    A PRIMEIRA APOLOGIA

    Justino Mrtir

    1. Ao imperador Tito lio Adriano Antonino Pio Csar Augusto, ao seu filho Verssimo, filsofo, e a Lcio, filho natural do Csar, filsofo e filho adotivo de Pio, amante do saber, ao sacro Senado e a todo o povo romano.

    Em prol dos homens de qualquer raa que so injustamente odiados e caluniados, eu, Justino, um deles, filho de Prisco, que o foi de Bquio, natural de Flvia Nepolis na Sria Palestina, compus este discurso e esta splica.

    2. A razo exige dos que so verdadeiramente piedosos e filsofos que, desprezando as opinies dos antigos se estas so ms, estimem e, amem apenas a verdade. De fato, o raciocnio sensato no s exige que se abandonem aos que realizaram e ensinaram algo injustamente, mas tambm que o amante da verdade, de todos os modos e acima da prpria vida, mesmo que seja ameaado de morte, deve estar sempre decidido a dizer e praticar a justia. Vs ouvis em toda parte que sois chamados piedosos e filsofos, guardies da justia e amantes da instruo; mas que o sejais realmente, coisa que dever ser demonstrada. 3Com o presente escrito, no pretendemos bajular-vos, nem dirigir-vos um discurso como mero agrado, mas pedir-vos que realizeis o julgamento contra os cristos conforme o exato discernimento da investigao, e no deis a sentena contra vs mesmos, levados pelo preconceito ou pelo desejo de agradar homens supersticiosos, ou movidos por impulso irracional ou por boato crnico. De fato, vos dizemos: estamos convencidos de que, atravs de ningum, pode ser feito algum mal a ns, enquanto no se demonstrar que somos praticantes da maldade ou nos reconheamos como malvados. Vs podeis matar-nos, mas no condenar-nos.

    3. 1Para que no se pense que se trata de alguma fanfarronada nossa e opinio audaciosa, pedimos sejam examinadas as acusaes contra os

  • Justino Mrtir PRIMEIRA APOLOGIA

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    cristos. Se for demonstrado que so reais, castiguem-nos como conveniente que sejam castigados os rus convictos; porm, se no h nenhum crime para interrog-los, o verdadeiro discurso probe que, por um simples boato malvolo, se cometa injustia contra homens inocentes ou, melhor dizendo, a cometais contra vs mesmos, que acreditais ser justo que os assuntos sejam resolvidos no por julgamento, mas por paixo. 2Com efeito, todo homem sensato manifestar que a melhor exigncia, ou ainda mais, que a nica exigncia justa que os sditos possam apresentar uma vida e um pensar irrepreensveis e que, por outro lado, igualmente os mandantes dem sua sentena, no levados pela violncia e tirania, mas segundo a piedade e a filosofia. S assim governantes e governados podem gozar de felicidade. 3 Foi assim que, em algum lugar, um dos antigos disse: "Se os governantes e os governados no forem filsofos, no possvel os Estados prosperarem." 4Cabe a ns, portanto, expor ao exame de todos a nossa vida e os nossos ensinamentos, para que no nos tornemos responsveis pelo castigo daqueles que, ignorando a nossa religio, pecam por cegueira contra ns. Contudo, o vosso dever tambm ouvir-nos e mostrar-vos bons juzes. 5Com efeito, daqui para frente, informados como estais, caso no ajais com justia, no tereis nenhuma desculpa diante de Deus.

    No se deve castigar um nome

    4. 1No se deve julgar que algum seja bom ou mau por levar um nome, se prescindimos das aes que tal nome supe. Alm disso, se se examina aquilo de que nos acusam, somos os melhores homens. 2Todavia, como no consideramos justo pretender que nos absolvam por nosso nome se estamos convictos de maldade; do mesmo modo, se nem por nosso nome, nem por nossa conduta se constata que tenhamos cometido crime, o vosso dever empenhar-vos para no vos tornardes responsveis de castigo, condenando injustamente aqueles que no foram convencidos judicialmente. 3Com efeito, em s razo, de um nome no se pode originar elogio ou reprovao, se no se puder

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    demonstrar por fatos alguma coisa virtuosa ou vitupervel. 4No castigais ningum que foi acusado diante dos vossos tribunais antes que ele seja ru convicto. Contudo, quando se trata de ns, tomais o nome como prova, sendo que, se for pelo nome, devereis antes castigar os nossos acusadores. 5De fato, acusam-nos de ser cristos, isto , bons, mas odiar o que bom no coisa justa. 6AIm disso, basta que um acusado negue com a palavra ser cristo, vs o pondes em liberdade, como quem no tem outro crime a ser acusado; mas quem confessa que cristo, vs o castigais apenas por essa confisso. O que se deveria fazer examinar a vida tanto daquele que confessa, como daquele que nega, a fim de pr s claras, por suas obras, a qualidade de cada um. 7De fato, da maneira como alguns, apesar de terem aprendido de seu mestre Cristo a no neg-lo, so induzidos a isso ao serem interrogados; da mesma forma, com sua vida m, eles talvez dem motivo queles que esto dispostos a caluniar de impiedade e iniqidade todos os cristos. 8 Mas nem nisso se procede retamente. Sabe-se que o nome e a aparncia de filsofo, alguns se arrogam sem terem praticado nenhuma ao digna de sua profisso, e no ignorais que aqueles dos antigos que professam opinies e doutrinas contrrias entram todos na denominao comum de filsofos. 9Entre eles, houve os que ensinaram o atesmo, e os que foram poetas contam as imprudncias de Zeus com seus filhos. Todavia, no proibis ningum de professar as doutrinas deles; ao contrrio, dais prmios e honras para aqueles que clara e elegantemente insultam os vossos deuses.

    A obra dos demnios

    5. 1O que pode haver nisso? Ns fizemos profisso de no cometer nenhuma injustia e no admitir essas mpias opinies. Vs, porm, no examinais nossos juzos, mas, movidos de paixo irracional e aguilhoados por demnios perversos, nos castigais sem nenhum processo e sem sentir remorso algum por isso. 2 Digamos a verdade: antigamente, alguns demnios perversos, fazendo suas aparies, violaram as mulheres, corromperam os jovens e mostraram espantalhos aos homens. Com isso, ficaram apavorados

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    aqueles que no julgavam pela razo as aes praticadas e assim, levados pelo medo e no sabendo que eram demnios maus, deram-lhes nomes de deuses e chamaram cada um com o nome que cada demnio havia posto em si mesmo. 3Quando Scrates, com raciocnio verdadeiro e investigando as coisas, tentou esclarecer tudo isso e afastar os homens dos demnios, estes conseguiram, por meio de homens que se comprazem na maldade, que ele tambm fosse executado como ateu e mpio, alegando que ele estava introduzindo novos demnios. Tentam fazer o mesmo contra ns. 4De fato, por obra de Scrates, no s entre os gregos se demonstrou pela razo a ao dos demnios, mas tambm entre os brbaros, pela razo em pessoa, que tomou forma, se fez homem e foi chamado Jesus Cristo. Pela f que nele temos, no dizemos que os demnios que fizeram essas coisas so bons, mas demnios malvados e mpios, que no alcanam ou praticam aes semelhantes, nem mesmo aos homens que aspiram virtude.

    No somos ateus

    6. 1Por isso, tambm ns somos chamados de ateus; e, tratando-se desses supostos deuses, confessamos ser ateus. No, porm, do Deus verdadeirssimo, pai da justia, do bom senso e das outras virtudes, no qual no h mistura de maldade. 2A ele e ao Filho, que dele veio e nos ensinou tudo isso, ao exrcito dos outros anjos bons, que o seguem e lhe so semelhantes, e ao Esprito proftico, ns cultuamos e adoramos, honrando-os com razo e verdade, e ensinando generosamente, a quem deseja sab-lo a mesma coisa que aprendemos.

    No castigueis nossos acusadores

    7. 1Podero nos objetar que alguns detidos foram condenados como malfeitores. 2Pode ser. Contudo, muitas vezes condenais muitos outros, depois de averiguar a vida de cada um dos acusados, mas no os condenais pelos motivos de que antes foram condenados. 3De modo geral, no h inconveniente em confessar que, da mesma forma que entre os gregos, aos que seguem as opinies que lhes agradam todo mundo lhes d o nome de filsofos, como tambm entre os brbaros

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    levam um nome comum os que foram e pareceram sbios, o mesmo acontece com os cristos. 4Ns vos pedimos, portanto, que sejam examinadas as aes de todos os que vos so denunciados, a fim de que o culpado seja castigado como inquo, mas no como cristo; por outro lado, aquele que for comprovadamente inocente, seja absolvido como cristo, por no ter cometido nenhum crime. 5Com efeito, no pedimos que castigueis os nossos acusadores, pois eles j padecem bastante com a maldade que levam consigo e com a sua ignorncia do bem.

    No queremos mentir

    8. 1Considerai que vos dissemos essas coisas para o vosso interesse, pelo fato de que est em ns a possibilidade de negar, quando somos interrogados. 2Todavia, no queremos viver na mentira, pois, desejando a vida eterna e pura, aspiramos convivncia com Deus, Pai e artfice do universo. E, por isso, ns nos apressamos a confessar a nossa f, pois estamos persuadidos e acreditamos que esses bens podem ser conseguidos por aqueles que por suas obras demonstraram ter seguido a Deus e desejado sua convivncia, onde nenhuma maldade poder nos atingir. 3De fato, dizendo de maneira breve, isso o que esperamos, isso o que aprendemos de Cristo e ensinamos. 4De modo semelhante, Plato tambm disse que Minos e Radamante castigaro os inquos que se apresentam diante deles. Ns afirmamos que isso acontecer, mas atravs de Cristo, e que o castigo que recebero em seus corpos unidos s suas almas ser eterno, e no s por um perodo de mil anos, como ele disse. Se algum diz que isso incrvel ou impossvel, ns que fomos enganados e no outro, at que no sejamos acusados de ter cometido alguma injustia em nossas aes.

    Vaidade da idolatria

    9. 1Tambm no honramos, com muitos sacrifcios e coroas de flores, esses que os homens, depois de dar-lhes forma e coloc-los nos templos, chamam de deuses. Com efeito, sabemos que so coisas sem alma e mortas, que no tm forma de Deus. Ns no cremos que Deus tenha semelhante forma, que alguns dizem imitar para tributar-lhes

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    honra. Na verdade, o nome e figura que levam so daqueles maus demnios que um dia apareceram no mundo. 2Por acaso, preciso explicar-vos, se j o sabeis, a maneira como os artesos dispem a matria, ora polindo e cortando, ora fundindo e cinzelando? 3No s consideramos isso irracional, mas tambm um insulto a Deus, pois, tendo ele glria e forma inefvel, d-se o nome de Deus a coisas corruptveis e que necessitam de cuidado. Muitos, apenas mudando a figura e dando forma conveniente atravs da arte, do o nome de deus quilo que serviu de instrumento ignominioso. 4E vs sabeis perfeitamente que os artesos de tais deuses so pessoas dissolutas, que vivem envoltas na maldade, o que no vou contar aqui em pormenores. Entre eles no faltam os que corrompem as escravas que trabalham ao lado deles. 5 estupidez dizer que homens intemperantes fabricam e transformam deuses para ser adorados e que tais pessoas servem como guardas dos templos nos quais aqueles so colocados! E no percebem que j impiedade pensar ou dizer que os homens podem ser guardies dos deuses!

    O melhor sacrifcio a virtude

    10. 1Alm disso, aprendemos que Deus no tem necessidade de nenhuma oferta material dos homens, pois vemos que ele quem nos concede tudo. Em troca, nos foi ensinado, e disso estamos persuadidos e assim o cremos, que lhe so gratos somente aqueles que lhe procuram imitar os bens que lhe so prprios: o bom senso, a justia, o amor aos homens e tudo o que convm a um Deus que no pode ser chamado por nenhum nome imposto. 2Tambm nos foi ensinado que, por ser bom, no princpio ele fez todas as coisas de uma matria informe, por amor aos homens. Recebemos a crena de que ele conceder a sua convivncia, participando do seu reino, tornados incorruptveis ou impassveis, aos homens que por suas obras se mostrem dignos do desgnio de Deus. 3De fato, do mesmo modo como no princpio nos fez do no ser, assim tambm cremos que queles que escolheram o que lhe grato, conceder a incorruptibilidade e a convivncia com ele, como prmio dessa mesma escolha. 4Com efeito, ser criados no princpio no

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    foi mrito nosso; mas agora ele nos persuade e nos conduz f para que sigamos o que lhe grato, por livre escolha, atravs das potncias racionais, com que ele mesmo nos presenteou. 5Consideramos ainda ser de interesse para todos os homens que no se impea a eles de aprender estes ensinamentos, mas sejam exortados neles. 6De fato, o que as leis humanas no conseguiram, o Verbo divino j o teria realizado, se os malvados demnios no tivessem espalhado muitas calnias mpias, tomando como aliada a paixo que habita em cada um, m para tudo e multiforme por natureza; ns no temos nada a ver com essas calnias.

    Nosso reino no deste mundo

    11. 1At vs, apenas ouvindo que esperamos um reino, logo supondes, sem nenhuma averiguao, que se trata de reino humano, quando ns falamos do reino de Deus. Isso aparece claro pelo fato de que, ao sermos interrogados por vs, confessamos ser cristos, sabendo como sabemos que tal confisso traz consigo a pena de morte. 2De fato, se esperssemos um reino humano, o negaramos para evitar a morte e procuraramos viver escondidos, a fim de conseguir o que esperamos; mas como no depositamos nossa esperana no presente, no nos importamos que nos matem, alm do que, de qualquer modo, haveremos de morrer.

    Somos vossos aliados para a paz

    12. 1Somos vossos melhores ajudantes e aliados para a manuteno da paz, pois professamos doutrinas, como a de que no possvel ocultar de Deus o malfeitor, o avaro, o conspirador ou o homem virtuoso, e que cada um caminha para o castigo ou salvao eterna, conforme o mrito de suas aes. 2Com efeito, se todos os homens conhecessem isso, ningum escolheria por um momento a maldade, sabendo que caminharia para sua condenao eterna pelo fogo, mas se conteria de todos os modos e se adornaria com a virtude, a fim de conseguir os bens de Deus e livrar-se dos castigos. 3De fato, aqueles que agora, por medo das leis e dos castigos por vs impostos, ao cometer seus crimes procuram escond-los, porque sabem que sois homens e que, por isso,

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    possvel ocult-los de vs, se se inteirassem e se persuadissem de que no se pode ocultar nada a Deus, no s uma ao, mas sequer um pensamento, ao menos por causa do castigo se moderariam de todos os modos, como vs mesmos haveis de convir. 4Todavia, at parece que temeis que todos se decidam a fazer o bem e no tenhais a quem castigar, coisa que conviria melhor a verdugos do que a prncipes bons. 5Estamos persuadidos, porm, de que isso tambm, como dissemos, obra dos demnios perversos, os quais exigem sacrifcios e culto dos que vivem irracionalmente; contudo, jamais supusemos que vs, amantes da piedade e da filosofia, faais algo irracionalmente. 6Mas se tambm tendes mais estima pelo costume do que pela verdade, fazei o que podeis; sabei, porm, que os governantes que colocam a opinio acima da verdade s podem fazer o que fazem os bandidos em lugar despovoado. 7Que isso, porm, no vos ser de bom augrio, o Verbo o demonstra, ele que o rei mais alto, o governante mais justo que conhecemos, depois de Deus que o gerou. 8Com efeito, do mesmo modo como todos recusam a pobreza, o sofrimento e a desonra paterna, assim tambm no haver homem sensato que aceite aquilo que a razo ordena no aceitar. 9Que tudo isso aconteceria, como digo, o predisse nosso Mestre, que ao mesmo tempo filho e legado de Deus pai e soberano do universo, Jesus Cristo, do qual tambm originou-se o nosso nome de cristos. 10Disso provm nossa firmeza em aceitar seus ensinamentos, pois se manifesta realizado tudo quanto ele predisse que aconteceria. Eis a obra de Deus: dizer as coisas antes que aconteam e depois mostrar o acontecido tal qual ele foi predito. 11Poderamos terminar aqui o nosso discurso, sem acrescentar mais nada, considerando que pedimos coisas justas e verdadeiras. Todavia, como sabemos no ser fcil mudar s pressas uma alma possuda pela ignorncia, determinamos acrescentar mais alguns breves pontos, a fim de persuadir os amantes da verdade, pois sabemos que quando esta proposta, a ignorncia bate em retirada.

    13. 1Que no somos ateus, quem estiverem so juzo no o dir, pois cultuamos o Criador deste universo, do qual dizemos, conforme nos ensinaram, que no tem necessidade de sangue, libaes ou incenso. Em

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    lugar de todas as ofertas, ns o louvamos conforme nossas foras, com palavras de orao e ao de graas. Aprendemos que o nico louvor digno dele no queimar no fogo o que por ele foi criado para nosso alimento, mas oferec-lo para ns mesmos e para os necessitados. 2Depois, mostrando-nos a ele agradecidos, dirigir-lhe por nossa palavra louvores e hinos por ter-nos criado, por todos os meios de sade, pela variedade das espcies e mudanas das estaes, ao mesmo tempo que lhe suplicamos que nos conceda de novo a incorruptibilidade pela f que nele temos. 3Em seguida, demonstramos que, com razo, honramos tambm Jesus Cristo, que foi nosso Mestre nessas coisas e para isso nasceu, o mesmo que foi crucificado sob Pncio Pilatos, procurador na Judia no tempo de Tibrio Csar. Aprendemos que ele o Filho do prprio Deus verdadeiro, e o colocamos em segundo lugar, assim como o Esprito proftico, que pomos no terceiro. De fato, tacham-nos de loucos, dizendo que damos o segundo lugar a um homem crucificado, depois do Deus imutvel, aquele que existe desde sempre e criou o universo. que ignoram o mistrio que existe nisso e, por isso, vos exortamos que presteis ateno quando o expomos.

    Homens novos pela f em Cristo

    14. 1De antemo vos avisamos que tenhais cuidado, para no serdes enganados por esses mesmos demnios que acabamos de acusar e assim eles vos impeam totalmente de ler e entender o que dizemos, pois eles lutam para t-los como seus escravos e servidores. Por aparies em sonhos ou por artes de magia, eles se apoderam de todos aqueles que, de um ou outro modo, no trabalham por sua prpria salvao. Depois de crer no Verbo, ns nos afastamos deles e, por meio do Filho, seguimos o nico Deus unignito. 2Antes, ns nos comprazamos na dissoluo; agora, abraamos apenas a temperana; antes, nos entregvamos s artes mgicas; agora, nos consagramos ao Deus bom e ingnito; antes, amvamos, acima de tudo, o dinheiro e as rendas de nossos bens; agora, colocamos em comum o que possumos e disso damos uma parte para todo aquele que est necessitado; 3antes, ns nos odivamos e nos matvamos mutuamente e no compartilhvamos o lar

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    com aqueles que no pertenciam nossa raa pela diferena de costumes; agora, depois da apario de Cristo, vivemos todos juntos, rezamos por nossos inimigos e tratamos de persuadir os que nos aborrecem injustamente, a fim de que, vivendo conforme os belos conselhos de Cristo, tenham boas esperanas de alcanar conosco os mesmos bens que esperamos de Deus, soberano de todas as coisas. 4Todavia, para que no parea que pretendemos vos enganar, acreditamos ser oportuno, antes da demonstrao, recordar alguns ensinamentos do mesmo Cristo, deixado para vs, como poderosos imperadores, a tarefa de examinar se, de fato, isso que nos ensinaram e que ns ensinamos. 5Seus discursos, porm, so breves e sintticos, pois ele no era nenhum sofista, mas sua palavra era uma fora de Deus.

    A doutrina de Cristo

    15. 1Sobre a temperana, ele disse o seguinte: "Aquele que olhar para uma mulher para desej-la, diante de Deus j cometeu adultrio em seu corao". 2E: "Se o teu olho direito te escandaliza, arranca-o, pois melhor entrar no reino dos cus com um s olho do que ser mandado para o fogo eterno com os dois". 3E: "Aquele que se casa com a divorciada de outro marido comete adultrio". 4E: "H alguns que foram mutilados pelos homens, h tambm aqueles que j nasceram mutilados; mas h aqueles que se mutilaram a si mesmos por causa do reino dos cus. Mas nem todos compreendem isso". 5De modo que, para o nosso Mestre, no s so pecadores os que contraem duplo matrimnio, conforme a lei humana, mas tambm os que olham para uma mulher para desej-la. Com efeito, para ele no s se rejeita aquele que de fato comete adultrio, mas tambm aquele que quer comet-lo, pois diante de Deus, tanto as obras como os desejos esto manifestos. 6Entre ns h muitos homens e mulheres que, tornando-se discpulos de Cristo desde criana, permanecem incorruptos at os sessenta e setenta anos. E eu me glorio de mostr-los entre toda a raa dos homens. 7Isso sem contar a multido inumervel dos que se converteram de uma vida dissoluta e aprenderam esta doutrina, pois Cristo no veio chamar os justos e os temperantes para a penitncia,

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    mas os mpios, intemperantes e injustos. 8De fato, ele disse: "No vim chamar os justos, mas os pecadores para a penitncia. O Pai celestial prefere a penitncia do pecador ao seu castigo. 9Sobre amar a todos, ensinou o seguinte: "Se amais os que vos amam, que novidade fazeis? Os fornicadores tambm no fazem isso? Eu, porm, vos digo: Orai por vossos inimigos, amai os que vos odeiam e orai pelos que vos caluniam". 10Sobre repartir o que temos com os necessitados e no fazer nada por ostentao, ele disse: "Dai a todo aquele que vos pedir, e no vos afasteis daquele que quer pedir-vos um emprstimo. De fato, se emprestais apenas queles de quem esperais receber, que novidade fazeis? At os publicanos fazem isso. 11Vs, porm, no entesoureis para vs sobre a terra, onde a traa e a ferrugem destroem e os ladres escavam, mas entesourai para vs nos cus, onde nem a traa, nem a ferrugem destroem. 12Com efeito, o que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? O que dar em troco dela? Entesourai, portanto, nos cus, onde nem a traa, nem a ferrugem destroem". 13E: "Sede bons e misericordiosos, assim como vosso Pai bom e misericordioso e faz sair o seu sol sobre pecadores, justos e maus. 14No vos preocupeis sobre o que comer ou vestir. No valeis mais do que os pssaros e as feras? E Deus as alimenta. 15No vos preocupeis, portanto, sobre o que comereis ou que vestireis, pois vosso Pai celeste sabe que tendes necessidade dessas coisas. 16Buscai antes o reino dos cus, e tudo isso vos ser dado em acrscimo. Com efeito, onde est o tesouro, a tambm est o pensamento do homem". 17E: "No faais essas coisas para serdes vistas pelos homens, pois nesse caso no tereis recompensa de vosso Pai que est nos cus.

    16. 1Sobre sermos pacientes, prontos para servir a todos e alheios ira, ele disse o seguinte: "quele que te golpeia numa face, oferece-lhe a outra, e a quem quer tirar-te a tnica ou o manto, no o impeas. 2Quem se irritar, ser ru do fogo. A quem te contratar para uma milha, acompanha-o duas. Que as vossas obras brilhem diante dos homens, a fim de que, vendo-as, admirem vosso Pai que est nos Cus". 3Portanto,

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    no devemos oferecer resistncia, pois ele no quer que sejamos imitadores dos malvados, mas mandou-nos afastar a todos da vergonha e do desejo do mal pela pacincia e mansido. 4E isso vos podemos demonstrar atravs de muitos que viveram entre vs, que deixaram seus hbitos violentos e tirania, vencidos ora contemplando a constncia de vida de seus vizinhos, ora considerando a estranha pacincia dos companheiros de viagem ao ser defraudados, ora pondo prova companheiros de negcio. 5Sobre no jurar nunca mas dizer sempre a verdade, ele nos ordenou o seguinte: "Nunca jureis; todavia o vosso no seja no, e o vosso sim seja sim, pois tudo que passa disso provm do maligno". 6Sobre adorar unicamente a Deus, ele nos persuadiu, dizendo: "O maior mandamento este: Adorars ao Senhor teu Deus e s a ele servirs de todo o teu corao e com toda a tua fora, ao Senhor Deus que te criou". 7Certa vez que algum se aproximou dele e lhe disse: "Bom Mestre", ele respondeu: "Ningum bom a no ser Deus, que fez todas as coisas". 8Aqueles, porm, que se v que no vivem como ele ensinou, sejam declarados como no cristos, por mais que repitam com a lngua os ensinamentos de Cristo, pois ele disse que se salvariam, no os que apenas falassem, mas que tambm praticassem as obras. 9De fato, ele disse:

    "No todo aquele que me diz: "Senhor, Senhor, entrar no reino dos cus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que est nos cus. 10Porque aquele que me ouve e faz o que eu digo, ouve aquele que me enviou. 11Muitos me diro: Senhor, Senhor, no foi em teu nome que comemos, bebemos e fizemos prodgios? Ento eu lhes responderei: -Apartai-vos de mim, operadores de iniqidade'. 12Ento haver choro e ranger de dentes, quando os justos brilharem como o sol e os injustos forem mandados para o fogo eterno. 13Porque muitos viro em meu nome, vestidos por fora com peles de ovelha, mas por dentro so lobos roubadores. Por suas obras os conhecereis. Toda rvore que no d bom fruto cortada e lanada ao fogo". 14Aqueles que no vivem

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    conforme os ensinamentos de Cristo e so cristos apenas de nome, ns somos os primeiros a vos pedir que sejam castigados.

    Sditos do imprio

    17. 1Quanto a tributos e contribuies, procuramos pag-los antes de todos queles que estabelecestes para isso em todos os lugares, assim como fomos ensinados por Cristo. 2Porque naquele tempo, alguns se aproximaram dele, para perguntar-lhe se se deveria pagar tributo a Csar. Ele respondeu: "Dizei-me: que imagem tem a moeda?" Eles responderam: "A de Csar." Ento ele tornou a responder-lhes: "Ento dai a Csar o que de Csar, e a Deus o que de Deus". 3Portanto, ns somente a Deus adoramos, mas em tudo o mais ns servimos a vs com gosto, confessando que sois imperadores e governantes dos homens e rogando que, junto com o poder imperial, tambm se encontre que tenhais prudente raciocnio. 4Todavia, se no atendeis s nossas splicas, nem esta exposio pblica que vos fazemos de todo o nosso modo de viver, em nada ficaremos prejudicados, pois cremos, ou melhor, estamos persuadidos de que cada um pagar a pena, conforme meream as suas obras, pelo fogo eterno, e que ter que prestar contas a Deus, segundo as faculdades que recebeu do prprio Deus, conforme nos indicou Cristo, dizendo: "A quem Deus deu mais, mais ser exigido por Deus.

    A imortalidade da alma

    18. 1Vede o fim que tiveram os imperadores que vos precederam: todos morreram de morte comum. Se a morte terminasse na inconscincia, seria uma boa sorte para todos os malvados. 2Admitindo, porm, que a conscincia permanece em todos os nascidos, no sejais negligentes em convencer-vos e crer que essas coisas so verdade. 3De fato, a necromancia, o exame das entranhas de crianas inocentes, as evocaes das almas humanas e os que so chamados entre os magos de espritos dos sonhos e espritos assistentes, os fenmenos que acontecem sob a ao dos que sabem essas coisas devem persuadir-vos de que, mesmo depois da morte, as almas conservam a conscincia. 4Do mesmo modo,

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    poderamos citar os que so arrebatados e agitados pelas almas dos mortos, aos quais todos chamam de possessos ou loucos; aqueles que entre vs so chamados de orculos de Anfiloco, de Dodona, de Piton e outros semelhantes; 5as doutrinas de escritores como Empdocles e Pitgoras, Plato e Scrates, aquela caverna de Homero, a descida de Ulisses para averiguar essas coisas, e outros que disseram coisas parecidas. 6Recebei-nos, portanto, pelo menos de modo semelhante a esses, pois no cremos menos do que eles em Deus e sim mais do que eles: esperamos recuperar nossos prprios corpos depois de mortos e enterrados, porque dizemos que para Deus no h nada impossvel.

    A ressurreio no impossvel

    19. 1Para quem reflete, o que pareceria mais incrvel do que se, estando fora do nosso corpo, algum dissesse que de uma pequena gota do smen humano seria possvel nascer ossos, tendes e carnes com a forma em que os vemos, e vssemos isso em imagem? 2Faamos uma suposio. Se no fsseis o que sois e de quem sois e algum vos mostrasse o smen humano e uma imagem pintada de um homem, afirmando que esta se forma daquele, por acaso acreditareis antes de v-lo nascido? Ningum se atreveria a contradizer isso. 3Do mesmo modo, por nunca ter visto um morto ressuscitar, a incredulidade agora vos domina. 4Da mesma forma, como no princpio no tereis crido que de uma pequena gota nasceriam tais seres e, no entanto, os vdes nascidos, assim tambm considerai que no impossvel que os corpos humanos, depois de dissolvidos e espalhados como sementes na terra, ressuscitem a seu tempo, por ordem de Deus e se revistam da incorruptibilidade. 5Na verdade, no saberamos dizer de qual potncia digna de Deus falam aqueles que afirmam que tudo voltar ao lugar de onde procede e que, fora disso, ningum pode nada, nem mesmo Deus. Ns, porm, vemos bem isto: esses mesmos no teriam acreditado ser possvel ter nascido tais e quais eles e o mundo todo se vem ter nascido. 6Alm disso, aprendemos que melhor crer naquilo que est acima da nossa prpria natureza e que impossvel aos homens, do que ser

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    incrdulos como o vulgo. Sabemos que Jesus Cristo, nosso Mestre, disse: "O que impossvel para os homens, possvel para Deus". 7E disse mais: "No temais aqueles que vos matam e depois disso nada mais podem fazer; temei antes aquele que, depois da morte, pode lanar alma e corpo no inferno". 8Deve-se saber que o inferno o lugar onde sero castigados os que tiverem vivido iniqamente e no acreditaram que acontecero essas coisas ensinadas por Deus, atravs de Cristo.

    Afinidades pags

    20. 1Tambm a Sibila e Histapes disseram que todo o corruptvel deveria ser consumido pelo fogo; 2os filsofos esticos tm por dogma que o prprio Deus se dissolver em fogo e afirmam que novamente, por transformao, o mundo renascer. Ns, porm, consideramos Deus, o criador de todas as coisas, superior a todas as transformaes. 3Por fim, se h coisas que dizemos de maneira semelhante aos poetas e filsofos que estimais, e outras de modo superior e divinamente, e somos os nicos que apresentamos demonstrao, por que se nos odeiam injustamente mais do que a todos os outros? 4Assim, quando dizemos que tudo foi ordenado e feito por Deus, parecer apenas que enunciamos um dogma de Plato; ao falar sobre conflagrao, outro dogma dos esticos; ao dizer que so castigadas as almas dos inquos que, ainda depois da morte, conservaro a conscincia, e que as dos bons, livres de todo castigo, sero felizes, parecer que falamos como vossos poetas e filsofos; 5que no se devem adorar obras de mos humanas, no seno repetir o que disseram Menandro, o poeta cmico, e outros com ele, que afirmaram que o artfice maior do que aquele que o fabrica.

    21. 1Tambm quando dizemos que o Verbo, primeiro rebento de Deus, nasceu sem relao carnal, isto , Jesus Cristo, nosso Mestre, e que ele foi crucificado, morreu e, depois de ressuscitado, subiu ao cu, no apresentamos nada de novo se se levam em conta os que chamais de filhos de Zeus. 2De fato, sabeis bem a quantidade de filhos que os vossos estimados escritores atribuem a Zeus: Hermes, o Verbo intrprete e mestre de todos; Asclpio, que foi mdico e que, depois de

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    ter sido fulminado, subiu ao cu; Dioniso, depois que foi esquartejado; Hracles, depois de se atirar ao fogo para fugir dos trabalhos; os Discoros, filhos de Leda, Perseu de Dnae e Belerofonte, nascido de homens, sobre o cavalo Pgaso. 3Para que ainda falar de Ariadne e dos que, semelhante a ela, se diz que so colocados nas estrelas? Passo por alto tambm vossos imperadores mortos, aos quais tendes sempre como dignos da imortalidade e nos apresentais algum infeliz que jura ter visto Csar incinerado subir da pira ao cu. 4Tambm no necessrio repetir aqui as aes que se contam de cada um dos supostos filhos de Zeus, pois vs as conheceis perfeitamente. E suficiente dizer que isso foi escrito para utilidade e encorajamento dos que se educam, pois todos consideram belo ser imitadores dos deuses. 5Todavia, esteja longe de toda alma sensata pensar sobre os deuses, da mesma forma que sobre que, segundo eles, Zeus o principal e pai de todos os outros, pensar que ele tenha sido parricida, nascido de parricida e, vencido pelos baixos e vergonhosos prazeres do amor, tenha ido at Ganimedes e numerosas mulheres com as quais se uniu, e aceitar que seus filhos praticassem aes semelhantes. 6A verdade que, como j dissemos, foram os demnios malvados que fizeram tais coisas. Quanto a alcanar a imortalidade, nos foi ensinado que s a alcanam aqueles que vivem santa e virtuosamente perto de Deus, assim como cremos que sero castigados com fogo eterno aqueles que viveram injustamente e no se converteram.

    Jesus, Filho de Deus

    22. 1Quanto ao Filho de Deus, que se chama Jesus, ainda que parecesse homem de modo comum, por sua sabedoria mereceria chamar-se filho de Deus, pois todos os escritores chamam o Deus supremo de pai de homens e de deuses. 2Afirmamos que ele, de modo especial e fora do nascimento comum, como j dissemos, nasceu de Deus como Verbo de Deus, embora isso coincida com o que afirmais sobre Hermes, a quem chamais de Verbo anunciador ou mensageiro de Deus. 3Se nos lanam em rosto que ele foi crucificado, tambm isso comum com os antes citados filhos de Zeus, que admitis terem sofrido. 4Com efeito, conta-se

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    que eles no sofreram um mesmo gnero de morte, mas diferentes, de modo que nem no fato de ter sofrido uma paixo particular fica-se atrs em relao a eles. Ao contrrio, prosseguindo o discurso, demonstraremos que lhes muito superior ou, melhor dizendo, j est demonstrado, pois aquele que superior manifesta-se por suas obras. 5Ns anunciamos que ele nasceu de uma virgem, mas isso para vs pode ser semelhante a Perseu. 6Por fim, que ele curasse coxos, paralticos e enfermos de nascimento e ressuscitasse dos mortos, tambm nisso parecer que dizemos coisas semelhantes ao que se conta ter feito Asclpio.

    PLANO APOLOGTICO 23. 1E para que se torne evidente para vs, vamos apresentar-vos a prova de que aquilo que dizemos, por t-lo aprendido de Cristo e dos profetas que os precederam, a nica verdade e a mais antiga do que todos os escritores que existiram. No pedimos que se aceite a nossa doutrina por coincidir com eles, mas porque dizemos a verdade. 2Demonstraremos tambm que Jesus Cristo propriamente o nico Filho nascido de Deus, como seu Verbo, seu Primognito e sua Potncia. Feito homem pelo seu desgnio, ele nos ensinou essas verdades para a transformao e conduo do gnero humano. 3Por fim, antes de tornar-se homem entre os homens, houve alguns, digo, os demnios malvados, antes mencionados, que se adiantaram a dizer, por meio dos poetas, terem acontecido os mitos que inventaram. De modo que tambm foram eles que fizeram as obras vergonhosas e mpias que disseram contra ns, sem que para isso haja qualquer testemunha ou demonstrao.

    Provas

    a) Odeiam-se apenas aos cristos

    24. 1A primeira prova que, quando dizemos tais coisas aos gregos, somos os nicos a serem odiados pelo nome de Cristo e nos tiram a

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    vida, sem termos cometido crime algum, como se fssemos pecadores. E tendes alguns aqui e outros ali que cultuam rvores, rios, ratos, gatos, crocodilos e uma multido de animais irracionais. O interessante que nem todos cultuam os mesmos, mas uns so honrados num lugar, outros em outro, de modo que todos so mpios entre si, por no ter a mesma religio. 2Esta a nica coisa que podeis nos recriminar: no veneramos os mesmos deuses que vs e no oferecemos libaes e gorduras aos mortos, no colocamos coroas nos sepulcros, nem celebramos sacrifcios sobre eles. 3No entanto, sabeis perfeitamente que os mesmos animais, por alguns so considerados deuses, por outros feras e por outras vtimas para sacrifcios.

    b) A transformao por Cristo

    25. 1Em segundo lugar, porque homens de toda raa, que antes cultuvamos a Dioniso, filho de Smele, e Apolo, filho de Leto, deuses que por seus amores perversos fizeram coisas que, por decoro, nem se podem nomear; os que dentre ns adoravam a Persfone e Afrodite, que foram aguilhoados de amor por Adnis e cujos mistrios ainda celebrais, ou Asclpio, ou algum outro dos chamados deuses, agora, apesar de sermos ameaados com a morte, desprezamos a todos eles por amor a Jesus Cristo. 2Consagramo-nos ao Deus ingnito e alheio a toda paixo. O Deus em quem acreditamos no se dirigir, aguilhoado de amor, a uma Antope, nem a outros do mesmo estilo, nem a Ganimedes, nem ter que ser desatado, com a ajuda de Ttis, por aquele famoso centimano, nem de se preocupar para apagar esse favor com Aquiles, filho de Ttis, e perder uma multido de gregos em troca da concubina Briseida. 3O que fazemos nos compadecer daqueles que praticam tais coisas e sabemos bem que os responsveis por eles so os demnios.

    c) Os hereges no so perseguidos

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    26. 1Em terceiro lugar, porque, mesmo depois da ascenso de Cristo ao cu, os demnios levaram certos homens a dizer que eles eram deuses e estes no s no foram perseguidos por vs, mas chegastes at a decretar-lhes honras. 2Dessa forma, certo Simo, samaritano originrio de uma aldeia chamada Giton, tendo feito, no tempo de Cludio Csar, prodgios mgicos, por obra dos demnios que nele agiam em vossa cidade imperial de Roma, foi considerado deus e como deus foi por vs honrado com uma esttua, levantada junto ao rio Tibre, entre as duas pontes, com esta inscrio latina: A SIMO, DEUS SANTO. 3E quase todos os samaritanos, embora pouco numerosos nas outras naes, o adoram, considerando-o como Deus primordial. Tambm uma certa Helena, que naquele tempo o acompanhou em suas peregrinaes e que antes estivera no prostbulo, chamada de primeiro pensamento nascido dele. 4Sabemos tambm que certo Menandro, igualmente samaritano, natural da aldeia de Carapatia, discpulo de Simo, possudo tambm pelos demnios, apareceu em Antioquia e enganou muitos com suas artes mgicas, chegando a persuadir seus seguidores de que jamais iriam morrer. E existem ainda alguns de sua escola que continuam crendo nele. 5Por fim, um tal Marcio, natural do Ponto, est agora mesmo ensinando seus seguidores a crer num Deus superior ao Criador e, com a ajuda dos demnios, fez com que muitos, pertencentes a todo tipo de homens, proferissem blasfmias e negassem o Deus Criador do universo, admitindo, em troca, no sabemos que outro Deus, ao qual, supondo maior, se atribuem obras maiores do que quele. 6Todos os que procedem destes, como dissemos, so chamados cristos, da mesma forma que aqueles que no participam das mesmas doutrinas entre os filsofos recebem da filosofia o nome comum com que so conhecidos. 7Ora, se tambm eles praticam todas essas vergonhosas obras que se propalam contra ns, isto , jogar por terra o castial, unirmo-nos promiscuamente e alimentarmo-nos de carnes humanas, no o sabemos. Todavia, estamos certos de que no so perseguidos, nem condenados por vs, ao menos por causa de suas doutrinas. 8Alm disso, ns mesmos compusemos uma obra contra todas as heresias que existiram at o presente. Se quiserdes l-Ia, ns a colocaremos em vossas mos.

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    A pureza da vida crist

    27. 1Ns, por outro lado, a fim de no cometer pecado ou impiedade, professamos a doutrina de que expor os recm-nascidos obra de perversos. Primeiro, porque vemos que quase todos vo acabar na dissoluo, no s as meninas, mas tambm os meninos. Do mesmo modo como se conta que os antigos mantinham rebanhos de bois, cabras, ovelhas ou cavalos de pasto, assim se renem agora rebanhos de crianas com a nica finalidade de usar torpemente delas, e toda uma multido, tanto de mulheres como de andrginos e pervertidos, est preparada em cada provncia para semelhante abominao. 2Para isso recolheis taxas, contribuies e tributos, ao passo que o vosso dever seria o de arranc-las pela raiz do vosso imprio. 3Quando se abusa de tais seres, alm de tratar de uma unio prpria de pessoas sem Deus, mpia e torpe, no faltar quem se una, conforme a circunstncia, com um filho, um parente ou um irmo. 4H tambm aqueles que prostituem seus prprios filhos e mulheres; outros mutilam-se publicamente para a torpeza e referem esses mistrios me dos deuses. Finalmente, em todos aqueles que considerais como deuses, a serpente se pinta como smbolo e grande mistrio. 5E aquilo mesmo que vs praticais e honrais publicamente, vs o atribus a ns, como se tivssemos decado e a luz divina no nos assistisse. Todavia, como estamos livres por no praticar nada disso, vossas calnias no nos causam nenhum dano; ao contrrio, danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda levantam falso testemunho contra ns.

    O homem racional e livre

    28. 1Entre ns, o prncipe dos maus demnios se chama serpente, satans, diabo ou caluniador, como podeis ver, caso desejardes averiguar isso, atravs de nossas Escrituras. Ele e todo o seu exrcito, juntamente com os homens que o seguem, ser enviado ao fogo para ser castigado pela eternidade sem fim, coisa que foi de antemo anunciada por Cristo. 2Na verdade, a pacincia que Deus mostra em no faz-lo imediatamente, tem como causa o seu amor pelo gnero humano, pois ele prev que alguns se salvaro pela penitncia, entre os quais alguns

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    que talvez ainda no tenham nascido. 3No princpio, ele criou o gnero humano racional, capaz de escolher a verdade e praticar o bem, de modo que no existe homem que tenha desculpa diante de Deus, pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade. 4Se algum no cr que Deus se preocupe com essas coisas, ou ter que confessar com sofismas que no existe, ou existindo, se compraza com a maldade ou permanea insensvel como uma pedra. Virtude e vicio seriam puros nomes e os homens considerariam as coisas como boas ou ms unicamente por sua opinio, o que a maior impiedade e iniqidade.

    A castidade crist

    29. 1Tambm evitamos a exposio das crianas, pois tememos que algumas delas, no sendo recolhidas, venham a morrer e sejamos rus de homicdio. Ns, ou nos casamos desde o princpio para a nica finalidade de gerar filhos, ou renunciamos ao matrimnio, permanecendo absolutamente castos. 2Para vos mostrar que a unio promscua no um mistrio que celebramos, houve o caso que um dos nossos apresentou um memorial ao prefeito Flix em Alexandria, pedindo-lhe que autorizasse seu mdico para cortar-lhe os testculos, pois os mdicos daquele lugar diziam que tal operao no podia ser feita sem permisso do governador. 3Flix negou-se absolutamente a assinar o pedido e o jovem permaneceu solteiro, contentando-se com o testemunho de sua conscincia e o de seus companheiros na f. 4Cremos que no estaria fora de lugar recordar aqui Antnoo, que viveu nesses tempos, a quem todos, por medo, se prostraram para honrar como deus, apesar de saber muito bem quem ele era e de onde vinha.

    A profecia a prova mxima

    30. 1Poderiam nos objetar: "Que inconveniente h em que esse que ns chamamos Cristo seja um homem que vem de outros homens e que, por arte mgica, fez os prodgios que dizemos e, por isso, pareceu ser filho de Deus? Apresentaremos, pois, a demonstrao, no dando f queles que nos contam os fatos, mas crendo por necessidade naqueles

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    que os profetizaram antes de acontecer, da forma que os vemos cumpridos ou que esto se cumprindo diante dos nossos olhos, tal como foram profetizados - demonstrao que acreditamos que parecer a vs mesmos a mais forte e a mais verdadeira.

    A Verso dos Setenta

    31. 1Entre os judeus, houve profetas de Deus, atravs dos quais o Esprito proftico anunciou antecipadamente os acontecimentos futuros, e os reis, que segundo os tempos se sucederam entre os judeus, apropriando-se de tais profecias, guardaram-nas cuidadosamente tal como foram ditas e tal como os prprios profetas as consignaram em seus livros, escritos em sua prpria lngua hebraica. 2Quando Ptolomeu, rei do Egito, se preocupou em formar uma biblioteca e nela reunir os escritos de todo o mundo, tendo tido notcia dessas profecias, mandou uma embaixada a Herodes, que ento era rei dos judeus, pedindo-lhe que mandasse os livros deles. 3O rei Herodes mandou os livros, como dissemos, em sua lngua hebraica. 4Todavia, como seu contedo no podia ser entendido pelos egpcios, Ptolomeu pediu, por meio de uma nova embaixada, que Herodes enviasse homens para os verter para a lngua grega . 5Depois disso, os livros permaneceram entre os egpcios at o presente e os judeus os usam no mundo inteiro. Estes, porm, ao l-los, no entendem o que est escrito, mas considerando-nos inimigos e adversrios, matam-nos, como vs o fazeis, e atormentam-nos sempre que podem faz-lo, como podeis facilmente verificar. 6Com efeito, na guerra dos judeus agora terminada, Bar Kkeba, o cabea da rebelio, mandava submeter a terrveis torturas somente os cristos, caso estes no negassem e blasfemassem Jesus Cristo.

    Profecias sobre Jesus 7Nos livros dos profetas j encontramos anunciado que Jesus, nosso Cristo, deveria vir nascido de uma virgem; que ele chegaria idade adulta, curaria toda doena, toda fraqueza e ressuscitaria dos mortos; que seria invejado, desconhecido e crucificado; que morreria, ressuscitaria e subiria aos cus; que ele e se chama Filho de Deus; que

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    ele enviaria alguns para proclamar essas coisas a todo o gnero humano e seriam os homens das naes aqueles que mais creriam nele. 8E essas profecias foram feitas umas cinco, outras trs, outras dois mil e outras mil e oitocentos anos antes que ele aparecesse no mundo. Com efeito, sabido que os profetas se sucederam uns aos outros, de gerao em gerao.

    32. 1Moiss, que foi o primeiro dos profetas, disse literalmente: "No faltar prncipe de Jud, nem chefe sado de seus msculos, at que venha aquele a quem est reservado. Ele ser a esperana das naes, amarrando seu jumentinho vinha e lavando sua roupa no sangue da uva" . 2Portanto, vosso dever averiguar com todo o rigor e inteirar-vos at quando os judeus tiveram prncipe e rei sado deles, at apario de Jesus Cristo, nosso Mestre e intrprete das profecias desconhecidas, tal como foi de antemo dito pelo Esprito Santo proftico, por meio de Moiss, que no faltaria prncipe dos judeus at aquele para o qual est reservada a realeza. 3Jud foi o antepassado dos judeus, e dele os judeus receberam esse nome, e vs, depois da apario de Cristo, imperastes sobre os judeus e vos apoderastes de toda a sua terra. 4As palavras: "Ele ser a esperana das naes" queria dizer que gente de todas as naes esperar novamente a sua vinda, coisa que podeis ver com os vossos prprios olhos e comprovar na realidade, pois gente de todas as raas de homens espera aquele que foi crucificado na Judia, depois de cuja a morte imediatamente a terra dos judeus foi tomada ao poder de lanas e entregue a vs. 5A expresso: "Amarrando seu jumentinho vinha e lavando sua roupa no sangue da uva" era smbolo do que havia de acontecer a Cristo e do que seria feito por ele. 6Com efeito, foi assim que, na entrada de certa aldeia, estava um jumentinho amarrado a uma parreira, e ele mandou que seus discpulos lho levassem e, depois que o jumentinho foi levado, montou sobre ele e assim entrou em Jerusalm, onde estava o maior templo dos judeus, o mesmo que mais tarde foi destrudo por vs. Depois da entrada em Jerusalm, ele foi crucificado, a fim de que se cumprisse o resto da profecia. 7De fato, a passagem de que lavaria sua roupa no sangue da uva, era anncio antecipado de sua paixo, significando que sofreria para lavar com seu sangue aqueles que

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    acreditariam nele. 8Com efeito, o que o Esprito divino chama pelo profeta "sua roupa", so os homens que crem nele, nos quais habita a semente que procede de Deus, e que o Verbo. 9E fala-se tambm do "sangue da uva", para dar a entender que aquele que havia de aparecer teria certamente sangue, mas no de smen humano, e sim de virtude divina. 10O Verbo a primeira virtude ou potncia depois de Deus, Pai e soberano de todas as coisas, e Filho seu. Como esse se tornou carne e nasceu homem, ns o diremos mais adiante. 11De fato, do mesmo modo que o sangue da uva no feito pelo homem, mas por Deus, da mesma forma dava-se a entender nessas palavras que o sangue de Cristo no procederia de smen humano, mas de virtude de Deus, como j dissemos. 12E Isaas, outro profeta, diz a mesma coisa com outras palavras: "Levantar-se- uma estrela de Jac e uma flor subir da raiz de Isa; e as naes esperaram sobre o seu brao ." Com efeito, uma estrela brilhante se levantou e uma flor subiu da raiz de Isa, que Cristo. 13De fato, ele foi concebido, com a fora de Deus, por uma virgem descendente de Jac, que foi pai de Jud, antepassado dos judeus, de quem eu j falei; segundo o orculo, Isa foi o seu av e Cristo, segundo a sucesso das geraes, filho de Jac e de Jud.

    A concepo virginal

    33. 1Escutai agora como foi literalmente profetizado por Isaas que Cristo seria concebido por uma virgem. Ele diz o seguinte: "Eis que uma virgem conceber e dar luz um filho e lhe poro o nome Deus conosco ". 2O que os homens poderiam considerar incrvel e impossvel de acontecer, Deus o indicou antecipadamente por meio do Esprito proftico, para que quando acontecesse, no lhe fosse negada a f, e sim, justamente por ter sido predito, fosse acreditado. 3Esclareamos agora as palavras da profecia para que, por no entend-la, objetem o mesmo que ns dizemos contra os poetas, quando nos falam de Zeus que, para satisfazer sua paixo libidinosa, uniu-se com diversas mulheres. 4Portanto, "Eis que uma virgem conceber" significa que a concepo seria sem relao carnal, pois, se esta houvesse, ela no mais seria virgem; mas foi a fora de Deus que veio sobre a virgem e a

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    cobriu com a sua sombra e fez com que ela concebesse permanecendo virgem. 5Foi assim que naquele tempo, o mensageiro, enviado da parte de Deus mesma virgem, deu-lhe a boa notcia, dizendo: "Eis que concebers do Esprito Santo em teu ventre e dars luz um filho, que se chamar Filho do Altssimo, e lhe pors o nome de Jesus, pois ele salvar o seu povo de seus pecados" . Assim nos ensinaram os que consignaram todas as lembranas referentes ao nosso Salvador Jesus Cristo, e ns lhes demos f, pois o Esprito Santo proftico, como j indicamos, disse pelo citado Isaas que o geraria. 6Portanto, por Esprito e fora que procede de Deus no licito entender a no ser o Verbo, que o primognito de Deus, como Moiss, profeta antes mencionado, o deu a entender. Vindo ele sobre a virgem e cobrindo-a com sua sombra, no por meio de relao carnal, mas por sua fora, fez com que ela concebesse. 7Quanto a Jesus, nome da lngua hebraica, que significa em grego Sotr, isto , Salvador. 8Da que o mensageiro disse virgem: "Tu lhe pors o nome de Jesus, pois ele salvar o seu povo de seus pecados". 9Que aqueles que profetizam no so inspirados por nenhum outro, mas pelo Verbo divino, suponho que mesmo vs o admitis.

    Lugar de nascimento

    34. 1Escutai agora como Miquias, outro profeta, predisse o lugar da terra em que ele nasceria. Assim diz: "E tu, Belm, terra de Jud, de modo algum s a menor entre os prncipes de Jud, pois de ti sair o chefe que apascentar o meu povo" . 2Sabe-se que h no pas dos judeus uma aldeia que dista de Jerusalm trinta e cinco estdios e que nela nasceu Jesus Cristo, como podeis comprovar pelas listas do recenseamento, feitas sob Quirino, que foi o vosso primeiro procurador na Judia.

    Vrias profecias

    35. 1Tambm foi predito que Cristo, depois de nascer, viveria oculto aos outros homens, at idade adulta. Escutai o que foi dito antecipadamente a esse respeito. 2 o seguinte: "Um menino nasceu,

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    um pequenino nos foi dado, cujo imprio est sobre os ombros" , aludindo essas palavras fora da cruz, qual, ao ser crucificado, juntou os ombros, como a seqncia do discurso mostrar mais claramente. 3E, de novo, o mesmo profeta Isaas, inspirado pelo Esprito proftico, disse: "Eu estendi as minhas mos para um povo que no cr e contradiz, aos que andam por um caminho que no bom. 4E agora me vm pedir julgamento e tm a ousadia de aproximar-se de Deus" . 5E outra vez, por meio de outro profeta, diz com outras palavras: "Eles transpassaram meus ps e minhas mos, e lanaram sorte sobre a minha roupa" . 6Na verdade, Davi, rei e profeta, que disse isso, no sofreu nada disso, mas Jesus Cristo estendeu as suas mos quando foi crucificado pelos judeus que o contradiziam e falavam que ele no era o Messias. Com efeito, como disse o profeta, levaram-no arrastando e, fazendo-o sentar-se numa cadeira de juiz, disseram-lhe: "julga-nos". 7"Transpassaram as minhas mos e os meus ps" significava os cravos que na cruz transpassaram seus ps e mos. 8E depois de crucific-lo, aqueles que o crucificaram lanaram sorte sobre as suas roupas e as repartiram entre si. 9Que tudo isso aconteceu assim, podeis comprov-lo pelas Atas redigidas no tempo de Pncio Pilatos. 10Citamos tambm a profecia de outro profeta, Sofonias, que literalmente profetizou que ele montaria sobre um jumentinho e desse modo entraria em Jerusalm. 11So estas as suas palavras: "Alegra-te muito, filha de Sio; d gritos, filha de Jerusalm. Eis que o teu rei vem a ti manso, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho de um animal de jugo" .

    Regras de interpretao

    36. 1Percebamos que quando ouvis que os profetas falam como em prpria pessoa, no deveis pensar que assim falam os prprios homens inspirados, mas o Verbo divino que os move. 2Algumas vezes ele fala como que anunciando de antemo o que vai acontecer, outras como se estivesse no lugar de Deus, Soberano e Pai do universo, outras na pessoa de Cristo, e outras ainda, das pessoas que respondem ao seu Pai e Senhor. Algo semelhante acontece com vossos prprios escritores, em que um aquele que escreveu tudo, mas so vrias as pessoas que

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    entram no dilogo. 3No entendendo isso, os judeus, que so aqueles que possuem os livros dos profetas, no s no reconheceram a Cristo j vindo, mas tambm odeiam a ns, que dizemos que ele de fato veio, e mostramos que, como fora profetizado, foi por eles crucificado.

    37. 1Para que tambm isso fique claro para vs, eis aqui algumas palavras que foram ditas pelo profeta Isaas, antes mencionado, na pessoa do Pai: "O boi conhece o seu dono e o jumento a manjedoura de seu senhor; mas Israel no me conheceu e o meu povo no me entendeu. 2Ai da nao pecadora, do povo cheio de pecados; descendncia m, filhos inquos: abandonastes o Senhor" . 3De novo, em outra passagem em que o mesmo profeta fala igualmente na pessoa do Pai: "Que casa me edificareis? - diz o Senhor. 4O cu o meu trono, e a terra o escabelo dos meus ps" . 5E outra vez, em outra passagem: "As vossas luas novas e os vossos sbados, a minha alma os detesta; o vosso dia de grande jejum e a vossa ociosidade, eu no os suporto. Nem mesmo quando vos apresentais diante de mim eu vos escutarei. 6Vossas mos esto cheias de sangue. 7At quando me trazeis flor de farinha ou incenso, isso abominao para mim; no quero a gordura de carneiros ou sangue de novilhos. 8Com efeito, quem pediu essas coisas de vossas mos? Desata antes toda atadura de injustia, rompe as cordas dos contratos injustos, cobre aquele que est nu e aquele que no tem teto, reparte o teu po com o faminto" . 9Portanto, com essas passagens podeis entender que tais so os ensinamentos que os profetas do na pessoa de Deus.

    38. 1Quando o Esprito proftico fala na pessoa de Cristo, ele se expressa assim: "Eu estendi as minhas mos a um povo que no cr e contradiz, aos que andam por um caminho que no bom" . 2E, novamente: "Entreguei minhas costas aos aoites e minhas faces s bofetadas, e no afastei o meu rosto da vergonha das cuspidas. 3E o Senhor se tornou o meu auxlio; por isso eu no fui confundido, mas transformei o meu rosto em rocha dura, e soube que no seria confundido, pois est perto aquele que me justifica" . 4E o mesmo quando diz: "Eles lanaram sorte sobre as minhas roupas, e transpassaram as minhas mos e os meus ps; 5mas eu adormeci e me

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    entreguei ao sono e ressuscitei, porque o Senhor me protegeu" . 6E outra vez quando diz: "Cochichavam com os seus lbios e balanaram a cabea, dizendo: Salve-se a si mesmo . 7Podeis comprovar que tudo isso cumpriu-se atravs dos judeus em Cristo. 8Com efeito, estando j na cruz, eles retorciam os lbios e balanavam a cabea, dizendo: "Quem ressuscitou mortos livre-se a si mesmo".

    Profecia cumprida

    39. 1Quando o Esprito proftico fala, profetizando sobre o futuro, ele diz assim: "Porque de Sio sair a lei, e de Jerusalm a palavra do Senhor de Jerusalm; ele julgar no meio das naes e argir um povo numeroso. Quebraro suas espadas e faro arados, e transformaro suas lanas em foices; uma nao no pegar a espada contra outra nao, nem sabero mais o que a guerra" . 2Que assim tenha acontecido, podeis comprov-lo. 3Com efeito, de Jerusalm saram doze homens pelo mundo, e estes ignorantes e incapazes de eloqncia; todavia, pela fora de Deus, persuadiram todo o gnero humano de que haviam sido enviados por Cristo para ensinar a todos a palavra de Deus. Ns, que antes nos matvamos mutuamente, agora no s no fazemos guerra contra os nossos inimigos, mas tambm, por no mentir nem enganar os juzes que nos interrogam, morremos felizes de confessar a Cristo. 4Pudssemos ns aplicar ao nosso caso o dito: "A lngua jurou, mas a alma no jurou". 5Seria ridculo que os soldados que se contratam convosco e se alistam em vossas bandeiras pusessem a lealdade para convosco acima de sua prpria vida, acima dos pais, ptria e tudo o que lhes pertence, embora nada de imperecvel lhes pudsseis oferecer, e ns, que amamos a incorrupo, no suportemos tudo a troco de receber o que esperamos daquele que tem poder para no-lo dar.

    Profecia sobre os apstolos

    40. 1Escutai agora o que foi predito sobre os que pregaram a sua doutrina e anunciaram a sua vinda. O j mencionado profeta e rei diz assim por obra do Esprito proftico: "O dia transmite a palavra a outro dia, e a noite anuncia o conhecimento a outra noite. 2No h discursos

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    nem palavras, cuja voz no se oua. 3Sobre toda a terra se espalhou o som deles, e at aos confins do orbe da terra chegaram as suas palavras. 4No sol colocou a sua tenda, e este, como esposo que sai do seu quarto, se regozijar como gigante para percorrer o seu caminho " . 5Alm disso, acreditamos ser oportuno e apropriado ao nosso intento mencionar outras palavras profetizadas pelo mesmo Davi, atravs das quais podeis inteirar-vos de como o Esprito proftico exorta os homens a viver 6e como mostra a conspirao que Herodes, rei dos judeus, os prprios judeus, Pilatos, que foi vosso procurador na Judia, e seus soldados tramaram juntos contra Cristo. 7Notai tambm como se profetiza que pessoa de toda raa de homens deveriam crer nele, que Deus o chama de seu Filho e promete submeter-lhe todos os seus inimigos; ainda como os demnios, enquanto podem, procuram escapar do poder de Deus Pai e soberano de tudo e de Cristo; por fim, como Deus chama todos penitncia antes de chegar o dia do julgamento. 8As profecias dizem o seguinte: "Bem-aventurado o homem que no anda no desgnio dos mpios, no pra no caminho dos pecadores, nem se assenta no assento da perdio, mas se compraz na lei do Senhor e que dia e noite medita em sua lei. 9Ser como rvore plantada junto s correntes das guas, que dar seu fruto no devido tempo e suas folhas no cairo, e em tudo o que fizer ser bem sucedido. 10No assim os mpios, no assim, mas como o p que o vento espalha sobre a face da terra. Por isso, os mpios no se levantaro no dia do julgamento, nem os pecadores no conselho dos justos. De fato, o Senhor conhece o caminho dos justos e o caminho dos mpios perecer. 11Por que as naes fremiram e os povos meditaram novidades? Os reis da terra apresentaram-se e os prncipes se juntaram contra o Senhor e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos suas amarras e arranquemos de ns o seu jugo'. 12Aquele que habita nos cus rir-se- deles, e o Senhor os far objeto de sua zombaria. Ento, falar-lhes- com ira e com sua indignao os perturbar. 13Eu, porm, fui constitudo por ele como rei sobre Sio, seu monte santo, para anunciar o seu decreto. 14O Senhor me disse: Tu s o meu Filho, eu hoje te gerei. 15Pede-me e te darei as naes como tua herana e os confins

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    da terra como tua propriedade. Apascenta-los-s com cetro de ferro, como vaso de oleiro as fars em pedaos. 16E agora, reis, entendei; instru-vos, vs que julgais a terra. 17Servi ao Senhor no temor, e no tremor regozijai-vos nele. 18Aprendei a disciplina; no acontea que, em certo momento, o Senhor se irrite e pereais saindo do caminho justo, quando de repente sua ira se acender. 19Felizes todos os que nele confiam."

    Profecia sobre o Reino de Cristo

    41. 1Em outra profecia, o Esprito proftico, dando a entender, atravs de Davi, que Cristo haveria de reinar depois de crucificado, diz assim: Louvai o Senhor, terra inteira, e anunciai dia a dia a sua salvao, porque o Senhor grande e digno do maior louvor, temvel sobre todos os deuses. Com efeito, todos os deuses das naes so imagens de demnios, mas Deus fez os cus. 2Glria e louvor em sua presena, fora e orgulho no lugar de sua santificao. Glorificai ao Senhor, aquele que Pai dos sculos. 3Tomai graa e entrai em sua presena, adorando-o em seus santos trios. Toda a terra tema diante de sua face, endireite seu caminho e no se perturbe. 4Que as naes se alegrem: o Senhor reinou pelo madeiro".

    Cristo, nossa alegria

    42. 1Esclarecemos tambm o caso no qual o Esprito proftico fala do futuro como j realizado, como j se pode conjecturar na passagem antes mencionada, a fim de que tambm nisso os que lem no tenham desculpa. 2O que absolutamente conhecido como algo que acontecer, predito pelo Esprito proftico como j conhecido. Que as coisas devam ser assim, ponde toda ateno de vossa mente ao que vamos dizer. 3Davi fez a profecia citada, mil e quinhentos anos antes que Cristo feito homem fosse crucificado, e nenhum dos antes nascidos ofereceu, ao ser crucificado, alegria para as naes, e ningum tambm depois dele. 4Em troca, Cristo, que foi crucificado, morreu e ressuscitou em nosso tempo, no s reinou ao subir ao cu, mas pela sua doutrina,

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    pregada pelos apstolos em todas as naes, a alegria de todos os que esperam a imortalidade que ele nos prometeu.

    Profecia e livre-arbtrio

    43. 1Do que dissemos anteriormente, ningum deve tirar a concluso de que afirmamos que tudo o que acontece, acontece por necessidade do destino, pelo fato de que dizemos que os acontecimentos foram conhecidos de ante-mo. Por isso, resolveremos tambm essa dificuldade. 2Ns aprendemos dos profetas e afirmamos que esta a verdade: os castigos e tormentos, assim como as boas recompensas, so dadas a cada um conforme as suas obras. Se no fosse assim, mas tudo acontecesse por destino, no haveria absolutamente livre-arbtrio. Com efeito, se j est determinado que um seja bom e outro mau, nem aquele merece elogio, nem este, vituprio. 3Se o gnero humano no tem poder de fugir, por livre determinao, do que vergonhoso e escolher o belo, ele no irresponsvel de nenhuma ao que faa. 4Mas que o homem virtuoso e peca por livre escolha, podemos demonstrar pelo seguinte argumento: 5Vemos que o mesmo sujeito passa de um contrrio a outro. 6Ora, se estivesse determinado ser mau ou bom, no seria capaz de coisas contrrias, nem mudaria com tanta freqncia. Na realidade, nem se poderia dizer que uns so bons e outros maus, desde o momento que afirmamos que o destino a causa de bons e maus, e que realiza coisas contrrias a si mesmo, ou que se deveria tomar como verdade o que j anteriormente insinuamos, isto , que virtude e maldade so puras palavras, e que s por opinio se tem algo como bom ou mau. Isso, como demonstra a verdadeira razo, o cmulo da impiedade e da iniqidade. 7Afirmamos ser destino ineludvel que aqueles que escolheram o bem tero digna recompensa e os que escolheram o contrrio, tero igualmente digno castigo. 8Com efeito, Deus no fez o homem como as outras criaturas. Por exemplo: rvores ou quadrpedes, que nada podem fazer por livre determinao. Nesse caso, no seria digno de recompensa e elogio, pois no teria escolhido o bem por si mesmo, mas nascido j bom; nem, por ter sido mau, seria

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    castigado justamente, pois no o seria livremente, mas por no ter podido ser algo diferente do que foi.

    Plato depende de Moiss

    44. 1Esta doutrina foi ensinada a ns pelo Esprito proftico que, por meio de Moiss, nos testemunha que falou ao primeiro homem que havia criado do seguinte modo: Olha que diante de tua face est o bem e o mal: escolhe o bem . 2E, de novo, atravs de Isaas, outro profeta, sabemos que, na pessoa de Deus, Pai e soberano do universo, foi dito o seguinte sobre esse mesmo assunto: 3"Lavai-vos e purificai-vos, tirai a maldade de vossas almas. Aprendei a fazer o bem, julgai o rfo, fazei justia viva; ento, vinde e conversaremos, diz o Senhor. Mesmo que vossos pecados sejam como a prpura, eu os deixarei brancos como a l; mesmo que sejam como escarlate, e os tornarei brancos como a neve. 4Se quiserdes e me escutardes, comereis os bens da terra; mas se no me escutardes, a espada vos devorar, porque assim falou a boca do Senhor" . 5A expresso anterior "A espada vos devorar" no quer dizer que os que desobedecerem sero passados a fio de espada, mas por "espada" deve-se entender o fogo, cuja presa so os que escolheram praticar o mal. 6Por isso, diz: "A espada vos devorar, porque assim falou a boca do Senhor." 7Se tivesse falado da espada que corta e se separa imediatamente, no teria dito "devorar". 8De modo que o prprio Plato, ao dizer: "A culpa de quem escolhe. Deus no tem culpa", falou isso por t-lo tomado do profeta Moiss, pois sabe-se que este mais antigo do que todos os escritores gregos. 9Em geral, tudo o que os filsofos e poetas disseram sobre a imortalidade da alma e da contemplao das coisas celestes, aproveitaram-se dos profetas, no s para poder entender, mas tambm para expressar isso. 10Da que parece haver em todos algo como germes de verdade. Todavia, demonstra-se que no o entenderam exatamente, pelo fato de que se contradizem uns aos outros. 11Concluindo: Se dizemos que os acontecimentos futuros foram profetizados, nem por isso afirmamos que aconteam por necessidade do destino; afirmamos sim que Deus conhece de antemo tudo o que ser feito por todos os homens e decreto seu recompensar

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    cada um segundo o mrito de suas obras e, por isso, justamente prediz, por meio do Esprito proftico, o que para cada um vir da parte dele, conforme o que suas obras meream. Com isso, ele constantemente conduz o gnero humano reflexo e lembrana, demonstrando-lhe que cuida e usa de providncia para com os homens. 12Todavia, pela ao dos maus demnios, decretou-se pena de morte contra aqueles que lerem os livros de Histaspes, da Sibila e dos profetas, a fim de impedir, por meio do terror, que os homens consigam, lendo-os, o conhecimento do bem, e ret-los como seus escravos; coisa que definitivamente os demnios no puderam conseguir. 13Com efeito, no s os lemos intrepidamente, mas tambm, como vedes, ns v-los oferecemos, para que os examineis, pois estamos seguros de que agradaro a todos. Mesmo que consigamos persuadir algumas poucas pessoas, nosso ganho ser muito grande, pois, como bons agricultores, receberemos do amo a nossa recompensa.

    Ascenso e glria de Jesus

    45. 1Agora escutai o que disse o profeta Davi sobre o fato de que Deus, Pai do universo, levaria Cristo ao cu, depois de sua ressurreio dos mortos, e ret-lo-ia consigo at ferir os demnios, seus inimigos, e at se completar o nmero dos que por ele, de antemo conhecidos como bons e virtuosos, em respeito dos quais justamente ainda no foi levada a cabo a conflagrao universal. 2As palavras do profeta so estas: "Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te minha direita, at que eu ponha os teus inimigos como escabelo de teus ps. 3O Senhor te enviar o cetro de poder de Jerusalm, e tu dominars em meio aos esplendores de teus inimigos. 4Contigo o imprio no dia de tua potncia, em meio aos esplendores de teus santos. Do meu seio, antes do astro da manh, eu te gerei . 5Portanto, o que ele diz "Enviar-te- de Jerusalm o cetro de poder" era anncio antecipado da palavra poderosa que, saindo de Jerusalm, os apstolos pregaram por toda parte e que ns, a despeito da morte decretada dos que ensinam ou absolutamente confessam o nome de Cristo, em todo lugar tambm a abraamos e ensinamos. 6E se tambm vs ledes como inimigos estas nossas palavras, alm de matar-

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    nos, como j dissemos antes, nada podeis fazer. A ns, isso nenhum dano causar; a vs, porm, e a todos os que injustamente nos odeiam e no se convertem, trazer-vos- castigo de fogo eterno.

    Cristos antes de Cristo

    46. 1Alguns, sem motivo, para rejeitar o nosso ensinamento, poderiam nos objetar que, ao dizermos que Cristo nasceu somente h cento e cinqenta anos sob Quirino e ensinou sua doutrina mais tarde, no tempo de Pncio Pilatos, os homens que o precederam no tm nenhuma responsabilidade. Tratemos de resolver essa dificuldade. 2Ns recebemos o ensinamento de que Cristo o primognito de Deus e indicamos antes que ele o Verbo, do qual todo o gnero humano participou. 3Portanto, aqueles que viveram conforme o Verbo so cristos, quando do foram considerados ateus, como sucedeu entre os gregos com Scrates, Herclito e outros semelhantes; e entre os brbaros com Abrao, Ananias, Azarias e Misael, e muitos outros, cujos fatos e nomes omitimos agora, pois seria longo enumerar. 4De modo que tambm os que antes viveram sem razo, se tornaram inteis e inimigos de Cristo e assassinos daqueles que vivem com razo; mas os que viveram e continuam vivendo de acordo com ela, so cristos e no experimentam medo ou perturbao. 5O motivo pelo qual ele nasceu homem de uma virgem, pela virtude do Verbo conforme o desgnio de Deus, Pai e soberano do universo, e foi chamado Jesus e, depois de crucificado e morto, ressuscitou e subiu ao cu, o leitor inteligente poder perfeitamente compreend-lo pelas longas explicaes que foram dadas at aqui. 6De nossa parte, como no necessrio demonstrar esse ponto agora, passaremos s demonstraes mais urgentes.

    Sobre a runa de Jerusalm

    47. 1Escutai o que foi predito pelo Esprito proftico sobre devastao futura da terra dos judeus. As palavras foram ditas como que na pessoa daqueles que se maravilham com o acontecido. 2So as seguintes: "Sio ficou deserta, Jerusalm ficou solitria, e a casa, nosso santurio, foi

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    profanada; a glria que nossos pais bendisseram tornou-se presa do fogo e todas as suas maravilhas se fundiram. 3A esse respeito, tu suportaste, te calaste e nos humilhaste muito" . 4Que Jerusalm tenha ficado deserta, tal como fora predito, coisa de que estais bem convencidos. 5E no s se predisse a sua devastao, mas tambm, pelo profeta Isaas, que a nenhum deles seria permitido habitar nela, com estas palavras: "A terra deles est deserta, e os prprios inimigos a devoram diante deles; e deles no haver ningum que nela se encontrasse e decretastes pena de morte contra o judeu que nela habite" . Que vs mesmos montastes guarda para que ningum nela fosse encontrado, coisa que sabeis perfeitamente.

    Os milagres de Cristo

    48. 1Que nosso Cristo curaria todas as enfermidades e ressuscitaria mortos, escutai as palavras com que isso foi profetizado. 2So estas: "Diante dele, o coxo saltar como cervo e a lngua dos mudos se soltar, os cegos recobraro a vista, os leprosos ficaro limpos e os mortos ressuscitaro e comearo a andar". 3Que tudo isso foi feito por Cristo, vs o podeis comprovar pelas Atas redigidas no tempo de Pncio Pilatos. 4Sobre como foi de antemo indicado que ele haveria de ser morto, juntamente com os homens que nele esperam, escutai as palavras do profeta Isaas: 5"Eis como pereceu o justo, e ningum reflete em seu corao; vares justos so tirados do meio, e ningum considera. O justo tirado da vista da iniqidade, e ficar em paz: seu sepulcro tirado do meio".

    A gentilidade

    49. 1Novamente olhai o que o profeta Isaas diz: os povos das naes que no o esperavam, iriam ador-lo; ao contrrio, os judeus que o esperavam, o desconheceram quando ele veio. As palavras so ditas na pessoa de Cristo. 2Ei-las: "Manifestei-me aos que no perguntavam por mim, fui encontrado por aqueles que no me buscavam. Eu disse: Eis-me aqui' a uma nao que no invocava o meu nome. 3Estendi minhas mos a um

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    povo que no cr e contradiz, aos que andam por caminho no bom, mas atrs de seus pecados. 4O povo que me exaspera est diante de mim" . 5Foi assim que os judeus, que possuam as profecias e esperavam continuamente Cristo, quando este veio no o reconheceram; e no apenas isso, pois inclusive o maltrataram. Ao contrrio, os gentios, que nunca tinham ouvido falar dele at que os apstolos, tendo sado de Jerusalm, lhes contaram sua vida e lhes entregaram as profecias, cheios de alegria e de f, renunciaram aos dolos e se consagraram ao Deus ingnito, por meio de Cristo. 6Que de antemo foram conhecidas essas ignomnias que se propagariam contra os que confessam a Cristo e como so miserveis aqueles que o blasfemam, dizendo que bom preservar os antigos costumes, escutai como o profeta Isaas o diz brevemente. 7So suas as palavras: "Ai daqueles que chamam amargo ao doce e doce, ao amargo!".

    A paixo e glria de Cristo

    50. 1Escutai agora as profecias relativas paixo e desonras que, feito homem, ele sofreria por ns, e a glria com que voltar. 2So estas: "Porque entregaram sua alma morte e foi contado entre os inquos, ele tomou os pecados de muitos e se reconciliar com os inquos . 3Eis que meu servo entender, ser levantado e glorificado muito. 4Do mesmo modo como muitos ficaro atnitos tua vista - to desonrada est a tua figura dos homens e tua glria to longe dos homens - assim muitas naes ficaro maravilhadas e reis permanecero silenciosos, porque aqueles para os quais no foi anunciado vero, e os que no ouviram, entendero. 5Senhor quem creu naquilo que ouviu de ns? Para quem foi revelado o brao do Senhor? Anunciamos diante dele como menino, como raiz em terra sedenta. 6Ele no tem beleza nem glria; ns o vimos e no tinha beleza nem formosura, mas o seu aspecto estava desonrado e debilitado em comparao com os homens. 7Homem sujeito ao aoite e que sabe suportar a enfermidade, seu rosto est escondido, foi desonrado e desprezado. 8Leva sobre si nossos pecados e padece por ns, e ns consideramos que ele estava em fadiga, em aoite e desgraa. 9Ele foi ferido por causa de nossas iniqidades e debilitado

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    por causa de nossos pecados. A disciplina da paz estava sobre ele, fomos curados por sua chaga. 10Todos ns andvamos errantes como ovelhas, cada um se desviou pelo prprio caminho. Entregou-se por nossos pecados e, ao ser maltratado, no abre a boca. Foi levado como ovelha ao matadouro; como cordeiro que fica mudo diante daquele que o tosquia, ele tambm no abre a boca. 11Em sua humilhao, o seu julgamento foi tirado". 12Depois de ser crucificado, at seus discpulos o abandonaram e negaram. Depois, porm, quando ressuscitou dentre os mortos e foi visto por eles, depois que lhes ensinou a ler as profecias nas quais estava predito que isso deveria acontecer, e o viram subir ao cu e creram, depois que receberam a fora que de l lhes foi enviada por ele, espalharam-se entre todo tipo de homens, ensinaram-lhes todas essas coisas e foram chamados apstolos.

    51. 1OEsprito proftico, afim de fazer-nos entender que quem padece essas coisas de origem inexplicvel e reina sobre seus inimigos, assim disse: "Quem explicar a sua gerao? De fato, sua vida arrebatada da terra, pelas iniqidades deles caminha para a morte. 2Em lugar de sua sepultura darei os mares e por sua morte os rios, porque ele no cometeu iniqidade e nem se achou engano em sua boca e o Senhor quer purific-lo do aoite. 3Se oferecerdes pelo pecado, vossa alma ver descendncia duradoura. 4O Senhor quer afastar a alma dele da fadiga, mostrar-lhe luz, form-lo na inteligncia, justificar o justo que serviu bem a muitos, e ele mesmo carregar os nossos pecados. 5Por isso, herdar a muitos e repartir os despojos dos fortes, porque sua alma foi entregue morte e por ter sido contado entre os inquos, por ter carregado os pecados e ter-se entregue pelas iniqidades deles". 6Escutai como foi profetizado que ele deveria subir ao cu. 7Diz o seguinte: "Levantai as portas dos cus; abrivos, portas, para que entre o rei da glria. Quem esse rei da glria? O Senhor forte e o Senhor poderoso". 8Que ele tambm h de vir dos cus com glria, escutai o que sobre isso foi dito pelo profeta Jeremias. 9Ele diz assim: "Eis como um filho de homem vem sobre as nuvens do cu, e seus anjos com ele."

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    A dupla vinda de Cristo

    52. 1Como demonstramos que tudo o que aconteceu at agora foi previamente anunciado pelos profetas, agora, como em tudo, necessrio tambm que creiamos no que foi igualmente profetizado, mas que ainda vai acontecer. 2Com efeito, do mesmo modo que o acontecido, antecipadamente anunciado, por mais que no tivesse sido compreendido, aconteceu; assim tambm o que ainda falta para ser cumprido, acontecer, por mais que no se compreenda nem se creia. 3Assim que os profetas anunciaram duas vindas de Cristo: uma, j cumprida, como homem desonrado e passvel; a segunda, quando vir dos cus acompanhado de seu exrcito de anjos, quando ressuscitar tambm os corpos de todos os homens que existiram; revestir de incorruptibilidade os que forem dignos, e enviar os inquos, com percepo eterna, ao fogo eterno, junto com os perversos demnios. 4Vamos mostrar como foi profetizado que isso dever acontecer. 5Foi o profeta Ezequiel quem disse assim: "Unir-se- juntura com juntura, osso com osso, e as carnes voltaro a brotar. 6E todo joelho se dobrar diante do Senhor e toda lngua o confessar". 7Escutai o que foi dito sobre a percepo e o tormento em que se encontraro os injustos. 8 o seguinte: "Seu verme no descansar e seu fogo no se extinguir" . 9Ento eles se arrependero, quando de nada mais lhes valer. 10Sobre o que diro e faro os povos dos judeus, quando o virem vir em glria, o profeta Zacarias disse esta profecia: "Mandarei que os quatro ventos renam meus filhos dispersos, ordenarei ao vento norte que os traga e ao vento sul que no se oponha. 11Ento haver grande choro em Jerusalm, no pranto de bocas e lbios, mas pranto de corao; no rasgaro suas roupas, mas suas almas. 12Cada tribo bater no peito, olharo aquele que transpassaram e diro: Por que, Senhor, nos desviaste de teu caminho? A glria que nossos pais bendisseram converteu-se em oprbrio para ns."

    Profecia sobre a gentilidade

    53. 1Poderamos mostrar muitas outras profecias. Entretanto, terminamos essa prova por aqui, considerando que as citadas so

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    suficientes para convencer aqueles que tm ouvidos para ouvir e entender, e podem assim precaver-se que no somos como os que inventam suas fbulas sobre os supostos filhos de Zeus, que nos contentamos apenas com afirmar, sem termos provas para alegar. 2De fato, por que motivo haveramos de crer que um homem crucificado o primognito do Deus ingnito e que julgar todo o gnero humano, se no encontrssemos testemunhos sobre ele, publicados antes de ele ter nascido como homem e no os vssemos literalmente cumpridos: 3a devastao da terra dos judeus, homens de todas as raas que crem atravs do ensinamento dos apstolos e recusam seus antigos costumes em cujos erros se criaram e ainda ao vermos que ns mesmos, procedentes das naes, somos mais numerosos e mais sinceros cristos do que os judeus e os samaritanos? 4Deve-se saber que o restante de todas as raas humanas so chamadas de naes pelo Esprito proftico; a casta dos judeus e samaritanos, porm, chama-se Israel e Casa de Jac. 5Citarei para vs a profecia que prediz que os crentes sero em maior nmero entre aqueles que procedem da gentilidade do que entre os judeus e samaritanos. Diz assim: "Alegra-te, estril, tu que no concebes; rompe e grita de jbilo, tu que no sofres dores de parto, porque so mais numerosos os filhos da abandonada do que daquela que tem marido" . 6De fato, todas as naes que cultuavam obras manufaturadas estavam abandonadas pelo verdadeiro Deus; mas os judeus e samaritanos, que tinham a palavra de Deus transmitida pelos profetas e estavam constantemente esperando Cristo, vindo este, o desconheceram, exceto alguns poucos, dos quais o Esprito proftico havia predito, atravs de Isaas, que se salvariam. 7Disse pessoalmente sobre eles mesmos: "Se o Senhor no nos tivesse deixado semente, nos teramos tornado como Sodoma e Gomorra" . 8Moiss conta que Sodoma e Gomorra foram cidades de homens mpios que Deus destruiu, queimando-as com fogo e enxofre, sem que nelas algum se salvasse, a no ser um estrangeiro, de origem caldia, chamado L, juntamente com suas filhas. 9Ainda hoje, quem quiser, pode ver toda essa terra que continua deserta, calcinada e estril.

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    10Que os cristos da gentilidade seriam mais sinceros e fiis, 11eis o que disse o profeta Isaas: "Israel incircunciso de corao, as naes o so de prepcio" . 12A contemplao de tantos fatos pode bem levar razoavelmente persuaso e f os que amam a verdade, que no seguem a opinio, nem se deixam dominar por suas paixes.

    As fbulas pags

    54. 1Ao contrrio, os que ensinam os mitos inventados pelos poetas no podem oferecer nenhuma prova aos jovens que os aprendem de cor. E ns demonstramos que foram ditos por obra dos demnios perversos, para enganar e extraviar o gnero humano. 2Com efeito, ouvindo os profetas anunciarem que Cristo viria e que os homens mpios seriam castigados atravs do fogo, colocaram na frente muitos que se disseram filhos de Zeus, crendo que assim conseguiriam que os homens considerassem as coisas a respeito de Cristo como um conto de fada, semelhante aos contados pelos poetas. 3Tudo se propagou principalmente entre os gregos e outras naes, onde mais os demnios tinham ouvido, pelo anncio dos profetas, que se deveria crerem Cristo. 4Ns colocaremos s claras que, embora ouvindo o que dizem os profetas, no o entenderam exatamente, mas parodiaram como charlates aquilo que se refere a Cristo. 5Como j dissemos, o profeta Moiss mais antigo do que todos os escritores e por ele, como j indicamos, foi feita esta profecia: "No faltar prncipe de Jud, nem chefe de seus msculos, at que venha aquele a quem est reservado, e ele ser a esperana das naes, amarrando seu jumentinho na sua videira e lavando sua roupa no sangue da uva". 6ouvindo essas palavras profticas, os demnios disseram que Dioniso tinha sido filho de Zeus, ensinaram que ele tinha inventado a vinha, introduziram o asno em seus mistrios e propagaram que ele, depois de ter sido esquartejado, subiu ao cu. 7Acontece, porm, que na profecia de Moiss no aparecia com clareza se aquele que devia nascer seria Filho de Deus, nem se aquele que deveria montar o jumentinho permaneceria na terra ou subiria ao cu. Por outro lado, o nome de jumentinho, originariamente pode tanto significar a cria do asno como do cavalo. Assim, no sabendo se a

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    profecia deveria ser tomada como smbolo de sua vinda montado num jumentinho de asno ou num potro de cavalo, nem se seria filho de Deus, como dissemos, ou de homem, os demnios inventaram que, Belerofonte, homem nascido de homens, subiu ao cu montado no cavalo Pgaso. 8Como tambm ouviram por outro profeta, Isaas, que haveria de nascer de uma virgem e que por sua prpria virtude subiria ao cu, adiantaram-se com a lenda de Perseu. 9Pela mesma razo, conhecendo o que fora dito dele nas profecias anteriormente citadas: "Forte como um gigante para percorrer seu caminho", inventaram um Hrcules forte, que andava peregrinando por toda a terra. 10Por fim, ao inteirarem-se que estava profetizado que ele curaria todas as enfermidades e ressuscitaria mortos, nos trouxeram a fbula de Asclpio.

    A cruz desconhecida pelos demnios

    55. 1Todavia, em nenhum lugar e em nenhum dos supostos filhos de Zeus arremedaram a crucifixo, por no t-la entendido, pois, conforme dissemos antes, tudo o que se refere cruz foi dito de forma simblica. 2Ela justamente, como predisse o profeta, o maior smbolo de sua fora e de seu imprio, como se manifesta ainda pelas mesmas coisas que caem sob os nossos olhos.

    Com efeito, considerai se tudo o que existe no mundo pode ser administrado ou ter comunicao entre si sem essa figura. 3De fato, no possvel sulcar o mar se esse trofu de vitria, que aqui se chama vela, no se mantm de p no navio; sem ela no se ara a terra; tambm os cavadores e artesos no realizam o seu trabalho sem instrumentos que tm essa figura. 4A prpria figura humana no se distingue em qualquer outra coisa dos animais irracionais, seno por ser reta, poder abrir os braos e levar, partindo de frente, proeminente, o chamado nariz, pelo qual se verifica a respirao do animal, e que no mostra outra coisa que a forma da cruz. 5E o profeta falou desta maneira: "A respirao diante do nosso rosto, Cristo Senhor". 6E ainda as vossas prprias insgnias deixam manifesta a fora dessa figura, isto , vossos estandartes e trofus de vitria, com os quais em todo lugar realizais as vossas

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    marchas, mostrando os sinais do imprio e do poder, at quando o fazeis sem vos dar conta deles. 7As prprias imagens de vossos imperadores, quando morrem, so consagradas por vs com essa figura, e vs os chamais deuses em vossas inscries. 8Uma vez que os exortamos pelo raciocnio e por uma figura patente, na medida de nossas foras, daqui por diante ns no nos sentiremos irresponsveis, mesmo que continueis incrdulos, pois o que dependia de ns j foi feito e chegou ao fim.

    Outra vez Simo mago

    56. 1Os maus demnios, porm, no se contentaram em inventar antes da apario de Cristo as fbulas dos supostos filhos de Zeus. Pelo contrrio, tendo aparecido e conversado com os homens, ficaram sabendo que fora predito pelos profetas que todos nele creriam e que seria esperado em todas as naes e, por isso, como dissemos, lanaram outros, como Simo e Menandro, ambos de Samaria, os quais, realizando prodgios mgicos, enganaram a muitos e ainda os mantm enganados. 2E, com efeito, como j dissemos, estando Simo em Roma, a vossa cidade imperial, no tempo de Cludio Csar, de tal modo ele impressionou o sacro Senado e o povo romano, que foi tido como deus e honrado com uma esttua como a dos outros que vs considerais como deuses. 3Por isso ns vos suplicamos que o sacro Senado e o povo romano conheam este nosso escrito, a fim de que, se houver algum que ainda esteja enganado pelos ensinamentos dele, conhea a verdade e fuja do erro. 4Quanto esttua, se quiserdes, derrubai-a.

    No tememos a morte

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