jurisprudÊncia da sexta turma...roubo qualificado - alegada incompetência dajustiça militar...
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JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
HABEAS CORPUS NQ 6.826 - RJ
(Registro n Q 98.0001658-9)
Relator: O Sr. Ministro Anselmo Santiago
Impetrantes: Fernando Tristão Fernandes e outro
Impetrada: Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Paciente: César Marques da Rocha Filho (preso)
Sustentação Oral: Dr. Fernando Tristão Fernandes, pelo paciente
EMENTA: Habeas corpus - Pedido voltado contra desembargador que, em cumprimento aos termos do acórdão confirmatório da condenação, assina o respectivo mandado de prisão - Providência imediata, que não depende do decurso dos recursos extraordinários.
1. Proferido o acórdão confirmatório da condenação, contra o qual pendem tão-somente os recursos especial e extraordinário, nada impede que, de imediato, seja expedido o competente mandado de prisão contra o condenado, posto que tais recursos não têm efeito suspensivo.
2. Assinale-se que ao paciente apenas se assegurou aguardar solto, o trâmite dos recursos ordinários, já esgotados, não sendo obstativo à sua custódia, o fato de ostentar bons antecedentes, primariedade, residência fixa e trabalho regular.
3. Ordem denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo-
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em denegar a ordem de habeas corpus. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Vicente Leal e Fernando Gonçalves. Ausentes, por
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 333
motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 28 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 29·06·98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Trata-se de habeas corpus impetrado contra a expedição de mandado de prisão (fls. 12), assinado pelo douto Desembargador José Lisboa da Gama Malcher, Presidente da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o qual assim o fez em cumprimento ao acórdão de fls. 118/120, que, modificando a decisão de primeiro grau, elevou a pena do paciente para 8 (oito) anos de reclusão, no regime inicial fechado, como incurso nas cominações do art. 121, caput, c.c. o art. 14, inc. lI, do Código Penal.
A alegação básica do writ se funda no fato de ainda não ter transitado em julgado a sentença condenatória, pendente de recursos extraordinário e especial. Assinala-se, ainda, que o acórdão não determina que a expedição do mandado de prisão seja imediata, mas, tratando-se de réu de bons antecedentes e primário, só após o seu trânsito definitivo.
O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pelo ilustre Sub-
procurador-Geral da República em exercício, Dr. Edson Oliveira de Almeida (fls. 248/249), opina pela denegação do mandamus.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO (Relator): O paciente, processado perante o IV Tribunal do Júri do Estado do Rio de Janeiro, veio a ser condenado por tentativa de homicídio a uma pena de 4 (quatro) anos de reclusão, no regime semi -aberto.
Ambas as partes recorreram, sendo desprovido o recurso do réu e provido o da acusação, com o substancial aumento da pena, como antes revelado.
O acusado, ainda insatisfeito, manejou os recursos extraordinários, quer para o Pretório Excelso, quer para esta Corte.
Sem razão, contudo, quando pretende emprestar efeito suspensivo a tais remédios, que efetivamente não os têm, como enfatiza a Suprema Corte, do que é exemplo o aresto proveniente do HC nº 74.886-4/ SP, DJU de 09.05.97, pág. 18.131, onde o Em. Ministro Ilmar Galvão fez consignar:
"Habeas corpus. Pretendido direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos especial e extraordinário manifestados contra acórdão confirmatório da condenação.
334 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
Ilegitimidade da pretensão, diante da orientação de há muito assente no STF, no sentido de que os recursos sob enfoque não têm o condão de sustar a execução da pena privativa de liberdade.
Habeas corpus indeferido."
Por outro lado, nada existe que confira tal prerrogativa aos condenados que tenham bons antecedentes, sejam primários, emprego regular e residência fixa, para que sejam recolhidos somente após o trânsito em julgado do veredicto condenatório.
Assim, nenhum reparo há de se fazer à providência tomada pela autoridade apontada como coatora, que, na verdade, simplesmente fez por cumprir a determinação do Egr. Colegiado guanabarino, nada impedindo que o fizesse de imediato.
À vista do exposto, acolho o parecer ministerial e denego a ordem.
É o meu voto.
VOTO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Sr. Presidente, esta egrégia Turma tem sempre proclamado o entendimento de que ao réu assiste o direito de recorrer em liberdade, enquanto pendente o julgamento de apelação interposta pela defesa, se permaneceu em liberdade ao longo do processo.
A hipótese, todavia, não se enquadra nesse modelo. Estamos diante de uma decisão já proferida em Segundo Grau de Jurisdição. Tenho proclamado em julgamentos anteriores que se impõe o recolhimento do réu à prisão, não como antecipação da pena, mas como uma prisão de natureza processual, quando já proclamada pelas instâncias ordinárias a pena condenatória. Seja a lei de recursos, seja o Código de Processo Penal estabelece, expressamente, que os recursos especial e extraordinário não têm efeito suspensivo.
Há, na espécie, a necessidade da custódia processual. Não há constrangimento ilegal, nem antecipação de pena.
Assim, acompanho o voto de V. Exa. Denego a ordem.
HABEAS CORPUS NQ 6.877 - RJ (Registro n Q 98.0003913-9)
Relator: O Sr. Ministro Anselmo Santiago Impetrante: Odelson Araújo Palma Impetrada: Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Es
tado do Rio de Janeiro Paciente: Marcos Antônio Vieira da Silva (preso)
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EMENTA: Habeas corpus - Militar condenado, com outros membros da polícia militar, por homicídio consumado e tentado, mais roubo qualificado - Alegada incompetência dajustiça militarAssunto tratado quando de recurso em sentido estrito - Writ que, na ocasião, deveria ser dirigido ao STF - Matéria provavelmente a ser abordada no recurso de apelação, já interposta.
1. Não se tratando de caso de habeas corpus originário, nem de substituição a recurso ordinário, não se pode conhecer de writ que questiona a competência do Júri Popular para julgar o paciente, policial militar, ao invés da justiça castrense.
2. Ademais, o assunto já foi tratado em recurso de sentido estrito, improvido, do que caberia habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal e não para o Superior Tribunal de Justiça.
3. De qualquer forma, tendo o réu apelado da decisão condenatória, é provável que o assunto volte à tona, na oportunidade de se apreciar tal recurso.
4. Writ não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em não conhecer do pedido. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro e Vicente Leal. Ausentes, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson e, justificadamente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.
Brasília, 05 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 25-05-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Trata-se de habeas corpus onde se questiona a competência do IV Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, que condenou o paciente a uma pena de 26 (vinte e seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, como incurso nas cominações do art. 121, § 2º, I e IV, c/c o art. 14, II; art. 121, § 2º, I e IV, c/c o art. 29 e art. 157, § 2º, I e lI, c/c o art. 69, todos do Código Penal.
Segundo consta, o réu, um PM, juntamente com outros colegas de corporação, na calada da noite de 23.04.92, teria assassinado uma pessoa, tentado contra a vida de outra e roubado a moto das vítimas.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da ilustre Subpro-
336 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
curadora-Geral da República, Dra. Julieta E. Fajardo Cavalcanti de Albuquerque (fls. 44/46), opina pelo não conhecimento do writ, quer por não se tratar de impetração originária, quer por não se constituir de habeas corpus com efeito de recurso ordinário.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO (Relator): Tem toda razão a douta representante do Parquet Federal.
Com efeito, a questão da competência foi tratada quando da apreciação do recurso em sentido estrito (fls. 15/19), tendo a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de J ustiça do Estado do Rio de Janeiro decidido pela competência da Jus-
tiça Comum Estadual e não da castrense.
Tal decisão, se enfrentada por um mandamus originário, levaria este para o Supremo Tribunal Federal e não para esta Corte.
Por outro lado, o recurso em habeas corpus aqui distribuído (RRC n Q 7 .0961RJ) , que questionava a possibilidade do paciente apelar em liberdade, já foi julgado e denegado.
Como o réu apelou da decisão condenatória, é até provável que tenha retornado ao tema da incompetência, ensejando nova manifestação do Eg. Sodalício Guanabarino, assunto que escapa à análise do ST J e possivelmente haverá de ser deslindado pelo Pretório Excelso.
À vista do exposto, acolho o parecer ministerial e não conheço do mandamus.
É o meu voto.
HABEAS CORPUS NQ 7.201- SP
(Registro n Q 98.0019650-1)
Relator: O Sr. Ministro Anselmo Santiago
Impetrante: Décio Bonamani de Moraes
Advogados: Drs. José Luiz Bruschini Silveira e outro
Impetrado: Desembargador Relator do Habeas Corpus n. 582815 da 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Décio Bonamani de Moraes
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 337
EMENTA: RHC - Execução fiscal- Penhora de estabelecimento industrial-Previsão legal (§ llldo art. 11, da Lei n Il 6.830/80)Penhora sobre 25% do faturamento da indústria - Nomeação de depositário judicial - Infidelidade - Possibilidade de ser-lhe decretada a prisão civil - Ausência de comprovação das dificuldades no cumprimento do encargo.
1. Embora seja hipótese excepcional, encontra amparo em lei a penhora de estabelecimento industrial, decorrente de execução fiscal (§ I!! do art. 11, da Lei n!! 6.830/80).
2. Desde que nomeado judicialmente para o encargo, há o depositário de cumprir rigorosamente tal missão, ou demonstrar a impossibilidade de bem levá-la a cabo, sob pena de prisão civil.
3. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em denegar a ordem. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro e Fernando Gonçalves. Ausentes, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson e, justificadamente, o Sr. Ministro Vicente Leal.
Brasília, 18 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 10·08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Trata-se de recurso de habeas corpus contra aresto da 8ª
Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 29/33), que indeferiu a ordem à vista da indigência probatória da postulação inicial, onde, para contrariar a decisão que determinou o depósito de 25% (vinte e cinco por cento) do faturamento da empresa, o paciente se limitou a dizer de suas dificuldades financeiras, sem, contudo, nada trazer em abono de suas alegações, sabido que o mandamus exige prova pré-constituída.
No recurso, nada se modificou, havendo apenas a juntada de uma cópia de pedido de parcelamento do ICMS, datado de 13.02.98, sem, no entanto, apontar-se o seu resultado.
O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pela ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Julieta E. Fajardo Cavalcanti de Albuquerque (fls. 36/39), opina pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
338 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, no:vembro 1998.
VOTO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO (Relator): O paciente, como responsável pela firma "Porcelana Santa Rosa Ind. e Com. Ltda.", foi nomeado pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de Pedreira (SP), como depositário de 25% (vinte e cinco por cento) do faturamento dessa empresa, à vista de Execução Fiscal movida pela Fazenda do Estado de São Paulo, devendo depositar a importância daí decorrente, em estabelecimento indicado pelo magistrado processante.
A penhora do estabelecimento industrial é hipótese que, embora excepcional, tem o devido amparo em lei, como ainda há pouco decidiu a 1 ª Seção deste Tribunal, desde que tenha sido infrutífera a tentativa de constrição sobre os outros bens arrolados nos incisos do art. 11 da Lei de Execução Fiscal (Embs. Div.
no REsp nº 48.959/SP, DJU de 20.04.98, p. 11).
Não tendo o recorrente demonstrado que teria havido qualquer irregularidade no ato constritivo, tem-se que o mesmo deve prevalecer, inclusive porque fixado em bases abaixo do que aquele já admitido em precedente judicial, que a fixava em 30% do faturamento (RT: 692/88).
Assim, não havendo a menor prova da impossibilidade de cumprir o que fora judicialmente determinado, é possível a decretação da prisão civil do depositário infiel (BC nº 3.086/PR, ReI. Min. Assis Toledo e HC nº 1.974-1IMG, ReI. Min. Cid Flaquer Scartezzini), não havendo, pois, como albergar o recurso ora em análise.
Em razão de todo o exposto, acolho o parecer ministerial e nego provimento ao apelo.
É o meu voto.
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 7.463 - DF
(Registro nº 98.0022262-6)
Relator: O Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Recorrente: Fernando Boani Paulucci Júnior Recorrido: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Paciente: Francisco das Chagas (preso)
Advogado: Dr. Fernando Boani Paulucci Júnior - defensor
EMENTA: RHC - Execução penal - Regime - Regressão - O regime de cumprimento da pena é determinado na sentença condenatória, admitida transferência a regime mais severo. Impõe-
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se, porém, ensejar direito de defesa ao condenado. Não basta a defesa técnica. Impõe-se, como condição prévia, a audição do condenado (LEP, art. 118, § 2º). Exigência do Direito Penal, da Criminologia e dos Direitos Humanos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, após o voto-vista do Sr. Ministro Fernando Gonçalves, por maioria, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro- Relator. Vencido o Sr. Ministro Anselmo Santiago. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Vicente Leal e Fernando Gonçalves. Ausente, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson.
Brasília, 23 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Relator.
Publicado no DJ de 17-08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Recurso Ordinário interposto por Fernando Boani Paulucci Júnior, em favor de Francisco das Chagas, inconformado com v. acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, denegatório de habeas corpus impetrado objetivando a oitiva
pessoal do paciente em processo de regressão de regime.
A ementa do Eg. TJDF, assim resumiu o julgado:
"Processo Penal: execução penal - Regressão de regime -Ampla defesa do apenado - Não significa ser o mesmo levado fisicamente à presença do Juiz -Ordem denegada.
A LEP, quando fala em seu art. 118, § 2Q
, em ouvir o condenado, não quer dizer que o mesmo seja levado necessariamente à presença do Juiz para apresentar sua oposição técnica ao pedido de regressão requerido pelo MP.
Quando a Constituição fala em amplo direito de defesa significa que o acusado tem todo o direito de ser ouvido pelo Juiz, mas não no sentido literal da palavra de ser levado ao vivo à frente do Juiz para expor pessoalmente suas razões, e sim o de ter acesso à defesa técnica que poderá defendê-lo da pretensão da outra parte da relação processual penal.
Não há qualquer ilegalidade praticada pelo Juiz em não fazer audiência pessoal com o apenado nas hipóteses do art. 118, § 2Q
, da LEP.
Ordem denegada." (fls. 84).
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Razões de recurso às fls. 98/106, aduzindo violação aos arts. 118, § 2º, 194 e 196, todos da LEP, bem como ofensa aos direitos e garantias fundamentais contidos no art. 5º, XXXV, LIV, LVe LVIII da Carta Política.
Salienta o Recorrente, quando da impetração do writ:
"Da Interpretação sistemática de tais dispositivos legais e constitucionais, conclui-se que a estrita observância ao Princípio da ampla defesa, contraditório e do devido processo legal, impõem a necessidade de se ouvir o sentenciado, previamente, através de uma audiência judicial, antes de se decidir sobre a sua regressão" (fls. 07)
Conclui sua irresignação aduzindo:
"Desta forma, o posicionamento adotado pelo MM. Juízo a quo, em não ouvir prévia e pessoalmente o paciente, configura manifesta ilegalidade, gerando coação na liberdade de locomoção deste, na medida em que fica impedido de alcançar os demais benefícios contidos na Lei de Execuções Penais, em face da indefinição de sua situação prisional (comportamental) gerada pelo inquérito disciplinar" (fls. 15)
Parecer do Ministério Público Federal às fls. 111/115, opinando pelo improvimento do recurso. Conclui a Dra. Zélia Oliveira Gomes, Subpro-
curadora-Geral da República, em seu laborioso parecer:
"No caso sob exame, o MM. Juiz indigitado coator, determinou a audiência do sentenciado, através de seu Defensor (fls. 43), o que vale dizer, possibilitou a ele relatar sua versão dos fatos, dar as suas explicações, e apresentar os meios de prova de suas alegações. Está, assim, satisfeito o comando inserto no § 2º, do art. 118, da LEP, que, de modo algum, deixa antever a necessidade de se requisitar a apresentação do penitente para interrogatório pelo Juiz das Execuções, a menos que as alegações produzidas o exijam, certo que não se cuida, na espécie, de nova ação penal contra ele, mas apenas um incidente da execução da pena." (fls. 115)
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (Relator): O tema posto neste recurso foi objeto de trabalho doutrinário de minha autoria; sob o nomen iuris - Execução Penal - contraditório. -Transcrevo-o, integrando este voto:
"A execução da pena recebe, cada vez mais, atenção dos juristas, da Criminologia e dos Direitos Humanos. O Direito Penal vem cumprindo sua missão histórica. Paulatinamente, firmamse princípios que, pouco a pouco,
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reforça o direito de liberdade: reserva legal, pessoalidade, retroatividade benéfica, individualização da pena, proibição de penas infamantes, responsabilidade subjetiva.
O Direito Processual PenaIs egue a mesma direção. Constitucionalmente, com sacrifícios, é verdade, implantam-se regras: contraditório, plenitude de provas, respeito ao título penal executórw. A presunção de inocência impede a execução antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (conquista najurisprudência, ainda em andamento). Apesar do disposto no art. 105 da Lei de Execução, verbis: "Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução". A execução penal, todavia, ainda não conquistou o mesmo patamar daqueles setores dogmáticos. A Lei n Q 7.210/84 afastou definitivamente a concepção meramente administrativa. Registra, sem dúvida, garantia jurisdicional. Está ultrapassado o tempo em que o condenado era tido como objeto, e não sujeito da execução.
A execução penal competirá ao juiz (art. 65) e o procedimento correspondente às situações previstas na lei será judicial, desenvolvendo-se perante o Juízo da Execução.
As decisões do juiz estão sujeitas ao "recurso de agravo", sem efeito suspensivo (art. 197).
o dispositivo é lógico. Cada decisão gera direito e obrigação; aquele não pode ser afrontado e as obrigações por seu turno, cumpre serem impostas. Daí o acesso ao recurso, tanto pelo condenado como pelo Ministério Público.
Em sendo constituída a relação jurídica, define-se o complexo de direitos e obrigações contrapostos.
O condenado, durante a execução, conquista direitos, paulatinamente, de que são exemplos: progressão nos regimes, detração e remição da pena, suspensão condicional da execução da pena, livramento condicional, saídas temporárias, conversão da pena restritiva de liberdade em restritiva de direitos. Substituição da pena por medida de segurança.
Uma vez obtido modo mais favorável para o cumprimento da condenação, eventual alteração implica redução, ou perda de direito; por isso, deverá obedecer à regra dos artigos 194 usque 197. Vale dizer, desenvolver-se-á procedimento judicial, iniciado de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa. Dar-se-á o contraditório. Dispõe o art. 196 que o condenado e o Ministério Público serão ouvidos em três dias, quando não configurarem como requerentes da medida. E mais: em havendo necessidade de prova, far-se-á a instrução. Caso contrário, o juiz decidirá de plano.
A sanção mais grave aplicável ao condenado, sem dúvida, é a
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regressão, ou seja, a passagem de um regime para outro mais rigoroso, como acontece com o aberto para o semi-aberto e este para o fechado. Reclama-se, por isso, o contraditório. O art. 118 da LEP, próprio da regressão, especifica, nos respectivos incisos, as causas da regressão: I - prática de fato definido como crime doloso, ou falta grave; H - condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torna incabível o regime; IH - o condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses antes mencionadas, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta. No caso dos incisos I e IH, o referido artigo da lei, no § 2º, é categórico: "deverá ser ouvido, previamente, o condenado".
Coloca-se importante interrogação: essa audição é obrigatória, ou facultativa, deixada a critério do Juiz de Direito? Permitida mera manifestação do defensor?
A resposta reclama, antes, a colocação sistemática do instituto. É, sem dúvida, direito de defesa, resposta à imputação. Em se considerando o contraditório, importante particular não pode ser olvidado. Ao lado da defesa técnica, admissível a defesa pessoal. O condenado, o titular do direito ameaçado, integrante da relação jurídica própria do procedimento, interessado pessoal, não pode ser alijado, não obstante a presunção do defensor. A
audição faz-se necessária. Somente será dispensada se o condenado estiver foragido, ou impossibilitado de fazê-lo.
O comando da Lei de Execução, no particular, não pode ser postergado, ainda que se invoquem dificuldades materiais de deslocamento, ou contato com o D?-agistrado.
Cumpre afastar-se a idéia de solução meramente técnica que leva a simples resultado formal.
Não se pode esquecer a pena, conforme definição do art. 59 do Código Penal é estabelecida "conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime".
No momento da execução, evidente, continua a evidenciar esses atributos. O contato pessoal do juiz com o condenado é salutar, indispensável. A defesa técnica visa, em plano de igualdade, responder à acusação técnica. O condenado, o grande protagonista do processo, precisa ser conhecido do magistrado. O contato pessoal é indispensável no processo moderno. Aliás, o Código de Processo Penal comina sanção de nulidade deixar-se de interrogar o réu, quando presente (art. 564, IIl, e). Não se trata, evidente, de mera formalidade; busca, sem dúvida, conhecer o acusado. A regra também é válida para a execução penal. É o direito de explicação não afetado pela sentença condenatória".
O v. acórdão desprezou a audição do condenado porque acarreta trans-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 343
torno administrativo e ônus material.
Na fundamentação, colhe-se:
"O que não se deve é burocratizar sistematicamente o simples procedimento para apuração de falta grave disciplinar, através de expedientes que visivelmente levarão a VEC ao caos administrativo, já que além de desnecessária a presença do apenado frente ao Juízo para o exercício da ampla defesa, tal apresentação acarretaria uma movimentação desnecessária e até mesmo inexistente de escoltas entre os núcleos prisionais e o Juízo" (fls. 88).
Dou provimento ao recurso para, cassando o v. acórdão, e, por isso, também a decisão monocrática, determinar a audição do condenado.
VOTO- VISTA
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Sr. Presidente, trata-se de recurso em habeas corpus interposto em prol de Francisco das Chagas, aduzindo infringência aos arts. 118, § 2º, 194 e 196, todos da LEP, além de ofensa aos direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º, XXXV, LIV, LV e LVIII da Constituição Federal.
O eminente Relator deu provimento ao recurso, cassando o acórdão proferido pelo Tribunal a quo e a sentença monocrática, determinando, ainda, a oitiva do condenado.
Com efeito, dada a judicialização da execução penal, ex vi do disposto no art. 194 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (LEP), na dicção de Júlio Fabbrini Mirabete (Execução Penal-Atlas - 1996 - pág. 426), inclinou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do STF, em contraposição à tese esposada pelo ven. acórdão, no sentido de que no procedimento de regressão, o sentenciado dever ser ouvido pessoalmente pelo juiz (art. 118, § 2º), não sendo, em princípio, suficiente o acesso à defesa técnica. Neste sentido o entendimento da 5ª Turma (REsp 61.567-RJ - DJU de 29.05.95 - ReI. o Min. Costa Lima e RHC 7 .464-DF - ReI. o Min. Felix Fischer), cujo acórdão ostenta a seguinte ementa:
"Execução penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Art. 118 § 2 Q da LEP.
N o procedimento de regressão, o sentenciado deve ser ouvido, pessoalmente, desde que possível, pelo juiz nos termos do art. 118, § 2º da LEP.
Recurso conhecido e provido."
Na 6ª Turma a matéria encontra idêntica solução, como se pode observar do julgamento do RHC 7.020-RO, ReI. Ministro William Patterson (DJU de 02.02.98) e RHC 6.138 - SP - ReI. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro (RSTJ 102/467), assim ementado:
"RHC - Execução Penal - Regime - Regressão - O regime
344 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
de execução da pena, aspecto da individualização, resulta do título executório. A regressão é admissível, obediente ao devido processo legal. Não pode ser determinada, a título cautelar. Comando do disposto no art. 118, § 2Q
da LEP, devendo "ser ouvido, previamente, o condenado. Olvidado o rito, resta caracterizado o constrangimento ilegal."
Também no STF, no julgamento do HC 76.270-SP, pelo voto do Ministro Marco Aurélio, restou assentado, no essencial, verbis:
"Medida cautelar - Liberdade -Ausência de previsão legal. Ao contrário do que ocorre no âmbito instrumental civil, o poder de cautela, no campo penal, emjogo a liberdade do cidadão, há de estar previsto na lei. Descabe implementá-lo, tendo em conta a regressão a regime de cumprimento mais rigoroso, prevista no inciso I do artigo 118 da Lei de Execução Penal, no período que antecede a audição do condenado, formalidade essencial imposta pelo § 2Q do aludido artigo. Precedente: Habeas Corpus n Q
75.662-0/SP, por mim relatado, perante a Segunda Turma, e julgado na sessão de 03 de março de 1998."
A doutrina, capitaneada por Mirabete, explica o motivo da exigên-
cia legislativa, sob a ótica de que, mesmo na hipótese de regressão, decorrente da prática de fato definido como crime doloso ou falta grave, haverá possibilidade de o condenado se justificar. Quanto à prática de crime doloso, ensina o penalista, "pode ter ocorrido uma descriminante ou dirimente, ter havido instauração de inquérito policial com abuso de poder, perseguição policial, etc. Também pode justificar o condenado a prática de fato definido como falta grave ou demonstrar de plano a improcedência da imputação a ela relativa."
Como se vê, o desideratum legal é apenas assegurar a ampla oportunidade de defesa, mesmo no caso de fuga. Uma vez recapturado o condenado, deverá ser ouvido. A norma do art. 118, § 2Q
, da LEP é incisiva e não comporta entendimento diverso. A possibilidade de a medida inviabilizar o sistema penitenciário é apenas hipotética, pois a lei não proíbe o deslocamento do magistrado, em sendo o caso, até o estabelecimento penal.
Assim sendo, acompanho o eminente Relator e dou provimento ao recurso.
VOTO - VENCIDO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Senhores Ministros, data venia, fico vencido.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 345
RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 7.474 - SP
(Registro n Q 98.0024044-6)
Relator: O Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Recorrente: Ordem dos Advogados do Brasil- Secção de São Paulo
Recorrido: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo
Paciente: Glauco Belini Ramos
Advogados: Drs. Vagner da Costa e outro
EMENTA: HC - Constitucional - Processual Penal - Habeas corpus - Relação processual - Início - A doutrina debate a respeito do momento da formação da relação processual. E mais, se tal relação é linear, angular, ou triangular. No particular, data venia, insuperáveis as lições de Leone. O ilustre professor italiano desenvolve o raciocínio que segue: a relação jurídico-processual é, na verdade, um feixe de relações; como tal, vincula várias pessoas. Quando deduzida queixa, ou denúncia, forma-se relação entre o querelante, ou Ministério Público e o Juiz; quando este despacha, mandando citar o querelado, ou o réu, novas relações se postam. De um lado, entre o juiz e o citado. E mais. Entre o citado e o querelado, ou o Ministério Público. Com efeito, relação jurídica (inclui a processual) é vínculo entre duas pessoas (pelo menos), compreendendo complexo de direitos e obrigações contrapostos. Não há triângulo, ou relação angular. Quando o juiz determina o comparecimento das partes para a audiência de conciliação, na verdade, há uma relação entre o magistrado e o querelante, e outra com o querelado. E mais. Não se confundem com a relação já existente entre querelante e querelado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Sr. MinistroRelator os Srs. Ministros Vicente
Leal, Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago. Ausente, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson.
Brasília, 26 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Relator.
Publicado no DJ de 03-08-98.
346 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Recurso Ordinário interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo, em favor de Glauco Belini Ramos, contra v. aresto do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo não conhecendo do habeas corpus impetrado objetivando trancamento de ação penal entre Abimael Alarcon e Condomínio Edifício Itararé.
O v. acórdão encontra-se assim fundamentado:
"O ajuizamento puro e simples da queixa-crime, sem seu formal recebimento, sobre não constituir constrangimento ilegal, também não instaura a persecutio criminis privada. Daí a impossibilidade jurídica de pretender-se o trancamento de ação penal, a rigor inexistente, cuja infrutífera conciliação, ainda que passada em juízo, se considera apenas e tão-somente condição de procedibilidade da ação penal privada." (fls. 96)
Razões às fls. 99/103, alegando:
"Sendo a audiência de conciliação ato de processo não se pode negar a coação, a ameaça à liberdade do recorrente e a conseqüente procedibilidade de se restabelecer a ordem jurídica através do Habeas Corpus." (fls. 103)
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 112/114) pelo não provimento.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (Relator): Abimael Alarcon e Condomínio Edifício Itararé apresentaram queixa contra o Paciente, atribuindo-lhe os crimes definidos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal (fls. 14/ 15).
O despacho de fls. 16 determinou a intimação e designou audiência de reconciliação. Expedido o mandado (fls. 43).
Nas informações, o MM. Juiz registra:
"Não, há, portanto, ainda ação penal privada instaurada" (fls. 60)
O tema posto a julgamento não é do dia-a-dia forense.
A doutrina debate a respeito do momento da formação da relação processual. E mais, se tal relação é linear, angular, ou triangular.
No particular, data venia, insuperáveis as lições de Leone. O ilustre professor italiano desenvolve o raciocínio que segue: a relação jurídico-processual é, na verdade, um feixe de relações; como tal, vincula várias pessoas. Quando deduzida queixa, ou denúncia, forma-se relação entre o querelante, ou Ministé-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 347
rio Público e o Juiz; quando este despacha, mandando citar o querelado, ou o réu, novas relações se postam. De um lado, entre o juiz e o citado. E mais. Entre o citado e o querelado, ou o Ministério Público.
Com efeito, relação jurídica (inclui a processual) é vínculo entre duas pessoas (pelo menos), compreendendo complexo de direitos e obrigações contrapostos. Não há triãnguIo, ou relação angular. Quando o juiz determina o comparecimento das partes para a audiência de conciliação, na verdade, há uma relação entre o magistrado e o querelante, e outra com o querelado. E mais. Não se confundem com a relação já existente entre querelante e querelado.
Leciona o ilustre mestre:
"L'unità deI rapporto processuale si completa mediante il carattere di progressività; col quale si vuole intendere che il rapporto processuale pua attraversare fasi e gradi vari (giudizio di prima istanza, nel cui ambito si presentano la fase della istruzione e la fase della cognizione; gradi di impugnazione) nei quali tuttavia non mutano ne i soggetti, ne l'oggetto deI rapporto processuale (in sede d'impugnazione l' oggetto pua essere di minore ambito, ma non diverso).
NelI' interno deI rapporto processuale penale possono profilarsi delle situazioni particolari riconducibili allo schema deI rapporto giuridico (relazioni tra le parti ovvero tra le parti od una
di esse ed il giudice). Questa vasta rete di singoli particolari rapporti giuridici, mentre deve essere indubbiamente riconosciuta, non vale a disgregare la visione complessiva dell'unitario rapporto processuale; tali particolari relazioni costituiscono uma rifrazione deI rapporto processuale penale e ne delineano l' aspetto dialettico e possono percia essere denominate rapporti processuali derivati." (Leone, "Elementi de Diritto e Procedura Penale", J ovene, N apoli, 3ª ed., págs. 223/224.)
N essa linha, data venia, o simples deferimento da queixa formou relação jurídico-processual. O feixe, sem dúvida, ainda não se completara. Todavia, há um ato juridicamente relevante. O querelado tem direito de não ver prosperada (conclui-se o feixe), se existente alguma ilegalidade.
Se o fato deduzido, por exemplo, for atípico, eventual punibilidade estiver extinta, ou, ilustrativamente, o requerente não evidenciar legitimidade, lógico, data venia, configurar-se-á o legítimo interesse de cortar cerce o desenvolvimento do processo.
O acórdão, eruditamente fundamentado, data venia, não espelha o melhor entendimento.
Repita-se: o constrangimento (em tese) existe. Bem fundamentam as razões de recorrer, subscritas pelo i. advogado Vagner da Costa:
"Sendo a audiência de conciliação ato de processo não se pode
348 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
negar a coação, a ameaça à liberdade do recorrente e a conseqüente procedibilidade de se restabelecer a ordem jurídica através do Habeas Corpus." (fls. 103)
Não está havendo, prima facie, sequer ameaça ao direito de locomo-
ção. Ajurisprudência, todavia, tem sido tolerante com a extensão do Habeas Corpus, em homenagem ao direito de liberdade.
Dou provimento ao recurso a fim de o E. Tribunal prosseguir o julgamento.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA NQ 9.505 - DF
(Registro nQ 98.0015238-5)
Relator: O Sr. Ministro Fernando Gonçalves
Recorrente: Luís David Andrade de Freitas
Advogados: Dr. Carlos Eduardo Dornas e outro
Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territános
Impetrado: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Recorrida: União Federal
EMENTA: Processual Civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Ausência de preparo. Deserção.
1. No que pertine aos requisitos de admissibilidade, ao recurso ordinário em mandado de segurança aplicam-se as regras do Código de Processo Civil relativas à apelação (Lei n Q 8.038/90, art. 34).
2. Necessidade de recolhimento do preparo. Caso em que o recorrente não adotou essa providência.
3. Recurso não conhecido em face da aplicação da pena de deserção.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Participaram do julgamento os Ministros Vicente Leal
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 349
e Luiz Vicente Cernicchiaro. Ausente, por motivo de licença, o Ministro William Patterson. Impedido o Ministro Anselmo Santiago.
Brasília, 16 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro VICENTE LEAL, Presidente. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Relator.
Publicado no DJ de 31-08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Luís David Andrade de Freitas e outros contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios assim ementado, verbis:
"Constitucional- Administrativo - Processual Civil - Servidores do antigo juizado de menores - Gratificação judiciária -Mandado de segurança - Utilização como ação de cobrança -Impossibilidade - Extinção do processo.
1. Destina-se o mandado de segurança à proteção de direito líquido e certo, sendo inadmissível sua utilização como ação de cobrança, consoante resulta induvidoso, no caso concreto, do pedido formulado.
2. Processo que se extingue, sem exame do mérito, em obséquio aos precedentes da Corte." (fls, 70)
Em síntese, aduzem os recorrentes que o Tribunal de origem na verdade apreciou o mérito do writ ao fundamentar-se na Súmula 269 do STF. Requerem a reforma da decisão, concedendo-se a segurança.
Contra-arrazoado (fls. 116-124) o recurso, ascenderam os autos a esta Corte, manifestando-se a douta Subprocuradoria Geral da República pelo desprovimento (fls. 128-130).
É o relatório.
VOTO
o SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (Relator): O recurso não deve ser conhecido.
Com efeito, na hipótese, quanto aos requisitos de admissibilidade, aplicam-se as regras do Código de Processo Civil relativas à apelação (Lei nº 8.038/90, art. 34).
Contudo, não há nos autos comprovante de pagamento do preparo, conforme exige o art. 511 do CPC. Este é o entendimento desta Corte. Confira-se:
"Processual Civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Falta de preparo. Deserção.
- É deserto o recurso se a parte que o interpõe não comprova, na origem o respectivo preparo.
- Recurso não conhecido." (RMS nº 8.039/ES, ReI. Min. Felix Fischer, DJU de 30.06.97)
"Recurso ordinário em mandado de segurança. Apelação. Denega-
350 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
ção da segurança. Princípio da fungibilidade. Deserção. Artigo 511 do Código de Processo Civil.
1. Apesar dos recorrentes terem ingressado com recurso de apelação, deve ser relevado o equívoco da denominação, eis que indicada, expressamente, a norma do artigo 105, inciso II, alínea b, da Constituição Federal, pertinente ao recurso ordinário, único cabível na hipótese.
2. O recurso ordinário, previsto no artigo 496, inciso V, do Código de Processo Civil, deve atender a norma geral do artigo 511 do mesmo diploma, exigindo-se que o preparo seja efetuado, em regra, até a interposição do recurso.
3. Recurso ordinário não conhecido ante a deserção." (RMS n Q
6.441/DF, ReI. Min. CarlosAlberto Menezes Direito, DJU 15.09.97)
O recurso está deserto e, portanto, dele não conheço.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Sr. Presidente, acompanho o Sr. Ministro-Relator na conclusão, embora a Corte Especial haja decidido esta matéria. A votação majoritária é apenas por um voto. Certamente, o tema voltará à discussão. Se durante o prazo de recurso, o recorrente, mediante outra petição, acrescentar outras razões, é evidente, dentro desse período seria possível evidenciar o preparo. Acredito, no caso concreto, faltou às inteiras o preparo.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N!! 9.610 - GO
(Registro n!! 98.0022820-9)
Relator: O Sr. Ministro Fernando Gonçalves
Recorrente: Noemy Alves de Faria
Advogados: Drs. Eliane Aires e outros
Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Impetrado: Secretário de Adminístração do Estado de Goiás
Recorrido: Estado de Goiás
Advogados: Drs. Luiz Carlos Duarte Mendes e outros
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
EMENTA: Administrativo. Servidor público estadual. Prestação de serviço em empresa pública. Volta ao cargo efetivo. Continuação do vencimento que percebia. Impossibilidade. Malferimento ao princípio da irredutibilidade de vencimentos. Inocorrência.
1 - O servidor público que prestava serviço junto à Administração Indireta (empresa pública), quando retorna ao seu cargo efetivo, não tem direito líquido e certo a continuar recebendo o mesmo valor, a título de vencimento, pois, nesse caso, não há se falar em irredutibilidade constitucional (art. 7º, VI).
2 - Recurso ordinário improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Impedido o Ministro Anselmo Santiago. Participaram do julgamento os Ministros Vicente Leal e Luiz Vicente Cernicchiaro. Ausente, por motivo de licença, o Ministro William Patterson.
Brasília, 16 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro VICENTE LEAL, Presidente. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Relator.
Publicado no DJ de 03-08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por N oemy Alves de Faria contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado, verbis:
"Mandado de segurança. Servidor Público Estadual. Disposição. Retorno ao órgão de origem. 01- O servidor público do Estado posto à disposição de empresa pública, sem ônus para o órgão de origem, ao retornar a este, não tem direito líquido e certo a continuar percebendo o salário pago por aquela, senão o salário do cargo de que é titular na Administração Direta. 02 - Eventual diferença a menor, do salário do cargo originário em relação ao pago pela empresa na qual se encontrava à disposição não constitui redução de salário nos termos preconizados pelo art. 79 , inciso VI, da CF, maxime quando o salário pago pela empresa se devia a contrato de trabalho tido como irregular pela Administração". Segurança denegada (fls. 73/74)
Aduz a recorrente que há malfe-rimento ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos (art. 7Q
, inciso VI, da Constituição Federal), além do que tem direito adquirido a continuar recebendo os valores que percebia enquanto prestava serviço à administração indireta (empresa pública estadual).
352 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
Sem contra-razões (fls. l05v), ascenderam os autos a esta Corte, manifestando-se a douta Subprocuradoria Geral da República pelo improvimento do recurso (fls. 118-119).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (Relator): O acórdão recorrido está, assim fundamentado, verbis:
"Quanto ao mérito, cumpre ressaltar, conforme já o disse emjulgamento de caso similar, que embora sensibilizado com a situação angustiante por que passam hoje os Servidores do Estado que se encontravam à disposição de empresas públicas, na Administração Indireta, e agora se vêem obrigados a retornarem ao órgão de origem na Administração Direta, com o salário irrisório do cargo originário, não vislumbro qualquer eiva de ilegalidade ou abusividade nesse ato da Administração, que não pode, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade, atribuir ao servidor estatutário, portanto titular de cargo de provimento efetivo, o salário que vinha percebendo durante o período de disposição, com base em contrato de trabalho subordinado às normas da CLT.
Não é o caso, tampouco, de ofensa a direito adquirido, nem violação de direito líquido e certo, porquanto, o retorno do servidor
ao seu órgão de origem, em virtude da anulação do contrato de trabalho firmado com empresa da Administração Indireta, não lhe confere direito a continuar percebendo o salário previsto no contrato declarado nulo, mas sim o salário do cargo no qual foi enquadrado. Ou seja, a situação estabelecida através do contrato de trabalho com a empresa pública não subsiste com o retorno do servidor ao órgão de origem, onde vigora o regime estatutário, não podendo a Administração se sujeitar às obrigações de natureza trabalhista assumidas durante o período em que o servidor esteve à disposição de outro órgão.
Embora, no caso vertente, tenha ocorrido de fato um rebaixamento no salário da impetrante, com o seu retorno ao órgão de origem, a rigor não se pode falar em redutibilidade do salário, nos moldes preconizados pelo art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal, haja vista, que o que se deu na realidade foi o rompimento de uma relação de emprego, tida como irregular pela Administração (o que não cabe à justiça comumjulgar, por tratar-se de matéria trabalhista), e o retorno da servidora ao cargo originário, tendo em vista o reconhecimento do seu vínculo funcional com o Estado, sob o regime estatutário.
Assim, a pretensão da impetrante, afigura-se totalmente destituÍda de suporte jurídico, vez que a concessão da segurança nos moldes pretendidos, implicaria em se
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 353
reconhecer-lhe a um só tempo, as garantidas e os benefícios do regime estatutário, ao qual está subordinada, e o salário do emprego, cujo contrato fora declarado nulo pela Administração, o que, obviamente, é inaceitável.
Daí porque, não vislumbro qualquer eiva de ilegalidade na prática do ato impugnado, o que, de resto, é entendimento desta Corte, reiteradamente proclamado através de brilhantes decisões proferidas em casos similares, conforme julgados abaixo:
"Ementa: Mandado de segurança. Servidor público. Vínculo laboral com o poder público reconhecido. Vencimento. Novo padrão inferior ao anteriormente recebido. Direito líquido e certo.
O servidor, cujo vínculo laboral com o Estado é finalmente reconhecido, sujeita-se, doravante, ao padrão vencimental no qual foi enquadrado no seu órgão de origem, não tendo direito adquirido a receber vencimento outro, paga antes do estabelecimento do vínculo estatutário, especialmente quando as vantagens que quer incorporar são típicas dos órgãos diversos onde prestou serviços à disposição dos requisitantes. Segurança denegada."
"Ementa: Funcionário público em disposição. Retorno ao órgão de origem. Redução da remuneração. Isonomia.
Retornando o funcionário à sua função de origem, os seus vencimentos devem ser iguais aos de-
mais servidores da mesma categoria. Diante da legalidade do ato impugnado, não há direito líquido e certo a ser tutelado. Segurança denegada." (2ª CC. MS nº 6.394-5/101-j. Em 17.10.95 -Rela. Dra. Marília Jungmann Santana).
"Ementa: Funcionário público à disposição. Retorno ao órgão de origem. Inexistindo lei que prevê a possibilidade do servidor público, colocado à disposição, incorporar vantagens ali obtidas, falece para o impetrante o prefalado direito líquido e certo a lhe ensejar a segurança buscada, porquanto ainda pesa dúvida e incerteza sobre a delimitação de seu direito. Segurança denegada, à unanimidade de votos." (2ª CC. MS. n Q 7.206-j. Em 24.09.96 -ReI. Des. Fenelon Teodoro Reis).
"Ementa: O funcionário público, posto à disposição de empresa pública estadual, sem ônus para o órgão de lotação originário, ao qual é devolvido, não tem direito líquido e certo de continuar percebendo a remuneração que lhe era paga por aquela entidade. Segurança denegada." (2ª CC. MS nº 7.207 j. em 22.10.96 -ReI. Dr. Roldão Oliveira Carvalho).
A teor de tais razões, acolhendo em parte o judicioso Parecer ministerial, denego a segurança impetrada." (fls. 79/84)
Ao assim decidir o julgado atacado encontra-se em inteira consonância com o entendimento desta Corte, no sentido de que, o servidor pú-
354 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
blico que prestava serviço junto à Administração Indireta (empresa pública), quando retorna ao seu cargo efetivo, não tem direito líquido e certo a continuar recebendo o mesmo valor, a título de vencimento, pois, nesse caso, não há se falar em irredutibilidade constitucional (art. 7Q
, VI).
A propósito do assunto, o seguinte precedente:
- Administrativo. Funcionário público estadual. Vantagens per-
cebidas em outro órgão. Preservação. Descabimento.
- Inexiste direito líquido e certo a preservação de vantagens percebidas em outro órgão, durante o período de prestação de serviço neste, na qualidade de requisitado.
- Recurso desprovido." (ROM8 n Q 8.534/GO, ReI. Min. William Patterson, DJ 20/10/97)
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
RECURSO ESPECIAL NQ 115.365 - DF
(Registro n Q 96.0076374-7)
Relator: O Sr. Ministro William Patterson
Recorrente: Felismino Alves Ferreira Neto
Advogado: Dr. Ernesto Guimarães Roller
Recorrido: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
EMENTA: Penal. Júri. Quesitos. Formulação. Ordem.
- O acolhimento da tese da desclassificação do crime, pelo Tribunal do Júri, prejudica os demais quesitos. Demais disso, a alegada inversão da ordem, nos termos em que colocados, constitui nulidade relativa, não protestada no momento oportuno.
- Recurso Especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a se-
guir, após o voto-vista do Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, por maioria, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. MinistroRelator. Vencidos os 81'S. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro e Vicente Leal. Votaram com o Sr. Minis-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 355
tro-Relator os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago.
Brasília, 23 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro WILLIAM PATTERSON, Relator.
Publicado no DJ de 03-08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: - Adoto como relatório o despacho de admissão do recurso, da lavra do ilustre Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (fl. 244):
"Trata-se de recurso especial fundamentado no "artigo 105, inciso lU, e alíneas", da Constituição Federal, interposto contra acórdão unânime da Primeira Turma Criminal desta Corte de Justiça, cuja ementa encontra-se vazada nos seguintes termos:
"Processo Penal - Júri -Desclassificação - Vício de quesitação.
A inversão na ordem dos quesitos é nulidade relativa, devendo o protesto ser lançado na ata do julgamento, a fim de que não ocorra a preclusão.
Desclassificado o delito pelo Conselho de Sentença, não fica o Juiz Presidente obrigado a continuar a votação dos demais quesitos formulados.
Recurso parcialmente conhecido. Improvido." (fi. 224)
Sustenta o recorrente que a decisão impugnada violou o disposto nos artigos 484, do Código de Processo Penal e 59, inciso LV, da Constituição Federal, além de ter divergido do Enunciado n 9 156 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
O Ministério Público ofertou contra-razões ao recurso nas fls. 240/242.
Cabível e tempestivo o recurso especial, analiso os demais requisitos exigidos à sua admissibilidade.
Registre-se de início, que, embora não tenha o insurgente indicado com precisão o permissivo constitucional autorizador de seu inconformismo, pela leitura das razões, verifica-se que pretendia ampará-lo no artigo 105, inciso lU, alíneas a e c, da Carta da República.
Esclareça-se, ainda, que dispositivos constitucionais, não podem ser discutidos em sede de recurso especial.
Todavia, no que se refere ao alegado malferimento do artigo 484 do Código de Processo Penal, merece ser a matéria apreciada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, eis que a tese da existência de inversão dos quesitos é consistente.
No que se refere a dissenso interpretativo, tem-se que a invocada divergência não foi compro-
356 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
vada nos moldes exigidos pelo artigo 255 e parágrafos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e artigo 541 do Código de Processo Civil.
Com essas considerações, defiro o processamento do recurso especial apenas pela alínea a, do inciso lII, do artigo 105, da Lex Mater."
o Ministério Público Federal opinou no sentido do desprovimento do recurso (fls. 249/252).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON (Relator): A disposição legal em que se arrima o especial (art. 484, do CPP) estabelece:
"Os quesitos serão formulados com observância das seguintes regras:
I - o primeiro versará sobre o fato principal, de conformidade com o libelo;
C .. ) III - se o réu apresentar, na
sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime, ou desclassifique, o juiz formulará os quesitos correspondentes, imediatamente depois dos relativos ao fato principal; C .. )."
A circunstância da inversão da ordem dos quesitos não é questio-
nada, porquanto o próprio Tribunal de Justiça a reconheceu, consoante se extrai desses lances dos votos que compõem o aresto:
"Levado a novo Júri em 14.03.96, a defesa abraçou a tese de legítima defesa real e própria e a da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. O Júri, após reconhecer por 6 x O votos, que o Réu não quis o resultado morte, decidiu (5 x 2) que assim agindo o Réu não assumiu o risco de produzir o resultado morte, ficando prejudicados os quesitos referentes às outras teses defendidas.
O MM. Juiz desclassificou a imputação feita ao Réu e com espeque no artigo 492, § 2Q
, do C.P.P., apreciou e julgou procedente, condenando o Réu a 04 (quatro) anos de reclusão, em regime aberto, por infração ao artigo 129, § 3Q
, do Código Penal."
E, mais adiante, é explícito:
"A nulidade do julgamento pelo argumento da inversão da ordem dos quesitos é desprezível, eis que trata-se de nulidade relativa que não foi anotada na Ata de Julgamento, ocasião em que o protesto deveria ser lançado."
Em relação a esse ponto da decisão alega o Recorrente que se cuida de matéria de ordem pública, gerando nulidade absoluta e insanável.
O equívoco é manifesto. Na verdade cuida-se de nulidade relativa,
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 357
cuja argüição deve ser feita no momento oportuno, e, mais ainda, mostrando o prejuízo para o réu, dela decorrente. Saliente-se por oportuno, que não se trata da nulidade absoluta prevista na Súmula n Q 162-STF.
Como se não bastasse, o MPF, por seu ilustre representante, Subprocurador-Geral da República, Dr. José Flaubert Machado Araújo, mostrou que não ocorreu a hipótese discutida (fl. 251):
"Não se verifica ofensa ao citado dispositivo legal, visto que, por questão de lógica processual, o quesito sobre desclassificação do crime deve preceder aos demais quesitos, já que, sendo aceita a tese desclassificação pelo Conselho de Sentença, a competência não mais será do Tribunal do Júri, mas sim do Juiz Singular.
Assim, irretocável a decisão do Juiz-Presidente do Tribunal do Júri, confirmada pelo Tribunal, no sentido de julgar prejudicados os demais quesitos."
Em relação à alínea c, do permissivo constitucional, a divergência não foi demonstrada, nos termos formais exigidos no art. 255 do RISTJ.
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
VOTO- VISTA
o SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Sr. Presiden-
te, trata-se de caso em que o recorrente,julgado pelo Tribunal do Júri do Distrito Federal, foi absolvido.
O Ministério Público recorreu.
O Tribunal considerou que a decisão se apoiava em provas manifestamente contrárias e o submeteu a novo julgamento.
Nesse segundo julgamento do Júri, na resposta ao questionário, os jurados reconfirmaram a materialidade, a letalidade, mas negaram o dolo direto e o dolo eventual.
O juiz, então, avoca o processo, profere a sentença e condena o recorrente pelo crime de lesão corporal, seguida de morte.
Esse é o fato (lê).
E, assim, o fez.
Houve recurso, cuja motivação era de que a negativa do dolo fora incluída no questionário por solicitação do Ministério Público. E a defesa, em Plenário, postulara a exclusão da ilicitude, de legítima defesa própria. Subsidiariamente, a inexigibilidade de outra conduta. Teria havido, segundo a defesa, inversão da ordem do questionário; primeiro deveria, segundo diz, questionar a respeito das teses expendidas em Plenário.
N esse ponto, data venia, não assiste razão ao recorrente. Por questão de ordem lógica processual, imprescindível se faz o Tribunal do Júri decidir sobre a sua competência. Aliás, desnecessário seria que a própria defesa, ou a acusação, manifestasse, ou solicitasse qualquer quesito a esse respeito. Não é
358 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
possível adentrar-se ao mérito antes de esgotar-se o juízo de competência.
Peço, todavia, vênia ao eminente Relator, para suscitar matéria não debatida nos autos, entretanto, porque de nível constitucional, a qualquer instante, e mesmo incidentalmente, dever-se-á enfrentá-la.
Repito, no disposto do art. 492, § 2º, do Código de Processo Penal, se for desclassificada a infração para outra atribuída a competência do Juiz singular, ao Presidente do Tribunal caberá proferir, em seguida, a sentença. Foi exatamente o que aconteceu.
O contraditório impõe que a denúncia, no caso do júri, o libelo, especifique a infração penal imputada ao réu. Evidente, irá se defender, dada a extensão da imputação, da infração posta, como o fez. N egou a presença da ilicitude, argüiu a legítima defesa própria e, subsidiariamente, a inexigibilidade de conduta diversa. Não houve imputação, nem na denúncia, nem no libelo, de outro crime; foi-lhe imputado crime doloso contra a vida. Ora, o art. 492, dizendo: "Em havendo a desclassificação, o Juiz avoca o processo e profere a sentença ... " -e, no caso concreto, condena por infração penal diversa da imputação, ou seja, lesão corporal, seguida de morte (art. 129, § 3º) -, data venia, contrasta, impede, afeta o contraditório. O réu não se defende senão da imputação. Não é possível querer que a defesa elabore as hipóteses possíveis. Conseqüentemente, possa o juiz concluir sem o
contraditório próprio, agora, da desclassificação. Não há dúvida, o júri disse: "Não há crime doloso contra a vida", mas, como houve agressão e, daí, a morte, em tese, pode ocorrer o crime de lesão corporal seguida de morte. Apesar de não levantada nos autos, mas por ser constitucional, insisto em argüir ofensa ao direito de defesa.
Assim, data venia, conheço do recurso especial, a fim de cassando a respeitável sentença, determinar que se reabra o contraditório especificado agora crime que não seja doloso contra a vida, ou seja, art. 129, § 3º.
VOTO - VENCIDO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Sr. Presidente, o art. 384 prevê a hipótese de, reconhecendose a possibilidade de nova definição jurídica do fato, abrir-se espaço para a defesa.
Entendo que na conjugação das duas disposições do Código de Processo Penal (arts. 383 e 384) e em respeito maior ao pri.ncípio da ampla defesa e do contraditório, assiste razão à divergência em se acautelar, mesmo não estando a matéria posta no recurso especial. Em se tratando de matéria de ordem pública, matéria penal que envolve o direito de liberdade, é de melhor justiça adotar-se a providência reclamada pela divergência do que aguardar que, eventualmente, a defesa ingresse com um pedido de revisão dessa decisão no Supremo Tribunal Federal.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 359
Entendo que, em respeito à melhor justiça e aos princípios do contraditório e da ampla defesa e da conjugação dessas regras do processo penal, há de se prover o recurso da defesa para anular a decisão.
VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Sr. Presidente, com a devida vênia, acompanho o voto do eminente Ministro-Relator. A matéria não foi colocada no recurso da própria defesa, por isso entendo que há o óbice em sede de recurso especial para, de ofício, se examinar.
VOTO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Sr. Presidente, acompanho o Sr. Ministro-Relator, com a devida vênia do eminente Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
É como voto.
VOTO - VISTA VENCIDO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Sr. Presidente, como a matéria que suscitei é minoritária, então, quanto ao mais, acompanho o voto do eminente Ministro-Relator. Efetivamente, negada a competência do Tribunal do Júri, todo o restante do questionário restou prejudicado.
RECURSO ESPECIAL NQ 120.169 - DF
(Registro nQ 97.0011433-3)
Relator: O Sr. Ministro William Patterson
Recorrente: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Recorrido: Viturino Pereira de Souza
Advogado: Dr. Tawfic Awwad
EMENTA: Penal. Júri. Quesitação. Legítima defesa. Excesso.
- A negativa, pelos jurados, de excesso doloso ou culposo, na legítima defesa, embora reconhecendo a ocorrência do excesso, não exige a formulação de novos quesitos.
- Recurso Especial não conhecido.
360 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Vicente Leal, Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 02 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro WILLIAM PATTERSON, Relator.
Publicado no DJ de 30-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: Adoto como relatório o despacho de admissão do recurso, da lavra do ilustre Presidente do Colendo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (fl. 160):
"Cuida-se de recurso especial fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea a da Constituição Federal, interposto contra acórdão unânime da Primeira Turma Criminal desta Corte de Justiça, cuja ementa encontra-se vazada nos seguintes termos:
"Processo Penal - Júri -Quesitação dos excessos nas
descriminantes - Negativas dos excessos doloso e culposo -Excesso casual - Absolvição.
Negados os quesitos dos excessos doloso e culposo, na legítima defesa, resta caracterizado o excesso casual. Reconhecida a excludente de ilicitude, mantém-se a sentença absolutória. Se a lei determina a quesitação das modalidades dolosa e culposa do excesso, é óbvio que admite um tertium genus, o chamado excesso casual, que não afasta a descriminante acolhida." (fl. 139).
O Ministério Público alega que o decisum impugnado violou o disposto nos artigos 23, parágrafo único, e 25, ambos do Código Penal e artigo 564, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
Apesar de regularmente intimado, o recorrido não apresentou contra-razões ao apelo nobre.
Cabível e tempestivo o recurso, analiso os demais requisitos exigidos à sua admissibilidade.
O insurgente defende a tese de que não poderia o Conselho de Sentença, após reconhecer excesso de legítima defesa, afastar o dolo e a culpa. Aduz, ainda, ser juridicamente inaceitável a absolvição do réu com fundamento em excesso casual, ponto, aliás, não debatido em Plenário e não submetido aos jurados.
Como se observa, a tese é consistente, merecendo ser submeti-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 361
da ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Em face do exposto, defiro o processamento do recurso especial."
o Ministério Público Federal opinou no sentido do desprovimento do recurso (fl. 168).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON (Relator): Os arts. 23 e 25 do Código Penal, invocados na irresignação recursal, cuidam da conceituação da legítima defesa como princípio da exclusão de ilicitude, sendo que o último estabelece cláusula condicional, qual seja o uso moderado dos meios necessários.
A seu turno, o art. 593, lU, a e c, do Código de Processo Penal, dispõe sobre as hipóteses em que cabe o recurso de apelação das decisões do Tribunal do Júri (nulidade posterior à pronúncia e erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança, respectivamente).
O voto condutor desenvolveu raciocínio no sentido de que "a legítima defesa só se integra com o uso moderado dos meios necessários; mas o excesso pode-se verificar tanto na escolha dos meios como no uso que deles fizer o réu." Também recusou a nulidade do julgado quanto à quesitação, porquanto, configurado o excesso, exige-se formulação dos quesitos sobre as modalidades dolosa e culposa, tão-somente.
Estou de inteiro acordo com tais considerações. Na verdade, os dispositivos legais invocados não exprimem o entendimento cogitado no recurso. Da exclusão do dolo e da culpa no excesso da legítima defesa forçoso é reconhecer a desnecessidade de nova quesitação, para procura de causa não prevista no parágrafo único do art. 23 do CP.
De assinalar, ainda, que a orientação jurisprudencial indica caber formulação de quesitos sobre moderação e excesso (doloso ou culposo), mesmo negado o uso dos meios necessários. É o que se vê do precedente do Pretório Excelso, citado pelo MPF (fl. 167):
"Ementa: Habeas corpus. Júri. Tentativa de homicídio privilegiado. Nulidade da sentença por vício na quesitação: falta de quesito obrigatório. Legítima defesa. Excesso culposo. Fixação da pena-base: vício.
1- Negado pelo Júri o quesito concernente à necessidade dos meios empregados pelo agente, ainda assim devem ser questionadas a moderação e a natureza do excesso culposo no encerramento da seriação dos quesitos da legítima defesa.
2 - Nulidade absoluta do julgamento, pelo Júri, por falta de quesito obrigatório (Súmula 156).
3 - Tratando-se de defeito no questionário que pode levar o Conselho de Sentença a erro, mesmo não argüido na Sessão do Júri, impõe-se a declaração da
362 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
nulidade do julgamento, para que outro se realize, ficando prejudicada a tese relativa à nulidade da sentença por vício na fixação da pena.
4 - Precedentes.
5 - Habeas Corpus deferido para anular o julgamento do Tribunal do Júri, por vício de quesitação, determinando que outro seja realizado."
As circunstâncias que conduzem ao reconhecimento no excesso da legítima defesa (dolo ou culpa) podem conduzir ao convencimento de que causas outras levaram àquele resultado, caso fortuito, por exemplo. Se assim é, a duplicidade de forma não infirma a possibilidade de outra conduta, e sendo esta estranha na conceituação objetiva não haveria lugar para outra formulação de quesitos.
A propósito, lembro essas valiosas considerações de Álvaro Mayrink da Costa (in "Direito Penal", vol. I, Tomo I, pág. 785):
"A reforma da Parte Geral de 1984 ao introduzir a rubrica
"excesso punível" no tratamento da "exclusão da antijuricidade" fez punir o autor do fato que atue em legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, ou exercício do direito, se houver excesso doloso ou culposo.
Pode o autor não ter desejado o excesso, o qual só ocorreu por erro de cálculo quanto à gravidade das circunstâncias factuais, devendo-se distinguir as hipóteses de erro escusável universal (erro de proibição) e de erro inescusável vencível a nível do injusto pessoal (o autor, pelas circunstâncias pessoais, não poderia ter cometido o fato. É o caso dos crimes culposos, em que o autor, por força do dever de cuidado, deveria prever o resultado, e como não quis o excesso, obra por erro de proibição vencível)."
Também não vislumbrei, no particular, vícios que pudessem conduzir às nulidades argüidas.
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
RECURSO ESPECIAL Nº 129.263 - DF
(Registro nº 97.0028559-6)
Relator: O Sr. Ministro William Patterson
Recorrente: Rosemary Nobre Parreira
Advogados: Drs. Oscar Cerveira de Sena e outros
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 363
Recorrido: Distrito Federal
Advogados: Drs. José Raimundo das Virgens Ferreira e outros
EMENTA: Administrativo. Concurso público. Limitação de altura. Edital.
- Sem apoio em texto de natureza legislativa, não pode o edital estabelecer limitações da espécie (altura).
- Recurso Especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, pela alínea a, conhecê-lo pela alínea c e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro, Vicente Leal, Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago.
Brasília, 03 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro WILLIAM PATTERSON, Relator.
Publicado no DJ de 18-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: Adoto como relatório o despacho de admissão do recurso especial, da lavra do ilustre Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (fls. 115):
"Cuida-se a espécie de recursos especial e extraordinário interpostos com base nos arts. 105, In, a e c, e 102, In, a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pela 5ª Turma Cível deste Tribunal, cuja ementa ficou assim redigida:
"Concurso público. Atividade em corporação militar. Estabelecimento de requisito de altura mínima. Possibilidade.
Inexiste discriminação se o concurso para provimento de cargos do Quadro de Soldados do corpo de bombeiros Militar, ainda que seja para área especializada, estabelece um requisito de altura mínima. 'A especialidade da função assume aspecto secundário porque os servidores militares sujeitamse a peculiaridades próprias da caserna, obrigados todos às mobilizações, em casos de perturbação da ordem, guerra, catástrofes, práticas diárias de condicionamento físico, etc. A concessão do mandamus prejudicaria a classificação daqueles que preenchem os requisitos da lei e do edital, e favore-
364 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
ceria a quem os não tem' (Precedentes da Corte)" (fl. 53).
o recorrente, no especial, afirma que foi violado o art. 5Q
, caput, da Constituição, eis que a decisão impugnada desrespeitou o princípio da isonomia, julgando válida a norma do edital que exigiu altura mínima de 1,60m para os candidatos a especialistas na área de saúde.
Em comprovação do dissídio jurisprudencial, é apresentado, como paradigma, um acórdão STJ.
No extraordinário, é apontado como malferido o art. 5Q
, caput, da Carta Política, por ter sido ofendido o princípio da isonomia.
Contra-razões nas fls. 99/107.
O Ministério Público se manifestou contrariamente ao deferimento do recurso especial e favoravelmente ao do extraordinário.
Os recursos são cabíveis e tempestivos. Passo ao exame dos outros pressupostos de admissibilidade.
No que tange ao especial, incabível é a invocação de ofensa a texto constitucional, razão por que o recurso não pode prosperar por esse fundamento. Entretanto, o paradigma trazido à balha pelo recorrente versa sobre caso idêntico, tendo a Segunda Turma daquela egrégia Corte repelido o entendimento defendido pelo acórdão recorrido. Além de razões de ordem constitucionalofensa ao princípio da isonomia
-, foram abordados outros temas, como, exempli gratia, se pode ver no voto do eminente Ministro José de Jesus Filho: "Também não tenho dúvida, e peço vênia ... para acompanhar o Sr. Ministro Peçanha Martins, até porque exigir para o quadro de oficiais do quadro de saúdedentista a altura de um metro e sessenta, seria exagero de forma" (fls. 95). E ainda a ementa do paradigma, em seu item 2 estabelece: "2. Tal requisito, imposto apenas para ingresso na corporação como praça, não guarda compatibilidade com o Estatuto do Pessoal da Polícia Militar daquele Estado".
Quanto ao extraordinário, não resta dúvida de que a matéria constitucional- princípio da isonomia - devidamente prequestionada, possa ser analisada nos moldes adotados pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, considerando inconstitucional a norma do edital que exigiu a altura mínima de 1,60m para os candidatos a especialistas na área de saúde do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal."
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON (Relator): O recurso, no tocante ao fundamento da alínea a do permissivo constitucional, não enseja motivação para o seu conhecimento, visto como invoca-se pre-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 365
ceito da Lei Maior afrontado pelo decisum, o que não é possível na via do especial.
Todavia, quanto à divergência jurisprudencial está ela suficientemente comprovada, atendidas as recomendações do art. 255 do RISTJ.
N a verdade, cuida-se de tema já amplamente debatido neste Colegiado, qual seja o de limites impostos a candidatos a concurso público, diante das regras constitucionais que proíbem discriminação da espécie. A propósito, venho entendendo que, em casos que tais, a legislação pode estabelecer critérios razoáveis para fixação de condições ao ingresso no serviço público, a teor do princípio inscrito no item I, do art. 37, da CF/ 88. Lembro, por exemplo, esse acórdão de minha lavra (RMS n Q 2.446-RS):
"Administrativo. Concurso público. Limite de idade. Fixação em lei.
- Se a legislação ordinária fixou limite de idade para concurso público, descabe recusar sua aplicação, porquanto a própria Lei Fundamental atribuiu àquela a incumbêncía de tal avaliação."
Mutatis mutandi, igual postulado há de ter alcance, também, em restrições como a espécie, ou seja, a limitação de altura. Somente ao legislador é conferida a faculdade de estipular esse tipo de critério. Ao edital autônomo, sem vinculação a texto legal, isso é defeso.
Embora tal aspecto esteja nas lindes de matéria constitucional, própria do recurso extraordinário, tenho que o dissenso jurisprudencial autoriza resolver a questão em sede do especial, por isso que examinado no precedente (RMS n Q 1.643/MG) (fls. 84/97) hipótese exatamente idêntica a destes autos, vale dizer, onde o edital do concurso criou igual dificuldade, e foi, ao contrário da conclusão do aresto recorrido, rechaçado. É o que se infere da ementa respectiva (fls. 84), verbis:
"Administrativo - Recurso em mandado de segurança - Polícia Militar de Minas Gerais -Concurso público - Cargo de oficial de saúde.
l. É inconstitucional a exigência editalícia de estatura mínima para candidato a cargo de Oficial de Saúde da Polícia Militar de Minas Gerais.
2. Tal requisito, imposto apenas para ingresso na Corporação como praça, não guarda compatibilidade com o Estatuto do Pessoal da Polícia Militar daquele Estado (Lei 5.301/69, art. 5Q
).
3. Recurso ordinário a que se dá provimento."
Advirta-se, por oportuno, que a inconstitucionalidade declarada foi incidental, em mandado de segurança, nas mesmas condições em que se deu, no particular, a sentença de primeiro grau. (cfr. fls. 38).
Ante o exposto, não conheço pela alínea a, conhecendo-o pela alínea c, e lhe dando provimento.
366 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Sr. Presidente, acompanho o eminente Ministro-
Relator, considerando a atividade específica que a recorrente irá exercer. Especificamente, será de enfermeira. Evidente, para esta atividade a altura não é fundamental.
RECURSO ESPECIAL NQ 148.227 - PR
(Registro nQ 97.0064958-0)
Relator: O Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Recorrente: Rivadávia Fiorillo Menarim
Recorrido: Ministério Público do Estado do Paraná
Advogados: Drs. Julio César Melo Lopes e outro
EMENTA: REsp - Processual Penal- Incidente de falsidadeProcuração - Poder especial- O art. 146 do Código de Processo Penal exige poder especial para instauração do incidente de falsidade. O processo penal visa a projetar a verdade real. É finalidade de natureza material. O procedimento, apesar de disciplinador de condutas, não pode impedir que o fim seja alcançado. Conclusão oposta levará a contrastar a teleologia do processo. Assim, na falta do respectivo poder na procuração, cumpre abrirse oportunidade para o defensor agir. O procedimento submetese ao processo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Vicente Leal, Fernando Gonçalves e Anselmo Santia-
go. Ausente, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson.
Brasília, 21 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Relator.
Publicado no DJ de 15-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Recurso Es-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 367
pecial interposto por Rivadávia Fiorillo Menarim com fulcro no art. 105, III, a da Carta Política, objetivando o seu conhecimento e provimento, a fim de reformar decisão a quo que obstaculizou incidente de falsidade argüido pela ora Recorrente.
O v. acórdão recorrido sintetiza o julgado com a seguinte ementa:
"Recurso em sentido estrito. Incidente de falsidade. Procedimento. Ilegitimidade postulatória. Art. 146 do Código de Processa Penal. Incidente levantado através de instrumento procuratório que não contém poderes especiais do advogado, para a argüição de falsidade de documentos.
Recurso conhecido e improvido." (fls. 96)
Da decisão acima transcrita foram opostos embargos declaratórios que, à unanimidade, restaram rejeitados (fls. 111).
Alega a Recorrente no especial ofensa aos artigos 381 e 581, XVIII do Código Processual Penal, tendo em vista a preterição da verdade material face à formal. Insurge-se, ainda, quanto à extinção do incidente de falsidade sem a necessária sentença, aduzindo ser a certidão de auxiliar juramentada do cartório criminal ineficaz para proporcionar a pleiteada prestação jurisdicional.
Contra-razões do especial às fls. 129/130.
Recurso Especial admitido por força de provimento em agravo de instrumento (fls. 149).
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 153/161), da lavra da Dra. Julieta E. Fajardo Cavalcanti de Albuquerque, opinando pelo não conhecimento do Recurso, e, caso conhecido, pelo seu provimento, a fim de que seja determinada a instauração do respectivo incidente de falsidade documental pelo juízo monocrático.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (Relator): A denúncia foi recebida no dia 10 de setembro de 1993 (fls. 35); imputa os crimes de lesão corporal leve (art. 129), desacato (art. 331) e resistência (art. 329, § 1 Q). A pena mais grave é de reclusão de 1 a 3 anos. Não se operou, pois, a extinção da punibilidade.
O processo penal busca a demonstração da verdade real. É finalidade de natureza material. Em conseqüência, o procedimento, apesar de disciplinador de condutas, não pode impedir que tal seja alcançada. Conclusão oposta levaria a contrastar a teleologia do processo.
Se, de um lado, o Código de Processo Penal reclama poder especial, na procuração, para o advogado provocar o incidente de falsidade, não menos verdadeiro, a fim de o destino ser alcançado, cumpre, na ausência de poder especial, abrir-se oportunidade para o defensor poder agir. Conjuguem-se, assim, o fim do processo e a disciplina do procedimento.
368 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
o douto parecer do Ministério Público Federal, subscrito pela ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Julieta E. Fajardo Cavalcanti de Albuquerque, ilustra, com propriedade:
"Nas palavras de Rogério Lauria Tucci (in Princípios e Regras Orientadoras do Novo Processo Penal Brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 1986, pág. 146), verbis:
N esse sentido, aliás ganha relevo a doutrinação de Guglielmo Sabatini, ao expressar que, diferentemente do que acontece no processo civil, o conceito penalístico de sentença justa tende a identificar-se, sobretudo e melhor, com o de sentença contemplativa da verdade objetiva.
c. .. ) Esse o motivo pelo qual,
agudamente, observa Fenech que a regra da verdade material traz ínsita a vedação às partes de obstaculizar, de qualquer maneira, a sua perquirição, de sorte que o juiz possa atingi-la e, com ela, basificar a sua sentença; bem como a concepção de normas processuais aptas à aquisição da verdade material c. .. ).
Aduza-se que a viabilização de tal escopo se dá pela definição legal da instrução probatória, em que se subsume a prova penal, numa atividade destinada à comprovação da ver-
dade material, constitutiva, simultaneamente, de um método para a condução do processo penal à sua finalidade imediata e específica, e a via adequada à consecução desse escopo, consubstanciado na aplicação da norma jurídica material ao caso concreto." (fls. 157/158)
A r. sentença considerou desnecessária a produção da prova. No recurso em sentido estrito, foi postulado o seguimento ao processo de "incidente de falsidade" (fls. 62).
O acórdão estadual, entretanto, decidiu apenas quanto à regularidade do instrumento de mandato.
N o Especial, o recorrente encerra, no pedido:
" ... dando-se prosseguimento ao incidente de falsidade, de acordo com o devido processo legaL." (fls. 121)
O acórdão não decidiu quanto ao acerto, ou equívoco da sentença, tendo a prova como dispensável.
O Recorrente, em Embargos de Declaração, insistiu que desejava a realização da prova. O E. Tribunal entendeu inexistido qualquer pressuposto do recurso.
Em sendo assim, está prequestionada a matéria.
Conheço do Recurso Especial a fim de, outorgado o poder especial ao procurador, realize-se a prova pleiteada.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 369
RECURSO ESPECIAL Nº 159.092 - DF
(Registro nº 97.0091157-8)
Relator: O Sr. Ministro Vicente Leal
Recorrentes: Tania Franco Lima Rocha e outros
Recorrida: União Federal
Advogados: Clementino Humberto Contreiras de Almeida e outros
Sustentação Oral: Drs. Clementino Humberto Contreiras de Almeida, pelo recorrente e a Dra. Márcia Dometilla Lima de Carvalho, Subprocuradora-Geral da República
EMENTA: Processual Civil. Mandado de segurança. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Ilegitimidade passiva ad causam. Secretários parlamentares, Enquadramento no serviço público efetivo do senado federal. Julgamento extra petita. Ocorrência.
- Se o acórdão recorrido, proclamado em sede de apelação em mandado de segurança, não decidiu o mérito da impetração, limitando-se a confirmar a sentença que declarou extinto o processo por ilegitimidade passiva ad causam da autoridade impetrada, fazendo-o sob a premissa de que se postulava a reintegração em face de dispensa, quando o que se postulou foi o enquadramento no serviço público efetivo do Senado Federal como Secretários Parlamentares, resta configurado a ocorrência de julgamento extra petita.
- Recurso especial parcialmente conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso para anular a sentença de Primeiro Grau, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago. Ausentes, por motivo de licença, o Sr. Ministro William
Patterson e, justificadamente, o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 10 de março de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro VICENTE LEAL, Relator.
Publicado no DJ de 06-04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Secretários Parlamentares
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impetraram mandado de segurança contra ato do Diretor-Geral do Senado Federal, consubstanciado no indeferimento de seus requerimentos de enquadramento como servidores públicos efetivos, com vencimentos equivalentes a NS-14.
Sustentaram, na exordial, que ao serem admitidos com base no Regulamento Administrativo daquela Casa Legislativa foi estabelecida relação jurídica de natureza trabalhista, por prazo indeterminado e sob a regência da C.L.T., por força da qual adquiriram a estabilidade funcional, o que lhes conferem o direito ao enquadramento no regime estatutário vigente no serviço público federal instituído pela Lei n Q
8.112/90.
O R. Juízo de Primeiro Grau, reconhecendo a ilegitimidade passiva ad causam, tendo em vista terem sido os impetrantes dispensados por ato da Comissão Diretora da Mesa do Senado Federal, julgou extinto o writ sem julgamento de mérito.
A egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1 ª Região negou provimento à apelação proclamando a ilegitimidade passiva ad causam do Diretor-Geral do Senado Federal. Asseverou, todavia, que a função de confiança de Secretário-Parlamentar foi criada por ato da referida comissão, a título precário, sendo passíveis de demissão ad nutum, em razão do que não integram o Quadro Permanente de Pessoal da Casa. O julgamento em tela foi consolidado em ementa do seguinte teor:
"Administrativo - Secretário parlamentar - Mandado de segurança - Enquadramento, como servidor efetivo do Senado Federal, no regime jurídico -Atos da comissão diretora do Senado Federal n!!;i 12/78 e 01191 - Ilegitimidade passiva do Diretor-Geral do Senado Federal.
I - Se o ato da comissão diretora do Senado n Q 12/78 só admite o exercício da função de Secretário Parlamentar por pessoa não integrante dos quadros de pessoal do Senado (art. 5Q
), e se, no Ato n Q 01/91, a mesma comissão diretora já considera, desde logo, excluídos do RJU os prestadores de serviço não ocupantes de empregos do quadro ou tabela permanente e os exercentes de funções de confiança não ocupantes de cargo ou emprego efetivo do Senado, estatuindo, expressamente, que os que se encontrassem em tal situação permaneciam no regime jurídico anterior, segue-se a conclusão lógica de que o Ato da Comissão Diretora n Q 011 91 já excluiu, desde logo, a impetrante do RJU, porquanto exercente da função de Secretário Parlamentar, só permitia a não integrante dos quadros de pessoal do Senado.
II - Produzindo o Ato da Comissão Diretora n Q 01/91 efeitos concretos relativamente à impetrante - por excluí-la do enquadramento no RJU e mantê-la no regime da CLT - legitimada passivamente, in casu, a mesa diretora do Senado, e não o Dire-
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tor-Geral do Senado autoridade apontada coatora, e que, em verdade, não praticou o ato acoimado de ilegal
III - Negado provimento ao apelo". (fls. 243).
Irresignados, os impetrantes interpõem o presente recurso especial (fls. 246/254), com esteio nas alíneas a e c do permissivo constitucional, verberando ter o aresto hostilizado, além de ter ensejado divergência jurisprudencial, violado os parágrafos 1 º, 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90, que determina o enquadramento dos servidores empregados contratados pela CLT. Sustentam, ainda, a ocorrência de julgamento extra petita, de vez que a pretensão deduzida em juízo pugna pelo enquadramento, tendo as instâncias ordinárias apreciado a questão à luz da pena de demissão.
Apresentadas as contra-razões e admitido o recurso na origem, ascenderam os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): Antes do exame pertinente à adequação do presente recurso especial para rever o acórdão recorrido, é interessante consignar alguns comentários sobre o tema de fundo agitado na exordial do mandado de segurança e reafirmado nas peças de irresignação, já que o mesmo foi objeto de pronunciamento no curso do julgamento
proferido pela Colenda Turma do Tribunal Regional Federal.
A questão comporta interessante debate à luz da ordem constitucional e do direito federal ordináno.
Para uma melhor visão do thema decidendum, é oportuno o exame do sistema geral do servidor público brasileiro antes do advento da nova Carta da República, como tal conceituado todo aquele que presta serviços ao Estado, seja na Administração Direta, seja na Indireta, mantendo com o Poder Público uma relação de trabalho de natureza profissional e de caráter não eventual, sob vínculo de dependência.
Dentro dessa perspectiva conceitual, eram encontrados em nosso ordenamento jurídico anterior servidores públicos sujeitos a três regimes:
a) os funcionários públicos, legalmente investidos em cargos públicos, sujeitos ao regime estatutário preconizado na Lei nº 1.711, de 1952;
b) os servidores admitidos para serviços temporários e os contratados para funções de natureza técnica especializada, sujeitos a regime jurídico especial, a ser instituído em lei complementar (art. 106 da CF);
c) os servidores contratados, ocupantes de emprego público, subordinados ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho; e
d) os servidores autárquicos ou funcionários autárquicos, titula-
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res de cargos nas autarquias e sujeitos ao regime estatutário.
Feitas estas premissas, indague-se: qual o regime a que estavam sujeitos os impetrantes, quando admitidos como Secretários Parlamentares?
Assinale-se, de pronto, que os mesmos não eram titulares de cargos públicos, afastando-se, de conseqüência, a idéia de serem eles funcionários públicos.
Todavia, examinando-se o contexto dos autos, salta aos olhos que a situação funcional dos impetrantes era regida, iniludivelmente, pela legislação trabalhista na situação conceitual no art. 3Q
, da Consolidação das Leis do Trabalho, de vez que celebraram contrato de trabalho com o Senado Federal para prestação de serviços no cargo de Secretário Parlamentar (fls. 31, 36, 42 e 48/50), dedicando-se, em caráter profissional, ao serviço público, como se depreende de seus seguintes termos, litteris:
"O Senado Federal, representado pelo seu Diretor-Geral, Aiman Nogueira da Gama, aqui denominado Contratante, Contrata: Flavia Maria Badaro Abrantes, brasileira, casada, residente à SQS 114, Bl. E, apto. 102, aqui denominado Contratado, portador da Carteira Profissional n Q 10.537, Série 002-DF, para prestação de seus serviços de Secretário Parlamentar, com o salário de Cr$ 132.070,00 (cento e trinta e dois mil e setenta cruzeiros), de acordo com as normas gerais de tra-
balho adotadas pelo Contratante, pelo Regulamento Administrativo do Senado Federal (Resolução 58/72) e as normas estabelecidas na CLT." (fls. 42).
Dentro desse quadro fático, é irrelevante a circunstância de haver o Ato n Q 12/78, da Mesa Diretora do Senado, ter definido o citado emprego de Secretário Parlamentar como demissível ad nutrem, em razão da precariedade do vínculo.
Ora, do próprio Ato n Q 12/78 consta a precisa definição do regime jurídico do Secretário Parlamentar, consoante o seguinte excerto, verbis:
"Ao Senador cabe indicar pessoa de sua confiança para exercer a Função de Secretário Parlamentar de seu Gabinete, a ser contratado pelo regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho e do FGTS". (fls. 251).
É oportuno registrar que o argumento de que os Secretários Parlamentares foram admitidos a título precário perde sua eventual relevância e consistência, em face do longo e continuado exercício funcional, resultando numa admissão de caráter permanente.
Esta mesma linha conceitual já foi proclamada pela Administração, consoante se extrai de pronunciamento do Diretor Administrativo do Senado Federal, do qual destaco o seguinte trecho, verbis:
"No caso presente, já que o Senado Federal não criou, via resolu-
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ção, nenhum cargo em comissão após 05/10/88, vale ressaltar o disposto no Ato da Comissão Diretora nº 12/78, de 17 de outubro de 1978 e na Resolução nº 130, de 14 de novembro de 1980:
I - O Ato da Comissão Diretora nº 12/78 não criou nenhum cargo. Ao contrário, apenas disciplinou a forma de indicação para o exercício da função de Secretário Parlamentar, estabelecendo a contratação pelo regime jurídico da CLT e do FGTS (art. 1 º). Da mesma forma, especificou (art. 2º) as tarefas de apoio administrativo a serem executadas.
II - Igualmente, a Resolução 130/ 80 não criou nenhum cargo mas sim, sessenta e sete empregos de Assessor Técnico, também sob regime da CLT e do FGTS (art. 1º).
2.5. - Assim sendo, fica, absolutamente claro que os Secretários Parlamentares e os Assessores Técnicos, até 11.12.90, ocupavam empregos e, portanto, sob o ponto de vista jurídico, eram considerados empregados públicos".
Assim, dúvida não existe de que os Secretários Parlamentares do Senado Federal foram apanhados pela Carta Política de 1988 na situação de titulares de emprego público, sujeitos ao regime da CLT. E no art. 19, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ficou assegurada a estabilidade no Serviço PÚblico daqueles servidores públicos civis federais que, embora admitidos sem concurso público, contas-
sem pelo menos cinco anos de serviços contínuos na data da edição da Carta.
Tal preceito constitucional tornou estáveis os Secretários Parlamentares com até cinco anos em outubro de 1988, afastando a possibilidade de serem dispensados, mesmo nos moldes da CLT.
Além do mais, o art. 39 da nova Constituição instituiu o regime jurídico único para os servidores da Administração Pública, na esfera dos três níveis e dos três poderes, excetuando apenas os empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista.
A despeito de todas essas considerações, registre-se que as proclamações contidas no acórdão recorrido, ainda que apreciando a pretensão deduzida em Juízo, resultaram em declarar extinto o mandamus, sem julgamento de mérito, reconhecendo a incompetência da autoridade impetrada e imputando a indigitada violação do direito dos Secretários Parlamentares a Ato da Comissão Diretora da Mesa do Senado FederaL
Para tanto, o Tribunal a quo proclamou a tese de que, tendo sido o cargo de confiança de Secretário Parlamentar criado por força do Ato nº 12/78 da Comissão Diretora, atribuído tão-somente ao Diretor-Geral a dispensa quando solicitada pelo titular do Gabinete, a lesão jurídica denunciada teria sido causada, efetivamente, pelo Ato nº 01/91, da Comissão Diretora da Mesa, que ex-
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cluiu do Regime Jurídico os prestadores de serviço que exerciam apenas funções de confiança, sem serem ocupantes de cargos ou empregos efetivos do Senado Federal.
E, por isso, afirmou, repita-se, a ilegitimidade passiva ad causam da autoridade apontada no pólo passivo da ação mandamental e declarou extinto o processo sem exame de mérito, confirmando a sentença de primeiro grau que decidiu no mesmo sentido.
Conhecer do tema de fundo seria quebrar a hierarquia dos graus de jurisdição.
Analise-se, pois, a alegação de ocorrência julgamento extra petita.
Sustentam os autores que houve julgamento extra petita, pois na inicial postularam o enquadramento como servidores efetivos do Senado Federal, e a sentença monocrática declarou que o mandamus deveria ter buscado atacar a decisão que demitiu os Secretários Parlamentares, acentuando não possuir a autoridade coatora os poderes funcionais para determinar a reintegração dos autores.
Tenho que razão assiste aos recorrentes.
Ora, se o acórdão recorrido, proclamado em sede de apelação em mandado de segurança, não decidiu o mérito da impetração, limitandose a confirmar a sentença que declarou extinto o processo por ilegitimidade passiva ad causam da autoridade impetrada, fazendo-o sob a premissa de que se postulava a reintegração em face de dispensa,
quando o que se postulou foi o enquadramento no serviço público efetivo do Senado Federal como Secretários Parlamentares, está configurada a ocorrência de julgamento extra petita.
A propósito dessa assertiva, destaque-se excerto do voto da ilustre Juíza verbis:
"Não resta dúvida de que a decisão de dispensar os secretários parlamentares e assessores técnicos, que prestavam serviço em gabinete de senador não reeleito, foi tomada na reunião do dia 06.02.91 pela Comissão Diretora conforme ata da reunião (fls. 130/ 135). Por conseguinte, não há como imputar ao Diretor-Geral a responsabilidade pela prática de ato lesivo ao suposto direito dos impetrantes. Acresça-se que o Diretor-Geral nada mais fez senão cumprir ordens emanadas de quem detinha poderes - Comissão Diretora - conferidos pela legislação de regência para decidir sobre o destino dos ocupantes de função de confiança.
Sendo a Comissão Diretora do Senado a autoridade responsável pela prática do ato contra o qual se insurgem os impetrantes, o Diretor-Geral daquela CâmaraAlta não tem legitimidade para figurar no pólo passivo desta relação processual" (fls. 185).
E analisar uma pretensão material com base em causa diversa significa julgar extra petita.
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Isto posto, conheço em parte do recurso especial, para anular a sentença por julgamento extra petita,
determinando o retorno dos autos à instância de origem.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 162.008 - SP
(Registro n Q 98.0001294-0)
Relator: O Sr. Ministro Vicente Leal
Recorrente: Município de São Paulo
Recorridos: Sydow Lopes e outros
Advogados: Maria Tereza Tavares A. Elias Preuss e outros, e Augusto Betti e outro
EMENTA: Constitucional. Administrativo. Tutela antecipada. Concessão. Servidores públicos municipais. Remuneração. Tetolimite. Vantagens pessoais. Desconto.
- A vedação de concessão de medida liminar em mandado de segurança aplica-se nos casos de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias, a teor do que rezam as Leis n~ 5.021/66 e 8.437/ 92, não se aplicando às hipóteses de antecipação de tutela requerida para sustar a incidência de redutor máximo remuneratório sobre as vantagens pessoais de servidores públicos, resguardadas a título de direito adquirido e imunes a qualquer desconto.
- A antecipação de tutela não se assemelha às providências cautelares já previstas na lei processual, introduzida por força da nova redação conferida ao artigo 273, pela Lei n!:! 8.952/94, que exige prova inequívoca da verossimilhança, equivalente ao fumus bani iuris e ao periculum in mora, somado ao receio de dano irreparável, ou ao abuso de direito de defesa manifestado pelo réu em caráter protelatório.
- Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo-se no julgamento, acordam os Ministros da
Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Participaram do julga-
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mento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago. Ausentes, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson e, justificadamente, o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 10 de março de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro VICENTE LEAL, Relator.
Publicado no DJ de 06·04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Funcionários Públicos municipais ajuizaram ação ordinária como pedido de antecipação de tutela contra o Município do Estado de São Paulo objetivando a exclusão de vantagens pessoais do tetolimite remuneratório previsto no artigo 42, da Lei n Q 8.437/92, o R. Juízo de Primeiro Grau, ao reconhecer a presença do fumus boni iuris e da possibilidade de dano irreparável, concedeu a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.
Contra tal decisão o Município de São Paulo interpôs agravo de instrumento, tendo a Sexta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade, negado provimento ao recurso, prestigiando a natureza alimentar dos vencimentos dos funcionários e acentuando não se tratar a espécie de aumento de vencimentos, mas de descontos efetuados sobre seus valores. (fls. 54/56)
O julgamento em tela foi consolidado em ementa do seguinte teor:
"Medida cautelar. Ação proposta por funcionários municipais, visando a exclusão de vantagens pessoais, para fins do limite máximo previsto no art. 42, da Lei Municipal 10.430/88. Concessão de liminar correta, preenchidos os requisitos legais. Inaplicabilidade da Lei 8.437/92. Correta exegese do art. 5Q
, XXXV da Constituição Federal. Nega-se provimento ao recurso. (fls. 54).
Irresignado, o réu interpõe o presente recurso especial, com esteio na letra a do permissivo constitucional, alegando ter o v. acórdão em tela violado as disposições do artigo 1Q da Lei n Q 8.437/1992 e dos artigos 2Q e 4Q da Lei n Q 5.021/66, que vedam a concessão de liminares para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias, bem como ao artigo 797, do CPC, que autoriza a providência liminar sem a audiência da parte contrária somente em situações excepcionais. (fls. 59/66)
Não apresentadas as contra-razões e admitido o recurso na origem, ascenderam os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): Como patenteado no relatório, busca o Município de São Paulo desconstituir acórdão que manteve decisão concessiva da antecipação dos efeitos de tutela re-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (lU): 331-385, novembro 1998. 377
querida por funcionários públicos municipais nos autos de ação ordinária objetivando a exclusão das limitações impostas sobre as vantagens pessoais dos seus vencimentos pelo estabelecimento de um teto máximo na remuneração pela Lei Municipal n Q 10.430/88.
Sustenta o recorrente, nas razões deduzidas no apelo nobre, que o artigo 1 Q da Lei n Q 8.432/92 e o artigo 4Q da Lei n Q 5.021/66 vedam a concessão de providências cautelares para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias, que somente podem ser concedidas inaudita altera parte quando expressamente autorizados por lei em casos excepcionais.
Tenho que a pretensão não merece agasalho, sendo incensurável o entendimento proclamado no acórdão recorrido.
Ora, é uníssono o entendimento que veda a concessão de medida liminar em mandado de segurança para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias, a teor do que reza a Lei n Q 5.021, de 1966, em seu art. 1 Q, § 4Q
, ainda que presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris.
Todavia, a hipótese sub examine envolve pedido de antecipação de tutela, porquanto a Administração, ao adequar os vencimentos dos servidores públicos municipais ao limite máximo da remuneração no âmbito do Poder Judiciário, não preservou suas vantagens pessoais, cujas parcelas foram atingidas pela incidência do redutor previsto na Lei n Q 10.430/88, embora devessem ser resguardadas a título de direito adquirido e imunes de qualquer desconto.
Em razão disso, o ilustre magistrado de Primeiro Grau, reconhecendo o fumus boni iuris e o perigo de dano irreparável tendo em vista natureza alimentar dos vencimentos dos autores concedeu a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar a suspensão dos descontos efetuados a título de incidência de redutor remuneratório.
Ademais, ajurisprudência assentada neste Tribunal, seguindo a orientação firmada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, consolidou o entendimento de que as vantagens que correspondem a situações pessoais dos servidores não estão sujeitas a qualquer redução e não compõem o somatório do teto-limite de remuneração do funcionalismo, submetendo-se à incidência somente as vantagens obtidas em razão do exercício do cargo.
Cumpre acentuar, ainda, que o artigo 797 do Código de Processo Civil não se aplica à espécie, de vez que a antecipação de tutela não se assemelha às providências cautelares já previstas na lei processual, introduzida por força da nova redação conferida ao artigo 273, pela Lei n Q 8.952/94, que exige prova inequívoca da verossimilhança, equivalente ao fumus boni iuris e ao periculum in mora, somado ao receio de dano irreparável, ou ao abuso de direito de defesa manifestado pelo réu em caráter protelatório.
Em razão dessas considerações, tenho que o acórdão recorrido não violou os dispositivos legais apontados.
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
É o voto.
378 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
RECURSO ESPECIAL Nº 162.548 - SP
(Registro nº 98.0005982-2)
Relator: O Sr. Ministro Vicente Leal
Recorrente: Fazenda do Estado de São Paulo
Recorridos: Alvarina Honoria da Silva e outros
Advogados: Mirna Cianci e outros, e Vergniaud Elyseu
EMENTA: Processual Civil. Embargos à execução. Apelação. Efeito devolutivo. Execução provisória contra a Fazenda Pública. Duplo grau de jurisdição. Impropriedade.
-A remessa ex officio, prevista no art. 475, 11, do Código de Processo Civil, providência imperativa na fase de conhecimento, sem a qual não ocorre o trânsito em julgado da sentença, é descabida em fase de execução de sentença.
- É de rigor o recebimento da apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes embargos à execução apenas em seu efeito devolutivo, ex vi do artigo 520, V, do CPC, prosseguindo-se a execução provisória contra a Fazenda Pública nos termos do artigo 730.
- Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago. Ausentes, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 14 de abril de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro VICENTE LEAL, Relator.
Publicado no DJ de 11-05-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Proposta ação rescisória por Procuradores ativos e inativos do Estado de São Paulo contra a Fazenda Pública desse Estado objetivando desconstituir acórdão que, em sede de apelação, manteve a sentença que não reconheceu o direito da incidência dos adicionais e da sexta-parte de seus vencimentos
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 379
e proventos sobre parcela salarial nominada "verba honorária", o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou procedente o pedido.
Transcorrido o prazo para a interposição do recurso cabível, certificado o trânsito em julgado, foram os autos remetidos à 5ª Vara da Fazenda Pública, ensejo em que, requerida a execução da sentença, a Fazenda do Estado apresentou embargos, julgados improcedentes pelo R. Juiz processante.
Recebido pelo eminente desembargador relator o recurso de apelação somente em seu efeito devolutivo, por força do disposto no artigo 520, V, do CPC, a executada interpôs agravo de instrumento, acentuando ter requerido fossem os autos remetidos ao Tribunal, por força da sentença que julgou improcedentes os embargos, nos termos do art. 475, II, do CPC, que torna sem efeito os atos tendentes à execução do julgado antes do reexame necessário.
A egrégia Quarta Câmara de Direito Público daquele tribunal negou provimento ao recurso, ao fundamento de que o reexame obrigatório, em se tratando de sentença de liquidação, não obsta a execução provisória da condenação da Fazenda Pública, nos termos do artigo 730, do CPC. O julgamento em tela foi consolidado em ementa do seguinte teor:
"Execução contra a Fazenda Pública - Sentença de improcedência de embargos opostos a
execução de sentença proferida contra o Estado - Reexame necessário - Julgamento pelo Tribunal como condição de eficácia do ato judicial - Requisição de pagamento que não pode ser suspensa, porém, como pretendido pelo Estado, porque possível a execução provisória, proibida a liberação de eventual depósito -Recurso não provido contra a decisão" (fls. 116).
Irresignada, a Fazenda do Estado de São Paulo interpõe o presente recurso especial, alegando negativa de vigência ao art. 475, do Código de Processo Civil, sendo inaplicável à espécie a execução provisória antes do julgamento da remessa de ofício. (fls. 121/127)
Apresentadas as contra-razões, o recurso foi inadmitido na origem, advindo agravo que provido ensejou a subida dos autos a esta Colenda Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): Como acentuado no Relatório, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou procedente ação rescisória para, desconstituindo o acórdão rescindendo, condenar a Fazenda Pública estadual a recalcular os vencimentos dos autores na forma pleiteada na ação ordinária.
Não tendo sido interposto o recurso cabível, foram os autos reme-
380 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
tidos à instância de origem, iniciando-se a fase de execução do julgado, oportunidade em que a executada manifestou embargos, julgados improcedentes pelo R. Juízo processante.
Encaminhados os autos ao Tribunal a quo, por força de apelação, para que o decisum fosse submetido ao duplo grau de jurisdição, a turma julgadora confirmou a decisão do relator que recebeu o recurso unicamente sob o efeito devolutivo, entendendo ser descabida a providência na fase de execução provisória, nos termos do artigo 520, V, do CPC.
E o referido dispositivo assim estatui, in verbis:
"A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
V -rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes".
Insurge-se o Estado de São Paulo, nas razões deduzidas no apelo nobre, contra os atos executórios do julgado, de vez que inexiste decisão transitada em julgado antes do reexame necessário, que sujeita a sentença prolatada contra a Fazenda Pública ao duplo grau de jurisdição, conforme pontificado no inciso lI, do artigo 475, do CPC.
Data venia, trata-se de entendimento equivocado.
Cumpre acentuar, por oportuno, que a remessa ex officio é providência imperativa, sem a qual efetivamente não ocorre o trânsito em julgado da sentença, nos termos do verbete da Súmula n Q 473, do Supremo Tribunal Federal.
Todavia, na hipótese, ressalta, a toda evidência, que não se cogita de duplo grau de jurisdição obrigatório na fase de conhecimento, como previsto no artigo 475, lI, do Código de Processo Civil, mas de apelação em fase de execução de sentença.
Com efeito, na fase de conhecimento, a Fazenda Estadual não atacou o acórdão proferido pelo colegiado integrante do Órgão Plenário do Tribunal a quo que julgou procedente a ação rescisória pelos recursos pertinentes, a saber, o especial para esta Corte, soberana na apreciação da lei federal, ou extraordinário para o Pretório Excelso, guardião do direito constitucional, tendo transitado o decisum em julgado.
Assim, é de rigor o recebimento da apelação interposta contra a sentença que julgou improcedentes os embargos à execução apenas em seu efeito devolutivo, ex vi do artigo 520, V, do CPC, prosseguindo-se a execução provisória contra a Fazenda Pública, nos termos do artigo 730, sendo descabida a providência da remessa ex officio na fase de execução de sentença.
Tenho, portanto, que o acórdão recorrido não negou aplicação ao mencionado preceito, impondo ser prestigiado.
Isto posto, não conheço do recurso especial.
É o voto.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 381
RECURSO ESPECIAL Nº 167.796 - SP
(Registro nº 98.0019449-5)
Relator: O Sr. Ministro Fernando Gonçalves
Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogados: Drs. Tereza Marlene Franceschi Meirelles e outros
Recorrido: Thiago Battestin - menor impúbere
Representante: Janete Battestin
Advogados: Drs. Marilei Ferreira da Silva e outros
EMENTA: Processual Civil. Ilegitimidade passiva ad causam. Previdenciário. Benefício da prestação continuada. Lei n!! 8.742/ 93.
1 - De acordo com a legislação de regência, o INSS é o responsável pela execução e manutenção dos benefícios de prestação continuada, previstos no art. 20, da Lei nº 8.742/93 (extinta renda mensal vitalícia do art. 139, da Lei nº 8.213/91), ainda que, para isso, seja munido de verbas repassadas pela União. Inteligência dos Decretos n~ 1.605/95 e 1.744/95. Aplicação da MP 1.599-42. Por isso mesmo, não há se falar em ilegitimidade daquela autarquia federal para figurar no pólo passivo de demanda onde se busca o pagamento do benefício.
2 - Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, não conhecer do recurso. Votou com o Relator o Ministro Vicente Leal. Vencido o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Impedido o Ministro Anselmo Santiago. Ausente, por motivo de licença, o Ministro William Patterson.
Brasília, 16 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro VICENTE LEAL, Presidente. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Relator.
Publicado no DJ de 31-08-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social- INSS com fundamento no art. 105, inciso lU, letra a, da Carta Política, contra acórdão da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assim ementado, verbis:
382 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
"Previdenciário. Assistência social. Ilegitimidade passiva. Irregularidade na representação processual do pólo ativo. Via administrativa. Incapacidade. Honorários advocatícios.
- Parecer do Ministério Público Estadual às fls. 77/82.
- Parecer do Ministério Público Federal às fls. 85/90.
- Não é necessário o prévio requerimento da via administrativa ou a exaustão da mesma para a postulação judicial. Aplicação da Súmula n Q 09 desta E. Corte.
- O parágrafo único do artigo 32, do Decreto 1. 744/95 indica o INSS como responsável pela operacionalização do benefício o qual regulamentou a Lei 8.742/ 93.
- O bem elaborado laudo pericial foi conclusivo quanto à incapacidade total e permanente do autor, vez que é portador de Meilomenigocele, cujas seqüelas deixadas são paraplegia sensitivomotora, hidrocefalia e incapacidade física congênita.
- Honorários advocatícios fixados de acordo com o limite mínimo fixado no artigo 20, § 3Q
, do C.P.C.
- Preliminares rejeitadas e, no mérito, apelo improvido." (fls. 82)
Alega o recorrente violação ao art. 12, inciso I, da Lei n Q 8.742/93.
Contra-arrazoado (fls. 89-92), o recurso teve admitido o seu processamento (fls. 99), ascendendo os
autos a esta Corte. A Subprocuradoria Geral da República opina pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (Relator): Busca o INSS, a par de violação ao art. 12, inciso I, da Lei n Q 8.742/93, ver proclamada a sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo de demanda, onde a recorrida objetiva a concessão de renda mensal vitalícia.
Ressalte-se, de início, que, não obstante vir a irresignação arrimada na letra c, do permissivo constitucional, o recorrente, a respeito do dissenso pretoriano, não teceu uma linha, sequer, em suas razões, motivo pelo qual o recurso fica adstrito à negativa de vigência de lei federal. Neste particular não merece conhecimento. É o que se demonstrará a seguir.
Mister se faz, primeiramente, esclarecer o que vem a ser renda mensal vitalícia, definição que ficou a cargo do § 1 Q, do art. 139, da Lei nº 8.213/91:
"A Renda Mensal Vitalícia será devida ao maior de 70 (setenta) anos de idade ou inválido que não exercer atividade remunerada, não auferir qualquer rendimento superior ao valor da sua renda mensal, não for mantido por pessoa de quem depende obrigatoriamente e não tiver outro meio de prover o próprio sustento .... "
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 383
o caput do dispositivo em comento trouxe regra de transição, assim redigida:
"A Renda Mensal Vitalícia continuará integrando o elenco de benefícios da Previdência Social, até que seja regulamentado o inciso V do art. 203 da Constituição Federal."
o regulamento veio pelo art. 20, da Lei n Q 8.742/93, que dispõe:
"O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família."
O art. 40, do mesmo diploma legal, está assim redigido:
"Com a implantação dos benefícios previstos nos artigos 20 e 22 desta Lei extinguem-se a renda mensal vitalícia, o auxílio-natalidade e o auxílio-funeral existente no âmbito da Previdência Social, conforme o disposto na Lei n Q 8.213, de 24 de julho de 1991."
Como se vê, não há dúvida de que a questão referente à ilegitimidade passiva ad causam, objeto do presente recurso, tem por fundamento autêntico benefício de prestação continuada e, sendo assim, não se nega que está inserido no campo da Assistência Social (Título VIII - Da
Ordem Social- arts. 193 a 204, da Constituição Federal), sendo certo, também, que pelo art. 12, I, da Lei n Q 8.742, de 07 de dezembro de 1993, compete à União Federal por ele responder, nestes termos:
"Art. 12 - Compete à União:
I - responder pela concessão e manutenção dos benefícios de prestação continuada definidos no Art. 203 da Constituição Federal;"
Nada obstante, a questão não é simples, visto que, em última ratio, o INSS é o órgão responsável pela execução do referido benefício. Senão, vejamos.
Dispõe o art. 29, da mesma Lei 8.742/93, no capítulo "Do Financiamento da Assistência Social":
"Art. 29. Os recursos de responsabilidade da União destinados à assistência social serão automaticamente repassados ao Fundo N acionaI de Assistência SocialFNAS, à medida que se forem realizando as receitas."
Por sua vez, o art. 5Q, do Decreto
n Q 1.605, de 25 de agosto de 1995, reza:
"Os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social- FN AS serão aplicados:
I - no pagamento do benefício de prestação continuada, previsto nos artigos 20, 38 e 39 da Lei n. 8.742, de 1993;"
384 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998.
De outra parte, o comando expresso do art. 7Q
, do Decreto n Q
1.744, de 8 de dezembro de 1995:
"O benefício de prestação continuada deverá ser requerido junto aos Postos de Benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ao órgão autorizado ou à entidade conveniada."
Por fim, a Medida Provisória 1.599, de 5 de março de 1998, que já está na quadragésima segunda edição, incluiu o seguinte parágrafo único no art. 29, da Lei n Q 8.742/ 93:
"Os recursos de responsabilidade da União destinados ao financiamento dos benefícios de prestação continuada, previstos no art. 20, poderão ser repassados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social diretamente ao INSS, órgão responsável pela sua execução e manutenção."
Conforme se depreende, depois dessa exaustiva evolução legislativa, não há como existir, ainda, alguma dúvida, sobre ser o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS o órgão responsável pela execução e manutenção dos benefícios de prestação continuada, ainda que munido de verba repassada pela União, razão pela qual, totalmente descabida, se afigura a alegação de ilegitimidade daquela autarquia previdenciária para figurar no pólo passivo de demanda onde se busca o pagamento do benefício do art. 139, da Lei n Q 8.213/91, atualmente regido pelo art. 20, da Lei n Q 8.742/ 93.
Ante o exposto, não conheço do recurso.
VOTO- VOGAL
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Mantenho, data venia, o meu entendimento.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (111): 331-385, novembro 1998. 385