juiz de direito em são paulo – aposentado dano · direitos fundamentais. se, de um lado, o...

25
Antonio Jeová Santos Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO MORAL INDENIZÁVEL 7. a EDIÇÃO revista, atualizada e ampliada 2019

Upload: others

Post on 13-Jun-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Antonio Jeová SantosJuiz de Direito em São Paulo – Aposentado

DANO MORALINDENIZÁVEL

7.a EDIÇÃOrevista, atualizada e ampliada

2019

Page 2: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Cap. II • O DANO MORAL 81

12. CONCEITO DE DANO

Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acrésci-mos ou novas incorporações, como o diz Jorge Mosset Iturraspe (Respon-sabilidad Civil, p. 21).

Traduzindo o resultado de uma certa conduta do ser humano, sus-cetível de lesionar um interesse tutelado do ponto de vista jurídico, dano também é perda. Se o prejuízo recai sobre um ganho, mola propulsora do empobrecimento, diz-se que o dano é emergente. Se, ao contrário, a perda diz respeito a uma utilidade esperada, ao impedimento de aumento no pa-trimônio ou ganhos que são frustrados, está-se diante de lucros cessantes.

Esta noção tem enfoque nitidamente naturalístico do dano, porque concernente à deterioração que sofre um bem em si mesmo, seja moral ou patrimonial.

Tanto o Digesto como as Institutas, de Gayo, empregaram o vocábulo dano no sentido de prejuízo. O conteúdo da palavra é visto na seguinte expressão: Quanti ea res est, cuius damni infecti nomine cautum non erit, iudicium datur; quod non ad quantitatem refertur, sed ad id, quod interest et ad utilitatem venit, non ad poenam. Ou, em vernáculo, “dá-se ação por quanto vale a coisa pela qual não se houver dado a caução do dano que ameaça. O que se refere não a uma quantidade, senão ao que importa, e serve de utilidade e não de pena” (Digesto, Livro XIII, título IV e Instituta, Livro IV, título V).

Gayo tratou da lesão física no Digesto, Livro IX, título III, expondo o seguinte: “Quando, com o que se houver lançado ou derramado, lesionar o corpo de um homem livre, o juiz computa os honorários pagos ao médico e os demais gastos que se fizeram necessários para a cura (damnum emer-gens); e, além do mais, o importe do trabalho de que esteve privado, ou de que tenha de estar privado porque ficou inútil (lucrum cessans). Mas não se faz estimação alguma das cicatrizes, porque o corpo de um homem livre não admite estimação alguma”.

A expressão dommages et intérêts ou, de les dommages-intérêts, é utilizada no Código Napoleônico, arts. 1.146 e 1.153, para designar o descumprimento de uma obrigação surgida de uma convenção, de um contrato. Quando a obrigação dimana da prática de um ato ilícito, a ex-

Page 3: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Cap. II • O DANO MORAL 125

perguntar sua origem e seu destino, e necessariamente tem que buscar em fatores exógenos a justificação, a causa do benefício econômico; esta pro-cede da lesão de um bem moral e se destina à consecução de outro que o compense”, observam Ramon Daniel Pizarro, Daño Moral, p. 320, e Gar-cía Lopes, Responsabilidad Civil, p. 166.

Esta é a razão pela qual se multiplicam os pleitos de indenização por danos morais. A cupidez do ser humano clama por lucro, por algum di-nheiro a mais. É que o bem jurídico lesionado (o espírito), não possui caráter patrimonial. Abstraindo-se, porém, aqueles casos em que a vítima pretende ser indenizada imaginando ter padecido uma dor espiritual que gere indenização, quando o bem jurídico é efetivamente lesado e esse bem não é patrimonial, inexistindo mutação prejudicial no patrimônio material da vítima, a obrigação de indenizar decorre daquele princípio geral em que se assenta o direito: alterum non laedere; não lesar o próximo.

24. A VITIMIZAÇÃO NO DANO MORAL

Diante da possibilidade de um ganho fácil, pessoas se colocam como vítimas de danos morais e tudo fazem para lograr o intento principal, que é a indenização. Há quem torça para ser ofendido. Há quem pague conta em agência bancária diversa daquela em que seu título de crédito se encontra, para contar com a dificuldade na comunicação interna das agências bancá-rias para, depois, auferir lucro. Existe até quem provoque seguranças em supermercado para ver se é acusado de furto de algum objeto de pequeno valor para pleitear vultosas indenizações por danos morais.

Famoso jurista, conhecido pela verve ferina, já chegou a afirmar que alguém, diante de uma notícia infamante, em vez de permanecer entriste-cido e pesaroso com a nota indigna, chegará em casa, beijará a esposa e os filhos para arrematar em seguida: “Querida, agora ficaremos ricos. Sofri uma caluniazinha pela imprensa. Isso custará um bom dinheiro para o jor-nal e embolsaremos parte deste dinheiro”.

Pessoas que posam de vítima ou que provocam o fato para se torna-rem ofendidas, criando, assim, condições para o pleito ressarcitório, por certo merecerão todo o repúdio do órgão jurisdicional. Enquanto o Direito brasileiro está vivendo nova fase quanto à efetiva proteção aos direitos da personalidade, é necessário que os cuidados sejam redobrados para evitar condenações de pessoas que foram vítimas de supostos ofendidos por da-nos morais. Nesse trabalho de joeirar, deve ser vasculhada a motivação do pedido.

Page 4: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

126 DANO MORAL INDENIZÁVEL – Antonio Jeová Santos

Se alguém teve devolvido um cheque desprovido de fundos, não po-derá alegar que o seu limite de cheque especial foi cortado ex abrupto pelo banco e que, em razão disso, padeceu um menoscabo espiritual. Se o moto-rista bateu o carro, sendo vítima de acidente, que postule danos materiais. Não poderá, no entanto, pedir ressarcimento por lesão extrapatrimonial, em face do aborrecimento que o abateu por ter ficado algumas horas es-perando a polícia chegar para lavrar a ocorrência. Em nossa atividade pro-fissional, tivemos oportunidade de julgar pleito de indenização por dano moral de pessoa que se sentiu tripudiada porque um lava-jato danificou o veículo. O dano moral, segundo a petição inicial, ocorrera pelo só fato de um preposto do lava-jato não ter atendido a autora da ação com carinho ou com zelo, mas simplesmente por ter dito que o seguro cobriria todo o prejuízo. Evidente que a ação foi julgada improcedente, porque difícil a configuração do dano moral em caso como o retratado.

Existem aqueles que, de maneira proposital, deixam o título ser pro-testado, apesar de poder ter evitado o protesto se exibissem ao banco, na primeira oportunidade em que cobrado, o recibo de quitação. Porém, o que significa o protesto, diante da possibilidade de arrancar algum dinheiro de estabelecimento bancário vigoroso financeiramente? A pessoa se pre-dispõe a ser vítima. Aproveita-se de eventual erro para que seja criada a possibilidade da indenização. Esse verdadeiro catálogo, trepidante no cotidiano forense, será diminuído. Enquanto isso não ocorre, há de se pôr côbro a qualquer tentativa de lucro fácil.

Ocorrem certas situações em que a primeira indagação do juiz quando tem contato com a demanda é a de saber até que ponto a vítima contribuiu para que o dano (ou suposta lesão) acontecesse? A moda do dano moral é tão rútila que, não raro, em qualquer petição inicial, embute-se pedido de indenização por dano moral, sem que exista a causa de pedir, ou fun-damentos jurídicos do pedido. O requerimento é feito apenas para seduzir e impressionar a parte contrária. De outra banda, o suposto dano é tão insignificante, aquilo representou tão pouco no espírito do ofendido, que não deveria estar no estrado judicial. De minimis non curat praetor. Já foi afirmado neste trabalho que para o dano moral subsistir é necessário que ele tenha algum substrato, certa magnitude. O simples enfado não confi-gura o dano moral.

Isso vem de ser dito, não por entender que exista uma indústria de danos morais, apenas. O que há é a volúpia por ganhar algum dinheiro. Os profissionais do foro não deveriam se prestar a inculcar no cliente que poderão ganhar alguma soma dinherária quando houver consideração do dano extrapatrimonial e devem até desestimular aqueles que pretendam indenizações sem que tenha ocorrido verdadeira lesão psicofísica. Não que

Page 5: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Cap. II • O DANO MORAL 127

esteja sendo defendida a vulneração da dignidade da pessoa humana. O que é verificado com a pletora de pedidos que buscam esse tipo de inde-nização, em sua maioria, é não deixar passar em branco atos que violem direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem se aproveite dessa fraqueza para angariar alguma vantagem. Para extremar essa dificuldade é que os militantes do Poder Judiciário afastam pretensões que nada têm de dano moral.

Além da vontade de alguns em ser vítimas de danos morais, existem aqueles que enxergam a lesão espiritual em qualquer situação que se lhes apresente. Tornaram-se comuns pedidos de indenização por danos morais que vêm cumulados com qualquer outro pedido. Se alguém pleiteia o re-embolso de despesas hospitalares porque o plano de saúde ou o seguro se recusou a cobri-las, dando interpretação restritiva a certa cláusula do contrato, o autor da demanda não se contenta somente com o pedido de re-embolso. Há de encontrar o dano moral. E ele advém (segundo esse autor hipotético), da humilhação que passou por não ter dinheiro para suportar as despesas médicas. Evidente que não existiu o dano moral pretendido.

Em casos de acidentes de trânsito, a vítima não quer apenas a re-paração do dano que seu carro sofreu. Não. A ida até a Delegacia para lavratura da ocorrência, o mau atendimento no órgão policial, a demora na confecção do boletim de ocorrência, são razões para o pedido de reparação de danos vir cumulado com o ressarcimento do dano moral. Também aqui não ocorreu o dano extrapatrimonial. A ida até a Delegacia e os percalços na unidade policial devem ser tidos como existentes na mesma linha do acidente, sem a existência de outro fato que repercuta no ânimo do ofen-dido, que cause a aflição emocional suscetível de render montante de in-denização por dano moral. É o mero aborrecimento e desconforto causado por um fato apenas: o acidente. Por isso mesmo, não rende ensejo ao dano extrapatrimonial.

Ao fim e ao cabo, se a multiplicação de ilícitos cometidos, sobretudo pelos grandes conglomerados, está dando azo a que pessoas exerçam a cidadania não permitindo a vulneração a direitos da pessoa, seja consu-midora ou utente de serviços, efetuando cada vez mais requerimentos em Juízo na busca da minoração do mal que lhe foi causado – mal que afetou a incolumidade do espírito – não deixam de existir aqueles que navegando em outras ondas, querem de qualquer forma ser vítimas de danos morais inexistentes.

É atento ao que é, positivamente, dano moral indenizável, que o Po-der Judiciário brasileiro jamais terá como modelo o sistema judicial norte--americano no que toca ao direito de danos. Causa assombro o fato de

Page 6: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

128 DANO MORAL INDENIZÁVEL – Antonio Jeová Santos

pessoas que, por razões inócuas, conseguem somas enormes, perante os tribunais norte-americanos. Na grande maioria, colocam-se como vítimas ou diante de situações que colaboram para o evento, aproveitam-se do ocorrido para pleitear altas indenizações.

À guisa de exemplo, Tunc (Responsabilité Civile, p. 2 e ss., mencio-nado por Yzquierdo Tolsada em La Responsabilidad Civil del Profesional Liberal, pp. 5 e 6), dá a seguinte amostra dessa febre indenizatória:

1. Uma mulher de cinquenta e dois anos, que caiu em uma escada, ob-teve nove milhões de dólares a título de indenização (11 de março de 1980).

2. Uma pessoa que perdeu a mobilidade das pernas em um acidente de caça logrou receber cerca de sete milhões de dólares no pleito mantido contra o fabricante do fuzil (23 de outubro de 1978).

3. Uma mulher que manteve relações sexuais em um motel ganhou um pleito contra o gerente do motel, recebendo a bonita soma de dois e meio milhões de dólares (23 de fevereiro de 1977).

4. Uma menina de doze anos acreditou ter comprado uma revista infantil. Verificou que era destinada a adultos e, depois de uma demanda, am-parada na afirmação de que ficou mortificada pelo choque que teve ao abrir a revista, conseguiu que lhe fosse concedida uma indenização de seis mil dólares.

5. Um aluno que não teve em seu exame a nota esperada, reclamou qui-nhentos mil dólares da Universidade (14 de dezembro de 1977).

6. Pessoa que se dizia ateia pediu nove milhões de dólares porque o Esta-do representou o Natal ao pé do tradicional pinheiro (14 de dezembro de 1977).

7. Os pais de uma menina violentada sexualmente pediram onze milhões de dólares a uma rede de televisão somente porque, algum tempo antes, havia projetado filme de teor violento (9 de agosto de 1978).

A experiência americana jamais poderá ser tida como exemplo em países como o nosso. Além de os juízes de origem anglo-saxã terem men-talidade mais subjetiva e livre em seus julgamentos, os magistrados que julgam sob o sistema romano-canônico não se deixam impressionar com mero desconforto que não chega a ser dano moral ressarcível, muito me-nos nos casos em que a pessoa procura ser vítima ou enxerga dano moral em todo e qualquer insucesso de sua vida que seja posto apenas como o ris-co do dia a dia, como o piso de inconvenientes que todos têm de suportar.

Page 7: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

138 DANO MORAL INDENIZÁVEL – Antonio Jeová Santos

de dor, de angústia, de tristeza, ou o conhecimento que transmite ausência do desejo de viver são fatos demonstrativos de que alguém deixou de pade-cer dano moral e que, por isso, não será ressarcido, deixando seu ofensor livre para continuar na prática de outros agravos.

27. DANO MORAL SOFRIDO POR PESSOA JURÍDICA

O gênio romano, tão prolífico no que toca ao desenvolvimento do di-reito privado, alheio às grandes abstrações porque voltado às coisas prag-máticas e necessárias do dia a dia, não conheceu, em princípio, a pessoa jurídica. O direito romano antigo reconhecia somente a pessoa física como apta a ter direitos. A partir da época imperial a pessoa jurídica foi introdu-zida no sistema jurídico de Roma, por meio da teoria da universitas.

Sohm (Historia e Instituciones del Derecho Privado Romano, pp. 258-271) e Julio Rivera (Instituciones, II/163) mostram que na época da República existia o caráter institucional dos entes públicos. Estes, porém, não tiveram atuação alguma no direito privado; toda sua atuação patrimo-nial era regida pelo Direito Público. A ideia da personalidade jurídica dos entes públicos apareceu no Direito Imperial, quando foi atribuída capaci-dade jurídica de Direito Privado às municipalidades, às quais se reconhe-ceu um patrimônio próprio e foi permitida a representação em Juízo.

Este sistema criado para as municipalidades se estendeu aos colégios, às corporações e ao próprio Estado, todos os quais adquiriram a natureza de universitas.

A universitas romana constituiu um ente ideal, distinto da personali-dade de seus membros em conjunto e de cada um deles; um novo sujeito das relações jurídicas se concretizou na fórmula universitas personae vice fungitur, ou seja, “que representam uma pessoa”. Esta pessoa era a titular do patrimônio coletivo, ao passo que a coletividade patrimonial constitui propriedade apenas do grupo, do ente jurídico diverso da pessoa física, do indivíduo. A ideia concebida pelo pensamento eminentemente prático dos romanos, logo se dilargou e apanhou a sociedade (societas). A herança ja-cente, por exemplo, era tida como hereditas personae vice fungitur.

A nítida separação da coletividade e da pessoa que a integrava, domi-na a ideia fundamental do Direito Romano. Do ponto de vista do Direito Privado, não existe identificação entre a pessoa coletiva e seus membros.

Igual princípio foi trasladado ao Código Civil de 1916. Tratava o art. 20 que a pessoa jurídica tem existência distinta da de seus membros. Dis-posição idêntica ou similar não existe no Código Civil de 2002, por ser

Page 8: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Cap. II • O DANO MORAL 139

despicienda. A existência distinta da pessoa jurídica, não se confundindo com a de seus sócios ou associados é inseparável da personalidade jurídica atribuída àquela. A regra é a aplicação do anexim “quod debet universitas non debent singuli et quod debenti singuli non debet universitatis”, ou: “As obrigações das pessoas jurídicas e as de responsabilidade de seus mem-bros, reciprocamente não se comunicam”.

Pessoa jurídica, no Direito Romano, pós época imperial, vem a ser a união social que reúne condições de adquirir patrimônio. A pessoa física, a seu turno, é individual e visível. Tanto é assim que Teixeira de Freitas con-siderava as pessoas jurídicas como entidades de existência ideal, enquanto a física era tida pelo genial jurista como de existência visível.

Nos dias atuais é impossível prescindir do fenômeno da personali-dade jurídica, desde uma sociedade limitada, até as fundações e pessoas jurídicas de direito público como a União, Estados, Municípios e autar-quias. Existem, ainda, as associações que não têm fins lucrativos. Nestas, o indivíduo realiza uma série de atividades e nada impede que tenham coloração internacional.

Os organismos internacionais, ajustados sob personalidade jurídica, como a Cruz Vermelha Internacional, a Organização das Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos e tantos outros, têm como atividade básica o fomento da paz. Importante a existência das pessoas jurídicas no mundo atual, o Direito estende seus tentáculos para abrigá-las, fornecendo soluções jurídicas para a sua perfeita existência.

Por ser a pessoa jurídica um ente que não é dotado de espírito, não estaria sujeita a padecer dano moral? A natureza da pessoa jurídica é resu-mida pelas teorias da ficção, da equiparação, da instituição, da realidade objetiva e da realidade das instituições jurídicas.

Originária do Direito Canônico, a teoria da ficção, que considera ape-nas o homem como sujeito de direitos e que o seu surgimento deve ser admitido em razão de abstrações feitas pelo Direito, não ganhou muitos adeptos e está declinando. Mesmo assim, considera a pessoa jurídica como uma criação artificiosa que usurpa a prerrogativa que somente o homem tem de integrar relação jurídica. As pessoas jurídicas somente existem por-que podem ser úteis ao homem.

A teoria da equiparação, que teve em Windscheid e em Brinz seus mais ardorosos defensores, também nega que a pessoa jurídica tenha per-sonalidade jurídica, em substância. O que existe é apenas certo agrupa-mento de bens, determinado patrimônio que recebe tratamento jurídico tal qual as pessoas naturais.

Page 9: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Capítulo V

O DANO MORAL QUE TEM ORIGEM NO ABANDONO AFETIVO

Sumário: 47. A responsabilidade civil invade o direito de família – 48. dano moral por abandono afetivo de filho, “per se” – 49. Tíbios fundamentos que negam a existência do dano moral quando ocorre o abandono afetivo – 49.1. Primeira refutação: impossibilidade de atuação do poder judiciário – 49.2. Segunda refutação: a ausência de amor não pode ser transformada em pe-cúnia – 49.3. Terceira refutação: o abandono afetivo não configura ato ilícito passível de gerar dano moral – 49.4. Quarta refutação: dificuldade em provar a extensão e repercussão do dano psicológico – 50. Dano moral que decor-re do não reconhecimento. Falta de comunicação entre progenitor e filho – 50.1. Fundamentos da negativa a indenizar. intento de superação – 50.2. Corrente que prestigia o dever de indenizar. Direito ao liame genético con-substanciado na identidade pessoal.

47. A RESPONSABILIDADE CIVIL INVADE O DIREITO DE FAMÍLIA

Ainda nos dias atuais continua em aberto a discussão sobre a viabi-lidade de indenização por dano moral no campo do direito de família. As regras gerais do Direito são aplicadas em qualquer área, porém a ideia de imunidade familiar, segundo a qual as ações de responsabilidade civil não devem ocorrer entre familiares, grassaram no direito norte-americano. Aos poucos esse conceito foi sendo afastado. No Brasil ainda existe algum resquício da imunidade familiar, mesmo que, lentamente, venha sendo for-mado o entendimento de que as relações familiares também devem ser abarcadas pelo direito de danos.

Na doutrina nacional, um claro exemplo acerca da não sujeição dos componentes da família ao dever de indenizar, quando ocorrem danos en-

Page 10: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

266 DANO MORAL INDENIZÁVEL – Antonio Jeová Santos

tre si, é artigo de José de Castro Bigi, inserto na Revista dos Tribunais, volume 679, p. 47. Ali é afirmado com todas as letras, que “o panorama atual do direito brasileiro está bem sintetizado pelo professor e magistrado Yussef Said Cahali, em seu livro Divórcio e Separação, nota de rodapé n. 76, quando afirmou, ‘discretamente nosso Direito partilha do entendimen-to de que basta a imposição do encargo alimentar em favor do inocente, ou da manutenção do dever de assistência em favor do não responsável pela separação judicial, como forma suficiente de ressarcimento do prejuízo sofrido como dissolução da sociedade conjugal.

A não admissibilidade da existência de indenização entre os membros da família pelos danos produzidos entre seus componentes, remonta à épo-ca em que o pai-marido tinha a autoridade suprema. Os poderes maritais e paternos eram absolutos. A mulher não tinha iguais direitos na condução dos assuntos que envolviam os partícipes da família. Tudo era concentrado nas mãos do infalível ‘pater’”.

Os filhos, quando crianças, eram considerados pessoas, somente pela boa vontade da lei. Na prática cotidiana o pátrio poder era concebido ape-nas como um conjunto de direitos. Ninguém imaginava que os cônjuges pudessem contratar, ou que os filhos participassem de decisões graves que pudessem afetar a convivência em família.

Nesta forma de viver, o Direito de Danos, a Responsabilidade Civil eram alheios às relações familiares. Funcionavam como compartimentos estanques, não se comunicavam, nem de forma contingente. “Devia privar na família uma atitude de recato, silêncio ou ocultamento acerca dos da-nos injustos ali causados. Deveriam ser atendidos os interesses superiores da constituição de uma família e de sua estabilidade; que, acima de tudo, devia ficar a salvo da dimensão fundamental do amor, da ‘pietas familiae’, piedade ou consideração devida entre seus membros. Isso sem prejuízo de aplicar frente às condutas antijurídicas as sanções específicas desse Direi-to”, são as candentes palavras de Mosset Iturasspe, exibidas na Revista de Derecho de Daños, 2001-2, p. 8.

Até a segunda metade do Século XIX, foi negativa a doutrina sobre a possibilidade de indenizar por danos e prejuízos quando o fato lesi-vo ocorria na família. Doutrinadores franceses mencionavam sobre uma repulsa quase que instintiva visando a afastar a menor possibilidade de fazer valer a responsabilidade civil entre pais e filhos ou entre cônjuges, até mesmo na hipótese de adultério escancarado. O labor exegético era direcionado desta maneira, em franca oposição à clareza do art. 1.382 do Código Napoleônico que assentava o seguinte: “Art. 1382. Tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autrui um dommage, oblige celui

Page 11: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Cap. V • O DANO MORAL QUE TEM ORIGEM NO ABANDONO AFETIVO 267

par la faute duquel il est arrivé, à le réparer”. (Qualquer fato oriundo daquele que provoca um dano a outrem, obriga aquele que foi a causa do que ocorreu a reparar este dano).

Somente em 1941, com a reforma do Código Civil francês, foi pos-sível vislumbrar a possibilidade de indenização entre familiares, desde que houvesse dano ou prejuízo em decorrência da dissolução matrimo-nial. Com a Lei francesa 239/04, art. 266, foi dada aos cônjuges a possi-bilidade de exercer o direito de ação contra aquele que, em consequência de uma particular gravidade, viesse a padecer lesão à época do divórcio, desde que houvesse declaração judicial de que o desenlace ocorreu por culpa de um deles.

Cultivada essa concepção da família, não é de admirar a quase impos-sibilidade de um de seus membros se voltar contra qualquer deles, asses-tando demandas que tivessem como fundamento os danos suportados em decorrência de ato praticado por pai, mãe ou filho.

A estrutura familiar baseada no sistema patriarcal impedia a existên-cia de responsabilidade civil entre seus membros, pela forma como era organizada. O dever de indenizar diante de algum dano, nem sequer era cogitado. Em vez de culpa, havia falta moral, que merecia reprimenda em forma de castigo do responsável, sempre a cargo do “pater”.

Com os avanços introduzidos no Direito de Família, desde que fene-ceu o domínio absoluto do “pater familiae”, trazendo de roldão a posição igualitária de marido e mulher diante da organização e administração da família, até o reconhecimento da união estável e das relações homoafeti-vas, já não há lugar para que a autonomia da vontade de cada um de seus membros não seja valorada e que os danos ocasionados no seio familiar deixem de ser indenizados.

Os tempos são outros. Alterações imensas ocorreram no último quar-tel da anterior centúria. O Século XXI chegou com mudanças antes ini-magináveis. Agora, a amplitude do direito de danos não se compadece com doutrina e entendimento de Tribunais que procuram limitá-la e, até mesmo, negar vigência a situações de nítido corte violento, abusivo e que chegam a toldar relações familiares.

Nos tempos atuais, o Direito de Família lida com questões impensá-veis alguns anos atrás. Assim, por exemplo, a fecundação assistida, seja homóloga ou heteróloga; o vulgarizado uso de “barrigas de aluguel”; a manipulação de óvulos (gameta) e do embrião, além do prévio conheci-mento de possíveis doenças hereditárias, tudo isso faz com que o traba-lhador do Direito tenha uma postura moderna, afastando-se de dogmas

Page 12: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Capítulo VI

DANO MORAL DECORRENTE DA MALA PRAXIS MÉDICA

Sumário: 51. A relação médico-paciente – 52. Responsabilidade civil do mé-dico – 53. Natureza da responsabilidade civil médica – 54. A atividade médica como obrigação de meio e de resultado – 55. Responsabilidade solidária de toda a equipe médica – 56. Pressupostos da responsabilidade civil dos mé-dicos que causam danos morais – 57. Atividade médica suscetível de ense-jar responsabilidade – 58. A atividade médica causadora de lesões corporais – 59. Direitos do paciente – 60. Consentimento informado – 60.1. Recusa a tratamento depois da informação médica, segundo o art. 15 do Código Civil – 60.2. Exceções ao princípio do consentimento informado – 61. A dificulda-de em provar a culpa médica – Formas de superação – 62. A prova da culpa médica no direito comparado – 63. Análise de alguns critérios de apreciação da culpa médica.

51. A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

Dos direitos à vida e à segurança, insculpidos no pórtico do art. 5.º da Constituição da República, além do bem-estar colocado como norma retora da Constituição, conforme Preâmbulo da Carta Magna, decorre a integridade corporal e supõe o direito à saúde e acesso aos meios de cura, sem que subsista qualquer doença ou sequela, em razão da má prática do profissional da Medicina.

Porque visa a devolver o bem-estar físico e espiritual, a atividade médica tem vínculo estreito com os direitos da personalidade. Para evitar transtornos e violações a quaisquer destes direitos, devem os médicos agir com extremo cuidado e zelo, buscando sempre o reto exercício que advém de seu título universitário e da habilitação profissional conseguida.

Page 13: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

290 DANO MORAL INDENIZÁVEL – Antonio Jeová Santos

Desde a antiguidade existe preocupação quanto a dimensionar a res-ponsabilidade médica. Teresa Ancona Lopez de Magalhães (Responsabili-dade Civil, p. 315), ressalta que é encontrado em texto de Ulpiano a regra segundo a qual sicut medico imputari eventus mortalitais non debet, ita quod per imperitiam commisit imputari ei debet, ou “assim como não se deve imputar ao médico o evento da morte, deve-se imputar a ele o que cometeu por imperícia”.

A pouco e pouco os Tribunais começaram a ser chamados a apreciar danos por mala praxis médica. A massa de processos envolvendo profissio-nais da Medicina, acusados de terem agido com imprudência, negligência e imperícia tem se multiplicado, gerando um fenômeno que vem sendo cha-mado por doutrinadores estrangeiros de “febre da responsabilidade médica”.

A consciência de pacientes, que cada vez mais procuram o ressarci-mento, por entenderem que foram prejudicados em razão de atividade mal desenvolvida por médico, tem dado lugar a que os profissionais se acau-telem de eventual demanda, submetendo o paciente a uma bateria de exa-mes, até chegar a um diagnóstico. Este tipo de medicina abriga aspectos negativos, pois é inaceitável que o substrato de confiança que deve existir entre o médico e seu cliente seja substituído pela mútua desconfiança: o médico acaba enxergando no cliente o seu futuro demandante ante os Tri-bunais, e o paciente vê em seu médico alguém que não será diligente e que está pronto a lhe causar um dano pessoal.

Vai bem longe o tempo em que Gregório Marañon, no prólogo ao li-vro La Responsabilidad Profesional del Médico, Madrid, 1944, apregoava que “o enfermo deve aceitar uma margem de inconvenientes e de perigos derivados dos erros da medicina e do médico como algo fatal, como aceita a enfermidade mesma. O enfermo, se se dá conta da insuficiência pro-fissional de seu médico, age bem se recorre contra ele. Porém o juiz que atende a reclamação, cometerá a mais atroz das injustiças se condena de plano o médico que ignora os diagnósticos e os tratamentos elementares, e não aos professores que lhe deram o título, capacitando-o para exercer com pequenos conhecimentos, a Medicina.

A Medicina é, como profissão, excelsa; porém, como ciência, humí-lima (ressalto que Marañon escrevia assim nos idos de 1944). Essa insu-ficiência e humildade têm de ser aceitas. Pedir contas ao médico de seu fracasso com um critério científico, como se lhas pede a um engenheiro que calculou mal a resistência de uma ponte, é disparate fundamental e é princípio totalmente inaceitável. Ao procurar um médico, o enfermo aceita a margem de possível erro que implica o exercício da Medicina, posto que supunha no médico eleito, aptidões para não errar tanto quanto os demais médicos”.

Page 14: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Cap. VI • DANO MORAL DECORRENTE DA MALA PRAXIS MÉDICA 291

Tirante o ribombar retórico e a época do escrito de Marañon, em que eram mínimos os recursos científicos postos à disposição dos médicos, atualmente a situação é bem diferente. Os médicos continuam a cometer erros mesmo possuindo todos os elementos tecnológicos e outros indispen-sáveis ao bom exercício da Medicina. Errare humanum est. O que sucede é que as pessoas ficaram mais suscetíveis e passaram a exigir que os médi-cos se responsabilizem pelas infrações cometidas.

Analisando o texto de Marañon, agregou Izquierdo Tolsada, na obra La Responsabilidad Civil del Profisional Liberal, p. 6, que “hoje em dia soariam ridículas as invocações que faz meio século realizava Marañon a esse conto admirável de Turgueniev em que o médico, ao sair intimamente aterrado pela certeza de haver deixado morrer o enfermo – uma criancinha – porque não diagnosticou bem, recebe, na porta, um aperto de mãos de gratidão da chorosa mãe, convencida de que seu filho morreu porque assim foi a vontade de Deus. O homem de hoje segue confiando ao profissional a cura de sua saúde física e psíquica, a defesa e cuidado de seus interesses patrimoniais e morais, porém já não mitifica nem sacraliza a profissão, mas a cada dia exige do profissional conhecimentos mais especializados e profundos. Nossa sociedade admite o erro profissional como algo inevitá-vel em determinadas circunstâncias. As consequências, porém, têm de ser reparadas mediante a necessária indenização”.

Por mais paradoxal que o tema desse item encerre, pois o médico tem a arte e a técnica de curar, pode o exercício da medicina ser também um sério fator de agravos à incolumidade física. De alguns tempos a esta parte, tem-se verificado multiplicação de demandas que versam sobre a mala praxis do profissional da Medicina. Por que isso ocorre? Com o fim do médico de família, daquele em quem todos confiavam piamente e que sempre chegava em casa para cuidar desde o recém-nascido até o velho patriarca, com resultados que não importavam a cada um dos membros dessa família, era o médico merecedor do mais amplo respeito. A pouco e pouco, essa atividade se transformou em prestação médica massiva, mole-cular. Agora, o atendimento médico, sobretudo em postos do INSS ou que depende do poder público, é feito de forma a que nem o paciente conhece o médico, nem este aquele. A pressa no atendimento, para diminuir a enorme fila daqueles que esperam que a ciência lhes dê uma mínima chance para que continuem vivendo, isentos de algum mal que lhes acometem o corpo ou a mente, torna a Medicina difícil de ser exercitada e seus médicos pouco propensos, diante da dificuldade de material e de outros meios, a fornecer um mínimo de cuidado para que o paciente receba tratamento adequado.

Quem se submete a enfrentar enormes filas para, depois de um longo tempo ser atendido por um médico da rede de assistência médica pública,

Page 15: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Capítulo VII

DANO MORAL CAUSADO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO.

NOTÍCIAS FALSAS E INEXATAS

Sumário: 64. A incompatibilidade da Lei 5.250/1967, frente à Constituição Federal – 65. Considerações sobre o direito de informar e ser informado – 66. A liberdade de expressão do ponto de vista constitucional – 67. Proibição da censura – 68. Conteúdo do direito de informar – 69. O direito à liberdade de manifestação do pensamento não é absoluto – 70. Notícias falsas e errôneas – 71. Responsabilidade dos órgãos de comunicação por ofensas à honra – 71.1. A honra tutelada pelo Código Penal, Pacto de São José da Costa Rica e Código Civil – 72. A utilização de palavras dúbias e verbos que traduzem potenciali-dade – 73. Responsabilidade por informações colhidas na polícia e em juízo – 74. Programas televisivos que fazem a apologia do crime – 75. Notícias sobre figuras públicas (funcionários públicos, políticos, etc.) – Doutrina da proteção jurídica débil – 76. A doutrina da real malícia – 77. A tutela preventiva para im-pedir a divulgação de notícia infamante – 77.1 A prevenção contra notícia ine-xata no Código Civil de 2002 – 77.2. Atual tendência da doutrina e do Supremo Tribunal Federal – 78. O Direito de resposta na Lei 13.188, de 11 de novembro de 2015 – 78.1. A pretendida inconstitucionalidade da Lei 13.188/2015 – 78.2. Natureza jurídica – 78.3. Definição – 78.4. Caracteres – 78.5. Requisitos para aceitação do pedido de direito de resposta – 78.6. Qualquer publicação inexa-ta pode gerar o direito de resposta – 78.7. Conteúdo da resposta – 78.8. A ques-tão do exíguo prazo de 24 horas para o veículo de comunicação apresentar razões ao juízo de primeiro grau sobre o não atendimento do pedido de direito de resposta (art. 6º, I, da Lei 13.188/2015) – 78.9. A contradição vista entre o princípio da brevidade que rege o direito de resposta e o art. 219 do CPC/2015 que disciplina a contagem de prazos – 78.10. O interesse de agir.

64. A INCOMPATIBILIDADE DA LEI 5.250/1967, FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – que recebeu o n.º 130, extirpou do ordenamento jurídico brasileiro a

Page 16: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

336 DANO MORAL INDENIZÁVEL – Antonio Jeová Santos

Lei 5.250/1967, que era denominada Lei de Imprensa. Ao acolher o pleito elaborado pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, o Supremo Tribu-nal Federal declarou a não recepção, pela Constituição Federal, da Lei de Imprensa em sua totalidade, o que significa que a lei não mais existe. O efeito do decidido na ADPF é similar ao da revogação de lei.

Logo surgiram indagações sobre a subsistência do direito de resposta, publicação da sentença como efeito de ação condenatória julgada proce-dente e possibilidade de recurso ao STJ quando surgisse sentença proferida em pedidos de ressarcimento por dano moral causado por órgão de comu-nicação.

O direito de resposta subsiste por si só, como imperativo da ordem democrática, sendo assim a outra face do direito à livre manifestação do pensamento. Não fosse assim, encontra-se o direito de resposta no art. 5.º, inc. V, da CF e no art. 14 do pacto de São José da Costa Rica, mantendo rígido o exercício de tal direito. Disciplinando o assunto, exsurgiu a Lei 13.188/2015.

A publicação da sentença condenatória, no mesmo veículo que deu origem à notícia gravosa, era prevista no art. 75 da Lei 5.250/1967, fulmi-nado pelo Supremo Tribunal Federal. Nada impede, todavia, que a parte continue a efetuar pedidos que tenham o objetivo da publicação da senten-ça, porque a indenização a ser fixada, além de justa, há de ser integral e a publicação serve como meio de noticiar que o fato não ocorreu na forma como previamente entendeu o órgão de comunicação. A suma da sentença, a ser publicada, possui caráter de retratação.

O art. 75 da Lei de Imprensa tinha a seguinte redação: “A publica-ção da sentença cível ou criminal, transitada em julgado, na íntegra, será decretada pela autoridade competente, a pedido da parte prejudicada, em jornal, periódico ou através de órgão de radiodifusão de real circulação, ou expressão, às expensas da parte vencida ou condenada”.

Pois bem. O tema ainda não encontrou a devida sedimentação. O Su-perior Tribunal de Justiça, por exemplo, tem entendido que “a Lei de Im-prensa previa a possibilidade de se determinar a publicação das sentenças cíveis e criminais proferidas em causas nas quais se discutissem ofensas perpetradas pela imprensa, no mesmo veículo de comunicação em que a ofensa tivesse sido veiculada. Esse direito não se confunde com o direito de resposta, de modo que ele não encontra fundamento direto na Constitui-ção Federal. A sobrevivência do direito à publicação da sentença, portanto, deve ser apreciada com os olhos voltados à legislação civil. – O princípio da reparação integral do dano não tem alcance suficiente para abranger o

Page 17: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Capítulo VIII

DANO MORAL NO ÂMBITO DA INTERNET, SEGUNDO O MARCO CIVIL –

LEI 12.965/2014

Sumário: 79. Preliminares – 80. Eis que surge a internet – 81. Origens – 82. Intentos para definir a internet – 83. O fenômeno internet avança no jurídico – 84. A liberdade de manifestação de pensamento e proteção à privacidade no marco civil da internet – 85. Protagonistas da internet, segundo o Marco Civil (Lei 12.965/2014) – 86. A responsabilidade por danos causados na inter-net – 87. Exceções à ausência de responsabilidade: conteúdo pornográfico que abale a intimidade e ordem judicial específica não cumprida – 88. O ano-nimato – 89. Tendência jurisprudencial antes do advento da Lei 12.965/2014 – 90. Dano moral causado no facebook e twitter – 90.1. A criação de falsos perfis – 90.2. O facebook e o twitter fomentam ataques à reputação de pes-soas físicas e jurídicas – 91. Os blogs. A grave questão de o responsável pela edição tornar-se responsável por comentários de terceiros – 91.1. Responsa-bilidade dos comentaristas do blog – 92. O cyberbullying na Lei 13.185, de 6 de novembro de 2015 – 92.1. Origem da palavra bullying – 92.2. Definição da lei – 92.3. Fontes das quais promanam o bullying – 92.4. Modalidades de cyberbullying – 92.4.1. Child grooming – 92.4.2. Stalking – 92.4.3. Sexting – 92.5. Formas de proteção.

79. PRELIMINARES

Quem nasceu em meados dos anos 1980, acha estranho como os mais antigos conseguiam viver sem iPad, telefone celular, internet, Playstation e o já fora de moda, iPod.

Não ouviram músicas em disco de vinil, contendo dois lados e com aquela maçante atividade de a cada 18 ou 20 minutos ser necessário trocá--lo e aquele insistente chiado que maltratava os ouvidos e tornava a música menos clara. Ou, a ficha telefônica, necessária para a comunicação por meio de “orelhão”, quando estávamos na rua e havia a premente necessida-

Page 18: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

408 DANO MORAL INDENIZÁVEL – Antonio Jeová Santos

de de se fazer contato com alguém. Poucos reuniam condições financeiras para ter telefone em casa, porque o aparelho e a linha eram inacessíveis à maioria dos brasileiros. Existia uma bolsa de telefone e o preço era equipa-rado ao de um carro popular. Máquina de escrever, hoje conhecida apenas em museus, era o orgulho de datilógrafos que, rápidos e exímios, conse-guiam datilografar – não digitar – com todos os dedos e não cometiam erros em sua atividade. Os advogados e juízes partícipes de audiências no foro, lembram-se de como era difícil a mudança de folha de papel quando a anterior estava completamente preenchida. O papel carbono era necessá-rio, pois o termo de audiência era lavrado em muitas vias. Quando o escre-vente colocava o papel carbono de maneira invertida e a impressão saia no verso da folha datilografada, ocorria uma tremenda agitação para corrigir o problema. Surgida a máquina de escrever elétrica, com as suas “marga-ridas” ou “esferas” capazes de alterar os tipos de fontes (letras), o serviço de datilografia tornou-se mais limpo e mais silencioso. Contudo, persistia o grave problema de manter a simetria das linhas na margem direita. O recurso “justificar”, tão comum nos editores de textos usados em computa-dores, era ausente nas máquinas de escrever. O “branquinho”, aquele líqui-do que servia para apagar erros, mas deixava o trabalho com aparência de sujo era bastante utilizado. Com a máquina de escrever elétrica e, depois, a eletrônica, veio acoplado à fita que tornava possível a impressão, uma outra que facilitava o trabalho de correção de erros de datilografia.

Aparecido o computador no Brasil, o famoso Cobra 530 e, depois, alguns da Apple de Steve Jobs, não havia disco rígido. Os celebrados dis-quetes eram flexíveis e o espaço pequeniníssimo para armazenar dados. O sistema operacional era o DOS, que mais tarde evoluiu para o MS-DOS. Tudo isso se deu na década de 1980. A única vantagem foi a substituição da máquina de escrever. E que beleza! Silenciosos, pois o batucar nas teclas de máquinas causava um barulho infernal, os computadores ainda traziam o recurso “justificar”. Aquele causador de estresse quando surgia a neces-sidade de deixar a margem direita igual em todas as linhas – tarefa de si impossível – havia sido solucionado. O papel carbono tendeu ao desapare-cimento, porque as impressoras permitiam imprimir quantas vias fossem necessárias, pois o documento era previamente gravado ou, na linguagem do computador, o arquivo era “salvo”. Os erros de datilografia deixaram de ser problema. Com o advento do computador como sucedâneo da máquina de escrever, bastava apertar a tecla “Del” ou “Backspace” que o erro desa-parecia. Na atividade dos operadores do Direito, quantas vezes ao final de um trabalho, seu autor sentia a necessidade de inserir ou cortar parágrafos inteiros. A introdução do computador-máquina de escrever, com o recurso “copiar e colar” foi uma bênção. Este auxílio resolveu um dos graves pro-blemas da datilografia.

Page 19: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Cap. VIII • DANO MORAL NO ÂMBITO DA INTERNET, SEGUNDO O MARCO CIVIL 409

Mas, os editores de texto da época continham um problema. Oriundos dos Estados Unidos, não continham a acentuação gráfica tão comum na língua portuguesa. Some-se a má qualidade da impressão. Ditos problemas foram sanados com editores de texto como o Word e impressoras de alta resolução, capazes de imprimir em cores. A qualidade do material impres-so passou a ser igual à de um livro bem acabado ou a de um jornal feito com esmero.

Quanto tempo era consumido na pesquisa jurídica, feita em algum li-vro de doutrina ou em repertório de jurisprudência. Era necessário recorrer aos índices anuais das revistas especializadas. Até encontrar o assunto que interessava, o profissional do Direito tinha passado várias horas em seu escritório nessa árdua e solitária tarefa. Hoje, com a utilização do ubíquo “Google” e dos excelentes sites dos Tribunais de Justiça, é possível locali-zar um julgado ou um dado da doutrina com um simples “click” no mouse e a digitação de poucas palavras.

Os usuários eram felizes com a só possibilidade de substituir a máqui-na de escrever pelo computador. A geração pré-computador foi incapaz de supor o que a aguardava alguns anos depois.

80. EIS QUE SURGE A INTERNET

Quando Alvin Tofler escreveu seu famoso livro A Terceira Onda, o enfoque foi dado sobre a mudança que a civilização ocidental estava pres-tes a operar. Tratava-se da terceira onda, porque as duas outras foram a agrícola e a industrial. Na terceira onda, a civilização chegaria a um está-gio bem distinto e avançado dos outros modelos. É tamanha a influência das novas tecnologias nas relações interpessoais que a revolução susten-tada por Alvin Tofler chegou mais rápido do que ele imaginou. A Terceira Onda surgiu nos Estados Unidos em 1979 ou 1980. Vinte anos depois, o mundo globalizado e as comunicações feitas via internet já eram uma rea-lidade tão intensa que as pessoas não puderam supor que viver sem internet se tornaria uma impossibilidade.

81. ORIGENS

Em 1969, estrategistas do Pentágono criaram a Arpanet – Advance Research Project Agency Net para fazer face aos problemas cruciais que

Page 20: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Capítulo XII

DANO MORAL EM FACE DA DISCRIMINAÇÃO INJUSTA

Sumário: 117. A questão da igualdade ante a lei – 118. Significado da discri-minação – 119. A arbitrária discriminação – 120. Principais focos de discrimi-nação – 120.1. Preconceito de cor e raça – 120.2. Religião (credo) – 120.3. O regionalismo – 121. Discriminação contra a mulher – 122. O homossexualis-mo – 122.1. Proteção à família homossexual – 123. Condição social – 124. Os enfermos – 124.1. Pessoas portadoras de deficiência.

117. A QUESTÃO DA IGUALDADE ANTE A LEI

De maneira redundante, a Constituição da República quis remarcar a questão da igualdade, ante a lei, de forma exaustiva. Insatisfeita com o descrito no caput do art. 5.º, na dicção de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liber-dade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”, o inciso I, menciona que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos em que estatui a Constituição.

Nada desprezível do caput do art. 5.º, a menção à liberdade e à igual-dade. Muito embora se trate de conceitos antinômicos, pois se existir li-berdade, a igualdade desaparecerá, porque os mais bem dotados que de-senvolverem maior esforço pessoal se desenvolverão mais facilmente, é necessário ligar umbilicalmente os conceitos de igualdade e de liberdade. O sistema democrático não se compatibiliza com a ausência de nenhum desses caracteres, próprios do ser humano. A energia natural do homem que determina suas ações, a liberdade, não é absoluta. Está sujeita a limi-tações que decorrem da própria necessidade de convivência em harmonia

Page 21: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

510 DANO MORAL INDENIZÁVEL – Antonio Jeová Santos

social. As amarras e restrições são necessárias até para garantir a liberdade dos demais.

O estimado mestre, Ignácio da Silva Telles (A Experiência da De-mocracia Liberal, pp. 79 e 80), trata desse assunto de maneira superior e definitiva. Assinala que o britânico Henry Ireton, sem ser homem de letras e sem se dar ares de pensador político ou filosófico, mas simplesmente com seu bom-senso inglês, de olhos abertos para os problemas concretos que se apresentavam, já em meados do século XVII havia percebido que o princípio de igualdade de todos perante a lei, levado a suas últimas conse-quências, necessariamente restringiria a liberdade de cada um.

As duas ideias essenciais da democracia, liberdade e igualdade, assim como foram apresentadas pelos pensadores da era do Iluminismo, e assim como se desenvolveram na teoria política das ideologias modernas, são dois conceitos que, na prática, se hostilizam e se excluem.

A liberdade possibilita o desenvolvimento das diferenças entre os ho-mens. E os homens, sendo dotados de inclinações diversas e deixando--se plasmar por perspectivas diferentes, criarão condições em que alguns poucos dominarão os outros muitos, e estes outros, dominados, deixarão de ter a liberdade apregoada. O resultado da liberdade é, primeiramente, a desigualdade econômica, acarretando desigualdade social e desigualdade de oportunidades.

Esta oposição recíproca também foi bem apanhada por Tobias Barre-to, mulato sergipano, grande pensador, professor da Faculdade de Direito do Recife e que, de tanta incompreensão, morreu na miséria. É chegada a hora de o Brasil resgatar a dívida que tem com seu filho ilustre, retirando-o do ostracismo e estudando seu pensamento tão pendular, quanto necessá-rio. Sílvio Romero, que foi seu mais fiel discípulo e absoluto divulgador, chegou a dizer que, “defendo o velho Tobias: 1.º, pelo seu mérito intrín-seco; 2.º, para justificar o meu próprio critério; 3.º, como meio de guerra. É uma clava que costumo brandir contra certos semideuses cá da terra. O famoso Machado (de Assis), a quem aliás não nego grande mérito, é um destes, e por isso atirei-lhe em cima o outro”.

Pois bem. No que denominou Discurso em Mangas de Camisa, pro-ferido em setembro de 1877 na cidade de Escada, Tobias Barreto efetuou a distinção entre liberdade, igualdade e fraternidade, acentuando que estas três palavras espantam de se acharem unidas, por significarem três coisas reciprocamente estranhas e contraditórias, principalmente a liberdade e a igualdade. E para que não se me acuse de paradoxia – afirmava Tobias Barreto – permiti-me, por um pouco, tratar de demonstrá-lo; o que tanto mais interessa, quanto é certo que não temos por nós nenhuma das três pessoas dessa trindade revolucionária, e por isso muito importa sabermos,

Page 22: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Capítulo XIII

DANO MORAL EM ESTÁDIOS DE FUTEBOL. O ESTATUTO DO TORCEDOR

Sumário: 125. Advertência preliminar – 126. Breve análise sobre a violência no futebol – 127. O fenômeno multitudinário – 128. O dano moral à luz do estatuto do torcedor. Lei 10.671/2003 com as alterações introduzidas pela Lei 12.299/2010 – 129. A hipotética contradição do art. 19. suposta necessidade de prova da culpa – 130. Casos que operam como exceção à responsabilida-de objetiva em partidas de futebol – 130-A. Lesões entre jogadores – 131. Dano provocado por jogadores contra árbitros e assistentes – 132. Respon-sabilidade solidária das entidades responsáveis pela organização do evento, bem assim de seus dirigentes – 133. Torcedores que não pagam para ingres-sar em estádios e profissionais da imprensa – 134. Policiais militares e guar-das municipais – 135. Responsabilidade civil das torcidas organizadas – 136. Eximentes da responsabilidade.

125. ADVERTÊNCIA PRELIMINAR

Muito embora a Lei 10.671/2003, denominada Estatuto do Torcedor, trate de eventos desportivos, sem fazer menção específica a qualquer mo-dalidade de esporte, claro está que tem amplo espectro e se aplica ao des-porto em geral. É o que deflui do “jus positum’. Nele, os artigos 1.º, 1.º-A e 2.º disciplinam o seguinte:

“Art. 1.º Este Estatuto estabelece normas de proteção e defesa do torcedor.Art. 1.º-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsa-bilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas

Page 23: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

538 DANO MORAL INDENIZÁVEL – Antonio Jeová Santos

e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos diri-gentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos. (In-cluído pela Lei 12.299, de 2010). Art. 2.º Torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do país e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva”.

Este capítulo tratará do futebol, especificamente, porque além de ser o esporte mais praticado no país é o que mais tem revelado casos de brigas, confusões sem-fim e mortes. A atividade futebolística no Brasil desborda do campo de jogo e ganha dimensões maiores tanto no âmbito econômico como no político. Veja-se a argumentação para justificar o Brasil como anfitrião da Copa do Mundo, realizada em 2014, com total êxito quanto à organização.

Ao tocar apenas no futebol, o autor não discrimina outras modali-dades desportivas. O caráter prático e didático da obra justifica o mais possível a proximidade com o que acontece no cotidiano do brasileiro. Depois do futebol, o judô e o voleibol são os maiores detentores de títulos internacionais. Felizmente, em seus “dojos” e quadras não se vislumbram manancial tão disparatado de violência como ocorre nos estádios, agora chamados de arenas.

É encarecido que este capítulo destina-se exclusivamente ao futebol, a despeito de o Estatuto do Torcedor cuidar de outros esportes.

126. BREVE ANÁLISE SOBRE A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL

Foi-se o tempo em que assistir a uma partida de futebol nos estádios era atividade que servia apenas ao lazer e para torcer pelo time de afeição ou o que mais simpatia despertava. Hoje, ir a um estádio é tarefa para jo-vens valentes que podem suportar as agruras do movimento multitudinário destinado à violência. Rareia a presença de mulheres e famílias. As notí-cias de lesões, furtos, molestamento sexual, seja pelo só apalpar infligido a torcedores, impedem que pessoas normais afluam aos estádios com maior frequência. A realidade triturante é que o nome “arena” que aos poucos vem substituindo o vocábulo estádio, tem clara correspondência entre o nome e o que se desenvolve no local destinado à prática do futebol.

Jogadores são preparados fisicamente para serem gladiadores. Ou têm físico parecido com os dos antigos lutadores romanos, ou não conseguem

Page 24: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

Capítulo XVI

CARGA PROBATÓRIA DINÂMICA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICAÇÃO EM CASOS DE DANO MORAL

Sumário: 162. Explicação necessária – 163. A prova – 164. Esboço histórico a propósito da carga probatória dinâmica – 165. A atual doutrina da carga dinâmica na visão do seu criador e divulgador: Jorge Walter Peyrano – 166. O “onus probandi” estático no Código de Processo Civil de 2015 – 167. Acei-tação da carga probatória dinâmica pelos tribunais, antes da codificação processual – 168. A carga dinâmica das provas no Código Civil Argentino de 2014 – 169. O Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 – 169.1. Projeto de Lei aprovado pelo senado, sob n.º 166, de 2010 – 169.2. Texto consolidado com os ajustes promovidos por comissão temporária, mais tarde aprovado e transformado no atual Código de Processo Civil – 170. Críticas inconsistentes à carga dinâmica das provas – 171. Fundamentos da doutrina – 171.1. Justiça – 171.2. O senso comum – 171.3. Dever de cooperação e solidariedade – 172. Cuidados que partes e juiz devem guardar quando esperam que o outro demandante preste colaboração – 173. A parte tem o dever de atuar com boa-fé – 174. As partes detêm o “onus probandi” – 175. O implemento da carga dinâmica no processo ocorrerá como exceção – 176. Memento – 176.1. Carga dinâmica e inversão do ônus da prova – 176.2. O caráter “in re ipsa” do dano moral – 176.3. A prova levior – 176.4. Presunções e indícios.

162. EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA

A novidade inserida no art. 373, § 1.º, do Código de Processo Civil de 2015 tem origem, raízes profundas, em doutrina elaborada com rigor pro-cessual e jurisprudência firme na América do Sul, mais especificamente na Argentina ou, de forma completa, na cidade de Rosário, Província de Santa Fé. Para formar a dogmática relativa ao ônus probatório dinâmico não será

Page 25: Juiz de Direito em São Paulo – Aposentado DANO · direitos fundamentais. Se, de um lado, o Brasil ainda continua dando pou-co valor à dignidade humana, por outro lado há quem

666 DANO MORAL INDENIZÁVEL – Antonio Jeová Santos

preciso recorrer à doutrina teuto-italiana. Bastarão os aportes oferecidos pelos argentinos e brasileiros que vêm se dedicando ao assunto.

Tratei do assunto desde a 1.ª edição do Dano Moral Indenizável, do ano de 1997, perpassando pelo Dano Moral na Internet, edição de 2001. Cada uma das tiragens e edições destes livros ocorridas entre 1999 a 2001 me fizeram meditar sobre o assunto, pois já vinha aplicando a teoria em processos judiciais, causando perplexidade às partes, seus advogados e in-tegrantes de tribunais. A partir da 2.ª edição do Dano Moral Indenizável, que foi publicado em 1999, o assunto foi tratado com maior vagar. Fruto do labor diário e de palestras efetuadas pelo Brasil afora, efetuei a distin-ção entre carga dinâmica da prova e inversão do ônus. Essa matéria foi ex-posta na 4.ª edição do Dano Moral Indenizável, em 2003. Até a exposição da teoria, nos idos de 1997, só havia um acórdão do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do ministro Ruy Rosado de Aguiar, que vem sendo citado desde a edição primeira desta obra.

Para confirmar a fama de bons processualistas de que o Brasil é do-tado – não sem razão, tivemos uma Escola Paulista de Processo formada por Liebman –, depois da difusão da carga dinâmica no Brasil, surgiram excelentes artigos, ensaios e livros que versam sobre o tema, de maneira específica.

163. A PROVA

Antes de ingressar no específico estudo da carga probatória dinâmica, mas visando a dimensionar a questão da prova do dano moral, seja decor-rente de agravo à estética, à imagem ou a qualquer outra lesão que afete as afeições mais legítimas do ser do homem, é de pleno rigor que, por primei-ro, seja encontrado o conceito de prova, lato sensu. Para tal empreitada, o melhor é arrolar definições de doutrinadores modernos.

Em sentido amplo, prova é a demonstração de um fato que é tido como verdadeiro. Esta noção ultrapassa o campo do Direito e serve para qualquer ciência e toda a atividade do dia a dia.

O biólogo, o astrônomo, o físico e o matemático, por exemplo, ne-cessitam comprovar a verdade de suas teorias ou proposições, a fim de demonstrar a certeza do que afirmam. A demonstração de um fato previa-mente afirmado é a prova desse fato. Em Direito, tal conceito mais se afina com a realidade, porque de nada adiante afirmar a existência de um direito, se não houver a prova.

Para Devis Echandia, “sem a prova do direito estaríamos expostos à sua irreparável violação pelos demais, e o Estado não poderia exercer