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Joo Paulo Saraiva Leo Viana Gilmar dos Santos NascimentoOrganizadores

O SISTEMA POLTICO BRASILEIRO: Continuidade ou Reforma?

ASSEMBLIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE RONDNIA 7 LEGISLATURA MESA DIRETORA PRESIDENTE: Deputado Neodi Carlos Francisco de Oliveira 1 VICE-PRESIDENTE: Deputado Alex Testoni 2 VICE-PRESIDENTE: Deputado Miguel Sena

1 SECRETRIO: Deputado Jesualdo Pires Ferreira Jnior 2 SECRETRIO: Deputado Chico Paraba 3 SECRETRIO: Deputado Ezequiel Neiva

4 SECRETRIO: Deputado Mauro Rodrigues da Silva

Joo Paulo Saraiva Leo Viana Gilmar dos Santos NascimentoOrganizadores

O SISTEMA POLTICO BRASILEIRO: Continuidade ou Reforma?

Editora da Universidade Federal de Rondnia Porto Velho 2008

Todos os direitos resevados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaiquer meios (eletrnico, mecnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso escrita da editora.

Copyright C by Assemblia Legislativa do Estado de Rondnia - ALE/RO

Editor: Nilson Santos Reviso: Alessandro Rosendo; Francisco Elieudo Buriti de Sousa; Rogrio Melo Capa: PNA Publicidade Design Editorial Cesar Prisisnhuki Faria

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDNIA Br-364 - Km 9,5 Telefone: (69) 3216-8569. Fax (69) 3216-8515 Endereo Eletrnico: [email protected] CEP 78.900-500 - Porto Velho - RO

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao - CIP 321 (81) O sistema poltico brasileiro: continuidade ou reforma?/ S632 organizadores Joo Paulo Saraiva Leo Viana. Gilmar dos Santos Nascimento. Porto Velho: Edufro, 2008 344p.

1. Cincia Poltica - Brasil 2. Sistema Poltico - Brasil 3. Poltica e Governo - Brasil I. Viana, Joo Paulo Saraiva Leo II. Nascimento, Gilmar dos Santos. Ficha Catalogrca elaborada pela Bibliotecria Leandra Perdigo CRB 11/415

SUMRIO

9 11 17

Palavra do Presidente Prefcio Antnio Octvio Cintra Majoritrio ou proporcional? Em busca do equilbrio na construo de um sistema eleitoral Walter Costa Porto O voto majoritrio distrital no Brasil Fabiano Santos Como aperfeioar o sistema poltico brasileiro? Ensaio de sugesto Filomeno Moraes Democracia, repblica e reforma poltica: variaes em torno dos vinte anos da Constituio Federal Elder Gurgel Filho Teoria da separao dos poderes: A literatura atual da cincia poltica e sua aplicao aos nveis subnacionais de governo Carlos Wellington Leite de Almeida Federalismo brasileiro em formao Roberto Amaral A votao no sistema de listas Joo Paulo Saraiva Leo Viana Flvia Ilada Colho Democracia ou partidocracia? Pontos e contrapontos da lista fechada no Brasil

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Clayton Mendona Cunha Filho Pedro Wilson Costa Jnior O preo da democracia: caminhos para aperfeioar o sistema de nanciamento de campanhas Raimundo Jos dos Santos Filho Vincius Valentin Raduan Miguel As coligaes proporcionais no sistema eleitoral brasileiro Jos Luiz Quadros Magalhes A necessidade de reviso do papel do Senado na democracia representativa brasileira ou sua extino Francisco Humberto Cunha Filho Manifestaes atuais da representao de interesses no direito brasileiro: o caso especco do segmento cultural Gilmar dos Santos Nascimento Sociedade civil e reforma poltica Lus Fernando Novoa Democratizao em meio ao desmonte: o elo entre a coerncia macroeconmica, a liberalizao comercial e a efetividade poltica Moacyr Parra Moa Reexes sobre a democracia contempornea e a questo da legitimidade do sistema representativo: o caso Rondnia Sanso Saldanha A democracia consolidada Alex Sarkis Sobre a vida pregressa dos candidatos

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PALAVRA DO PRESIDENTE

Em junho de 2007, a Assemblia Legislativa do Estado de Rondnia, atravs da Escola do Legislativo, promoveu o I Seminrio de Reforma Poltica da Regio Norte, evento que contou com a participao de diversos estudiosos de renome nacional e regional. A discusso sobre mudanas e reformas em nosso sistema poltico faz parte de um processo de amadurecimento democrtico que completa agora vinte anos da ocasio da promulgao de nossa Constituio Federal. A consolidao democrtica de nossas instituies traz consigo a necessidade de uma reexo crtica acerca daquilo que precisa ser mantido ou modicado. Debater a reforma poltica no Brasil no assunto fcil. Trata-se de um tema polmico tanto entre estudiosos quanto entre polticos e partidos. Basta observar a falta de consenso nos prprios partidos polticos e bancadas do Congresso Nacional sobre temas como voto distrital misto, nanciamento pblico de campanhas, lista fechada, delidade partidria, clusula de barreira, entre outros. Em uma poca de crescente descrdito para com a poltica, a crise da representao acima de tudo expressada pelo distanciamento entre o cidado e o parlamento. Reconquistar a conana das Instituies requer sempre a misso de aprimor-las, principalmente em um contexto de crises institucionais. atravs do exerccio democrtico da participao que o cidado se sente inserido. Privar-lhe desse direito constitui acima de tudo em um retorno s antigas e repressivas Instituies.

Nesse contexto, o papel do parlamento rondoniense atravs da Escola do Legislativo acima de tudo levantar questes candentes da vida poltica nacional, ampliando a discusso sobre as mesmas, na perspectiva de inserir o maior nmero de cidados no debate pblico. Dessa forma, torna-se primordial unir poltica e cincia, sendo esse um bom momento para aproximar as relaes entre o parlamento e a universidade. A Escola do Legislativo, dirigida pela profa. Darcy Horny, vem se destacando como um importante departamento da Assemblia Legislativa de Rondnia, contribuindo para a formao de cidados inseridos no processo poltico. A parceria do Legislativo rondoniense com a Universidade Federal de Rondnia um belo exemplo dos esforos que estamos empreendendo no intuito de cada vez mais nos aproximarmos da sociedade. Ressalto aqui a importncia desta obra que lanada numa parceria entre a Assemblia Legislativa do Estado de Rondnia, a Escola do Legislativo e a Editora da Universidade Federal de Rondnia. Ns, membros do parlamento rondoniense nos sentimos honrados e orgulhosos pela iniciativa vanguardista na regio norte, ao iniciarmos o debate pblico sobre mudanas e aperfeioamento de nossas instituies. Esperamos que os textos aqui presentes possam contribuir ainda mais para a divulgao de nosso sistema poltico, sendo objetos de consulta e pesquisa por parte de acadmicos, estudiosos e principalmente pelo cidado comum. Com essa iniciativa, temos a certeza de estarmos colaborando para que a jovem democracia brasileira se consolide ainda mais entre ns, alargando os ideais da democracia representativa, da justia social e do Estado de Direito.

Presidente da Assemblia Legislativa de Rondnia

Neodi Carlos de Oliveira

S ARMAS CIDADOS!

Paulo Queiroz

Ateno - previne-se ao leitor - para as pginas que adiante se abriro. Mais um pouco frente, e de l at o m do percurso ali comeado, h homens armados - e mais que isso - oferecendo a quem quer que prossiga livro adentro as mesmas armas de que esto a se servir - e muito mais -, reiterando a cada pargrafo percorrido um convite para a eles se juntar na guerrilha em que decidiram se envolver. Em que importem a tenacidade e as estultices do adversrio a enfrentar, difcil no aderir causa deles, porquanto bom o combate para o qual nos chamam a pelejar e poderosas so as armas que ensarilham - com as quais sadam a quem passa e com todos querem-nas compartilhar. V Vm de longe as tradies que a esto pulsando e que os perlaram neste campo de batalha. Algum dir que remonta velha Grcia, onde no desconsiderando o sangue propriamente dito derramado em Tria, no Peloponeso, em Queronia e muitos outros campos sobre os quais se cruzaram espadas, as batalhas de cujo legado a civilizao at hoje verdadeiramente tributria tiveram lugar numa tal gora, por intermdio do poder que aquele povo conferiu quela arma aqui lembrada a palavra. A diferena entre esses dois tipos de guerra que onde h espadas zunindo, cortando corpos e ceifando vidas, permeia, invariavelmente, a insensatez. Nesta outra, a que se fazia na tal gora esgrimindo a palavra, a razo que desde l vem tentando dar as cartas.

Desde l, vrgula! Aqui mesmo, a adiante, entre esses homens que de tal arma esto servidos, poder haver quem diga, ferido em brios, que desde muito atrs que a palavra se fez fora conduzindo a humanidade. De fato. Antes mesmo de os sumrios cunharem-na em argila xando a histria, antes at de o deus Thot ensinar aos egpcios o uso da escrita relativizando o papel da memria, a palavra falada abriu e ps-se a ampliar os portais da mente humana para nunca mais deixar a espcie ser aquela mesma que emergiu da savana ou do den. Como atestam estes versos conhecidos: No princpio, era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus. Joo, como se v, sabia das coisas. Enm, estes homens que a adiante esto a digladiar-se e esta a forma como avanam sobre a adversidade a vencer, fazendo suas idias entrechocarem-se para produzir a luz que rasgar a escurido querem persuadir-nos a lhes ouvir no exatamente para com eles concordar, mas para, pela palavra, tentar nos ajudar pelos caminhos a trilhar. Querendo, vamos aprender com eles que todas as questes de interesse geral da sociedade podem resolver-se na deagrao, no andamento e na concluso de um debate. Eis em que implica o sistema da polis que naquela l distante gora vai inventar-se em Poltica, atribuindo uma extraordinria supremacia palavra, entronizando-a no reino da persuaso e fazendo-a prevalecer sobre todos os demais instrumentos de poder. Aqui, o que tirou estes homens do sossego em que deviam estar postos aps a faina todos, como o leitor, tm outras ocupaes absorvedoras foi certa inquietao com a forma como esto a nos governar. Mas isso, pensar o apressado, um problema das autoridades, dos polticos no exerccio dos seus cargos por todos pagos para se aterem a esse mister. bem verdade. Ocorre que nestes homens pulsam aquelas tradies j referidas, aquele esprito da poltica que da gora surgiu, se esparramou pelo mundo e aqui, nesta consigna, instalou-se entre eles, revelando-os nestas pginas que adiante se abriro, transmutadas na assemblia em que decidiram reunir-se. Pretendem que o crculo em que se constituem d acesso, sempre mais amplo at alcanar o demos , ao mundo do domnio pblico, de modo tentar fazer prevalecer na cracia o interesse comum.

As questes que os inquietam so de todos conhecidas validadas as restries que a nefanda natureza do sistema impe a realidade desse todos -, posto que h tempos delas bastante se ocupam os jornais, a televiso, a comunicao em seu conjunto, os estudiosos, as autoridades em geral, enm, os prprios polticos que so, desafortunadamente, os que mais parecem se mexer e por apenas parecer permanecem sempre no mesmo lugar. Fala-se do modelo de democracia que nos governa, dos mecanismos que para muitos j esto engastados ou deixaram de funcionar, dos vcios que medraram em meio a essa fadiga e ameaam estancar o curso das nossas vidas, dos procedimentos que podem desequilibrar um sistema que se arroga da lei como equilbrio e da igualdade como norma. Fala-se do concreto da vida social e das reformas que a poltica que o conduz parece j estar a exigir. Alis, essa opinio que a acabou de ser proclamada apenas outro palpite, porquanto o leitor que se interessar pelo assunto e a prudncia, mais que a sabedoria, recomenda que tome tento quem vai dizer tambm se ou no razovel clamar por tais reformas. Dizse a prudncia para tentar no deixar ningum ser includo entre os idion de que j nos falavam os sbios da gora. No queira, leitor, ser tomado como um tal, porque na antiguidade grega um idion era aquele indivduo que, mesmo tendo as condies necessrias participao nas assemblias, se negava a faz-lo, originando da aquilo que se conhece como idiota. Em vez disso, o que se quer tratar todos como isoi, que signica iguais e vai originar isonomia, indicando a indistinguvel participao de todos os cidados no exerccio do poder. Pelo jeito, a julgar pela torrente de clamores que de todo lado procede, o sistema que nos governa est mesmo a demandar por reformas. Este modo de corrigir o rumo das coisas tambm vem de longe. Vire e mexe, os gregos faziam l uma reforma. Chamado a repensar as leis da plis, Drcon no se fez de rogado, mas suas reformas mantiveram a escravido por dvida e os privilgios da elite. Veio Slon e, com suas reformas, aboliu a escravido por dvidas e instituiu nova maneira de participao poltica, embora mantendo s as elites no comando. Clstenes, por seu turno, objetivou eliminar o controle da aristocracia sobre o poder poltico. A cidadania foi concedida a um nmero maior de

indivduos, porm, para os que eram tidos como nocivos plis, foi institudo o ostracismo. E por a veio caminhando a humanidade. Chegamos aonde estamos e, armado at os dentes, vai aparecer a o advogado e professor Alex Sarkis para nos falar Sobre a Vida Pregressa dos Candidatos, uma questo que anda aguando muito mais do que a v curiosidade de to pungente. Da Universidade de Braslia (UnB), onde est especializando-se em Cincia Poltica, apurando a pontaria e mirando na alma do sistema, chega-nos Elder Gurgel Filho para discorrer acerca da Teoria da Separao dos Poderes, a Literatura Atual da Cincia Poltica e sua Aplicao aos Nveis Subnacionais de Governo. Por acaso insatisfeito com sistema eleitoral? No se amone com o tranco. Ele cientista poltico e professor e ela ps-graduanda em Cincia Poltica pela UnB e assessora na Cmara dos deputados, o par de esgrimistas Joo Paulo Saraiva Leo Viana e Flvia Ilada Coelho aqui vo comparecer para dar umas estocadas nesse modelo que se tornou objeto de recalcitrantes reclamaes, oferecendo reexo dos semelhantes Democracia ou partidocracia? Pontos e contrapontos da lista fechada no Brasil. Alis, no ser por falta de munio que o leitor eventualmente aborrecido com o sistema eleitoral vai deixar de participar dessa refrega. Do assunto, com igual disposio e mental beligerncia, vo se ocupar Walter Costa Porto (ex-ministro do TSE, professor de Direito Eleitoral na UnB e autor, entre outros, de O Voto no Brasil e A Mentirosa Urna), enfrentando O Voto Majoritrio Distrital no Brasil, secundado l adiante por Roberto Amaral (ex-ministro da Cincia e Tecnologia) com Votao no Sistema de Listas e Antnio Octvio Cintra (Consultor Legislativo da Cmara dos Deputados e autor, entre outras obras, de Reforma Poltica: Agora Vai?), que fecha a guarda e parte para cima de Majoritrio ou Proporcional Em Busca do Equilbrio na Construo de um Sistema Eleitoral. Na hiptese de que o leitor se deixe impacientar por ainda no estar convencido de que todos temos algo a ver com o peixe, a recomendao tomar um atalho para escutar o socilogo Gilmar dos Santos Nascimento, que fala da parte que nos cabe em Sociedade Civil e Reforma Poltica. J Carlos Wellington Leite de Almeida - professor, mestre em Cincia Poltica e secretrio do Tribunal de Contas da Unio

(TCU) vai atacar de Federalismo Brasileiro em Formao. A quatro mos, Raimundo Jos dos Santos Filho (professor e bacharel em Cincias Sociais e Direito) e Vincius Valentin Raduan Miguel (mestrando em Cincia Poltica na Universidade de Glasgow) prometem deixar machucadas As Coligaes Proporcionais no Sistema Eleitoral Brasileiro. Sem baixar a guarda, o doutor Francisco Humberto Cunha Filho duelar com Manifestaes Atuais da Representao de Interesses no Direito Brasileiro: Caso Especco do Segmento Cultural, enquanto Jos Luiz Quadros de Magalhes (...) bombardear o bicameralismo brasileiro com A Necessidade de Reviso do Papel do Senado na Democracia Representativa Brasileira ou a sua Extino. Em meio ao calor deste debate, eis que uma interpelao se nos intriga: Como Aperfeioar o Sistema Poltico Brasileiro?, pergunta o cientista poltico e presidente da Associao Brasileira de Cincia Poltica Fabiano Santos intitulando o ensaio em que oferece muito mais do que sugestes. Nessa trilha, Clayton Mendona Cunha Filho e Pedro Wilson Costa Jnior do a sua contribuio indicando Caminhos Para Aperfeioar o Sistema de Financiamento de Campanhas, a aspado o subttulo do tema geral que desenvolvem O Preo da Democracia. E assim, ao levantar a lebre para especular sobre o esforo que nos custa o sistema que nos governa acabou-se por dar panos para mangas a vrios, pois do tema vo se ocupar uns tantos outros cidados desta ciranda como o advogado Moacyr Parra Moa em Reexes Sobre a Democracia Contempornea e a Questo da Legitimidade do Sistema Representativo O Caso Rondnia, o cientista poltico e professor Filomeno Moraes em Democracia, Repblica e Reforma Poltica: Variaes em Torno dos 20 Anos da Constituio Federal, o desembargador Sanso Saldanha em A Democracia Consolidada e o professor da Unir Lus Fernando Novoa em Democratizao em Meio ao Desmonte: o Elo Entre Coerncia Macroeconmica, a Liberalizao Comercial e a Efetividade da Poltica. Ao nal do percurso a ligeiramente anunciado o leitor, com toda certeza, ter percebido que a arte da poltica - como inauguraram os sbios antigos - essencialmente um exerccio da linguagem. E a a palavra no somente o termo litrgico, a idia posta em juzo, o pensamento em misso, a vontade em andamento, mas tambm argu-

mentao e discusso, motivando interpretaes diversas, oposies extremadas e debates apaixonados. Tem, sim, esta palavra um incomensurvel poder de fogo, mas um fogo que no queima, no causa danos, feridas, destruio no obstante incendiar os espritos e com muita ama iluminar os caminhos. Ciente desses avisos, arme-se o leitor com vontade nestas pginas que adiante se abriro. s armas, pois, cidados!

Paulo Queiroz jornalista, articulista poltico do jornal O Estado do Norte. tico

Em busca do equilbrio na construo de um sistema eleitoral1

Majoritrio ou proporcional?

Antnio Octvio CintraPh.D em Cincia Poltica pelo Massachusses Institute of Technology. Consultor Legislativo da Cmara dos Deputados. Professor aposentado do DCP/UFMG. Editor da Revista Plenarium. Co-organizador de Sistema Poltico Brasileiro: uma introduo (Unesp; Konrad Adenauer, 2006).

srie Cadernos Adenauer (Ano VI, 2003, n 2), da Fundao Konrad Adenauer. Sua republicao neste volume nos foi gentilmente autorizada pela Fundao. Fizemos alteraes mnimas no texto. Uma delas, contudo, corrige um erro que nos escapou na primeira verso, conforme assinalamos em nota no presente texto. Nele, no discutimos a conjuntura poltica do Pas e as propostas mais recentes de reforma em nosso sistema eleitoral. Nosso escopo foi, antes, o de discutir, em plano terico, elementos importantes para a construo de um sistema eleitoral, inclusive o brasileiro, e necessrios ao entendimento das conseqncias polticas dos vrios formatos dessa construo.

1 Este texto foi publicado originalmente no livro Reforma Poltica: Agora Vai?, da

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Majoritrio ou proporcional? Em busca do equilbrio na construo de um sistema eleitoral

1. A importncia do sistema eleitoralDesde que se imps o princpio da soberania popular, segundo o qual o poder se origina do povo e em seu nome se exerce, as eleies se tornaram, principalmente no transcurso dos ltimos dois sculos, parte essencial da arquitetura poltica das sociedades democratizadas. Como pr em prtica o princpio da soberania popular nos grandes agrupamentos humanos? O bom-senso nos diz que a idia de democracia direta, ou seja, sem representantes, pode funcionar apenas de modo residual nesse tipo de sociedades. Em outras palavras, para o povo governar-se se no se trata de um grupo bem pequeno de pessoas -, deve faz-lo normalmente por meio de representantes. Essa, a idia da democracia representativa. Mas como escolher os representantes? Responder a essa pergunta tomou-se assunto premente, sobretudo em conseqncia da ampliao do eleitorado nos pases centrais, em ondas sucessivas e irreprimveis, ao longo dos sculos XIX e XX. Vrias respostas lhe foram sendo dadas com o passar do tempo, corporicadas em conjuntos de regras - os sistemas eleitorais - que se aplicam para coletar o voto e transform-lo em postos com poder poltico. Nenhum sistema eleitoral perfeito. De cada sistema eleitoral se

O SISTEMA POLTICO BRASILEIRO: Continuidade ou Reforma?

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pedem efeitos diversos, no raro conitantes, muito difceis de obter, de modo satisfatrio, numa soluo equilibrada que os concilie e seja aceita pelos vrios grupos que disputam o poder poltico. Os sistemas podem, por exemplo, ser mais ou menos representativos, podem facilitar ou no a formao de maiorias, podem estar mais ou menos abertos expresso de novas foras polticas, podem facilitar a fragmentao ou induzir a concentrao partidria, estimular o estabelecimento de vnculos entre o representante e o eleitorado ou reforar partidos com plataformas que falem aos interesses mais gerais dos cidados. 2 Quando estudamos a histria dos sistemas eleitorais, vemos que sua estruturao e as mudanas que sofrem resultam de conitos e de negociaes entre as vrias foras polticas, cada qual buscando, nas frmulas eleitorais, as que melhor satisfaam suas ambies de crescimento e inuncia poltica ou, o que acontece com os pequenos partidos, os protejam do desaparecimento. Os sistemas concretos acabam resultando de acordos precrios, reavaliados de tempos em tempos, se certos grupos se julgam permanentemente prejudicados pelas regras em vigor. Alguns sistemas so, todavia, duradouros como o britnico e o norte-americano, porque os vrios grupos aprenderam, ao longo de uma longa histria, a us-los estrategicamente, de forma que nem perdas, nem ganhos, sejam distorcidos com permanncia contra um grupo ou em favor dele. Na denio de seus sistemas eleitorais, as democracias recorrem, basicamente, a dois princpios, o majoritrio e o proporcional. O princpio majoritrio o de mais longa tradio histrica. Podemos encar-lo tanto como um critrio para a tomada de deciso em grupos, quanto como um critrio de representao poltica. 3

nalidades dos sistemas eleitorais. Elege-se, em geral, um valor, a ser perseguido com vantagem sobre todos os demais. Esse valor costuma ser o da representatividade, o que tem levado a um fundamentalismo proporcionalista, prejudicial viso do problema em sua complexidade. 3 Esta importante distino nos apresentada por Dieter Nohlen (NOHLEN, 1981).

2 Muitos dos debates sobre o assunto, no Brasil, parecem omitir as mltiplas

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Majoritrio ou proporcional? Em busca do equilbrio na construo de um sistema eleitoral

Nas deliberaes coletivas, freqentemente se tomam decises por maioria de votos e encaramos essa regra como coerente com a lgica democrtica, pela qual vence a maioria. Assim, nos parlamentos, a deliberao formal nas votaes segue a regra da maioria. No caso das eleies, preciso um critrio de deciso para saber quem venceu o pleito. Os primeiros sistemas eleitorais usados pelas modernas democracias para a escolha dos representantes ao parlamento foram os de tipo majoritrio. O territrio nacional era dividido em circunscries nas quais se aplicava alguma modalidade de regra majoritria para decidir o vencedor da eleio. Essas circunscries so conhecidas no direito eleitoral brasileiro como crculos ou distritos.4 Os princpios de deciso eleitoral se expressam em frmulas eleitorais, cuja aplicao permite resolver o problema de que regra seguir para converter os votos do eleitorado em cadeiras parlamentares ou, nos sistemas presidencialistas ou semi-presidencialistas, tambm em conquista da titularidade no Executivo, pela eleio direta do presidente da repblica. Pela frmula eleitoral majoritria, vence quem conseguir a maioria dos votos. Mas a maioria suscetvel de vrias denies. Podemos ter a relativa -- vence quem tiver mais votos --, a absoluta e as maiorias qualicadas, por exemplo, a maioria de 60% ou a de 2/3. Podemos, entretanto, encarar o princpio majoritrio tambm sob um outro ngulo, isto , como principio de representao. A indagao, nesse caso, sobre quais resultados se esperam do sistema eleitoral, que funes se quer que ele desempenhe ao selecionar os representantes mediante eleies. O princpio majoritrio, enquanto princpio de representao, estipula serem as maiorias, em cada circunscrio (distrito), quem deva ser

to uninominal, ou seja., aquele em que se elege apenas um representante, com deciso do resultado por maioria simples em turno nico. A ustria, a Alemanha, a Itlia, a Holanda e a Noruega conheceram os distritos uninominais, mas com deciso em dois turnos. Distritos plurinominais, nos quais se elegiam mais candidatos, com deciso majoritria, foram conhecidos na Blgica, no Luxemburgo e na Sua.

4 Ao longo da histria, o Reino Unido, a Dinamarca e a Sua adotaram o distri-

O SISTEMA POLTICO BRASILEIRO: Continuidade ou Reforma?

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representado no parlamento. H, pois, um forte componente territorial no princpio majoritrio, na medida em que um territrio dividido para que suas diferentes regies tenham representao, e esta, em cada distrito, decidida pelo critrio da maioria. 5 Alm disso, o princpio representativo majoritrio dene que as diversas maiorias obtidas nos distritos devem compor, no sistema parlamentarista, uma maioria parlamentar nacional capaz de formar um governo e dar-lhe sustentao. O sistema eleitoral inspirado no princpio majoritrio preocupa-se, pois, com promover a formao de maiorias, por julg-las indispensveis ao exerccio do governo. Os defensores do princpio majoritrio, como princpio de representao, tm sustentado sempre, ao longo do tempo, que tambm as minorias conseguiro representar-se. Apesar de os votos da minoria se perderem nos distritos onde derrotada, nada impede que, em outros distritos, seja maioria, mesmo que, no total nacional, conquiste menos cadeiras do que seu rival. Assim, as minorias tambm conseguem ter representao, podem exercer sua funo parlamentar e lutar para conseguir tornar-se maiorias em futuras eleies. Este fato tanto mais verdadeiro quanto maior for a representao a se eleger para o parlamento nacional. Com uma representao numerosa, o territrio do pas precisa ser dividido em grande nmero de distritos. Tornase, portanto, mais provvel que partidos, nacionalmente minoritrios, conquistem a representao de, ao menos, alguns desses distritos, em que obtenham a maioria relativa. 6 Historicamente, porm, os oponentes do principio majoritrio no se deram por satisfeitos com a argumentao dos que o defendem. Em conseqncia, na segunda metade do sculo XIX, surgiu movimen-

cepo. Veja-se a anlise do assunto em (GORGEN, 1992). 6 A maioria relativa (plurality, em ingls) adotada em vrios sistemas eleitorais majoritrios, como o britnico e o norte-americano (conhece-se tal critrio como o do rst past the post, termo vindo das corridas de cavalo, ou seja, vence o candidato que obtiver o primeiro lugar na votao. Outra expresso para o sistema o de winner take all o vencedor leva o prmio inteiro).

5 O princpio majoritrio tem, assim, um forte aspecto federalista na sua con-

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Majoritrio ou proporcional? Em busca do equilbrio na construo de um sistema eleitoral

to em defesa de outro principio de deciso e representao, o proporcional. 7 Esse princpio, exaltado pelos que o propugnaram como sendo mais democrtico, estipula que a deciso sobre uma eleio deva atender s propores dos votos conquistados pelos vrios competidores. Na prtica, o princpio proporcional de deciso se traduz em frmulas eleitorais mediante as quais os partidos ou candidatos conquistam uma cadeira parlamentar cada vez que atinjam um determinado montante de votos (quociente eleitoral, mdia maior ou resto maior, por exemplo). Como princpio representativo, o princpio proporcional considera terem as eleies, como principal funo, a representao, no Parlamento, na medida do possvel, de todas as foras sociais e grupos polticos da sociedade, na proporo de seu apoio eleitoral. Em outras palavras, o princpio proporcional d toda a nfase representatividade. Quer-se reetir o mosaico social. A funo do sistema eleitoral , como propunha o Marqus de Mirabeau, em discurso na Assemblia

cio defendido no pelos socialistas, mas pelos liberais, como Stuart Mill. Temiam eles que, com a extenso do direito de voto a amplas parcelas da populao, j em curso, as minorias educadas fossem denitivamente banidas da representao poltica, caso permanecesse em vigor o sistema majoritrio. Depois, a defesa do sistema proporcional foi assumida pelos socialistas. Numerosas reformas se sucederam entre o nal do sculo XIX e o comeo do XX, a m de implant-lo. No foi, porm, uma evoluo simples, que se possa resumir dizendo que a esquerda era proporcionalista e a direita majoritarista. Na verdade, a grande luta da esquerda era pela ampliao do direito do voto, mediante eliminao das restries censitrias, de alfabetizao e os votos ponderados. Muitas vezes, grupos conservadores ou cujo voto era inspirado pelas crenas religiosas temiam uma polarizao com os socialistas, razo pela qual apoiaram o sistema proporcional. o caso do Partido Catlico na Blgica, que teve segmentos favorveis a esse sistema. A Gr-Bretanha, mesmo se mantendo el ao sistema majoritrio, conheceu o crescimento do Partido Trabalhista e a sua ascenso ao poder j nos anos 20 do sculo passado. Para que o sistema proporcional se tornasse realidade, foram necessrias frmulas eleitorais que permitissem converter os votos em cadeiras parlamentares. Numerosas dessas frmulas foram surgindo ao longo da segunda metade do sculo XIX. Stuart Mill esposou a frmula de T. Hare, exposta por esse autor no Treatise on the Election of Representatives, que Mill cita no seu Consderations on Representative Government (livro originalmente publicado em 1860).

7 Contrariamente suposio de muitos, o sistema proporcional foi de in-

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de Provena, em 1785, a de fazer um mapa acurado das divises e tendncias da sociedade, nele se reproduzindo os tamanhos relativos das correntes polticas. 8 Para os que o defendem, esse princpio mais justo e atende melhor ao imperativo democrtico de dar voz s minorias, do que o princpio majoritrio. A polmica entre os partidrios de cada um desses princpios tem prosseguido desde o sculo XIX. argumentao dos proporcionalistas, respondem os majoritaristas ser a funo das eleies no s representar todas as diferenas existentes e incitar todas as minorias, por menores que sejam, a se representarem distintamente. Devem tambm estimular a formao de maiorias, indispensveis ao governo estvel, sobretudo num sistema parlamentarista. O principal direito na democracia, prosseguem, o de a maioria governar e, entre os critrios para julgar um sistema eleitoral, est o de saber se e como ele contribui para formar e manter a maioria. Entre os proponentes da proporcionalidade, o mais brilhante foi certamente o lsofo ingls John Stuart Mill (1958, p. 107), para quem o princpio primeiro da democracia o da representao na proporo dos nmeros (the rst principie of democracy representation in proportion to numbers). 9 Em verdade, ao estudarmos as experincias de vrios pases com o princpio proporcional, vemos com clareza no existir apenas um modelo de sistema eleitoral nele inspirado, mas sim uma imensa va-

Associao Reformista pela Adoo da Representao Proporcional, enaltecia-a, em suas concluses, entre outras virtudes, por ser o meio nico de dar representao exata a todos os grupos signicativos do eleitorado. (CARSTAIRS, 1980).SA 9 J em 1868, a defesa do sistema proporcional era feita, em nosso pas, por Jos de Alencar, cujo inovador pensamento poltico foi destacado por Wanderley Guilherme dos Santos. Diz Alencar: evidente que um pas estar representado quando seus elementos integrantes o estiverem na justa proporo das foras e intensidade de cada um. (...) essencial legitimidade dessa instituio (o governo representativo) que ela concentre todo o pas no Parlamento, sem excluso de uma frao qualquer da opinio pblica. (apud SANTOS, 1987, p. 20).

8 Congresso realizado em Anturpia, em agosto de 1885, sob o patrocnio da

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riedade. 10 Uma fonte de variao dos sistemas proporcionais a forma de apresentar as candidaturas, se pessoais ou partidrias (neste ltimo caso, via listas fechadas). Alguns pases adotam listas fechadas e preordenadas, como a Espanha, a frica do Sul, Israel e Portugal. Em outras palavras, o partido apresenta uma chapa de candidatos, na ordem em que os quer ver eleitos, no tendo o eleitor escolha; outros permitem que o eleitor corte nomes da lista, ou lhe acrescente nomes de outras listas, como a Sua, ou modique, dentro de certos limites, a ordem de precedncia na apresentao dos nomes, previamente proposta pelo partido, como, at 1994, a Itlia, para carmos em uns poucos exemplos da imensa variedade existente com relao a apenas um dos ngulos da questo. Outra fonte de variao no voto proporcional a frmula eleitoral, aplicada para saber quantas cadeiras cabem a cada partido. Em alguns pases, para calcular esse nmero, usam-se sries de nmeros (os divisores dHondt ou Sainte Lagu, por exemplo) pelos quais se dividem sucessivamente os votos vlidos de cada partido, atribuindo-se as cadeiras aos partidos que obtenham o maior quociente (ou mdia) em cada uma dessas divises, at estarem distribudas todas as cadeiras. Em outros, preferem-se os quocientes eleitorais. No Brasil, combinamse quociente eleitoral (tecnicamente conhecido como quociente Hare) e divisores dHondt (mtodo das maiores mdias, para a distribuio das sobras). 11 O assunto frmula eleitoral considerado rido e at bizantino por muitos, mas tem considervel importncia poltica, porque a frmula ora favorece os partidos maiores, ora os menores, na distribuio das cadeiras parlamentares, as quais, numa democracia, sobretu-

em 1899, na Blgica, e conheceu grande intensidade at 1920, data em que j estava adotado na maior parte da Europa Ocidental. 11 Para um tratamento abrangente e didtico dos sistemas e frmulas eleitorais, vejam-se (NICOLAU, 2004) e (TAVARES, 1994). Este ltimo autor discute em profundidade os fundamentos dos sistemas eleitorais.

10 O movimento macio de implantao do sistema proporcional teve a partida

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do parlamentarista, signicam poder poltico, sendo, alis, no sistema parlamentarista, o locus principal desse poder.

2. Que voto distrital?Uma outra importante fonte de variao dos sistemas proporcionais relaciona-se com as circunscries eleitorais, isto , as pores do territrio dentro das quais a representao poltica eleita. Em alguns pases, como Israel, a circunscrio o pas como um todo, sendo os deputados eleitos nacionalmente. Numerosos outros pases, contudo, mesmo tendo territrios pequenos, como a ustria, dividem-no em parcelas ainda menores, os chamados distritos que, na ustria, coincidem com as provncias e elegem neles a representao parlamentar. Cada um desses distritos tem direito a eleger um determinado nmero de representantes, xado geralmente em funo do tamanho populacional do distrito. Na literatura tcnica sobre o assunto, o nmero de representantes a se eleger no distrito denomina-se magnitude do distrito. No basta, portanto, falar de voto em distrito. preciso, ademais, saber-lhe a magnitude, ou seja, se ele uninominal, binominal ou plurinominal, Obviamente, no pode haver representao proporcional quando nele se elege apenas um representante, Nesse caso, sua eleio dar-se- por fora pelo sistema majoritrio. Distritos de pequena magnitude - binominais, trinominais - tampouco permitem resultados proporcionais. Haver sempre discrepncia entre a proporo de votos que o partido obtiver e a proporo de cadeiras que a frmula eleitoral lhe conceder.12 a partir de cinco representantes eleitos numa circunscrio que se podem obter resultados proporcionais. Muitos pases que adotam o sistema proporcional elegem, entretanto, representantes em

baixa, a porcentagem mnima de votos necessrios para eleger um candidato ca muito alta, e partidos que no a alcanam perdem seus votos. Em conseqncia, aumenta a discrepncia entre a proporo dos votos obtidos pelos partidos e a proporo de cadeiras parlamentares conquistadas.

12 Quando a representao a eleger pequena, ou seja, a magnitude do distrito

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circunscries com representao abaixo de cinco e este fato lhes retira proporcionalidade. Portanto, mesmo sendo o sistema eleitoral de um pas proporcional, seu grau de proporcionalidade pode ser mais baixo ou mais alto do que o de um outro pas que tambm adote o sistema. Depende do nmero de representantes que, em mdia, eleja em cada um dos distritos eleitorais em que esteja dividido. A Espanha e a Grcia, por exemplo, tm sistema proporcional, mas sua proporcionalidade mais baixa do que a do sistema eleitoral de Israel. que este ltimo pas s tem um distrito - o pas inteiro - onde toda a representao se elege, ao passo que a Espanha e a Grcia tm numerosos distritos, em cada um dos quais se elege nmero pequeno de representantes pelo sistema proporcional, e a baixa magnitude distrital diminui a proporcionalidade do conjunto. No Brasil, tambm procedemos diviso do territrio para eleger a representao na Cmara dos Deputados: ela se elege nas circunscries estaduais, sendo nossos distritos, portanto, atualmente, os estados. Como se imagina vulgarmente que distrito seja pequeno territrio, tende-se a no encarar os nossos Estados como o que de fato so, do ponto de visa eleitoral, ou seja, os nossos distritos. importante assinalar o fato, pois a terminologia usual entre ns tende a identicar, no debate poltico, voto distrital com voto por maioria simples em distritos uninominais, como se d nos sistemas eleitorais britnico ou norte-americano. Mas terminologia imprpria e geradora de confuso. Tanto nos sistemas majoritrios, quanto nos proporcionais, alguma forma de distrito sempre se adota, pois a representao poltica de carter territorial. No caso extremo, haver um nico distrito, formado por todo o pas, como no exemplo de Israel. 13 Por que mesmo em sistemas que visam representao proporcional, se procura eleger os representantes ao parlamento em circunscries menores do que o pas como um todo? Em outras palavras, por

13 Alm da representao territorial, podemos ter, por exemplo, a corporativa ou prossional, como permitia a Constituio brasileira de 1934, em seu art. 23.

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que no ter deputado nacionais, em vez de agrupados, por exemplo, como entre ns, em bancadas estaduais? Existe um argumento importante, de que se valem tanto proporcionalistas como majoritaristas, na defesa da eleio em distritos de tamanho geogrco reduzido. O voto em distritos - seja o sistema de tipo proporcional, seja de tipo majoritrio - conferido a candidatos que o eleitor presumivelmente conhece bem e que, por essa razo, provavelmente tero um comportamento poltico mais responsvel perante o eleitorado. Quando Assis Brasil propugnou pela adoo do princpio proporcional no Pas, recuou ante a idia de ter deputados eleitos no pas como um todo, porque esbarrou na realidade concreta do federalismo brasileiro. Apesar de serem nossos estados, em geral, distritos de elevadas dimenses geogrcas, mesmo assim permitem uma proximidade muito maior com o eleitor do que a poderiam ter deputados com votos espalhados em todo o territrio nacional. Na prtica, se tivssemos no Brasil deputados nacionais, ou seja, eleitos no nos estados e territrios, mas no territrio nacional como um todo, seus votos certamente se concentrariam em determinada parte desse territrio. Seriam, portanto, distritalizados de fato. A distritalizao informal j ocorre hoje, dentro de cada estado. Teoricamente, os deputados se elegem na circunscrio do estado como um todo, mas os votos de muitos deles se concentram num conjunto de municpios vizinhos, que constituem o seu reduto eleitoral. Sobre esse ponto, voltaremos mais adiante. A questo do federalismo, com a qual esbarrou Assis Brasil, levanos a um outro argumento em favor do voto distritalizado, em vez de conferido em todo o territrio nacional ou, mesmo - como j - estadual. que, alm de permitir um estreitamento do vnculo eleitor-representante, o voto em candidato distrital recupera uma idia antiga, muito viva nos sistemas eleitorais do tipo anglo-saxo: uma vez eleito, o deputado passa a representar o distrito inteiro, no apenas a faco que o elegeu. Ele representa uma comunidade territorialmente localizada, fala por ela, independentemente das divises internas desta. Os proporcionalistas extremados tendem a desconhecer essa faceta mais tradicional da idia de representao, segundo a qual uma autoridade eleita - um prefeito, por exemplo - fala por todos os muncipes e

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no apenas pelos que nele votaram. O deputado norte-americano, por exemplo, o representante do distrito X ou Y, de toda a sua populao, portanto, e no apenas dos republicanos ou democratas que lhe deram a vitria. Em outras palavras, a representao distrital tende a atenuar as divises partidrias localmente. O representante tem de mostrar servio, levando benefcios coletividade como um todo. A eleio em mbitos territoriais menores parece apresentar vantagens prticas no desprezveis, tampouco. So elas muito conhecidas pelos partidos polticos e pelos candidatos que enfrentam campanhas eleitorais em territrios muito vastos. Durante a Repblica de 1946, por exemplo, alguns lderes polticos e publicistas apontavam para o fato de que a campanha em nvel estadual aumentava imensamente o custo das eleies e atraa o poder econmico disputa eleitoral, com o que se corrompia o carter da representao poltica. Alm disso, a representao distrital permite o voto personalizado, que, em muitos sistemas polticos, como o alemo e, na prtica, o brasileiro, considerado aspecto positivo do sistema eleitoral. Uma recente linha de pesquisa, que tem estudado a associao entre instituies e corrupo poltica, mostra ser o sistema de voto pessoal e distrital menos vulnervel corrupo. que a vigilncia do eleitor e da oposio sobre o representante facilitada, conquanto os assim eleitos tendam a orientar-se mais por questes locais e a favorecer polticas pblicas de mbito restrito, que levam benefcios apenas a seus redutos.14

2.1 No temos voto distrital, mas temos distritos informaisAmpla pesquisa levada a cabo por Nelson Rojas de Carvalho, valendo-se dos dados da Justia Eleitoral, permite saber, para cada deputado federal, de onde provm seus votos no territrio estadual. Carvalho classica a totalidade da representao federal em quatro grandes pers, resultantes da combinao de duas dimenses. Uma

14 Veja-se (KUNICOVA; ROSE-ACKERMAN, 2003).

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dessas dimenses diz respeito concentrao geogrca ou disperso do voto do deputado no estado. A outra tem a ver com ser o parlamentar majoritrio ou no nas localidades em que votado. Os majoritrios so, na terminologia de Carvalho, dominantes, os demais, no-dominantes. Combinadas as duas dimenses, temos, para os dados de 1998, nas celas, os quatros pers mostrados na tabela, com a porcentagem de deputados (sobre o total de deputados) em cada um deles.15 Note-se que, da representao eleita em 1998, 51% dos parlamentares era candidatos de reduto, sendo 16% majoritrios em um reduto e 35% majoritrios em mais de um reduto.Tabela 1: Votao dos deputados federais: padro geogrco (eleio de 1998),

A votao do deputado se concentra em reduto O deputado majoritrio O deputado no majoritrio 16% 31%

A votao do deputado espalhada 35% 18%

(as porcentagens so tomadas sobre o total dos deputados) Fonte: (CARVALHO, 2003).

Os demais representantes (dispostos na linha inferior de matriz) no so majoritrios, provindo 31% deles de cidades onda se concentram seus votos (cidades grandes e regies metropolitanas) e 18% tendo votao dispersa pelo territrio estadual. Carvalho mostra diferenciarem-se os comportamentos e percursos polticos desses quatro tipos de representantes. Por exemplo, as famosas emendas ao oramento, representadas pelos parlamentares todos os anos, visam a levar benefcios concretos a localidades especcas, precisamente os redutos em que os deputados que as apresentam so dominantes. Quando a emenda aprovada e, sobretudo, quando

por Barry Ames (AMES, 2001). Um trabalho pioneiro, que identicou padres empricos de distritalizao no Rio de Janeiro, deveu-se a Luciano Dias (DIAS, 1991, p. 65-98).

15 Veja-se (CARVALHO, 2003). A tipologia usada por Carvalho foi introduzida

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o recurso nela previsto liberado, pode o deputado receber o crdito pelo benefcio que trouxe para seu municpio. J o deputado cujo voto se concentra numa regio metropolitana, em que vrios outros so eleitos, no faz, da apresentao de emendas, o cerne de sua atividade parlamentar. A obra pblica que o governo empreende em uma grande cidade dicilmente pode ser creditada ao esforo de um nico parlamentar. Portanto, lutar por ela no tem o mesmo sentido que tem para o deputado dominante em reduto interiorano. Os parlamentares de votao no-majoritria em grandes cidades, ou de votao espalhada no territrio do Estado, sem serem majoritrios em nenhum lugar especco, lidam, em geral, com temas e causas mais amplos. Tratam de polticas pblicas gerais - educao, sade, economia -, ou defendem interesses de categorias sociais (professores, bancrios, ruralistas) ou valores mais universais (preservao do meio-ambiente, unio civil de pessoas do mesmo sexo, rumos da poltica econmica, proibio da comercializao de armas de fogo, entre outros).

3. possvel combinar os princpios majoritrio e proporcional? A soluo alem 16No perodo ps-guerra, a Alemanha concebeu, ao cabo de elaborados estudos e paciente negociao poltica, que incluiu tambm, em muitos momentos, as prprias foras de ocupao no setor ocidental (Estados Unidos, Gr-Bretanha e Frana), um sistema eleitoral que, sendo proporcional, permitisse todavia eleger a representao na Cmara Federal (Bundestag) de duas formas. Nele, a metade dos deputados se elege em distritos uninominais, por critrio majoritrio (maioria simples) e voto personalizado (voto no candidato), e outra metade mediante voto em listas partidrias fechadas, estaduais, com os candidatos apresentados ao eleitor na seqncia em que devero ser eleitos. Com esse sistema, materializada a verso atual pela Lei Eleitoral

16 Aqui, mencionaremos apenas os traos mais salientes do sistema alemo, tratado em pormenor em (UNGLAUB, 1995, p.7-35).

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Federal de 7 de maio de 1956, colhem os alemes as vantagens do voto em candidatos, no em partidos, dado em pequenos distritos, em vez de no territrio estadual como um todo, porm sem perder as virtudes do voto partidrio, programtico, que o sistema de listas fechadas permite praticar. E isso segundo os cnones da representao proporcional, pois os partidos tero, no Bundestag, o nmero de cadeiras a que a sua votao de lista, no pas como um todo, der direito. Conforme os conceitos apresentados no comeo do texto, o critrio para decidir quem ganhou a eleio, em nvel nacional, o da representao proporcional. Pelo sistema proporcional, ganhar a eleio no questo de tudo ou nada, uns levando todas as cadeiras, outros cando a ver navios. , sim, resultado de uma distribuio graduada, de acordo com a porcentagem dos sufrgios dados a cada partido. E, sendo o sistema proporcional, bem possvel que, para fazer maioria, um partido precise do apoio de outros. Na prtica alem, tem sido necessrio o apoio, a um partido maior, de um dos pequenos, os Liberais ou os Verdes, mas a possvel coalizo ps-eleitoral j conhecida do eleitor quando vota. Contudo, conhecido o nmero de cadeiras a que o partido faz justo pelo critrio da proporcionalidade (ou seja, o seu quociente partidrio), usa-se uma segunda regra de deciso para preench-las uma a uma, dentro do total de cada partido. Essa regra determina que o partido aplique o critrio de deciso majoritrio na eleio de uma parcela dos seus candidatos, os que venceram os pleitos distritais. Nessa parcela, as candidaturas so pessoais, ainda que patrocinadas pelo partido. Os demais candidatos, que permitem ao partido completar a sua quota proporcional de cadeiras, so tomados da lista. A lista recebe o que, no Brasil, chamaramos os votos de legenda, os votos na chapa partidria preordenada.1717 No h o que objetar quanto rigorosa aplicao do critrio da proporcionalidade ao sistema germnico, elevadssima, alis, visto ser o quociente eleitoral calculado nacionalmente e no, como entre ns, por estado. O teste crucial da proporcionalidade desse sistema a resposta seguinte pergunta: que acontece quando um partido tem um quociente partidrio e, contudo, nenhum de seus candidatos logra maioria em distrito? Simplesmente preenche todos os lugares com candidatos da lista partidria. Portanto, o fato de no eleger candidatos em distritos no faz com que o partido seja prejudicado e perca direito a ter a sua quota proporcional totalmente preenchida.

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H um outro ponto importante a assinalar. Desde 1953, o eleitor alemo dispe de dois votos, devendo conferir o primeiro a um candidato distrital e o segundo a uma lista partidria entre as que competem no estado. Na primeira eleio, em 1949, o eleitor dispunha de um nico voto, que contava para ambas as nalidades, a eleio do candidato no distrito e a soma de votos para a legenda partidria, com base na qual se calculavam os quocientes partidrios. Qual a diferena entre o eleitor contar com um s voto ou dispor de dois votos, tendo a liberdade, nesta ltima hiptese, de votar em candidato de um partido na votao para o representante do distrito e na lista fechada e pr-ordenada de outro partido, como passou a ser possvel a partir de 1953? Examinemos o assunto. Quando o eleitor dispunha de apenas um voto, este era em boa parte determinado pelo desejo de ver eleito seu candidato distrital ou, como segunda opo - caso em geral dos pequenos partidos, com o candidato distrital de sua preferncia com poucas chances de obter a maioria dos votos locais -, pela inteno de impedir a vitria de um candidato indesejvel. Como procedia nesta segunda hiptese? Os dois partidos com maiores chances de vencer o pleito distrital eram, desde o primeiro pleito, em 1949, os democrata-cristos (na verdade, uma coligao do CDU com o partido da Baviera, o CSU) e os social-democratas (SPD). As chances dos candidatos de vrias outras agremiaes, com pequeno nmero de eleitores, eram quase nulas. Entre esses pequenos partidos, tinham mais probabilidade de ganhar, em uns poucos distritos, os liberais (FDP). Mas, em geral, os eleitores liberais e os de outros pequenos partidos tinham de votar estrategicamente, se no quisessem perder seu voto no distrito e, pior ainda, ver eleito um candidato no desejado. Para no perder o voto, o eleitor do FDP, por exemplo, conferiria seu voto a um outro candidato, que no o seu preferido, mas com maior probabilidade de vencer do que este, desde que, naturalmente, no fosse uma escolha repugnante. O menos ruim, digamos. No caso dos liberais, esse voto seria, em geral, dado ao candidato democrata-cristo, no ao social-democrata. Mas, como o eleitor s dispunha de um voto, que valia tambm para o clculo das propores de cadeiras partidrias, o FDP acabava sendo prejudicado, pois elegia

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um candidato de outro partido que no o seu e no obtinha os votos na lista proporcional. E o mesmo acontecia com os demais pequenos partidos. O voto duplo resolveu tal problema. Desde que foi introduzido, o eleitor do FDP, por exemplo, pode continuar dando seu voto distrital aos democrata-cristos nos distritos em que seu partido tenha poucas chances de ganhar a cadeira local, mas pode dar o segundo voto a seu prprio partido. O mesmo raciocnio prevalece para eleitores que preferem algum outro pequeno partido, como os Verdes. Votam num candidato distrital, em geral social-democrata, mas o voto de lista para os Verdes.18 Do ponto de vista do critrio de representao, o sistema alemo satisfaz em grau elevado a exigncia da proporcionalidade. Mas pode, tambm, ser julgado muito satisfatrio luz do que se espera da aplicao do princpio majoritrio, em nvel do Parlamento Federal. A evidncia histrica a de que o sistema partidrio alemo foi levado a uma razovel concentrao, fato que permite ao Parlamento eccia e operosidade, pela clara denio de maiorias, capazes de sustentar os gabinetes no exerccio do governo. Mas esse efeito, a concentrao de votos em poucos partidos e a capacidade de criar maiorias, no advm do uso do sistema majoritrio para a eleio de uma parcela dos representantes. O mximo de concentrao que se obtm como fruto dessa caracterstica do sistema eleitoral dentro do que poderamos chamar a bancada dos distritais, ou seja, os 328 deputados eleitos nos distritos. Quando olhamos uma tabela de resultados eleitorais na Alemanha, vemos que praticamente todas as cadeiras distritais so conquistadas seja pela aliana CDUCSU (os democrata-cristos), seja pelo SPD (a social-democracia).19 H,

18 Dados empricos sobre a importncia do segundo voto para o exerccio do voto estratgico por parte do eleitor so discutidos em (KLINGEMANN; WESSELS, 2001, p. 279-296). Esses votos so essenciais para que tanto os Liberais quanto os Verdes superem a barreira dos 5% dos votos (Sperrklausel). ( 19 Manfred Unglaub (UNGLAUB, 1995) apresenta dados das eleies parlamentares de 1994. Nelas, a coligao CDU/CSU (democracia crist} conquistou 221 cadeiras distritais e o SPD 103, perfazendo os dois partidos 324 cadeiras distritais, do total de 328 em disputa.

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pois, um bipartidarismo entre os deputados distritais. Trata-se, porm, apenas da metade da representao. Como os totais de cadeiras partidrias se calculam em funo dos segundos votos obtidos, se o partido no conseguir eleger nenhum deputado distrital, mesmo assim leva ao Bundestag sua quota de deputados, desde que, bem entendido, supere a clusula de barreira, da qual falaremos mais adiante. Alm do papel do mecanismo proporcional em assegurar representao a todos os partidos que obtenham nmero suciente de votos para passar a barreira - de tal sorte que perder em distritos no exclui o partido necessariamente do Parlamento, como se d, por exemplo, na Gr-Bretanha - os dois votos, disposio do eleitor, permitem, como vemos, a sobrevivncia dos pequenos partidos, Em verdade, segundo os estudiosos, a grande causa de concentrao do sistema partidrio alemo foi a aplicao da clusula de barreira (Sperrklausel). Trata-se da exigncia ao partido de um mnimo de 5% do total de votos nacionais ou, pelo menos, trs candidatos distritais, para ele poder funcionar como partido na Cmara. A proporcionalidade do sistema alemo das mais altas do mundo. Contudo, a clusula de barreira (Sperrklausel) estabelece um limiar muito alto para a eleio ao Bundestag. Nos primeiros anos de sua aplicao, houve a esterilizao de centenas de milhares de votos e, com isso, diminuio do grau de proporcionalidade do sistema, No desejoso de perder seus votos, votando num partido invivel, o eleitorado comeou, de eleio para eleio, a escolher entre as agremiaes com perspectivas de superar a barreira do mnimo de votos e, buscando a que estivesse mais prxima ideologicamente de sua preferncia inicial. O sistema partidrio foi-se adensando em um nmero menor de partidos. Com isso, como o eleitor passou a votar em partidos viveis, o sistema concentrou-se. Mas passou, tambm, a apresentar alto nvel de proporcionalidade, porque deixaram de perder-se votos dados antes a agremiaes sem chance de superar a barreira. 20 Depois,

20 Sobre os efeitos da clusula de barreira na concentrao do sistema partidrio, veja-se a anlise de Deiter Nohlen (NOHLEN, 1981).

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no entanto, da unicao das Repblicas Federal e Democrtica, o quadro partidrio de novo se diversicou. 21 Giovanni Sartori contradita ter sido a clusula de barreira a grande responsvel pela concentrao do sistema partidrio. Para ele, decisivo mesmo foi ter a Corte Constitucional colocado fora da lei tanto os neonazistas quanto os comunistas, partidos com razovel nmero de eleitores e que tendiam a passar a barreira. Com o afastamento dessas duas organizaes, comenta, cou fcil para a Sperrklausel eliminar os partidos menores (SARTORI, 1996, p. 32). Outro aspecto do sistema, que pode afetar-lhe a proporcionalidade, a eleio, por um partido, de mais candidatos distritais do que a sua quota proporcional lhe permite. A regra a de que essas cadeiras no se percam. Com isso, para que os demais partidos no sejam prejudicados, sendo-lhes subtradas cadeiras que o partido com excesso de vencedores distritais levou, o nmero de cadeiras do Bundestag tem de ser acrescido do nmero de cadeiras conquistadas em excesso por algum partido. 22 Entretanto, se essa possibilidade existe em teoria, na prtica havia, at recentemente, ocorrido em muito poucas eleies, sendo reduzidas as cadeiras excedentes. Mas, depois da unicao, tm elas sido em maior nmero. Nas eleies de 1994, por exemplo, houve um

21 Assim, da eleio de 1994, resultou um quadro de cinco partidos parlamentares, conquanto tenha continuado avassaladora a maioria da democracia-crist (294 das 672 cadeiras) e da social democracia (252 cadeiras). 22 As cadeiras excedentes tm confundido alguns analistas do sistema alemo. Tem-se armado que, com essa caracterstica, o nmero de distritais , no mnimo, a metade dos deputados no Parlamento, podendo ser maior que a metade. um equivoco. O nmero de deputados distritais xo, pois os distritos so em nmero prexado de recortes geogrcos estabelecido antes das eleies. Quando h deputados excedentes. porque um partido venceu em mais distritos do que o seu quociente partidrio (o nmero de cadeiras a que tinha direito) lhe permitia, o que aumenta, no total do Bundestag, so os deputados de lista. Tal fato se d porque os demais partidos no podem ter a sua proporo de cadeiras (ou seja, seu quociente partidrio) diminuda. Portanto, os deputados distritais, eleitos por critrio majoritrio, so, no mximo, a metade dos eleitos. Quando h excedentes, portanto, o nmero de distritais se torna menor do que a metade da representao, e o nmero de deputados de lista supera a metade dessa representao.

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total de 16 mandatos excedentes, cabendo 12 aos democrata-cristos e 4 social-democracia. Em 1998, foram 13, todas da social-democracia. Essas formas de diminuir a proporcionalidade do sistema no so resultado imprevisto nem, muito menos, fruto de manipulao escusa. So deliberadamente colocadas no sistema, pois para os alemes a proporcionalidade perfeita da representao no o m supremo, nico, exclusivo. Querem, antes, um sistema e eleitoral de efeitos menos unilaterais, ou seja, um sistema que no persiga apenas, a todo custo, a proporcionalidade da representao, negligenciando-lhe outros aspectos. Fica claro, para quem estuda o sistema proporcional personalizado, que os alemes visaram um alvo 1egtimo, ou seja, um sistema capaz de induzir a formao de um Parlamento com numero menor de partidos e no qual, como conseqncia, se facilitasse a formao de maiorias, indispensveis ao respaldo dos governos. O sistema eleitoral alemo, criado para contemplar interesses conitantes quando da redemocratizao do pas, sem prender-se a oposies tericas irredutveis entre majoritarismo e proporcionalismo, mas, ao contrario, elaborado com pragmatismo, tem inspirado numerosas reformas eleitorais. A idia bsica a de abandonar, na eleio de parlamentares, a obedincia estrita, seja ao principio majoritrio, seja ao proporcional. Uma parcela dos representantes vem de um estrato majoritrio, com no mximo 50% da representao, completado por um estrato proporcional, igual quele, ou maior, quando h mandatos excedentes. 23 Em geral, a funo deste segundo estrato compensatria. Destina-se a impedir que o sistema que desproporcional. Contudo, poucos dos sistemas inspirados no misto alemo seguem-lhe a estrita delidade ao princpio proporcional, conforme as

23 Se no h mandatos excedentes, os dois estratos tm, cada um, a metade do parlamento. Quando h mandatos excedentes, porm, o estrato proporcional (deputados vindos das listas partidrias) aumentado. Veja-se a nota 22. Na verso deste texto publicada originalmente em Reforma Poltica: Agora vai? o trecho saiu, por equvoco, com essa armao invertida.

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regras aqui expostas.

4. O sistema misto no BrasilNo Brasil, a idia de sistemas mistos tem h muito seduzido os lderes polticos e publicistas, porm nem sempre em linha com a inveno alem do ps-guerra. Alguns dos proponentes de reformas, como a seguir veremos, estiveram menos preocupados com incorporar elementos do princpio majoritrio ao sistema proporcional vigente, do que com diminuir o mbito geogrco da eleio dos deputados (realizando-a em distritos geogracamente menores). Propuseram, tambm, diminuir a magnitude do distrito (ou seja, o tamanho da representao a eleger) mediante a eleio, em cada um, de um nmero menor de deputados. Assim, em 1958, o ento presidente do TSE, ministro Edgar Costa, defendeu que, mantendo-se o sistema proporcional, os estados fossem divididos em tantos distritos quantos deputados devessem elegerse naquela unidade da Federao. Em cada distrito, haveria apenas um candidato por partido. Os votos, contudo, conferir-se-iam ao partido, no ao candidato. Computados os votos e calculado o nmero de cadeiras a que cada partido zesse jus -- o quociente partidrio -, caberiam os lugares individuais aos distritos em que o partido auferiu mais sufrgios, em ordem decrescente. No se tratava, pois, de mesclar os princpios proporcional e majoritrio, mas sim de recuperar a idia do pequeno distrito geogrco na coleta do voto. Esta, a maneira tradicional no Brasil de entender a expresso voto distrital, conforme anteriormente assinalamos. Segundo o ministro do TSE, o deputado seria um representante dos interesses do distrito ou regio pelo qual fora eleito, onde maior se revelava a inuncia do mesmo partido (CAVALCANTI, 1975, p. 264). Em 1960, o senador Milton Campos apresentava um projeto similar ao de Edgar Costa. Os estados seriam tambm divididos em distritos, em nmero igual ao da bancada a ser eleita. Cada partido apresentaria um candidato por distrito (podendo o mesmo candidato, contudo, ser apresentado em at trs distritos). Os votos seriam totalizados no estado e, conhecidos os quocientes partidrios, os lugares

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seriam preenchidos, em cada partido, pelos candidatos mais votados. Em suma, o voto seria obtido em distritos menores, mas a atribuio de cadeira seguiria a lgica proporcional, da mesma forma como propusera Edgar Costa. Uma diferena bsica entre os dois projetos que, no de Costa, votar-se-ia no partido, ao passo que, no de Milton Campos, o voto seria personalizado. Segundo Milton Campos, com apenas um candidato por partido em cada distrito, seria mais fcil a escolha do eleitor. Ademais, argumenta, o nome importa muito, pois os partidos no tm, por enquanto, prestgio, tradio e organizao sucientes para que o eleitor se contente com a legenda. Em suma, o partido existiria, entre ns, via candidato. Campos aduz, tambm, a vantagem de, mesmo sendo o voto colhido em distritos, continuar o sistema sendo proporcional. Alm disso, alega, eliminar-se-ia a luta interna entre os partidrios, pois em cada distrito apenas um candidato do partido competiria, diferentemente do que acontece com as listas abertas, usadas poca e ainda hoje. O nanciamento da campanha seria mais barato, pois se desdobraria localmente e permitiria a bons cidados, sem recursos, se candidatarem. idia de que a compra de votos seria facilitada na rea restrita do distrito, retruca dizendo que, a, a vigilncia ser mais viva, maior o escndalo e mais terrvel a desmoralizao dos que participarem da corrupo. Acrescenta que de qualquer forma, dicilmente a incidncia da corrupo ser maior do que atualmente, quando ela se dilui por montes e vales, generalizando, da parte de muitos candidatos, uma prtica que tende a afastar os homens de bem dos prlios eleitorais. Os candidatos, com vnculos localidade, teriam maior legitimidade e, arrematando o argumento, observa que os partidos seriam prestigiados, mas sem que se lhes permitisse o despotismo da escolha dos candidatos, como sucederia com o voto de legenda (CAVALCANTI, 1975, p. 265-269). Em 1963, foi a vez de o deputado Oscar Dias apresentar um inovador projeto de lei. Semelhantemente s duas propostas anteriores, seriam os estados divididos em tantos distritos quanto fossem cadeiras a preencher na unidade da Federao, menos o numero de cadeiras a preencher com voto colhido em toda a circunscrio estadual. O nmero dessas cadeiras variaria de acordo com o tamanho da bancada estadual, sendo de 12 em So Paulo e de 2 nos estados de pequena

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representao. O candidato poderia disputar tanto a cadeira distrital quanto a estadual - que o projeto chama geral - e, se eleito em ambos os nveis, deveria optar por uma delas. O eleitor disporia de dois votos, um para o candidato distrital, outro para o deputado geral. Totalizados os votos em nvel estadual e calculado o quociente partidrio, o preenchimento da cadeiras far-se-ia segundo a ordem decrescente de votao nominal dos candidatos, tanto os votados no distrito quanto os candidatos gerais. O candidato distrital deveria ter residncia no distrito por pelo menos dois anos na poca do registro de sua candidatura. Tambm se exigia declarao de bens e se proibiam emprstimos, nanciamentos, auxlios e doaes por candidatos de quantia ou bem de qualquer natureza, de valor superior ao salrio mnimo da regio, a qualquer entidade, ou de qualquer valor a eleitor inscrito, at oito meses antes do pleito e seis meses depois dele. O relator desse projeto, o deputado Getlio Moura, informa ter havido debates sobre se a diviso em distritos facilitaria ou no a atuao do poder econmico. Observa que, se verdade que a diminuio dos limites de inuncia do candidato pode facilitar a concentrao do poder do dinheiro, no menos verdade que o contato permanente entre candidato e eleitorado, o conhecimento direto, pela proximidade que ele pode ter com os eleitores, dicu1ta a ao do poder do dinheiro (CAVALCANTI, 1975, p. 269-299). Algum tempo depois, j na antevspera do golpe de 1964, Franco Montoro apresentou um projeto de lei diretamente inspirado no sistema alemo. Nos trs projetos acima examinados, colhia-se o voto no distrito -- seja para o partido, seja para o candidato --, mas os lugares eram atribudos aos candidatos segundo as regras do sistema proporcional adotado no pas. J Montoro distingue a eleio no nvel distrital, a ser feita pelo mtodo majoritrio, da eleio proporcional da lista partidria estadual, de tipo fechado, que serve de base aos clculos dos quocientes eleitoral e partidrio e, por- tanto, determina o nmero total de deputados que o partido elege. Como nos casos anteriores, Montoro foi tambm cuidadoso em argumentar que no se quebrava a norma proporcional. Diferentemente, porm, do molde germnico, em seu projeto o quociente eleitoral seria calculado por estado, no em nvel nacional. Os eleitores teriam dois votos, um na lista partidria fechada, estadual, e outro no candi-

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dato distrital. 24 Montoro apresenta trs fundamentos para seu projeto, quais sejam: assegurar a autenticidade da representao popular, combater a inuncia do poder econmico nas eleies e fortalecer a vida partidria. O voto em lista aberta, na circunscrio estadual como um todo, parecia-lhe escancarar a porta inuncia decisiva do poder econmico e governamental e impedir a formao de vnculos efetivos entre eleitores e representantes. Sobretudo, parecia-lhe que o sistema proposto estaria mais blindado aos aventureiros, que, com apoio de grupos econmicos, buscam votos em regies com as quais no tm vnculos (CAVALCANTI, 1975, p. 299-312). Em 1969, j no perodo autoritrio, Gustavo Capanema, a pedido de Rondon Pacheco, presidente da Arena, preparou, mas sem dar-lhe a forma de um projeto de lei, uma proposta de sistema misto, tambm seguindo sistemtica alem (CAVALCANTI, 1975, p. 312-318). Em 1983, o ministro da Justia, Abi Ackel, apresentou a proposta do que se chamou voto distrital misto. Metade da representao viria de distritos no qual cada partido apresentaria dois candidatos, um a ser escolhido pelo mtodo majoritrio, o outro pelo mtodo proporcional. O eleitor teria dois votos, que deveriam ser para o mesmo partido. Os candidatos distritais, com a maioria relativa de votos, estariam eleitos. Para os candidatos pelo sistema proporcional, calcular-se-iam os quocientes eleitoral e partidrio. Os segundos candidatos distritais - a serem eleitos proporcionalmente - seriam ordenados de acordo com a porcentagem dos votos conseguidos nos distritos. Os com as maiores porcentagens estariam eleitos, at se atingir a metade da representao. A Comisso Especial de Estudos Constitucionais, criada pelo presidente Jos Sarney em 1985, e presidida por Afonso Arinos, tambm se decidiu, em seu anteprojeto constitucional, por um sistema misto, inspirado no alemo, mas com o eleitor dispondo de apenas um voto. A opo pelo voto singular visava a impedir a fragmentao partid-

rado. O partido no perderia essas cadeiras. O projeto, contudo, no enfrenta o problema de como conciliar essa estipulao com o nmero de deputados da Cmara dos Deputados, que prexado.

24 O problema dos lugares extras, que o sistema alemo permite, no foi igno-

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ria, tendncia j visvel naquele momento. J no mbito da prpria Assemblia Nacional Constituinte, houve oscilao. A subcomisso, dentro da comisso temtica que cuidou do assunto sistema eleitoral, deniu-se pelo sistema proporcional, deciso que foi chancelada pela prpria comisso temtica. A Comisso de Sistematizao, contudo, optou por um sistema misto, majoritrio e proporcional, que seria matria de lei. O grupo de constituintes que se denominou Centro apresentou um substitutivo, segundo o qual o sistema eleitoral no seria constitucionalizado, seno objeto de lei complementar. No entanto, em plenrio, prevaleceu a opo pelo sistema proporcional, conquanto alguns do que votaram favoravelmente a ela estavam convencidos de no que no impediria a ulterior adoo de um sistema inspirado no misto alemo, por ser este, em verdade, um sistema proporcional. O senador Fernando Henrique Cardoso, um dos que defendiam esse ponto de vista, chegou a apresentar, em 1991, um projeto de lei ordinria, destinado a instituir um sistema eleitoral de tipo alemo entre ns. Todavia, da mesma forma que propostas anteriores, j comentadas, o clculo dos quocientes eleitoral e partidrio seria feito nos estados, em vez de nacionalmente. O projeto tampouco lidou com a possibilidade, inerente ao sistema alemo, de que um partido logre mais cadeiras do que seu quociente eleitoral determina. Esse problema, alis, insolvel sem mudana constitucional, porque implicaria aumentar o nmero de parlamentares aps as eleies, em funo de seu resultado, o que fere a Lei Maior. O projeto tambm dispe que o eleitor tenha apenas um voto, podendo us-lo, contudo, para votar seja no candidato distrital, seja na lista partidria, seja, mesmo, num nome dessa lista, conforme a atual sistemtica. Esse voto nico contaria tanto para o partido quanto para o candidato distrital. Durante o perodo de reviso constitucional, em 1993, ressurgiu a tentativa de implantar um sistema misto, igualmente inspirado no alemo. Haveria, na proposta do relator - o deputado Nelson Jobim dois estratos, o de representantes eleitos em distritos uninominais e o de representantes eleitos em listas fechadas. Da mesma forma que na matriz germnica, as cadeiras seriam atribudas proporcionalmente aos partidos, e as cadeiras excedentes levariam ao aumento do tamanho da Cmara. Os pormenores do sistema eleitoral seriam objeto

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de lei. Na justicao da proposta revisional, observa-se que, na lista aberta brasileira, os partidos buscam candidatos com potencial de voto, em geral representantes de corporaes, candidatos com prestgio regional, lderes religiosos, radialistas, entre outros, cuja eleio gera uma representao de lealdade primria com os grupos que os elegeram, apenas secundariamente se dedicando s questes partidrias ou nacionais. Chama-se tambm a ateno para a. luta fratricida entre os candidatos. Tambm se critica o fato de os distritos serem os estados, o que gera campanhas custosas e facilita os candidatos pra-quedistas (aqueles sem vnculos com o eleitorado, que, em perodo eleitoral, fazem campanhas caras para conquistar esse eleitorado desconhecido). Tendo fracassado o esforo de reviso constitucional, desde ento tem havido numerosas propostas de introduo de sistemas eleitorais mistos. O qualicativo misto na verdade no unvoco no seu uso entre ns. Ora signica a combinao, no sistema e eleitoral, de um estrato com representantes eleitos pela deciso majoritria, em distritos menores do que o estado, com outro de representantes eleitos proporcionalmente, em lista fechada, mais ou menos conforme o molde alemo; ora se usa para a combinao do voto em lista fechada com o voto em lista aberta, mas sem diviso dos estados em circunscries menores; ora, tambm, se recorre ao termo para caracterizar o emprego do sistema proporcional em distritos de pequeno territrio e de pequena magnitude de representao, em vez de no estado como um todo. As propostas desses ltimos sistemas so em geral bastante similares a alguns dos sistemas propostos nos anos 50 e 60 do sculo XX, sobre os quais acima discorremos. 25

Barros Filho), 28/95 (da deputada Rita Camata), n 108/95 (do deputado Expedito Jr.), n 168 (do deputado Mendona Filho), n 289/95 (do deputado Osvaldo Reis) e no 47/99 (do senador Srgio Machado), alm dos PL n 4/95 (do deputado Adilson Moa) e n 3.428/2000 (do senador Roberto Requio). Franco Montoro tambm apresentou um projeto de lei voltando idia do sistema misto, j apresentado em 1964. Contudo, nessa verso, afastou-se do sistema alemo, pois a eleio em cada um dos estratos se faria sem a conexo do clculo dos quocientes eleitoral e partidrio. Estes se calculam apenas para o estrato em que o eleitor vota nas listas partidrias (PL n 1.306/95).

25 Algumas dessas propostas so as PECs n 10/95 (do deputado Adhemar de

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5. Consideraes naisAs crises polticas dos ltimos anos trouxeram novamente discusso, tanto no meio poltico, quanto no jornalstico e tambm na opinio pblica mais desperta, o tema reforma poltica. Entre as matrias includas no tema esto mudanas no sistema eleitoral. Na verdade, h uma insatisfao de muitos setores polticos com o sistema vigente no pas, que proporcional, mas com lista aberta. Seria fcil, mas no corresponde aos fatos, dizer que essa insatisfao provm de um grupo bem denido no espectro poltico, por exemplo, os conservadores, temerosos ante o progresso da esquerda que o atual sistema tem permitido desde a Repblica de 46. Se, de fato, boa parte dos projetos mais antigos que anteriormente resenhamos foi concebida por lderes de centro ou centro-direita, sua crtica ao sistema vigente esteve sempre assestada no contra o poltico de esquerda ou os trabalhistas que conquistavam cadeiras nos centros industriais, seno contra os candidatos que representavam o poder econmico e tomavam de assalto o eleitorado tradicional, antes cativo da UDN ou do PSD. A clivagem parecia, pois, ser menos em termos de esquerda e direita e mais em termos de elites polticas tradicionais contra aventureiros (como a eles se referiam) que compravam os votos e atuavam como predadores, sem responsabilidade para com o reduto. Por outra parte, desde a ltima constituinte, numerosas propostas de modicao do sistema eleitoral tm sido patrocinadas por parlamentares de esquerda, sobretudo do PT, centrando-se suas criticas ao sistema vigente na vulnerabilidade deste ao nanciamento privado e na sua inadequao formao de identidades partidrias slidas. A lista aberta brasileira aplicada, a nosso ver, numa escala pouco apropriada para. que o voto pessoal possa exibir as virtudes que se lhe atribuem. Para que estas se revelem, traduzindo-se no surgimento, via eleies parlamentares, de uma classe poltica com fortes vnculos com o eleitorado, suscetvel de controle por este e por este punvel ou recompensvel pelo voto em uma eleio futura -- em suma, para haver representao com accountability - o distrito deve ser geogracamente reduzido. Ademais, por serem os votos transferveis dentro do partido - uma vez superado o quociente eleitoral, os votos de um candidato que excedem esse quociente beneciam outros candidatos

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do partido, sem o conhecimento do eleitor e dentro da coligao, em que o partido maior ajuda a eleger candidato do partido menor a ele coligado, no raro em detrimento de seus pr6prios candidatos - perde fora o argumento de que o voto pessoal d ao eleitor uma grande liberdade de escolha. Esta em boa parte ilusria. 26 bem verdade que os dados, antes apresentados, da pesquisa de Nelson Rojas de Carvalho, mostram que, pelo menos para uma parcela dos representantes, as caractersticas especcas e louvadas do voto pessoal podem estar presentes. Trata-se daqueles deputados cujo eleitorado se concentra espacialmente e que tendem, nesses redutos, a ser majoritrios. Esses representantes tm um comportamento mais responsvel para com esse eleitorado localizado. O dado permite pensar que a instituio de um sistema de formato alemo no seria traumtica. Ou seja, racionalizaria uma tendncia espontnea do sistema que praticamos, formalizando o distrito, que j existe informalmente, e mantendo a proporcionalidade, outro valorizado atributo do sistema. Alm disso, o estrato de representantes eleito por lista equilibraria a tendncia paroquial que a representao distrital pode signicar.

26 Jairo Nicolau mostra que, em quatro eleies, de 1986 a 1998, apenas 35,5% dos eleitores tiveram seus candidatos eleitos, 22.2% votaram em candidatos derrotados, 33.3% anularam o voto ou votaram em branco e 8,8% votaram na legenda. Portanto, observa. a idia de acompanhar o desempenho dos deputados eleitos s faria sentido para pouco mais de um tero dos eleitores. (NICOLAU, 2002, p. 226)

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Sugestes de bibliograa1. A bibliograa sobre os sistemas eleitorais extensa, havendo j excelentes textos sobre o assunto de autoria de cientistas polticos brasileiros. Recomendaramos, entre estes: (LIMA JR., 1991); (NICOLAU, 2004); (TAVARES, 1994). 2. Para tentativas mais antigas de modicar o sistema eleitoral brasileiro, dando-lhe carter distrital, veja-se: (CAVALCANTI, 1975}. 3. Para explicao do sistema alemo, recomendamos: (NOHLEN, 1981); (UNGLAUB, 1995). 4. Para uma viso dos sistemas mistos nas democracias contemporneas, veja-se: (SHUGART; WAlTENBERG, 2001). 5. Para as relaes entre sistemas eleitorais e corrupo, veja-se: (KUNICOVA, ROSE-ACKERMAN, 2003).

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O voto majoritrio distrital no Brasil

Walter Costa PortoMinistro do Tribunal Superior Eleitoral, 1996-2001. Professor de Direito Eleitoral da Universidade de Braslia. Editor da Revista Estudos Eleitorais. Autor de O Voto no Brasil; O Dicionrio do Voto; A Mentirosa Urna.

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O voto majoritrio distrital no Brasil

I. O incio, no ImprioO voto distrital, como chamamos no Brasil,1 foi, inicialmente, introduzido no Brasil, no Imprio. Graas ao empenho determinao de Honrio Hermeto Carneiro Leo, o Marqus do Paran, chefe do Gabinete de 6 de setembro de 1853, que se deveu a aprovao da chamada Lei dos Crculos, o Decreto n 842, de 19 de setembro de 1855. Duas foram as idias dominantes do texto: a diviso das provncias do Imprio em tantos distritos eleitorais quantos fossem seus deputados Assemblia Geral e a proibio de que fossem votados para membros das Assemblias Provinciais ou deputados ou senadores, nos colgios eleitorais dos distritos em que exercessem autoridade, ou jurisdio, os presidentes das provncias e seus secretrios, os comandantes de armas e generais-em-chefe, os inspetores da fazenda geral e provincial, os chefes de polcia, os delegados e subdelegados, os juizes de direito e municpios. Para Joaquim Nabuco (1997, p. 13), era uma idia xa de Paran: ele estaria disposto a aceitar a eleio direta, uma vez que tivesse o

1 Na doutrina estrangeira s se chama voto majoritrio para as assemblias.

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crculo; queria a representao do pas real: que a eleio fosse uma verdade, a expresso das maiorias locais, fosse quem fosse o deputado. A meno, por Nabuco, expresso das maiorias locais resolve a possvel contradio entre o intento de Paran, de defender a representao das minorias, e sua busca, para implement-la, do modelo distrital. A experincia nos mostra como o voto majoritrio - com a brutalidade que Duverger (1996, p. 378) apontaria2 - desatende as parcelas minoritrias de opinio. Mas o que Paran (1978) visava, com a lei de 1855, eram as minorias localizadas. Na sesso do Senado, de 20 de julho de 1855, ele assim argumentava:No tenho o intuito de acabar com os interesses grupados; o que pretendo que se no grupem tanto os indivduos que embarguem a existncia das minorias; quero que se forme a maioria, que se grupe; mas que se no grupe de tal maneira que ocupe todo o espao e expila a minoria: isto , quero que continue a grupar-se a maioria, mas que deixe espao para que a minoria possa ser representada, possa falar perante o pas. (LEO, 1978).

Essa vantagem, que o projeto procurava - a de dar lugar a que a minoria tivesse lugar no Parlamento - no a enxergava o Senador Eusbio de Queiroz (1978). Para ele, a vantagem se acharia reduzida a propores verdadeiramente homeopticas. Nem a enxergava, igualmente, o Senador Souza Ramos (1978). Seria preciso, para ele, que a opinio adversa estivesse grupada em certos pontos para dali virem seus representantes. Em verdade, os crculos no se haveriam de compor somente de duas e de trs parquias, no se formariam tantos crculos quantos fossem os colgios eleitorais existentes, esparsas como naturalmente se achavam, na maior parte das provncias, as parquias e os colgios em

2 A brutalidade do escrutnio majoritrio de um s turno, disse ele.

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que predominasse a opinio da maioria. Ento, seus eleitores que se reunissem nos crculos poderiam ser vencidos do mesmo modo que so vencidos, agora, na eleio por provncia. E conclua o Senador Souza Ramos (1978) E vencidos dessa maneira, ento, nem suplentes daro Cmara dos Deputados. E aludia a um ponto que atraa muitas crticas ao projeto: no sistema proposto, a maioria que elegesse o Deputado, elegeria, igualmente, seu suplente. Anteriormente, determinava a lei eleitoral que seriam declarados eleitos deputados os que tivessem a maioria dos votos at o nmero dos que a provncia deveria eleger; os que se lhe seguissem em votos, cavam designados suplentes. Da a contradio, vista na reforma, pelo Senador Eusbio de Queiroz:Se por um lado abris as portas do Parlamento aos representantes da minoria em um outro crculo, por outro, trancais aos suplentes, que atualmente, oferecem essa representao da minoria. (QUEIROZ, 1978).

Terminava, com a Lei dos Crculos, no dizer do Senador Arajo Lima, a vlvula salvadora dos suplentes ou, como tantas vezes se disse, no debate parlamentar, em relatrios de comisses, o respiradouro dos suplentes. (PINTO, 1983, p. 222). Um propsito de Paran, na procura de uma eleio verdadeira, era a de evitar o que chamava deputados de enxurrada. Ele acreditava que o estreitamento da base eleitoral impelia o eleitor a uma escolha mais cuidadosa. E acentuava: votando-se em chusma havia o risco de escapar peixe nas malhas, quando se votar sobre um s, hei de escolher com cautela, hei de votar com escrpulo, procurando aquele a quem tenho de dar o meu voto rena as qualidades precisas para ser votado. (PORTO, 1985, p. 160). Jogou toda a fora de seu governo na aprovao da medida. E na sesso de 28 de agosto de 1855, chegara a dizer ao presidente da comisso que analisava o projeto: Se a comisso no quisesse dar seu parecer em tempo de se poder passar nessa sesso, em viria Cmara e proporia a urgncia. (NABUCO, 1997). Morto em 1856, no viu Paran o resultado da primeira aplicao de sua lei, na eleio para a legislatura de 1857-1860. Segundo uma in-

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dicao de 1858, dos Deputados Cruz Machado e Dantas, no obstante a disposio pouco favorvel com a que lei fora executada, ela levara ao Parlamento representantes de diversas opinies polticas. Mas logo se cuidou de sua reviso, com o alargamento dos crculos para a eleio de trs deputados. Constatara-se que a lei excedera a seu m, ampliando as inuncias regionais, fazendo preponderar, sobre os dirigentes de partidos e homens notveis das lutas partidrias, parentes e protegidos de vultos interioranos. O empenho de Paran, to exitoso, pela ampliao das inelegibilidades, e seu esforo, esse no to exitoso, pela representao das minorias, o igualam a Alencar, na luta pela a alforria do voto, cativo do governo.

II. Os crculos de trsEm agosto de 1859, era apresentado, na Cmara, projeto de lei, de autoria de Srgio de Macedo, visando o alargamento dos crculos para que se elegessem, em cada um, trs deputados. Obviamente, a proposta pretendia atender s crticas que se haviam levantado contra a iniciativa de Honrio Hermeto. No porque, de incio, como se viu, no primeiro teste da lei, se repetisse uma cmara unnime 3 : mas para restringir a fora dos lderes locais, sem fazer voltar, inteiramente, o poder das cpulas partidrias. Aprovado em 18 de agosto de 1860, o Decreto n. 1.082