jos´e pinto da cunha universidade de coimbra...

66
Electromagnetismo (cap. 2. Magnetost´ atica) Jos´ e Pinto da Cunha universidade de coimbra 2016

Upload: others

Post on 27-Dec-2019

9 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Electromagnetismo

(cap. 2. Magnetostatica)

Jose Pinto da Cunha

universidade de coimbra

2016

2

Conteudo

2 Magnetostatica 5

2.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52.2 A equacao de continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72.3 A lei de Ohm . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92.4 O campo magnetostatico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

2.4.1 A forca de Lorentz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132.4.2 A lei de Biot-Savart . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152.4.3 O potencial vector . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172.4.4 Condicoes de fronteira do campo B . . . . . . . . . . . 23

2.5 Fluxo magnetico e indutancia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242.6 A energia magnetostatica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302.7 Expansao multipolar do potencial vector . . . . . . . . . . . . 342.8 Energia potencial de um dipolo magnetico . . . . . . . . . . . 372.9 Meios magneticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

2.9.1 Descricao microscopica da magnetizacao . . . . . . . . 472.9.2 Magnetes permanentes - analise de uma barra magnetica 622.9.3 Aplicacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

3

4 CONTEUDO

Capıtulo 2

Magnetostatica

2.1 Introducao

No capıtulo anterior analisaram-se os efeitos devidos a cargas estaticas. Va-mos agora discutir os efeitos associados a cargas em movimento, em regimeestacionario - a magnetostatica.

A corrente electrica, i, que percorre um fio filiforme define-se como acarga que passa em determinado ponto por unidade de tempo, i = dq

dt.Se

esta corrente se espraia por um volume e atravessa superfıcies extensas econveniente definir tambem a densidade de fluxo de corrente ou simplesmentedensidade de corrente eletrica, j. A corrente que atravessa uma superfıcieelementar ds e pois di = j · ds. A densidade de corrente e pois efetivamentea corrente que passa num ponto por unidade de area transversal, j = di

ds⊥v,

com ds⊥ = ds cos θ = ds · , e tem o sentido da velocidade das cargas emmovimento, v, (ver fig. 2.1). Nos termos anteriores, a corrente (total) atravesde uma determinada superfıcie, S, e dada pelo fluxo de j,

i =∫

Sj · ds (2.1)

Em geral, a densidade de corrente e uma funcao da posicao, j(r), (e even-tualmente tambem do tempo). Da fig. 2.1 conclui-se que dq = ρds⊥dℓ e, por

c© j. pinto da cunha, electromagnetismo /magnetostatica, universidade de coimbra, 2016.

5

6 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

ds

θj

sddl

vj

ds

Figura 2.1: A densidade de corrente e a carga que passa num ponto por unidadede tempo e de area transversal, j = dq

dtds⊥, onde ds⊥ = ds cos θ. Por consequencia,

j = ρv, onde ρ = dq/dτ e v e a velocidade das cargas em cada ponto.

conseguinte, j = dqds⊥ dt

v = ρdℓdtv. Isto e,

j = ρv (2.2)

A densidade de corrente em cada ponto e pois igual a densidade das cargasem movimento vezes a respectiva velocidade, em cada ponto.

Se as cargas forem superficiais e se moverem apenas ao longo de umasuperfıcie, nesse caso, a corrente e superficial, pelo que e util definir tambema densidade superficial de corrente, como k = dq

dℓ⊥ dtv, (ver fig. 2.2). Isto

e, k designa a corrente que atravessa uma linha transversal tracada sobre asuperfıcie em causa, por unidade de comprimento dessa linha. E evidenteque se σ for a densidade superficial de cargas em movimento, entao k = σv,pois dq = σdℓ‖dℓ⊥ (ver fig. 2.2). A corrente superficial total sera, portanto,

i =∫

kdℓ⊥

Importa tambem analisar a passagem de corrente por um fio fino, deseccao s (pequena mas nao infinitesimal). Da fig. 2.3, concluımos que i = js,(pois sendo fino o fio, j = const.), e, portanto, i dℓ = jsdℓ = j dτ , ondedτ = sdℓ e um elemento de volume do fio. Pode-se portanto estabeleceruma correspondencia entre elementos de corrente lineares e de volume ou desuperfıcie, ja que

i dℓ = j dτ −→∫

i dℓ ↔∫

τj dτ (2.3)

Se a corrente for superficial, espalhada pela area lateral s′ de um fio fino,(ver fig. 2.3b)), entao i = kℓ⊥ e, portanto, idℓ = kdℓ⊥dℓ = kds′. Nesse caso,

i dℓ = k ds′ −→∫

i dℓ ↔∫

Sk ds′ (2.4)

2.2. A EQUACAO DE CONTINUIDADE 7

kv

kS

dl ⊥

dl

Figura 2.2: A densidade superficial de corrente e a carga que atravessa umalinha marcada sobre a superfıcie, por unidade de comprimento dessa linha e porunidade de tempo, k = dq

dℓ⊥dt. Consequentemente, k = σv, onde σ = dq/ds e v e

a velocidade das cargas ao longo da superfıcie.

dl

j si

a) b)

ik s’

ds’

dl

Figura 2.3: A corrente num fio fino, de seccao s, e i = js e portanto idℓ = jdτ .b) Se a corrente for superficial idℓ = kds′, onde ds′ e uma area da parede lateraldo fio.

onde s′ se refere a area de parede lateral do fio em causa.

2.2 A equacao de continuidade

Seja uma regiao do espaco delimitada pela superfıcie S da fig. 2.4, na qualha uma carga electrica q distribuıda com uma densidade ρ. Atraves de S saia corrente i =

S j · ds. Cada coulomb que sai atraves de S e um coulomb amenos que fica dentro de S, i.e.,

−dq

dt= i =

Sj · ds

(a derivada e negativa porque o fluxo que sai e positivo, fig. 2.4). A cargatotal que existe no volume e q = q(t) =

τ ρ(r, t)dτ . Pelo teorema de Gauss-Ostrogradsky, conclui-se pois que

− d

dt

τρ(r, t) dτ =

Sj · ds =

τ∇ · j dτ

8 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

ρj

j

j j

j

τS

Figura 2.4: Equacao de continuidade. A carga electrica dentro do volume decrescena mesma medida em que o fluxo de j sai atraves da fronteira S, i.e., −dq = idt,ou seja, −dq

dt=∮

S j · ds.

ou seja,∫

τ

∂ρ(r, t)

∂t+ ∇ · j

dτ = 0

Como esta igualdade e valida independentemente do volume de integracao,entao1, necessariamente,

−∂ρ

∂t= ∇ · j (2.5)

Esta equacao de continuidade expressa de facto a lei de conservacao dacarga electrica em cada ponto, sendo por isso uma equacao com granderelevancia2.

O regime estacionario define-se como aquele em que nao ha variacaoexplıcita com o tempo das quantidades que descrevem a realidade fısica (e.g.,pode haver movimento mas esse movimento e constante ad infinitum). Porconseguinte, no regime estacionario, ∂tρ = 0, e portanto, a eq. 2.5 fica

∇ · j = 0 (2.6)

Consequentemente, qualquer que seja a superfıcie S que se considere, noregime estacionario, tem-se ∮

Sj · ds = 0

1Supoe-se que as funcoes sao bem comportadas em todo o volume.2A equacao de continuidade expressa matematicamente uma lei geral de conservacao

e aplica-se a qualquer densidade de fluxo (nao apenas a carga electrica, mas tambem afluxos de massa, energia, etc...).

2.3. A LEI DE OHM 9

S

i2

3i1i

Figura 2.5: Num circuito, em regime estacionario, a lei dos nodos, i1 = i2 + i3,traduz a conservacao da carga.

A lei dos nodos dos circuitos e uma consequencia direta desta expressao.3

2.3 A lei de Ohm

Num condutor em equilıbrio eletrostatica as cargas estao estaticas, pordefinicao. Se esse condutor estiver a ser percorrido por uma corrente, entaoele nao esta seguramente em equilıbrio eletrostatico e o campo no seu inte-rior nao e de facto nulo. Se a corrente electrica que o percorre for constanteentao esse condutor estara presumivelmente em condicoes estacionarias, masestas nao devem ser confundidas com as condicoes estaticas ou do equilıbrioeletrostatica.

Se num ponto dentro do condutor o campo for E, entao uma carga livre,q, que aı se encontre e sujeita a forca F = qE e acelera na direcao da forca.Todavia, no seu movimento atraves do material, as cargas livres colidemfrequentemente com outras cargas do meio e, dessas colisoes resulta umaespecie de atrito, que cresce proporcionalmente a velocidade (como ocorrenum corpo que se move no ar). Em condicoes estacionarias, a velocidadedas cargas em movimento atinge um valor limite constante (ou velocidade

3A lei dos nodos dos circuitos electricos e valida apenas em condicoes estacionarias.Referindo-nos a fig. 2.5 tem-se,

S

j · ds = 0 =

S1

j · ds+

S2

j · ds+

S3

j · ds = −i1 + i2 + i3

isto e, na fig. 2.5 i1 = i2 + i3.

10 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

terminal), que e proporcional a intensidade do campo.4 Visto que j = ρv,entao, em geral, no regime estacionario, e valida a lei de Ohm,

j = σE (2.7)

onde σ e a condutividade do material. Esta e a forma local da lei de Ohm,valida em cada ponto de um material.

O regime estacionario caracteriza-se pelo facto de as quantidades naodependerem explicitamente do tempo. Assim, no regime estacionario,

∂tρ = 0 → ∇ · j = 0 → ∇ ·E = 0 → ρtotal = ǫ∇ ·E = 0

Isto e, em regime estacionario, apesar de estar a passar corrente electricaatraves de um condutor, a densidade total de carga e nula em todos ospontos desse condutor. Isto quer dizer que, em condicoes estacionarias, ha,em cada ponto do condutor, tantas cargas positivas quantas as negativas,mesmo que passe corrente. De facto, nessas condicoes, o que se passa e quee em cada ponto em cada instante, ha uma carga que parte e outra igualque aı chega. No caso particular em que a corrente percorre um fio fino, quese estende, por hipotese, ao longo do eixo x, entao no regime estacionario,∇ · E = 0 = ∂xE = 0 ⇒ E = constante. Ou seja, o campo eletricoe constante no interior de qualquer condutor percorrido por uma correnteeletrica estacionaria.5 Isto significa que, se um fio tiver seccao transversal s,entao a diferenca de potencial entre as extremidades de um troco de fio decomprimento ℓ e ∆V = ℓ

sσi, onde i e a corrente.

4A equacao de movimento de uma carga e da forma ma = F = qE − bv, onde m e amassa, v e a velocidade, a = dv/dt e a aceleracao e b e uma constante proporcional ao”atrito” resultante das colisoes entre esta carga e as demais partıculas do meio em que semove. A solucao desta equacao e da forma v(t) = v0e

−b

mt+ qE

m . Passada a fase transiente,a primeira parcela extingue-se exponencialmente e e fica apenas, no regime estacionario, avelocidade limite, v = qE

m . Ou seja, no regime estacionario, v ∝ E e portanto j = ρv ∝ E

e, portanto, j = σE, que e a lei de Ohm em cada ponto.5A lei de Ohm na forma nao local relaciona a diferenca de potencial entre dois pontos

de um fio fino. Como, em regime estacionario, E e constante dentro do condutor, se o fiotiver comprimento ℓ e seccao s, entao

Va − Vb =

∫ b

a

E · dℓ = Eℓ =jℓ

σ= Ri

onde R = 1σ

ℓs e a resistencia desse troco de fio. Esta e a forma nao local da lei de Ohm.

A resistencia de um material cresce portanto proporcionalmente ao seu comprimento einversamente a seccao (ver fig. 2.3). O quociente 1

σ e a resistividade do material.

2.3. A LEI DE OHM 11

Tabela 2.1: Propriedades electricas de alguns materiais: condutividade electrica,σ, e resistividade, ρ = 1

σ, em unidades SI.

material condutividade(/m) resistividade (Ω.m)prata 6.29× 107 1.59× 10−8

cobre 5.95× 107 1.68× 10−8

ouro 4.52× 107 2.21× 10−8

alumınio 3.77× 107 2.65× 10−8

ferro 1.04× 107 9.61× 10−8

ferrite (NiZ) ∼ 10−3 − 10−5 ∼ 103 − 105

agua do mar 4 0.25terra (solo) ∼ 10−3 ∼ 103

sılicio 4.0× 10−4 2.5× 103

agua pura 4.0× 10−6 2.5× 105

vidro ∼ 10−14 ∼ 1014

Sempre que o campo na superfıcie exterior a um condutor se altere, ocampo dentro do condutor tambem se vai alterar. Havera entao, momen-taneamente, uma breve situacao nao estacionaria, mas e tao breve que geral-mente pode ser ignorada.6

Resulta das consideracoes anteriores que um condutor no qual circula

6Num condutor em regime estacionario o campo, E, e constante e a densidade totale ρ = 0 em todos os pontos do interior. Se as condicoes mudarem havera uma transicaopara o novo regime, ate que novo equilıbrio se (r)estabeleca. A duracao deste transiente emuito curta e pode ser facilmente estimada. Durante a fase transiente, tem-se dentro docondutor,

−∂tρ = ∇ · j ≈ σ∇ ·E = σρ

ǫ

considerando que j ≈ σE apesar de o regime nao ser estacionario. Visto que ρtotal ≡ρ = ǫ∇ · E, tem-se a equacao diferencial, dρ

dt + σǫ ρ = 0, cuja solucao e ρ(t) = e−

σ

ǫt. Ou

seja, a densidade total de cargas dentro do material, ρ, tende exponencialmente para zero,com uma constante temporal κ = σ

ǫ . O tempo caracterıstico da fase transiente ate serestabelecer o (novo) regime estacionario e pois da ordem de t0 = κ−1 ∼ ǫ

σ . Nos bonscondutores, σ ∼ 107/m e, portanto, t0 ∼ 10−18 segundos. Podemos por isso assumirna pratica que, em condicoes normais, os condutores estao sempre em regime estacionario(ou eventualmente em equilıbrio eletrostatico, se nao houver correntes). So se a frequencia

de variacao dos campos e das correntes for muito elevada, (f>∼ 1 GHz), e que esta

aproximacao deixa de ser valida.

12 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

uma certa corrente: i) nao esta em equilıbrio eletrostatico; ii) que o campono interior nao e nulo e que, portanto, iii) o seu potencial nao e constanteem todo o condutor.7

2.4 O campo magnetostatico

Como vimos atras, cargas estaticas criam campos eletrostaticos no espacoenvolvente. Porem, se essas mesmas cargas se moverem com uma certa ve-locidade constante em relacao a determinado sistema de referencia, criamnesse referencial dois campos: i) um campo eletrostatico, semelhante ao quee criado pelas cargas em repouso (a diferenca so se nota para velocidadesproximas da da luz) e ii) um campo magnetostatico,8 B.

Todavia, como facilmente se compreende, para um observador que acom-panhe as cargas no seu movimento, estas permanecem estaticas e portantoele nao presencia campo magnetico algum. O campo magnetico associado aomovimento das cargas ha de pois ser um efeito que se deve poder descreverpela transformacao entre os dois sistemas de observacao. Esta fenomenologiapode alias ser apontada como uma das motivacoes iniciais que haveriam deconduzir ao desenvolvimento da teoria da relatividade.

Com efeito, pode-se mostrar que, de acordo com as leis de transformacaorelativista entre o referencial das cargas em repouso e outro referencial no qualestas se movem e formam uma corrente, o campo eletrostatico no referencialdas cargas em repouso se transforma num campo eletrostatico e num campomagnetostatico que nao estava no referencial de repouso. Mas nao faremosaqui essa demonstracao.

Ha tambem certos materiais ditos magneticos que podem criar cam-pos magneticos; em particular os magnetes permanentes, que criam campos

7Na analise de circuitos electricos considera-se normalmente que os fios de ligacao estaoa potenciais bem definidos e que so ha diferencas de potencial nas resistencias e demaisimpedancias, visto que estas tem evidentemente condutividades muito baixas e certamentemuito mais baixas que as dos condutores (ver tabela 2.1).

8O campo B tambem e designado como campo de inducao magnetica ou, por vezes,campo de densidade de fluxo magnetico, mas, por simplicidade de linguagem, vamos-lhechamar simplesmente campo magnetico(!)

Tradicionalmente o termo “campo magnetico” designa o campo H (ver § 2.9). Chamarcampo magnetico aB e portanto uma especie de infraccao - mas e assumida! Designaremospor isso o campo H, simplesmente “campo H” ou campo magnetico H, nao havendo poisambiguidade. (cf. D. Griffiths, ”Introduction to Electrodynamics”, 3rd ed., p. 271.

2.4. O CAMPO MAGNETOSTATICO 13

magneticos sem que esteja envolvida nenhuma corrente. Deixaremos essadiscussao para o § 2.9.

A metodologia que seguimos para estudar o campo magnetico e suascaracterısticas parte de uma base empırica, observacional, alicercada na leide Biot-Savart. Mas podıamos tambem comecar esta discussao a partir datransformacao relativista acima referida, se falassemos dela.

Neste capıtulo, analisamos o campo criado por cargas em movimento uni-forme, em regime estacionario. De facto, se as cargas electricas tiverem ve-locidade variavel, i.e., se forem aceleradas, entao os campos que elas criam saotambem variaveis no tempo. Nessa circunstancia, como veremos, os camposE e B estao acoplados e formam efetivamente um campo electromagnetico,cujas variacoes se propagam com velocidade finita, constituindo ondas eletro-magneticas. Mas esse sera assunto para o capıtulo sobre electrodinamica; porora, considera-se apenas o regime estacionario.

2.4.1 A forca de Lorentz

A observacao mostra que sobre uma carga, q, que se move com velocidade,v, na presenca de um campo magnetico, B, atua uma forca (magnetica),

F = qv ×B (2.8)

Esta forca e conhecida como forca de Lorentz. Se nessa regiao tambemexistir campo electrico, E, a carga tambem interage com ele, pelo que, maisgeralmente, a forca de Lorentz sobre a carga q e

F = qE + qv ×B (2.9)

Decorre do que foi dito que um fio filiforme percorrido por uma correntei, sito numa regiao em que ha um campo magnetico, B, e sujeito a umaforca magnetica. Cada elemento diferencial do fio, de comprimento dℓ, temcargas dq a moverem-se com velocidade v = dℓ

dt. Sobre esse elemento do fio

atua portanto a forca,

dF = dqdℓ

dt×B = i dℓ×B (2.10)

Esta expressao e conhecida como forca de Laplace, apesar de ser umamanifestacao direta da forca de Lorentz. A forca que atua sobre um fio

14 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

de comprimento ℓ percorrido pela corrente i e pois, evidentemente, F =i∫

dℓ×B, onde o integral se estende a todo o comprimento do fio.

E de notar que a forca magnetica nunca realiza trabalho sobre as cargas.De facto, ao longo de qualquer deslocamento infinitesimal dr, o trabalhosobre uma carga dq, esteja ela integrada ou nao numa corrente, e

dW = dF · dr = dq(dr

dt×B) · dr = 0

ja que (dr ×B) ⊥ dr.

Interessa tambem analisar nesta introducao a forca de interacao entreduas correntes paralelas e rectilıneas. As duas correntes electricas interagemporque o campo criado por uma interage com a outra e vice-versa:- umacorrente, i1, cria um campo magnetico, B1, em seu redor que interage coma outra corrente, i2, nos termos da forca de Laplace da eq. 2.10. Entre doisfios filiformes, paralelos, rectilıneos, muito longos, a distancia x um do outro,percorridos por correntes i1 e i2, respetivamente, surge assim, (ver eq. 2.13),a forca de interacao por unidade de comprimento,

F/ℓ =µ0i1i22πx

Esta forca e atrativa se as correntes tiverem o mesmo sentido e repulsiva seforem de sentidos contrarios, de acordo com a eq. 2.10. A unidade de correnteeletrica e definida no sistema SI de unidades com base nesta forca entre doisfios.

Definicao. Um ampere e a corrente que percorre dois fios paralelos, adistancia de um metro um do outro, no vazio, quando a forca entre elese 2× 10−7 newton/metro.9

Historicamente, foi a partir da observacao das forcas magneticas entrecircuitos electricos, que se inferiu quer a existencia quer a estrutura do campomagnetico, em particular a lei de Biot-Savart do campo magnetico criado poruma corrente electrica.

9Para alem disso, visto que 1A = 1C/s, a unidade de carga electrica assenta na definicaodo ampere : 1 coulomb e 1 ampere × 1 segundo.

2.4. O CAMPO MAGNETOSTATICO 15

d

ld

B(r)

dl

r"

r"

i

r’

r

Figura 2.6: Um elemento de corrente idℓ cria um campo dB(r) que e perpendic-ular a dℓ e a r′′ em cada ponto, de acordo com a lei de Biot-Savart.

2.4.2 A lei de Biot-Savart

A lei de Biot-Savart descreve o campo de inducao magnetica criado no vaziopor um elemento de comprimento dℓ de um fio fino percorrido por umacorrente i (ver fig. 2.6),

dB(r) =µ0

idℓ× r′′

r′′2, com r′′ = r − r′ (2.11)

A constante de proporcionalidade, µ0 ≈ 4π × 10−7 NA2, e a permeabilidademagnetica do vazio e caracteriza as propriedades do meio envolvente, nestecaso as do vazio.10 A lei de Biot-Savart (1820) tem, tal como a lei de Coulomb,uma base empırica e assim a tomaremos.

E evidente a semelhanca entre a lei de Coulomb da eletrostatica e a leide Biot-Savart; nesta, tal como naquela, o campo varia com o quadradoda distancia e e diretamente proporcional as fontes que o criam (i.e., ascorrentes). Isto significa que o princıpio de sobreposicao tambem se aplicaao campo magnetostatico. Todavia, como se infere pelo caracter vectorial dalei de Biot-Savart, a magnetostatica e um pouco mais complicada do que aeletrostatica.

O campo criado por um circuito electrico constituıdo por um fio filiforme,necessariamente fechado, e dado pelo integral da eq. 2.11, estendido sobre

10No sistema SI de unidades o campoB mede-se em tesla, (T). E tambem muito utilizadaa unidade gauss, (G), por ser mais pratica, sendo a conversao 1T = 104G. O campomagnetico terrestre a superfıcie e da ordem de 0.5 gauss, na nossa latitude.

16 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

todo o circuito, C, (ver fig. 2.6),

B(r) =µ0i

C

dℓ× r′′

r′′2(2.12)

O campo criado por um fio rectilıneo e infinito

O campo magnetico criado num certo ponto por um fio fino, rectilıneo einfinito, percorrido por uma corrente, i, calculado por integracao da lei deBiot-Savart e a aplicacao mais simples da eq. 2.12. Cada elemento infinites-imal de comprimento, dℓ, origina um campo infinitesimal dB. No planoda figura, (ver fig. 2.7), dℓ × r′′ = dℓ cos θ e⊗ mas, dada a simetria axial,imediatamente se constata que dℓ × r′′ = dℓ cos θ ϕ. A geometria diz-nosque cos θ =

r′′, que tan θ = ℓ+b

e que, portanto, dℓ = sec2 θ dθ. Por

conseguinte, integrando para toda a extensao do fio,

B(r) =µ0i

4πϕ∫ θ2

θ1

cos θ dθ

No limite em que o comprimento do fio tende para infinito, θ1 → −π2e

θ2 → +π2e portanto,

B =µ0i

2πϕ (2.13)

Esta equacao foi obtida primeiramente por Biot e Savart (1820) quando in-vestigavam a forca de interacao entre duas correntes e esta associada a de-scoberta da lei de Biot-Savart, (eq. 2.11).

As linhas do campo B previstas pela equacao anterior sao circunferenciasconcentricas, centradas no fio (ver fig. 2.7). As linhas do campo B sao poislinhas que se fecham sobre si proprias, nunca emergindo de ou convergindopara um ponto. Trata-se portanto de um campo solenoidal, em que ∇·B = 0(ver fig. 1.17).

Nos termos do teorema de Helmholtz (§ 1.8), a divergencia e o rotacionaldefinem o campo. Consequentemente, como ∇ ·B = 0 em qualquer ponto,entao tem que se concluir que o rotacional de B se deve relacionar com ascorrentes que causam B e que havera pelo menos algum ponto em que naoe nulo (se divergencia e rotacional fossem ambos nulos nao haveria campo).Com efeito, dado que as linhas de campo sao circunferencias na vizinhancade um fio, a circulacao de B numa circunferencia dessa vizinhanca, dΓ =(∇ × B) · ds, deve ser proporcional a B e portanto a i. Ou seja, dado

2.4. O CAMPO MAGNETOSTATICO 17

B

i

ϕ ρ

z

x

y

ρϕz

y

x

dB

i

θ θ1 θ2

ld

i

B

b) c)a)

r"

b

ρ

Figura 2.7: Campo magnetico de um fio rectilıneo percorrido pela corrente i.a) analise de um troco de fio de comprimento ℓ; b) coordenadas e vectores; c)representacoes das linhas do campo magnetico criado pela corrente.

y

x

zidl

r’r

r" dB(r)

Figura 2.8: O campo infinitesimal, dB, criado por um elemento de corrente idℓnum ponto r. Os vectores r, r ′ e r ′′ referem-se as posicoes do ponto, do elementodo circuito e a posicao relativa r ′′ = r − r ′, respectivamente.

que a corrente e filiforme, i = j · ds, e portanto (∇ × B) ∝ j; de facto(∇ × B) = µ0j, onde a constante de proporcionalidade µ0 caracteriza aspropriedades do meio envolvente - e a permeabilidade do vazio.

Mostra-se a seguir que o campo magnetostatico e de facto solenoidal,∇ ·B = 0, e que e que ∇×B = µ0j, onde j e a densidade de corrente nesseponto. A estrutura do campo magnetico e portanto distinta da do campomagnetostatico.

2.4.3 O potencial vector

O caso mais geral em que as correntes se distribuem num certo volume (naoestao confinadas a um fio fino), deve ser tratado fazendo corresponder idℓ →

18 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

jdτ , (ver eq. 2.3).11 A eq. 2.11 fica entao dB(r) = µ0

j(r ′)×r′′

r′′2O campo total

obtem-se integrando sobre o volume,

B(r) =µ0

τ

j(r ′)× r′′

r′′2dτ ′ (2.14)

onde r′′ = r − r′, com r′′ = r′′r′′. Podemos reescrever a eq. 2.14, partindoda igualdade vectorial,12

∇×(

j(r′)

r′′

)

= ∇(1

r′′

)

× j +1

r′′∇× j (2.15)

Pelo facto de r e r′ serem variaveis manifestamente independentes, como∇ ≡ (∂x, ∂y, ∂z) e j = j(r′), entao ∇ × j = 0. Consequentemente, (ver§ 1.5.3; eq. 1.49),

∇×(

j(r′)

r′′

)

= ∇(1

r′′

)

× j = − r′′

r′′2× j (2.16)

Com base nos argumentos anteriores podemos dar a eq. 2.14 a forma13

B(r) =µ0

4π∇×

τ

j(r ′)

r′′dτ ′

Ou seja,

B = ∇×A (2.18)

com

A(r) =µ0

τ

j(r ′)

r′′dτ ′ + const (2.19)

11Se as correntes fossem superficiais seria idℓ = kds e portanto B = µ0

Sk×r′′

r′′2 ds′.12Se f for escalar e A vectorial, ∇× (f A) = ∇f ×A+ f ∇×A, (ver apendice A).13Repare-se no paralelismo com o campo eletrostatico de uma distribuicao de cargas com

densidade ρ, espalhada num volume τ , (ver § 1.5.3): como E(r) = 14πǫ0

τρ(r ′) r′′

r′′2 dτ′;

como ∇(

1r′′

)= − r′′

r′′2 (ver eq. 1.34); e visto que r e r′ sao variaveis independentes, que

∇ ≡ (∂x, ∂y, ∂z) e que ρ = ρ(r′), entao E(r) = 14πǫ0

∇∫

τρ(r ′)r′′ dτ ′ = −∇V , onde

V (r) =1

4πǫ0

τ

ρ(r ′)

r′′dτ ′ + const (2.17)

2.4. O CAMPO MAGNETOSTATICO 19

O vector A e o potencial vector da distribuicao de correntes e correspondeao potencial eletrostatico (ou potencial escalar) de uma distribuicao de car-gas.

Uma consequencia direta da eq. 2.18, que advem da identidade vectorial∇· (∇×A) = 0, (ver apendice A), e que, independentemente de quais sejamas distribuicoes de correntes,

∇ ·B = 0 (2.20)

Isto e, o campo magnetostatico e um campo solenoidal em cada ponto, sendoesta lei conhecida como lei de Gauss da magnetostatica ou tambem segundaequacao de Maxwell.

Escolha de gauge

Se adicionarmos ao potencial vector da eq. 2.19 o gradiente de uma funcaoqualquer obtemos ainda o mesmo campo fısico, B, ja que pois ∀f : ∇×∇f =0. Por conseguinte, a expressao mais geral de A e,

A(r) =µ0

τ

j(r ′)

r′′dτ ′ +∇f (2.21)

onde f e uma funcao bem comportada, mas arbitraria. Ou seja, assim como opotencial escalar, V , e sempre definido a menos de uma constante arbitraria,poisE = −∇V = −∇(V +const.), assim tambem o potencial vector e sempredefinido a menos do gradiente de uma funcao arbitraria, bem comportada,pois B = ∇× (A+∇f) = ∇×A.

Conclui-se assim que e intrınseca a teoria a liberdade de adicionar umgradiente ao potencial vector, sem que com isso se alterem as propriedadesdo campo fısico, B. Esta liberdade permite que se escolham algumas carac-terısticas do potencial vector. Por exemplo, podemos considerar para todosos efeitos, e sem perda de generalidade, que o potencial vector tem divergencianula em todos os pontos. Com efeito, se A′ for, por hipotese, um potencialcom ∇ · A′ 6= 0, entao adicionando a A′ o gradiente de uma funcao, f , talque A = A′ +∇f , obtem-se

∇ ·A = ∇ ·A′ +∇2f

Se f for escolhida como solucao da equacao ∇2f = −∇ ·A′ entao ∇·A = 0,

20 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

(i.e., A e solenoidal).14 Em qualquer caso, o campo, B = ∇ × A, e alheioa questao da escolha arbitraria de f , obtendo-se as mesmas solucoes fısicaspara o campo B, independentemente de f .

Conforme o teorema de Helmholtz, para definir A sao necessarios a di-vergencia e o rotacional; a equacao B = ∇×A fixa o rotacional de A masnada diz quanto a sua divergencia e podemos por isso fixa-la como for maisconveniente (tal como se escolhem as coordenadas mais adequadas para de-screver um problema). Esta liberdade de escolha da divergencia do potencialA, e conhecida como escolha de gauge ou de padrao. No chamado gauge deCoulomb faz-se

∇ ·A = 0 (2.22)

Aplicando a divergencia a eq. 2.21, dado que r e r′ sao variaveis indepen-dentes, tem-se

∇ ·A(r) =µ0

τ∇ ·

(

j(r ′)

r′′

)

dτ ′ +∇2f (2.23)

Se a divergencia fosse em ordem as variaveis r′ poder-se-ia aplicar aqui oteorema de Gauss. Contudo, como j = j(r′) e r′′ = r − r′, entao ∂xr

′′ =−∂x′r′′, etc... e ∇ · j(r′) = 0 e podemos escrever

∇ ·(

j(r ′)

r′′

)

= −∇′ ·(

j(r ′)

r′′

)

+∇′ · jr′′

onde ∇ ≡ (∂x, ∂y, ∂z) mas ∇′ ≡ (∂x′ , ∂y′ , ∂z′), i.e., ∇′ opera sobre as variaveisr′.

No regime estacionario ∇′ · j(r′) = 0 e o integral de volume da eq. 2.23converte-se num integral sobre a superfıcie, atraves do teorema de Gauss-Ostrogradsky, ficando

∇ ·A(r) =µ0

S

j · dsr′′

+∇2f

onde S e a superfıcie do volume em que ha correntes. Todavia, o integral devolume da eq. 2.23 pode de facto ser estendido para alem da regiao em que

14A funcao f que torna solenoidal um potencial A′ e solucao da equacao ∇2f = −∇·A′.

Trata-se de uma equacao de Poisson, cuja solucao e f = 14π

τ∇·A′

r dτ ; (veja-se que a

equacao ∇2V = −ρǫ tem como solucao V = 1

4πǫ

τρrdτ). Se A′ for bem comportada f

existe e e unica (teorema da unicidade).

2.4. O CAMPO MAGNETOSTATICO 21

ha correntes e incluir todo o espaco, pois j = 0 em todos os pontos em quenao ha correntes. Mas entao isso significa (supondo que as correntes estaonuma regiao finita) que j = 0 em todos os pontos da superfıcie S do integralanterior e que ele e nulo. Portanto, no regime estacionario,

∇ ·A(r) = ∇2f

A escolha da condicao ∇ · A = 0 implica portanto que ∇ · (∇f) = 0, i.e.,que o gradiente, ∇f , nao diverge de nenhum ponto do espaco. Ademais,∇f =constante em infinito, tal como A, ja que o infinito esta por definicaoequidistante de qualquer ponto da regiao finita onde ha correntes.15 Porconsequencia, ∇f =constante em qualquer ponto do espaco e, portanto, aeq. 2.21 fica,

A(r) =µ0

τ

j(r ′)

r′′dτ ′ + const. (2.24)

Em suma, em condicoes estacionarias, o potencial vector esta definido emqualquer ponto a menos de uma constante, tal como o potencial escalar. Essaconstante pode em geral ser ignorada, fazendo o potencial nulo no infinito.

O regime estacionario

A equacao 2.24 e formalmente semelhante a expressao do potencial elet-rostatico, considerando per se cada uma das componentes cartesianas dovector A. Visto que a expressao 2.17 e a solucao da equacao de Pois-son, ∇2V = − ρ

ǫ0, entao tambem as componentes do potencial vector,

A = Ax x+ Ay y + Az z, sao solucoes das equacoes,

∇2Ax = −µ0jx∇2Ay = −µ0jy∇2Az = −µ0jz

(2.25)

as quais se podem exprimir numa unica equacao vectorial,

∇2A = −µ0j (2.26)

15Uma funcao que e constante em todos os pontos da fronteira do seu domınio e quenao diverge em nenhum ponto, nao tem qualquer maximo ou mınimo e, portanto, so podeser constante e igual ao valor na fronteira.

22 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

Esta equacao diz-nos que, em regime estacionario, o potencial vector satisfaza equacao de Poisson em cada ponto.

As equacoes anteriores tem grande relevancia para o calculo dos camposmagnetostaticos. Com efeito, se forem conhecidas as correntes e as condicoesde fronteira nos limites do domınio da funcao A, em princıpio podemosintegrar a equacao diferencial (vectorial) 2.26 e calcular a funcao A. Ocampo B obtem-se entao diretamente, derivando A, como B = ∇ ×A. Opotencial vector esta portanto para a magnetostatica tal como o potencial Vesta para a eletrostatica.

Os problemas mais complicados da magnetostatica, tal como os da elet-rostatica, resolvem-se integrando numericamente a equacao de Poisson. To-davia, no caso do potencial A falamos agora de tres equacoes diferenciais,uma para cada componente do vector. Estas equacoes estao geralmenteacopladas por via das condicoes de fronteira do campo, na forma de condicoesfronteira de Neumann (ver § 1.7 e § 2.9.2). Isto significa que em geralum problema de magnetostatica e deveras mais complicado que um de elet-rostatica.16

A lei de Ampere

Considerando a identidade vectorial, ∇ × ∇ × A = ∇(∇ · A) − ∇2A, (verapendice A), e a eq. 2.26 do regime estacionario, podemos exprimir o rota-cional do campo B na forma,

∇×B = µoj +∇(∇ ·A)

Todavia, como no gauge de Coulomb A solenoidal, ∇ ·A = 0, entao

∇×B = µ0j (2.27)

Esta e a forma local da lei de Ampere e e valida para qualquer distribuicaode correntes, no regime estacionario. E tambem conhecida como quartaequacao de Maxwell.

16Por ser matematicamente mais simples, por vezes calcula-se o campo B recorrendoa um potencial escalar, Λ, que apenas pode ser definido nas regioes sem correntes, ondej = 0 e, portanto, ∇×B = 0. Nesse caso pode-se escrever B = ∇Λ, sendo Λ uma funcaoque satisfaz a equacao de Laplace, ∇2Λ = 0, tal como na eletrostatica. As condicoes defronteira sao contudo mais complicadas que na eletrostatica. Todavia, nao trataremos deaplicar essas tecnicas.

2.4. O CAMPO MAGNETOSTATICO 23

Concluımos pois, em suma, que as equacoes diferenciais do campo mag-netostatico sao

∇ ·B = 0∇×B = µ0j

(2.28)

Estas equacoes sao suficientes para definir o campo, nos termos do teoremade Helmholtz.

As equacoes integrais do campo B, correspondentes as equacoes diferen-ciais 2.28, obtem-se aplicando os teoremas de Gauss-Ostrogradsky e Stokes,respectivamente. De imediato se conclui que,17

S B · ds = 0 (lei de Gauss)∮

C B · dℓ = µ0i (lei de Ampere)(2.29)

Estas equacoes dizem-nos que: i) o fluxo total do campo B atraves de umasuperfıcie arbitraria fechada e sempre nulo e que, ii) a circulacao do campoB ao longo de um percurso fechado arbitrario e igual a soma de todas ascorrentes que atravessem a area abracada por esse contorno, a multiplicarpela permeabilidade do vazio. A lei de Ampere e muito util no calculo docampo magnetostatico em situacoes que, pela sua elevada simetria, permi-tam antecipar algumas caracterısticas do campo, B, e extrai-lo a priori dointegral da eq. 2.29b, (a semelhanca da lei de Gauss da eletrostatica com ocampo E).

2.4.4 Condicoes de fronteira do campo B

Apesar de suficientes, nas equacoes locais do campo, 2.28, nao tem qualquerreferencia a correntes superficiais. Havendo tais correntes o seu efeito naoesta portanto contemplado nessas equacoes, sendo necessario considerar ex-plicitamente as condicoes de fronteira, em todas as superfıcies em que elasexistam. Com efeito, em superfıcies em que haja descontinuidades do campoB, as equacoes 2.28 nao se aplicam e e necessario considerar as condicoes defronteira de B.

17No caso da lei de Ampere,

C

B · dℓ =

S

∇×B · ds = µ0

S

j · ds = µ0i

onde i e a corrente total que atravessa a superfıcie com contorno, C.

24 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

Seja a superfıcie de descontinuidade, Ψ, da figura 2.9, percorrida por umacorrente superficial de densidade k = di

dℓ⊥. As eqs. 2.28 nao sao validas em

pontos da superfıcie, mas podemos aplicar as equacoes integrais, 2.29, emvolumes e superfıcies da regiao de Ψ. Considerando um percurso C quecruza a superfıcie em dois pontos, como representado na fig. 2.9, no limiteem que ele contacta a superfıcie, tem-se

limh→0

CB · dℓ = µ0

i = µ0kℓ⊥

Ora, como se ve na fig. 2.9, ℓ⊥ = ℓ · (k × n), entao

(B+ −B−) · ℓℓ = µ0k(k × n) · ℓℓ

onde B+ e B− sao os limites do campo, do lado da superfıcie para ondeaponta n e do lado oposto, respectivamente (ver fig. 2.9). Por conseguinte,como ℓ e qualquer, sem qualquer relacao com B, entao, necessariamente,B+ −B− = µ0k(k × n). Ou seja, como n× (k × n) = k, entao

n× (B+ −B−) = µ0k (2.30)

Por outro lado, aplicando a lei de Gauss na vizinhanca da superfıcie Ψ(ver fig. 2.10), tem-se

limh→0

SB · ds = n · (B+ −B−) = 0

As equacoes que descrevem o campo magnetostatico, incluindo as respec-tivas condicoes de fronteira em todas as superfıcies onde existam correntessuperficiais, sao pois

∇ ·B = 0∇×B = µ0j

e

divSB = n · (B+ −B−) = 0rotSB = n× (B+ −B−) = µ0k

(2.31)

2.5 Fluxo magnetico e indutancia

O fluxo do campo magnetico, B, atraves de um elemento de superfıcie ds edefinido como dΦ = B · ds. O fluxo atraves de uma superfıcie, S, e pois

Φ =∫

SB · ds =

S(∇×A) · ds

2.5. FLUXO MAGNETICO E INDUTANCIA 25

nl^

k

⊥ll

a) b)

n

B+

hl

k

B_

l⊥ ΨC

Figura 2.9: Circulacao do campo B na vizinhanca de uma superfıcie de fronteira,Ψ, em que corre uma corrente superficial com densidade k. a) os vectoresB+ eB−

sao os limites do campo de um e do outro lados da superfıcie; b) representacao daprojecao vertical do contorno C. Note que: ℓ⊥ = ℓ · (k× n), e que n× (k× n) = k.

n

h

B+

sd

sdB_

Figura 2.10: Fluxo do campo B atraves de uma superfıcie S, na vizinhanca dasuperfıcie de fronteira, Ψ, na qual corre uma corrente k, no limite h → 0.

26 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

y

z

x

C

C’

B

dl’

r’ rr"

A(r)dl

i

B

B

Figura 2.11: Circulacao do potencial vector, A, num contorno C, em que o campoe criado por um circuito C ′, com corrente i.

S

i C

BB

B

Figura 2.12: O fluxo do campo magnetico atraves da area do proprio circuito queo gera e proporcional a indutancia desse circuito, Φ = Li, onde L e a indutancia.

Considerando o teorema de Stokes, conclui-se assim que

Φ =∮

CA · dℓ (2.32)

Ou seja, o fluxo do campo B atraves de uma superfıcie aberta qualquer eigual a circulacao do potencial vector ao longo do contorno que delimita essasuperfıcie (ver fig. 2.11).

Considere-se que um circuito electrico, C, e percorrido por uma correntei. O campo criado por este circuito e proporcional a corrente i, em qualquerponto do espaco. Considere-se em particular a area delimitada por essecircuito, (fig. 2.12). O fluxo atraves da area, S, delimitada pelo circuito,Φ =

S B · ds, ha de pois ser proporcional a corrente que o percorre, poisassim e com o campo; isto e, Φ ∝ B ∝ i. Esta proporcionalidade costumaser escrita na forma

Φ = Li (2.33)

2.5. FLUXO MAGNETICO E INDUTANCIA 27

y

z

l’

x

C

rr’r"

θ′

d iA(r)d

Figura 2.13: O potencial vector devido a um circuito filiforme, C, com correntei, num ponto r.

onde a constante L e a indutancia do circuito, tambem chamada de autoin-dutancia. A indutancia tem, na magnetostatica, papel analogo ao que tem acapacidade na eletrostatica.18

O potencial vector criado por um fio fino percorrido por uma correnteestacionaria, i, e dado pela eq. 2.19, fazendo j dτ ′ = i dℓ′, (ver eq. 2.3),

A(r) =µ0i

C

dℓ′

r′′(2.34)

onde r′′ = r−r′, (ver fig. 2.13). Inserindo esta expressao na eq. 2.32 obtem-se

Φ =∮

CA · dℓ =

µ0i

C

C

dℓ · dℓ′r′′

ou seja, a indutancia, L, do circuito tem a forma

L =µ0

C

C

dℓ · dℓ′r′′

(2.35)

Esta expressao poe em evidencia o caracter eminentemente geometrico daindutancia (ver fig. 2.14). A equacao permite calcular a indutancia de qual-quer circuito. Porem, geralmente e mais conveniente calcular a indutancia apartir da energia magnetica, como se vera adiante (eq. 2.48.

Indutancia mutua

Sejam dois circuitos C1 e C2 (ver fig. 2.15). Em cada ponto do espaco, ocampo e a soma dos campos B1 e B2 criados por C1 e C2, respectivamente.

18A indutancia mede-se no sistema S.I. em henry (i.e., em volt.segundo/ampere).

28 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

y

z

x

rr"

A(r)

iC

r’

l

l’d

d

Figura 2.14: A indutancia e um parametro puramente geometrico do circuito,

L = µ0

C

Cdℓ·dℓ

r′′.

dl2

ld 1

C

B

11i

r12

B

i2C2

Figura 2.15: Acoplamento eletromagnetico entre dois circuitos, C1 e C2. O fluxomagnetico do campo criado por um circuito que passa atraves da area do outrocircuito e proporcional a indutancia mutua: Φ1→2 = Φ12 = Mi1 e Φ2→1 = Φ21 =Mi2.

2.5. FLUXO MAGNETICO E INDUTANCIA 29

O fluxo de B1 que passa atraves da superfıcie S2 do circuito C2 e

Φ12 =∫

S2

B1 · ds =∮

C2

A1 · dℓ2, com A1 =µ0

4πi1

C1

dℓ1r12

Ou seja,

Φ12 =µ0

C1

C2

dℓ1 · dℓ2r12

︸ ︷︷ ︸

M12

i1 = M12 i1 (2.36)

Por seu lado, o fluxo de B2 atraves da superfıcie S1 do circuito C1 e Φ21 =∫

S1B2 · ds e, portanto,

Φ21 =µ0

C1

C2

dℓ1 · dℓ2r12

︸ ︷︷ ︸

M21

i2 = M21 i2 (2.37)

A quantidade M12 = M21 = M e a indutancia mutua dos dois circuitos. Eevidente nas equacoes anteriores que a indutancia mutua e tambem, tal comoL, um fator puramente geometrico do sistema de circuitos.

As equacoes 2.36 e 2.37 evidenciam uma propriedade de reciprocidadeespantosa e sao conhecidas como formulas de Neumann.

Formula de Neumann. Independentemente das formas dos circuitos, dasua orientacao e da posicao relativa entre eles, o fluxo criado pelo circuitoC1 no circuito C2 quando em C1 passa a corrente i e igual ao fluxo que ocircuito C2 cria em C1 se em C2 passar a mesma corrente.

Designe-se por Φ11 o fluxo de B1 atraves da area de C1 e por Φ22 o fluxode B2 em C2, (ver fig. 2.15). Visto que nem todas as linhas de campo quepassam em C1 atravessam necessariamente a area de C2, o fluxo Φ12 e emgeral apenas uma fraccao, f1, do fluxo Φ11, (analogamente para o circuitoC2). Isto e, em geral,

Φ12 = f1Φ11

Φ21 = f2Φ22

onde Φ11 = L1i1; Φ22 = L2i2; Φ12 = Mi1 e Φ21 = Mi2. Por conseguinte,

Mi1 = f1L1i1Mi2 = f2L2i2

30 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

drd

ldiξ

id

ls

d

rd

B

a) b)

CS

Figura 2.16: O elemento de corrente idℓ tem um deslocamento dr no intervalo detempo dt. a) durante esse tempo, o elemento de corrente varre a area ds; b) nessetempo o deslocamento de cada carga e dξ = dr + dℓ.

e, portanto, M = f1L1 = f2L2. Ou seja,

M =√

f1f2√

L1L2 (2.38)

O coeficiente f =√f1f2 e o chamado fator de acoplamento entre os dois

circuitos. Este fator, f ≤ 1, mede as perdas de fluxo no acoplamento entreos dois circuitos; se nao houver perdas de fluxo, entao f = 1 e M =

√L1L2.

Os efeitos de perda de fluxo magnetico sao sobremaneira importantes naeficiencia dos chamados circuitos magneticos, mormente em transformadoreselectricos, motores, geradores, etc... Com efeito, como veremos, fluxo e en-ergia!

2.6 A energia magnetostatica

Aceita-se facilmente a priori que uma corrente electrica tem energia. Im-porta portanto analisar a energia de um circuito, em particular que energia enecessario por num circuito ideal (sem resistencia) ate que nele circule umacorrente estacionaria, i, partindo de uma corrente inicial nula.

Supomos que no circuito da fig. 2.16 circula uma corrente constante, i, emregime estacionario e que o circuito e atravessado por um campo magnetico,B. Sobre o elemento diferencial do circuito, dℓ, atua entao a forca de Laplace,dF = idℓ×B.

Suponha-se agora que se desloca o circuito e que, num intervalo de tempodt, o elemento dℓ passa de r para r + dr. Nesse percurso elementar a forca

2.6. A ENERGIA MAGNETOSTATICA 31

dF anterior realiza o trabalho dW = dF ·dr. Considerando o produto triplovectorial,19 conclui-se que

dW = i(dℓ×B) · dr = iB · (dr × dℓ)︸ ︷︷ ︸

ds

= iB · ds = i dΦ (2.39)

Isto e, o trabalho realizado e igual a variacao do fluxo do campo magneticoatraves da area do circuito. Variar o fluxo custa energia!

A situacao e, porem, mais subtil do que aparenta. Ao provocar o deslo-camento dr, cada carga nao se desloca dℓ, mas, de facto, dξ = dℓ + dr (verfig. 2.16b). Se u for a velocidade das cargas em relacao ao fio e v a velocidadede deslocamento do fio, entao dℓ = u dt e dr = v dt e a velocidade das cargas

em relacao ao campo B e dξdt

= u + v. A forca magnetica de Lorentz sobredq e portanto, de facto,

dFm = dqu×B + dqv ×B =dq

dtu dt×B +

dq

dtv dt×B

= idℓ×B︸ ︷︷ ︸

dF

+ idr ×B︸ ︷︷ ︸

dF

No intervalo de tempo, dt, a forca magnetica, dFm, realiza o trabalho,dWtot = dFm · dξ,

dWtot = i(dℓ×B) · dr + i(dr ×B) · dℓ = 0 (2.40)

pois (dr × B) · dℓ = (B × dℓ) · dr). Isto e, as duas parcelas da equacaoanterior sao simetricas uma da outra. Nao e surpresa que assim seja, pois jaantes tınhamos visto que a forca magnetica total nao realiza trabalho sobreas cargas em que atua!, (ver § 2.4.1).

Como a primeira parcela da eq. 2.40 e igual a idΦ (ver eq. 2.39), conclui-seque,

dF · dℓ = −i dΦ (2.41)

Isto e, enquanto que dF ⊥ dℓ; a forca dF tem, como se ve, uma componenteao longo do fio, positiva ou negativa dependendo da variacao de fluxo queocorrer, dΦ. Isto significa que para manter as condicoes estacionarias dosistema, (i.e., para manter a corrente constante enquanto varia o fluxo), e

19Produto triplo escalar:a · (b× c) = c · (a× b) = b · (c× a).Produto triplo vectorial:a× (b× c) = b(a · c)− c(a · b).

32 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

necessario contrariar a forca dF e injetar no sistema a energia correspondenteao trabalho desta forca. Assim, se o fluxo magnetico atraves do circuito variarmantendo as condicoes estacionarias, ha seguramente uma “mao invisıvel”que mantem essas condicoes, transferindo para o sistema a energia necessaria.

Na verdade, a variacao de fluxo nao tem que resultar de movimento do cir-cuito, como acima consideramos. E equivalente considerar o circuito paradoe ter as fontes do campo B a moverem-se com a mesma velocidade em sen-tido contrario (so importa o movimento relativo entre o circuito e o campo).E tambem equivalente a situacao em que tudo esta parado, mas em que ocampo B varia com o tempo de modo exato a dar a mesma variacao defluxo atraves do circuito.20 As tres situacao sao fisicamente equivalentes eindistinguıveis, o que releva e a variacao de fluxo.

Num intervalo de tempo dt, a forca dF realiza o trabalho, dW = −dq

dtdΦ.

Ou seja, o trabalho realizado por unidade de carga ao longo do fio e

E =dWdq

= −dΦ

dt(2.42)

Ao trabalho realizado por unidade de carga ao longo do circuito chama-seforca electromotriz - esta equacao e a famosa lei de Faraday/Lenz.

No caso particular em que o campo B e criado pelo proprio circuito, ofluxo que o atravessa e Φ = Li, (L e uma constante do circuito). Suponha-se que no instante em que se liga o interruptor a corrente inicial e zero eque ela vai aumentando, em incrementos sucessivos, di = di

dtdt, em condicoes

quase estacionarias. Ao incrementar a corrente de i → i + di, o fluxo variade dΦ = Ldi e, portanto, tem que ser realizado sobre o sistema o trabalhodW = idΦ = Li di. Ou seja, o trabalho total que tem que se realizar ate tera corrente i e

W =∫ i

0iLdi =

Li2

2(2.43)

Esta e a forma habitual de expressar a energia armazenada num circuitoindutivo, com indutancia L.

A expressao anterior pode tambem ser escrita comoW = 12iΦ e, portanto,

da eq. 2.32 vem

W =1

2i∮

CA · dℓ (2.44)

20Um observador cego, sentado em cima do circuito nao tem forma de saber por quevaria o campo na area do circuito, se e porque as fontes que o criam se estao a mover ouse e a intensidade das fontes que esta a variar com o tempo.

2.6. A ENERGIA MAGNETOSTATICA 33

No caso mais geral, em que as correntes se espalham por um volume τ , taisque, em cada ponto, idℓ → j dτ , entao

W =1

2

τA · j dτ (2.45)

Este integral da-nos a energia de qualquer distribuicao de correntes (e validaate mesmo na mecanica quantica!).

E conveniente porem expressar a energia da distribuicao de correntesapenas em funcao dos campos. O integral 2.45 pode ser estendido a todo oespaco, ja que e nula a contribuicao para o integral de pontos onde j = 0.Como ∇×B = µ0j, entao

W =1

2µ0

τA · (∇×B) dτ

A simplificacao deste integral passa por escreve-lo em termos de uma di-vergencia, gracas a identidade vectorial∇·(A×B) = B·(∇×A)−A·(∇×B),(ver apendice A), de modo a converte-lo depois num integral de superfıcie,pelo teorema da divergencia. Assim,

A · (∇×B) = B · (∇×A)−∇ · (A×B) = B2 −∇ · (A×B)

ja que B = ∇ × A. Entao, usando o teorema da divergencia sobre todo oespaco, com τ → ∞, tem-se

W = 12µ0

τ B2dτ − 1

2µ0

τ ∇ · (A×B)dτ

= 12µ0

τ B2dτ − 1

2µ0

S(A×B) · ds

︸ ︷︷ ︸

ց0

Os integrais anteriores sao integrais estendidos a todo o espaco: - o primeirointegra todos os pontos ate infinito, mas o segundo integra apenas pontosde infinito, sobre a superfıcie S, em r ∼ ∞. O infinito esta por definicaoequidistante de qualquer ponto, pois qualquer regiao finita de cargas ou cor-rentes tem, nessa escala, a dimensao de um ponto. Isto e, nesse limite, S euma esfera de raio r, em que r → ∞, e ds = r2 sin θ dθdϕ. La longe, sobrea superfıcie S, com as correntes circunscritas a vizinhanca de um ponto, ocampo varia como B ∼ 1

r2; A ∼ 1

re, portanto,

limr→∞

S(A×B) · ds = lim

r→∞

S

1

r

1

r2r2 sin θ dθdϕ = 0

34 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

Por conseguinte, a energia de uma distribuicao de correntes, que gera novazio o campo magnetostatico B, e dada pelo integral

Um =1

2µ0

τB2dτ (2.46)

A correspondente densidade de energia magnetica em cada ponto do espaco,um = dUm

dτ, e, portanto,

um =1

2µ0

B2 (2.47)

Ou seja, isto significa que em cada ponto do espaco onde ha campo

magnetico ha energia, com densidade proporcional ao quadrado do campo.Repare-se na semelhanca formal evidente que existe entre as densidades de

energia magnetostatica e eletrostatica em relacao aos respectivos campos. Defacto, ate podıamos ter antecipado este resultado, pois, como dissemos atras,o campo magnetostatico que observamos no nosso referencial do laboratorioe afinal uma manifestacao do campo eletrostatico criado no referencial dascargas paradas (em que nao ha corrente). Nao surpreende portanto queambos os campos tenham uma relacao similar com a energia em cada ponto.

A eq. 2.46 e uma relacao muito util para calcular a indutancia de umcircuito. A energia magnetica total, em todo o espaco, e

Um =1

2µ0

τB2dτ =

Li2

2(2.48)

Podemos pois extrair imediatamente a indutancia, L, de um qualquer cir-cuito, contando que se conhece o campo magnetico, B, que ele cria em cadaponto do espaco e o respectivo integral.

2.7 Expansao multipolar do potencial vector

No paragrafo § 1.5.9 vimos que, fora da regiao de cargas, o potencial escalar,V , criado por uma distribuicao de cargas, se pode expandir numa serie determos multipolares em pontos afastados da regiao em que elas estao. Porigual razao, o potencial vector, A, tambem pode ser expandido dessa forma,m pontos longe da regiao das correntes que o originam.

Seja o circuito, C, da fig. 2.14. A eq. 2.34 diz-nos que,

A(r) =µ0i

C

dℓ′

r′′

2.7. EXPANSAO MULTIPOLAR DO POTENCIAL VECTOR 35

com r ′′ = r−r ′. Considerando a expansao do quociente 1r′′, (ver § 1.5.9) em

serie de Taylor, (em potencias de r′

r), pode-se entao escrever, fora da zona de

correntes, em pontos r ≫ r′, que

A(r) =µ0i

∞∑

n=0

1

rn+1

C(r′)n Pn(cos θ

′)dℓ′ (2.49)

onde θ′ e o angulo entre r e r′. Ou seja, concretizando, em pontos tais quer ≫ r′, o potencial A e

A(r) =µ0i

1

r

Cdℓ′

︸ ︷︷ ︸

monopolo

+1

r2

Cr′ cos θ′dℓ′

︸ ︷︷ ︸

dipolo

+1

r3

Cr′2(3

2cos2 θ′ − 1

2

)

dℓ′

︸ ︷︷ ︸

quadrupolo

+ · · ·

(2.50)A primeira parcela e nula, pois

C dℓ′ = 0. Isto significa que, pelo menosno ambito desta teoria, nao ha monopolos magneticos.21 Consequentemente,o primeiro elemento nao nulo da serie - i.e., o termo mais importante - e otermo dipolar. O dipolo magnetico e assim o elemento mais basico das fontesde campo magnetico e tem, portanto, a maior relevancia na magnetostatica.

O potencial dipolar magnetico

O termo dipolar magnetico da eq. 2.50 pode ser escrito na forma, (verfig. 2.14),

Adip =µ0i

1

r2

C(r · r ′)dℓ′

dado que r · r′ = cos θ′. O teorema de Stokes permite converter este integralnum integral sobre a superfıcie do circuito, atraves da equacao,

C f dℓ =− ∫S ∇f × ds, (ver apendice A)22 e fica

Adip =µ0i

1

r2

Sds ′ ×∇′(r · r ′)

21De facto nao esta excluıdo teoricamente que possa haver monopolos magneticos[Dirac]. Recentemente, em 2014, [nature12954] foi publicado um artigo em que se em-ulam artificialmente as condicoes de criacao de monopolos e observou-se a sua formacao.Mas na natureza jamais foram detetados.

22No teorema de Stokes,∮

CG · dℓ =

S(∇×G) · ds, se G, que e qualquer, for G = fα,

com α =constante, entao, como ∇ × (fα) = f∇ × α − α × ∇f e como, pelo produtotriplo, (α×∇f) · ds = (∇f × ds) ·α, entao

α ·∮

C

fdℓ = −α ·∫

S

(∇f × ds, ∀α

36 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

i

S

m

Figura 2.17: O dipolo magnetico elementar, m = iSn, onde n e a normal asuperfıcie da espira com o sentido dado pela regra da mao direita em relacao aosentido de circulacao da corrente.

onde o operador ∇′ opera sobre as variaveis r′. Em coordenadas cartesianas,∇′ ≡ ∑3

j=1 ∂x′

jej e (r · r ′) =

∑3i=1

xi

rx′i. Por conseguinte,

∇′(r · r ′) =1

r

3∑

i,j=1

xi

∂x′i

∂x′j

ei =1

r

3∑

i=1

xi ei = r

Ou seja, Adip =µ0i4π

1r2

S ds′ × r e, portanto,

Adip =µ0

m× r

r2, com m = iS (2.51)

onde S = Sn, sendo S a area abracada pelo circuito C e n tem o sentido dadopela regra da mao direita relativamente ao sentido de circulacao da corrente.O vector, m = iSn, e o momento dipolar magnetico do circuito. Ou seja,o momento dipolar magnetico elementar e convenientemente descrito peloproduto entre a corrente e a area que ela delimita, com direcao e sentidodados pela regra da mao direita, (ver fig. 2.17).

O termo dipolar e o termo principal da serie da eq. 2.50. Os termos deordem superior: o termo quadrupolar magnetico, octopolar magnetico, etc...vao rapidamente para zero, para distancias grandes. A sua importancia parao potencial depende da precisao com que se queira descrever o campo edas correcoes que sejam necessarias em determinada aplicacao (e.g., alguns

Por conseguinte,∮

C

fdℓ = −∫

S

(∇f × ds

onde a normal a ds tem, em cada ponto, o sentido dado pela regra da mao direita.

2.8. ENERGIA POTENCIAL DE UM DIPOLO MAGNETICO 37

equipamentos tem bobinas de correcao quadrupolar, etc...).23 Contudo, naoanalisamos aqui esses termos de ordem superior.

E instrutivo colocar lado a lado e comparar os potenciais dos dipoloselectrico e magnetico ideais, Vdip e Adip (eqs. 1.77e 2.51),

Vdip = 14πǫ0

p·r

r2(2.52)

Adip = µ0

4πm×rr2

(2.53)

A semelhanca formal entre as duas expressoes e manifesta: - ambos os po-tenciais decrescem com o quadrado da distancia e sao proporcionais aos re-spectivos momentos dipolares, conquanto um seja escalar e o outro vectorial.Os campos E e B variam tambem ambos com o cubo da distancia, e saotambem semelhantes entre si na forma,

Edip = −∇Vdip = p

4πǫ0r3(2 cos θ r + sin θ θ) (2.54)

(2.55)

Bdip = ∇×Adip = µ0m

4πr3(2 cos θ r + sin θ θ) (2.56)

Estas expressoes sao validas na aproximacao de dipolo ideal (e orientadosegundo z), em que a distancia ao dipolo e r ≫ r′, onde r′ descreve a regiao decargas ou correntes. As linhas de campo deEdip e deBdip estao representadasna fig. 2.18, lado a lado. Na fig. 2.19 representam-se, para comparacao, oscampos E e B de dipolos reais.

2.8 Energia potencial de um dipolo magnetico

Seja um dipolo magnetico constituıdo por uma espira quadrada, de lado a, napresenca de um campo magnetico externo, B, que e constante na regiao daespira.24 O plano da espira esta, por hipotese, inclinado de um angulo θ emrelacao a B, (ver fig. 2.20). A forca de Laplace (eq. 2.10) que atua sobre cadaelemento dℓ da espira e dF = idℓ×B. As forcas nos lados (3) e (4) cancelam-se mutuamente, porque sao opostas; as outras forcas constituem um binario

23Por exemplo, o campo magnetico da Terra e aproximadamente dipolar, tem polos Ne S. Todavia, uma descricao mais fina do campo magnetico terrestre requer a inclusao demais termos da serie multipolar, dependendo da precisao da aproximacao.

24Uma espira com forma arbitraria pode ser considerada como uma soma de espiras in-finitesimais (ver fig. 2.20); os argumentos apresentados para uma espira elementar tambemse lhe aplicam.

38 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

a) b)

E B

Figura 2.18: Linhas de campo de E e B no plano xy, criados por dipolos ideais

com direcao/sentido z: a) dipolo electrico e b) dipolo magnetico.

_

+

_

+

a) b)

Figura 2.19: Linhas de campo de E e B no plano xy, criados por dipolos reais

com direcao/sentido z: a) dipolo electrico e b) dipolo magnetico.

2.8. ENERGIA POTENCIAL DE UM DIPOLO MAGNETICO 39

x

b)a)

(4)

(1)

(2)(3)

θ

r

r

Fi

i

F

mz

y

θ

F

B

iF

B

F

B

Fi

i

i

m

B

θ

Figura 2.20: Uma espira quadrada, com corrente, i, posta na presenca de umcampo magnetico externo, B, fica sujeita a um binario de forcas. a) representacaoem perspetiva; b) representacao da projecao yz.

de forcas, cujo momento e N = 2 (r × F ) = aF sin θ x = ia2B sin θ x, poisr = a/2. Ou seja,

N = m×B (2.57)

O dipolo magnetico fica sujeito a um binario de forcas. Esta expressao evalida para qualquer momento dipolar pois, em princıpio qualquer dipolopodera ser decomposto numa soma de espiras infinitesimais, sendo entaoN =

dN =∫

dm×B.

A merce do binario de forcas anterior, o dipolo tende a rodar na direcaodo campo B e podemos-lhe portanto associar uma energia potencial. Aenergia potencial de orientacao do dipolo magnetico relativamente ao camporelaciona-se com o trabalho das forcas do binario. Ora, o trabalho que erealizado pelas forcas de um campo e sempre feito a expensas da energiapotencial, U , que por isso baixa. Assim, num percurso elementar, dλ, tem-se−dU =

∑F · dλ.

Sob efeito do binario de forcas, se o dipolo da fig. 2.21 rodar um angulodθ em torno do eixo x, tal que θ → θ + dθ, com dθ < 0, os lados (1) e (2)movem-se, qualquer deles, uma distancia, dλ = −rdθ, (note que dθ < 0,ver fig. 2.21). Considerando o trabalho das duas forcas do binario, temos

40 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

λd

z

y

θ

θ

θd

d B

B

F i

Fi

r

r

m

θ

Figura 2.21: Rotacao de um momento magnetico m colocado na presenca de umcampo B.

i F i · dλi = −2Fr dθ sin θ = Fa sin θ dθ = −ia2B sin θ dθ. Ou seja,25

dU = mB sin θ dθ

Integrando esta equacao tem-se,∫ 0θ dU = U(0) − U(θ) = mB cos θ − mB.

Ora, como esta igualdade e valida para qualquer angulo θ, entao deve serU(θ) = −mB cos θ (e U(0) = −mB). Isto e, a energia potencial de um

25De facto, o deslocamento do fio da espira significa que cada carga tem o deslocamentodℓ → dξ = dℓ+ dλ e, portanto, dF → dFm = dF + dF , onde dF = idλ×B. O trabalhoda forca de Lorentz, dFm, e nulo, pois, de facto,

dWtot = dFm · dξ = dF · dλ+ i(dλ×B) · dℓ = 0

(ver § 2.6). A primeira parcela corresponde ao trabalho das forcas do binario. A segundaparcela representa o trabalho da componente da forca dF na direcao da corrente; o quesignifica que esta parcela altera a corrente, (porque acelera as cargas). Por conseguinte,se a espira rodar a corrente varia, facto que nao surpreende, ja que se da uma variacaodo fluxo do campo magnetico atraves da espira quando esta roda, (ver eq. 2.39). Aosupor que a espira tem corrente, i, constante, esta-se pois, implicitamente, a assumir quee transferida para o sistema a energia necessaria para manter as condicoes estacionarias(ver a discussao em § 2.6). Por isso, em condicoes estacionarias, o que releva e de factoimporta e o trabalho das forcas do binario.Em face destas conclusoes e evidente que um momento magnetico que e constante so

pode rodar no campo se efetivamente trocar energia com o meio exterior (e.g., se o dipolofor uma espira de corrente, ou um enrolamento, a corrente so se mantem constante quandoroda se lhe for injetada potencia a partir de uma fonte externa; no fim de contas e issoque se faz num motor eletrico).

2.9. MEIOS MAGNETICOS 41

dipolo magnetico, m, na presenca de um campo, B, e

U = −m ·B (2.58)

A energia potencial e portanto mınima quando o dipolo se orientar no sentidodo campo. Porem, tal so acontece se ele trocar energia com o meio envolvente,porque tem que haver conservacao de energia, de contrario ficara a precessarem torno da direcao do campo, como faz um piao.26

Em suma, de modo analogo ao que se verifica com um dipolo electrico,um dipolo magnetico na presenca de um campo magnetico tem uma energiapotencial de orientacao e sente um binario os quais sao dados respectivamentepelo produto escalar e pelo produto vectorial entre o momento dipolar e ocampo.

Se o campo B for uniforme, a forca total sentida pelo dipolo magneticoe nula. Nao sendo esse o caso, dado que F = −∇U , entao

F = ∇(m ·B) (2.59)

Dado que o campo B e criado por correntes que estao algures, afastadasdo dipolo, entao, no regime estacionario, ∇×B = 0 e a expressao anteriorreduz-se27 a F = (m · ∇)B, (cf. com a expressao analoga para o dipoloelectrico).

2.9 Meios magneticos

Ummaterial a que seja aplicado um campo magnetico exterior evidencia sem-pre algum tipo de comportamento magnetico, mais ou menos pronunciadodependendo das suas caracterısticas especıficas.

Em geral, no que concerne ao magnetismo, os materiais classificam-se emtres grandes categorias, consoante a resposta que tem a um campo magnetico

26E a minimizacao de energia que faz que a agulha de uma bussola (que e um dipolomagnetico), se oriente no sentido das linhas do campo magnetico da Terra (sem nen-hum atrito a agulha ficaria a oscilar indefinidamente em torno do N). Na ressonanciamagnetica nuclear (NMR) os dipolos magneticos nucleares sao solicitados por um campomagnetico exterior muito forte. Uma onda electromagnetica enviada do exterior interage,em condicoes ressonantes, com os dipolos e promove o seu alinhamento na direcao docampo, ao estimular a libertacao da energia dipolar magnetica na forma de uma ondaelectromagnetica. Esta ultima permite fazer uma imagem das condicoes locais do meio,com eventual interesse medico. E neste princıpio que se baseia toda a imagiologia de NMR.

27Note que ∇(a · b) = a× (∇× b) + b× (∇× a) + (a · ∇)b+ (b · ∇)a

42 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

externo: i) diamagneticos; ii) paramagneticos ou iii) ferromagneticos (in-cluindo nestes os antiferromagneticos, incluindo os ferrimagneticos).

O comportamento magnetico e determinado primeiramente pela ex-istencia de dipolos magneticos no meio material, quer eles sejam induzidospor um campo magnetico exterior ou sejam intrınsecos a propria naturezadesse material.

Do ponto de vista macroscopico podemos pois descrever o magnetismo deum material a partir da respectiva densidade de dipolos magneticos, indepen-dentemente da origem, natureza ou causa desses dipolos. E pois adequadodefinir a magnetizacao igual a densidade dipolar magnetica,

M =dm

dτ(2.60)

Regra geral, a magnetizacao e mais significativa se o campo exterior apli-cado for mais intenso (excepto se for tao intenso que a magnetizacao atinja ovalor de saturacao). Todavia, a resposta dos materiais magneticos nao variageralmente de forma linear com o campo aplicado, especialmente se foremferromagneticos. Mas deixemos essa discussao para depois.

Analisaremos mais adiante a origem e a natureza microscopica dos dipo-los magneticos de um material. Porem, do ponto de vista estrito da descricaomacroscopica do magnetismo nos materiais, podemos por ora atribuir a mag-netizacao a correntes equivalentes existentes dentro do material, a que dare-mos o nome de correntes de magnetizacao ou correntes de Ampere. Estascorrentes equivalentes de magnetizacao, a que se atribui a origem da mag-netizacao, sao evidentemente um modelo de pensamento, mas e um modelomuito util por permitir trazer os meios materiais para o ambito da magne-tostatica.

Ha pois necessidade de distinguir explicitamente as correntes livres, cujadensidade e jℓ, e as de magnetizacao, com densidade e designada por jm,a que se atribui a magnetizacao. A densidade de corrente em pontos deum meio material e portanto j = jℓ + jm. Nas superfıcies dos materiaistambem pode haver correntes superficiais, quer livres quer de magnetizacao,com densidades kℓ e km, respectivamente, em que k = kℓ + km.

A magnetizacao

Seja um material homogeneo, magnetizado, dentro do qual a magnetizacaoe M . Cada dipolo magnetico elementar, dm, pode ser associado a uma es-pira equivalente, com corrente δim, area ds e comprimento/espessura dℓ⊥,

2.9. MEIOS MAGNETICOS 43

kmkm

δl

md

k^

n

M

Figura 2.22: A magnetizacao de um material. Dipolos magneticos e correnteselementares equivalentes de Ampere associados a magnetizacao.

tal que dm = δimds m (ver fig. 2.22). Em resultado da sobreposicao destascorrentes elementares surgem correntes superficiais de magnetizacao, comdensidade km = δim

dℓ⊥, (se a magnetizacao for homogenea, as correntes el-

ementares cancelam-se mutuamente em todo o volume). Por conseguinte,M = dm

dτ= δim

dℓ⊥m = kmm, ja que dτ = dsdℓ⊥. Dado que m = n× km, entao

conclui-se que

M = n× km e que km = M × n (2.61)

Ha portanto uma relacao direta entre a magnetizacao e as correntes superfi-ciais de magnetizacao. A equacao anterior nao envolve contudo as correntesvolumetricas, jm, cujo efeito e igualmente necessario considerar.

Numa regiao de volume τ , delimitada pela superfıcie S, a soma de to-das as correntes de magnetizacao, dentro e sobre S, ha de ser sempre zero,evidentemente. Ou seja, (ver fig. 2.23),

τjmdτ +

Skmds = 0 (2.62)

Substituindo a eq. 2.61 vem∫

τjmdτ +

S(M × n) ds = 0

O integral em S pode ser convertido num integral de volume atraves doteorema de Gauss,28 ficando entao

τjmdτ −

τ(∇×M ) dτ = 0

28Se no teorema de Gauss,∮

SG · ds =

τ∇ · Gdτ , o campo G, que e qualquer, for

44 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

Como esta igualdade e valida independentemente do volume que se considere,entao necessariamente

∇×M = jm (2.63)

supondo que as funcoes sao bem comportadas. Conclui-se assim que as fontesdo campo M se podem atribuir efetivamente a correntes de magnetizacao.Alias, foi assim que as concebemos: como correntes (equivalentes) que criamos dipolos do material.

Aplicando o teorema de Stokes a equacao anterior conclui-se que, M

tambem satisfaz a equacao integral,∮

CM · dℓ = im (2.64)

Nas superfıcies em que haja correntes superficiais, mormente nas inter-faces entre meios magneticos diferentes, aplicar-se-a a equacao de fronteira,

rotSM = n× (M+ −M−) = km (2.65)

como e facil de concluir considerando uma circulacao da magnetizacao navizinhanca dessa superfıcie, (ver § 2.4.4). Vemos agora que a eq. 2.61 e afinalum caso particular da eq. 2.65, quando M+ = 0.

O campo M definido nos termos anteriores e um campo medio, cominteresse para uma descricao macroscopica dos fenomenos de magnetismo,cujo rotacional e igual a densidade de correntes equivalentes de magnetizacao.Todavia, nos termos do teorema de Helmholtz (§ 1.8), essa condicao naoe suficiente para definir o campo M , e tambem necessaria a equacao dadivergencia, ∇ ·M . Ou seja, apesar de ∇×B e ∇×M serem formalmentesemelhantes e terem as correntes como fontes, B e M nao tem a mesmaestrutura vectorial: - o campo B e sempre solenoidal (∇ · B = 0), mas ocampo M pode ter ∇ ·M 6= 0.

O campo H

Todas as correntes criam campo magnetico, B, i.e., todas sao fontes docampo B, quer as correntes livres quer as (equivalentes) de magnetizacao.

G = A×B, com B =contante, entao, como ∇ · (A×B) = B · (∇×A)−A · (∇×B) e,como pelo produto triplo, (A×B) · ds = (ds×A) ·B, tem-se que

S

A× ds = −∫

τ

(∇×A)d τ

2.9. MEIOS MAGNETICOS 45

km

km

ds

^n

jm

jm

τS

Figura 2.23: Correntes de magnetizacao, superficiais e volumetricas, km jm, numaregiao do espaco.

Ou seja, num material,

∇×B = µ0(jℓ + jm) (2.66)

Inserindo a eq. 2.63, obtem-se entao

∇×(

B

µ0

−M

)

︸ ︷︷ ︸

H

= jℓ

Isto e, podemos definir um campo, H ,

H =B

µ0

−M (2.67)

cujo rotacional depende apenas das correntes livres,

∇×H = jℓ (2.68)

Integrando esta equacao obtem-se tambem, nos termos do teorema de Stokes,a equacao integral de Ampere,

CH · dℓ =

iℓ (2.69)

O campo magnetico, B, pode portanto ser escrito como a soma do campodas correntes livres mais o campo das correntes de magnetizacao,

B = µ0(H +M ) (2.70)

46 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

No contexto do magnetismo usa-se chamar campo magnetico ao campoH , designando nesse caso o campoB como o campo de inducao magnetica oudensidade de fluxo magnetico. Mas, como referimos atras (pag. 12), optamospor chamar campo magnetico a B (como e voz corrente) e designar H sim-plesmente como “campo H”. De resto, H e um campo meramente auxiliar,nao e verdadeiramente um campo magnetico solenoidal como e o campo B,porque em geral ∇ ·H 6= 0.

Com efeito, as correntes livres definem o rotacional de H , (eq. 2.68), masessa condicao per se nao e suficiente para definir o campo H ; e tambemnecessaria a sua divergencia, cf. teorema de Helmholtz. O campo B eum campo solenoidal, que tem sempre divergencia nula em todas as cir-cunstancias. Assim, tomando a eq. 2.70,

0 = ∇ ·B = µ0(∇ ·H +∇ ·M) (2.71)

∇ ·H = −∇ ·M (2.72)

O campo H nao depende portanto so das correntes livres, depende tambem,ainda que indiretamente, das correntes de magnetizacao, atraves da di-vergencia de M . Por igual razao, a magnetizacao tambem nao dependeso das correntes de magnetizacao, mas tambem das correntes livres. Ouseja, os dois campos, H e M , estao umbilicalmente unidos pela eq. 2.72.Somente nos casos em que ∇ · M = 0, e so nesses casos, e que o campoH e verdadeiramente solenoidal, e so nesse caso e que depende apenas dascorrentes livres!

As equacoes do campo H sao pois,

∇×H = jℓ∇ ·H = −∇ ·M (2.73)

Em superfıcies de interface as condicoes de fronteira de H obtem-se comofizemos para B, em § 2.4.4,

rotSH = kℓ

divSH = −divSM(2.74)

Susceptibilidade magnetica

Em geral, um material (nao magnetizado) que seja posto na presenca de umcampo magnetico exterior adquire uma magnetizacao que e proporcional aocampo aplicado, sendo

M = χmH (2.75)

2.9. MEIOS MAGNETICOS 47

ainda que o coeficiente nao seja geralmente constante.29 O fator χm e asusceptibilidade magnetica do material. Se χm for constante entao a relacaoentre M e H e linear, mas nem sempre e assim. Essa questao sera discutidamais a frente.

Se o material for linear, isotropico e homogeneo, χm e constante e aeq. 2.70 pode ser posta na forma,

B = µ0(H +M ) = µ0(1 + χm)︸ ︷︷ ︸

µ

H

Isto e,

B = µH (2.76)

O coeficiente µ e a permeabilidade magnetica do meio. E tambem util definira permeabilidade relativa, µr =

µ

µ0

= 1 + χm.

Podemos ainda concluir das equacoes anteriores que num meio em que setenha B = µH , com µ constante, (nem sempre e assim), visto que ∇×H =jℓ, entao

∇ ·B = 0∇×B = µ jℓ

(2.77)

As equacoes 2.77 definem univocamente o campo B num meio de permeabili-dade µ, conforme o teorema de Helmholtz. Nestas circunstancias, as equacoesdo campo magnetico num meio material sao portanto as mesmas que novazio, substituindo simplesmente µ0 → µ nas respectivas propriedades. Estaconclusao e porem de ambito limitado, pois ha muitos casos com interessepratico que nao satisfazem a eq. 2.76.

Na tabela 2.2 indicam-se a tıtulo de ilustrativo as susceptibilidades de al-guns materiais diamagneticos e paramagneticos, bem como a permeabilidademaxima de alguns ferromagnetes e ferrimagnetes.

2.9.1 Descricao microscopica da magnetizacao

Como se disse, os materiais sao classificados de acordo com a resposta queevidenciam quando sao sujeitos a um campo magnetico externo; nomeada-mente, sao:

29Repare-se na definicao: nao e M = χmB, mas sim M = χmH (!), sendo a definicaode tal modo que M ∝ H ∝ iℓ.

48 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

Tabela 2.2: Susceptibilidade magnetica de alguns materiais diamagneticos e para-magneticos a 20o C; e permeabilidade maxima relativa, µmax

r , de alguns ferromag-netes e ferrimagnetes macios (neste caso opta-se por µr em vez da χm, face aosenormes valores desta ultima, ver § 2.9.1).

material χm material µmaxr

diamagneticos ferromagneticosprata −2.3× 10−5 ferro(98.8% puro) ∼ 5000ouro −3.4× 10−5 nıquel ∼ 600cobre −9.7× 10−6 mumetal(Ni-Fe-Cu-Cr) 1× 105

agua −9.0× 10−6 Aco-Si 4× 104

paramagneticos ferrimagneticosalumınio 2.2× 10−5 Fe3O4(magnetite) 98platina 2.8× 10−4 NiZn(ferrite) 640FeO 7.2× 10−3 MnZn(ferrite) 5000

• diamagneticos: se tem χm < 0 (sendo em geral |χm| <∼ 10−4). Como|χm| ≪ 1, um material so e diamagnetico se nao tiver outras formas demagnetismo. Os materiais supercondutores entram nesta classe massao um caso especial de diamagnetismo perfeito, em que χm = −1.Tem pois que ser considerados per se dada a sua importancia e especi-ficidade;

• paramagneticos: se tem geralmente 10−51 <∼ χm<∼ 101;

• ferromagneticos: se tem χm ∼ 50 − 104. O comportamento ferro-magnetico e porem complexo e tem que ser analisado especificamente.

As caracterısticas dıspares destes tipos de materiais sugerem desde logo aexistencia de fenomenos microscopicos muito diferentes em cada uma destascategorias. Devemos analisar a sua natureza para perceber as diferencas queeles evidenciam.

Um campo magnetico exterior que seja aplicado a um material atua sobreas nuvens eletronicas e induz pequenos dipolos microscopicos. O campocriado por tais dipolos opoe-se sempre ao campo aplicado e cresce linearmentecom o campo aplicado. Este fenomeno existe em todos os materiais e e

2.9. MEIOS MAGNETICOS 49

chamado de diamagnetismo.30 Trata-se porem do efeito mais fraco, pelo queapenas se consideram diamagneticos aqueles materiais que nao exibem outrotipo de magnetismo, mais intenso, de outro tipo.

Os materiais ditos magneticos tem dipolos magneticos microscopicos per-manentes, que existem espontaneamente na sua constituicao. Trata-se essen-cialmente de dipolos magneticos (de spin) de electroes atomicos desempar-elhados. Verifica-se haver casos em que, na ausencia de qualquer campoexterior, esses dipolos microscopicos se orientam aleatoriamente em todasas direcoes do espaco, e casos em que as direcoes de dipolos vizinhos estaoacopladas, havendo domınios finitos (com ∼ 1011 dipolos), em que esses dipo-los apontam todos numa mesma direcao e sentido.

Os materiais sem domınios magneticos sao os chamados materiais para-magneticos, os outros constituem a classe dos ferromagnetes. Estes ultimos,porem, tornar-se-ao paramagneticos acima de determinada temperatura,quando a energia termica for bastante para se sobrepor e apagar o alegadoacoplamento entre dipolos magneticos.

A acao de um campo exterior sobre um material paramagnetico fara quetendencialmente os seus momentos magneticos microscopicos se orientem nosentido do campo aplicado. Este efeito cresce com a intensidade do campoaplicado e e fortemente dependente da temperatura, pois a agitacao termicasobrepoe-se ao alinhamento dos dipolos.

O momento magnetico de spin

O spin e uma propriedade quantica intrınseca de cada partıcula, (quica a maisestranha de todas), a qual esta associado um momento dipolar magnetico. Ospin de um electrao tem apenas duas projecoes possıveis em qualquer direcao,sendo uma simetrica da outra e geralmente indicadas por ↑ e ↓. O spin doselectroes atomicos e a principal fonte de magnetismo dos materiais ditosmagneticos (o momento angular orbital dos electroes tambem contribui).

30O prefixo dia vem do grego e significa oposto, (”diametralmente oposto”e umpleonasmo!).

O fenomeno subjacente e intrinsecamente quantico, mas uma breve descricao classicanao faz mal e ajuda a perceber a sua genese. Um electrao com velocidade v fica sujeito aforca de Lorentz F = qv ×B. Como F ⊥ v, a forca e centrıpeta e o movimento circular,para determinado campo B. Ora, o movimento circular, de raio a, de uma carga q = −ecorresponde a um momento magnetico, m = iπa2 m = −e2πa

v πa2B. Isto e, o momentoinduzido, m, (e portanto M) e oposto ao campo B aplicado. Ou seja, o diamagnetismocaracteriza-se por ter χm < 0, mas e um efeito geralmente muito pequeno.

50 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

A escala microscopica, os electroes atomicos obedecem ao conhecidoprincıpio de exclusao de Pauli: − “dois electroes nao podem coexistir es-tando ambos exatamente no mesmo estado”; se ocupam a mesma orbitalatomica entao tem spins opostos. Por conseguinte, em princıpio, so sao ma-teriais magneticos aqueles que tiverem nuvens atomicas e moleculares comum numero ımpar de electroes.31

Assim, se dois electroes de um atomo tiverem spins paralelos estaraoem media mais separados do que se tiverem spins opostos, por forca doprincıpio de exclusao de Pauli. Por conseguinte, a energia media de re-pulsao eletrostatica e menor se os spins forem paralelos, comparativamentea configuracao de spins opostos. Este acoplamento entre spins e a chamadainteracao de troca, a qual expressa, efetivamente, a interacao eletrostaticaentre partıculas identicas carregadas, quando proximas.

Se os electroes pertencerem a atomos individuais, normalmente a in-teracao de troca favorece a configuracao de spins paralelos, que e a quetem menor energia eletrostatica. Em nıveis atomicos incompletos os poucoselectroes tendem a ocupar orbitais diferentes, com spins paralelos entre si(regra de Hund). Se os atomos formarem moleculas, os electroes formamorbitais moleculares as quais se aplicam os mesmos argumentos anterioresquanto ao emparelhamento dos spins dos electroes por via da interacao detroca. Por exemplo, a molecula de O2 tem alguns electroes com spins par-alelos e portanto tem momento magnetico nao nulo. Por isso o oxigeniomolecular e paramagnetico. Mas o hidrogenio molecular, H2 e diamagneticoporque na configuracao de menor energia os dois electroes da molecula temspins antiparalelos.

Paramagnetismo

Nos materiais paramagneticos os atomos (ou moleculas) tem momentomagnetico nao nulo, mas as nuvens eletronicas estao suficientemente afas-tadas umas das outras, o suficiente para para que nao haja correlacao entre

31No caso dos condutores, os electroes das camadas mais exteriores estao fracamenteligados aos atomos respectivos, passando a fazer parte do todo colectivo sob a forma deelectroes livres (ou de conducao). Esses electroes nao contribuem significativamente para omagnetismo. Assim, as propriedades de conducao nao parecem determinar as propriedadesmagneticas de um material: p.ex., o cobre e diamagnetico, o alumınio e paramagnetico e oferro e ferromagnetico. O ferro e um bom condutor, por ter electroes de conducao cedidosao colectivo pelas orbitais 4s - as mais exteriores. Porem, o magnetismo nao vem desseselectroes mas dos electroes das orbitais 3d, as quais estao incompletas.

2.9. MEIOS MAGNETICOS 51

as orientacoes desses dipolos. Quando se sujeita esse material a um campoexterno, esses dipolos orientam-se tendencialmente na direcao do campo apli-cado, originado uma magnetizacao proporcional a esse campo externo. Amagnetizacao varia linearmente com H se o campo for baixo, mas tendeassimptoticamente para um valor de saturacao, quando todos os dipolos sealinharem com H . Este processo e perturbado pela agitacao termica e de-pende fortemente da temperatura.32

Ferromagnetismo

O ferromagnetismo envolve o alinhamento espontaneo dos momentos magneticosatomicos. Entre os elementos que sao espontaneamente ferromagneticosestao, p.ex., o ferro, cobalto, nıquel e as terras raras: Gd e Dy, etc... Estefacto sugere desde logo que o ferromagnetismo esta associado a existencia deorbitais 3d e 4f incompletas, (vide tabela periodica).

De facto, o que mais caracteriza os ferromagnetes e precisamente o factode conterem atomos que tem orbitais interiores parcialmente preenchidas,com electroes desemparelhados. Os electroes destas camadas interiores naopodem formar pares de spin com electroes de outros atomos vizinhos por sergrande a distancia interatomica (nas terras raras, por exemplo, o raio dasorbitais 4f e cerca de 1/10 da distancia interatomica). Mas estao, aindaassim, suficientemente proximos para que a interacao de troca correlacioneas respectivas direcoes e sentido.

A distancia interatomica desempenha um papel fundamental. Se asdistancias interatomicas forem muito grandes nao ha correlacao entre as ori-entacoes dos spins atomicos, tendo-se nesse caso um paramagnete. Mas devehaver, em princıpio, uma certa gama de distancias em que a interacao detroca introduz uma correlacao positiva entre as orientacoes de momentosmagneticos vizinhos, originando deste modo uma magnetizacao espontanea,

32No caso mais simples, em que se consideram spins de electroes individuais, os spinsestao quantizados: - e so podem ter duas orientacoes, ↑ e ↓, no sentido do campo e nosentido inverso, respectivamente. O valor medio dos spins na direcao do campo B e pois

〈m〉 = +me−mB/kBT −memB/kBT

e−mB/kBT + emB/kBT= m cot

(mB

kBT

)

pois a probabilidade de um dipolo ter energia U = −m · B e proporcional ao fator deBoltzmann, p ∼ e−U/kBT . A curva f = cot(x) tem uma forma conhecida que descrevebem o comportamento paramagnetico.

52 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

como e caracterıstica dos materiais ferromagneticos. Eventualmente, paradistancias interatomicas menores podera ocorrer a configuracao em que mo-mentos vizinhos sao simetricos um em relacao ao outro, caso em que ha umfenomeno de antiferromagnetismo.

Os materiais ferromagneticos parecem pois ter a distancia interatomica”certa” que introduz a correlacao positiva entre as direcoes/sentido dos spins.Como se disse acima, esta correlacao positiva entre os spins de um ferromag-nete e devida a interacao de troca, que combina, grosso modo, a repulsaoeletrostatica e o princıpio de exclusao de Pauli. A energia desta interacao epois da escala de energias da interacao eletrostatica. A energia de repulsaoeletrostatica entre dois destes electroes, separados por cerca de r = 2 A, eUe = 1

4πǫ0e2

r∼ 1 eV. Por conseguinte, se o ferromagnete for aquecido, e a

energia termica media for da ordem de kBT ∼ Ue, entao as colisoes termicassobrepoem-se a interacao de troca e ele torna-se um paramagnete. A tem-peratura crıtica a que isso ocorre e a chamada temperatura de Curie, Tc, edepende do material (e.g. o Fe tem Tc ≃ 1000oC, que corresponde efetiva-mente a uma energia termica media, kBTc ∼ 0.1 eV).

Domınios magneticos

A energia de interacao dipolar magnetica entre dois dipolos magneticos, m1

e m2, a distancia r um do outro e, (ver § 2.8), Um = −m2 · B1, ondeB1 =

µ0

4πr3[3(m1 · r1)r1−m1] e o campo criado pelo dipolo m1, (ver eq. 2.56).

Para distancias r ∼ 2 Ae para m1 = m2 = µB ≈ 10−23 J/T (µB e o magnetaode Bohr do spin do electrao), a energia magnetica de dois dipolos magneticosparalelos e Um ∼ 10−4 eV; logo muito menor que a energia da interacao detroca que faz alinhar os spins, que e da ordem de Ue ∼ 1 eV. A interacaodipolar magnetica nao tem pois relevancia no que concerne ao alinhamentodos dipolos magneticos atomicos. Todavia, e esta interacao magnetica quedetermina a formacao de domınios magneticos no material.

As nuvens atomicas sao efetivamente distribuicoes de carga que de-crescem exponencialmente com a distancia ao nucleo. A interacao de trocae pois essencialmente local, pois esta associada a sobreposicao das nuvenseletronicas. Consequentemente, a media distancia a interacao entre grupos dedipolos e dominada pela interacao dipolar magnetica, dado que esta decrescepolinomialmente com a distancia, Um ∼ 1

r3(e portanto mais lentamente que

a exponencial). Visto que a configuracao com menor energia magnetica eaquela em que os momentos magneticos sao mutuamente opostos, isso fa-

2.9. MEIOS MAGNETICOS 53

Fe (monocristal)0.1 mm

Fe−Si

Figura 2.24: Domınios magneticos de ferromagnetes (repare na escala): a) mate-riais policristalinos e b) monocristais.

vorece a formacao espontanea de domınios magneticos. Em cada domınioos dipolos sao todos paralelos entre si, mas domınios vizinhos tendem a termagnetizacoes opostas. Caso o material nunca tenha sido magnetizado, osdomınios magneticos tem orientacoes tais que a magnetizacao global e nula,pois a energia magnetica e mınima se B = 0 no exterior do material, (vereq. 2.46). As fronteiras entre os domınios estendem-se preferencialmente porpontos de imperfeicao da rede cristalina do material em causa (ver fig. 2.24).

Se os domınios forem solicitados por um campo exterior, se ele for suficien-temente forte, as fronteiras desses domınios migram ao longo de imperfeicoesda rede cristalina, aumentando o volume dos domınios com spins no sentidodo campo aplicado, a expensas de outros domınios. Em resultado desse pro-cesso, cria-se uma magnetizacao que permanece nao nula apos se desligar ocampo externo - i.e., obtem-se um magnete. Em geral este efeito e tao maissignificativo quanto menos homogeneo e puro for o material.

Histerese magnetica

Um material pode ser magnetizado colocando-o por exemplo no interior deum solenoide ou toroide percorrido por uma corrente (ver fig. 2.25). O campomagnetico no interior de um toroide vazio, de raio a, com N espiras, per-corrido por uma corrente, i, e B = µ0ni ϕ, onde n = N

2πae o numero de

espiras por metro, e ϕ e o versor angular polar em torno do eixo axial desimetria.33 O campo H nessa regiao e pois H = ni ϕ. Ou seja, nestas

33Atendendo a simetria e ausencia de efeitos de bordos, o campo B pode ser obtidofacilmente pela lei de Ampere,

CB · dℓ = µ0iN . Pela simetria tem-se: B = Bϕ; dℓ =

54 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

i

i

aB

B

B

Figura 2.25: O campo B no interior de um toroide.

condicoes, o campo H e dado diretamente pela corrente i, o que o tornamuito conveniente do ponto de vista experimental, (e ate comum exprimirH em unidades de ampere.voltas/metro).

Se introduzirmos um material magnetico no interior de um toroide (oubobine), onde o campo e H , vai haver magnetizacao desse material. A sus-ceptibilidade magnetica, (que e definida como χm = M

H) mede efetivamente

o quociente entre a resposta que se obtem e aquilo que poe. A experienciamostra que:

i) materiais diamagneticos tem comportamento linear, mas fraco;

ii) que os materiais paramagneticos sao aproximadamente lineares se ocampo for fraco, mas depois saturam e afastam-se da linearidade; e

iii) que os materiais ferromagneticos (e antiferromagneticos) tem compor-tamento complexo, fig. 2.26). Neste caso, o comportamento nao e ape-nas funcao do campo H aplicado, mas depende tambem da historiamagnetica desse material.

Representando a magnetizacao de um ferromagnete, M , em funcao de H,obtem-se uma curva de histerese como a da fig. 2.26. Mas a histerese tambempode ser representada entre B e H, pois a curva de B vs H e semelhantea curva M vs H. De facto, para campos baixos, como χm ≫ 1, entaoM = χmH e B = µ0(1+χm)H ≈ µ0χmH. Para campos elevados M satura efica M ≈ Ms, enquanto que B = µ0H +µ0Ms, (ver nota da pag. 56). Assim,

no intervalo −Ms

∼< H

∼< Ms, B/M ∼ µ0, e os planos (M,H) e (B,H)

diferem essencialmente num fator de escala - a forma e a mesma.

2.9. MEIOS MAGNETICOS 55

H

M

0

a) b)

B

0 H

Figura 2.26: Curvas de histerese de um material ferromagnetico: a) M em funcaode H e b) B em funcao de H. A linha do meio e a curva de primeira magnetizacao.Note como ambas as representacoes exibem formas semelhantes.

Hc

Br

HcBr

1

H

B

Figura 2.27: Curva de histerese de um material ferromagnetico. Um materialvirgem nao tem magnetizacao inicial, comeca na origem e percorre a curva deprimeira magnetizacao (curva 1). Se a intensidade do campo H aumentar paraalem de certo valor, o processo torna-se irreversıvel e parte da magnetizacao per-manece: em desligando H fica uma magnetizacao remanescente, Mr que originao campo remanescente, Br = µ0Mr. E necessario aplicar um campo coercivode sinal contrario, Hc, para a anular o campo remanescente. Porem, em gerala magnetizacao remanescente so sera anulada por aproximacoes sucessivas, (verfig. 2.31).

56 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

Um material virgem, que nunca tenha sido magnetizado, segue a curva 1da fig. 2.27, conhecida como curva de primeira magnetizacao. Ao ser sujeito aum campo externo aumentam os domınios com dipolos na direcao/sentido docampo aplicado (ou em direcoes de facil magnetizacao proximas da direcaodo campo), a expensas dos outros domınios. Este deslocamento das fronteirase facilitado pelo facto de aı se verificar uma transicao suave da orientacaodipolar (ver fig. 2.28). Basta pois uma pequena rotacao de dipolos parafazer migrar a fronteira. Esse processo e reversıvel enquanto o campo forfraco - desligado o campo H , a magnetizacao volta a ser zero. Porem, seo campo for aumentado, os limites dos domınios magneticos expandir-se-aode forma irregular ao longo de pontos de imperfeicao da rede cristalina eesse processo torna-se irreversıvel. Se o campo for aumentado ainda maistem inıcio a rotacao dos dipolos dos ultimos domınios ainda desalinhadose a magnetizacao satura ao dar-se o alinhamento completo dos dipolos domaterial, (ver fig. 2.29).34

Se o campo exterior for suficientemente intenso e a seguir for desligado,as fronteiras que migraram ja nao regressam espontaneamente aos limitesoriginais, ficam presas nas irregularidades da rede cristalina e o processoe irreversıvel. O material fica pois magnetizado, com uma magnetizacaoremanescente, Mr, correspondente a curva de histerese em que se encontravaquando o campo H foi desligado (ver figs. 2.27 e 2.31). Criou-se um magnetepermanente.35

adϕϕ; portanto B = µ0iN2πa ϕ.

34Ao ser atingida a saturacao, os dipolos estao todos alinhados, pelo que M = Ms ∼nm, onde m e o momento magnetico de cada atomo e n e o numero de dipolos pormetro cubico. Cada momento magnetico de spin e aproximadamente um magnetao deBohr, m ∼ µB ≈ 10−23J/T; a densidade de dipolos e aproximadamente 1 mole/cm3

(mais exatamente, n = ρANA, com A a massa atomica, ρ a densidade e NA o numero

de Avogadro); pelo que n ∼ 1 × 1023/cm3. Ou seja, a magnetizacao de saturacao temvalores da ordem de Ms ∼ 106J/Tm3, o que corresponde a um campo magnetico daordem de 1 T, (i.e., µ0Ms ∼ 1T). No limite em que a magnetizacao permanente e amagnetizacao de saturacao, B ≈ µ0(H +Ms) e a permeabilidade limite e µlim ≈ µ0. Osmateriais magneticos duros, como os magnetes de Ne-Fe-B, tem tipicamente valores deµ0Ms ≃ 1.5 T e µlim ≃ 1.05µ0, (ver fig. 2.32).

35Amagnetizacao so voltara a ser nula se um campo de sentido contrario lhe for aplicado,forcando nova deslocacao dos domınios em ciclos sucessivos de desmagnetizacao, fig. 2.31.O material tambem pode ser desmagnetizado aquecendo-o acima da temperatura de Curie,a qual se torna paramagnetico. Ao arrefecer readquire as propriedades ferromagneticas,organizando-se em novos domınios, que se orientarao de aleatoriamente, sem nenhumarelacao com os domınios originais (fez-se-lhe reset).

2.9. MEIOS MAGNETICOS 57

Figura 2.28: Na fronteira entre domınios magneticos ha uma zona de transicao.

H H Ha) d)c)b)

M

Ha)

c)

d)

b)

Figura 2.29: O processo de magnetizacao de um ferromagnete. O processo ereversıvel se o campo aplicado for baixo; campos mais elevados introduzem al-teracoes irreversıveis de que resultam magnetizacoes permanentes. a) campo zero;b) campo baixo: deslocacao reversıvel das fronteiras dos domınios; c) campo el-evado: deslocacao irreversıvel das fronteiras atraves de irregularidades estrutu-rais; d) campo muito elevado: rotacao dos ultimos dipolos ainda nao alinhados;saturacao.

58 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

E pois evidente que um material ferromagnetico nao responde sempre damesma maneira a um mesmo campo aplicado - este material tem memoria dasua historia magnetica e a sua resposta depende disso. Consequentemente,so tem significado considerar a permeabilidade de materiais ferromagneticosque nao estejam ja magnetizados, i.e., que nao tenham historia magnetica.

Como a relacao entre B e H nao e linear num ferromagnete, e necessarioespecificar qual e o entendimento que se tem quando se refere a permeabil-idade de um ferromagnete. Geralmente a permeabilidade indicada para umferromagnete e a maxima permeabilidade, µmax, i.e., o declive da linha queparte da origem e e tangente a curva de primeira magnetizacao no pontoem que B

He maximo, ver fig. 2.30. Tambem se definem a permeabilidade

inicial, µini, a permeabilidade diferencial media, µd =∆B∆H

, a permeabilidade

de recuo, µrec =dBdH

)

H=0, etc.

Ha dois parametros da curva de histerese que sao particularmente rele-vantes (ver fig. 2.27):

i) a coercividade, Hc, que mede de algum modo a facilidade em mag-netizar/desmagnetizar um material e;

ii) a remanescencia, Br, que traduz a capacidade de um material quefoi magnetizado reter a magnetizacao.

Nos magnetes permanentes ambas as quantidade sao elevadas (ver fig. 2.32).Dependendo da area da curva de histerese estes materiais magneticos sao

normalmente agrupados em duas grandes categorias:

i) materiais magneticos duros, se tem uma grande area de histerese.Estes materiais tem tambem, em geral, elevada remanescencia, elevadacoercividade e uma permeabilidade de recuo µrec ≈ µ0, o que significaque a sua magnetizacao remanescente e quase tanta quanta a mag-netizacao de saturacao. Sao estes materiais que formam os melhoresmagnetes permanentes.

Na fig. 2.32 mostra-se a histerese de dois destes materiais: - um mag-nete de CoPt e um de Nd-Fe-B, um dos magnetes mais intensos queatualmente se fazem.

Mas a magnetizacao dos magnetes comuns tambem se vai reduzindo com o tempo porefeito das flutuacoes termicas a temperatura ambiente (e eventualmente devido a processosde oxidacao do proprio material).

2.9. MEIOS MAGNETICOS 59

o

µ rec

µ max

µ = BH

H

permeabilidade

0

µ

saturação

µ

inicialµ

H

Br

c

µinic curva virgem−H

B

a) b)

Figura 2.30: Curva de magnetizacao de um ferromagnete. A permeabilidademagnetica e uma funcao da amplitude do campo; indicam-se a permeabilidademaxima e a permeabilidade inicial da curva de primeira magnetizacao e a perme-abilidade de recuo, µrec. Apos a saturacao, M = Ms ∼ 106 A/m, e constante (vernota da pag. 56), e, B = µ0H + µ0M s, (onde µ0Ms ≈ 1T). Isto e, no limitedos grandes campos o quociente B/H → µ0 e portanto a permeabilidade limite eµlim ≈ µ0. Num material magnetico muito duro, µrec ∼ µ0, (cf. fig. 2.31).

ii) materiais magneticos macios, se tem baixos valores de Br e Hc ereduzida area de histerese. Tem tambem geralmente elevada perme-abilidade e sao facilmente desmagnetizaveis. Por isso alguns destesmateriais, (os de menor condutividade electrica), sao utilizados nosnucleos de electromagnetes, transformadores e motores electricos.

Energia de um ciclo de histerese

A area da curva de histerese do grafico (H,B) da fig. 2.26 e igual a ener-gia dissipada em cada ciclo completo por unidade de volume de materialmagnetizado. No vazio, a densidade de energia magnetica e

uB =1

2µ0

B2

Uma variacao infinitesimal do campo, dB, traduz-se pois numa variacao dadensidade de energia em cada ponto,

duB =1

µ0

B dB = B dH, (2.78)

60 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

H

B

Figura 2.31: Ciclos de histerese de um ferromagnete. Para desmagnetizar umferromagnete magnetizado ou, i) se aquece acima de Tc, ou ii) se fazem multiplosciclos de magnetizacao/desmagnetizacao, reduzindo progressivamente a amplitudedo campo H; o material percorre entao ciclos de histerese sucessivamente menores,ate desmagnetizar totalmente.

Mµο

1 2 3−3 −2 −1

−1.5

−1.0

−0.5

0.5

1.0

1.5

(MA/m)

(T)

H0

M

H

b)a)

Figura 2.32: A histerese de magnetes permanentes duros. Notem-se os elevadosvalores de remanescencia e de coercividade e ainda o facto de a magnetizacaode saturacao, Ms, ser da ordem da coercividade, Ms ∼ Hc e de a magnetizacaoremanescente ser proxima do maximo possıvel, Mr ∼ Ms. a)Histerese de ummagnete de Nd-Fe-B; b) histerese de um filme de Co-Pt de um disco duro decomputador, [AZoM.com].

2.9. MEIOS MAGNETICOS 61

(pois no vazio B = µ0H). Porem, a equacao anterior tambem se aplica amateria, visto que nao tem qualquer referencia as propriedades do meio.36

Isto e, a energia dissipada (sao processos irreversıveis) no material, por ciclode histerese e por unidade de volume, e igual a area do respectivo ciclo dehisterese, no plano (H,B),

∆uB =∮

ciclo

B dH (2.79)

Esta perda de energia e relevante sobretudo em sistemas de corrente alter-nada, em que o ciclo de histerese e percorrido repetidamente com a frequenciada corrente, f . Nesse caso, a potencia dissipada por histerese por metrocubico de ferromagnete e P = ∆uB

∆t= f∆uB. Um transformador dissipa

energia so por estar ligado a tomada; o consumo energetico passivo podeser significativo em aparelhos de ma qualidade (nao somente pelas perdas dehisterese).

Antiferromagnetismo e ferrimagnetismo

Algumas estruturas cristalinas apresentam correlacoes negativas entre as ori-entacoes de dipolos vizinhos. Nesse caso os spins de atomos contıguos daestrutura cristalina estao antiparalelos, originando um tipo especıfico de mag-netismo chamado antiferromagnetismo (p.ex. no MnFe2).

O ferrimagnetismo e um caso especial de antiferromagnetismo em que osdipolos num sentido sao mais fortes que os outros, ocorrendo por isso mag-netizacao espontanea. As ferrites sao uma famılia importante de ferrimag-netes. Muitas das ferrites sao isoladores electricos, o que e uma caracterısticarelevante para muitas aplicacoes praticas. Os ferromagnetes propriamenteditos sao geralmente pouco adequados para aplicacoes envolvendo campososcilatorios, devido as perdas por correntes induzidas de Foucault, nomeada-mente em nucleos de transformadores, em componentes de geradores de mi-croondas, etc... Ademais, as ferrites sao bastante mais resistentes a corrosao,ja que muitas delas sao oxidos. Por estas razoes as ferrites sao os materiaismais escolhidos para fazer os nucleos dos referidos equipamentos.

36De facto, calculando a densidade de energia magnetica na materia, tem-se um =12 (H ·B +M ·B) = B2

2µ0

, (pois M = B/µ0 −H).

62 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

M

B

km

Figura 2.33: Linhas de campo de um magnete permanente cilındrico com magne-tizacao uniforme M = M0z. A magnetizacao pode ser descrita como sendo devidaa correntes de magnetizacao superficiais, km.

2.9.2 Magnetes permanentes - analise de uma barra

magnetica

Um magnete permanente tem magnetizacao per se, sem requerer a presencade qualquer outro campo. Nao ha correntes livres, apenas magnetizacao,sendo esta a unica causa do campo magnetico. Esse facto justifica por si ointeresse em discutir a sua especificidade.

Seja o magnete cilındrico de raio R e comprimento ℓ da fig. 2.33, em quea magnetizacao e por hipotese uniforme, na direcao axial, M = M0z. Ocampo em cada ponto e dado pela eq. 2.70, B = µ0(H +M ). No exterior

do magnete M = 0, e portanto na regiao exterior H = Bµ0

. Em pontos dointerior, como M e uniforme, ∇ × M = 0 = jm; ∇ · M = 0. Para alemdisso, ∇×H = ∇×B = 0 e ∇ ·M = −∇ ·H = 0 em todo o espaco.

As condicoes de fronteira nas superfıcies do cilindro sao:

rotSM )r=R = km = M0ϕ

divSM)z=0 = M0

divSM)z=ℓ = −M0

rotSH = 0

rotSB)r=R = µ0 rotSM)r=R = µ0M0ϕ

Estas equacoes descrevem a magnetizacao do cilindro, atribuindo-a a cor-rentes de magnetizacao superficiais, km, na superfıcie lateral. O campoB pode ser calculado facilmente em pontos do eixo, ja que e o de um

2.9. MEIOS MAGNETICOS 63

θ2

θ1 zB

i

l

B

Figura 2.34: O campo magnetico em pontos eixo de um solenoide, com compri-mento ℓ e N espiras percorridas por uma corrente i, cujo eixo axial coincide com z:B = µ0iN

2ℓ (cos θ1 − cos θ2)z. Se for infinito (θ1 = 0, θ2 = π), obtem-se o resultado

conhecido, B = µ0iN2ℓ z.

solenoide equivalente percorrido por uma corrente superficial km: - em pon-tos do eixo, B = µ0km

2(cos θ1 − cos θ2)z (ver fig. 2.34).37 Na aproximacao

de solenoide infinito, tem-se B = µ0kmz = µ0M0z no centro do cilindro e

B = µ0km2

z = µ0M0

2z nos topos. No interior do magnete, tem-seH = B

µ0

−M ,concluindo-se portanto que no centro do cilindro H = 0 e que junto de cada

um dos topos H = −M2, (ver fig. 2.35).

Isto e, dentro do cilindro, em particular junto dos topos, H e M sao an-tiparalelos (ver fig. 2.35). Para alem disso, a intensidade deH decresce desdeo topo ate ao centro do magnete, onde e aproximadamente zero, conquantoM seja uniforme, por hipotese. Este exemplo mostra de forma eloquenteque ha casos, como este, em que M 6= χmH; alias, de contrario ter-se-iaχm < 0 e, portanto, um diamagnete (mas os magnetes permanentes sao fer-romagnetes!). A questao e que neste caso, H nao e um campo aplicadoexternamente ao material, que va induzir uma magnetizacao, mas um casoevidente em que o campo H e criado pelas correntes de magnetizacao. Istomostra per se e de modo eloquente que as fontes de H nao sao apenas as cor-rentes livres mas sao tambem, eventualmente, as correntes de magnetizacao(ver discussao em § 2.9).

E difıcil calcular exatamente os campos B e H criados pelo magnete emtodos os pontos. A solucao deste problema requer a integracao da equacao

37Integrando a lei de Biot-Savart para uma espira da fig. 2.34, obtem-se em pontosdo eixo axial, z, o campo Bz = µ0i

2a sin3 θ. Um enrolamento de espiras justapostas decomprimento dz tem uma corrente di = kdz (k e a densidade superficial de corrente) ecria portanto o campo dBz = µ0kdz

2a sin3 θ, onde dz = − asin2 θ

, ver fig. 2.34. Um solenoidede comprimento finito, compreendido entre θ1 e θ2, cria o campo Bz = µ0

2 (cos θ1− cos θ2).

64 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

de Laplace, ∇2A = 0, (pois j = 0), com as condicoes de fronteira acimareferidas. Resulta assim o sistema de equacoes acopladas,

∇2A = 0B = ∇×A

H = Bµ0

−M

divSH)z=0 = −M0

divSH)z=ℓ = +M0

divSH)r=R = 0

(2.80)

Estas equacoes formam um problema complicado, cuja resolucao nao e trivial.A solucao esta representada na fig. 2.35.

E de referir que:

i) no exterior do magnete as linhas de B e H tem a mesma estruturavectorial em todos os pontos (pois B = µ0H);

ii) no interior do material B e H apontam em direcoes diferentes, quasi-opostas;

iii) as linhas de B sao sempre linhas que se fecham sobre si proprias;

iv) pelo contrario, as linhas de H tem inıcio no topo do magnete e vaoacabar na outra extremidade, quer indo por fora quer indo por dentro;

v) H e M tem sentidos (quasi) opostos em muitos pontos do magnete,mostrando que este e um caso em que claramente M 6= χmH ;

vi) este e um caso em que H e criado por correntes de magnetizacao!

2.9.3 Aplicacoes

Os materiais ferromagneticos tem aplicacao diversa, nomeadamente noschamados circuitos magneticos, nos nucleos de bobines em transformadores.Com efeito, sendo facilmente magnetizaveis, tais materiais potenciam ocampo criado pela bobine, fazendo-o aumentar alguns milhares de vezes(efeito que, como vimos, e devido ao alinhamento dipolar na direcao docampo externo gerado). Mas, para alem disso, a presenca do material mod-ifica a orientacao das linhas de campo B, concentrado-as (ver fig. 2.36).

2.9. MEIOS MAGNETICOS 65

BB

M

H H

M

H

Figura 2.35: Linhas de campo magnetico de um magnete permanente cilındrico.As linhas de B sao sempre linhas que se fecham sobre si proprias. Ja as linhas deH tem inıcio no topo do magnete e vao acabar na outra extremidade. Note quedentro do material H e M tem sentidos quase opostos.

Por conseguinte, as perdas de fluxo que se verificam no acoplamento entredois circuitos magneticos sao muito menores se intervier um nucleo ferro-magnetico. No caso dos transformadores, minimizam-se as perdas de fluxo,fazendo que as linhas de campo magnetico fiquem contidas dentro do material(ver fig. 2.37).

Como acima se disse, os nucleos ferromagneticos dos transformadores,etc..., sao geralmente materiais ferrimagneticos, em particular ferrites, dadaa sua baixa condutividade (ver tabela 2.1), porque isso reduz as correntesinduzidas de Foucault e portanto as perdas ohmicas associadas. Ademais,geralmente lamina-se o material do nucleo de forma a minimizar aindamais essas correntes induzidas. As ferrites tem alem do mais caracterısticasmagneticas macias, apresentando reduzida area de histerese, o que reduz asperdas de energia por histerese. Ambos os aspetos anteriores sao determi-nantes para a eficiencia de um circuito em que a corrente oscila rapidamente,como e o caso de um transformador.

66 CAPITULO 2. MAGNETOSTATICA

B B

a) b)

Figura 2.36: Linhas de campo magnetico, B, de uma bobine: a) sem nucleo; b)com um nucleo ferromagnetico. O material nao so amplia o campo como concentraas suas linhas, reduzindo as perdas de fluxo magnetico em muitas aplicacoes.

B

~

Figura 2.37: Representacao esquematica de um transformador. As linhasde campo estao essencialmente confinadas no nucleo ferroso, entre os circuitosprimario e secundario, sendo assim reduzidas as perdas de fluxo magnetico.